A Gestão Da Informação - Luis Carlos

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  • 7/25/2019 A Gesto Da Informao - Luis Carlos

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    OS ARQUIVOS, A GESTO DA INFORMAO E A REFORMA DO ESTADO

    Lus Carlos LopesProfessor do curso de Arquivologia e do mestrado em Comunicao, Informao e Imagens do IACS daUniversidade Federal Fluminense.

    Introduo

    A discusso da temtica proposta nesta mesa-redonda muito abrangente e permite, portanto, enforquesdiferenciados. Temos por obrigao, para segui-la, de ligar o problema dos arquivos aos da gesto dainformao e aos da Reforma do estado brasileiro, no momento em curso. Vemos que existe a possibilidadede serem feitas estas ligaes, desde que se estabeleam limites e parmetros bem definidos destes trstemas propostos, a partir dos enunciados que os definem.

    A palavra arquivo polissmica, derivando-se em vrias utilizaes, sendo, quase todas, legtimas. Trata-sede um termo que permite associaes mltiplas de idias, nem sempre as que ns, que trabalhamos comarquivos, desejaramos que existissem. No que interessa neste texto, concebem-se os arquivos como oconjunto de informaes registradas, produzidas e recebidas, em qualquer suporte, de natureza orgnica, aque se possa atribuir, tambm, a natureza arquivstica. Logo, no se est falando dos arquivos enquantoinstituies pblicas ou privadas responsveis pela guarda de acervos. Vai-se discutir os arquivos, enquantoacervos documentais com contedos informacionais que registram as atividades de organizaes ou depessoas.

    A expresso gesto da informao bastante ampla e relativamente recente, criada numa poca onde ainformao considerada a medida de todas as coisas. H bem pouco tempo falava-se da era do tomo,hoje, diz-se que se vive uma revoluo informacional, uma era ou sociedade da informao. No Brasil, pelomenos, vive-se mais uma sociedade da televiso do que, normalmente, se entende por sociedade dainformao. Mas, talvez seja esta a face brasileira da era/sociedade da informao. Em tempos daglobalizao preciso ressaltar as diferenas, mesmo contra a mar montante de um mundo que sepretende sem fronteiras. A expresso gesto, pode, sem prejuzo terico e conceitual, ser substituda poradministrao. J a palavra informao um fragmento dificilmente pode dar lugar idia mais completade conhecimento geral ou especializado. A informao, ao ser criada, tem, obrigatoriamente, sentidos,significados e caractersticas formais diversas. preciso situar que vamos ficar na idia da informaoarquivstica, registrada como outras, mas com caractersticas prprias e independentes.Tentando-se uma viso mais precisa, prefere-se substituir gesto/administrao por organizao/tratamento.

    Acredita-se que a vantaqem disto a de retirar a discusso de um terreno mais movedio das prticasadministrativas baseadas no senso comum. Quer-se lev-la para o contexto cientfico e, consequentemente,

    com melhores resultados tcnico-operativos, inclusive administrativos. O que se est afirmando que, setemos uma prtica arquivstica com base terica mais slida, ter-se-o resultados diferentes da repetiomontona do senso comum habitual.

    A idia de reformar o estado to antiga quanto idia de reformar a sociedade. Desde Maquiavel, deHobbes e de Hume acredita-se que a governabilidade repousa na possibilidade do prncipe e dos seusmarqueses de construir um estado que gere governos vitoriosos. Estes devem conseguir implementarpolticas aceitveis pela populao pelo convencimento ou pela fora ou, ainda, por ambos mtodoscombinados. Estas polticas dependem da existncia de estruturas de estado, mais ou menos estveis, queconsagrem prticas administrativas no plano formal e de seus contedos.No Brasil viveu-se, ao longo do sculo XX, vrias tentativas de se reorganizar o estado. Algumasmantiveram-se, outras ficaram na proposta, com algumas realizaes, sem alcanar os seus objetivosmaiores. Outras, ainda, definiram a forma e a substncia do estado, em perodos histricos determinados.Toda reforma se prope como renovadora, atualizadora e capaz de reverter o atraso do compasso entre a

