A gestão cultural "em jogo": políticas culturais para a capoeira na cidade de Pojuca - BA

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO CAMPUS II ALAGOINHAS COLEGIADO DO CURSO DE EDUCAÇÃO FÍSICA SILAS DOS REIS LIMA A GESTÃO CULTURAL “EM JOGO”: POLÍTICAS CULTURAIS PARA A CAPOEIRA NA CIDADE DE POJUCA - BA ALAGOINHAS-BA 2012

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Silas dos Reis Lima

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO

CAMPUS II – ALAGOINHAS COLEGIADO DO CURSO DE EDUCAÇÃO FÍSICA

SILAS DOS REIS LIMA

A GESTÃO CULTURAL “EM JOGO”: POLÍTICAS CULTURAIS PARA

A CAPOEIRA NA CIDADE DE POJUCA - BA

ALAGOINHAS-BA

2012

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SILAS DOS REIS LIMA

A GESTÃO CULTURAL “EM JOGO”: POLÍTICAS CULTURAIS PARA

A CAPOEIRA NA CIDADE DE POJUCA - BA

Monografia apresentada ao Curso de Licenciatura em

Educação Física da Universidade do Estado da Bahia –

Campus II como requisito para obtenção do título de

graduado em Educação Física.

Orientador: Prof. Dr. Luiz Carlos Rocha.

ALAGOINHAS-BA

2012

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SILAS DOS REIS LIMA

A GESTÃO CULTURAL “EM JOGO”: POLÍTICAS CULTURAIS PARA A CAPOEIRA

NA CIDADE DE POJUCA - BA

Monografia apresentada como requisito parcial para a conclusão do curso de

Licenciatura em Educação Física da Universidade do Estado da Bahia, Campus II.

Aprovada em 08 de Agosto de 2012.

BANCA DE AVALIADORES

_______________________________________________

Prof. Dr. Luiz Carlos Rocha

Universidade do Estado da Bahia

________________________________________ Prof. Ms. Ubiratan Azevedo de Menezes

Universidade do Estado da Bahia

________________________________________ Prof. Ms. Gilvan Barbosa da Silva

Universidade do Estado da Bahia

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Para Gajé, o “pequeno homem”

que mudou para sempre a vida

do papai.

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AGRADECIMENTOS

À Deus que não é só Pai, mas Mãe e Pai em ambivalência.

Às Forças Elementares da Natureza – os Orixás - que sem dúvidas que

guiaram e me guardaram não só durante esta produção, mas durante toda vida. É

preciso que se reconheça.

À Dona Percília, a Iyá maior da minha linhagem.

À Maria Cristina dos Reis, minha amada Iyá.

À meu erê Tarcísio. Quando o desânimo ousava aparecer nestes

intermináveis um ano e meio de produção, bastava olhá-lo dormindo durante nossas

madrugadas juntos e a inspiração resurgia como uma fagulha do fogo de Xangô.

Aos familiares queridos. Sintam-se todos contemplados.

Aos amigos que felizmente são muitos, cujos valores são inestimáveis.

Ao amigo João Batista, que já no ensino fundamental me inspirava com o seu

jeito especial de ser educador. Ensinou-me certo dia que na busca pelo que é justo

“posso ser radical, nunca extremista”. Meu primeiro achego com a educação física

foi via - João. Jamais esqueci. Obrigado meu camará.

Aos professores César Leiro e Luiz Rocha, figuras emblemáticas do que é o

curso de educação física da UNEB Alagoinhas. Vi e vivi um espaço de valorização

das humanidades, que transcende qualquer prática indiscriminada de esportes, é

maior que qualquer formação tecnicista e reprodutivista para dar conta das

“demandas do mercado”.

Ao polêmico professor Normando Carneiro. Através dele tive acesso a uma

das obras que mudou minha vida: “Sociologia Crítica: alternativas de mudança”, de

Pedrinho Guareschi. “Um livro libertador para qualquer um”, como o próprio autor

descreve sua obra. A partir desta leitura me aproximei da teoria histórico-crítica,

passando a bebê-la mais tarde em autores da própria educação física, dentre eles a

querida professora Martha Benevides em sua paixão pela escola.

Ao professor Bira Menezes, por ser um pai, um amigo, um parceiro. A ele

devo, entre muitas outras coisas, a oportunidade de ter participado do projeto

Cultura Corporal em Alagoinhas (CUCA), um divisor de águas no meu processo

formativo inicial.

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Aos demais mestres do nosso curso. Gosto de lembrar aqueles com quem

convivi por um curto período, mas que me marcaram profundamente: Diana Tigre,

Gleide Sacramento, Gregório e Mônica Benfica, Vivi Araújo, Alan “Gigante”...

Aos serventes, seguranças e técnicos do Campus, injustamente esquecidos

na maioria dos agradecimentos das monografias que observei. Tenho a honra de

conhecer e ser amigo de todos e afirmo que sem eles “essa zorra não funciona” (rs).

Estendo o muito obrigado à mãe Deja e à Mona (secretárias do colegiado), duas

criaturas maravilhosas que prestam um serviço fundamental ao curso.

Aos colegas de todas as turmas do curso, na certeza de que em algum

momento de nossa convivência deixei um pouco de mim neles e fiquei com um

pouco deles em mim.

À família Mais Educação da Escola Municipal Jardim Petrolar, principalmente

a dupla dinâmica MC Osmar e Scheyla. Jamais os esquecerei.

Aos camaradas do Grupo Zambiacongo, na pessoa do admirável mestre

Nêgo, que muito contribuiu na interminável construção de meu “eu capoeirano”.

Estendo o muito obrigado ao Gerente de Cultura de Pojuca, Sidney Marcos Avelar,

pelo importante depoimento.

Ao querido mestre Iran Boaventura e a todos o malungos mandingueiros da

AAFRICA - Associação Afro-Interiorana de Capoeira. Axé meus camarás!

À família Associação Pestalozzi de Alagoinhas, sobretudo a “patota de

Cosme” Dida, Leiliane, Sandra e Jane e aos meus discípulos que têm me ensinado

dia a dia a enxergar a vida de outro ângulo. E é bonita, e é bonita!

À Ritinha, que me deu a mão mesmo estando submersa nos seus estudos de

mestrado, sendo decisiva para o resultado deste. Aproveito para exaltar toda família

Bastos de Ubaíra – BA, com a qual me casei após a união com “Minha Preta” Isa.

Amo cada um de vocês.

À Claudinha, para quem fui levado pelo axé que lhe é próprio e que muito me

aclarou na escrita. Com seu jeito exigente e perfeccionista me mostrou que devo

ser, querer e fazer sempre mais pelo mundo melhor que desejamos.

Ao camarada Jonas, pela concessão de materiais para a pesquisa e pelas

cópias de discos de Gil, Caetano, Clara, Chico, Maria Rita, Elis e tantos outros.

Ao malungo Gil - o Nêgo Nagô - por me honrar imensamente aceitando o

convite para participar da banca avaliadora do meu trabalho.

A todos com os quais cruzei: muito axé e luz sempre!

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“Que não digam que não a amei e a defendi”.

Mestre Nestor Capoeira

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RESUMO

A presente monografia analisa a relação entre capoeira e poder público a partir da observação da gestão cultural da cidade de Pojuca-BA, no período de Janeiro de 2009 a Junho de 2012. O enredo da mesma traz à tona a discussão sobre a importância das políticas culturais de incentivo e salvaguarda para a valorização da cultura popular, focando a capoeira. Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa estruturada em seis capítulos produzidos a partir do diálogo com referenciais da área da educação física, da cultura, da cultura popular, da política, da política cultural e da capoeira que se conectam e se entrelaçam durante a escrita. A conclusão da mesma apontou para a necessidade de uma maior aproximação entre poder público e comunidade capoeirana, para que sejam pensadas, construídas e executadas políticas culturais que valorizem e fortaleçam a capoeira em Pojuca.

PALAVRAS – CHAVE: Capoeira; Políticas Culturais; Pojuca.

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ABSTRACT

This monograph examines the relationship between government and capoeira from the observation of the management of the city's cultural Pojuca-BA, in the period January 2009 to June 2012. The plot just brings up the discussion on the importance of cultural policies of incentives and safeguards for the appreciation of popular culture, focusing the capoeira. This is a qualitative study structured into six chapters produced from the dialogue with references of physical education, culture, popular culture, politics, cultural policy and poultry that connect and intertwine during writing. The conclusion of that pointed to the need for closer ties between government and community capoeirana, to be designed, built and implemented cultural policies that value and strengthen the capoeira in Pojuca.

KEYWORDS: Capoeira; Cultural Policy; Pojuca.

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ACAL - ASSOCIAÇÃO DE CAPOEIRA ARTE LUTA

ACAP - ASSOCIAÇÃO DO CULTO AFRO DE POJUCA

ADIMCBA - ASSOCIAÇÃO DOS DIRIGENTES MUNICIPAIS DE CULTURA DO

ESTADO DA BAHIA

APM - ARQUIVO PÚBLICO MUNICIPAL

ASCOM - ASSESORIA DE COMUNICAÇÃO

CCS - CENTRO COMUNITÁRIO DA STAR

CMC - CONSELHO MUNICIPAL DE CULTURA

CMPCB - COLÉGIO MUNICIPAL PRESIDENTE CASTELO BRANCO

DECLA - DEPARTAMENTO DE ESPORTE, CULTURA E LAZER

DOM - DIÁRIO OFICIAL DO MUNICÍPIO

FMC - FUNDO MUNICIPAL DE CULTURA

FTC - FACULDADE DE TECNOLOGIA E CIÊNCIAS

GESPORT - GERÊNCIA DE ESPORTES

IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICAS

IPAC - INSTITUTO DO PATRIMÔNIO ARTÍSTICO E CULTURAL

IPHAN - INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL

MinC - MINISTÉRIO DA CULTURA

OCUPA - ORGANIZAÇÃO CULTURAL POJUCANA DE ARTES

PEC - PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL

PMP - PREFEITURA MUNICIPAL DE POJUCA

RGF - RELATÓRIO DE GESTÃO FISCAL

RREO - RELATÓRIO RESUMIDO DA EXECUÇÃO ORÇAMENTÁRIA

SNC - SISTEMA NACIONAL DE CULTURA

SMC - SISTEMA MUNICIPAL DE CULTURA

UNESCO - ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A

CIÊNCIA E A CULTURA

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LISTA DE IMAGENS

01- “Negros lutando, Brazil” (Negroes fighting, Brazil). EARLE, A. 1822. 18 02 - “Escravo tocando berimbau”. DEBRET. Voyage pittoresque et historique au Brésil. Paris: Didot Firmin et Fréres, 1824. 18 03 - "Jogar Capüera ou Dance de la Guerre". RUGENDAS, J.M. Voyage pittoresque

et historique dans le Brasil. Paris: Engelmann et Cie, Paris, 1834. 19 05 - Capoeira na Praia. Carybé, 1972. 19 06 - Mestre Bimba. 26 07 - Registro da Capoeira no IPAC-BA 49

08 - Certidão de Registro da Capoeira (Ofício dos Mestres) no IPHAN 50

09 - Certidão de Registro da Capoeira (Roda de Capoeira) no IPHAN 51

10 - Cópia de Homologação no Diário Oficial do Município de Pojuca 61

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LISTA DE FOTOGRAFIAS

01 - Pé do Berimbau. VERGER, Pierre. 1969. 19 02 - Mestre Pastinha. ..28 03 - Capoeira Regional. .29 04 - Capoeira Angola. .29 05 - “Caxangá”, ANOS 40...........................................................................................35 06 - Mestre Macaco e alunos no CMPCB, 1987........................................................37 07 - Capoeira na micareta, 1999 ...............................................................................39 08 - Projeto social com capoeira no CCS, 2005........................................................,41

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LISTA DE QUADROS

1 - ORGANOGRAMA DA HIERARQUIA MUNICIPAL 59

2 - INVESTIMENTOS EM CULTURA NA CIDADE DE POJUCA NO PERÍODO DE

JANEIRO DE 2009 À JUNHO DE 2012 60

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................15

1 CAPOEIRA: história escrita pelo corpo negro..................................................................18

2 CAPOEIRA POJUCANA: axé no interior da Bahia.........................................................34

3 POLÍTICA CULTURAL, BRASIL E BAHIA: “jogo de dentro, jogo de fora”.................................................................................................................................................................43

4 “GINGA E VOLTA AO MUNDO”: o trajeto metodológico.......................................53

5 A GESTÃO CULTURAL “EM JOGO”..........................................................................................57

5.1 ASPECTOS LEGAIS E INSTITUCIONAIS................................................................................58

5.2 O ORÇAMENTO.............................................................................................................................................59

5.3 O DISCURSO OFICIAL E O REAL.................................................................................................62

5.4 A POLÍTICA NACIONAL NA VISÃO DA GESTÃO............................................................65

5.5 DO DIÁLOGO ÀS POSSIBILIDADES...........................................................................................66

5.6 QUESTÕES PARTIDÁRIAS.................................................................................................................70

5.7 ACOMPANHANDO AS POLÍTICAS NACIONAIS...............................................................71

5.8 “CHAMADA DE ANGOLA”.................................................................................................................72

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................................................73

REFERÊNCIAS

APÊNDICES

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INTRODUÇÃO

Eu sou descendente de Zumbi Zumbi é meu pai e meu guia Eu trago quilombos e vozes bravias dentro de mim

A citação do poema “Linhagem” de Carlos Assunpção, trazida acima, externa

a intrepidez necessária frente ao desafio de realizar uma produção que semeie

possibilidades de mudanças radicais numa realidade. Sendo este um desafio mais

complexo do que esperava, precisei superá-lo por etapas. A primeira delas foi

adentrar o denso campo da cultura na condição de discente de educação física.

Felizmente encontro Daólio (2004, p.09) e ele diz que “[...] cultura é o principal

conceito para a educação física, porque todas as manifestações corporais humanas

são geradas na dinâmica cultural [...]”. Assim, com os devidos cuidados me

aproximei deste conceito de cultura na educação física, como forma de compreender

também a capoeira enquanto manifestação cultural e um dos conteúdos possíveis

para abordagem através da educação física.

A segunda etapa consistiu numa auto-lapidação política. Já coadunava

anteriormente com a ideia de que o homem não escolhe essa condição. Ele é um

ser eminentemente político ainda que repudie a política em algumas de suas

incorporações como o desgastante processo de pleito eleitoral, algumas ideologias

partidárias, governantes corruptos. “O Analfabeto Político” de Berthold Brecht

explora esta aversão dos sujeitos para as questões políticas. Brecht diz que “o pior

analfabeto é o analfabeto político”, pois é dessa ignorância que nascem todos os

males que tanto assolam a nossa sociedade. Mas para Bobbio (2000) falar de

política enquanto prática humana contribui para o julgamento das relações de poder

entre dominadores e dominados, a predominância da vontade de uns sobre alguns.

A emancipação política é basilar ao homem, pois é através dela que seu

poder de intervenção na sociedade se amplia, “contaminando” outros indivíduos que

integrem o seu meio social para que façam da soberania popular o norte da

humanidade. No meu caso, antes de ingressar na academia, já era capoeira.

Passado algum tempo como acadêmico, senti que jogar capoeira continuava sendo

deleitoso, porém muito pouco para um “capoeira universitário”. Precisava dar algum

retorno para a capoeira, assim como ele me enriquece desde que a conheci. Para

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obter êxito nesta empreitada passei a observá-la cientificamente, pois ampliando

meu arcabouço teórico alcancei um nível crítico um pouco mais apurado que antes.

O despertar para o estudo das políticas culturais para a capoeira se deu

durante o componente curricular Conhecimento e Metodologia da Capoeira, no

quarto semestre do curso de Licenciatura em Educação Física da Universidade do

Estado da Bahia – Campus II - Alagoinhas, a partir da aproximação com as

produções do professor Neuber Leite Costa - mestre Soldado no meio capoeirano -,

que atualmente é considerado um dos principais autores brasileiros sobre políticas

culturais para a capoeira na área da Educação Física e das Ciências do Esporte.

Vale ressaltar que muito do incentivo para a aproximação com o eixo temático em

que este trabalho se sustenta veio do próprio Neuber, indicando referenciais para a

pesquisa e apontando alguns caminhos.

A passagem pelo componente curricular citado contribuiu para o

desenvolvimento de uma relação transcendente a professor x aluno, no contexto

acadêmico, mas por ter a oportunidade, enquanto jovem capoeira, de “beber” da

sabedoria de um mestre. Estava num espaço especial onde pude acessar o

conhecimento científico, tendo como obrigação contextualizá-los à realidade onde

me insiro, a fim de contribuir com a comunidade que vivencia e guarda a cultura

popular que representa parte do que sou e do que venho me tornando: a capoeira.

Importante lembrar a contribuição da experiência vivenciada na condição de

pesquisador bolsista do GEPEFEL – Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação

Física, Esporte e Lazer, na linha de Ordenamento Legal e Políticas Públicas de

Esporte e Lazer. Certamente os estudos sobre as políticas públicas de esporte e

lazer contribuíram para o entendimento das políticas culturais para a capoeira,

apesar de não entender a capoeira como um esporte. Prefiro o conceito de Falcão

(2004), da capoeira como uma tríade composta pelos elementos jogo, luta e dança.

