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A GUERRA DE LIBERTAÇÃODE ANGOLA

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A GUERRA DE LIBERTAÇÃO DE ANGOLA

CONFLITO ENTRE COLONIALISMO  E COMUNISMO, 1961 ‑1974

Al J. Venter

TraduçãoIsabel Jardim

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Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor.Reprodução proibida por todos e quaisquer meios.

A presente edição segue a grafia do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

© 2018, Al J. VenterDireitos para esta edição:© 2019, Clube do Autor, S. A.Avenida António Augusto de Aguiar, 108 – 6.º1050‑019 Lisboa, PortugalTel. 21 414 93 00 / Fax: 21 414 17 [email protected]

Título original: Angolan War of LiberationAutor: Al J. VenterTradução: Isabel JardimRevisão: Rui AugustoPaginação: Gráfica 99Impressão e acabamento: Eigal (Portugal)

ISBN: 978‑989‑724‑487‑2Depósito legal: 459 959/191.ª edição: setembro, 2019

www.clubedoautor.pt

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ÍNDICE

Glossário ..................................................................................................... 9

Introdução: 1961, a invasão de Angola .................................................. 13

1. Breve cronologia dos acontecimentos ................................................ 37

2. As guerras africanas portuguesas: motivações e problemas .......... 65

3. A Guerra Terrestre e o armamento das peças em combate ............. 85

4. O inimigo: fações divergentes ............................................................. 103

5. A cidade de Luanda e as impressões dos jornalistas ....................... 125

6. A guerra aérea ........................................................................................ 137

7. Forças especiais: os Comandos ........................................................... 153

8. A guerra no Leste de Angola ............................................................... 165

9. O desafio do enclave de Cabinda ........................................................ 181

10. Fatores determinantes para o desfecho final ................................... 199

Bibliografia ................................................................................................. 213

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RODÉSIAE NIASSALÂNDIA

ÁFRICA DO SUDOESTE

Malange

Tômbua

BECHUANALÂNDIA

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GLOSSÁRIO

AAA: artilharia antiaéreaAK/AK ‑47: espingarda de assalto Avtomat Kalashnikova 7,62 mmAldeamento: aldeia protegidaAPC: veículo blindado de transporte de pessoalAssimilados: africanos do Ultramar suficientemente «assimilados» para

terem a cidadania portuguesaBMP ‑2: Boyevaya Mashina Pekhoty, veículo de infantaria anfíbio soviético

de patrulha e combateBRDM: Boyevaya Razvedyvatelnaya Dozomaya Mashina, 4x4 (convertível

8x8) veículo blindado anfíbio de patrulha/reconhecimentoBTR: Bronetransportyor, veículo blindado de transporte de tropas, 8x8CAS sorties: apoio aéreo aproximadoChefe de posto: administrador local portuguêsCIA: Central Intelligence Agency (EUA)COIN: ContrainsurreiçãoDGS: Direção ‑Geral de SegurançaDshK: Degtyaryova ‑Shpagina Krupnokaliberny, metralhadora pesada antiaé‑

rea de 12,7 mm soviéticaFAL: Fusil Automatique Léger (espingarda automática ligeira), espingarda

de combate semiautomática de fogo seletivo, produzida pelo fabricante de armamento belga Fabrique Nationale de Herstal (FN).

FALA: ala militar da UNITAFAP: Força Aérea PortuguesaFLEC: Frente para a Libertação do Enclave de CabindaFNLA: Frente Nacional de Libertação de Angola

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G3: espingarda automática de 7,62 mm desenvolvida na década de 1950 pelo fabricante de armamento alemão Heckler & Koch GmbH (H&K) em colaboração com os espanhóis. Adaptada pelas Forças Armadas Portuguesas

