A GESTÃO JURÍDICO-ORGANIZACIONAL DO RISCO · PDF filebiotecnológica se se...

download A GESTÃO JURÍDICO-ORGANIZACIONAL DO RISCO · PDF filebiotecnológica se se partir da constatação de que existem evidentes ... modificadas ou na fabricação de medicamentos por

If you can't read please download the document

Transcript of A GESTÃO JURÍDICO-ORGANIZACIONAL DO RISCO · PDF filebiotecnológica se se...

  • 157

    Revista Brasileira de Direito, IMED, Vol. 9, n 1, jan-jun 2013 - ISSN 2238-0604

    A GESTO JURDICO-ORGANIZACIONAL DO RISCO BIOTECNOLGICO: AUTO-ORGANIZAO

    E RESPONSABILIDADE COLETIVA*

    THE LEGAL AND ORGANIZATIONAL MANAGEMENT OF BIOTECH RISK: SELF-ORGANIZATION AND COL-

    LECTIVE RESPONSIBILITY

    Paulo Roberto Ramos Alves**

    Resumo: A biotecnologia uma realidade (comunicativa) presente no meio social. A formao de um sentido biotecnolgico viabili-zado por sucessivos acoplamentos entre tcnica e biologia eviden-ciam incrveis possibilidades ao desenvolvimento social, como, por exemplo, o aumento da produtividade agrcola ou a gnese de novos tratamentos mdicos para enfermidades. Todavia, ao mesmo tem-po em que a sociedade contempornea complexifica-se mediante tais desenvolvimentos , ref lexivamente, submetida a riscos at ento inexistentes ou inobservados pela operacionalidade social. Nesse aspecto, diante do risco biotecnolgico, emerge a evidente necessidade do sistema jurdico em (re)construir critrios hbeis regulao de tal problemtica, levando em considerao a multipli-cidade de racionalidades concorrentes da sociedade funcionalmen-te diferenciada assim como obervando sua frequentemente oculta pela dogmtica tradicional caracterstica policontextural.

    * O texto que segue resulta de pesquisa realizada junto ao Programa de Ps-Graduao em Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos.

    ** Doutorando e Mestre em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos UNI-SINOS; Graduado em Direito pela Universidade de Passo Fundo UPF; Professor no Curso de Graduao em Direito da Universidade do Oeste de Santa Catarina UNOESC; Advogado; Email: .

  • 158

    Revista Brasileira de Direito, IMED, Vol. 9, n 1, jan-jun 2013 - ISSN 2238-0604

    Palavras-chave: Biotecnologia; Organizaes; Responsabilidade civil; Risco; Teoria dos sistemas.

    Abstract: Biotechnology is a (communicative) reality present in the social environment. The formation of a sense of biotechnology made possible successive couplings between technology and biolo-gy, showing incredible possibilities for social development as, for example, increased agricultural productivity or the genesis of new medical treatments for diseases. However, at the same time at that contemporary society is more complex through such developments is, reflexively, subject to risks non-existent or unobserved at this moment by social operability. In this aspect, front the biotechno-logical risk, emerges a clear need for the legal system (re)construct skilled criteria to regulation of such issues, taking into account the multiplicity of competitors rationalities in society as functionally differentiated as well how observing - often hidden by traditional dogmatic - his policontextural feature.

    Keywords: Biotechnology; Organizations; Civil liability; Risk; Sys-tem theory.

    Introduo

    Atualmente convive-se enormemente com produtos e procedi-mentos gerados por meio de processos biotecnolgicos. Por sua vez, a reiterao das operaes comunicativo-biotecnolgicas no meio social traz consigo uma incrvel capacidade de gerao de riscos a serem suportados, reflexivamente, por essa mesma sociedade. pre-cisamente neste aspecto que a observao jurdica tradicional passa a encontrar notrias dificuldades para operacionalizar os riscos ge-rados/potencializados por tais tcnicas de manipulao da vida.

  • 159

    Revista Brasileira de Direito, IMED, Vol. 9, n 1, jan-jun 2013 - ISSN 2238-0604

    Tecnologia e sociedade implicam-se mutuamente. As inova-es trazidas desde a Revoluo Industrial podem confirmar este entendimento de forma inequvoca: o sistema social cria condies estruturais para o desenvolvimento, geram-se novas tecnologias e, por fim, essas mesmas tecnologias refletem nos processos sociais, promovendo a transformao da sociedade e viabilizando um ho-rizonte de incertezas socialmente produzido. Precisamente essa caracterstica reflexiva da sociedade contempornea evidencia a necessidade de constantes revises dos pressupostos jurdicos vi-gentes, observando-se, com isso, as novas demandas autoproduzi-das pela sociedade funcionalmente diferenciada.

    As breves linhas que seguem buscam evidenciar a biotecno-logia como uma forma comunicativa prpria da sociedade con-tempornea, diferenciando-se, portanto, da natureza. Igualmente busca-se a anlise da operacionalidade jurdica/biotecnolgica no mbito das organizaes formais para, ao final, observar possibi-lidades construtivistas para o Direito, notadamente em relao possibilidade de instituio de grupos coletivos para a gesto do risco biotecnolgico.