Como acontece na história da capoeira de uma forma geral, esta

manifestação é marcada por contradições entre os indivíduos que a conhecem e/ou

vivenciaram em Pojuca. Isso pode ser entendido pelo fato desta manifestação situar-

se historicamente na memória popular por meio da oralidade, possuindo assim raros

registros documentais. Diante da realidade esta pesquisa é de suma importância,

pois através do diagnóstico levantado, busco e dialogo com autores que se

debruçam sobre a problemática e contribuem imensuravelmente para as

proposições apresentadas as seguir.

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Assim, este trabalho teve como objetivo geral identificar a relação entre a

capoeira e o poder público em Pojuca-BA a partir da observação da sua gestão

cultural, tendo como recorte temporal o período de Janeiro de 2009 a Junho de

2012. Neste sentido, os objetivos específicos foram analisar a realidade política,

econômica e social da cidade e as implicações para a cultura e diagnosticar os

avanços e barreiras para o desenvolvimento da capoeira local. Obedecendo a uma

estrutura orgânica, o texto foi partilhado da seguinte maneira:

No 1º capítulo, Capoeira: história escrita pelo corpo negro, proponho uma

discussão histórica sobre a capoeira partindo das suas teorias originais, caminhando

pelas fases de marginalização, proibição, esportivização, internacionalização e

mercadorização, cito alguns mitos e personalidades, as vertentes e

subdenominações que compõem o universo capoeirano e os reflexos desta

pluralidade na forma como a capoeira vem sendo transmitida entre as gerações,

chegando aos dias atuais.

No 2º capítulo, Capoeira Pojucana: axé no interior da Bahia, apresento

informações obtidas através da pesquisa “Toques do Tempo: Memória da Capoeira

em Pojuca”, realizada em 2009. A pesquisa constituiu a primeira sistematização

histórica da capoeira pojucana, elaborada a partir do relato oral de indivíduos

reconhecidos pela comunidade como legítimos conhecedores da capoeira local.

No 3º capítulo, Política Cultural, Brasil e Bahia: “jogo de dentro, jogo de fora”,

abordo o universo das políticas culturais, apresentando alguns posicionamentos dos

teóricos que as estudam, desde os aspectos conceituais a um recorte de como

ocorrem historicamente, tendo como marco as ações desenvolvidas a partir do

Governo Lula e as conquistas da capoeira neste período.

No 4º capítulo, “Ginga e Volta ao Mundo”: o trajeto metodológico, descrevo a

metodologia adotada para o norteio na pesquisa de campo, da escolha da entrevista

semi-estruturada como instrumento de coleta de dados e sobre qual referência me

basiei para fazer a análise dos dados.

No 5º capítulo, A Gestão Cultural “Em Jogo”, analiso os dados da pesquisa

empírica, estabelecendo relações entre os cenários político, econômico, social e

cultural de Pojuca e as implicações desta interconexão para a capoeira.

No 6º e último capítulo, apresento as considerações finais, levantando

reflexões para um novo e necessário olhar para as questões que me inquietaram e

motivaram a realização do estudo.

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1 CAPOEIRA: história escrita pelo corpo negro

1.“Negros lutando, Brazil” (Negroes fighting, Brazil) EARLE, 1822 (Google, 2012).

2. “Escravo tocando berimbau”. DEBRET. Voyage pittoresque et historique au Brésil. Paris: Didot Firmin

et Fréres, 1824 (Google, 2012)

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3. "Jogar Capüera ou Dance de la Guerre". RUGENDAS, J.M. Voyage pittoresque et historique dans le

Brasil. Paris: Engelmann et Cie, Paris, 1834 (Google, 2012).

As primeiras referências iconográficas sobre a capoeira se dão no berço

artístico. Augustus Earle (1822), Jean Baptiste Debret (1824), Johann Moritz

Rugendas (1834) (seguindo a ordem de apresentação acima) são os primeiros

estudiosos a retratarem a “dança de guerra”, no início do século XIX. Já no século

XX temos as contribuições de Pierre “Fatumbi” Verger e Hector Júlio Páride Barnabó

“Carybé”, dois estrangeiros apaixonados pela cultura brasileira, e dentre suas

preferências a capoeira. O rico legado que ambos deixaram traz a capoeira como

tema principal ou pano de fundo em boa parte das obras.

1. Pé do Berimbau. Verger, 1969 (Google, 2012). 4. Capoeira na Praia. Carybé, 1972 (Google, 2012).

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Na literatura a capoeira faz-se presente em obras do centenário Jorge

Amado. “Capitães da Areia” e “Dona Flor e seus Dois Maridos” são algumas das que

a trazem em seus enredos. No cenário da música popular brasileira, Vinícius de

Morais cantou “[...] capoeira me mandou dizer já chegou, chegou para lutar,

berimbau me confirmou, vai ter briga de amor, tristeza camará [...]” e Gilberto Gil “[...]

iê, volta do mundo camará, iê mundo da volta camará [...]”. Tantos os intelectuais

que se dedicaram à capoeira, e inúmeras são as obras, que não caberiam neste

trabalho. Precisaria me dedicar a uma escrita mais aprofundada para falar de todos.

Como o capítulo trata brevemente da história da capoeira, nos aproximamos

de Rêgo (1968), um dos principais estudos já realizados sobre a mesma, encontrado

quase que sempre como referencial para as produções de “peso” abordando o

universo capoeirano. Abrolhada sobre duas circunstâncias próprias da vida

cotidiana dos negros escravos neste país, a capoeira apresenta-se historicamente

ora como um folguedo, diversão nos poucos momentos em que não se estava

trabalhando, ora como meio de defesa da opressão, da submissão, da negação da

liberdade imposta por seus “senhores”.

As duas correntes possuem elementos convincentes. Para entender a

primeira, levemos em consideração a ritualidade que permeia o jogo, a plasticidade

dos movimentos, a “malemolência”1 ao som dos berimbaus, pandeiros, atabaques,

reco-recos e agogôs seguidos pelas palmas e cantorias. A segunda também se

valida pois explora a questão da supremacia imposta aos africanos pelos

colonizadores europeus. Estes primeiros veem suas vidas serem modificadas

drasticamente quando lhes é negado o bem essencial ao humano: a liberdade.

Retratando o tráfico negreiro, Oliveira (2007) diz que os negros africanos

eram jogados em verdadeiros sepulcros coletivos, em grupos de 300 a 500, numa

viagem que poderia durar 50 dias ou mais, e que muitos nem sequer chegaram à

metade do percurso. Mestre Toni Vargas canta “[...] navio negreiro, tumba flutuante,

terra mãe distante, dor e desespero [...]”, em alusão ao martírio vivido nas

embarcações. O sofrimento está estigmatizado nas gerações descendentes:

[...] em nossas almas, as lembranças amargas do sofrimento de nossos ancestrais nos porões dos navios negreiros. Talvez por isso, mesmo indo à Europa, nós, negros brasileiros, não imaginamos cruzar o Atlântico em um

4 Molejo, jogo de corpo.

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navio, mas sempre em um avião. Intuitivamente não queremos repetir o caminho da sina dos nossos antepassados (OLIVEIRA, 2007, p. 50).

.

O longa-metragem “Amistad”2 reproduz, entre outras questões, a forma como

os colonizadores europeus subestimaram a capacidade de superação dos negros

africanos escravizados. Gil (2007, p.12) reconstitui o tratamento dado aos cativos:

Cada um dos africanos e africanas, originário de várias regiões, etnias e nações, foi separado do seu grupo originário, misturado em uma multidão de estranhos nos navios negreiros, armazenado em senzalas, em contingentes de pessoas de falas distintas, para que não se comunicassem entre si e não engendrassem resistências e revoltas contra o cativeiro.

Após deixarem a África forçadamente, sendo tratados como animais3 durante

a travessia transoceânica, ao aportarem no Brasil “nos portos de Recife, Salvador,

Rio de Janeiro e São Vicente [...] os negros africanos não chegaram destituídos de

sua bagagem cultural” (ALBUQUERQUE & FRAGA, 2006, p.12). Trouxeram línguas,

costumes, formas de viver aprendida em África4. Ante as diferenças, para que os

colonizadores estabelecessem vínculos com os escravos era sinônimo de problema,

pois as barreiras lingüísticas entre indivíduos oriundos de dois continentes diferentes

anulavam a comunicação oral e consequentemente o ordenamento para a produção

de trabalho. Assim, uma das maneiras encontradas pelos colonizadores para sanar

a questão, sobretudo no trato com os escravos de comportamento amplamente

subversivo às imposições, foi a submissão ao castigo físico:

Prova de que os homens e mulheres escravizados não se conformavam com a escravidão era a necessidade do uso da violência física como forma de manter a dominação. Qualquer ato de desobediência dos escravizados era respondido com o castigo físico exemplar, através do qual o senhor pretendia reafirmar o seu poder, marcando no corpo do escravizado a sua submissão (ALBUQUERQUE & FRAGA, 2006, p.13).

Segundo Albuquerque e Fraga (2006), os escravos foram explorados

primeiro na zona costeira e em seguida foram destinados aos interiores do território

2 Transmitindo alta carga de dramaticidade (quiçá de terror), a película retrata fatos verídicos

ocorridos na travessia oceânica entre a África e a América do Norte no navio negreiro “La Amistad”.

3 Uso “animais” não de forma ofensiva a estes seres veneráveis, mas para diferenciar a capacidade

de raciocínio do humano.

4 Quando escrevo “línguas”, “costumes” e “formas de viver” é partindo de um entendimento da África

como um continente complexo. Tento não reproduzir o “pecado” do reducionismo, no uso de expressões como cultura africana

4, por exemplo.

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para trabalhar nas zonas rurais. Neste trânsito, os que eram mantidos alocados na

zona costeira passam a estabelecer relações com os instalados nos latifúndios, o

que certamente contribuiu para a disseminação coletiva da necessidade de

libertação. Tanto que nestes encontros eventuais não perdiam a oportunidade e

“divulgavam notícias sobre quilombos e rebeliões, elaboravam estratégias de

alforria” (ALBUQUERQUE & FRAGA, 2006, p.14).

Mesmo levando em consideração a complexidade linguística africana, o

senso de coletividade que é uma característica marcante nas culturas de matriz

africana5 superou qualquer estranhamento decorrente das diferenças. “[...] o outro

passou a ser o ‘malungo’ [...] um companheiro [...] um parente”, diz Gil (2007, p.12).

Após esta leitura, entendi o porquê do mestre Moraes6 utilizar a expressão malungo

quando se dirige aos camaradas da capoeiragem. Pois, esse parentesco criado

entre os negros africanos serviu como elemento unificador, não das línguas,

costumes e formas de viver já citados, mas da consciência coletiva da importância

de se organizarem:

Esta nova identidade genérica não destruía as identidades étnicas originárias dos milhares de nagôs, gêges, angolas, congos, moçambiques, bambaras, mandingas, fantis e ashantis. Pelo contrário, permitia a comunicação, a solidariedade e a afetividade entre eles (GIL, 2007, p.13).

Neste momento surgem os primeiros rudimentos que mais tarde darão corpo

a uma das criações mais surpreendentes de um povo oprimido para combater seu

opressor: a capoeira. Não há registro de data precisa nem aonde aconteceu, mas

“não existem dúvidas de que a capoeira é uma criação dos africanos e seus

descendentes”:

[...] “a questão do ‘começo’ é um falso problema – na capoeira e em geral. O importante não é o ‘começo’ – a data histórica não tem tanto interesse aqui -, mas sim o ‘princípio’: quais as condições que a geraram e o que a mantém em expansão. Isto é: o conjunto de condições e circunstâncias históricas e culturais para que aquele jogo tenha se expandido. No caso da capoeira, o ‘começo’ é brasileiro, mas o ‘princípio’ – tanto o fundamento, a historicidade, quanto o mito – é africano” (SODRÉ apud CAPOEIRA, 1997, p.17).

5 Como exemplo a própria capoeira e o candomblé onde o coletivismo é fundamental.

6 Pedro Moraes Trindade, o mestre Moraes, é presidente do Grupo de Capoeira Angola Pelourinho.

É considerado o maior divulgador da capoeira angola na era pós – Pastinha. Mestre Moraes é uma

das minhas referências não só como capoeira, mas como pensador.

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23

Quando da minha aproximação com o estudo e vivência da capoeira angola,

conheci uma teoria que perpassa o processo de constituição da capoeira. Para

resistirem ao etnocentrismo, os escravos trazidos da África e seus descendentes

precisaram refazer costumes e tradições no Brasil (a Grande Refazenda, de Gil).

Dentre as tradições está o N’golo, que numa tradução aproximada do português

brasileiro significa "Dança da Zebra". O N’golo fazia parte de um ritual de passagem

de meninas para a mocidade chamada “Efundula”. Assim, os pretendentes a

maridos das recém moças duelavam em um pequeno espaço, projetando

movimentos violentos com as pernas (que lembravam coices de zebras). Os

vencedores poderiam desposar as moças sem a necessidade de pagamento dos

tradicionais dotes às famílias das mesmas.

Quanto ao termo capoeira para designar a manifestação, é uma contribuição

indígena, uma expressão Tupi – Guarani que significa “mato ralo” ou “mato que foi

cortado”. Nesse tipo de terreno a capoeira foi desenvolvida e aprimorada. Rêgo

(1968, p.17) descreve a etimologia:

O vocábulo capoeira foi registrado pela primeira vez em 1712, por Rafael Bluteau, seguido por Moraes em 1813, na segunda e última edição que deu em vida de sua obra. Após, entrou no terreno da polémica e da investigação etimológica. A primeira proposição que se tem notícia é a de José de Alencar em 1865, na primeira edição de Iracema, repetida em 1870, em O Gaucho e sacramentada em 1878, na terceira edição de Iracema. Propôs Alencar para o vocábulo capoeira o tupi caa-apuam-era, traduzido por ilha

de mato já cortado.

Ainda que o termo signifique uma série de coisas7, a crença na versão

apresentada acima parte da prerrogativa de que os indígenas – os verdadeiros

descobridores da Terra Brasilis - foram escravizados pelos colonizadores8 assim

como os negros africanos. Mesmo que as possíveis relações comunitárias

estabelecidas entre indígenas brasileiros e negros africanos no Brasil colônia sejam

pouco abordadas nos estudos aos quais já tive acesso, imaginei esta possibilidade

7 Rêgo (1968) apresenta outros conceitos como “espécie de cesto feito de varas, onde se guardam

capões galinhas e outras aves”; “termo de fortificação, designando a escavação no fundo de um poço

seco, guarnecida de um parapeito com seteiras e de um teto de franchões, sobre que se deita uma

grossa camada de terra” e “designa uma ave (Odontophorus capueira, Spix), também conhecida pelo

nome de Uru”(p.27).

14 Ler “A Escravidão dos Indígenas: entre o mito e novas perspectivas de debates” de André R. F.

Ramos.

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24

histórica a partir de uma ótica de solidariedade entre os entes diante das condições

desumanas as quais foram submetidos.

No enredo de sua história a capoeira se desdobra em múltiplas facetas. Entre

as linhas de estudo que as contempla está uma que muito nos chama a atenção: a

contribuição da capoeira na abolição da escravatura. A história oficial do Brasil

reproduz que o crédito pela libertação dos escravos deve-se ao arrependimento e

sentimento de retratação daqueles que ocuparam o lugar de opressores. Esta

versão está publicada nos livros de história do Brasil, simbolizada principalmente

pela assinatura da Lei Áurea pela princesa Isabel no ano de 1888.

Albuquerque & Fraga (2006, p.18) comprovam com base em documentos do

período regencial “que a alforria, ainda que servisse para afirmar uma fictícia

benevolência senhorial, foram conquistadas pelos escravos”. Uma ladainha9 do

mestre Toni Vargas ilustra melhor a questão:

Dona Isabel que história é essa?/ Dona Isabel que história é essa ô Iaiá?/ De ter feito abolição/ De ser princesa boazinha/Que libertou a escravidão/ Tô cansado de conversa/ Tô cansado de ilusão/ Abolição se fez com sangue/ Que inundava este país/ Que o negro transformou em luta/ Cansado de ser infeliz/ Abolição se fez com sangue/ E ainda por se fazer agora/ Com a verdade da favela/ E não com a mentira da escola/ Dona Isabel chegou a hora/ De se acabar com essa maldade/ De ensinar aos nossos filhos/ O quanto custa a liberdade/ Viva Zumbi, nosso rei negro/ Que fez-se herói lá em Palmares/ Viva a cultura deste povo/ A liberdade verdadeira/Que já corria nos Quilombos/ E já jogava capoeira/ Iê viva Zumbi...

A escrita acima propõe uma revisão de conceitos. A representante da coroa

portuguesa é uma figura questionável por ser também uma colonizadora, enquanto

Zumbi dos Palmares desponta como representante capital na luta pela libertação do

negro no Brasil. Como exemplo de inversão da importância dos sujeitos na história

oficial do Brasil, observa-se outro personagem indigesto:

[...] Rui Barbosa, ao pretender apagar a mancha da escravidão no Brasil, mandou queimar em praça pública toda documentação relativa ao tráfico negreiro, dificultando enormemente o trabalho dos pesquisadores da atualidade. “Na verdade, o que ele pretendia”, comenta Júlio César Tavares, “era apagar todas as dívidas de indenização que a nascente República possuía para com os proprietários de terras (CAPOEIRA, 1997, p.56).

9 É uma das variações rítmicas musicais que cadenciam o jogo de capoeira. Geralmente é tocada e

cantada no início das rodas, seja na capoeira angola, na regional ou numa modalidade híbrida.