    realidade e a ao estatal. Mas, o que se constata, historicamente, que a s reformas nunca conseguemremover a reforma anterior que tanto nega e, por vezes, a reitifica, confirmando a persistncia de fatoresantigos e de difcil demolio. O novo, ou o que se pensa como novo, traz no seu bojo as marcas dopassado. A histria dos pases cheia destas marcas. fcil constatar que as heranas do patrimonialismo do Imprio e da burocracia varguista, daspiana, soconsideradas pelo poder central atual como obstculos modernizao. Mas, possivelmente, estasheranas, as quais ns tambm repudiamos, daro um jeito de se manterem com novas roupagens e novosproblemas, acrescidos pela nova reforma e ajustes aos novos tempos, frustando as esperanas quaseutpicas de sempre.

    Acredita-se que uma reforma mais ou menos profunda, de acordo com a sua relao com o contextohistrico. Se a sociedade muda na sua base estrutural, o estado a acompanha. Mas difcil crer que umasociedade que no sofreu qualquer alterao substancial consiga gerar um estado muito diverso. No senega que o estado possa produzir reformas de amplo impacto social, mas se duvida da possibilidade de seeliminar completa e definitivamente o rano do passado, se h evidncia de sua presena fantasmagricaou concreta na vida real.No que se refere aos arquivos, no se conhece qualquer reforma brasileira que tenha visto neste problemaum calcanhar de Aquiles. O problema da informao novo, se considerado, basicamente, a partir do olhar

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    contemporneo, bastante influenciado pelo avano das tecnologias baseadas no uso dos computadores. Osarquivos j so muito velhos, mesmo num pas jovem como o nosso. Os arquivos permanecem l, na zonade limbo da administrao pblica, secundrios em seu papel e no seu tratamento. Vistos como objetosmenores e sem maior significado. de se suspeitar, que na rea privada no seja muito diferente, em umpas onde o estado tem uma posio central e influenciadora do conjunto da vida social. Logicamente, hexcesses importantes, experincias significativas que servem para confirmar a regra do descaso, da no-interveno profissional. Os arquivos, quando separados do problema informacional, persistem como coisas,sob as quais, por vezes, se falam, mas pouco ou muito pouco, se realmente faz. Possivelmente, isto indica

    um elevado grau de desconhecimento pblico do problema.A valorizao da informao talvez seja um bom caminho para enfrentar o problema. Lembramos que, aoser criada e registrada, ela pode ser vista, primeiramente como arquivstica, para depois ter ou no, outrossentidos e significados. A presena cada vez maior dos computadores como instrumentos fundamentais dotrabalho valoriza o olhar que privilegia mais a informao do que o documento tradicional em suporte papel.

    A proposta atual de Reforma do estado contempla de modo mais ntido a questo da informao, como sepode ver abaixo:

    Neste aspecto, o modelo de gesto avaliado pela sua capacidade de, a cada momento, oferecer oconhecimento do que se passa e de como est a organizao, bem como do seu ambiente de do que delase espera, para, com base nesse conhecimento, serem orientadas as aes e alocados os recursosnecessrios consecuo dos objetivos da instituio. Nesta avaliao, destacada a capacidade decaptar, processar e utilizar a informao como ferramenta para a gesto dos processos internos de trabalho,

    para a melhoria do desempenho da organizao e para a satisfao do cliente (MARE 1998 p.39).Trata-se de um avano o fato de se dar importncia questo informacional, todavia, do nosso ponto devista, ela faz sentido se associada s questes arquivsticas relacionadas s prticas governamentais.

