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TEXTO PARA DISCUSSÃO N O 519 A Globalização e o Papel das Políticas de Desenvolvimento Industrial e Tecnológico Helena Maria Martins Lastres Brasília, outubro de 1997

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TEXTO PARA DISCUSSÃO NO 519

A Globalização e oPapel das Políticasde DesenvolvimentoIndustrial eTecnológico

Helena Maria Martins Lastres

Brasília, outubro de 1997

* Este trabalho foi elaborado no âmbito do Convênio

IPEA/CEPAL.** Professora e pesquisadora do Instituto de Economia e

do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informa-ção, da UFRJ.

TEXTO PARA DISCUSSÃO NO 519

A Globalização e o Papel dasPolíticas de Desenvolvimento

Industrial e Tecnológico*

Helena Maria Martins Lastres**

Brasília, outubro de 1997

M I N I S T É R I O D O P L A N E J A M E N T O E O R Ç A M E N T OM i n i s t r o : A n t ô n i o K a n d i rS e c r e t á r i o E x e c u t i v o : M a r t u s T a v a r e s

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

P r e s i d e n t eF e r n a n d o R e z e n d e

D I R E T O R I A

C l a u d i o M o n t e i r o C o n s i d e r aG u s t a v o M a i a G o m e sL u í s F e r n a n d o T i r o n iL u i z A n t o n i o d e S o u z a C o r d e i r oM a r i a n o d e M a t o s M a c e d oM u r i l o L ô b o

O IPEA é uma fundação pública, vinculada ao Ministério doPlanejamento e Orçamento, cujas finalidades são: auxiliaro ministro na elaboração e no acompanhamento da políticaeconômica e promover atividades de pesquisa econômica aplicadanas áreas fiscal, financeira, externa e de desenvolvimento setorial.

TEXTO PARA DISCUSSÃO tem o objetivo de divulgar resultadosde estudos desenvolvidos direta ou indiretamente peloIPEA, bem como trabalhos considerados de relevânciapara disseminação pelo Instituto, para informarprofissionais especializados e colher sugestões.

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É PERMITIDA A REPRODUÇÃO DESTE TEXTO, DESDE QUE OBRIGATORIAMENTE CITADA A FONTE.REPRODUÇÕES PARA FINS COMERCIAIS SÃO RIGOROSAMENTE PROIBIDAS.

SUMÁRIO

SINOPSE

1 INTRODUÇÃO 7

2 DIMENSÕES E CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS

DO ATUAL PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO 8

3 A GLOBALIZAÇÃO ECONÔMICA E OS PROCESSOS DE

DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E

DE INOVAÇÃO 14

4 O PAPEL DOS GOVERNOS NACIONAIS NA PROMOÇÃO E NO

AUMENTO DO DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E

DAS ATIVIDADES DE INOVAÇÕES

NUM CENÁRIO GLOBALIZADO 31

5 ALGUNS IMPACTOS DO PROCESSO DE

GLOBALIZAÇÃO NO BRASIL 46

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 50

SINOPSE

trabalho discute a hipótese da globalizaçãodas atividades industriais e tecnológicas,enfatizando seus impactos sobre os países

desenvolvidos e aqueles menos desenvolvidos.Dá-se particular atenção ao exame dos diferentesargumentos colocados sobre o papel e a eficáciadas políticas de desenvolvimento industrial e tec-nológico nacionais no enfrentamento dos novosdesafios associados ao avanço do processo de glo-balização.

Como conclusão principal coloca-se que, ao in-vés de perderem sentido, na verdade, as políticasnacionais passam a ter seu alcance, desenho, obje-tivos e instrumentos reformulados, para atenderaos novos requerimentos impostos por um con-junto de fatores associados, no qual se inclui o ob-jetivo de articularem a crescente importância dosrequisitos e das estruturas sub e supranacionais.

O

O CONTEÚDO DESTE TRABALHO É DA INTEIRA E EXCLUSIVA RESPONSABILIDADE DE SUA AUTORA,CUJAS OPINIÕES AQUI EMITIDAS NÃO EXPRIMEM, NECESSARIAMENTE, O PONTO DE VISTA DO

MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO.

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1 INTRODUÇÃO1

O objetivo principal deste trabalho é discutir opapel das políticas de desenvolvimento industriale tecnológico nacionais, tendo em vista algumasdas características principais do processo de glo-balização econômica e, em particular, seus impac-tos sobre os países em desenvolvimento. Dessaforma, o texto será desenvolvido em cinco capítu-los.

No capítulo 2, são enfocadas as principais di-mensões e características do atual processo deglobalização, privilegiando-se a economia e a polí-tica. Nesse caso, a análise concentra-se nos cam-pos das transformações tecnológicas, produtivas,organizacionais e institucionais. Dá-se particularatenção aqui ao exame dos diferentes argumentosatualmente colocados sobre o papel dos Estados-nação, no novo quadro geopolítico mundial, e dosgovernos nacionais, na definição e implementa-ção de políticas públicas para a promoção do des-envolvimento industrial e tecnológico.

No capítulo 3, são analisadas as conseqüênciasdo processo de globalização econômica sobre odesenvolvimento industrial e os sistemas nacio-nais de inovação, discutindo-se as principais evi-dências quanto à existência de um processo deglobalização das atividades industriais e inovati-vas, assim como sua distribuição por países egrupos de países, destacando-se a participação dospaíses em desenvolvimento. Nesse caso, a análiseproposta baseia-se principalmente no exame dedados sobre os chamados inputs tecnológicos (gastosem P&D) e outputs tecnológicos (patentes), assimcomo na avaliação da dinâmica do reconhecidoformato organizacional associado à idéia de glo-

1 Agradeço a José Eduardo Cassiolato e Cristina Lemos,

pelos comentários feitos a uma versão prévia deste tra-balho, e a um(a) anônimo(a) parecerista.

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balização das atividades de P&D: a formação e ope-ração de alianças estratégicas tecnológicas.

No quarto capítulo, a discussão centra-se emdois aspectos principais:

· o exame dos principais ajustes verificados emtermos das políticas nacionais de desenvolvimen-to industrial e tecnológico, em resposta ao proces-so de maior abertura das economias e de competi-ção global; e

· a análise do novo papel que podem exercer osgovernos nacionais para estimular e promoverinovações e aumento da competitividade indus-trial, num cenário de maior abertura e de mais in-tensa concorrência internacional.

Essa análise é realizada considerando-se taismodificações e tendências tanto no âmbito daseconomias mais desenvolvidas quanto, particu-larmente, daquelas menos desenvolvidas.

No capítulo 5, são discutidas contribuições re-centes, diagnosticando-se como, no Brasil, o pro-cesso de globalização vem impactando o desen-volvimento industrial e tecnológico nacional, eapontando-se para algumas soluções possíveis.

2 DIMENSÕES E CARACTERÍSTICASPRINCIPAIS DO ATUAL PROCESSO DE

GLOBALIZA�O

Conforme se destaca na literatura concernenteao tema, o termo globalização foi cunhado nas escolasde business administration dos EUA, e ganhou amplo espaço namídia mundial em meados dos anos 80. O carre-gado conteúdo ideológico associado ao termo e suavulgarização foram considerados como impor-tantes aspectos que contribuíram para certo graude rejeição do tema por parte do meio científico.

Adicionalmente, e para agravar tal situação,como destacou Coutinho (1996), “alguns acadê-micos apressados (e. g. The Bordless World, de K. Ohmae,

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1990) imaginaram, equivocadamente, que ummundo econômico sem fronteiras resultaria deuma suposta queda generalizada das barreirascomerciais e não-comerciais no intercâmbio in-ternacional”.

Salienta-se, portanto, que o conceito de globali-zação permanece ainda impreciso, apesar do seucrescente uso, em particular na análise das mu-danças econômicas e políticas ocorridas tanto noâmbito internacional quanto no dos vários paísesdo mundo.2

As principais críticas aos estudos e às interpre-tações das atuais transformações ligadas ao pro-cesso de globalização podem ser resumidas da se-guinte forma:

· As análises realizadas geralmente priorizamalguns aspectos específicos (econômicos, finan-ceiros, tecnológicos, políticos, históricos, geográ-ficos, geopolíticos, ecológicos, sociais, culturaisou outros), sendo poucos os estudos que reconhe-cem e abrangem o conjunto completo das relações.

· Em sua maioria, os estudos, além de focaliza-rem aspectos específicos, elegem uma determina-da perspectiva de análise — as superpotênciasmundiais; uma ou várias nações do ex-TerceiroMundo; a União Européia; a soberania nacional; arede intra e intercorporações; os conglomeradosou empresas (com suas alianças estratégicas); anova divisão internacional de trabalho e produ-ção, etc.

· Em geral, trata-se, mais propriamente, de aná-lises comparativas entre nações e continentes;tecnologias, setores, bens ou serviços; regimes po-líticos e políticas governamentais.

· Tais estudos, geralmente, baseiam-se em teo-rias específicas desenvolvidas para explicar ou-tros fenômenos que não a globalização, identifi- 2 Ver, entre outros, Chesnais (1996); Fiori (1993 e 1995);

Ianni (1995 e 1996); Coutinho (1996); Humbert(1994).

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cando-se, inclusive, tentativas de combinar ele-mentos de diferentes teorias.

Claramente, portanto, trata-se de uma área deinvestigação que ainda tem muito a desenvolver-se. Alguns autores chegam inclusive a salientar anecessidade de se estabelecerem processos analí-ticos próprios para dar conta do fenômeno comoum todo. Nessa linha, argumenta-se que não é su-ficiente transferir conceitos, categorias e inter-pretações, baseados em outros paradigmas do co-nhecimento, para analisar os fenômenos atuaisrelacionados à globalização, os quais poderiamestar tornando-se obsoletos ou exigir importantesreelaborações. Na área das ciências sociais, che-ga-se inclusive a propor a criação de uma nova ci-ência do sistema global — globologia —, para basear osestudos de estruturas e processos do sistema-mundo como um todo, da mesma forma que a so-ciologia se refere ao estudo de estruturas e pro-cessos sociais.3

Autores como Fiori (1995), Coutinho (1996) eChesnais (1996), entre vários outros, ao observara crescente utilização do conceito de globalizaçãoem diversas análises sobre as atuais transforma-ções da economia mundial, salientam também anecessidade de se esclarecer o verdadeiro signifi-cado teórico do termo. Tendo em vista as contri-buições recentes quanto à discussão do conceito

3 Como argumentou Ianni (1995, p. 189-191), “no limiar

do século XXI, as ciências, e particularmente as sociais ehumanas, são desafiadas a discutir as relações, os pro-cessos, as estruturas econômicas, políticas, geográficas,históricas, culturais e sociais em escala global... O pen-samento científico, em suas produções mais notáveis,elaborado primordialmente com base na reflexão sobre asociedade nacional, não é suficiente para apreender aconstituição e os movimentos da sociedade global. O pa-radigma clássico das ciências sociais foi constituído, econtinua a desenvolver-se, com base na reflexão sobre asformas e os movimentos da sociedade nacional. Mas asociedade nacional está sendo recoberta, assimilada ousubsumida pela sociedade global. A sociedade globalapresenta desafios empíricos e metodológicos, históricosou teóricos, que exigem novos conceitos, outras catego-rias, diferentes interpretações”.

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de globalização, sua importância e impactos, cabedestacar que, apesar da imprecisão do conceito eembora os estudos envolvam grandes divergênci-as, há consenso quanto a algumas questões.

Primeiro, é reconhecido que um sistema mun-dial ou global existe além das sociedades nacio-nais e que — como ressaltou Fiori (1995) — o ter-mo procura dar conta de uma nova formatação capita-lista, cristalizada nas últimas décadas com inces-sante processo de acumulação e internacionaliza-ção dos capitais.

Segundo, reconhece-se que essa nova formata-ção envolve aspectos e dimensões tecnológicas,organizacionais, políticas, comerciais e financei-ras, institucionais, culturais, sociais etc. que serelacionam de maneira dinâmica, gerando umareorganização espacial da atividade econômica euma clara rehierarquização de seus centros deci-sórios. Como decorrência, salienta-se a realoca-ção internacional da atividade produtiva e dosfluxos de comércio, que se concentra acelerada-mente na denominada Tríade (Estados Unidos,Japão e países da Europa Ocidental), a qual, com odesmantelamento do bloco socialista, vem-se con-solidando como bloco econômico hegemônico. As-sim, alguns autores referem-se ao modelo atualcomo modelo tripolar ou como policentrismo econômico tripolar.4

Terceiro, admite-se, dentre tais diferentes di-mensões, a importância da conjugação de dois fe-nômenos correlacionados como principais catali-sadores do processo de globalização: o crescentemovimento de desregulação dos mercados — e, so-bretudo, a desregulação dos sistemas financeiros

4 Esse modelo — conforme, por exemplo, aponta Coutinho

(1996) — veio substituir a bipolaridade nuclear-militarliquidada com a desestruturação do bloco soviético. Adi-cionalmente, aponta-se que, com a desagregação dessebloco, os países que o constituíam transformam-se emfronteiras de expansão do capitalismo (ver Chesnais(1996) e Fiori (1995).