    A Biotecnologia na forma de comunicao

    Todo e qualquer conhecimento apenas possvel a partir de uma internalizao de critrios extra-sistmicos, ou, em outras pa-lavras, o conhecimento sempre um resultado particular e relativo de um observador, uma construo interna que resulta de observa-es de observaes (observao de segunda ordem). (LUHMANN, 1997, p. 96) Melhor dito, todo e qualquer sistema cognitivo (bio-lgico, psquico ou social) opera mediante critrios prprios, isto

  • 160

    Revista Brasileira de Direito, IMED, Vol. 9, n 1, jan-jun 2013 - ISSN 2238-0604

    , pelo fato de constiturem-se na forma de mquinas no-triviais1 histricas e autoreferenciais, o conhecimento sempre ser um pro-duto internos desses sistemas.

    Quando se fala em qualquer acontecimento social est pressu-posto que o discurso cinge-se a comunicaes. Por isso, no se pode falar em biotecnologia sem a aferio de critrios comunicativos e de acoplamentos estruturais entre biologia2 e tcnica, tampouco possvel delimitar seu mbito de operao sem que esta seja com-preendida como um conjunto de relaes comunicativas em uma esfera de operaes especficas, na qual o que conta to somente a causalidade dessas operaes semi-autnomas.

    Para Luhmann, a tcnica observada como um fechamento causal em um mbito de operaes, no podendo ser vista como uma imitao da natureza, mas justamente seu oposto. A possibi-lidade de sua aplicao no outra coisa seno um isolamento de relaes causais nas quais suas consequncias so 1) a possibilidade de controle de seu curso; 2) a possibilidade de planificao de even-tuais erros e 3) a possibilidade de clculo e reconhecimento de erros (LUHMANN, 1998, p. 132-133).

    Os sistemas sociais enfrentam a tcnica constantemente. Esse enfrentamento se d mediante formas especficas de acoplamen-to entre os sistemas sociais e setores particulares da tecnologia, o que ocorre sob condies de deriva estrutural. Tais acoplamentos, no raro, apresentam efeitos diversos daqueles pretendidos e con-

    1 Mquinas triviais, conforme explica Luhmann (1997, p. 51), tm sua operacionalida-de previsvel, pois a partir de determinada entrada (input), sabido qual ser a sada (output). De forma oposta as mquinas no-triviais (e aqui se compreende o sistema social) fazem seu output depender de seu estado interno, no sendo possvel prever o resultado de suas operaes. Desse modo, para efeitos do sistema social, os mesmos inputs, resultam outputs diferentes, sem jamais haver a garantia de seu contedo.

    2 Saliente-se que a ideia de autopoiese, empregada por Luhmann na sociologia para expli-car os processos de auto-reproduo comunicativa, originada precisamente na biolo-gia de Maturana e Varela (2001; 1997), que, na busca pela compreenso dos processos cognitivos da existncia biolgica, encontraram no conceito de autopoiese sua forma de descrio.

  • 161

    Revista Brasileira de Direito, IMED, Vol. 9, n 1, jan-jun 2013 - ISSN 2238-0604

    flitivos com as especificidades comunicativas de outros sistemas (LUHMANN, 1998, p. 145).

    Tendo em vista que a aplicao da tcnica nada mais do que a recursividade de processos encadeados mediante um isolamen-to de causalidade, seus acoplamentos com setores particulares da sociedade viabilizam novas formas tecnolgicas muito especficas. possvel exemplificar tal afirmao pela existncia de variaes comunicativas decorrentes de outros acoplamentos, como a nano-tecnologia,3 a tecnologia espacial, a tecnologia nuclear, etc.

    A biotecnologia, nesse contexto, pode ser observada justa-mente como uma forma especfica que delimitada a partir do acoplamento entre a biologia e a tecnologia, na qual, ainda que aparentemente no constitua um subsistema funcional autnomo em razo da ausncia de uma codificao especfica, bem como ca-recendo de limites autopoiticos, h a recursividade de processos comunicativos em um mbito restrito de operaes. Precisamente a recursividade dos processos biotecnolgicos permite vislumbrar essa especificao comunicativa em um mbito restrito.

    Pode-se, assim, afirmar que a biotecnologia reveste-se em uma forma especfica de comunicao. Por forma compreende-se uma distino utilizada para sustituir la distincin sustncia/accidente o cosa/cualidade (LUHMANN, 2006, 171-172), isto , apenas possvel observar a biotecnologia (forma) pela distino com seu meio. Em outras palavras, a comunicao biotecnolgica no um conceito delimitado em si mesmo, mas uma forma especfica, par-ticularizada precisamente pela correspondncia ao seu meio, a no--biotecnologia.

    Isso significa que a biotecnologia distingue-se de outras for-mas de diferenciao da tcnica. A tcnica comporta incrveis va-riaes comunicativas, conforme acima mencionado. Ao se falar

    3 Sobre a temtica das relaes entre nanotecnologia e Direito, ainda que no apoiado sob uma observao sistmica, vide Engelmann (2009).

  • 162

    Revista Brasileira de Direito, IMED, Vol. 9, n 1, jan-jun 2013 - ISSN 2238-0604

    em biotecnologia, est pressuposta uma forma especfica gerada a partir de acoplamentos prprios entre duas realidades comunicati-vas diversas. Apenas possvel observar uma eventual comunicao biotecnolgica se se partir da constatao de que existem evidentes trocas comunicativas nos mais diversos mbitos