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25

Diante das inversões de valores citadas (Zumbi= folclore e Isabel= heroína),

reconstruir oficialmente a história do Brasil representará avanços significativos

quanto à reparação das desigualdades étnico-raciais, e logicamente sociais,

beneficiando um número expressivo de pessoas. Segundo Albuquerque e Fraga

(2006) a população de negros no Brasil é a maior das Américas, representando mais

da metade da população total residente nos três continentes. Em números, significa

que dos 190.732.694 habitantes do Brasil, 49, 5% são pardos e pretos (IBGE, 2010),

quase a metade do todo. Um dos objetivos destes dados é ilustrar as desigualdades

sociais do Brasil, e uma delas concerne à educação. O modelo educacional

brasileiro desamparou consideravelmente as culturas de matriz africana, em

detrimento da supervalorização da cultura européia. É o que Souza (2011, p.28)

chama de “herança de uma racionalidade eurocêntrica”.

Para uma maior valorização da capoeira, assim como todas as manifestações

de matriz africana, é necessária intensificar as discussões sobre o tema, para que

não continuem sendo reproduzidas ideias distorcidas e concepções folclorizadas

sobre pessoas e manifestações símbolos da herança africana. Que se cumpra de

fato a Lei 11.645/2008, que obriga todas as escolas brasileiras do ensino

fundamental e médio, públicas e privadas, incluir nos seus currículos o ensino de

história e cultura africana, afro-brasileira e indígena. Esta postura política-

pedagógica é de suma importância pela representação do espaço escolar na

formação do sujeito crítico.

Retomando a discussão das fases, após o período escravagista a capoeira

passa pelo processo de marginalização. Este último se deu como consequência da

falta de planejamento para inserção do negro escravo na sociedade brasileira.

Capoeira (1997, p.15) afirma que “após a abolição da escravatura, em 1888, ex-

escravos capoeiristas não teriam encontrado lugar na sociedade e caíram na

marginalidade, levando consigo a capoeira, que foi proibida por lei”. Sob a

concepção social da época, “ser capoeira, significava algum nível de ameaça à

ordem” (ABIB, 2005, p. 138). Para criminalizar o ato de jogar capoeira em espaço

público, o Marechal Deodoro da Fonseca insere a seguinte lei no Código Penal de

1890:

Fazer nas ruas e praças públicas exercícios de agilidade e destreza corporal conhecidos pela denominação de capoeiragem; será o autuado punido com dois a seis meses de prisão. – É considerada circunstância

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agravante pertencer o capoeira a alguma banda ou malta. – Aos chefes ou cabeças se imporá pena em dobro [...] (CAPOEIRA, 1997, p.43).

Distintos grupos de capoeiras “marginais” são veementemente perseguidos

após a lei de proibição, as maltas constituídas precisamente no Rio de Janeiro:

[...] uma refinada organização social que reunia escravos cativos [...] que, portando paus, porretes, facas, e navalhas, promoviam “correrias” pelas ruas da Corte, em espetáculos bizarros de pancadaria e demonstração de destreza e valentia; seja em ocasiões de grandes concentrações populares como festas, desfiles cívicos, comícios políticos [...] para desespero da população e perplexidade da polícia, que atônita, muitas vezes não tinha muito a fazer nessas ocasiões [...] (ABIB, 2005, p. 139).

Ainda que as maltas não façam parte da história da capoeira baiana, a

repressão não foi menor que a carioca. Uma evidência disto foi a personificação do

delegado de polícia Pedrito de Azevedo Gordilho, que na Salvador da década de

1920 “perseguiu não só as rodas de capoeira, mas o samba e o candomblé”

(CAPOEIRA, 1997, p.58). Mais ou menos neste mesmo período, que a capoeira

passa a ter um dos seus maiores ícones: Besouro Mangangá.

Assim como ocorreu com Besouro, e outro mitos como Manduca da Praia e

Madame Satã no cenário carioca, a perseguição policial fez parte do cotidiano do

capoeira até o fim da década de 20 e adentra a década de 30, quando se inicia o

movimento de nacionalismo do governo Getúlio Vargas. Eis que surge uma figura

que muda para sempre a história da capoeira: Manoel dos Reis Machado, o mestre

Bimba.

5. Mestre Bimba (Google, 2012).

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27

Na década de 1930, quando mestre Bimba cria a “luta regional baiana”,

talvez não imaginasse que a sua criação ganharia fama e se expandiria futuramente

pelo mundo. Ao mesmo tempo em que mestre Bimba mostra à sociedade a sua

capacidade criativa, talvez sem intenção, desencadeia uma crise de identidade

profunda no que até então se conhecia por capoeira. Conforme Areias (1984) o novo

formato agregou elementos de outras lutas como o batuque10, o karatê, o jiu-jitsu, e

o savate11, agradou tanto quanto aporrinhou outros capoeiristas contemporâneos à

Bimba. Dentre os que sentiram certo desconforto está Vicente Ferreira Pastinha.

2. Mestre Pastinha (Google, 2012).

A partir do movimento de resistência liderado por mestre Pastinha, que tinha

como emblema a defesa da capoeira tradicional, alguns estudiosos passam a criticar

a capoeira regional usando como prerrogativa a manutenção dos elementos lúdicos

e ritualísticos da capoeira original:

[...] mestre Pastinha, entre outros capoeiristas da época, buscava a preservação das formas originais e tradicionais de praticar a capoeira: a ludicidade e ritualidade deixadas de lado pela “eficiência” da capoeira regional. Criou-se então, a denominação de “Capoeira Angola” para caracterizar essa prática, em oposição às transformações empreendidas por mestre Bimba (ABIB, 2005, p.65).

10

Luta de origem africana, da qual Luís Cândido Machado, o pai de Bimba, era campeão. Consistia numa luta “violenta” onde o objetivo era desequilibrar o oponente desferindo fortes golpes, particularmente as bandas (banda trançada e encruzilhada, por exemplo) que também fazem parte da metodologia da capoeira regional (CAPOEIRA, 1997, p.74).

11 Luta de origem francesa.

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Segundo Abib (2005) a capoeira angola possui uma aproximação com “o

modo africano de se relacionar com o tempo, com o espaço, em última instância –

com o mundo -, que a capoeira regional não conservou” (p.152). Não se pode negar

o primor ao qual mestre Bimba dedicou toda uma vida. Vislumbrando uma maior

aceitação social, a sua proposta elevou o conceito da capoeira a outro status, pois

atraiu a atenção de indivíduos oriundos de classes mais favorecidas socialmente,

permitindo-lhe o acesso aos espaços mais elitizados.

Na verdade, o que almejo não é a atribuição de juízos de valor ao que fora

empreendido por mestre Bimba (a capoeira regional) e defendido por mestre

Pastinha (a capoeira original batizada como angola), mas contribuir para a reflexão

de como a capoeira vem sendo transmitida a partir destas matrizes e quais as

contribuições de ambas para as gerações de capoeiras que sucederam Bimba e

Pastinha, e, chegando aos dias atuais contribuir para o que Falcão (2006) chama de

“ressignificação do sentido da capoeira” (p.56).

3.Capoeira Regional (Google, 2012). 4.Capoeira Angola (Google, 2012).

Lembremos que a proposta alçada por mestre Bimba aconteceu num

momento histórico delicado: o governo getulista “pregador de uma política de

uniformização social” (CAPOEIRA, 1997, p.60), onde um dos trunfos consistiu numa

forte campanha desportivista e na “formação do profissional de educação física12”.

Areias (1984 apud CAPOEIRA, 1997) comenta que a mobilização do governo foi

12

Esta ideologia é hoje defendida pelo sistema Conselho Federal de Educação Física que persegue

não só a comunidade capoeirana, mas todos os professores de educação física.

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29

bastante contundente em São Paulo, regularizando a capoeira como esporte

competitivo, ignorando assim o seu pertencimento a cultura popular. Tendo em vista

a perspectiva gramsciana, Chauí (2006, p.20) salienta que o popular na cultura:

[...] significa, portanto, a transfiguração expressiva de realidades vividas, conhecidas, reconhecíveis e identificáveis, cuja interpretação pelo intelectual, pelo artista e pelo povo coincidem. Esta transfiguração pode ser realizada tanto pelos intelectuais “que se identificam com o povo” como por aqueles que saem do próprio povo, na qualidade de seus intelectuais orgânicos.

Segundo Canclini (1982, p.135 apud ABIB. 2005 p.60) “nenhum objeto tem o

seu caráter popular garantido para sempre porque foi produzido pelo povo ou porque

este consome com avidez; o sentido e o valor populares vão sendo conquistados

nas relações sociais”. Significa dizer que a cultura popular é mais complexa do que

o que se possa aferir. Ela desconhece reducionismos e transcende valores

inflexíveis. Matos (2010, p.87) define-a como:

[...] toda manifestação cultural de caráter universal, nascida de modo espontâneo e totalmente indiferente a tudo que seja imposto pela cultura oficial. A cultura popular desconhece normas e limites, está acima de qualquer tipo de aprovação social. A cultura popular não conhece fronteiras de tempo nem lugar. A cultura popular envolve elementos humanos, éticos, políticos e sociais, sem descuidar da forma, evocando sempre a beleza.

Abib (2005, p.25) diz que “a ritualidade presente na cultura popular [...] exerce

função essencial, já que é através dela que se estabelece a conexão com esse

tempo primordial”. Entendendo o conceito do autor, a descaracterização da capoeira

original definida pelos seus elementos ritualísticos particulares emoldurou o método

de mestre Bimba dentro da lógica de “esportivização”13 (FALCÃO, 2006, p.56), e

mesmo sem querer contribuiu com os interesses do governo getulista. Ora, converter

uma manifestação germinada de um movimento sociopolítico surgido a partir da

necessidade de autonomia de um povo em mero esporte proporcionou um controle

político muito maior ao governo.

Esses aspectos são relevantes na medida em que a capoeira regional possui

um perfil técnico, diria até positivista, em contraposição a capoeira tradicional que

13

“Ato ou efeito de converter ou transformar uma prática corporal em esporte ou uma prática social em assumir os códigos próprios desse fenômeno” (GONZÁLEZ & FENSTERSEIFER, 2005, p.170). Adoto o segundo sentido de esportivização relacionado à comparação, regras oficiais únicas,

institucionalização e maximização do rendimento, que originalmente não estão ligados à capoeira.

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30

posteriormente passou a ser chamada de capoeira angola onde o aprendizado se dá

de forma espontânea. A priorização do gesto técnico faz com que a prática da

capoeira se encerre em si, pois as possibilidades de emancipação humana, política

e social dos sujeitos através da capoeira vão sendo anuladas. Invés de apenas

reproduzir movimentos incansavelmente, “professor e alunos devem ser desafiados

a ampliar os conhecimentos em relação à capoeira e ao mundo” (FALCÃO, 2006,

p.61). Neste contexto, Sodré14 (apud CAPOEIRA, 1997, p.69) afirma que a capoeira

angola possui uma apreciável característica:

[...] é essa radicalidade que tem de ser preservada. Aí (no ensino da capoeira angola) tem uma coisa efetivamente original com relação à pedagogia (ocidental): o ensino se passa por iniciação, se dá com o mestre assistindo ao aluno aprender. Ele dá as condições (faz a roda e toca o berimbau) e ele vê o aluno aprender... o olhar do mais velho vendo você aprender.

Mestre Bola Sete (apud ESTEVES, 2011, p.41) comenta que mestre Bimba

utilizava determinado jargão para defender a diversidade de comportamentos dos

jogadores na roda como algo essencial à capoeira:

Cada capoeirista joga a sua capoeira; ninguém joga igual a ninguém. É uma questão de leitura pessoal, de estilo, cada um se manifestando de forma própria e, através da criatividade, provocar a imprevisibilidade e consequentemente a beleza advinda da surpresa que se torna cada lance, ‘é o jeitcho dele’ filosofava Bimba, permitindo que cada um jogasse capoeira com suas características pessoais.

Sodré (2005, p.154) descreve poeticamente um capoeira:

O estilo rítmico do jogo não se confunde, entretanto, com o estilo individual do jogador. Este se define inicialmente pela ginga, o balanço incessante e maneiroso do corpo, que faz com que se esquive e dance ao mesmo tempo, tudo isso comportando uma mandinga (feitiçaria, encantamento, malícia) de gestos, firulas, sorrisos, capazes de desviar o adversário de seu caminho previsto, isto é, seduzi-lo. Sobre os pés, sobre as mãos, abaixado, pulando, o capoeirista jamais se imobiliza e, acionado pela ginga, evolui em roda (como no espaço do samba tradicional ou no espaço das danças religiosas negras), sempre com movimentos circulares, afirmando seu estilo de jogo por meio do ritmo que imprime ao corpo, da velocidade dos gestos, da sutileza da mandinga. Uma chula define o saber do jogo: “Ele é mandingueiro/ iê, sabe jogá, camarada/ iê, a capoeira/ iê, a capoeira, camará”.

Mestre Moraes diz “[...] capoeira é um jogo de corpos, eu venço quando o

meu parceiro não tem mais respostas para minhas perguntas [...]”, ou seja, quando

14

Escritor, jornalista, sociólogo. Foi amigo e discípulo de mestre Bimba (CAPOEIRA, 1997, p.26).

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31

desenvolvida com base em perguntas e respostas serenas e criativas que conduza a

busca, a articulação e a execução de recursos adquiridos, não na roda em que

ocorre o jogo, mas na “roda da vida”, onde a primeira é entendida como uma

“encenação” da segunda, a capoeira une, semeia a paz e o respeito. É fato que

uma marca inconfundível das culturas de matriz africana é o coletivismo: se todos

não gozam de um mesmo bem, não faz sentido algum que ele existe. É como a

filosofia do “Ubuntu”, pregada pelo líder africano Nelson Mandela, que significa "sou

o que sou pelo que nós somos". A capoeira traz esta filosofia em sua essência,

mesmo após os processos de estilização ocorridos desde a sua criação.

Esteves (2011) descreve algumas subdenominações surgidas após a cisão

da capoeira entre as vertentes regional e angola: “capoeira luta; capoeira dança e

arte; capoeira folclore; capoeira esporte; capoeira educação; capoeira lazer e

capoeira filosofia de vida” (p. 42). Ante as divergências no modo como são tratados

os conhecimentos da capoeira devido aos contextos em que foi desenvolvida, ela se

expandiu pelo território nacional e consequentemente para o mundo. Os primeiros

registros sobre o seu desenvolvimento em solo estrangeiro se dão a partir dos anos

70, através dos “shows” de grupos parafolclóricos15, tendo como destaque o Grupo

VIVABAHIA. Mestres procedentes de uma linhagem de transmissão de saberes,

reconhecidos como guardiões do legado capoeirano, criticam ferrenhamente a forma

como a capoeira foi introduzida no exterior, como exemplo o mestre Augusto

Januário16 no documentário “Mandinga em Manhattan” 17:

O perigo maior dessa expansão é que muitos capoeiristas estão saindo aqui o Brasil para ensinar capoeira fora do país, eles não estão devidamente qualificados. Esses “mestres de aeroportos”. O cara decola aluno aqui, chega lá é mestre. Então isso é perigoso.

Esteves (2011) afirma que a queixa dos mestres em relação aos

performáticos parafolclóricos se baseia no processo de mercantilização iniciado por

15

São assim chamados os grupos que apresentam folguedos e danças folclóricos, cujos integrantes, em sua maioria, não são portadores das tradições representadas, se organizam formalmente, e aprendem a danças e os folguedos através do estudo regular, em alguns casos, exclusivamente bibliográfico e de modo não espontâneo (ESTEVES, 2011, p.71).

16 Augusto Januário Passos da Silva é discípulo do mestre Curió (Escola de Capoeira Angola Irmãos

Gêmeos) que é discípulo de mestre Pastinha (a linhagem citada). Devido ao seu robusto porte físico, Augusto é chamado de “Demolidor” nas rodas de capoeira.

17 Documentário que retrata a expansão da capoeira pelo mundo e seu refluxo para a Bahia, reunindo

memórias da capoeira, depoimentos de especialistas e dos maiores mestres ainda em atividade.

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eles. Quando a capoeira passou a ser manipulada pelos interesses da indústria

cultural, o rótulo de “produto comprável” incomodou intimamente os que a têm como

fundamentação para a vida. Para legitimar a crítica à mercantilização basta lembrar

que mestre Bimba e mestre Pastinha morreram na miséria quando “sugados” por um

consumismo desenfreado de seus saberes. Ambos foram alvos de propostas que

supostamente contribuiriam para suas vidas econômicas, porém vossos trágicos fins

são conhecidos até mesmo pelo cidadão mais alienado, neste caso, o que vê a

capoeira uni-exclusivamente como esporte, sem contextualizá-la como prática

política, como uma possibilidade de entendimento da sociedade e de intervenção na

mesma.

Diante do processo de globalização, estrangeiros se apropriaram dos

conhecimentos da capoeira, muitos criaram suas próprias escolas de capoeira no

exterior e levaram consigo capoeiras nativos para legitimar a capoeira reproduzida

“lá”. A outra face da moeda, é que mesmo de forma litigiosa o processo de

internacionalização contribuiu para a divulgação da cultura brasileira fora do país,

como ressalta Falcão (2010, p.124):

Nos últimos anos, muitos capoeiras saíram do Brasil em busca de melhores condições de vida e de reconhecimento. Nesse movimento, além de contribuírem, efetivamente, com o processo de expansão de sua arte pelo mundo, colaboram com a divulgação da cultura brasileira no exterior por meio de discursos que realçam à condição de prática “exótica”, “tropical”, “brasileiríssima”.