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e dos mercados de capitais — 5 e o desenvolvimentoe difusão do novo paradigma tecno-econômico dastecnologias da informação. Nesse último caso, sa-lienta-se a intensa restruturação econômica ocor-rida nas últimas duas décadas, que afeta — embo-ra de forma desigual — a economia mundial e en-volve, além de importantes mudanças tecnológi-cas, várias mudanças organizacionais e institu-cionais. No cerne dessas mudanças encontra-se ocada vez mais acelerado crescimento daqueles se-tores mais intensivos em informação.6

A difusão, cada vez mais acelerada, desse novopadrão vem propiciando os meios técnicos paraque de fato se articulem em tempo real organiza-ções e outras instâncias geograficamente distan-tes. As inovações técnicas, organizacionais e ins-titucionais — geradas nas últimas duas décadas,que facilitam sobretudo a montagem e operaçãode redes e sistemas que operam em escala global —aumentaram significativamente a amplitude e avelocidade da circulação de bens, serviços e in-formações, assim como de valores e símbolos cul-turais.7

5 Nesse sentido, Ianni (1995 e 1996) ressalta que a tese da

modernização do mundo — segundo o autor, derivada doprincípio do liberalismo e atrelada à tese de sua ocidenta-lização, como processo civilizatório — encontra-se nabase de muitos estudos, debates, prognósticos relativos àglobalização. Seus pólos dominantes e centros decisórioslocalizam-se nos Estados nacionais mais fortes, em con-glomerados e instituições transnacionais, inclusive aOrganização das Nações Unidas (ONU), o Fundo Monetá-rio Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BIRD), que ge-ram e difundem diretrizes relativas a desestatização,desregulação, privatização e liberalização.

6 Conforme acrescenta Fiori (1993), atualmente, além demercadorias convencionais, empacotam-se e vendem-seinformações em escala mundial; os dados conhecidos in-dicam que cerca de 70% da informação produzida e dis-tribuída pelo mundo tem como origem os Estados Uni-dos.

7 Ver Coutinho (1996); Archibugi e Michie (1995); Ches-nais (1996); e Fiori (1993). Ianni (1995, p. 86) apontaque, juntamente com a modernização, generaliza-se o predomí-nio das tecnologias e suas formas associadas de produ-ção e controle social, o que reflete sua manipulação pelosque as administram. “Esse é o contexto em que as tecno-

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Graças particularmente a tal aspecto, destaca-sea abertura de novos horizontes de tempo e espaço,historicidade e territorialidade, ou, pelo menos,novas formas de analisar tais dimensões. “Todasas velocidades são ultrapassáveis ... velocidadesexcepcionais anulam e inauguram fronteiras re-ais e invisíveis, imaginárias e virtuais, reduzindoe transformando as distâncias. ... Tem-se a im-pressão que foram dissolvidas as fronteiras,montanhas, mares, desertos, línguas, culturas,moedas, civilizações e religiões” [Ianni (1995, p.168]. Dessa forma, é explicado (mas não justificado) o sur-gimento das teses sobre o final da história e da ge-ografia e da pós-modernidade.

Em quarto lugar, ressalta-se que a globalizaçãodeve ser vista como um processo dialético que en-volve importantes questões de diversidade emvárias dimensões. Como destaca Robertson(1992, p. 173), “o capitalismo global simultanea-mente promove e é condicionado pela homogenei-dade e pela heterogeneidade. A produção e conso-lidação da diferença e da variedade é um ingredi-ente essencial do capitalismo contemporâneo, queé, em todos os casos, crescentemente envolvido namúltipla variedade de micromercados (nacional,cultural, racial e étnico, de gênero, socialmente es-tratificado, etc.)”.

Talvez por não terem em conta tal característicaé que algumas das teses recentes, que objetivamexplicar e analisar a aceleração do processo deglobalização, apresentam-se como contraditórias.Velhas controvérsias são reavivadas, assim comosurgem outras novas, que incluem: desconcen-tração e concentração; liberalismo, planejamentoe intervencionismo; economias locais e nacionaisversus blocos regionais e economia mundial; insti-tuições e políticas subnacionais versus nacionais, re-gionais e internacionais; etc. Em vista dos objeti-vos deste trabalho, algumas dessas principais

logias da eletrônica intensificam e generalizam a racio-nalização das mais diversas formas sociais de vida e tra-balho, dos mais diferentes modos de ser e de pensar”.

14 GLOBALIZAÇÃO E O PAPEL DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E

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contradições serão tratadas a seguir como aspec-tos correlatos da discussão proposta.

Assim, em quinto lugar, reconhece-se que o de-nominado sistema-mundo exerce influência so-bre o desenvolvimento e, mais importante ainda,o subdesenvolvimento das sociedades nacionais elocais inseridas nas estruturas globais. Aqui sali-entam-se divergências entre pelo menos três gru-pos de autores: (i) aqueles que vêem a globalizaçãocomo um processo que amplia as diferenças dosatores e espaços envolvidos; (ii) aqueles que ou nãodão atenção a tal fato, ou o colocam como algo rela-tivamente neutro; e (iii) os demais, que defendem atese de que tal processo trará benefícios para to-dos e, em particular, para aqueles menos desen-volvidos.

No primeiro grupo, além dos autores citados,Touraine (1995), por exemplo, destaca que, com aglobalização, uma nova ordem econômica é esta-belecida, em que crescem as interdependênciasentre os atores de todo tipo, mas que não é de jeitonenhum sinônimo de convergência e, muito me-nos, de solidariedade crescentes. Outros, comoBergesen (1982), destacam inclusive que, nonovo quadro, o desenvolvimento ou subdesenvol-vimento de um país passa, cada vez mais, a de-pender de sua localização hierárquica na divisãodo trabalho mundial do que propriamente de suataxa de desenvolvimento interno. Pela via do re-conhecimento da diversidade inerente ao proces-so de globalização, alguns autores argumentamque a dinâmica do todo não se distribui de formaigual pelas partes, as quais tanto produzem e re-produzem seus próprios dinamismos quanto as-similam diferentemente os dinamismos proveni-entes da sociedade global, expressando diversi-dades, localismos e identidades.8

8 “Em todos os casos está em causa o contraponto local—

global, parte e todo, micro e macro, individualismo e ho-lismo.... Nesses termos é indispensável que toda reflexãoglobal contemple tanto a diversidade como a globalidade,

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Nessa linha, Mittlemann (1994, p. 428) propõeuma definição de globalização que questiona opressuposto usual de que tal processo resultaránecessariamente em um ambiente internacionalmais homogêneo e harmonioso que o atual: “an econo-

mically driven process, globalisation may not be defined as a compression of the time and

space aspects of social relations. Although often portrayed as a totalising or homogenising

force, globalisation articulates with local structures in diverse ways, accentuating, not ero-

ding national and regional differences”.

Em sexto lugar, reconhece-se, também, que aconcepção de Estado-nação está sendo revista.Quanto a tal aspecto, cabe apontar uma divergên-cia — a qual será discutida posteriormente nestetrabalho. Trata-se da polêmica entre os autorescontra e a favor da conclusão de que as novas for-ças (econômicas, políticas, geopolíticas, sociais,culturais e outras) que operam à escala mundialvêm desafiando o Estado-nação e sua soberaniacomo o locus da hegemonia. No lado que apóia talconclusão, encontram-se autores que argumen-tam que, como decorrência da globalização, os es-paços das políticas nacionais e dos projetos naci-onais ficariam reduzidos, ou mesmo anulados.

Alguns autores salientam inclusive os proble-mas advindos da alternância de uma época emque havia fé quase universal no papel fundamen-tal do Estado para salvar o sistema capitalista de seus próprios males,

para outra em que predomina influente crençasobre a falta de capacidade de qualquer Estado in-dividual em intervir decisiva e efetivamente[Humbert (1994)].

Nessa discussão, aponta-se a existência de no-vas formas de vínculos, imperialismos, depen-dências e interdependências no novo cenário, as-sim como centros de poder que atuam em escalaglobal e sobrepassam soberanias e hegemonias:blocos geopolíticos, sistemas econômicos regio-nais, empresas transnacionais, assim como or-ganismos internacionais tais como ONU, FMI, Banco

reconhecendo que ambas se constituem simultânea e re-ciprocamente...” [Ianni (1995, p. 204-5)].

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Mundial, etc. Destaca-se, em particular, o papeldas grandes empresas transnacionais que — emsuas redes, alianças, operações e recursos mun-diais — se transformaram em estruturas mundi-ais de poder e dispõem de condições consideradascomo suficientes para impor-se aos diferentes re-gimes políticos, às diversas estruturas estatais eaos distintos projetos nacionais.

Cabe também aqui destacar a contribuição dosautores que — como Reich (1994) e Ortiz (1996)— argumentam que não se pode esquecer que aconcepção de economias e estados nacionais é re-lativamente recente e que seu desenvolvimentoencontra-se intimamente associado à expansãodo capitalismo. Ortiz (1996, p. 45), em suas ano-tações sobre a mundialização e a questão nacio-nal, ressalta que “o mundo nacional é fruto do in-dustrialismo, de um tipo de formação social quefaz da mobilidade uma das suas característicasprincipais. Nesse sentido, a sociedade industrial,que é nacional, se diferencia radicalmente das so-ciedades agrárias passadas, nas quais os limitesdas culturas, das trocas e das fidelidades políticasencontravam-se confinados às regiões particula-res. O mundo do Antigo Regime era constituídopor unidades autônomas, díspares entre si.... ARevolução Industrial, conjuntamente com as re-voluções políticas, rompe esse quadro. Eliminan-do os estamentos, elas promovem a circulação doscidadãos, das mercadorias e das idéias. A nação serealiza, portanto, através da modernidade. Ela éum tipo de organização cuja base material corres-ponde ao industrialismo”.

Aponta-se, também, para a controvérsia leis de merca-

do versus planejamento de setores produtivos. Nesse caso, salientam-sedois aspectos principais:

· que as empresas transnacionais — precisa-mente as maiores beneficiárias da liberalização egeneralização dos mercados — são especialistasem planejamento;

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· que as próprias políticas de modernização e racionalização,assim como as de desregulação, desestatização e liberalização, preco-nizadas pelo FMI e pelo Banco Mundial, significamtambém reorientação e redisciplina do uso de re-cursos, mobilização de fatores, racionalização daprodução — isto é, imposições de novas formas deplanejamento.

Essas questões, e particularmente as relativasaos aspectos da dialética e da diversidade do pro-cesso de globalização, dificultam em muito a aná-lise de suas causas, características e conseqüên-cias. Ressalta-se inclusive a dificuldade em se li-dar com tais paradoxos e contradições em váriosníveis. Propõe-se guardar em mente os sete aspec-tos discutidos, pois servirão de espinha dorsalpara as discussões realizadas a seguir.

3 A GLOBALIZAÇ�O ECONÔMICA E OSPROCESSOS DE DESENVOLVIMENTO

INDUSTRIAL E DE INOVA�O

Tendo em vista a dis-cussão e as ressalvasapresentadas, nesta

parte do trabalho serão centralmente analisadasas principais conseqüências do processo de globa-lização sobre o processo de desenvolvimento in-dustrial e de inovação. Assim, e apesar de sua im-portância e estreita correlação com os objetivosprincipais da discussão aqui proposta, os demaistemas serão apenas referenciados quando neces-sário.

Ao considerar o processo de globalização eco-nômica como uma nova etapa do processo de in-ternacionalização do capital, Chesnais (1996),preocupado em discutir tal conceito, argumentaque repousa na interface de três fenômenos dis-tintos, porém interligados, a saber:

· as relações econômicas internacionais maistradicionais e antigas entre economias nacionaisresultantes do comércio;

3.1 Globalização e Desenvolvimento Industri-al

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· as atividades das empresas multinacionais jun-to aos mercados corporativos extrafronteiraconstruídos em estruturas corporativas multina-cionalizadas; e

· os mercados financeiros e monetários realmen-te globalizados — cujo surgimento deu-se nos anos60 e que foram aprofundados e intensificadosnas décadas subseqüentes, que permitiu o rápidomovimento de capitais, na maior parte das vezesespeculativo, através das fronteiras nacionais.

Quanto às principais conclusões das análisesrealizadas sobre o processo de globalização eco-nômica, destacam-se ainda as seguintes.

Conforme já se salientou, mostra-se de funda-mental importância não perder de vista as trans-formações associadas ao advento do novo para-digma tecno-econômico (PTE) associado às tecno-logias da informação — caracterizado por rápidodesenvolvimento e difusão das tecnologias de in-formática e comunicações e pela correlata emer-gência de um novo padrão organizacional e insti-tucional inaugurado e difundido no âmbito daeconomia mundial, a partir do final da década de80.

Ao mesmo tempo em que o novo paradigma re-quer mais colaboração entre as empresas e entreestas e as instituições de pesquisa, as tecnologiasda informação e comunicação (TIC) facilitam isso,por tornarem viável a rápida comunicação etransmissão de dados, a utilização de bancos dedados e de patentes, etc. Favorecem ainda rápidasmudanças nas estruturas de pesquisa, produção ecomercialização. Como corolário, argumenta-seque “Information and Communication Technology is a networking technology parexcellence” [Freeman (1991, p. 509)]. Assim, odesenvolvimento e a difusão de tais redes passa-ram a ser vistos como a principal inovação orga-nizacional associada às inovações tecnológicas —em particular as ocorridas nos setores de infor-mática e comunicações —, encontrando-se na basedo novo paradigma tecno-econômico.