    Antes, podia-se falar somente de uma arquivstica do documento textual em suporte papel. Hoje, maisdifcil centrar a discusso neste objeto que continua a existir e a ser importante, mas cada vez mais mediado, produzido e recebido por mquinas. A pergunta que resta de toda esta questo a de saber se aligao entre o fenmeno informacional e a questo arquivstica bem compreendida entre ns. Ou secomo separamos a informao do conhecimento, talvez tenhamos tambm o vcio ou a virtude de separaros arquivos da produo e do uso da informao, neste mundo em que vivemos. Se assim, o que fazerpara mudar o quadro e tentar influenciar, de algum modo, mesmo que parcial, a marcha inexorvel daReforma de estado em curso ? Por outro lado, que bices precisam ser atenuados ou removidos ?

    A arquivstica ou as arquivsticas no mundo contemporneo

    A arquivstica, enquanto disciplina do conhecimento humano, existe h pelo menos um sculo. ,exatamente, neste ano que se comemora a priemeira edio do Manual dos arquivistas holandeses,publicado pela primeira vez, em 1898. Esta disciplina se desenvolveu na dependncia da histria, emespecial. da histria acontecimental, de inspirao positivista, durante boa parte deste sculo. Acostumou-sea uma posio subalterna, de cincia-auxiliar da histria, quase nunca reclamando um status prprio, umlugar mais definido e independente na mirade de disciplinas do conhecimento humano. Na Europa, continuaassim para muitos, ainda hoje vista como um apndice dos estudos histricos, um conjunto de tcnicas emais precisamente de prticas de uso ou para o uso dos historiadores. Pode-se fazer um paralelo com aarqueologia que nasceu, tambm, como uma cincia-auxiliar da histria, mas evoluiu na direo de seentend-la como um modo de pesquisar e de se fazer a historiografia. Portanto, uma disciplina autnomacom caractersticas que a identificam e diferenciam das demais.

    A matriz europia que ns chamamos de arquivstica tradicional est presente por toda parte. Foi sob o seu

    guarda-chuva que a arquivstica na Amrica Latina, conhecida como arquivologia, se desenvolveu. verdade que a gesto de documentos, ao modo norte-americano, tambm vem exercendo algumasinfluncias significativas, em especial, no caso de alguns arquivos empresariais na rea pblica e privada.Mas, a influncia mais sentida ao nvel do discurso. Fala-se muito mais de gesto do que se a pratica defato. A leitura da bibliografia especializada, em especial dos grandes manuais representativos de algumasnaes, confirma estas assertivas. relativamente recente e localizada a tendncia de se buscarem solues para alm do paradigma dahistria. Em trs livros sucessivos (Lopes 1996, 1997 e 1998) buscou-se historiar a evoluo dopensamento arquivstico e se proporem solues para esta intrincada questo. Schellemberg (1956; 1974),bastante conhecido no Brasil, j percebia esta dificuldade nos anos cinquenta. Couture e Rousseau (1994)salientaram a importncia deste problema. O edifcio terico e prtico da gesto de documentos norte-americana, canadense e inglesa, desenvolvido a partir do final dos anos sessenta, buscou abrigo fora dahistria e dentro das cincias administrativas e da informao.

    A evoluo do problema levou criao de uma nova profisso, a de gestor/administrador de documentos,

    que, nos anos noventa, evoluiu para a de gestor/administrador de informao. A chegada do uso massivodos recursos informticos deu ainda mais oxignio idia dos profissionais especializados, naquelesarquivos que precisavam ser tratados nos locais de trabalho. Arquivos que ainda eram necessrios

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    administrao e/ou ao desenvolvimento do trabalho tcnico e cientfico. Por isso, no podiam ser,simplesmente, enviados aos arquivos histricos. Estava, deste modo, fraturada a profisso nos pases queadotaram a postura da gesto. De um lado, um profissional, o arquivista, responsvel pela guarda econservao do patrimnio documental considerado de valor histrico. De outro, osgestores/administradores dos documentos/das informaes responsveis por tratarem dosdocumentos/informaes de valor primrio.