Falcão (2004) entende que esse processo representou uma possibilidade de

ascensão social para o capoeira, pois a desvalorização inviabilizou a sobrevivência

como profissional da capoeira no Brasil. Isso é externado em uma entrevista que o

autor realizou com um destes mestres brasileiros radicados na Europa:

Se eu tivesse no Brasil, como eu conheço muita gente até hoje do tempo que eu saí, eles estão do mesmo jeito ou às vezes até pior. Então eu não tenho ressentimento do que eu fiz. Quer dizer, financeiramente, eu já consegui algumas coisas no Brasil, algumas propriedades, entendeu? Caso fosse para eu voltar hoje ou amanhã pro Brasil. eu já tenho o meu pezinho de meia [...] (FALCÃO, 2004, p.277).

Que a leitura sobre capoeira compartilhada contribua para as reflexões de

como ela se configura na cidade de Pojuca. Concluo com uma proposição de

Esteves (2011) que nutre minhas intermináveis inquietações sobre esta cultura

praticada em mais de cento e cinquenta países, por indivíduos das mais variadas

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classes sociais, etnias e crenças: “[...] quem se opõe a ela? A capoeira hoje resiste a

que? Ou a quem?” (p.75). Fazendo ainda um trocadilho com a parábola “se Deus é

por nós quem será contra nós?” pergunto: se a capoeira é do povo, quem é contra a

capoeira é contra o povo?

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2 CAPOEIRA POJUCANA: axé no interior da Bahia

Eu nasci na terra fértil de Nanã, sou filho de Pojuca, na roda de capoeira invoco o axé de Besouro, de Madame Satã e de Manduca

18.

No intuito de que a justificativa deste trabalho ganhe elementos que a

respalde, neste capítulo estão informações obtidas a partir de uma pesquisa

realizada em parceria com Ângela Maria Santos Costa e Janilma Barbosa dos

Santos no ano de 2009. A mesma originou um artigo intitulado “Toques do Tempo:

memória da capoeira em Pojuca”.

Perseguindo esta memória, iniciamos a pesquisa garimpando todos os

documentos possíveis, no entanto fomos frustrados por não os encontramos nem

nas Bibliotecas Municipais e nem nas Instituições Públicas de Ensino. Quanto ao

Arquivo Público Municipal, pensamos como Silva (2010) em relação ao maltrato com

os documentos oficiais. As instalações do APM não são adequadas para o

armazenamento de documentos imprescindíveis para o estudo da história de

Pojuca, inclusive a sua cultura. Os órgãos competentes precisam atentar para este

lamentável fato, pois quando a memória é destruída a identidade do povo se perde.

Felizmente alguns de nossos entrevistados gentilmente nos forneceram registros

fotográficos fundamentais para o resgate memorial proposto.

O mais antigo é uma fotografia em preto e branco da década de 40, sem data

precisa e de autoria desconhecida. Nela aparece um grupo composto por sete

indivíduos devidamente uniformizados e calçados, portando dois berimbaus e um

pandeiro. A foto apresentada é propriedade do já falecido Sr. José Severiano de

Jesus, conhecido popularmente como “Zelito”. Encontra-se emoldurada em vidro e

18

Incorporei o conceito apresentado por Silva (2010), quando ao descrever a etimologia da palavra

“Pojuca” estabelece uma brilhante conexão com o candomblé: “Pojuca: yapô yuca que em tupi

guarani quer dizer pântano podre; o que nos permite identificá-la como morada de Nanã, africana que

é a senhora da lama da fertilidade, o início e o fim” (p. 11). Recentemente o conceito de “pântano

podre” preconizado por Teodoro Sampaio na sua interpretação do tupi guarani, foi revisto por

autoridades pojucanas, dando espaço ao conceito de “terra fértil”. Já Besouro Mangangá, Madame

Satã e Manduca da Praia são figuras que alimentam o componente mítico da capoeira. São como

heróis por suas fortes representações no aspecto de resistência e subversão das ordens sociais de

suas épocas.

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afixada na parede da sua barbearia no centro da cidade, hoje administrada por seu

filho Josemir Siqueira de Jesus.

5. Na extremidade direita, usando um cordão branco sobre o uniforme, está “Caxangá”: possível percussor da cultura capoeirana em Pojuca (Autor Desconhecido, ANOS 40).

O descendente relatou que seu pai era natural de Candeias – BA e que foi lá

que aprendeu a arte da capoeiragem. Segundo Josemir, o pseudônimo de seu pai

em capoeira era “Caxangá”. Era formado tanto em capoeira angola como em

capoeira regional. Dominava também outras artes como o boxe, o karatê e chegou a

participar de competições de luta livre pela Bahia. Apesar de ter sido um professor

de capoeira, além desta e de outras fotos em que aparece em momentos de lazer

“capoeirando” com camaradas e um antigo livreto contendo cantigas de capoeira,

Caxangá não deixou nenhum registro manuscrito sobre seu “ser capoeirano”.

Abib (2005) observa que são poucos os documentos históricos que revelam

pistas sobre como se manifestava a capoeira baiana durante o século XIX e início do

século XX. Uma possível resposta para esta carência é o fato do registro escrito da

história da capoeira na Bahia ser muito recente. O mesmo autor, talvez

propositalmente, nos indicou uma nova possibilidade de pesquisa, ao afirmar “como

a capoeira é localizada historicamente pela tradição oral” (ABIB, 2005, p.143).

Como a capoeira foi/é transmitida essencialmente pela oralidade e pela

gestualidade, o saberes guardados na memória dos indivíduos é imprescindível para

esta compreensão, pois “[...] a memória é uma evocação do passado [...] a

capacidade humana para reter e guardar o tempo que se foi salvando-a da perda

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36

total” (CHAUÍ, 2005, p.138). Segundo Nora (1993, p.09 apud SILVA, 2010, p.67) “a

memória emerge de um grupo que ela une”, portanto é indissociável à idéia de

unidade de organizações e grupos sociais. Este mesmo autor contribui afirmando

que “[...] memória, é de fato, a constituição gigantesca e vertiginosa do estoque

daquilo que nos é impossível lembrar [...]”. Assim, oralidade e memória são

imprescindíveis às noções de identidade para contemplarmos as origens e os

desdobramentos da capoeira pojucana.

A partir de um levantamento, identificamos alguns indivíduos que poderiam

contribuir com a pesquisa, e, por representatividade selecionamos dois deles: o

professor André Luiz Lima, conhecido como mestre “Nêgo Invocado”, e a professora

Inês Oliveira, conhecida na comunidade como “pró Inês”19. Interpretamos as

informações obtidas através dos relatos com base na dialética. Segundo Konder

(1936, p.84) “o método dialético nos incita a revermos o passado à luz do que está

acontecendo no presente; ele questiona o presente em nome do futuro, o que está

sendo em nome do que “ainda não é””. Como o autor explica a dialética através de

leis, elegemos a segunda delas para o cruzamento de relatos, a Lei de

Interpenetração dos Contrários:

é aquela que nos lembra que tudo tem a ver com tudo, os diversos aspectos da realidade se entrelaçam e, em diferentes níveis, dependem um dos outros, de modo que as coisas não podem ser compreendidas isoladamente [...] Os dois lados se opõem e, no entanto constituem uma unidade (e por isso esta lei já foi também chamada de unidade e luta dos contrários) (KONDER, 1936, p.58).

Admitindo uma coerência significativa nas falas, quanto à ordem cronológica

em que os acontecimentos se deram, elaboramos a primeira sistematização histórica

sobre a capoeira local. Em meados do ano de 1986, precisamente no Colégio

Municipal Presidente Castelo Branco, a capoeira é inserida como o componente

Corpo e Expressão. Duas personagens que ocupam lugar de destaque neste

enredo foram os primeiros orientadores do jogo na escola: mestre Aristides,

inicialmente, e mestre Macaco algum tempo depois. Não conseguimos acessar

vossos nomes de registro, mas trata-se de mestre Aristides discípulo de mestre

Bimba e presidente da ACAL – Associação de Capoeira Arte Luta, e mestre Macaco

19

Importante esclarecer que os entrevistados permitiram que publicássemos os seus nomes na

pesquisa

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37

discípulo do mestre Geni do Grupo Zambiacongo. Oriundos da cidade de Salvador-

BA, ambos são conhecidos no cenário da capoeira baiana.

6. Entre os rapazes de maior estatura, mestre Macaco toca o berimbau e conduz a roda e seus alunos do

CMPCB (Autor Desconhecido, 1987).

Inicialmente, houve problemas no desenvolvimento da capoeira na escola.

Alguns por questões relacionadas a preconceitos de raça, não com mestre Aristides,

mas com mestre Macaco por ser negro, e também por questões religiosas. O mestre

Nêgo nos contou que:

“[...] no início houve rejeição por parte dos pais de alunos e dos próprios alunos, pelo fato de ainda se existir aquela imagem que capoeira era coisa de negro, baderneiro e “macumbeiro” [...]” (Relato Oral, Pojuca, 25 de Abril de 2009).

Silva (2010) comenta a questão:

“[...] essa dada situação evidencia como tem sido difícil a livre expressão da fé, da cultura e consequentemente das origens das pessoas em Pojuca. Há uma forte repressão que se revela em todos os espaços: nas próprias casas, nas escolas, nos espaços públicos [...]” (p. 119).

Se há aproximação entre capoeira e candomblé ainda é uma discussão

permanente na sociedade. O senso comum de que estas culturas são

intrinsecamente relacionadas simboliza um conceito limitado sobre a questão, ou

ainda um preconceito de indivíduos ou grupos que não tem iniciação em nenhuma

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38

delas tampouco buscam estudos mais aprofundados sobre uma, outra ou ambas.

Rêgo (1968, p.38) aborda a questão:

De início, tenho a afirmar que entre a capoeira em si e o candomblé existe uma independência. O jogo da capoeira para ser executado não depende em nada do candomblé, como ocorre com o folguedo carnavalesco chamado Afoxé, que para ir ais ruas há uma série de implicações de ordem místico-litúrgicas. Apesar de nas cantigas de capoeira se falar em mandinga, mandingueiro, usar-se palavras e composições em línguas bunda e nagô e também a capoeira se iniciar com o que os capoeiristas chamam de mandinga, nada existe de religioso.

Mestre Moraes comenta a questão em um dos textos que publica no blog do

seu grupo de capoeira:

[...] No que concerne a questão sobre capoeira e candomblé importa que, antes de tudo, tenhamos a condição de entender a diferença entre religião e religiosidade [...] Escolher uma religião qualquer torna-se positivo socialmente quando esta escolha não serve de instrumento de estímulo para a segregação [...] a religião é, simplesmente a representação simbólica da religiosidade. A religião é concreta; a religiosidade é abstrata...

Diante do estudo de Silva (2010) que denunciou o quanto a sociedade

pojucana de uma forma geral recrimina o candomblé, a ele é devido o mesmo

respeito a qualquer outra religião. Velho (2006, p.238) diz que “[...] há que se

reconhecer o candomblé como um sistema religioso fundamental à constituição da

identidade de significativas parcelas da sociedade brasileira.” Conforme Silva (2010,

p.21) “o candomblé é uma religião muito exigente [...] ele que escolhe as pessoas e

não as pessoas que o escolhe”. A capoeira por sua vez é uma cultura das mais

democráticas, pois conseguiu absorver elementos de outras culturas e ainda assim

preservar seus códigos e símbolos próprios.

Nascimento & Fensterseifer (1997, p.01) analisam os elementos míticos e

simbólicos que constituem a capoeira, tidos inicialmente como problemas pelo

alunado do CMPCB:

Considerando que o mundo da capoeira tem relativa vida própria, tem seus próprios valores e é repleto de pré-conceitos, de disputas entre grupos e praticantes, bem como, considerando que o universo da capoeira é recheado de crenças, filosofias e mitos, que de certa forma são constituintes do seu imaginário, construído historicamente, e que os mesmos "atravessam" seus praticantes, constituindo suas mentalidades, pode-se realizar uma tentativa de externar algumas implicações que, querendo ou não, também convergem para o contexto da escola nas diversas formas em que a capoeira nela se insere.

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39

Segundo a professora Inês Oliveira, para avançar no processo de aceitação

da capoeira, a gestão do CMPCB promoveu um trabalho de sensibilização interna.

Isso teria sido fundamental, pois a adesão ao componente por parte dos alunos deu

um salto significativo. Por ser repercutida como “aliada da educação”, a capoeira

passa a ser aceita e respeitada pela sociedade da época, pois foi decisiva no

desenvolvimento da vida escolar e consequentemente social daqueles que a

vivenciaram. Importante ressaltar que os que foram alunos outrora, hoje são os

responsáveis pela preservação da cultura capoeirana local, o caso do mestre Nêgo.

7. Capoeira durante a passagem do bloco Ginga Axé (criado por mestre Nêgo) na micareta da cidade

(Autor Desconhecido, 1999).

Algumas características20 percebidas na pesquisa de campo nos permitiu

afirmar que em Pojuca predomina os ensinamentos da capoeira regional. Isto pôde

ser entendido pelo fato de existir um único grupo na cidade, o Zambiacongo.

Presidido por José Serafim Ferreira Júnior - mestre Geni - o grupo domina o território

pojucano quanto ao ensino da capoeira há 20 anos, desde a abertura de uma filial

do grupo soteropolitano na cidade. A mesma é administrada pelo mestre Nêgo. Um

trecho marcante da entrevista foi a sua fala sobre o caráter social da capoeira e

sobre a necessidade de uma boa formação de um orientador:

20

Indumentária básica (geralmente sem uso de adornos e/ou acessórios), bateria (ou orquestra) e

jogadores perfilados na vertical, uso de cordões na cintura para sinalizar o nível de graduação dos

membros e prática de jogo sem uso de calçados são elementos típicos da capoeira regional.

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A capoeira por si só, não transforma a vida dos indivíduos, mas, a partir do momento que a capoeira, ou qualquer outra cultura, se baseia em princípios educacionais, é bastante expressiva na forma de compreender o mundo e na conduta de vida dessas pessoas [...] quando orientada por um professor incapacitado, não proporciona saúde física, mental e muito menos social [...] uma prática que incita à violência, a rivalidade, a competitividade, pra mim não é válida (Relato Oral, Pojuca, 25 de Abril de 2009).

A fala acima se justifica em Santos (2000, p.77):

O ato de jogar não se limita ao funcionamento de uma máquina biológica que gastará um excedente de energia. Não é sequer assimilável a um fútil recreio insignificante. Jogar, portanto, tem vários sentidos importantes, e um deles enfatiza o aspecto lúdico.

A ludicidade inerente à capoeira é um dos aspectos que mais desperta o

interesse por sua prática. Essa particularidade é contemplada na essência da

capoeira: a vadiagem ou vadiação. A relação do negro escravo com o ócio era

especial, pois permitia a realização ou não de tal atividade, desprendida de

compromisso com o tempo em que aconteceria, adequando-se ao ambiente em que

estivesse. Rêgo (1968, p.359) contribui para este raciocínio mencionando as

tradicionais festas de largo da Bahia:

As festas populares eram algo de máximo na existência do capoeira, era o instante que tinha para relaxar o trabalho forçado, as torturas e esquecer a sua condição de escravo, daí farejarem os dias de festas com uma volúpia inconcebida, pouco se lhes importando se a festa era religiosa, profana ou profano-religiosa.

Além das aulas oferecidas na filial do Grupo Zambiacongo que funciona

acima da residência do mestre Nêgo, os trabalhos se estruturam organicamente na

cidade através de parceria com os centros comunitários de bairro. Alguns trabalhos

estão estacionados, a exemplo do projeto no Parque Aquático do Retiro, bairro

periférico cuja comunidade já foi contemplada com aulas de capoeira; no bairro da

Pojuca Nova, onde também houve aulas para jovens e adolescentes; no bairro de

Central, também já beneficiado. No Centro Comunitário da Star21, localizado na

Avenida Conselheiro Saraiva, o educador Adinilson Lima (instrutor “Veinho” na

capoeira) orienta aulas aos sábados pela tarde. Justamente, este trabalho merece

destaque pela qualidade e pelo tempo em que vigora.

21

Bairro suburbano da cidade a beira da rodovia BA 093.

Page 41: A gestão cultural "em jogo": políticas culturais para a capoeira na cidade de Pojuca - BA

41

Apesar das vezes em que houve interrupções justificadas pela ausência de

apoio, são mais de dez anos mediando os conhecimentos da capoeira para crianças

e adolescentes da Star e dos bairros circunvizinhos. Segundo o educador, no início

dos anos 2000 quando a estrutura do Centro Comunitário era favorável e o poder

público contribuía com recursos, mais de cem crianças e adolescentes foram

assistidos numa mesma época. Atualmente a realidade é bem diferente. Os

instrumentos musicais assim como os uniformes dos alunos estão defasados,

fazendo com o próprio Adnilson arque com os custos gerados para não ter que

abdicar de seu compromisso social.

8. Capoeira no Centro Comunitário da Star (Autor Desconhecido, 2005).

O abandono desabafado por Adnilson não é novidade no mundo da capoeira.

Encontramos em Rêgo (1968) um cenário semelhante à triste realidade trazida pelo

educador, mesmo que na Salvador da década de 60 uma conduta política

governamental análoga:

[...] o agente negativo no processo de decadência da capoeira, sociológica e etnograficamente falando, foi o órgão municipal de turismo [...] Embora o referido órgão tenha por norma a preservação de nossas tradições, os titulares que por ele têm passado, por absoluta ignorância e incompetência, fazem justamente o contrário, direta ou indiretamente (p. 362).