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Ressalta-se, particularmente, o avanço e a difu-são das TIC e dos novos formatos organizacionaisassociados, que promovem e aceleram em escalamundial a interconecção entre vários tipos de or-ganizações. Tais novos formatos organizacionaismostram-se crescentemente dependentes de in-formação, a qual passa a ser vista nesse novo ce-nário como seu insumo fundamental. Assim é quediversos autores referem-se à atual nova ordemmundial com termos tais como era ou sociedadeda informação, resultante da revolução informacional (numparalelo com a chamada revolução industrial,ocorrida nos finais do século XVIII).9

No âmbito das grandes corporações transnaci-onais, destaca-se a possibilidade que têm de, pormeio de redes corporativas, definir e implemen-tar estratégias de competitividade de caráter glo-bal. Tais estratégias são centradas na obtenção devantagens advindas da crescente mobilidade decertos ativos e fatores (como capital, acesso a ma-térias-primas, partes e componentes, etc.) e daspossibilidades de manejar sistemas complexosproporcionados pelo avanço e pela difusão dastecnologias da informação.

No âmbito dos setores industrial e de serviços,tais transformações podem ser caracterizadaspela intensificação da montagem e do estabeleci-mento de redes de fornecimento de insumos, pro-dução, distribuição e consumo. Tal tendência,além de se cristalizar como formato mais eficien-te e competitivo, tende também a assumir dimen-sões globais, em que os principais agentes são asgrandes organizações transnacionais que maisrapidamente conseguiram fazer uso das inova-ções técnicas e organizacionais disponibilizadaspelo novo padrão em difusão.

Em segundo lugar, destaca-se que, além do pro-cesso de globalização financeira, na verdade, oque se vem globalizando de fato são os mercadosconsumidores e o locus da produção, e que, parale- 9 Ver, por exemplo, Lojkine (1995).

20 GLOBALIZAÇÃO E O PAPEL DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E

TECNOLÓGICO

lamente a esse movimento, verifica-se concentra-ção dos centros de planejamento e decisão nos pa-íses da Tríade. Assim, na dimensão econômica doprocesso de globalização, sobressaem, concomi-tantemente, tanto a real intensificação do movi-mento de expansão de algumas atividades no ní-vel global, quanto a desigual difusão das inova-ções técnicas, organizacionais e institucionais e atendência ao reforço do denominado policentris-mo econômico tripolar.

Como destaca Fiori (1995): “neste espaço sãotomadas as decisões e desenvolvem-se as novasformas organizacionais de competição global queacaba alcançando, de uma forma ou de outra, osrespectivos espaços periféricos”. Tal espaço deci-sório concentra-se atualmente no que Chesnais(1996) denomina de oligopólio mundial: um reduzido nú-mero de governos e grandes empresas, “ressalta-dos pela literatura liberal como mercados respon-sáveis pela correta alocação dos recursos mundi-ais .... este processo de globalização, além de con-centrar-se nos países da Tríade, vem provocandoum processo de polarização crescente entre regi-ões, países e grupos sociais” [Fiori (1995, p. 15-6)]. Nesse caso, destaca-se a preferência pela atua-ção naqueles mercados que possuem peso e posi-ção relevante em nível mundial e que adotamnormas trabalhistas, ambientais e tributáriasconsideradas como mais atrativas, flexíveis oucompetitivas.10

Assim é que pode ser entendido o fato de, ao ana-lisarem o processo de globalização, alguns auto-res apontarem que não existem evidências con-cretas que comprovem mudanças significativasno sentido da descontração da apropriação dosresultados ou divisão do trabalho intelectual en-tre as diferentes instâncias das empresas ou dosdiversos blocos de países. Na verdade, ressalta-senão apenas a inexistência de um processo de glo-

10 Os impactos dessa tendência sobre o caso brasileiro são

discutidos na parte final do trabalho.

GLOBALIZAÇÃO E O PAPEL DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E TECNOLÓGICO

21

balização daquelas atividades consideradas es-tratégicas para as empresas e países (atividadesde planejamento e controle decisório e as ativida-des científico-tecnológicas, por exemplo), como,em alguns casos, conclui-se por uma reconcentra-ção de tais atividades.11

Ressaltam-se, particularmente, o avanço daconcentração dos mercados dentro dos blocos re-gionais, o aprofundamento da centralização docapital, por meio de fusões e aquisições, e a acen-tuação do peso do comércio intra-firma e intra-setor industrial. Nesse sentido, alguns autoreschegam a indicar:

· que o comércio intra-firma cresceu de cerca de20% do comércio mundial, em 1980, para cerca de33%, em 1994 [Fiori (1995)].

· a existência de dez ou doze principais atoresglobais que implementam estratégias de investi-mento em todos aqueles mercados do mundo con-siderados como relevantes [Coutinho (1996)].

Em terceiro lugar, e não menos importante,tende a globalizar-se a idéia de que o processo deglobalização levará, inexoravelmente, à diminui-ção do papel e escopo da ação dos Estados e de ou-tros agentes nacionais. Nesse sentido, tem sidocrescentemente argumentado que, num mundoem que as atividades de comércio, negócios, fi-nanças e C&T têm continuamente extravasadofronteiras nacionais, as tentativas por parte degovernos e empresas nacionais de apropriarem-se dos frutos dos programas nacionais de P&D

tendem a não alcançar êxito. Nota-se, ainda, quenessa discussão não é incomum os termos nacio-nal e global serem tratados como opostos, e a glo-balização ser vista como efetiva contribuinte paraa redução do alcance das políticas nacionais.

11 No caso das atividades científico-tecnológicas, ver, por

exemplo, a discussão de vários autores e diferentes pon-tos de vista no Special Issue on Technology and Innovation, do CambridgeJournal of Economics, Feb. 1995.

22 GLOBALIZAÇÃO E O PAPEL DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E

TECNOLÓGICO

Em particular, considerando-se a argumenta-ção de que as interligações em redes têm crescen-temente permitido efetivar maior, e mais rápida,conectividade entre equipes de matrizes e filiais eentre estas e pesquisadores que trabalham em vá-rios países, propõe-se discutir, a seguir, as princi-pais evidências quanto à existência de um proces-so de globalização das atividades inovativas in-dustriais e sua distribuição por países e grupos depaíses, com destaque para a participação dos paí-ses em desenvolvimento. A análise proposta ba-seia-se no exame de dados sobre os chamados inputs

tecnológicos (gastos em P&D) e outputs tecnológicos(patentes), assim como na dinâmica do reconhe-cido formato organizacional associado à idéia deglobalização das atividades de P&D — as aliançasestratégicas tecnológicas.

Muito tem sido escrito

sobre o padrão crescen-

temente internacional

de geração, transmis-

são e difusão de tecnologias. Alguns estudos mos-

tram como as empresas têm explorado as novas

oportunidades, desenvolvido estratégias globais de pesquisa,

por meio da implantação de centros de P&D em di-

ferentes países [Casson (1991)], e estabelecido redes

para realizar programas de inovação [Howells

(1992)], as quais muitas vezes ultrapassam as

fronteiras nacionais. Contudo, são ressaltados os

programas governamentais que, da mesma for-

ma, visam promover colaboração além dessas

fronteiras, envolvendo tanto a comunidade em-

presarial quanto a acadêmica. Assim, são particu-

larmente destacados os programas da União Eu-

ropéia e de alguns países que, como o Japão, vêm

desenhando programas cooperativos, os quais,

desde meados dos anos 80, admitem e até estimu-

lam a participação de empresas estrangeiras.12

12 Ver, entre outros, Lastres (1994).

3.2 Análise das EvidênciasRelacionadas à Globalizaçãodos Esforços em P&D

GLOBALIZAÇÃO E O PAPEL DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E TECNOLÓGICO

23

Para configurar a hipótese de que a geração,

transmissão e difusão de tecnologias estão se tor-

nando processos crescentemente globais, o termo

tecno-globalismo vem sendo crescentemente uti-

lizado na literatura. Os defensores do tecno-

globalismo argumentam que os principais mer-

cados do mundo já têm acesso, consomem e até

produzem bens e serviços de forma semelhante. A

tais argumentos somam-se aqueles anteriormen-

te mencionados sobre uma possível internaciona-

lização das atividades de P&D. Acrescente-se que,

nessa discussão, a idéia de um possível tecno-

globalismo é interpretada por muitos como algo

que desloca os sistemas nacionais de inovação e

torna redundante — e, no limite, sem efeito —

qualquer tentativa, por parte dos governos nacio-

nais, de promover o desenvolvimento tecnológico

domesticamente.

Já outros trabalhos criticam e refutam os prin-

cípios básicos de tal hipótese, e apontam que os

dados disponíveis não evidenciam tal tendência.

Cassiolato (1996, p. 3), aponta que: “Implicitly, ‘techno-

globalists’ assume that technologies are ‘commodities’ and propose that, in a borderless

world, international technologies are accessible by firms and could be transferred internatio-

nally under a market mediation via price mechanisms”. O autor argumenta

que o conhecimento da literatura sobre inovação e

difusão — publicada nos últimos vinte anos — aju-

da a clarificar e qualificar melhor tal discussão.

Entre os pressupostos básicos desenvolvidos, in-

cluem-se aqueles que indicam que a tecnologia: (i)

não pode ser vista como mercadoria; (ii) não se tra-

ta de algo facilmente transferível; e (iii) tem sua

aquisição efetiva restrita a muito mais variáveis

do que simplesmente o preço, requerendo impor-

tantes capacitações por parte dos adquirentes.

Quanto à análise dos dados disponíveis para ve-

rificação da hipótese de tecno-globalismo, um im-

portante paradoxo tem-se revelado. Enquanto al-

gumas análises apóiam-se em dados que indicam

24 GLOBALIZAÇÃO E O PAPEL DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E

TECNOLÓGICO

tendências de globalização tecnológica, outras

mostram tendência exatamente oposta. Na pri-

meira linha incluem-se, por exemplo, as análises

apoiadas em indicadores que mensuram a cres-

cente internacionalização do uso de tecnologias e

das próprias atividades de P&D (particularmente

no caso das grandes empresas). Já outros estudos,

ao avaliar os dados sobre concentração dos gastos

em P&D e origem dos conhecimentos que têm ge-

rado patentes, demonstram o contrário de uma

tendência à globalização e à desconcentração.

Tais estudos mostram que, tanto nos EUA quanto

no Japão e nos países da União Européia, mais de

80% dos gastos de P&D por parte das grandes em-

presas transnacionais são realizados nos seus pa-

íses de origem. A mesma tendência é observada

em relação aos resultados da atividade de inova-

ção mensurada pela atividade de patenteamento.

Uma importante resposta para tais aparentes

paradoxos foi dada por Archibugi e Michie

(1995), para quem, nessa discussão, categorias

distintas não podem ser confrontadas diretamen-

te. Os autores propõem então uma taxonomia

para agrupar categorias, evidências e argumenta-

ções semelhantes, o que veio trazer nova luz sobre

o debate.

Define-se uma primeira ca-tegoria para analisar a pos-sibilidade da suposta globa-lização tecnológica: global ex-

ploitation of technology — que se refere à exploração das tec-nologias por parte das empresas nos mercados in-ternacionais. Aponta-se que, apesar de esse fenô-meno não ser absolutamente novo, os dados em-píricos mostram que aumentou sua importâncianos últimos anos. Isto é, há atualmente uma ten-dência maior de as tecnologias se difundiremmais rápida e abrangentemente pelos diferentespaíses do mundo. Acrescenta-se, todavia, que uma

3.2.1 Análise da Exploraçãode Tecnologias noNível Global

GLOBALIZAÇÃO E O PAPEL DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E TECNOLÓGICO

25

questão fundamental para discussão nesse caso ése a atual dinâmica da exploração global de tecno-logias deve ser vista mais propriamente comoconseqüência do que como causa do aumento docomércio internacional de bens e serviços.

Para a segunda categoria —global generation of technology —, as evidên-cias empíricas mostram exa-tamente o contrário; isto é,

que as grandes empresas transnacionais conti-nuam com estratégias marcantemente nacionaisquanto à geração de tecnologias. Entre os dadosutilizados para fundamentar tal análise incluem-se os apresentados no gráfico 1, o qual mostra quea origem geográfica da quase totalidade das paten-tes depositadas nos EUA, no período 1985/90, pe-las 500 maiores empresas transnacionais, ésempre o próprio país sede dessas empresas.

De fato, tais dados indicam que 98,9% das pa-tentes de empresas japonesas têm como origem oJapão, e 92,2% das patentes de empresas norte-americanas, os EUA. Tal situação é semelhante àdos principais países europeus: Alemanha(84,7%, o próprio país, e 88,8%, a Europa comoum todo), França (86,6% e 94,1%, respectivamen-te) e Itália (88,1%, e 94,3%, respectivamente).13

Tais evidências indicam, na verdade, a existênciade um fraco movimento de internacionalização das ativi-dade de P&D.

13 As empresas do Reino Unido constituem a única exce-

ção: 55% das patentes têm origem nacional; 61,6%, naEuropa como um todo; e 35,4%, nos EUA. Ver dados na ta-bela 1.

3.2.2 Análise da Geraçãode Tecnologias noNível Global

26 GLOBALIZAÇÃO E O PAPEL DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E

TECNOLÓGICO

GRÁFICO 1Origem Geográfica das Patentes das Grandes

EmpresasTransnacionais Atuantes no Mercado Norte-

Americano*

Japão EUA Alemanha França Itália

0

20

40

60

80

100

Fonte: Lastres e Cassiolato (1995). Fonte original de dados: Patel e Pavitt(1994).

Nota: * Os dados referem-se às patentes depositadas nos EUA, no período1985/1990.