GPMG: metralhadora de uso geralGRAE: Governo Revolucionário de Angola no ExílioGrupos Especiais Portugueses: unidades de forças especiais do exércitoGrupos Especiais Paraquedistas: soldados voluntários negros com treino

de paraquedasIFV: veículos de combate de infantariaKatyusha: lançador de foguetes de 122 mm soviéticoKGB: Komitet gosudarstevennoy bezopasnosti, Comité para a Segurança

do Estado (Soviético).KIA: killed in action (morto em combate)LZ: landing zone (zona de aterragem)MAG: Mitrailleuse d’Appui Général, metralhadora de uso geral de 7,62 mm

belga FNMANPAD: sistema de defesa aéreo portátil (como o Strela soviético)MG 42 Maschinengewehr 42, metralhadora de uso geral, de origem alemã

e muito usada pelas forças terrestres portuguesas nos três teatros de guerra

MPLA: Movimento Popular de Libertação de AngolaOUA: Organização de Unidade Africana, atual União AfricanaPanhard AML: Automitrailleuse légère, veículo blindado ligeiro 4x4, desen‑

volvido pela África do SulPanhard EBR: Engin Blindé de Reconnaissance, veículo blindado ligeiro 8x8

de fabrico francêsPCA: Partido Comunista AngolanoPIDE: Polícia Internacional e de Defesa do Estado (polícia secreta

portuguesa)POM ‑Z: mina antipessoal de fragmentação soviética muito usada em

ÁfricaRPD: metralhadora ligeira de 7,62 mm, de fabrico soviéticoRPG: lança ‑granadas ‑foguete, tanto RPG ‑2 (usado pelos guerrilheiros nos

conflitos africanos portugueses), como, posteriormente, RPG ‑7, com variações adicionais

RPK: metralhadoras ligeiras de 7,62 mm, de fabrico soviético

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SAAF: South African Air Force (Força Aérea Sul ‑Africana)SAM: Surface ‑to ‑air missile (míssil terra ‑ar), SA ‑6, SA ‑8 et al.SAP: South African Police (Polícia Sul ‑Africana)SNEB: (Societe Nouvelle des Etablissements Edgar Brandt) foguete ar ‑terra

não guiado Matra de 37 mmT ‑34 e T ‑55/T ‑54 T: tanques soviéticos fornecidos a Angola e MoçambiqueTM ‑46 e TM ‑57: minas antitanque soviéticas usadas pelos grupos de

libertaçãoTropas Especiais: ou TE, que surgiram quando um guerrilheiro da UPA/ FNLA

desertou para o lado português com 1200 dos seus homensUNITA: União Nacional para a Independência Total de AngolaUPA: União das Populações de Angola

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INTRODUÇÃO 1961, A INVASÃO DE ANGOLA

Em 1961, Portugal entrou em guerra para manter as suas pos‑sessões coloniais, tentando desesperadamente conservar o remanescente histórico do seu império. O país, governado pelo ditador António Salazar, um economista de profissão que ascendera ao poder em 1932, e que já tinha mais de 70 anos quando começaram as guerras africanas, não estava preparado para tomar as medidas necessárias a fim de repelir uma inva‑são de grande número de revolucionários hostis provenientes do Congo.

Lisboa sabia que a invasão ia acontecer, ou antes, sabia que forças hostis iriam incitar à revolta, mas ninguém estava pre‑parado para a sua grande dimensão, quando milhares de autóctones seminus avançaram Angola adentro para derrubar o Governo.

O Exército e a Marinha protegiam a colónia e não tardariam a «partir cabeças» e a obrigar os rebeldes a retroceder (consi‑derou o Governo português), acrescentando que qualquer tipo de subversão por parte da população local seria suicídio. Na Europa, todos concordavam que não era a primeira vez

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que se verificava uma situação deste tipo e que todas as rebe‑liões anteriores tinham fracassado: nas hierarquias superiores do Estado acreditava ‑se que também esta revolta iria falhar.

Portugal enviou tropas para a colónia o mais rapidamente que o seu frágil sistema logístico permitiu, mas, de início, essa mobilização foi feita aos poucos. Os guerrilheiros pro‑grediram em várias frentes e tomaram algumas vilas do Norte, chegando mesmo a estabelecer um governo revolu‑cionário numa pequena povoação colonial situada na selva setentrional de Angola. Chamaram ‑lhe República Socialista de Nambuangongo.

Em abril de 1961, quando se deu o ataque, Portugal pro‑curou enviar o mais rapidamente possível as suas forças mili‑tares para o território a fim de restabelecer a ordem. Enquanto alguns militares como os paraquedistas foram transportados por via aérea até África, a maioria partiu de Portugal conti‑nental por via marítima, uma viagem demorada e dispen‑diosa. Entre os meses de maio e dezembro de 1961, o contingente militar passou dos cerca de 8000 que constituíam os funcionários da segurança, do exército e da polícia para aproximadamente 35 mil.