As interrupções do projeto geraram um processo gradativo de frustração entre

alunos e pais, o que hoje é refletido pelo número pequeno de atendidos em

comparação aos tempos em que a procura foi maior que a oferta, e dos pais que

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ainda acompanham seus filhos durante as aulas. Importante ressaltar que um único

integrante do Grupo Zambiacongo presta serviços como professor de capoeira junto

ao GESPORT - órgão gerencial do esporte em Pojuca, o que certamente é

insuficiente em relação à demanda de uma cidade com mais de 30 mil habitantes.

Ainda que mereça ser estudada de forma mais aprofundada, concluímos

provisoriamente o resgate da memória capoeirana local resumindo que após a “era

Caxangá” (que pretendo estudar em breve), passadas quatro décadas e meia, em

1986 quando a capoeira foi inserida no espaço escolar houve maior amparo para

seu desenvolvimento pelo poder público. Até o ano de 2008, mesmo que de maneira

assistencialista houve algum incentivo político aos trabalhos desenvolvidos com a

capoeira nos bairros. Nos anos seguintes, não houve comunicação e nem acordo

entre as partes. Talvez o histórico político conturbado da cidade tenha influenciado

no retardamento do desenvolvimento social pleno da cidade, e a cultura é entendida

como um dos vetores para o desenvolvimento citado. Uma conotação deste

retardamento foi o descarte de boas iniciativas exclusivamente pelo fato de serem

plantadas em gestões de grupos partidários divergentes (a tradição da instabilidade

que abordaremos mais tarde).

Desde o ano de 1998, Pojuca faz parte da rota de cidades onde se realiza a

Jornada Internacional de Capoeira Zambiacongo. Esse evento conta com a

participação de mestres brasileiros e estrangeiros que atuam no exterior e seus

alunos da Austrália, de Cingapura, da Espanha, da Alemanha e da Grécia. A

Jornada se repete de quatro em quatro anos. Na edição de 2010, o único ano de

realização do evento ocorrida na gestão em estudo, mesmo sendo solicitado, não

houve apoio do poder público. É necessário ressaltar que nenhum outro evento

mobilizou um contingente expressivo de estrangeiros para a cidade como este, uma

oportunidade ímpar para o estreitamento de relações internacionais, para propor

programas de intercâmbio entre Brasil e as nações representadas pelos estrangeiros

que por aqui passaram e/ou passarem. A possibilidade de concretização desta

política cultural não é utopia. Ela será possível a partir de um esforço coletivo entre

governo e sociedade civil, mas que se entenda que “a sociedade civil é que

condiciona e regula o Estado” (ENGELS, 1948: 17 apud BOBBIO, 1982, p.23).

Page 43: A gestão cultural "em jogo": políticas culturais para a capoeira na cidade de Pojuca - BA

43

3 POLÍTICA CULTURAL, BRASIL E BAHIA: “jogo de dentro, jogo de fora”

Na aproximação com os estudos das políticas culturais, observei que

Barbalho (2009) critica como são raros os trabalhos que definem especificamente o

que é uma política cultural, ainda que haja uma vasta bibliografia a respeito. Com

base em teóricos da área, proponho um conceito. Segundo Bobbio (2000) a palavra

política deriva do grego politikós, aquilo que é da pólis, ou seja, o que é da

sociedade e portanto é de interesse do homem enquanto cidadão. Com o passar do

tempo, política passou a significar ação de governo, assim como a forma com que a

sociedade se relaciona com o Estado. Guareschi (2008) diz que cultura é tudo o que

o homem faz, é a alma de um povo. Unindo os conceitos de Bobbio e Guareschi,

política cultural é uma ação construída entre governo e sociedade civil para

resguardar a essência de um povo, para evitar que o tempo a apague.

Bobbio (2000) contribui ainda mais quando afirma que a política não pode se

resumir a apenas um fim porque “[...] os fins da política são tantos quantas forem as

metas a que um grupo organizado se propõe, segundo os tempos e as

circunstâncias” (p.167). Assim a política cultural deve atender a variadas demandas,

de acordo as necessidades do que ou de quem se deseja resguardar.

Botelho (2010) afirma que o modelo de política cultural tal qual conhecemos

surge na França, entre os anos 60 e 70. Segundo ela o objetivo primordial destas

políticas seria superar as desigualdades de acesso da população aos bens culturais,

sobretudo favorecendo a parcela menos favorecida. Para institucionalizar a cultura

francesa cria-se o Ministério dos Assuntos Culturais com a seguinte designação:

O ministério encarregue dos Assuntos Culturais tem por missão tornar acessíveis as obras capitais da humanidade e, em primeiro lugar, as da França, ao maior número possível de Franceses; de proporcionar a mais vasta audiência ao nosso patrimônio cultural e de favorecer a criação das obras de arte e de espírito que o enriquecem.

A citação acima aponta para o caráter público da política cultural, onde o

epicentro de sua constituição é o povo. Mesmo que num contexto europeizado,

verifica-se que é no seio popular que surgem as manifestações culturais, e são com

a efetiva participação popular que devem ser construídas as políticas para incentivá-

las, difundi-las e salvaguardá-las. Machado (1984, p.07 apud SIMIS, 2009) critica

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como “é muito reduzida à atenção dada por políticos em geral e cientistas sociais às

políticas públicas da área cultural, sejam elas oriundas de órgãos federais, estaduais

ou municipais”.

Para Silva (1977, p.08 apud BARBALHO, 2009, p.01) um avanço considerável

na história do Brasil foi quando em 1976 a Organização das Nações Unidas para a

Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO – e o Ministério da Educação

promoveram um histórico encontro “destinado a focalizar relevantes problemas da

cultura”. A partir deste movimento foram produzidos diversos documentos cuja base

prioriza o papel estratégico da cultura no desenvolvimento do Brasil. A atuação

pioneira da UNESCO pela elevação do status da cultura como fundamental ao

desenvolvimento foi consagrada após a instituição da Década Mundial do

Desenvolvimento Cultural, de 1988 a 1997.

Segundo Calabre (2007, p.100) a ação no campo da cultura “tem sido

frequentemente vista através de uma visão limitada ao acontecimento episódico, ao

evento, inclusive por muitos dos gestores da área pública”. Tradicionalmente, as

políticas culturais brasileiras foram desenvolvidas de maneira verticalizada, sem

consulta à sociedade civil no processo de construção das mesmas. Para reverter

esta tradição, Botelho (2007, p.113) defende que:

Uma política pública se formula a partir de um diagnóstico de uma realidade, o que permite a identificação de seus problemas e necessidades. Tendo como meta a solução destes problemas e o desenvolvimento do setor sobre o qual se deseja atuar cabe então o planejamento das etapas que permitirão que a intervenção seja eficaz, no sentido de alterar o quadro atual. Para ser consequente, ela deve prever meios de avaliar seus resultados de forma a permitir a correção de rumos e de se atualizar permanentemente.

Segundo Teixeira (2002, p.02) as políticas públicas são:

[...] diretrizes, princípios norteadores de ação do poder público; regras e procedimentos para as relações entre poder público e a sociedade, mediações entre atores da sociedade e do Estado. São, nesse caso, políticas explicitadas, sistematizadas ou formuladas em documentos (leis, programas, linhas de financiamento) que orientam ações que normalmente envolvem aplicações de recursos públicos. Nem sempre, porém, há compatibilidade entre as intervenções e declarações de vontade e as ações desenvolvidas. Devem ser consideradas também as “não-ações”, as omissões, como formas de manifestação política, pois representam opções e orientações dos que ocupam cargos.

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Para Rubim (2007) a política cultural só poderá ser considerada uma política

pública, se ela for submetida a algum controle social, através de debates e crivos

públicos. Filho (2006) contribui ao afirmar que a “democracia se opõe ao poder

absoluto e a um individualismo extremo [...] é combinar a integração da cidadania

por meio da liberdade das escolhas políticas [...]” (p.12). No que concerne à política

pública de cultura, um avanço bastante considerável é o que Rubim (2010) chama

de “adoção da noção antropológica do conceito de cultura” (p.14). Para ele, quando

este conceito foi adotado pelo MinC durante o governo Lula, seus espaços de

atuação se expandiram, pois antes se delimitavam ao tombamento de prédios

históricos e ao reconhecimento das artes. Botelho (2001, p.04) corrobora que “para

que a cultura, tomada nesta dimensão antropológica, seja atingida por uma política,

é preciso que fundamentalmente, haja uma reorganização das estruturas sociais e

uma distribuição dos recursos econômicos”. O equilíbrio que proponho na discussão

sobre a marginalização da cultura perpassa por esta redistribuição de recursos.

No processo de elaboração de uma política pública, a mesma deve ser

submetida ao debate público, caso contrário constituirá uma política de governo que

poderá deixar de existir em uma próxima gestão. Rubim (2010, p.14), salienta que

as políticas culturais no governo Lula romperam com o autoritarismo, histórico,

estabelecido no país e passou a dialogar com a sociedade através de políticas

públicas. Elas emergem como uma marca significativa das gestões ministeriais de

Gil e de Juca. Proliferam encontros; seminários; câmaras setoriais; consultas

públicas; conferências, inclusive culminando com as Conferências Nacionais de

Cultura de 2005 e 2010. Através destes dispositivos, a sociedade pôde participar da

discussão e influir na deliberação acerca dos projetos e programas e, por

conseguinte, construir, em conjunto, com o Estado, políticas públicas de cultura.

É no governo Lula que o Ministério da Cultura, gerido inicialmente por Gilberto

Gil (2003 - 2008) e em seguida por Juca Ferreira (2008 - 2010), assume uma nova

postura ao defender que as políticas culturais brasileiras precisavam superar um

histórico negativo, o que segundo Rubim (2010) são as “tristes tradições”

sintetizadas em três: ausências, autoritarismos e instabilidades. As ausências

revelam a omissão histórica no trato com as questões culturais do país, no primeiro

momento de forma inexistente, ou seja, não havia uma gestão cultural no Brasil. No

segundo momento, o governo praticamente permite que a instituição privada

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46

“comande” a cultura, lhe cabendo apenas repassar recursos ou isentar as empresas

de impostos através das leis de incentivo, tendo como a mais expressiva entre elas

a Lei Rouanet22.

Os autoritarismos simbolizam a forma como as políticas culturais

verticalizadas, do governo para a sociedade. A participação popular era ignorada no

processo de construção das mesmas. Ora, se a cultura é “essencialmente pública

porque seus significados são públicos” (GEERTZ apud GONZÁLEZ &

FENSTERSEIFER, 2005, p.105) por que o “manancial” de produção cultural (o povo)

ficou de fora da discussão, organização e execução de tais políticas? Uma possível

resposta é o conceito hegemônico de cultura consolidado pelos representantes da

elite que governaram o Brasil em parte de sua história política. Pois, esta realidade

muda a partir do governo Lula.

A atuação de Gilberto Gil como ministro do governo Lula representa um

“divisor de águas” no direcionamento do MinC. O ex-ministro possui um currículo

interessante: é um dos protagonistas do Tropicalismo, um movimento que

revolucionou o país na década de 60, e é também um dos intelectuais da Diáspora

africana. Certamente o seu histórico como militante político influenciou na sua

postura como ministro, pois é a partir desta gestão que “o diálogo com a sociedade

foi fundamental para o avanço do próprio conceito de cultura” (RUBIM, 2010, p.15)

assim como para a criação de mecanismos que contemplassem as diversas

manifestações da cultural popular brasileira, entre elas a capoeira.

O reconhecimento da capoeira como patrimônio fez parte de uma série de

estratégias para fortalecer e incentivar as diversas manifestações culturais

brasileiras, sobretudo as populares, fornecendo subsídios para a consolidação de

um caráter identitário destas culturas que ultrapasse a concepção da erudita como

aquela que se sobrepõe a todas as outras, ideologia difundida pela elite brasileira

que prevaleceu historicamente (COSTA, 2010, p.292). Neste momento, o Estado

passa a considerar a importância da diversidade cultural brasileira de forma que

ofereça um suporte político para o fomento e incentivo à cultura.

As instabilidades são dentre as tradições citadas, talvez, a que mais retardou

as iniciativas governamentais brasileiras no âmbito da cultura. Felizmente isto foi

22

A Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei nº 8.313 de 23 de dezembro de 1991), conhecida também por Lei Rouanet, é a lei que institui politicas públicas para a cultura nacional, como o PRONAC - Programa Nacional de Apoio à Cultura.

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percebido na gestão Gil/Juca e posto em pauta para a discussão. A partir do diálogo

com especialistas, governo e sociedade, foram pensadas estratégias para que esta

tradição fosse superada (RUBIM, 2010, p.16). Dentre as demandas apresentadas

neste diálogo, surgem algumas que requerem um enfoque especial. A primeira é o

SNC - Sistema Nacional de Cultura23, que através do Plano Nacional de Cultura é

regido pelos determinados princípios (PEC 416-A, 2005, Art. 216-A, § 1, pág. 1):

I - diversidade das expressões culturais;

II - universalização do acesso aos bens e serviços culturais;

III - fomento à produção, difusão e circulação de conhecimento e bens culturais;

IV - cooperação entre os entes federados, os agentes públicos e privados atuantes na área cultural;

V - integração e interação na execução das políticas, programas, projetos e ações desenvolvidas;

VI - complementaridade nos papéis dos agentes culturais;

VII - transversalidade das políticas culturais;

VIII - autonomia dos entes federados e das instituições da sociedade civil;

IX - transparência e compartilhamento das informações;

X - democratização dos processos decisórios com participação e controle

social;

XI - descentralização articulada e pactuada da gestão, dos recursos e das

ações.

XII- ampliação progressiva dos recursos contidos nos orçamentos

públicos para a cultura.

Por fim, surge a necessidade da sanção presidencial do PEC 150, que determina

que 2% do orçamento federal, 1,5% do orçamento estadual e 1% do municipal

sejam destinados à cultura.

Outro fator significativo foram as instalações dos Pontos de Cultura,

espalhados por todo território nacional. Estes dão forma ao projeto Cultura Viva que

já conseguiu estruturar de 2.500 a 4.000 pontos (RUBIM, 2010, p.20), entre grupos e

instituições culturais que antes jamais receberam se quer uma “mão” do Estado.

Fundamental pela proposta de apoio contínuo aos Pontos de Cultura, o Programa

Mais Cultura aparece em destaque pelo fato de ser conduzido inicialmente por

Gil/Juca e levado adiante pela gestão Ana de Hollanda. A necessidade de que a

sociedade civil, os agentes e organizações culturais continuem pressionando o

Congresso para a aprovação das leis que vislumbram a verdadeira democratização

do acesso a cultura no país, é apontada por Rubim (2010) como fundamental para

23

O Sistema Nacional de Cultura, organizado em regime de colaboração, de forma descentralizada e participativa, institui um processo de gestão e promoção conjunta de políticas públicas de cultura, democráticas e permanentes, pactuadas entre os entes da federação e a sociedade, tendo por objetivo promover o desenvolvimento – humano, social e econômico - com pleno exercício dos direitos culturais (PEC 416-A, 2005, p.01).

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48

que os bons rumos continuem a ser tomados, caso contrário, a diversidade cultural

brasileira não será agraciada em totalidade, o reconhecimento específico para cada

manifestação e o apoio mais coerente continuará aquém do idealizado e justo. O

primeiro passo foi dado.

Quanto às políticas públicas específicas para a capoeira, o governo Lula foi o

que mais se destacou. Já relatei como historicamente foi negativa a relação capoeira

x poder público no Brasil, passando por momentos de proibição e criminalização e

da pseudo-liberação como mecanismo controlador da ordem política vigente.

Atravessando um longínquo percurso, chega o marco que define um novo olhar

político governamental para a cultura. As políticas do governo Lula superaram o

paradigma da cultura exclusivamente produzida e consumida pelas elites, elegendo

o erudito como o campo cultural que se sobrepõe a todos os demais. Nesta gestão a

valorização da cultura popular deixa de alternativa marginal e passa a ser prioridade.

Se tratando de ações materializadas em prol da capoeira, três merecem destaque: o

Programa Capoeira Viva, os Pontos de Cultura (já comentado, favoreceu também a

capoeira) e as Políticas de Patrimônio.

O Programa Capoeira Viva foi lançado em 2006. Na primeira edição, um

investimento de R$ 930.000, 00 foi disponibilizado para o custeio de propostas e

projetos pensados em três linhas de execução: incentivo à pesquisa, apoio à

acervos e documentos e ações socioeducativas. Na segunda edição, em 2007, o

valor do edital aumentou para R$ 1.200.000,00 (COSTA, 2010, p.295). Lamentável o

fato do Capoeira Viva não ter se repetido após 2007.

As Políticas de Patrimônio convieram para o tão lutado reconhecimento da

capoeira como bem cultural. Diante da expansão da cultura capoeirana pelo mundo,

surgiu a necessidade de salvaguardá-la. Um grupo de pesquisadores e

colaboradores constrói entre 2006 e 2007 um dossiê intitulado “Inventário para

Registro e Salvaguarda da Capoeira como Patrimônio Cultural do Brasil”, que é o

documento base para o reconhecimento. Em 15 de julho de 2008, a capoeira passa

a ser apresentada legalmente à sociedade como Patrimônio Imaterial da Cultura

Brasileira. Porém desde 2006 a Bahia já havia reconhecido a capoeira como

patrimônio através do IPAC – Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural - sendo

pioneira neste processo. No âmbito nacional a capoeira é registrada pelo IPHAN –

Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - em dois livros: o Ofício dos

Mestres, no Livro de Saberes, e a Roda de Capoeira, no Livro de Formas de

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Expressão. Os documentos estão disponíveis nos sítios virtuais das respectivas

instituições. Uma vez que são documentos públicos, todos os capoeiras do mundo

deveriam ter consigo uma cópia dos mesmos, para que seja palpável um artifício

que declara o pertencimento coletivo da capoeira.