Apenas naquele grupo de países mais avançadose, em particular, circunscritos a um espaço geopo-lítico bastante característico — a União Européia— pode-se identificar algum grau de desconcen-tração nacional. Mas mesmo assim, em nenhumdos casos analisados, os esforços de P&D realiza-dos fora do país chegam a comparar-se com os ní-veis dos esforços realizados dentro das fronteirasnacionais. O argumento reforça o ponto de que,mesmo observando-se tendência crescente de ex-travasamento das fronteiras nacionais quanto àimplantação de unidades de P&D em nível mundi-al, os dados relativos a resultados reais produzi-dos pelo esforço de pesquisa e desenvolvimentorevelam uma característica marcadamente naci-onal.

própriopaís

outros daTríade

resto do

%

GLOBALIZAÇÃO E O PAPEL DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E TECNOLÓGICO

27

Portanto, a análise de tais dados indica que, defato, a pequena internacionalização verificadanessa área tem-se dado na direção de um apro-fundamento do processo de regionalização ou, nomáximo, triadização — mais propriamente do que deglobalização. Além disso, conforme mostram ográfico 1 e a tabela 1, a importância relativa dacontribuição dos demais países, exceto os da Trí-ade, é desprezível: zero, no caso das empresas ja-ponesas; 1,3%, no caso das norte-americanas;0,7%, no caso das alemãs; 0,5%, no caso das fran-cesas; e 0,3%, no caso das italianas.

TABELA 1Origem Geográfica das Patentes das Grandes

EmpresasTransnacionais Atuantes no Mercado Norte-

americano(Em porcentagem)

Nacionalidade dasFirmas

País/Região de Origem das Patentes*

EUA Europa Japão Resto doMundo

Japão 0,8 0,3 98,9 0,0

EUA 92,2 6,0 0,5 1,3

Alemanha 10,3 88,8 0,4 0,7

França 5,1 94,1 0,3 0,5

Itália 5,4 94,3 0,0 0,3

Reino Unido 35,4 61,6 0,2 2,7

Fonte: Lastres e Cassiolato (1995). Adaptado de: Patel e Pavitt (1994).Nota: *Os dados referem-se às patentes depositadas nos EUA, no período1985/1990.

A terceira catego-ria — global technological co-

llaboration — refere-se àidéia de que, cres-

centemente, as empresas vêm buscando parceirosinternacionais para realizarem pesquisa e desen-volvimento em colaboração. Evidências empíri-cas mostram que realmente aumentou muito, par-ticularmente nos últimos anos, o número de acor-dos de cooperação tecnológica entre empresas eentre estas e outras instituições [Hagedoorn eSchakenraad (1991); Lastres (1993)]. No entan-to, alguns qualificativos precisam ser feitos e,

3.2.3 Análise da Realização de Acordosde Colaboração Tecnológica noNível Global

28 GLOBALIZAÇÃO E O PAPEL DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E

TECNOLÓGICO

portanto, propõe-se olhar mais detalhadamentetal tendência.

Alianças estratégicas entre empresas e entre es-tas e outras instituições não são um fenômenonovo. Entretanto, vários estudos têm mostradoque o número de arranjos de colaboração motiva-dos pelo objetivo de desenvolver P&D conjunta-mente cresceu significativamente na década de80. Tais estudos mostram que, aliada a esse au-mento no número de parcerias tecnológicas, veri-ficou-se também uma mudança qualitativa nasformas, objetivos e características dos novos ar-ranjos de colaboração [Lastres (1993)].

Entre as principais conclusões da análise dosdados disponíveis sobre tais redes estão:

GLOBALIZAÇÃO E O PAPEL DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E TECNOLÓGICO

29

· O recente aumento extremamente rápido dearranjos de cooperação tecnológica entre empre-sas. Conforme mostra o gráfico 2, comparadocom o do período 1970/79, o número de aliançasmais do que sextuplicou na década subseqüente(1980/89).

GRÁFICO 2Crescimento dos Acordos de Cooperação Tecno-

lógica Industrial

(número total de casos = 4 986)

0

1000

2000

3000

4000

5000

1970/91980/41985/9

Nº de acordos

Fonte: Lastres (1995). Fonte original de dados: MERIT/CATI.

Nº de acor-dos

30 GLOBALIZAÇÃO E O PAPEL DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E

TECNOLÓGICO

· A concentração dos novos arranjos de coope-ração nos setores de alta tecnologia que vêm lide-rando o novo paradigma tecno-econômico. Tecno-logias de informação e comunicação (com 41,2%),biotecnologia (com 20,2%) e materiais avançados(com 10,3%) foram responsáveis por cerca de 72%de todos os acordos de cooperação registrados en-tre 1980 e 1989 (ver gráfico 3).

GRÁFICO 3Arranjos de Cooperação Tecnológica de Acordo

com Setores Econômicos — 1980/89

(número total de casos = 4 192)

tecn. da inf. e comunicação

biotecnologia

materiais avançados

química

defesa e instr. aviação

automotiva

eletricidade

instr. médicos e hospitalares

alimentos

outros

Fonte: Lastres (1995). Fonte original de dados: MERIT/CATI.

GLOBALIZAÇÃO E O PAPEL DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E TECNOLÓGICO

31

· A concentração dos acordos de cooperação nospaíses da Tríade (EUA, Europa Ocidental e Japão).Conforme mostra o gráfico 4, tais países foramresponsáveis por 90% dos acordos de cooperaçãoregistrados nos anos 80.

GRÁFICO 4Distribuição de Alianças Tecnológicas entre Blo-

cosEconômicos — 1980/89

(número total de casos: 4 192)

Europa

Europa/US

Europa/Japão

US

US/Japão

Japão

Outros

Fonte: Lastres (1995). Fonte original de dados: MERIT/CATI.

32 GLOBALIZAÇÃO E O PAPEL DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E

TECNOLÓGICO

· A predominância de grandes e diversificadascompanhias transnacionais nos novos acordoscolaborativos de P&D (ver gráfico 5 e tabela 2).

GRÁFICO 5Intensidade de Cooperação e Tamanho de Empre-

sas —1980/89

(número total de casos: 4 192)

5

10

15

20

25

30

No de

empregados

5

0

Fonte: Lastres (1995). Fonte original de dados: MERIT/CATI.

TABELA 2Quinze Principais Grupos Industriais que Parti-

cipam de Arranjos deColaboração Tecnológica na Década de 80

Companhias País Setor AcordosMitsubishi Group Japão conglomera-

dos335

Siemens A.G. Alema-nha

eletrônica 316

Dai-Ichi Kangyo (DKB)Group

Japão conglomera-dos

291

Sumitomo Group Japão conglomera-dos

268

Philips Holanda eletrônica 229Mitsui Group Japão conglomeera-

dos215

Daimler-Benz A.G. Alema-nha

automotivo 182

IBM EUA eletrônica 179Thompson França eletrônica 165Hitachi Ltd. Japão conglomera-

dos160

GLOBALIZAÇÃO E O PAPEL DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E TECNOLÓGICO

33

Thoshiba Corp. Japão eletrônica 157Olivetti Spa Itália eletrônica 154Fuyo Group Japão conglomera-

dos151

General Electric Co. EUA eletrônica 151AT&T EUA eletrônica 130

Fonte: Lastres (1995). Fonte original de dados: MERIT/CATI.

· O comportamento estratégico de longo prazodas empresas explica melhor o explosivo aumen-to das redes de inovação. Portanto, tendo em vistaas características mais importantes do novo pa-radigma tecno-econômico e o objetivo das empre-sas em buscar a adaptação ao novo cenário deacumulação, dentre os motivos identificados paraassociação predominam: (i) promover o acessomais rápido ao conhecimento científico, a fertili-zação cruzada de disciplinas e sinergias tecnoló-gicas e adquirir competências nucleares; (ii) reduzir, minimi-zar e compartilhar incertezas em novas áreas deP&D e diminuir o período entre invenção e inova-ção; (iii) desenhar estratégias relacionadas ao au-mento da competência tecnológica conjugado aoacesso e posicionamento em novos mercados; e (iv)

monitorar mudanças e oportunidades tecnológi-cas (ver gráfico 6).

GRÁFICO 6Motivos para Realização de Alianças Estratégi-

cas — 1980/89

(número total de casos: 4 192)

34 GLOBALIZAÇÃO E O PAPEL DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E

TECNOLÓGICO

0 10 20 30

acesso a mercados

complem tec.

redução de tempo

monitor. tecnol.

custo/risco

pesq. básica1980/41985/9

%Fonte: Lastres (1995). Fonte original de dados: MERIT/CATI.

· Com exceção dos chamados Tigres Asiáticos, aparticipação de empresas de países menos desen-volvidos nos novos arranjos de cooperação cientí-fico-tecnológica tem sido apenas marginal. Con-forme mostra o gráfico 7, dentre as conclusões re-lacionadas ao envolvimento desses países nasnovas alianças, destaca-se que: (i) apenas 4,3% dasassociações estratégicas tecnológicas e 5% dosacordos de transferência de tecnologia registra-dos entre 1980 e 1989 envolvem empresas dessespaíses; (ii) a maior parte dos acordos concentra-seem projetos que envolvem tecnologias relativa-mente maduras e estáveis; (iii) considerando osacordos nos quais a transferência de tecnologia éo objetivo central, a fatia dos países menos avan-çados (LDCs) registra inclusive uma queda de5,3%, na primeira metade dos 80, para 4,8%, nasegunda metade.

Falta de recursos fi-nanceiros

Pesquisa básica

Alto custo/risco

Monitoração tecno-lógica

Redução de tempo

Complementarieda-de tecnológica

Acesso a mercados

GLOBALIZAÇÃO E O PAPEL DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E TECNOLÓGICO

35

GRÁFICO 7Comparação da Distribuição Internacional das

Alianças EstratégicasTecnológicas e os Acordos de Transferências de

Tecnologia — 1980/89(número total de casos: 4 192)

economias desenvolvidas

PMDs0

20

40

60

80

100

AETATT

%

Fonte: Lastres (1995). Fonte original de dados: MERIT/CATI.Legenda: AET = alianças estratégicas tecnológicas.

ATT = acordos de transferência de tecnologia.PMD = países menos desenvolvidos.

A seguir será aprofundada a discussão a respei-to da relação entre as mudanças nos arranjos decolaboração tecnológica industrial e a difusão donovo paradigma da informação, assim como serádiscutido o grau de transiência da tendência deformação de redes de inovação.

Economias desenvolvidas

36 GLOBALIZAÇÃO E O PAPEL DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E

TECNOLÓGICO

Considera-se que aprincipal fonte demudanças, que de-termina os novos

desenvolvimentos em networking para inovação, rela-ciona-se ao reconhecimento de que, quando hámudanças de paradigmas tecnológicos, um acessomaior a fontes de conhecimento — inclusive o co-nhecimento científico — torna-se extremamenteimportante na abertura de novas frentes de ex-pansão. Portanto, a cada inauguração de um novoparadigma tecno-econômico (PTE), o papel das re-des de C&T sobressai.

Uma discussão correlata refere-se à considera-ção da permanência versus transitoriedade do fenô-meno de expansão dos acordos de colaboração edas redes. Alguns analistas proclamam que: (i) jáse observa, atualmente, uma diminuição no ritmode crescimento dos acordos de colaboração; e (ii)

com o maior amadurecimento do novo PTE, a situ-ação tenderá a voltar aos níveis anteriores à dé-cada de 80. Contudo, outros estudiosos do casoargumentam que certamente se espera que ocorraum movimento de estabilização no crescimentodesses acordos, mas que tal estabilização se daránum patamar bem superior aos das décadas ante-riores.

Conforme se destacou, uma vez que as novastecnologias associadas ao novo PTE vêm confron-tando a maior parte das empresas com uma que-bra radical de suas trajetórias anteriores, a ne-cessidade de informação proveniente de fontesexternas tornou-se, na década de 80, ainda maiscrucial. Por outro lado, o advento da tecnologia deinformação no bojo do novo paradigma tecno-econômico tanto gerou necessidades de colabora-ção quanto propiciou os meios técnicos para oaprimoramento das networks.

De forma semelhante, ao se viabilizar, gradu-almente, o potencial para interligação dos siste-mas de informação de diferentes organizações —

3.2.4 Redes e Acordos de CooperaçãoTecnológica como EstratégiasCompetitivas e Barreiras à Entrada

GLOBALIZAÇÃO E O PAPEL DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E TECNOLÓGICO

37

com o desenvolvimento e difusão de redes compu-tadorizadas —, ocorreram mudanças na relaçãoentre estas, o que também reforça a idéia de inter-relação entre inovações técnicas e organizacio-nais, as quais são mutuamente determinadas emutuamente dependentes.

Como se apontou, a constituição de tais redespassou a ser vista como a principal inovação or-ganizacional associada ao novo paradigma tecno-econômico das tecnologias da informação. Não épor acaso, portanto, que as conclusões sobre osnovos acordos tecnológicos apontam principal-mente para que:

· o aumento quantitativo e qualitativo das redesde inovações coincide no tempo com a difusão donovo paradigma tecno-econômico;

· os novos acordos de colaboração concentram-se nas principais áreas tecnológicas que estão nocerne desse novo PTE;

· um grande número de empresas vem buscandoexplorar ao máximo as possibilidades de interli-gação/integração de suas atividades internas eexternas;

· o grau de competitividade das empresas (assimcomo de todas as demais organizações) é crescen-temente atribuído à amplitude e eficiência das re-des e sistemas nos quais se inserem; e

· ao invés da redução de custos, a definição deestratégias de longo prazo das empresas explicamelhor o aumento das redes de inovação.