    A idia da teoria das trs idades ou do ciclo vital ganhou forma e substncia, sob o vis da necessidade detornar mais eficiente a administrao das organizaes pblicas e privadas. A avaliao criteriosa e a

    consequente diminuio das massas documentais a serem tratadas passaram a ser questes cruciais nocontexto da denominada exploso da documentao e da informao no ps-guerra.Uma das tendncias atuais a da gesto da informao se aproximar da informtica e a ela se subordinar,mais do que s prprias cincias da administrao. Estas, tambm, tendem a se abrigar neste mesmo rol deconhecimentos que se multiplicam nos dias que correm, vinculados ao uso dos recursos informticos.Todavia, estes no fizeram desaparecer um passivo em documentos em suporte papel, anterior oucontemporneo ao seu uso. Ao contrrio, os computadores inundam os arquivos de papel, como nuncaantes se viu, fazendo-nos pensar sobre os limites e os problemas de nossa poca.Outra tendncia, muito viva na Amrica Latina, e com algumas experincias no denominado primeiromundo, a de pensar o problema arquivstico como um problema biblioteconmico. Esta viso, emprocesso de desenvolvimento, confunde objetos de trabalho diversos, propondo solues que se provaramteis no trato dos acervos das bibliotecas e desastrosas no que se refere classificao, avaliao e adescrio das informaes registradas de natureza arquivstica.

    Dewey, ao pensar num sistema de classificao e de catalogao universais, lutava contra a tendncia dosbibliotecrios do sculo passado de classificar os documentos por seus formatos, cores, lombadas,tamanhos, etc. Partiu da noo de cincia de sua poca e props um sistema de agrupamento por assuntos,independentemente da provenincia de cada pea. Estava certo. A evoluo e o desenvolvimento dossistemas biblioteconmicos contemporneos, baseando-se ou se classificar por assunto, pr-definidos semque exista um levantamento prvio, seguindo-se, mesmo que de modo caricatural, o sistema proposto porDewey, corre-se o risco de se esquecer da especificidade de cada organizao, mesmo que faa parte deuma famlia ou de situaes e de atividades similares.Esquecendo-se a especificidade, facilmente estar rompido o princpio da provenincia. Se no for rompidono seu nvel externo, o ser no seu nvel interno, desligando-se as sries, subsries etc. das relaes comcada unidade poltico-administrativa ou tcnica produtora e acumuladora de informaes e de documentos.Um dos efeitos mais perversos da adoo desta soluo o da desvalorizao do profissional de arquivo,desestimulando-o a pesquisar a realidade da organizao acumuladora e levando-o a um processo debanalizao de sua prtica cotidiana. Defende-se a idia do arquivista-pesquisador capaz de encontrar, por

    obra e graa de sua ao profissional, as solues dos seus problemas. Obviamente, isto nada tem a vercom o reconhecimento do avano das prticas biblioteconmicas. Alis, pensa-se que todos os que sededicam s atividades arquivsticas devem querer avanar.

    Acredita-se que um dos legados mais positivos da arquivstica tradicional o princpio da provenincia,tambm chamado de teorias dos fundos ou de respeito aos fundos. Esta herana, ns reafirmamos comoidentificadora e valorizadora do profissional que se dedica organizao da informao registrada deatribuio e natureza arquivstica.

    A arquivstica que precisamos dever dar conta no plano prtico e terico dos problemas de nosso tempo.Ela no pode continuar a ter um perfil de subordinao que a anula no plano terico e a limita no plano daprtica. Precisa ser interdiciplinar, no no discurso, mas sim na prtica e na teoria. Necessita serinternacional para atender os ditames da globalizao de da consequente troca de informaes entregovernos e sociedades em escala planetria. No pode ser burocrtica e formalista, sem resolver problemasconcretos, fazendo de conta que tudo est pronto, que nada h a pesquisar e a resolver. No pode ser