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O reconhecimento do IPHAN gerou um plano de preservação onde constam

as seguintes demandas a serem cumprindas:

1. Aposentadoria especial para os velhos mestres;

2. Criação de um programa de incentivo para a difusão da capoeira no mundo;

3. Estabelecimento de um Centro Nacional de Referência da Capoeira;

4. Plano de manejo da biriba – madeira utilizada na produção do berimbau.

Estas precisam ser desenvolvidas em harmonia, para que a cultura

capoeirana se fortaleça ainda mais. Um avanço significativo neste processo foi à

criação do “Prêmio Viva meu Mestre” que visa o reconhecimento dos “patrimônios

vivos”, os mestres que possuem imensurável acúmulo de experiência na vivência e

transmissão dos saberes da capoeira. Na Bahia, este prêmio já beneficiou alguns

deles, como por exemplo o mestre Orlando Corderino dos Santos, 78 anos,

residente na cidade de Itaberaba na região da Chapada Diamantina. Com a valor do

prêmio (R$ 15.000,00) foi possível construir uma casa de alvenaria para ele que

antes vivia numa cabana de taipa. Porém a Bahia precisa avançar ainda mais, quem

sabe copiar o exemplo do governo de Pernambuco (com a colaboração de mestres

e pesquisadores) que conseguiu aprovar uma pensão vitalícia para os velhos

mestres. Nada mais que um retorno digno e justo.

Mesmo no final da escrita deste capítulo, compartilho um importante

acontecimento: a aprovação do PEC 416/2005 que institui o Sistema Nacional de

Cultura, no dia 30 de Maio de 2012. Segundo a Assessoria de Comunicação do

MinC, o SNC foi aprovado por 361 votos a 1 durante sessão extraordinária da

Câmara de Deputados. “A aprovação foi comemorada pela atual ministra da Cultura,

Ana de Hollanda, que acompanhou a votação no plenário” disse a ASCOM. O

secretário de Articulação Institucional do MinC, João Roberto Peixe, comentou na

ocasião que “O SNC é a grande oportunidade de a Cultura deixar de ser um

componente periférico para ocupar seu espaço como um dos vetores do processo

de desenvolvimento do país”. Que assim seja.

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4 “GINGA E VOLTA AO MUNDO”: o trajeto metodológico

A “ginga” é a base do jogo de capoeira. Qualquer movimento executado por

um jogador durante o diálogo corporal com o outro, emerge dela. Já a “volta ao

mundo” é um ritual utilizado pelo capoeira para refletir sobre alternativas que o

favoreçam durante o jogo. Enquanto caminha em torno da roda, raciocina quais as

estratégias que utilizará para chegar aonde quer. Inicio este capítulo com estes

elementos intrínsecos ao jogo de capoeira por perceber como se assemelham ao

trajeto científico-metodológico que precisei percorrer para obter êxito na pesquisa.

Assim, a pesquisa de campo teve abordagem qualitativa de caráter

exploratória, no qual utilizei os seguintes procedimentos para obtenção de dados:

visita ao portal de transparência da cidade; análise de documentos sobre orçamento

geral e específicos para a área de cultura e entrevista com a gerência de cultura

municipal e com representante da comunidade capoeirana.

Segundo Minayo (1994, p.22) a pesquisa qualitativa:

[...] preocupa-se com um nível de realidade que não pode ser quantificada [...] trabalha com o universo dos significados [...] Corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.

Menga (1986, p.18 apud MARCONI & LAKATOS, 2007, p. 271) afirma que “o

estudo baseado em fatores qualitativos é rico em dados descritivos, tem plano

aberto e flexível e focaliza a realidade de forma complexa e contextualizada”. Sobre

a análise dos documentos, me basiei em Gil (1999, p. 79) quando diz que:

a análise documental constitui numa técnica valiosa de abordagem de dados qualitativos, seja complementando as informações obtidas por outras técnicas, seja desvelando aspectos novos de um tema ou problema.

Segundo Duarte & Barros (2005) a análise documental além de qualificar o

trabalho, respalda a fonte de dados, pois consiste na extração cientifica e

informativa, propondo-se a identificar as novas mensagens subjacentes no

documento, conseguindo trazer novas perspectivas, sem deixar de respeitar a

substância original dos documentos.

Para compreender e transmitir as informações encontradas me aproximei da

teoria dialética. Segundo Konder (2000, p.08) “a dialética contribui com o modo de

pensarmos as contradições da realidade como essencialmente contraditória e em

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permanente transformação”. Assim, a dialética é questionadora a qualquer análise

reducionista dos fatos, é impassível a qualquer leitura preconizada pelo Positivismo.

Segundo Minayo (1994) no pensamento positivista o método quantitativo é

entendido enquanto suficiente para explicar a realidade social através de

“instrumentos padronizados pretensamente neutros” (p.23). Fazendo um “link” entre

a dialética e a teoria histórico-crítica, Guareschi (2008) critica o Positivismo e seus

seguidores:

As pessoas de mentalidade positivista-funcionalista, ou de mentalidade absolutizadora, são pessoas castradas, sem projeto e sem futuro [...] As pessoas de mentalidade histórico-crítica, ao contrário, são pessoas que incorporam na definição da realidade o futuro e a mudança. A mudança faz parte da própria teoria.

Como vislumbro mudanças, crendo no conceito acima não poderia recorrer à

métodos baseados no pensamento positivista. Optei pelos conceitos da dialética e

da teoria histórico-crítica, os quais buscam refletir sobre o passado para entender o

presente e pensar no futuro.

Por se tratar de um estudo de campo, Neto (1992, p.53) diz que o mesmo é “o

recorte que o pesquisador faz em termos de espaço, representando uma realidade

empírica a ser estudada a partir das concepções teóricas que fundamentam o objeto

da investigação”. Dentre as etapas para obtenção de dados citadas, a entrevista foi

a capital. Neto (1992, p.57) diz ser “a entrevista o procedimento mais usual no

trabalho de campo” onde “o pesquisador busca obter informes contidos na fala dos

atores sociais”. Marconi & Lakatos (2010, p.178) conceituam este instrumento de

pesquisa:

A entrevista é um encontro entre duas pessoas, a fim de que uma delas obtenha informações a respeito de determinado assunto, mediante uma conversação de natureza profissional. É um procedimento utilizado na investigação social, para a coleta de dados ou para ajudar no diagnóstico ou no tratamento de um problema social.

Em relação à entrevista, segundo Gil (1999, p.117):

Pode-se definir entrevista como a técnica em que o investigador se apresenta frente ao investigado e lhe formula perguntas, com o objetivo de obtenção dos dados que interessem à investigação. A entrevista é, portanto, uma forma de interação social. Mais especificamente, é uma forma de diálogo assimétrico, em que uma das partes busca coletar dados e a outra se apresenta como fonte de informação. A entrevista é uma das técnicas de coleta de dados mais utilizada no âmbito das ciências sociais.

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Os roteiros das entrevistas foram de natureza semiestruturada. Segundo

LODI (1974, p.16 apud MARCONI & LAKATOS 2010, p.180) a finalidade deste tipo

de instrumento “é obter, dos entrevistados, respostas às mesmas perguntas [...] que

devem refletir diferenças entre os respondentes [...]”. Gil (1999) diz que a entrevista

semiestruturada permite ao pesquisador ter liberdade para desenvolver cada

situação em qualquer direção que considere adequada, assim como possibilita

explorar mais amplamente a questão.

Manzini (1990/1991) diz que a técnica da entrevista semiestruturada “está

focalizada em um assunto sobre o qual realizamos um roteiro com perguntas

principais, complementadas por outras questões inerentes às circunstâncias

momentâneas à entrevista” (p.154). Para o mesmo autor, esse tipo de entrevista

pode fazer emergir informações de forma mais livre e as respostas não estão

condicionadas a uma padronização de alternativas. Neste sentido, considero as

informações mais relevantes para o estudo.

Os respectivos roteiros consistiram em 06 questões abertas. Marconi &

Lakatos (2007) dizem que as questões abertas permitem ao entrevistado responder

livremente, usando linguagem própria, assim como pode optar por emitir opiniões.

As autoras ratificam que a função do entrevistador neste tipo de modalidade é a de

incentivador, pois conduz o entrevistado a falar sobre determinado assunto sem

forçá-lo a responder em nenhum momento. As perguntas tomaram como base as

Políticas Culturais do Governo Lula, a Lei Orgânica Municipal e a pesquisa “Toques

do Tempo: memória da capoeira em Pojuca”.

Inicialmente o procedimento só seria aplicado com o gerente de cultura, mas,

para que pudesse acessar elementos que confrontassem o discurso oficial,

necessitei ouvir outra versão. Procurei novamente os sujeitos que colaboraram com

a pesquisa “Toques do Tempo: memória da capoeira em Pojuca”, em 2009. Diante

da lógica do trabalho científico enquanto projeto inacabado retomá-la foi

fundamental pois no ano da sua produção foi diagnosticada uma dada realidade e a

partir dela foram elencadas as reivindicações da comunidade capoeirana ao poder

público local. Embora tenham sido dois respondentes em 2009, o procedimento foi

repetido somente com o prof. André Luiz Lima, o mestre Nêgo Invocado.

O confronto dos depoimentos daquele que ocupa o cargo de principal

articulador governamental da cultura pojucana e do mestre representando a

comunidade capoeirana foi crucial para ilustrar a realidade observada. A discussão

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sobre as falas obtidas foi categorizada por temas, como forma de organização das

ideias colocadas pelos respondentes e para um melhor entendimento sobre as

relações entre os campos da política, da cultura e da capoeira pojucana.

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5 A GESTÃO CULTURAL EM “JOGO”

Pojuca é uma cidade integrante do território de identidade 18 do estado da

Bahia, situada a 67 km da capital, Salvador. A sua população é de 33.585

habitantes, sendo que 84,4 % residem em área urbana e 15,6 % na zona rural,

numa área total de 318, 205 Km² (IBGE, 2010). Sua economia está voltada

principalmente para negócios que envolvem extração e comercialização de minério,

petróleo e gás natural, seguida pela agricultura e pecuária (IBGE, 2010).

Apesar de sua singela expansão territorial em comparação às grandes

cidades baianas, Pojuca possui uma cultura riquíssima. Dentre as manifestações

estão a festa do padroeiro Senhor Bom Jesus da Passagem que incorpora o

sincretismo religioso24, o Boi – Janeiro (Bumba Meu Boi ou Boi Bumbá em outras

localidades do país) representado por Dona Lindú25, a festa de São José, Santo

Antônio, São Pedro, alem das Festas de Candomblé que infelizmente não são

oficializadas no calendário municipal, as Festas Juninas e as Micaretas.

Pojuca possui como prédios públicos oficiais para a difusão da cultura, além

das Instituições Municipais de Ensino, um Centro de Cultura e duas Bibliotecas

Públicas. As instituições em destaque são a Filarmônica São José, a Fanfarra

Municipal Cultural de Pojuca e o Grupo de Capoeira Zambiacongo. Há também

grupos de samba de viola, tendo como destaque “Fiscal e seu Conjunto”, as

quadrilhas juninas “Mato Véio”, fundada por Dr. Carlito Silva (in memorian) e a nova

geração denominada “Fole Danado”. De acordo com Silva (2010, p.120) em Pojuca

já existiu um clube de reggae intitulado “Movimento Cultural de Pojuca, que junto

com outros grupos do município realizou durante alguns anos Semanas de

Consciência Negra”.

No ano de 2010 foi instituída a Semana da Cultura Evangélica. Também em

2010, adeptos do Candomblé formaram a ACAP – Associação do Culto Afro

Pojucano. Em 2011 um grupo de artistas e mobilizadores culturais criaram a OCUPA

– Organização Cultural Pojucana de Artes. Mais que merecido lembrar cidadãs que

24

É apropriado usar também o conceito da “dupla pertença” (SILVA, 2010, p.130) quanto a

celebração a entidades distintas por um grupo ou indivíduo num culto ou festejo.

25 Maria Arlinda dos Santos, 91 anos, é vencedora emérita do Prêmio Culturas Populares Mestra

Dona Izabel, oferecido pelo Ministério da Cultura (SECULT, 2012).

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têm um significado especial no contexto histórico e cultural de Pojuca: as rezadeiras.

Retratadas com maior propriedade em Silva (2010), estas personagens assumem o

papel de legítimas guardiãs da memória da cidade. Como o trabalho citado aborda,

entre outras questões, a importância das tradições de matriz africana preservadas

pelas rezadeiras pojucanas, e sendo a capoeira uma cultura de matriz análoga,

ressalto o quanto as proposições da autora contribuíram para reflexões a seguir.

5.1 ASPECTOS LEGAIS E INSTITUCIONAIS

Pojuca possui um documento fundamental para a gestão pública: a Lei

Orgânica do Município de Pojuca, do ano de 1990, reúne as diretrizes para

administração da cidade. No documento citado a cultura não aparece com um texto

exclusivo dedicado a sua importância. O que há voltado para a questão está no título

IV “Da Ordem Social”, cap. IV “Da Educação, Cultura, Desporto e Lazer”, pág. 62,

artigos 96, 97 e 98:

Art. 96 - O Município apoiará e incentivará a valorização, a produção e a difusão das manifestações culturais, prioritariamente as diretamente ligadas à sua história, à sua comunidade e aos seus bens, através de: I - criação, manutenção e abertura de espaços culturais; II - intercâmbio cultural e artístico com outros municípios e estados; III - acesso livre aos acervos de bibliotecas, museus e arquivos; IV - aperfeiçoamento e valorização dos profissionais. Art. 97 - Ficam sob a proteção do Município, os conjuntos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, ecológico, paleontológico e científico tombados pelo Poder Público Municipal. Parágrafo Único - Os bens tombados pela União ou pelo Estado merecerão idêntico tratamento, mediante convênio. Art. 98 - O Município promoverá o levantamento e a divulgação das manifestações culturais da memória da cidade e realizarão concursos, exposições e publicações para sua divulgação.

Como se trata de uma lei, o documento citado evidencia a obrigação

governamental para com o suporte a difusão das manifestações culturais pojucanas,

sobretudo àquelas que compunham a identidade local (as citamos no início do

capítulo). Em Pojuca não há uma Secretaria de Cultura para gerir as questões

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culturais. Cabe a Gerência de Cultura vinculada ao Departamento de Esporte,

Cultura e Lazer – DECLA – cumprir tal função. O referente departamento é

diretamente ligado ao Gabinete da Prefeitura, o que identifica uma gestão

centralizadora que se ramifica em setores. Desta forma a autonomia administrativa

da Gerência de Cultura é limitada, uma vez que suas decisões e ações dependem

fundamentalmente da aceitação ou não de duas autoridades hierárquicas, do diretor

do DECLA e da chefe do executivo municipal a qual ambos estão subordinados. O

organograma abaixo ilustra a complexidade administrativa citada:

Observem que o último quadro da direita traz uma provocação a respeito do

lazer, pois na pesquisa de campo foi identificado que o diretor do DECLA (do qual

falaremos brevemente a seguir) é também o Gerente de Lazer, algo um tanto

curioso o fato de assumir dois cargos distintos numa mesma instituição pública. Para

não perder o foco, explorarei a questão em breve.

5.2 O ORÇAMENTO

A Câmara Municipal de Pojuca declara no seu sítio virtual que a arrecadação

municipal desde 01/01/2009 está em torno de R$ 326.621.150,00 (em 18/08/2012

quando a informação foi extraída). Para saber quanto deste montante foi investido

em cultura, no Portal de Transparência da Prefeitura Municipal de Pojuca encontrei

os Relatórios Resumidos da Execução Orçamentária. Publicados no ano

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subsequente ao discriminado26, os RREO’s publicam os investimentos públicos por

setor (Cultura, Saúde, Educação, etc.). Devido à complexidade dos documentos,

para compreendê-los recorri ao suporte profissional.

Na PMP, o Setor Financeiro orientou-me a reunir os RREO’s e observar a

categoria “CULTURA”, nos bimestres novembro/dezembro de cada ano pesquisado

(o de 2012 discrimina de janeiro a junho). Em seguida, deveria somar os valores

totais de cada ano, considerando os valores iniciais e os saldos. Seguindo as

orientações profissionais, acessei também os RGF’s - Relatórios de Gestão Fiscal

correspondentes aos períodos estudados, para me certificar dos valores publicados

nos RREO’s. Abaixo um quadro resumido dos achados:

Adotando o passo a passo recomendado, observa-se a quantia de R$

5.196.484,47 investidos em cultura no período em estudo. Notando o valor

exponencial, seria interessante se existisse um documento que especificasse

detalhadamente o que se fez com o dinheiro público no âmbito da cultura, pois os

RREO’s não cumprem tal função. É um documento muito complexo, que apenas

publica valores brutos e fracionados. Assim, não há discriminações para programas

e projetos para a capoeira a partir da realidade orçamentária publicada.

No ano de 2009 a gestão atual assumiu a prefeitura com a promessa de

renovação. Tanto que após a assunção, a entidade recebe a alcunha “Prefeitura de

26

Segundo o Setor Financeiro da PMP, para que o RREO seja publicado é necessário o encerramento total de um ano. Durante Janeiro do ano subsequente é que se realiza o balanço e a revisão para que o RREO possa ser publicado.