Assim, mesmo que — conforme esperado, com omaior amadurecimento do novo paradigma —ocorra maior internalização das estratégias tec-nológicas das empresas, o avanço conseguido emtermos de suas interligações com o exterior é con-siderado como um atributo cuja permanência sótenderá a ser aprofundada; daí, a associação quemuitos autores fazem dessa tendência à acelera-

38 GLOBALIZAÇÃO E O PAPEL DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E

TECNOLÓGICO

ção do processo de globalização da economiamundial.

Uma interpretação paralela das atuais tendên-cias é proposta por Chesnais (1996), ao apontarque, numa conjuntura de importantes mudanças,como a atual, a concentração de tais alianças podeser vista como um meio de garantir proteção a su-as capacidades de apropriação dos resultados detais mudanças. Tal conclusão é coerente com osdados apresentados nos gráficos 4, 5 e 7 e na tabe-la 2, que mostram que, na verdade, os principais(e quase exclusivos) atores nas alianças de P&D

formadas no âmbito internacional são os grandesconglomerados dos países mais avançados domundo.

De certa forma, a idéia de Chesnais pode serconjugada e vista como resposta à argumentaçãoproposta por Perez (1983) e Freeman e Perez(1988) segundo a qual, num período de grandes eprofundas incertezas e transformações — comoaqueles associados à mudança de PTE —, o regimede apropriação é seriamente enfraquecido, assimcomo o são as chamadas barreiras à entrada, oque dá margem à abertura de janelas de oportunidades.

Alguns autores concluemque as transformações as-sociadas ao advento e à di-fusão do novo paradigma

tecno-econômico e ao processo de globalizaçãoproduziram importantes avanços que vieram apermitir tanto a realização de pesquisas integra-das em escala mundial quanto a difusão rápida eeficiente das tecnologias e conhecimentos gera-dos.

Contudo, os dados e análises atualmente dispo-níveis revelam que apenas no caso da exploraçãode tecnologias se pode falar em tendência à globa-lização. Nos demais casos examinados — geraçãoe realização de acordos de cooperação tecnológica—, verifica-se uma marcante limitação do espaço

3.2.5 Conclusão da Análisedas Evidências quanto àGlobalização da P&D

GLOBALIZAÇÃO E O PAPEL DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E TECNOLÓGICO

39

geográfico onde as informações e conhecimentossão produzidos e circulam. Assim, contrariamen-te à visão mais ou menos difundida sobre umapretensa internacionalização dos esforços e re-sultados do desenvolvimento científico e tecnoló-gico, o padrão que se observa é o de uma concen-tração nitidamente nacional de tais atividades.

Não se pode também confundir o movimento re-lativo à crescente importância de acordos de coo-peração tecnológica industrial com uma supostainternacionalização da P&D. O que ocorre, de fato,é que as possibilidades trazidas pelo desenvolvi-mento das novas tecnologias da informação per-mitiram, particularmente às grandes corpora-ções, a utilização de recursos e insumos tecnoló-gicos espalhados em diversos países e regiões. Aproliferação das alianças tecnológicas internaci-onais certamente ampliou e intensificou tal pos-sibilidade, assim como permitiu a circulação deconhecimentos em nível mundial. Contudo, taisatividades têm-se restringido a um espaço privi-legiado e extremamente concentrado. Concorda-se, portanto, com as teses que concluem que, comas evidências atualmente disponíveis, não se podecomprovar a internacionalização efetiva nem dasatividades de pesquisa nem dos conhecimentoscientíficos e tecnológicos produzidos.

Conforme destaca Cassiolato (1996, p. 3-4), “sum-

ming up, the case for global generation of technology is very weak, global technological co-

llaboration of technology refers to few 'hi-tech areas' and is concentrated on 'Triad countries'

and 'global exploitation of technology' is the only strong case for 'techno-globalism'. Te-

chnologies are increasingly been exploited in foreign markets both embodied in products and

disembodied, for example via transfer of licences and know-how. However, as emphasised by

Archibugi and Michie (1995), the willingness of firms to exploit their innovations in foreign

market does not necessarily mean that they will be successful. As for disembodied technologies

this depends on policies by national governments and firms which can facilitate and foster the

import of technology.”.

Conclusões gerais:

· Os resultados da análise das três hipóteses tes-tadas — exploração, geração e cooperação tecnoló-gica global — são consistentes com a teoria da

40 GLOBALIZAÇÃO E O PAPEL DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E

TECNOLÓGICO

acumulação internacional de tecnologias, que in-dica que o processo de capacitação tecnológica éespecífico, diferenciado e cumulativo e reflete ca-racterísticas de cada país.

· As evidências indicam que particularmente ageração de tecnologias permanece organizadacentralmente dentro das fronteiras nacionais dospaíses de origem das empresas, o que reforça asteses recentes sobre a importância da visão de sis-temas nacionais de inovação [Freeman (1987);Lundvall (1992); Nelson (1993)].

· Os acordos de cooperação tecnológica cresce-ram muito nos anos 80, mas tal crescimento res-tringiu-se aos grandes conglomerados transnaci-onais com origem nos países mais avançados.

· A estratégia desses conglomerados geralmenteé implantar unidades de monitoração nos paísesque possuem recursos científico-tecnológicosmais avançados.

· Configura-se, portanto, a visão da empresa-polvo, que usa seus tentáculos para adquirir e ex-plorar em cada país suas excelências em pesqui-sa, mais propriamente do que descentralizar seucérebro.

· A participação de países menos desenvolvidosno esforço de pesquisa e desenvolvimento mun-dial é muito reduzido — estimado em torno de 2%se a China e os países do Sudeste asiático foremexcluídos desse total [Freeman e Hagedoorn(1993)].

4 O PAPEL DOS GOVERNOS NACIONAIS NAPROMO�O

E NO AUMENTO DO DESENVOLVIMENTOINDUSTRIAL

E DAS ATIVIDADES DE INOVAÇÕES NUMCENÁRIO GLOBALIZADO

Como se apontou, tem sidomuito questionado o papel

4.1 Países Mais Avançados

GLOBALIZAÇÃO E O PAPEL DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E TECNOLÓGICO

41

das políticas nacionais no atual contexto de acele-ração da globalização. Nessa discussão, destacam-se três tendências principais, as quais contribu-em para: (i) acarretar a perda de diversos atributosde soberania nacional econômica e política; e (ii)

desafiar o Estado-nação e sua soberania como o lo-

cus da hegemonia. São elas:

· a ascensão de novas forças (econômicas, polí-ticas, sociais, culturais e outras) em escala mun-dial;

· a crescente sobredeterminação das políticasnacionais a condicionantes externos e suprana-cionais;14 e

· a crescente valorização de políticas tanto supraquanto subnacionais.

Sem objetivar tirar conclusões definitivas so-bre essa questão, que deverá permear a discussãoproposta até o final deste trabalho, cabe inicial-mente argumentar que tais observações e conclu-sões se mostram circulares. Se, por um lado, astendências citadas são vistas como decorrentesdo avanço do próprio processo de globalização,por outro, não se pode esquecer que uma das ra-zões fundamentais para a atual aceleração doprocesso de globalização se refere exatamente às

14 Nessa discussão ressalta-se que, já há décadas, alguns

autores vêm manifestando a preocupação com a maiorexposição das economias nacionais aos mercados inter-nacionais e o menor grau de liberdade dos governos na-cionais. Quanto ao atual maior condicionamento exter-no das políticas econômicas nacionais, Baumann(1996), por exemplo, salienta dois aspectos principais.Em primeiro lugar, aponta a perda de importantes grausde liberdade quanto: à política salarial — uma vez que osrequisitos de competitividade externa exigem preserva-ção de um nível mínimo da relação câmbio/salários; à po-lítica fiscal — crescentemente condicionada pela neces-sidade de manutenção de estímulos à produção de benscomercializáveis; à dimensão do déficit fiscal — limitadopelo nível das taxas de juros; etc. Em segundo lugar,lembra que tais políticas passam crescentemente a terque incluir temas supranacionais, tais como meio ambi-ente, acordos de bitributação. Acrescente-se aqui toda adefinição de regras e acordos que orientam o uso de redese sistemas de informação em nível regional e global.

42 GLOBALIZAÇÃO E O PAPEL DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E

TECNOLÓGICO

transformações que, no quadro político-institucional, se expressaram no avanço da ondaneoliberal. Assim, não é de se estranhar que al-gumas das reflexões que se façam atualmente so-bre as perspectivas de evolução de tal processo re-produzam características e condições semelhan-tes às daquele quadro político-institucional.

Outro aspecto correlato que deve ser considera-do aqui é o reconhecimento da importância cres-cente de políticas nacionais, que buscam adaptar ereorientar os sistemas produtivos ao novo cená-rio. Aliás, ressalte-se que tal aspecto é tido comoparadoxal por muitos autores. Como será melhordetalhado a seguir, argumenta-se neste trabalho —em consonância com as argumentações colocadasno início — que:

· a globalização deve ser vista como um processodialético que envolve importantes questões de di-versidade em várias dimensões; e

· por não considerarem tal fato é que algumasdas constatações sobre as dimensões e caracterís-ticas atuais do processo de globalização se apre-sentam como contraditórias ou paradoxais.

De forma geral, propõe-se a interpretação de taisaparentes paradoxos como dimensões que se so-mam, e não deslocam a condição anterior. Em ou-tras palavras, no caso específico do papel das polí-ticas nacionais no novo cenário, sugere-se queseja realizada uma reflexão, partindo-se do pres-suposto de que mudanças importantes estão ocor-rendo. Importa analisar tais mudanças, identifi-car os novos objetivos e rumos seguidos, para en-tão voltar à discussão sobre sua importância epeso relativos.

Conforme destacaram Lastres e Cassiolato(1995), os países mais avançados têm enfrentadoas mudanças anteriormente descritas de maneiradiferenciada. Particularmente, ressalta-se que aspolíticas em vigor nos países da Organização deCooperação para o Desenvolvimento Econômico

GLOBALIZAÇÃO E O PAPEL DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E TECNOLÓGICO

43

(OCDE) não devem ser confundidas com a geraçãoanterior de políticas industriais e tecnológicas,uma vez que não possuem nem a simplicidadenem a relativa legibilidade daquelas. Mesmo queas novas políticas utilizem certos instrumentostradicionais, recorrem a um número maior emais complexo de instrumentos. Do ponto de vis-ta da complexidade, deve-se enfatizar que as polí-ticas comerciais, industriais e tecnológicas setornaram crescentemente integradas a partir dadécada de 80.

Em praticamente todos os países, os governostêm considerado imperativo contrabalançar ograu elevado de abertura ao exterior que se seguiuà importante redução de barreiras tarifárias, mo-bilizando e desenvolvendo uma ampla gama deinstrumentos, para melhorar a competitividadede suas empresas, tanto no que se refere às expor-tações quanto aos mercados internos abertos àconcorrência externa. Por um lado, reconhece-seque, na maior parte dos países da OCDE, a pressãoda concorrência externa nos oligopólios locais éconsiderada positiva. Porém, uma série de outrosparâmetros é considerada pelos governos locais.Entre estes, destaca-se a preservação dos compo-nentes principais da competitividade nacional,particularmente o domínio e algum grau de auto-nomia em tecnologias consideradas críticas. Aracionalidade para a definição desse parâmetrocombina considerações de todo o tipo — incluindoa questão do emprego e da balança comercial —cujo mix varia de acordo com o país. Um conceito-chave é o reconhecimento de que as políticas depromoção ao investimento produtivo, à tecnologiae ao comércio devem ser consideradas de maneiraholística, conjuntamente, e não de maneira sepa-rada ou alternativa. A interface entre tais políti-cas é particularmente visível nas políticas de

44 GLOBALIZAÇÃO E O PAPEL DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E

TECNOLÓGICO

apoio à exportação e no erguimento das barreirasnão-tarifárias.15

Além de medidas que visam especificamentemelhorar a concorrência externa de empresas lo-cais, os novos instrumentos são os que se direcio-nam a salvaguardar o tecido industrial dos paísesda OCDE e apoiar as atividades de P&D e a difusão deinovações, destacando-se as políticas industriaisregionais. Essas políticas buscam encorajar e fa-cilitar a conversão industrial e a diversificaçãodos recursos locais de capital e trabalho, no casode regiões confrontadas com déficits estruturaisde emprego, tendo em vista sua especialização se-torial anterior em indústrias decadentes, e pro-mover um processo de desenvolvimento passívelde auto-sustentação, em regiões subdesenvolvi-das. Os programas desse tipo foram os que maiscresceram, no âmbito dos países da OCDE, ao longoda década de 80.16

Um segundo tipo de programa valoriza especi-almente o apoio a pequenas e médias empresas.São programas que oferecem vantagens em ter-mos de diminuição de custos (essencialmente pormeio de tratamento fiscal); programas de estímu-lo a ações específicas locais/setoriais, tendo emvista um interesse econômico (criação de empre-gos) ou tecnológico (inovação); e medidas de cará-ter geral, mas dirigidas ao reforço de atividadesespecíficas, tais como fortalecimento da infra-estrutura de informação e comunicações, P&D,programas de automação e recursos para consul-toria em gestão e organização. Cabe também ob-servar, nas políticas adotadas nos países maisavançados, o aumento da preocupação com oapoio a projetos de design. Nesse caso, destacam-se asvantagens do design enquanto instrumento estraté- 15 As barreiras não-tarifárias, ao oferecer a alguns setores

uma proteção efetiva, compensam aquela que foi perdidacomo resultado da eliminação das tarifas e são, de fatoinstrumentos setoriais de política de promoção à compe-titividade.