Ao longo deste período de oito meses, os militares foram chegando a Luanda e iam sendo posicionados para tentar sub‑jugar a ameaça cada vez mais forte e recuperar o controlo no território colonial a norte. Esta transição de uma pequena força colonial vocacionada para a reação, defesa e autoridade subjetiva para uma grande força de reocupação e neutraliza‑ção foi feita gradualmente, pois dependia tanto dos recursos de transporte, que não estavam destinados à projeção do poder militar, como da reorientação das forças terrestres e

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aéreas para fazer face a uma insurreição de guerrilha moderna, algo que quase ninguém tinha enfrentado anteriormente.

Para ser justo, os guerrilheiros tinham problemas seme‑lhantes, provavelmente piores, porque muitos tinham sido arrancados às aldeias e vilas onde viviam. Os mais afortuna‑dos receberam uma arma e foram mandados seguir em frente para a selva. A  revolta vacilou, os rebeldes não estavam adequadamente armados nem treinados, e a maior parte era iletrada e brutal.

Os pelotões dos novos soldados do Exército – igualmente inexperientes – eram empurrados para norte, a partir de

Angola foi uma guerra dura, travada por adversários resolutos em condições extremamente difíceis – uma coluna do Exército avança com dificuldade no Norte de Angola.

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Luanda, e ao fim de pouco tempo começaram a revelar as suas próprias insuficiências. De facto, as forças governamentais não eram competentes; os recrutas recebiam um treino defi‑ciente, não possuíam equipamento adequado nem domina‑vam as técnicas necessárias para combater numa guerra que se tinha transformado numa contrainsurreição terrível. Tal como um observador notou na altura, enquanto qualquer forma de retaliação militar, pela sua natureza, requer números substanciais de infantaria ligeira, a força enviada para esse tipo de missão deve em primeiro lugar ser treinada na arte de combater uma «pequena guerra» para ser eficaz, e depois tem de mostrar determinação para conseguir ser bem ‑sucedida.

Na nova conjuntura do Governo português, não foi esse o caso, porque nesses primeiros tempos Portugal não possuía a

Insígnia de um batalhão do Exército à entrada para uma base.

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capacidade de alterar tradições antigas. A última vez que o Exército havia travado uma batalha significativa fora durante a Primeira Guerra Mundial, quando as forças alemãs invadi‑ram Angola e Moçambique e infligiram às tropas portuguesas uma expressiva derrota. Na verdade, as forças lusas que che‑garam a Angola em 1961 não possuíam, na sua maioria, ver‑dadeira orientação militar, e a situação era agravada porque as tropas tinham de ficar prontas para combater a um ritmo acelerado. Até mesmo os uniformes eram confecio nados à pressa e não eram apropriados para combater no mato africano. As armas também eram péssimas. Quando a guerra começou, os portugueses ainda usavam as antiquadas espingardas

O presidente do Conselho, António Salazar, que levou o seu país para a guerra.

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Karabiner 98k – uma espingarda de ação de culatra baseada no respeitável sistema Mauser M 98, cuja origem remontava ao Lebel Model 1886 –, enquanto algumas unidades estavam equi‑padas com a MG 13, uma arma de origem alemã anterior à Primeira Guerra Mundial.*

A maioria dos rebeldes não estava armada com Kalashni‑

kovs, e alguns usavam velhas espingardas de pederneira que tinham servido para caçar durante gerações. A grande maio‑ria tinha catanas e lanças, mas quando uma força defensiva composta por algumas dezenas de homens tem de resistir a uma vaga de mil ou mais beligerantes que avança para eles aos gritos, só um louco é que os enfrentava.

Ao reocupar o Norte e fazendo face à ameaça inimiga, Portugal rapidamente se apercebeu de que as suas forças mais eficazes eram as que possuíam qualificações especiais e treino avançado; infelizmente, havia apenas um número reduzido destas forças de elite. As experiências consolidadas dos por‑tugueses nesses primeiros tempos, durante os quais tudo podia acontecer – a vantagem tática oscilava entre um e o outro lado –, os ajustes consequentes dos portugueses para travar uma guerra de contrainsurreição tinham de levar à cria‑ção de muitas mais unidades especializadas capazes de estrei‑tar o fosso entre a capacidade dos rebeldes em tomar a iniciativa e a resposta das forças governamentais.