PERÍODO /ANO

DOTAÇÃO INICIAL

SALDO

2009 R$ 2.866.518,79 R$ 22,00

2010 R$ 1.574.000,00 R$ 0

2011 R$ 2.969.900,00 R$ 381.008,55

ATÉ JUNHO DE 2012 R$ 2.888.800,00 R$ 1.861.813,55

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Participação Popular”27. No entanto, as ações não corresponderam às diretrizes da

Lei Orgânica Municipal para a cultura. A atuação governamental foi notada com

maior intensidade na contratação de artistas e/ou grupos musicais renomados na

mídia para as festas de São João28, um típico exemplo da “política do pão e circo”,

pois valores significativos foram gastos com entretenimento, relegando demandas

de maior importância ao segundo plano.

De acordo com o Diário Oficial do Município, no ano de 2010 destinou-se R$

639.600,00 para o evento. Em 2011 foram gastos R$ 707.400,00. Em 2012, o valor

subiu significativamente para R$ 1.042.700,00. Entre 2010 e 2011 houve um

aumento de 9,6%. Já de 2011 para 2012, intrigantemente a festa passou a ser 163%

mais cara. Duas inquietações surgem diante dos últimos dados: o fato de 2012 ser

um ano de pleito eleitoral municipal influenciou a gestão a potencializar os recursos

para a “política do pão e circo” citada anteriormente? Será uma forma de marketing

político para o aumento da popularidade, e consequentemente para o número do

eleitorado possível para uma reeleição? Que as respostas surjam de acordo a

continuidade dos estudos sobre a questão. Os dados sobre 2009 não foram

encontrados. Outro inquietante documento encontrado no DOM é o seguinte:

27

Para Teixeira (2001 apud FILHO, 2006, p.27) “a expressão participação popular diz respeito às ações desenvolvidas pelos movimentos sociais com caráter reivindicatório, para o atendimento das carências, sem nenhuma relação institucional, tendo o Estado como adversário”.

28 O único ano em que a atual gestão promoveu tanto as festas de São João quanto a micareta foi em

2009.

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62

Acima consta um contrato firmado entre a gestão municipal e uma empresa

para contratação de artistas que participaram da Semana de Cultura Evangélica em

Fevereiro deste ano de 2012, no valor de R$ 150.000,00. Não encontrei nenhum

documento parecido que indicasse valores inferiores, semelhantes ou maiores

investidos na cultura popular de Pojuca, onde a capoeira se situa. Parece que a

comunidade evangélica, que diga-se, representa uma categoria religiosa

independente, foi lembrada e contemplada significativamente pelo poder público,

enquanto a comunidade capoeirana ainda carece de apoio basilar. Essas questões

merecem revisão.

5.3 O DISCURSO OFICIAL E O REAL

Nas apresentações iniciais, o gerente S.M.A.29 informou ter formação superior

em História pela FTC - Faculdade de Tecnologia e Ciências. Sua experiência

administrativa se iniciou com a atual gestão municipal, no ano de 2009. É membro e

conselheiro da ADIMCBA – Associação dos Dirigentes Municipais de Cultura do

Estado da Bahia, assumindo o papel de representante interlocutor do Território de

Identidade 18 do Estado30 na associação. Sobre o desafio de estar à frente da pasta

de cultura municipal, logo ele pontua a realidade histórica brasileira da

marginalização da cultura:

[...] a gente tem que ser realista de falar isso, que a cultura infelizmente ela não é tratada no Brasil todo como uma prioridade, né. As pessoas tem a prioridade como a saúde, como a educação, e a cultura geralmente fica relegada a segundo plano (Relato Oral, Pojuca, 13 de Julho de 2012)

31.

Soto, Canedo, Oliveira et al. (2010, p.35) entendem a realidade apresentada

como um “entrave conceitual e histórico: a posição pouco privilegiada da cultura no

conjunto das administrações, já que a cultura ainda é tratada como um elemento 29

O mesmo assinou o termo de consentimento livre e esclarecido, permitindo a publicação de todas as informações disponibilizadas, inclusive seu nome. Mas, por temor a possíveis implicações legais preferi utilizar a abreviatura.

30 Abrange o Agreste de Alagoinhas e o Litoral Norte do Estado. Apesar de há algum tempo Pojuca

ter sido declarada publicamente como a mais nova cidade da RMS – Região Metropolitana de Salvador, neste sistema de classificação territorial ainda aparece pertencente ao Território 18.

31 Todas as falas do gerente foram fornecidas na data de 13 de Julho de 2012.

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63

secundário”. O comentário remete à discussão sobre as três tristes tradições da

cultura brasileira, propostas em Rubim (2010). No histórico de Pojuca, percebe-se

uma aproximação maior com a tradição da “inexistência”, pelo fato da discussão

governamental sobre a cultura do município ser muito recente, e, caso não sejam

continuados os progressos desta última gestão, se configurará a tradição da

“instabilidade”. Outra dificuldade apontada pelo gerente é a aglomeração

departamental mesmo espaço administrativo, sobretudo quando se reconhece a

insuficiente realidade orçamentária destinada a cultura:

[...] hoje aqui em Pojuca nós temos a Gerência de Cultura, mas nós estamos num Departamento: é Departamento de Esporte, Cultura e Lazer, ou seja, é o Departamento que cuida do esporte, que cuida das festas de largo e a cultura. Então se você observar isso, quando você pegar o bolo todo que você for dividir, a cultura vai ficar sempre com a menor parte [...]

O “mega departamento” não é um problema restrito à gestão cultural de

Pojuca. Uma realidade parecida foi a que pude me aproximar na experiência como

pesquisador bolsita na pesquisa “Políticas Públicas de Esporte e Lazer da Bahia:

Diagnóstico e Intervenção no Território 18”, realizada em parceria pelos Grupos de

Estudos e Pesquisas em Educação Física de Esporte e Lazer – GEPEFEL/ UNEB e

Mídia/ Memória, Educação e Lazer – MEL/UFBA, financiada pela Rede CEDES/

Ministério do Esporte. Apesar de o estudo citado abordar outra questão, é muito

semelhante a “síntese departamental” quando o assunto é esporte e lazer. Nas

cidades visitadas para o estudo, foram encontradas as fusões mais excessivas:

“Departamento de Esporte, Cultura, Lazer, Meio Ambiente e Serviços Públicos”;

“Departamento de Educação, Cultura, Esporte, Lazer e Assistência Social”;

“Departamento de Educação, Esporte, Lazer, Turismo e Cultura” etc.

Interessante é que nas nomenclaturas que designam os respectivos órgãos a

cultura sempre aparece depois da última vírgula ou em plano secundário, e como

coloca o próprio gerente de cultura de Pojuca “[...] tudo é misturado com a cultura e

quando vai repartir o bolo ela fica com a menor parte”. A exigência da criação

emergencial de um órgão exclusivo para a cultura, lançada na proposta do Sistema

Municipal de Cultura de Pojuca é válida tanto quanto para o esporte e o lazer em

Pojuca e no território 18. Para isso é necessário um “revigoramento das instituições

locais enquanto lócus de desenvolvimento da cidadania, assim como instrumento de

ampliação da oferta e da qualidade dos serviços públicos” (LEVY, 1993, p.89).

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64

O gerente disse que a primeira ação como tal foi a realização de um Censo

Cultural. Tratou-se de um mecanismo de pesquisa utilizado para reconhecer, reunir

e armazenar num banco de dados os grupos, as manifestações, os agentes e

mobilizadores culturais do município, e a partir daí diagnosticar as necessidades e

os anseios de cada um deles. Segundo ele, dentre as manifestações elencadas no

Censo, a capoeira foi a que mais se destacou quanto a reivindicações de apoio do

poder público, tendo como porta-voz o emblemático mestre Nêgo:

[...] esse censo cultural era pra saber o que é que tem em Pojuca, o que é que existe, quais são os agentes culturais, quais são as manifestações que estão ativas, quais são as que estão inativas né, quem são os atores desse processo de cultura, e a capoeira por incrível que pareça foi a que deu a resposta mais firme, até porque a capoeira hoje você tem aqui o Zambiacongo, que é um grupo maravilhoso que existe em vários países e em Pojuca tem uma pessoa como André, que você conhece como Nêgo que é um dos pilares dessa capoeira.

Esta última fala remete à pesquisa “Toques do Tempo: Memória da Capoeira

em Pojuca”, quando aborda a histórica reivindicação da comunidade capoeirana ao

poder público. Lamentavelmente, o que se observa nas vezes que sem tem a

oportunidade de dialogar com gestores e autoridades pojucanas é a exaltação da

figura do mestre Nêgo e da capoeira, no entanto, os discursos se encerram em si.

São poucas as ações de incentivo materializadas, que façam jus aos discursos. Isso

é mais bem ilustrado na versão do mestre sobre a participação do poder público no

apoio ao desenvolvimento da cultura capoeirana:

[...] a gente vem tendo um apoio do poder público, mas um apoio relacionado a eventos que a gente vem realizando [...] nos últimos anos essa relação capoeira e poder público municipal, ela foi estreitada [...] estamos esperando aí o início do desenvolvimento de alguns projetos que ainda estão no papel [...] (Relato Oral, Pojuca, 11 de Julho de 2012)

32.

O mestre reconheceu uma tímida aproximação entre governo e comunidade

capoeirana. Foi possível perceber seu entusiasmo com a possibilidade de execução

de novos projetos em que a capoeira se insere como atividade ofertada para a

população. Informalmente ele contou que além da concessão de espaços públicos

(que já são públicos por natureza) para alocar os eventos citados, a participação

32

Por motivos de força maior, a entrevista com o mestre foi realizada em dois tempos: inicia-se em 11 de Julho de 2012 e conclui-se em 13 de Julho de 2012. No dia 13 precisei recorrer à tecnologia telefônica para a comunicação.

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65

governamental nos últimos anos se manifestou algumas vezes na forma de

disponibilização de transporte para o deslocamento dos capoeiras a eventos

intermunicipais. O posicionamento do mestre sobre a questão identificou a política

de assistencialismo. Para combater este tipo de prática é imprescindível que a

comunidade capoeirana de Pojuca exiga a criação das políticas culturais para a

capoeira, participando ativamente na construção das mesmas.

5.4 A POLÍTICA NACIONAL NA VISÃO DA GESTÃO

Sobre a relevância do reconhecimento da capoeira como Patrimônio Imaterial

do Brasil em 2008, segundo o gerente “é uma das mais significativas conquistas

para o povo brasileiro”. Aproveitou o ensejo para enaltecer o ex-presidente Lula e o

ex-ministro Gil. A instituição dos editais públicos para submissão de projetos de

grupos e agentes culturais é vista por ele como um marco no processo de

democratização dos recursos públicos. Uma das maiores vantagens dos editais foi

propositalmente ter contribuído com a atrofia de um dos entraves no processo de

desenvolvimento democrático pleno no país, o “apadrinhamento político”:

[...] Gilberto Gil, ele trabalhou muito com a questão dos editais [...] Eu sou muito a favor dos editais [...] O que acontecia antes [...] o dinheiro da cultura ia pros apadrinhados [...] quando você tem o edital, ele democratiza muito que as pessoas vão participar com igualdade de condições [...] até porque também a capoeira, ela sofria um processo muito grande de marginalização no Brasil todo, né [...] a gente ficou feliz com a continuidade desse processo através de Juca Ferreira e agora com Ana de Hollanda [...]

No entanto, num dado momento a fala do gerente vai de encontro a uma

recorrente conduta da gestão observada: a “política do pão e circo” na realização

das festas de São João em Pojuca, adentrada no início deste capítulo. Para justificar

a sua opinião ele relembrou um lastimável fato ocorrido no cenário político baiano:

[...] eu vou dar um exemplo aqui pra você: eu não aceito, nada contra artista claro, mas que você pegue um dinheiro público pra você bancar um DVD de Ivete Sangalo que foi gravado na Fonte Nova. Poxa! O próprio nome Ivete Sangalo já se vende né? Qualquer empresa de telefonia, de cervejaria vai ter o maior prazer de investir em Ivete Sangalo [...]

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A fala acima remete a uma necessidade já levantada: a criação do órgão

específico para a gestão cultural em Pojuca. Como a Gerência de Cultura está

vinculada ao DECLA, o gerente de cultura não possui a autonomia necessária pois

antes da chefe do executivo há um diretor a quem o mesmo é subordinado. Este

diretor33 é o individuo que administra as festas públicas da cidade: é dele o papel de

mediar o contato/contrato entre a gestão e as “atrações musicais” que participam da

micareta, das festas de São João, do aniversário da cidade, etc. Logo, se o gerente

não possui autoridade hierárquica suficiente, dificilmente a capoeira terá a mesma

visibilidade do ponto de vista do suporte orçamentário como as festas citadas.

5.5 DO DIÁLOGO ÀS POSSIBILIDADES

Questionado sobre o seu olhar para a capoeira pojucana e como se deu a

relação capoeira x poder público nos três primeiros anos de sua gestão, o gerente

demonstrou apreço pela cultura capoeirana, e, como é natural de Pojuca e aqui

residiu por toda vida, diz ter acompanhado o processo de desenvolvimento da

mesma:

A capoeira em Pojuca desde que eu era guri [...] eu sempre acompanhava a capoeira nas festas de largo da cidade, na lavagem da igreja, nas micaretas [...] sempre tinha roda de capoeira na feira livre de Pojuca que acontecia no centro da cidade, eu morava ali perto e sempre via dia de sexta-feira, de sábado, o pessoal jogar capoeira. Então a capoeira sempre teve essa presença forte em Pojuca.

Apesar da nostalgia externada, o gerente não pontuou claramente como foi

sua relação com a comunidade capoeirana desde a assunção da pasta. Sobre a

questão, o mestre Nêgo disse “foi como falei antes, do mesmo jeito”. A expressão

“do mesmo jeito” sintetiza a histórica relação capoeira x poder público, já abordada.

Segundo o gerente, um sustentáculo para que a capoeira possa ser mais valorizada

na cidade, é o projeto que cria o Sistema Municipal de Cultura. O Sistema

corresponde à proposta do Sistema Nacional de Cultura (já abordado no texto), para

que os municípios acompanhem as políticas culturais desenvolvidas em nível

33

Trata-se de um sr. de nome “César”. O procurei para colaborar com a pesquisa, no entanto sua assessoria justificou que o mesmo não dá entrevistas. As informações colocadas ao seu respeito são de conhecimento público.

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nacional. Dentro do projeto do Sistema Municipal de Cultura, propõe-se a criação de

um Fundo Municipal de Cultura cuja função é dar maior autonomia orçamentária

para que o órgão gerencial da cultura possa desenvolver políticas mais abrangentes

e democráticas, dentre elas os editais públicos, onde a capoeira poderá ser

contemplada:

[...] esse Fundo Municipal de Cultura é o que vai dar um poder a gente de trabalhar as políticas públicas. A gente vai ter nosso edital municipal, né. Um edital pra capoeira, um edital pra dança, um edital pra o teatro, então é assim, é a contribuição que a gente tá dando pra que a cultura de Pojuca, inclusive pra que a capoeira de Pojuca possa tá sobrevivendo também, de tá sendo valorizada.

O FMC proposto se baseia no modelo do Fundo Nacional de Cultura.

Salgado, Pedra e Caldas (2010) adentram a questão do financiamento para a cultura

no Brasil, chamando a atenção para necessidade de atuação popular quanto à

fiscalização dos recursos públicos, a fim de inviabilizar a especulação empresarial

no trato com a cultura. Tomando como referência o FNC, os autores defendem que:

Torna-se necessário fortalecer a atuação do Estado na construção de políticas públicas de cultura e, neste sentido, o FNC passa a exercer um papel fundamental, visto que, nesta modalidade, as decisões relacionadas ao financiamento cultural são tomadas através da parceria entre o poder público e a sociedade civil, sem priorizar os interesses provenientes das instituições que pertencem eminentemente ao campo econômico (p.93).

Atuando também como órgão fiscalizador, a sociedade pojucana tem como

esteio o Conselho Municipal de Cultura formado após a I Conferência Municipal de

Cultura em 2009:

Pojuca hoje já tem um Conselho de Cultura né, um Conselho Municipal de Política Cultural [...] a orientação do Ministério da Cultura é que seja um conselho paritário, mas nós ousamos [...] fizemos um Conselho de que a grande maioria faz parte da sociedade civil, então são doze membros desse Conselho de Cultura, sendo oito da sociedade civil e quatro do poder público [...]

O governo Lula foi o primeiro a instituir um Conselho Nacional de Política

Cultural34 no ano de 2007, após a retomada dos trabalhos das câmaras setoriais35

34 Segundo Soto, Canedo, Oliveira et al. (2010, p.38) “o Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC) é uma instância permanente de natureza consultiva, normativa e deliberativa, integrado por representantes do governo e da sociedade”.

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instaladas em 2004. A participação da sociedade civil nas decisões governamentais

é um tema em crescente discussão no campo político. Soto, Canedo, Oliveira et al

(2010, p.25) abordam a questão com maior profundidade, questionando os limites da

participação social:

[...] Constantemente ouvimos os discursos políticos e a mídia reafirmarem a demanda crescente pela inclusão da sociedade civil nos processos decisórios. Fala-se de “governabilidade social”, ou seja, da necessidade de legitimação popular das iniciativas tomadas pelos gestores públicos [...] Até que ponto estes processos contam efetivamente com o envolvimento da população? Eles contribuem para a ampliação do acesso à esfera de decisão pública, alterando a forma e o grau de inclusão da parcela da população que se mantém historicamente afastada das questões políticas?