16 Ver Cassiolato (1996).

GLOBALIZAÇÃO E O PAPEL DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E TECNOLÓGICO

45

gico de promoção da competitividade industrial,particularmente no atual contexto de progressivaglobalização e integração de mercados e de cres-centes requisitos de criatividade, qualidade, fle-xibilidade e seletividade.17

Finalmente, o apoio ao emprego e à formaçãoprofissional tem sido um dos objetivos principaisdos diversos países da OCDE. As iniciativas com-preendem programas dirigidos a todas as empre-sas e destinados a auxiliar o financiamento deatividades de formação, por meio de renúncia fis-cal, e de programas específicos em favor do inves-timento e da criação de emprego.

No âmbito do apoio à inovação, e retomando adiscussão sobre o novo papel das políticas públi-cas nacionais, um ingrediente novo soma-se àsargumentações sobre a sua menor importânciarelativa. Nesse caso, alguns autores — particu-larmente norte-americanos, possivelmente influ-enciados com a recente experiência dos EUA — vêmdestacando que as tentativas, por parte de gover-nos nacionais e empresas, de apropriarem-se dosfrutos dos programas nacionais de P&D tendem anão alcançar êxito.

O corolário dessa hipótese é que políticas tecno-lógicas nacionais têm-se tornado obsoletas. Con-forme argumentam Nelson e Wright (1992, p.1961), “a implementação de políticas tecno-nacionalistas não parece capaz de obter sucessonum mundo globalizado... Torna-se crescente-mente difícil criar novas tecnologias e pensar queessas permanecerão contidas dentro de frontei-

17 Dentre as funções do design que permitem atender aos obje-

tivos de melhoria das condições de competitividade, res-saltam-se: aprofundar e acelerar a capacidade das em-presas em simplificar e otimizar processos de produção— reduzindo prazos e barateando custos de fabricação;agregar valor, qualidade, funcionalidade e identidadeaos bens e serviços produzidos; explorar nova fronteirade sua diferenciação; estreitar as relações intra e entreorganizações e com clientes; e reduzir o tempo de desen-volvimento e lançamento de novos produtos e serviços.Para maiores detalhes, ver Lastres et al. (1996).

46 GLOBALIZAÇÃO E O PAPEL DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E

TECNOLÓGICO

ras nacionais por tempo considerável num mun-do onde ... empresas de muitas nacionalidades es-tão prontas a realizar os investimentos necessá-rios para a sua exploração”.

Análises recentes para discutir criticamente talargumento têm sido realizadas. Fransman(1995) utiliza o caso da resposta japonesa à globa-lização na área de política tecnológica. Focaliza-seo sistema japonês de C&T — considerado como umdos últimos entre os países mais avançados a glo-balizar-se —, apontando-se que, apesar de essa di-nâmica no Japão ser menos intensa, o grau de suainternacionalização aumentou significativamen-te na última década. Alerta-se, no entanto, para ofato de que tal dinâmica não resultou em diminui-ção da importância da política de P&D promovidapelo governo japonês. Ao contrário. O trabalhoprocura, então, discutir as novas característicasdas políticas implementadas, assim como as im-plicações das novas formas de intervenção paraos países ocidentais.

Cinco principais conclusões são destacadas coma análise da atual postura do governo quanto à po-lítica nacional de P&D e ao exame de possíveis li-ções para outros países:

1 — No atual estágio — frontier-sharing stage —, o governojaponês (e o MITI em particular) continua conside-rando possuir papel vital na promoção do desen-volvimento das áreas científico-tecnológicas con-sideradas vitais para a competitividade mundialfutura das empresas japonesas — em particularna pesquisa básica em áreas de fronteira científi-ca.18

18 São também correlacionados e discutidos dois aparentes

paradoxos. O primeiro é relativo à constatação de que, nocaso japonês, a participação do governo nos gastos naci-onais em P&D é muito inferior à dos países concorrentes.O segundo refere-se ao denominado MITI paradox — como podeesse ministério ter tanta influência na área de C&T secontrola apenas 13% do orçamento governamental para aárea? Como resposta, indica-se: (i) a importância que o MITI

possui junto aos setores e empresas mais dinâmicos do

GLOBALIZAÇÃO E O PAPEL DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E TECNOLÓGICO

47

2 — Foram mantidos e reforçados os programasnacionais de P&D colaborativos, alguns dos quais,que operam em áreas de pesquisa básica, foramabertos à participação estrangeira, mantidos, po-rém, seus objetivos nacionais. Adicionalmente,novos programas internacionais foram lançados— Human Frontier Program, Space Station Program, Intelligent Manufacturing Program eHigh Temperature Superconductivity Program — cujos objetivos e modus ope-

randi são negociados entre as partes envolvidas,mas que são, acima de tudo, orientados para ma-croobjetivos nacionais.19

3 — Tais experiências mostram que é possívelformular e implementar políticas que venham aconferir vantagens e superioridades a um con-junto de empresas em determinadas áreas tecno-lógicas, mesmo que haja vazamento para concor-rentes. Isso porque parte das capacitações desen-volvidas permanecerá tácita e intransferível;conforme já se viu, não são bens públicos gratui-tamente disponíveis. Partes desses novos conhe-cimentos apenas serão detidos por aqueles parti-cipantes efetivos do esforço de P&D. Assim, consi-dera-se que, além do suposto lapso de tempo, aparcela do conhecimento que realmente pode va-zar dos programas colaborativos é significativa-mente restrita pelo grau de intransferibilidadeenvolvido.

4 — A conclusão geral é que, no Japão, os pro-gramas nacionais de P&D colaborativos foram vi-áveis nos anos 80, assim como o são no mundoglobalizado dos anos 90, após sofrerem adapta-ções e reformulações.

5 - Coloca-se, então, que, tendo em vista essa ex-periência, todos os argumentos — com a exceçãodo aspecto específico sobre as ligações particula-res existentes dentro das cadeias produtivas ja-ponesas — cabem e são também verdadeiros no

país; e (ii) seu poder de controlar uma vasta rede de infor-mação dentro e fora do Japão.

19 Para uma análise do processo de definição e implemen-tação do High Temperature Superconductivity Program, ver Lastres (1994).

48 GLOBALIZAÇÃO E O PAPEL DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E

TECNOLÓGICO

caso de outros países ocidentais mais avançados.Reforça-se, então, a conclusão de que programasde P&D orientados para a obtenção de resultadosnacionais continuam sendo viáveis num mundoglobalizado.

Também contrariamente à hipótese de enfra-quecimento, em nível nacional, das políticas depromoção à inovação, cabe observar um cresci-mento real nos orçamentos de P&D, na maior partedos países da OCDE, nos anos 80 e início dos anos90. Como resultado, e conforme mostra o gráfico8, nas últimas duas décadas, os países mais avan-çados — que já vinham praticando políticas depromoção à P&D de forma significativa — aumen-taram ainda mais seus esforços, atingindo níveisde gastos próximos a 3% de seus PNB.20

GRÁFICO 8Gastos em P&D/PNB em Países Selecionados

da OCDE — 1975/92

20 Cabe, no entanto, observar que tal acréscimo deve mais

propriamente ser compreendido como uma resposta àsexigências de um período de importantes transforma-ções tecnológicas, organizacionais e institucionais — ca-racterizado como mudança de paradigma tecnológico —,do que como a conformação de um novo padrão geral decomportamento.

%

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49

EUA Japão Alemanha França Itália Canada

0

1

2

3

75

80

85

90

92

Fonte: Lastres e Cassiolato (1995). Fonte original de dados: National Sci-ence Foundation (1995).

Assim, argumenta-se que a questão maior quedeve mobilizar o debate não é se políticas tecnoló-gicas com objetivos nacionais estão ou não se tor-nando obsoletas, mas, sim, quais são as principaisadaptações e reformulações que tais políticas es-tão sofrendo, incluindo aquelas referentes à defi-nição de seus novos objetivos, recursos, instru-mentos e parceiros envolvidos. Assim, talvezmais importante que esse crescimento nos orça-mentos para P&D, na maior parte dos países daOCDE, nos anos 80 e início dos 90, salienta-se ter-severificado uma mudança na estrutura geral daspolíticas governamentais de apoio à inovação.

Levantamento efetuado pela OCDE identificoutrês tipos de programas de apoio às atividades deP&D e à difusão de inovações. O primeiro, de cará-ter geral, visa obter reduções nos custos de P&D

para as empresas, sobretudo por meio de vanta-gens fiscais. Normalmente, têm sido complemen-tados por subsídios suplementares, se tais ativi-dades são efetuadas sob certas condições (proje-

1975

198019851990

Canadá

50 GLOBALIZAÇÃO E O PAPEL DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E

TECNOLÓGICO

tos de cooperação com outras empresas, univer-sidades e centros de pesquisas, projetos interna-cionais, etc.). A tendência mais importante é a deencorajar as modalidades mais interativas.

O segundo tipo — apoio a tecnologias específicas— tende a se concentrar num número relativa-mente pequeno de áreas tecnológicas, principal-mente em informática e segmentos correlatos, enovas formas de energia. Finalmente, o terceirotipo visa reforçar os investimentos em P&D de pe-quenas e médias empresas, dirigidos particular-mente ao aproveitamento de capacitações e vanta-gens locais. Esses programas, que aumentaramsignificativamente ao longo dos anos 80, visam,na maior parte dos casos, estimular o acesso detais conjuntos de empresas a capacitações já exis-tentes no país.

Adotando um enfoque sistêmico, o principal objetivo dasatuais políticas nacionais e regionais para C&T,nos países mais avançados, tem concentrado-seem: (i) rapidamente identificar importantes opor-tunidades tecnológicas futuras; (ii) aumentar a ve-locidade na qual a informação flui através do sis-tema; (iii) rapidamente difundir os novos conheci-mentos adquiridos; e (iv) aumentar a conectividadedas diferentes partes constituintes dos sistemasde C&T, para ampliar e acelerar o processo deaprendizado.

Tais objetivos têm sido perseguidos de maneiraconjunta, especialmente por meio da mobilizaçãode redes de inovação, a qual tem-se constituído noobjetivo central da política governamental dos pa-íses mais avançados nos anos recentes. No finaldos anos 80, quatro quintos do orçamento do go-verno japonês para P&D foram alocados para pro-jetos de colaboração tecnológica, enquanto cercade dois terços do orçamento de pesquisa da UniãoEuropéia foram desembolsados nessa forma paraa promoção das novas tecnologias genéricas.

Contudo, ressalta-se a importância dos novosespaços abertos para a definição e implementação

GLOBALIZAÇÃO E O PAPEL DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E TECNOLÓGICO

51

de políticas subnacionais, articuladas a propostasde como mobilizar, de forma mais ampla, as capa-citações e potencialidades identificadas no níveldos diferentes sistemas locais de inovação. Tais políticas vêmatraindo crescente atenção, sobretudo no caso depaíses com vastas dimensões territoriais e quepossuem graves desequilíbrios regionais. Maisuma vez, salienta-se a importância de não se to-mar tal tendência como antagônica à evolução doprocesso de globalização ou à importância dos sis-temas nacionais de inovação. Nesse sentido, res-salta-se principalmente que: (i) tais políticas sub-nacionais são apoiadas por fundos e orientaçõesdeterminadas nas esferas nacional e supranacio-nal; e (ii) geralmente são mais bem-sucedidas quan-to mais bem-articuladas estejam com tais orienta-ções.

Assim, destaca-se que a intensidade na qual épossível fazer uso das diferentes fontes de conhe-cimento e oportunidades é crescentemente vistacomo determinada organização da pesquisa naindústria e em outros aspectos sociais e organiza-cionais dos sistemas local, nacional e regional de inovação. Nessa visãosistêmica, o desempenho competitivo de uma em-presa, indústria ou nação é visto não apenas con-dicionado por fatores internos à empresa, mastambém por fatores meso-estruturais e macroes-truturais, que podem favorecer e aperfeiçoar acapacidade de acumulação tecnológica das em-presas. Entre estes, incluem-se: as formas de or-ganização e inter-relação dos complexos e setoresindustriais; o sistema de educação superior e depesquisa científica e industrial; o nível da forçade trabalho; os níveis e padrões de investimento; oquadro legal e político; as características do mer-cado interno; e as condições das demais esferasrelacionadas ao contexto local, nacional e inter-nacional no qual se dá o fluxo de comércio e inves-timento e as inovações são geradas e difundidas.

Por outro lado — e retomando parte da discus-são iniciada sobre os aspectos da diversidade en-volvidos no processo de globalização —, vários es-

52 GLOBALIZAÇÃO E O PAPEL DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E

TECNOLÓGICO

tudos destacam que a ênfase sobre sistemas lo-cais, nacionais e regionais deve ser posta emperspectiva histórica. Conforme salientado porHumbert (1994, p. 454), “today’s competitiveness is built upon the

past and, in turn, shapes the future... a major element for achieving an adequate societal fra-

mework and its effective use is state intervention ... Designing industry-specific policies to

create resources within the national territory and, at the same time, take into account the glo-

balization issue demands a genuinely systemic approach”.

Numa linha semelhante, Nelson (1991, p. 19),argumenta que “it is now possible to begin to see industries in a more complex

way, as systems involving a mix of institutions, some private, and some public. ... The orienta-

tion here should be understood not as an alternative to a focus on firms, or the macroecono-

mic climate, but as a level of analysis in between and complementary to both”.

