A herança judaica da nossa concepção da história

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A herança judaica da nossa concepção da História Arquivado em: cultura ,filosofia — orlando braga @ 6:44 pm Tags: cristianismo , cultura , História , Judaísmo , messianismo , milenarismo , tempo O tempo histórico linear é uma herança do Judaísmo. Em mais nenhuma outra cultura do mundo existia um sentido histórico linear, marcado por um qualquer tipo de messianismo. Em praticamente todas as culturas — e ainda hoje, em muitas delas, apesar da “colonização” judaico-cristã — o tempo é cíclico. A maior parte das culturas — incluindo a cultura romana — tinha como paradigma o tempo primordial (Ó Tempora! Ó Mores!). O Judaísmo pode ser dividido em duas partes: a religião israelita, que vai desde o Génesis até ao degredo dos 10.000 notáveis para a Mesopotâmia, e o Judaísmo messiânico que surge a partir daí e que altera o tempo de “glória do mundo” do passado para o futuro. Para o Judaísmo, não existe paraíso fora da Terra, nem existe inferno. O paraíso judeu será construído na Terra, como anunciado pelos profetas. Essa foi uma das razões porque Jesus Cristo não foi aceite pelo Judaísmo, porque Ele anunciava o paraíso na transcendência. 1

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A herança judaica da nossa concepção da História

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Tags: cristianismo, cultura, História, Judaísmo, messianismo, milenarismo, tempo

O tempo histórico linear é uma herança do Judaísmo. Em mais nenhuma outra cultura do mundo existia um sentido histórico linear, marcado por um qualquer tipo de messianismo. Em praticamente todas as culturas — e ainda hoje, em muitas delas, apesar da “colonização” judaico-cristã — o tempo é cíclico. A maior parte das culturas — incluindo a cultura romana — tinha como paradigma o tempo primordial (Ó Tempora! Ó Mores!).

O Judaísmo pode ser dividido em duas partes: a religião israelita, que vai desde o Génesis até ao degredo dos 10.000 notáveis para a Mesopotâmia, e o Judaísmo messiânico que surge a partir daí e que altera o tempo de “glória do mundo” do passado para o futuro. Para o Judaísmo, não existe paraíso fora da Terra, nem existe inferno. O paraíso judeu será construído na Terra, como anunciado pelos profetas. Essa foi uma das razões porque Jesus Cristo não foi aceite pelo Judaísmo, porque Ele anunciava o paraíso na transcendência.

O Cristianismo fez a síntese entre o tempo histórico do Judaísmo depois do degredo dos 10.000 para a Babilónia, e o tempo cíclico que prevalecia na Europa pré-cristã. Acontece que o Cristianismo também gerou profetas, como Joaquim de Fiore ou Karl Marx, no seguimento da tradição estritamente judaica. Os profetas dão um sentido determinístico à História, aquilo a que Eric Voegelin chamou de “Eidos” histórico — dão uma “forma” à História, no seguimento do messianismo judaico que anunciava um paraíso na Terra. Porém, esta visão do mundo não é, de longe, maioritária: a maior parte das culturas do mundo (incluindo a religião israelita, anterior ao Judaísmo) glorificava os acontecimentos primordiais e gloriosos da cosmogonia, e não os acontecimentos futuros, como acontece com o Judaísmo e algum Cristianismo gnóstico.

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Quando o Henrique Sousa tenta aqui dar uma forma ou um sentido à História, reflecte a sua herança cultural judaica.

Por outro lado, o Henrique Sousa segue o raciocínio de Malthus, e Darwin também o seguiu. Assim como o fez Malthus, o darwinismo clássico parte do princípio de que o organismo está sujeito a pressões externas e apenas reage a tais pressões, mas a verdade é que esses organismos actuam no “mercado” da natureza à procura de “nichos” onde podem proliferar. Portanto, a acção organismo/natureza é biunívoca, e não é só a partir do exterior em direcção ao organismo. A vida natural e orgânica não é marcada pelo determinismo, na medida em que os próprios organismos procuram o seu espaço no “mercado da natureza” (Karl Popper). Por isso é que Malthus falhou nas suas profecias.

Portanto, se existe um “sentido da História”, esse sentido é totalmente impossível de detectar (pelo menos nas suas linhas mais concretas) pelo ser humano (Edgar Morin), exactamente porque é impossível ao conteúdo compreender o continente (Santo Agostinho). Qualquer exercício intelectual acerca de um hipotético e eventual sentido da História é pura perda de tempo (Eric Voegelin) — a não ser que essa especulação se insira na estratégia de uma ideologia política milenarista e gnóstica moderna.

Por fim, e apesar da herança cultural e messiânica judaica, o tempo histórico não deixou de ser cíclico — basta olharmos para os ciclos da natureza. Esta é a única certeza que temos acerca do Tempo e da História. Naturalmente que uma primavera nunca é exactamente igual à outra, mas as características principais das primaveras são idênticas. A questão do Bem e do Mal faz parte da filosofia, e nomeadamente da ética e da metafísica, por um lado, e tem a ver com os ciclos temporais que marcam os ritmos dos mitos, dos tabus e das culturas, por outro lado, mas nada tem a ver com uma espécie de determinismo messiânico e milenarista que seja cabalmente inteligível ao ser humano.

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