    espontanesta, resolvendo caso a caso, sem qualquer metodologia de suporte. No dever ignorar a pesquisae ser fechada a qualquer contribuio das demais disciplinas do conhecimento humano. Deve ser mais doque a expresso de um pas ou regio determinada, sendo algo que tenha universalidade.Por outro lado, no pode ser algo que no dialogue com a realidade especfica dos pases e das regies.No aceitvel o receiturio ou se achar que o que funciona em outro pas ou outra profisso deverfuncionar igual por aqui e nos arquivos.Como as demais disciplinas do conhecimento humano, a arquivstica pode ser compreendida atravs deseus campos mlitplos de natureza terica e de natureza prtica. Esta disciplina, para que tenha um statusmnimo de cientificidade, necessita delimitar e desenvolver um campo de conhecimento e um de aplicaoou de trabalho. As caractersticas do primeiro so mensurveis e avaliveis pela existncia forte ou fraca dapesquisa, da produo intelectual expressa em livros, artigos, congressos, eventos como este etc. e doensino superior de qualidade, capaz de formar profissionais, professores e pesquisadores. As do segundo,so as de resultados efetivos que o desenvolvimento terico pode gerar na prtica cotidiana dosprofissionais.

    Se a arquivstica realmente existente, isto , a que vemos ser praticada em ambos os campos citados, notem suporte intelectual de qualidade, praticista, formalista, teoricista e espontanesta, no se pode recorrerao conceito de cincia e nem mesmo ao de tcnica. fcil comprovar que nada mais prtico do que uma

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    teoria bem fundamentada e que a tcnica torna-se precisa, quando se trata de uma aplicao de conceitoscientficos.Em pases continentais como o Brasil, a arquivstica deve, por exemplo, levar em conta as especificidadesregionais e as diversidades organizacionais, sabendo diferenciar o pblico do privado e o institucional dopessoal. Esta arquivstica internacional, acima proposta, ainda no existe. Entretanto, temos nesta mesa-redonda um representante da experincia mais enriquecedora da arquivstica pensada e praticada em todoo mundo: a arquivstica integrada do Quebec. Ela , no nosso entender, a nica corrente do pensamentoarquivstico que valoriza a pesquisa enquanto mtodo e est aberta para as solues dos problemas do

    sculo XXI. Por isso, a partir dela, possa-se, talvez, chegar-se s solues tericas e prticas que estejamde acordo com a situao especfica de cada pas e a mtodos de trabalho adaptveis s realidadesdiferentes.

    Os problemas arquivsticos brasileiros

    O Brasil um pas emergente, no jargo miditico de hoje. Est entre as dez maiores economias do mundo,segundo os dados conhecidos. Nos ltimos quarenta anos passamos, de modo muito rpido, da situao deum pas, basicamente, rural e extrativo, em processo de desenvolvimento industrial, para a de um pasurbano, onde o setor de servios o maior empregado. As estruturas organizacionais e da rea privadaprogrediram de modo geomtico.

    A evoluo histrica do pas resultou no incrvel aumento dos problemas arquivsticos brasileiros expressos,por exemplo, em grandes massas documentais acumuladas de modo quase aleatrio. Elas so conhecidas

    como arquivos mortos, esto por todo lado, infernizando a vida de administradores e desafiando acapacidade profissional dos arquivistas. No estamos nos referindo apenas aos grandes depsitos dedocumentos em suporte papel, sem classificao, avaliao e descrio. Existem hoje, tambm, volumososdepsitos de documentos informticos, arquivos mortos ou quase-mortos em bytes esperando solues dedestinao. No se trata mais de um problema de suporte. Os mais variados podem ser encontrados nestamassas documentais acumuladas. Elas so verdadeiras minas, formadas por documentos descartveis epor documentos que, se perdidos, levam com eles informaes preciosas de valor tcnico, jurdico, histrico,social e, at mesmo, artstico. Garimp-los deveria ser uma emergncia nacional, para que amanh no seamarguem perdas irrecuperveis.Na busca de uma escala, dir-se-ia que, no plano prtico, o problema acima descrito e analisado o maior daarquivstica pensada e praticada no pas, que precisaria se esforar para encontrar solues tericas,metodolgicas e tecnolgicas para diminuir as massas documentais sem qualquer perda de informaessubstantivas. Obviamente que no o nico problema, mas, sem dvida um dos mais graves, que desafiama inteligncia de todos os envolvidos e interessados e no somente a dos arquivistas. Cabe a estes