Destaca-se ainda que, conforme salientado na li-teratura sobre economia da inovação, muitas dasvantagens que os novos paradigmas tecno-econômicos tornam possíveis dependem de ex-tensas mudanças estruturais e institucionais nosvários níveis de tal sistema.21 Salienta-se, portan-to, nessa discussão, que a adaptação da economiatenderá a se transformar num processo lento e do-loroso, se deixado por si só, principalmente emperíodos de mudanças tecnológica e institucionalradicais. O papel de políticas públicas para esti-mular a promoção e renovação do processo cumu-lativo de aprendizado é particularmente destaca-do em tais ocasiões.

Nesse sentido, ressalta-se que, em alguns dosprincipais debates atuais sobre o enfraquecimen-to dos Estados-nação e sua capacidade de formu-lar políticas nacionais, as teses que colocam asinstâncias locais, nacionais e supra-nacionaiscomo opostas à globalização são apontadas comofalsas. Em particular, autores europeus vêm des-tacando o novo papel dos Estados-nacionais de sepronunciarem e definirem políticas domésticas,tanto nacionais quanto subnacionais, crescente-

21 Ver Freeman (1987); Lundvall (1992); Nelson (1993);

Lastres (1994); Mello (1996).

GLOBALIZAÇÃO E O PAPEL DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E TECNOLÓGICO

53

mente articuladas em blocos regionais.22 O erro,apontam esses autores, estaria em tomar tal ten-dência como antagônica à experiência anterior.

Reconhece-se que a atual fase de aceleração doprocesso de globalização certamente traz novosdesafios à definição e implementação de projetose políticas nacionais. Porém, deve-se ressaltarque, ao mesmo tempo, abrem-se novas oportuni-dades, as quais são melhor aproveitadas exata-mente pelas sociedades que têm coesão, estratégiae políticas eficientes para delas tirar proveito. As-sim, o objetivo de equacionar tais desafios deveser visto não em contraposição à alternativa de sedefinirem políticas nacionais, mas como novo es-paço para sua realização. Argumenta-se que, aoinvés de perderem sentido, as políticas nacionaispassam a ter seu alcance, desenho, objetivos e ins-trumentos reformulados, visando ao atendimen-to dos novos requerimentos impostos por um con-junto de fatores associados, no qual se inclui aaceleração do processo de globalização.

A conclusão geral é, portanto, que o debate nessaárea deveria evoluir da argumentação sobre sepolíticas nacionais estão ou não se tornando obso-letas para uma discussão aprofundada sobre asprincipais adaptações e reformulações que devemsofrer para melhor enfrentarem os novos desafi-os. Particular atenção deve ser dada ao objetivo deos projetos e políticas nacionais articularem acrescente importância conferida às dimensõessub e supra-nacionais.

Os desafios e impasses en-frentados pelos países me-

nos avançados diante do processo de aceleraçãoda globalização são semelhantes, e até mais sé-rios, do que aqueles identificados no caso dos paí-ses mais avançados. Salienta-se aqui a argumen-tação daqueles autores que vêem como conse-qüência do avanço do processo de globalização: o

22 Ver, por exemplo, Archibugi e Michie (1995).

4. 2 Países Menos Avançados

54 GLOBALIZAÇÃO E O PAPEL DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E

TECNOLÓGICO

acirramento das disparidades e a aceleração doprocesso de polarização entre regiões, países egrupos sociais (ricos e pobres em informação; in-tegradas e não-integradas globalmente). Nessecaso, ressalta-se, por um lado, a preferência pelaatuação nos mercados que dispõem de renda quelhes garanta relevância em nível mundial, de in-fraestrutura, e que adotam normas trabalhistas,ambientais e tributárias consideradas mais atra-tivas, flexíveis ou competitivas. Por outro lado,aponta-se para a paulatina marginalização e ex-clusão daqueles mercados e segmentos de merca-do que não oferecem tais condições.

No capítulo seguinte, serão discutidos algunsdos principais desafios atualmente enfrentadospela economia brasileira, os quais, em muitossentidos, são parecidos com os de outros paísesem condições semelhantes. De forma resumida,esses desafios referem-se à exigência de definir eimplementar uma estratégia de desenvolvimentoindustrial em um cenário em que, internacional-mente, rediscutem-se e redefinem-se o papel e oformato das novas políticas nacionais para apromoção do desenvolvimento industrial, assimcomo o próprio papel e tamanho do setor gover-namental. Nesse processo, salienta-se, particu-larmente, estar sendo quebrada a tradição anteri-or de forma de intervenção do Estado, de se estarreestruturando o próprio aparelho de Estado e de se mu-dar de posturas altamente protecionistas para ou-tras radicalmente opostas de abertura econômicae promoção de competitividade internacional —na maioria dos casos, de forma drástica e intem-pestiva, sem as necessárias medidas compensa-tórias e de ajuste gradual.23

No caso específico das políticas de promoção àinovação, observa-se o surgimento de uma dis-cussão mais específica, tendo em vista a condição

23 Nesse caso, cabe inteiramente o dito que, em inglês, se re-

fere ao processo de jogar fora o bebê junto com a água uti-lizada para banhá-lo.

GLOBALIZAÇÃO E O PAPEL DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E TECNOLÓGICO

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de país mais ou menos avançado. Conforme sedestacou, contrariamente à visão mais ou menosdifundida sobre uma possível internacionaliza-ção dos esforços, insumos, meios e resultados dodesenvolvimento de inovações, o padrão que seobserva é o de concentração das atividades consi-deradas mais estratégicas para o desenvolvimen-to industrial. Os dados e as evidências disponí-veis indicam que tais atividades têm-se restringi-do a um espaço privilegiado e extremamente con-centrado, e não se verifica a internacionalizaçãoefetiva nem das atividades de pesquisa nem dosconhecimentos científicos e tecnológicos por es-tas produzidos. Assim, talvez a questão mais im-portante quanto aos impactos da globalização so-bre os países menos avançados refira-se à suamarginalização quanto às tais atividades estraté-gicas, dentre as quais se destacam as atividadestécnico-científicas.

Identificado esse problema, um conjunto de po-sicionamentos são explicitados. Nesse conjunto,incluem-se aqueles que descartam a possibilidadede o pequeno esforço em P&D realizado nos paísesmenos avançados vir a constituir-se em um pro-blema relevante, digno de preocupações; assimcomo aqueles que sustentam que políticas tecno-lógicas nacionais têm-se tornado obsoletas nummundo crescentemente globalizado.24 Descartan-do ambos os posicionamentos, verifica-se, ainda,outra controvérsia que tem orientado os debates einfluenciado as políticas de desenvolvimento in-dustrial e tecnológico desenhadas e postas emprática nos países menos avançados nos últimosanos.

Tal controvérsia vem se estabelecendo entretrês correntes principais:

· uma primeira corrente argumenta que tal situ-ação já está e continuará mudando rapidamente

24 Nesse último caso, os argumentos e conclusões são seme-

lhantes aos discutidos na seção 4.1.

56 GLOBALIZAÇÃO E O PAPEL DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E

TECNOLÓGICO

nos próximos anos, devido à intensificação doprocesso de globalização industrial e tecnológica,em que a ampliação das redes de cooperação — quepassa paulatinamente a englobar também os paí-ses menos avançados — é vista como um dos me-canismos para tal;

· uma segunda corrente destaca que o problemafundamental refere-se às possibilidades de im-portação de tecnologias — considerado como omais crítico recurso para promoção do desenvol-vimento nos países menos avançados —, e nãopropriamente ao esforço interno em inovação.Conforme destacam Freeman e Hagedoorn(1993), as análises do Banco Mundial e da OCDE

geralmente apóiam esse tipo de pensamento e,portanto, propõem medidas condizentes; e

· uma terceira corrente advoga que o fortaleci-mento da capacitação técnico-científica interna éuma condição fundamental para o desenvolvi-mento de qualquer país, inclusive os menos avan-çados. Tal condição é também vista como neces-sária para permitir a própria participação nas re-des de cooperação e/ou a importação de tecnologiade maneira eficiente.

A seguir, propõe-se refletir sobre tais idéias,possibilidades e propostas, fazendo uso dos dadosempíricos antes discutidos, assim como de outrosque podem auxiliar na caracterização das ten-dências atuais.

Ao considerarmos as tendências tanto em ter-mos de esforços de P&D realizados nos países me-nos desenvolvidos, quanto de sua participaçãonos arranjos de cooperação e redes de inovação(conforme se viu com destaque nos gráficos 4 e 7),chega-se à conclusão de que os dados mostram re-duzida internacionalização efetiva das atividadesde P&D. Adicionalmente aos dados analisados,cabe destacar as conclusões de estudos recentessobre a atividade de patenteamento no Brasil, asquais sugerem que, na última década: (i) tem-semanifestado diminuição dos esforços de patente-

GLOBALIZAÇÃO E O PAPEL DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E TECNOLÓGICO

57

amento no país; (ii) o número de patentes concedi-das a indivíduos e empresas domiciliados no paíscontinua sendo muitas vezes inferior àquele dasconcedidas a não-residentes; e (iii) entre o total depatentes de invenção cooperativas depositadas nopaís, é muito pequena a participação de empresasbrasileiras.

Conforme mostra o gráfico 9, no período1985/95, o número de patentes concedidas anu-almente caiu de cerca de 4 mil para cerca de 2500. Verifica-se, ainda, no mesmo período, a ex-tremamente reduzida participação de patentesconcedidas a residentes no país, as quais repre-sentam, em média, 20% no período. Já o gráfico10 mostra a participação de patentes brasileirasno total de patentes de invenção cooperativas de-positadas no período 1990/95. Em média, nesseperíodo, cerca de apenas 8% das patentes de in-venção cooperativas depositadas envolviam resi-dentes no país.

GRÁFICO 9Patentes de Invenção Concedidas no Brasil a

Residentes e Não-Residentes — 1985/95

58 GLOBALIZAÇÃO E O PAPEL DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E

TECNOLÓGICO

1985

1986

1987

1988

1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

0

500

1000

1500

2000

2500

3000

3500

4000

ñ-residentes

residentes

Fonte: Lastres (1997). Fonte original de dados: Albuquerque e Macedo(1995).

GLOBALIZAÇÃO E O PAPEL DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E TECNOLÓGICO

59

GRÁFICO 10Patentes de Invenção Cooperativas Depositadas

no Brasilsegundo Países e Blocos Econômicos — 1990/95

E uropa

EUA

Japão

Bras ilOutros

Aus trália e Ás ia

E uropa e Japão

E uropa e E U A

Fonte: Lastres (1997). Fonte original de dados: Maldonado (1996).

Tais dados estão em consonância com os discu-tidos anteriomente, os quais mostram, por umlado, a marginalização dos países menos avança-dos na atual dinâmica de geração de tecnologias e,por outro, que o que vem na verdade alcançandouma dimensão global é a possibilidade de utiliza-rem-se, nos diferentes países, as tecnologias des-envolvidas principalmente nos países mais avan-çados.

Conclusões semelhantes são alcançadas na dis-cussão sobre globalização das redes de inovação: oque se observa, na prática, é que não se trata pro-priamente da mundialização dessas redes, mas,sim, do aprofundamento do processo de triadização.Vale inclusive destacar que, nessa discussão, re-conhece-se consensualmente que programas coo-perativos são insuficientes para, sozinhos, trans-formarem a capacidade inovativa das institui-ções envolvidas. Para a efetiva utilização dos re-sultados da pesquisa desenvolvida externamente,requer-se o desenvolvimento de capacitação sufi-

60 GLOBALIZAÇÃO E O PAPEL DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E

TECNOLÓGICO

ciente nas empresas. Se falta tal capacitação in-terna, a pesquisa cooperativa geralmente não temtrazido resultados positivos.

Destaca-se que as várias formas de aquisição detecnologia de terceiros — inclusive acordos de co-operação, licenciamentos e outras formas detransferência de tecnologia interempresas — nãopodem ser vistas como possíveis substitutos paraatividades inovativas endógenas. Conforme sedestacou, a construção de bases internas de pes-quisa e desenvolvimento, por parte das empresas,é vista como condição necessária tanto para a efe-tiva importação/absorção de tecnologias, quantopara a participação em esforços colaborativos.

Ressalta-se, sobretudo, nessa discussão, que osprocessos de colaboração envolvem importantesprincípios da reciprocidade, relativos às expecta-tivas dos agentes em obterem mais benefíciosatuando de forma coletiva do que isoladamente.Tais benefícios no plano econômico traduzem-seem redução de incertezas e custos, redução do pe-ríodo entre invenção e inovação, promoção demais rápido acesso a informações e conhecimen-tos, ampliação de mercados, etc.

Conforme ressaltou por Erber (1994), a coope-ração tem efeitos de aglutinação — entre agentescapazes de oferecerem-se benefícios e ameaçasrecíprocas — e, simultaneamente, efeitos de ex-clusão, ao rejeitar agentes que não oferecem nembenefícios nem representam ameaças a outros.Não é por acaso, portanto, que as conclusões sobreos novos acordos de cooperação comprovam aspremissas enunciadas. Ressalta-se aqui princi-palmente que, nos anos recentes:

· As empresas mais ativas na realização de taisacordos têm sido, em geral, grandes e diversifica-dos conglomerados — muitos dos quais dispõemde recursos para P&D em volumes superiores aosorçamentos nacionais que vários países dedicamà área —, e aquelas pequenas empresas que ope-ram em áreas de alta densidade tecnológica.

GLOBALIZAÇÃO E O PAPEL DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E TECNOLÓGICO

61

· Em sua grande maioria, essas empresas têm,como origem, os países avançados pertencentes àTríade.