Essa iniciativa começou a surgir muito cedo entre os defen‑sores, sobretudo porque os rebeldes – que agora se intitulavam

* A Karabiner era na realidade uma boa arma. Utilizei uma com mira aberta para caçar um elande para fornecer carne a uma unidade quando me achava inte‑grado num dos acampamentos do Exército português no Sudeste do país e, tal como esperava, só precisei de dar um tiro. Mas em nada se compara com a total‑mente automática AK ‑47.

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«guerrilhas de libertação» – não estavam de modo algum organizados, e inquestionavelmente, o álcool e as drogas tinham muito a ver com isso. Seguramente que tanto o MPLA como a UPA/FNLA estavam longe de ser tão capazes de travar uma guerra eficientemente como, por exemplo, o Vietcongue ou a Frente de Libertação da Argélia. Existiam dois grupos políticos dissidentes em Léopoldville, a capital congolesa, nessa época: o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), que alardeava uma inclinação claramente marxista e anticolonial, e a União das Populações de Angola (UPA), que se tornou a Frente Nacional para a Libertação de Angola (FNLA) um ano após o início da revolução.

Para o «Movimento Popular» marxista, esta situação muda‑ria dentro em breve. Um grupo de radicais de Moscovo come‑çou a tomar o controlo do MPLA, a ditar como deveriam ser feitas as coisas, e a explicar o que aconteceria àqueles que não

Guerrilheiros reúnem‑se antes de um ataque. (Nordic Africa Institute)

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estivessem preparados para aceitar as imposições da «Nova Ordem» soviética. O membro do MPLA Agostinho Neto foi fiel à sua palavra quando declarou que iria «trazer a revolução ao povo de Angola»: qualquer pessoa – homem ou mulher – que se interpusesse no seu caminho era calmamente levada até à selva e abatida.

Essencialmente, a guerra de Angola podia nunca ter acon‑tecido se os colonizadores não tivessem sido tão severos para com os seus súbditos. As condições de trabalho do trabalha‑dor médio nas colónias – e isto aplicava ‑se tanto a Angola como a Moçambique, à Guiné Portuguesa e às ilhas de São Tomé e Cabo Verde – eram atrozes. O salário era mínimo e, normalmente, o dinheiro auferido tinha de ser gasto nas lojas

Fora da estrada principal, como aqui, o terreno era sempre difícil, especialmente em Cabinda.

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das empresas detidas pelos patrões, a maioria das vezes para comprar produtos com preços inflacionados. Assim, os capi‑talistas ganhavam por duas vezes: com o labor dos seus tra‑balhadores e com o lucro do dinheiro que eles pagavam para comprar bens nas lojas da empresa. Se alguém se queixasse ou resistisse a este tipo de exploração, era entregue à polícia, que aplicava um tratamento brutal. Mortes de suspeitos sob custódia não eram invulgares.

Os acontecimentos que conduziram ao episódio, que hoje é conhecido por «Revolta da Baixa do Cassange,» começaram com o boicote da população que trabalhava em extensos cam‑pos de algodão da companhia Cotonang, empresa que per‑tencia a um cartel europeu de investidores portugueses, ingleses e alemães. O boicote foi liderado por dois jovens aspi‑rantes a políticos radicais, António Mariano e Kulu ‑Xingu, que incitaram os trabalhadores a queimar os cartões de iden‑tificação e depois a atacar os comerciantes portugueses. Esta revolta causou muitos prejuízos e danos físicos, mas, tanto quanto se sabe, nenhuma morte, embora as autoridades em Luanda, a capital angolana, afirmassem o contrário. Em res‑posta, o governador local enviou uma força aérea que bom‑bardeou 20 aldeias. Os críticos desta ação afirmam que os portugueses usaram bombas de napalm e que se verificaram mais de 400 mortes, mas a verdade é outra.*

* Houve um grande exagero nos números das baixas, principalmente os 10 mil «nativos mortos» pela UPA depois de inicialmente se ter anunciado 7000. Outras versões incluem os 5000 referidos por José Ervedosa, um extremista da ala esquerda que acabou por fugir para a Argélia revolucionária. De salientar também as «cen‑tenas, talvez milhares de mortos» apregoados pelo historiador francês René Pélis‑sier, que descreve com dramatismo as valas comuns escavadas por bulldozers, dos quais nenhum operava na Baixa de Cassange na estação das chuvas. Igualmente, as datas fornecidas para o uso de bombas de napalm entram em contradição com