    convencer as autoridades governamentais de que este problema significativo. O melhor meio de se fazeristo o de demonstrar, na prtica, que no se trata de um problema insolvel.Pensa-se que a existncia de arquivos correntes, intermedirios e permanentes exemplarmente tratadosconsiste numa forma muito concreta de se lutar para o estabelecimento de paradigmas que sirvam parafazer a rea avanar. preciso ir alm do tradicional muro de lamentaes e se produzirem resultados quesirvam de referncia. Infelizmente, os exemplos ainda so poucos e insuficientes para fazer reluzir aimagem da arquivstica pensada e praticada no Brasil. Uma vantagem lateral relativa existncia desolues aplicadas, sustententveis do ponto de vista terico, a da possibilidade real da formao dequadros profissionais, alm dos limites do tradicional quadro e giz. Os exemplos, as referncias reais,permitem que se saia da virtualidade de parcela expressiva da arquivstica realmente existente no pas.Um segundo problema de grande magnitude o da necessidade de existncia de arquivos correntestratados para algo alm dos documentos ordenados cronologicamente, em ordem de recebimento, pornmero, por nome etc. Enquanto as informaes e os documentos no forem tratados a partir da sua

    criao, no ser possvel resolver em definitivo os problemas arquivsticos.Um terceiro diz respeito abertura consulta pblica, na forma da lei, dos acervos que contenhaminformaes de valor histrico e social. Ela fundamental para a valorizao dos arquivos e dos arquivistas.No so mais sustentveis quaisquer argumentos que a impeam, mesmo a ttulo precrio, quando aindano houve o trabalho de classificao, de avaliao e de descrio. Ressalvamos os casos previstos em lei,onde o acesso possa prejudicar os direitos de privacidade ou de segurana do estado e da sociedade, necessrio postular o acesso pblico universal. Mas, sem dvida, a abertura de arquivos sem qualquertratamento , em muitos casos, pea retrica, pois o estado de desorganizao, a inexistncia deinstrumentos de busca confiveis, impedem o acesso real. Conta-se, hoje, com o recurso da Internet, paratornar pblico, de modo imediato e transparente, o que cada instituio pblica guarda. A elaborao e apublicao convencional e eletrnica de inventrios, mesmo que preliminares, so garantias de que no sedescarte informaes e documentos preciosos e imprescindveis para a construo da nao e da cidadaniabrasileiras. Infelizmente, ainda no consiste numa prtica ilegal a manuteno de acervos sem qualquertratamento, isto , sem classificao, avaliao e descrio.

    O problema da formao de profissionais gabaritados ainda um bice para o desenvolvimento daarquivstica pensada e praticada no pas. Nas ltimas duas dcadas comearam a surgir os cursos degraduao em arquivologia e mais recentemente os de especializao. Alguns cursos de mestrado em

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    biblioteconomia, histria e comunicao vem abrigando, com algumas dificuldades, linhas de ensino e depesquisa. Alguns poucos brasileiros foram ao exterior, notadamente, Inglaterra, Frana, ao Canad. aoEstados Unidos e Espanha buscar insumos tericos e prticos para as suas atividades. Mas os resultadosainda so pequenos e desproporcionais aos problemas arquivsticos do pas. Faltam professores mestrese doutores com capacitao suficiente que garantam um ensino de qualidade e o aumento quantitativo equalitativo da pesquisa terica e aplicada. Faltam profissionais capazes de realizarem diagnsticos eprojetos de trabalho e de acompanharem as atividades desenvolvidas, dotando-as de senso lgico e demetodologia cientfica.