· A grande exceção, em termos de participaçãodos chamados países em desenvolvimento nosnovos acordos de cooperação tecnológica, refere-se ao caso dos países do Sudeste asiático, que vêmaumentando, de forma significativa e contínua,seus gastos em P&D desde a década de 70.

Destacam-se, ainda, as contribuições discutidasanteriormente, as quais apontam para o fato deque, numa conjuntura de importantes mudançascomo a atual, as alianças podem ser vistas comomeios, praticados particularmente pelas grandesempresas transnacionais, de fechamento daschamadas janelas de oportunidades, para garantir proteçãoàs capacidades de apropriação dos resultados detais mudanças.

Adicionalmente, ressalta-se que as alteraçõesdescritas resultaram também na redefinição dascondições de acesso, aquisição e utilização de no-vas tecnologias, por meio de canais internacio-nais, por parte dos países em desenvolvimento.Tais países vêm encontrando atualmente crescen-tes problemas nos seus esforços para adquirir eintroduzir inovações geradas pelas economiasindustriais mais avançadas [Lastres e Cassiolato(1995)].

Além dessa característica correlata do atualcontexto internacional, que tem afetado significa-tivamente as condições de acesso a novas tecnolo-gias por parte dos países em desenvolvimento —as mudanças na estrutura de produção e comérciointernacional, com a formação de blocos regio-nais de comércio, em que, entre outras coisas, in-centivam-se as parcerias produtivas, comerciaise tecnológicas —, outras têm sido salientadas.

Acima de tudo, vale destacar que, além dos au-mentos na complexidade e especificidade dasinovações e dos gastos em P&D, aumentaram

62 GLOBALIZAÇÃO E O PAPEL DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E

TECNOLÓGICO

também significativamente as conseqüênciaseconômicas e políticas de, em quase todos os paí-ses do mundo, se haver colocado como cerne daestratégia competitiva: (i) a capacidade de rapida-mente gerar, introduzir e difundir inovações; e (ii)

as indústrias intensivas em tecnologias.

Não é por acaso, portanto, que, conforme mostrade forma bem nítida o gráfico 7, os acordos detransferência de tecnologia, com empresas dospaíses menos avançados, são muito pouco signifi-cativos — apenas 5% dos acordos registrados nadécada dos 80. Mais grave ainda, o gráfico mostraque a sua participação no todo caiu de 5,3%, naprimeira metade da década, para 4,8%, na segun-da metade. Tais evidências contrariam as pre-missas e possibilidades enunciadas no início des-ta seção.

Contudo, cabe também ressaltar que, num am-biente intensa e crescentemente dinâmico (comoo atual), os níveis de competitividade são rapida-mente erodidos, e a base para se entrar em novosmercados torna-se rapidamente inadequada paraneles se manter ou se expandir, ou se diversificaralém deles. Salienta-se, particularmente, que, emtrajetórias de mudanças tecnológicas aceleradas econtínuas, qualquer atividade pontual e estanque(refira-se esta tanto ao fomento ao desenvolvi-mento tecnológico autóctone quanto à importaçãode tecnologia) pode contribuir apenas temporari-amente (se é que tanto) para a criação de posiçõescompetitivas.

Acima de tudo, argumenta-se que o fortaleci-mento da infra-estrutura e da capacitação técnico-científica, em qualquer país, é uma condição sine qua

non para seu desenvolvimento. Nesse mesmo sen-tido, Freeman e Hagedoorn (1993, p. 16) adver-tem que não devem ser vistas — e em particularpor parte dos organismos internacionais de fi-nanciamento — como: “an expensive luxury nor an alternative to imported

technology. Research is the most important form of learning”.

GLOBALIZAÇÃO E O PAPEL DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E TECNOLÓGICO

63

Comentando suas conclusões com outras obti-das com a realização de um estudo, no qual os au-tores estiveram envolvidos, sobre as possibilida-des de desenvolvimento em 2010, destacam, ain-da, que “the strengthening of the scientific and technical competence of Third World

countries cannnot be left simply to occur spontaneously as a result of the activities of multina-

tional corporations and other market forces. Sustainable development will require strong pu-

blic policies oriented towards environmental as well as growth objectives” [Freemane Hagedoorn (1993, p. 48)].

Tais conclusões indicam, portanto, a importân-cia de se estabelecerem políticas específicas paraestimular a capacitação técnico-científica dos di-ferentes países, em uma perspectiva que conside-re tanto os novos desafios propostos pela intensi-ficação do processo de globalização e as experiên-cias e tendências observadas quanto as especifi-cidades e potencialidades nacionais e subnacio-nais.

5 ALGUNS IMPACTOS DO PROCESSO DEGLOBALIZAÇÃO NO BRASIL

A análise do impacto do processo de globaliza-ção na indústria brasileira, durante a primeirametade da década de 90, revela o seguinte dia-gnóstico [Coutinho (1996); Haguenauer, Ferraz eKupfer (1996); Bielschowsky e Stumpo (1996);Gonçalves (1996)]. Em primeiro lugar, ressalta-se que, em resposta ao contexto de abertura comestabilidade econômica, verificaram-se cortes depessoal, de custos fixos e de administração,acompanhados de racionalização da produção eterceirização de atividades e segmentos auxilia-res (em alguns casos tais atividades passaram aser supridas pelo mercado externo). Como decor-rência, registram-se alguns ganhos de produtivi-dade, economia de capital de giro, enxugamentodas estruturas administrativas e adoção de pro-cessos gerenciais mais eficientes em grande parteda indústria.

64 GLOBALIZAÇÃO E O PAPEL DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E

TECNOLÓGICO

Em segundo lugar, ressalta-se que, nos seto-res/complexos mais avançados do país, foram in-clusive deslanchados processos de networking para tráse para frente, envolvendo, respectivamente, forne-cedores e distribuidores, para reduzir custos/estoques e ganhar rapidez de resposta na oferta denovos produtos. Em contrapartida, salienta-se que,em outros casos, a formação de redes foi altamentedesgastante para os fornecedores, e algumas ativi-dades foram terceirizadas.

Ressalta-se, ainda, que, apesar da marcante eágil capacidade de convivência (e de sobrevivên-cia, em muitos casos) em face da crise econômicae suas oscilações, não foi possível, aos gruposeconômicos privados, realizar avanço significa-tivo em matéria de centralização do capital. As-sim, não cresceu significativamente o porte dosgrandes grupos que operam no país, de tal formaque se agravou a defasagem entre o seu tamanho ea escala necessária para operar e competir glo-balmente. Como decorrência, o Brasil não dispõede empresas/grupos de porte global, o que repre-senta um fator de fragilidade, particularmentenos setores em que a escala empresarial é rele-vante para a competição.

Conclui-se, portanto, que: (i) a longa crise de umadécada não permitiu que a economia brasileirapudesse acompanhar ofensivamente o processode aprofundamento da integração econômicamundial; e (ii) as condições conjunturais e estrutu-rais brasileiras em face da globalização, em mea-dos da década de 90, são de evidente fragilidade,considerando principalmente:

· A fragilidade competitiva da indústria em to-dos os complexos de alto conteúdo tecnológico evalor agregado, com competitividade reveladaapenas em setores produtores de commodities de eleva-da escala de produção, baixo valor agregado, in-tensivas em recursos naturais, insumos agríco-las e energia.

GLOBALIZAÇÃO E O PAPEL DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E TECNOLÓGICO

65

· A fragilização do desempenho comercial ex-pressa no crescente déficit da balança comercial.

· A crescente vulnerabilidade de financiar umelevado déficit em transações correntes, com a en-trada da capitais de perfil relativamente curto.

· O atraso da centralização dos capitais e a de-pendência de recursos fiscais ou de endividamen-to externo para sustentar a acumulação, causadospela profunda regressão doméstica de financia-mento de longo prazo.

· A dificuldade de retomar o crescimento eco-nômico acelerado, dado, inclusive, que a distorçãodas condições de competitividade industrial —causada pela combinação câmbio desvalorizado ejuros altos — põe em risco o futuro de grande nú-mero de setores/atividades.

Como talvez conseqüência mais nítida de talprocesso, destaca-se que o peso das importaçõessobre a produção — que já vinha crescendo pro-gressivamente desde o início da década, como re-sultado da abertura econômica promovida pelogoverno Collor — elevou-se ainda mais a partir daimplantação do programa de estabilização, o quegerou um processo de desindustrialização e des-nacionalização em vários setores da economia.Estudos recentes mostram índices preocupantesde coeficiente de penetração das importações, talcomo o relativo ao setor de bens de capital seria-dos e bens eletrônicos, cujo coeficiente passou de29%, em 1993, para cerca de 70%, em 1996.25

Aponta-se particularmente para as dificuldadesinerentes à ausência de uma política industrial etecnológica e à crença de que a abertura econômi-ca, por si só, poderia gerar condições para a eleva-ção da competitividade da indústria brasileira. Oabandono dos antigos mecanismos de proteção domercado e a abertura abrupta e indiscriminada,sem a adoção de políticas compensatórias para a

25 Ver, por exemplo, Cassiolato e Lastres (no prelo).

66 GLOBALIZAÇÃO E O PAPEL DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E

TECNOLÓGICO

promoção da modernização e consolidação doparque industrial e do desenvolvimento da capa-citação tecnológica, são considerados como pos-síveis agravantes do quadro de vulnerabilidade, enão como um reforço ao fortalecimento da compe-titividade.

Além disso, chama-se atenção para o fato de ogoverno encontrar-se desaparelhado para articular, im-plementar e coordenar tal política. Alguns auto-res, preocupados com questões como essas, para-fraseiam Schumpeter em sua visão de ventos da destruição

criadora, aludindo às perdas e reajustes ocorridos nosvários níveis de uma economia, em épocas de mu-danças radicais. Nessa linha, Tigre (1993), porexemplo, termina sua análise sobre a política in-dustrial brasileira nos anos 80 e 90 alertandopara os graves problemas de, em momentos tãocruciais como os ligados à mudança de paradigmatecno-econômico, haver-se verificado muito dedestruição, e muito pouco de criação.

Além das dificuldades inerentes ao quadro polí-tico-institucional, aponta-se para outras de ordemmais imediata e pragmática. Talvez a mais con-sensual nesse debate seja que, com a proteção tari-fária já reduzida e as taxas de câmbio e juros ele-vadas, torna-se difícil a adoção de contínuos pro-cessos de restruturação industrial, para permitira competição nos mercados mundiais. Como con-seqüência, crescem as demandas e pressões porproteção, por esquemas casuísticos de fomentosetorial e por incentivos fiscais — o que gera ver-dadeiras guerras entre estados e municípios —, osquais, evidentemente, não podem ser estendidos atodos.

Como decorrência, e como, por exemplo, argu-menta Coutinho (1996, p. 232), “beneficiam-se oslobbies melhor estruturados, com maior capacidadede articulação política, capazes de extrair do Es-tado a concessão de políticas excepcionais. Ao in-vés de viabilizar uma política isonômica e estimu-lante, de incentivo sistêmico à busca de competi-

GLOBALIZAÇÃO E O PAPEL DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E TECNOLÓGICO

67

tividade, a distorção câmbio sobrevalorizado —juros altos tende a agravar a heterogeneidade e adesigualdade de oportunidades de desenvolvi-mento. Esse excesso de seletividade darwiniana terminasendo contraproducente na medida em que invia-biliza o futuro de setores com potencial”.

Recomenda-se, portanto, reorientar o programade estabilização, para assentar-se em novo eixo dedesenvolvimento econômico e industrial, apon-tando-se, contudo, que, para tal, faz-se fundamen-tal compreender pelo menos três aspectos básicos:

· que a atual fase do processo de acelerada globa-lização e difusão dos novos padrões de acumula-ção, associados às tecnologias da informação, nãodeve ser vista como naturalmente benigna para ospaíses menos desenvolvidos;

· que o atual quadro certamente abre novasoportunidades, as quais podem ser melhor apro-veitadas pelas sociedades que possuem coesão, es-tratégia e políticas eficientes para delas tirar pro-veito; e

· que o modelo de inserção competitiva, conforme pratica oBrasil desde o início dos anos 90, não seja consi-derado como a única alternativa possível de en-frentar os novos desafios impostos por uma eco-nomia mundial crescentemente globalizada.

Nesse último sentido, faz-se particularmentenecessário ressaltar que, no novo cenário globali-zado, que desafia a inserção competitiva dos dife-rentes países, a busca da competitividade a qual-quer preço pode gerar efeitos adversos, particu-larmente em matéria de emprego e salários, dila-pidação e deterioração do meio ambiente.26 Deve-se também ressaltar que o desenvolvimento com-petitivo pode ser compatível com um projeto soci-

26 Refere-se, aqui, ao conceito de competitividade espúria —

definido para caracterizar a obtenção de vantagens com-petitivas centradas em desvalorização cambial, baixossalários e uso predatório de recursos minerais, energéti-cos e ambientais. Ver Fanzilber (1988); Coutinho e Fer-raz (1994); Lastres e Cassiolato (1995).

68 GLOBALIZAÇÃO E O PAPEL DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E

TECNOLÓGICO

al de ampliação das oportunidades de emprego,remuneração e qualidade de vida, mas tem, paraisso, que incorporar de forma explícita esses obje-tivos. O desenvolvimento com competitividadepode criar empregos novos e melhores, assimcomo qualidade de trabalho e de vida, mas tem,para isso, que estar ligado a um conjunto de dire-trizes e objetivos, capazes de criar perspectivas decrescimento econômico e redução das distânciassociais.

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