Questionei o mestre Nêgo sobre seu conhecimento acerca da existência do

Conselho Municipal de Cultura e se há uma representação do seguimento

capoeirano neste grupo. Ele se posicionou da seguinte maneira:

Olha, já ouvi falar sobre o Conselho, mas até onde eu sei não há um representante da capoeira lá, digo um representante daqui mesmo, que vivencia a capoeira conosco ou que nos acompanhe. Pode ser que tenha algum simpatizante que fale sobre a capoeira mas... É bom até a gente se aproximar mais dessa questão (Relato Oral, Pojuca, 13 de Julho de 2012).

Segundo (COSTA, 2010, p.37) “os conselhos se constituem como alternativas

de enfrentamento e de participação popular”. Para Amancio (2010, p.47 apud

COSTA, 2010):

Os Conselhos Municipais são importantes, pois são espaços participativos que têm como atribuição geral aprovar e controlar a execução da política municipal em um setor, definindo diretrizes mais amplas sobre o seu financiamento. Por tratarem de questões mais amplas da política e terem relação direta com a secretaria municipal do setor, podem ser espaços estratégicos de controle social.

Costa (2010) comenta ainda que:

[...] os conselhos municipais, apesar de representarem avanços na descentralização da gestão pública e configuram-se como um espaço de grandes possibilidades para a melhoria da qualidade de vida de uma comunidade.

35

As câmaras setoriais surgem como instâncias de diálogo entre entidades governamentais e representantes dos segmentos artísticos para a elaboração de políticas setoriais e transversais, divididas pelos segmentos de Música, Dança, Teatro, Circo, Artes Visuais e Livro e Leitura (SOTO; CANEDO; OLIVEIRA et al. 2010, p.31). Na época, a capoeira não estava bem situada dentre os seguimentos dos GT’s, o que veio a mudar com o Conselho Nacional de Política Cultural.

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Importante que a comunidade capoeirana identifique quem são os sujeitos

que compõem o Conselho Municipal de Cultura, principalmente os oito que

representam a sociedade civil, para verificar se seus interesses foram/são

discutidos, e caso não, que sejam cobrados novos posicionamentos por parte dos

representantes, ou que sejam eleitos novos representantes que deem maior ênfase

a defesa da cultura capoeirana. Para Sousa Santos (1995 apud FILHO, 2006, p.19)

“a renovação da teoria democrática se sustenta na formulação de critérios

democráticos de participação política [...] em torno de uma articulação entre

democracia representativa e democracia participativa”. Significa que não basta haver

uma representação majoritária da sociedade civil no CMC, como afirma o gerente,

se a mesma não tiver voz ativa nas ações governamentais. É necessário que esta

representação seja efetiva, contribuindo com a consolidação das políticas públicas.

Filho (2006) contribui com a importância da existência dos conselhos

municipais ao afirmar que:

Por meio de ações coletivas, os atores sociais (movimentos em geral e excluídos) participam da formulação de propostas de políticas públicas e conforme a nova legislação participam de Conselhos Municipais para influenciar e acompanhar as ações do poder público: a elaboração dos orçamentos e aplicações de recursos, afirmando a ação cidadã na gestão da coisa pública (p. 26).

A vontade da sociedade civil deve prevalecer à vontade dos gestores, ainda

que haja um tabu a ser superado: a inversão de valores quanto à autoridade das

partes. A sociedade civil necessita se conscientizar de que os gestores públicos são

seus funcionários, e não patrões. Os mesmos foram eleitos pelo povo em processos

de decisão democrática - as eleições -, para administrar questões que dizem

respeito ao bem estar social, e fazê-lo da melhor maneira possível.

5.6 QUESTÕES PARTIDÁRIAS

O gerente atribuiu à “desconfiança dos agentes culturais” como uma das

maiores dificuldades para a construção de políticas públicas de cultura na cidade.

Segundo ele, a triste tradição da perseguição e da retaliação entre grupos

partidários divergentes (“os de direita e os de esquerda”) tem levado os agentes

culturais que se identificam como oposição ao governo atual a não participarem de

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nenhum dos espaços de discussão propostos pelo poder público para debater os

interesses da comunidade, como as Conferências Municipais de Cultura:

Por incrível que pareça, a maior dificuldade que eu tive durante essa minha gestão foi justamente a desconfiança dos agentes culturais [...] A Conferência, por exemplo, era o momento certo das pessoas até criticar, de elogiar né, de dizer suas dores, suas demandas [...] As pessoas têm que parar com isso e entender o seguinte: o Governo passa e a cultura fica [...]

Segundo Bobbio (2001, p.72) “[...] o extremismo, seja qual for o fim por ele

prefigurado, é catastrófico [...]”. É necessário que se entenda que partido político é

uma organização de sujeitos que coadunam de uma mesma ideologia, têm

interesses em comum e se reúnem para discuti-los e defendê-los perante a

sociedade. Do ponto de vista conceitual o partido político representa uma conquista

da democracia na sociedade moderna. No que tange à distinção entre grupos

bipolares na atmosfera política-partidária, Bobbio (1995) explica que:

Direita e esquerda são termos antitéticos que há mais de dois séculos têm sido habitualmente empregados para designar o contraste entre as ideologias e entre os movimentos em que se divide o universo, eminentemente conflitual, do pensamento e das ações políticas (p. 31).

Explorando os conceitos de Bobbio (1995) observa-se que a coexistência de

direita e esquerda é necessária para que não se estabeleça um regime de governo

ditatorial ou absolutista. No entanto, as acirradas disputas por poder custaram a

retardação da democracia em Pojuca, pois em parte da sua história política a

ostentação de alguns chefes do executivo e legisladores36, sejam de direita ou de

esquerda, foi mais evidente do que àquilo que foram designados quando eleitos: a

defesa dos interesses da população. Para que a questão seja repensada, no intuito

de que a sociedade civil seja beneficiada, Bobbio (1995, p.35) aponta um caminho:

[...] em um universo político cada vez mais complexo como o das grandes sociedades, e em particular, das grandes sociedades democráticas, torna-se sempre mais inadequada a separação muito nítida entre duas únicas partes contrapostas, sempre mais insuficiente a visão dicotômica da política. Sociedades democráticas são sociedades que toleram, ou melhor, que pressupõem a existência de diversos grupos de opinião e de interesse em concorrência entre si [...]

36

Essa questão é entendida como um desdobramento da “guerra” entre situação e oposição no cenário político pojucano. Basicamente dois grupos se formaram e vêm se alternando no poder público local.

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71

A diversidade partidária é entendida aqui como algo sadio, pois é impossível

que um único grupo ideológico consiga dar conta da defesa dos interesses de uma

sociedade plural. Além disto, cada grupo partidário assume o papel de fiscalizador

do outro, fato importante quando se pensa na transparência dos governos, ainda

que isto não ocorra em plenitude.

5.7 ACOMPANHANDO AS POLÍTICAS NACIONAIS

No processo de acompanhamento das políticas culturais nacionais, em

Pojuca se realizou duas Conferências Municipais de Cultura, nos anos de 2009 e de

2011. Questionado se nas Conferências houve pauta direcionada à capoeira, o

gerente respondeu:

[...] a capoeira foi bem representada nessas duas conferências [...] nada mais legal do que quem é da capoeira estar participando, porque conhece suas dificuldades [...] porque ele tem o conhecimento de caso, ele tá ali inserido no processo. Mas eles foram participar, eles contribuíram com suas propostas, agora a gente só aguarda qual vai ser a resposta da gestora municipal pra poder ver o que foi decidido em relação à capoeira.

Sobre a mesma questão o mestre Nêgo disse:

[...] as reivindicações foram as mesmas de sempre: maior apoio aos trabalhos que já existem e criação de novos projetos que possam abraçar um número maior de pessoas. Sempre desejamos um espaço específico para a capoeira na cidade [...] um espaço que possibilite receber eventos de capoeira não só do grupo Zambiacongo, mas de todo e qualquer trabalho e grupo de capoeira [...] ainda não chegamos a esse nível, mas esperamos nos próximos anos que a população que vive nos bairros mais afastados também seja contemplada com a capoeira e assim vá reforçar a cultura local bem como a educação, principalmente de crianças e jovens (Relato Oral, Pojuca, 13 de Julho de 2012).

A fala acima deixa claro o desejo da retomada dos projetos nos bairros

periféricos, citados no terceiro capítulo. Necessário lembrar que os mesmos deixaram

de funcionar devido à alternância de gestores municipais, a triste tradição da

instabilidade. A instituição de políticas culturais para a capoeira em Pojuca na forma

de lei obrigará os gestores a darem continuidade aos bons legados dos governantes

antecedentes, ainda que ocupem posições partidárias divergentes. Mesmo sabendo

que a Lei Orgânica Municipal já direcione para este caminho (o que não vem sido

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levado em consideração pelos últimos gestores) a instituição de políticas públicas de

cultura construídas na parceria entre poder público e comunidade capoeirana é

fundamental para uma maior valorização da capoeira e daqueles que a guardam, a

vivenciam e a transmitem.

5.8 “CHAMADA DE ANGOLA”

A “chamada de angola” é um ritual da capoeira angola onde os jogadores se

aproximam, tocam as mãos e caminham juntos durante o jogo. Cito-a para expressar

a necessidade de maior aproximação entre poder público e sociedade civil. O desejo

fica registrado numa das falas do mestre Nêgo quando questionado sobre sua crença

no estreitamento comunicativo com o governo, a peça chave para a idealização,

criação e instituição de políticas culturais para a capoeira na cidade:

É bom nós lembrarmos que a capoeira participou de todo processo de constituição do povo brasileiro e principalmente do povo baiano. A capoeira marcou presença nos principais fatos que aconteceram na nossa história, embora nossos livros didáticos não mencionem muito bem isso, muito claramente, a capoeira sempre mostrou que é uma das maiores manifestações populares que nós temos e na cidade de Pojuca não é diferente. A gente percebe que a capoeira é uma atividade que tem uma boa aceitação no meio da população mais carente e que essa aceitação pode facilitar o processo de educação e de valorização da cultura do povo baiano.

Concluo este capítulo com a imensurável contribuição da consulta à um

legítimo representante da cultura capoeirana, para chamar a atenção da sociedade

para os problemas enfrentados e os anseios do grupo social representado por ele. É

exatamente este o tratamento que a comunidade capoeirana espera do poder

público municipal, para que possam ser discutidas propostas que não beneficiem tão

somente a capoeira e seus adeptos, mas a sociedade como um todo. Este processo

é como um ciclo rotatório, pois com maior valorização da cultura capoeirana, a

sociedade será gratificada e o governo terá cumprido seu papel administrativo. Para

tanto é necessário também o esforço dos representantes do governo, como o gestor

de cultura que aparece como um articulador desta ponte.

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73

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo teve como objetivo entender como se configura o relacionamento

entre poder público e comunidade capoeirana de Pojuca – BA tendo como recorte a

gestão cultural da cidade de Janeiro de 2009 à Junho de 2012. Após a pesquisa

“Toques do Tempo: Memória da Capoeira em Pojuca”, de 2009, diagnosticar a

carência de comunicação entre poder público e comunidade capoeirana

denunciando a omissão governamental no trato da capoeira enquanto manifestação

de expressiva importância social foi possível perceber que na gestão cultural

observada esta relação foi timidamente modificada.

Além de um único trabalho de ensino da capoeira em andamento através da

GESPORT - Gerência de Esportes vinculada ao DECLA - Departamento de Esporte,

Cultura e Lazer da cidade, houve pouca participação governamental na difusão da

cultura capoeirana de uma forma geral. As pontuais intervenções do poder público

nesta ambiência deram-se como política de assistencialismo, o que apontou a

necessidade de implementação das políticas culturais de incentivo e salvaguarda

para a capoeira pojucana. Para tanto, é necessária uma maior aproximação entre

poder público e comunidade capoeirana, com base na responsabilidade

coparticipativa de ambos na construção de tais políticas.

Assim, cabe ao poder público local rever sua organização administrativa e

repensar sua postura quanto ao (des)trato com a capoeira, e, cabe a comunidade

capoeirana exigir da gestão municipal maior aplicação na revisão de suas

reivindicações, sobretudo as elencadas nas Conferências Municipais de Cultura que

foram os eventos públicos oficiais para discutir a cultura da cidade. O diagnóstico

também apontou para a necessidade da existência de um Orçamento Participativo,

que faça valer a soberania popular nos rumos para o dinheiro público. Por exemplo,

a Semana da Cultura Evangélica citada no início do capítulo é custeada com

dinheiro público, e o documento encontrado revela que o valor gasto com o evento

não foi nada modesto. Por que a comunidade capoeirana não teve a mesma

visibilidade que a comunidade evangélica? Porque o favorecimento desta e o

abandono daquela? Esses questionamentos são válidas pois um modelo de

governo democrático pautado na laicidade do Estado não deve em hipótese alguma

cometer os atos obervados. Além do mais, se a comunidade capoeirana pojucana

não cumpre com seu papel fiscalizador e cobrador de respostas efetivas do governo,

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o espaço para que aconteça algo recorrente de um modo geral na política brasileira

se amplia: as propostas “podem parar nas gavetas”, atrasando ainda mais as

possibilidades de avanço no processo de democratização da cultura.

As políticas culturais aparecem como únicas alternativas para que a cultura

capoeirana seja valorizada de fato na cidade de Pojuca, para que seja anulada

qualquer possibilidade de revivência das tristes tradições da cultura brasileira, das

inexistências, dos autoritarismos e das instabilidades. Ainda que em Pojuca exista

um único grupo de capoeira e o mesmo seja uma instituição privada, a aproximação

da gestão pública com a comunidade capoeirana é essencial, não para o benefício

próprio do grupo, mas para que a capoeira seja elevada ao status merecido, o que

consequentemente fará com que outros grupos e/ou trabalhos de capoeira cheguem

a uma cidade considerada referência no trato com a cultura capoeirana no interiro da

Bahia, no Brasil, quiçá no mundo.

Para que isso aconteça, os capoeiras pojucanos precisam também se

posicionar de forma diferenciada: estudar mais a cultura que vivenciam, se

organizarem para discutir questões referentes aos aspectos econômicos, políticos,

sociais e culturais da cidade e as implicações da equação destas estruturas para a

capoeira e assim deliberarem novas propostas que possam suprir as necessidades

para o desenvolvimento da capoeira pojucana. Como falo na introdução deste

trabalho, “jogar capoeira com o corpo” é deleitoso, porém, insuficiente quando se

observa tamanhas desigualdades. É preciso utilizar os conhecimentos adquiridos

nas vivências capoeiranas (dinamicidade, destreza, astúcia e cautela são algumas)

para lidar com o “jogo da política”. Os capoeiras pojucanos precisam manifestar-se

politicamente com maior vigor para que o governo local, assim como toda a

sociedade pojucana, tenham certeza de que são indivíduos emancipados, capazes

de contribuir decisivamente na construção das políticas culturais para a capoeira.

Que esse trabalho contribua de alguma forma para isto.

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APÊNDICES

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Universidade do Estado da Bahia

Campus II – Alagoinhas

Curso de Licenciatura em Educação Física

A GESTÃO CULTURAL “EM JOGO”: POLÍTICAS CULTURAIS PARA A CAPOEIRA NA CIDADE DE POJUCA - BA

Roteiro de Entrevista com a Gerência de Cultura

1- Qual a formação do Sr?

2- Há quanto tempo acumula experiência como gestor?

3- O reconhecimento da capoeira como Patrimônio Imaterial do Brasil em 2008

contempla uma antiga reivindicação da comunidade capoeirana. Como o Sr.

entende este conquista histórica?

4- O Sr tem conhecimento do movimento capoeirano em Pojuca? Existe

comunicação entre a gestão e a comunidade capoeirana local?

5- Existem políticas culturais para a capoeira na cidade? Quais os fatores

positivos e quais as dificuldades enfrentadas na implementação destas

políticas?

6- Houve pauta direcionada à capoeira durante as Conferências Municipais de

Cultura ocorridas em Pojuca nos anos de 2009 e 2011?

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Universidade do Estado da Bahia

Campus II – Alagoinhas

Curso de Licenciatura em Educação Física

A GESTÃO CULTURAL “EM JOGO”: POLÍTICAS CULTURAIS PARA A CAPOEIRA NA CIDADE DE POJUCA - BA

Roteiro de Entrevista com Representante da Comunidade Capoeirana

1- O Sr se recorda da entrevista que fizemos no ano de 2009 sobre a Memória

da Capoeira em Pojuca e que dentre outras questões, abordamos a

participação do poder público local no desenvolvimento da cultura

capoeirana?

2- O que mudou em relação a carência de comunicação entre os

representantes da capoeira e o poder público no último governo?

3- O reconhecimento da capoeira como Patrimônio Imaterial do Brasil em 2008

contempla uma antiga reivindicação da comunidade capoeirana. Como o Sr.

entende este conquista histórica?

4- O Sr tem conhecimento de que em Pojuca existe um Conselho Municipal de

Cultura? Há um representante da capoeira neste Conselho?

5- O Sr acredita que um maior estreitamento comunicativo entre governo e

comunidade capoeirana favorece na implementação de políticas culturais

para a capoeira em Pojuca?

6- A capoeira teve representação nas duas Conferências Municipais de Cultura

ocorridas em 2009 e 2011? Quais foram as deliberações da comunidade

capoeirana nestes eventos?