    No campo da produo terica, temos muitas deficincias no que se refere publicao de livros e deartigos que subsidiem o ensino, a pesquisa e o trabalho arquivstico. Faltam tradues e edies regularesdas obras fundamentais do pensamento arquivstico internacional. Temos feito alguns progressos, masainda precisamos superar, por meio da reflexo, o modus operandi dominante baseado na improvisao ena banalizao de atividades bem mais complexas do que o senso comum arquivstico nacionalnormalmente imagina. Ainda neste campo, bom pontuar, que, mesmo no cenrio internacional, aarquivstica um campo ainda em construo com muitos problemas, paradoxos e contradies.No Brasil, h muito o que fazer, lembrando-se que muitas das solues adotadas em outros pases e emoutras reas do conhecimento no respondem aos nossos problemas. A pesquisa e a experimentaopodero contribuir para criao de conceitos e de metodologias capazes de criar solues para os nossosproblemas, por vezes semelhantes aos do exterior, mas, por vezes, diametralmente diversos. A simplestransposio mecnica de solues usadas em outros pases tem-se demonstrado como um equvoco, nosefeitos prticos alcanados. Defende-se o estmulo criatividade, baseada no rigor da pesquisa e da

    fundamentao terica como meio de solucionar os problemas com os que nos defrontamos. As presentesdificuldades no devem ser entendidas como impossibilidades, mesmo quando se relacionam, por exemplo,s caractersticas de nossa tradio administrativa e com o peso de nossa tradio burocrtica. Hdesenvolvimento intelectual criativo em diversas reas do saber e do fazer brasileiros, porque no podehaver o mesmo nos campos do interesse arquivstico ?

    Concluses

    O formalismo brasileira, tributrio da herana ibrica, faz que muitos creiam que os problemas dosarquivos e os da gesto da informao so basicamente formais, isto , referem-se aparncia dosfenmenos envolvidos. hegemnica a idia de que basta a regra, a norma e a lei para implementar apoltica. As questes de contedo so vistas como secundrias e dependentes das de forma. Pensar aforma sem levar em conta o contedo possvel ou j existente , do nosso ponto de vista, caricaturar aforma. Esta enuncia os contedos, por mais que se queira desprez-los e subalterniz-los. No se acredita

    em razes ltimas das coisas, mas se sabe que os contedos acabam aflorando, mesmo quando as formastentam aprision-los ou impedir que se mostrem.Quer-se romper estes limites, fazendo-se com que a forma seja algo mais do que a caricatura do contedo esim uma expresso mais convincente de sua existncia. Seguir este ditame implica em dar maiortransparncia e operacionalidade aos sistemas de classificao, de avaliao e de descrio. Deste modo,eles seriam complexos na elaborao de sua concepo global e nos seus componentes como oscomputadores e fceis na sua montagem e na utilizao cotidiana.Seria desejvel que a Reforma de estado em curso incorpore, pelo menos parcialmente, estas questesacima abordadas, criando, no que lhe compete, uma agenda de modernizao do saber e do fazerarquivstico brasileiro. Espera-se que a voz dos arquivistas manifeste-se como independncia e compropostas substantivas. No se conhece outro meio de se valorizar uma profisso. Esta, apesar de existiroficialmente no Brasil h vinte anos, ainda carrega vrios problemas e dificuldades, tanto no seu campo deconhecimento, quanto no seu campo de trabalho.

    Conclama-se aos arquivistas reflexo e luta para um maior espao de trabalho, para alm de critrioscorporativos, na direo da organizao do conhecimento. Acredita-se que esta a misso destesprofissionais. papel do arquivista organizar o saber existente nos arquivos, junto com outros profissionaisque fazem o mesmo, em acervos documentais no arquivsticos e, tambm, nos arquivos, com objetivos eenfoque diferentes. Por isso, defende-se o minimalismo, isto , valorizam-se: s solues dadas em casosespecficos; o trabalho das equipes envolvidas; os livros e artigos que tratem de assuntos arquivsticos; osprojetos que produzam resultados positivos e baseados na literatura existente; etc. Em sntese, valoriza-se otrabalho de todos aqueles que querem um pas sem arquivos mortos e outros problemas da realidadearquivstica do pas.