A história das cinco fotos preferidas do BBT-Br como processo de simbolização

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    ISSN 0103-5665 89

    P. C., R J, . , ., . -,

    BBT-Bre processo de simbolizao

    A BBT-B

    Milena Shimada*

    Vitor Hugo de Oliveira**

    Eduardo Name Risk***

    Carolina Mota Gala Saviolli****

    Lucy Leal Melo-Silva*****

    Resumo

    A trajetria profissional decorre das identificaes frutificadas nas primi-tivas experincias da infncia e das modificaes identitrias da adolescncia. Osconceitos de simbolismo, reparao e sublimao elucidam esse processo e os

    conflitos internos no mbito das escolhas profissionais. O presente estudo de casoobjetiva discutir a psicodinmica da escolha profissional por meio dos conceitosmencionados e da narrativa produzida sobre as cinco fotos preferidas do Teste deFotos de Profisses (BBT-Br) por um rapaz de 17 anos. Os elementos qualitativosda histria revelam componentes defensivos, corroborados pela anlise quantita-tiva dos fatores escolhidos e rejeitados. As associaes estabelecidas possibilitamcompreender as escolhas profissionais do jovem, pois encadeiam as imagens, in-dutoras do processo de simbolizao, e garantem a compreenso de seu conjunto.

    O BBT-Br evidencia-se til no entendimento da dinmica interna dos orientan-dos e de aspectos que podem ser manejados na prtica clnica.Palavras-chave: Teste de Fotos de Profisses (BBT-Br); escolha profissional;

    simbolizao; reparao; orientao profissional.

    * Universidade de So Paulo, Ribeiro-Preto, SP, Brasil.** Universidade de So Paulo, Ribeiro-Preto, SP, Brasil.

    *** Centro Universitrio UniSEB, Ribeiro-Preto, SP, Brasil.**** Universidade de So Paulo, Ribeiro-Preto, SP, Brasil.***** Universidade de So Paulo, Ribeiro-Preto, SP, Brasil.

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    Abstract

    - (-)

    Career can result from identifications came to fruition during early child-hood experiences and identity modifications occurred during adolescence. Theconcepts of symbolism, reparation and sublimation clarify the process and theinner conflicts in the domain of career choice. This study aims at discussing thepsychodynamics of career choice by means of the concepts mentioned aboveand the narrative produced about the five favorite photos in the Berufsbilder-Test (BBT-Br) by a 17-year-old boy. The qualitative data in his history disclosedefensive constituents, corroborated by the quantitative analysis of both thechosen and the rejected factors. The associations established make it possible tounderstand the youths career choices as the association link the images whichcan induce the symbolization process and also lead to the understanding ofthe data. The BBT-Br has proved useful to help psychologists understand theirclients inner dynamic as well as aspects that can be uses in clinical practice.

    Keywords: Berufsbilder-Test (BBT-Br); career choice; symbolization; repa-ration; career guidance.

    Resumen

    -

    La trayectoria profesional deriva de las identificaciones fructificadas en las pri-meras experiencias de la infancia y de las modificaciones identificativas de la adoles-cencia. Los conceptos de simbolismo, reparacin y sublimacin dilucidan este pro-ceso y los conflictos internos en el mbito de las elecciones profesionales. El presenteestudio de caso busca discutir la psicodinmica de la eleccin profesional por mediode los conceptos mencionados y de la narrativa producida sobre las cinco fotos preferi-das del Test de Fotos de Profesiones (BBT-Br) por un joven de 17 aos. Los elementoscualitativos de la historia revelan componentes defensivos, corroborados por el anlisiscuantitativo de los factores escogidos y rechazados. Las asociaciones establecidas per-miten comprender las elecciones profesionales del joven, pues encadenan las imgenesinductoras del proceso de simbolizacin, y garantizan la comprensin de su conjunto.El BBT-Br se evidencia til en el entendimiento de la dinmica interna de los apren-dices y de aspectos que pueden ser manejados en la prctica clnica.

    Palabras clave: Test de Fotos de Profesiones (BBT-Br); eleccin profesional;simbolizacin; reparacin; orientacin profesional.

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    De acordo com os referenciais psicanalticos os conceitos de reparao,sublimao, identificao e simbolizao so fundamentais para a compreensopsicodinmica da escolha e da trajetria profissional do sujeito. Essas noes so

    discutidas no presente artigo a fim de fundamentar o estudo de caso descrito bemcomo para relacion-las ao uso de tcnicas projetivas em processos de orientaoprofissional, em particular o BBT-Br (Teste de Fotos de Profisses) de Achtnich(1991).

    Reparao e processos sublimatrios: a escolha objetal eprofissional

    O conceito de reparao de suma importncia na discusso sobre os as-pectos profundos da personalidade que determinam a escolha da carreira, poisexpressam responsabilidades do ego diante de chamados interiores, chamadosde objetos internos prejudicados, que pedem, reclamam, exigem, impem ousugerem ser reparados pelo ego (Bohoslavsky, 1991, p. 73). Assim, a escolha daprofisso envolve, dentre vrios aspectos, a eleio do indivduo por um objetointerior danificado com a finalidade de repar-lo, processo relacionado sim-bolizao, manifestao psquica elementar, que se refere maneira pela qual opsiquismo expressa a fantasia.

    No plano psquico, o indivduo deve elaborar e superar as posies es-quizoparanoide e depressiva. Na primeira, um dos principais movimentos aciso do objeto em bom e mau e a decorrente ansiedade persecutria. Conformeo beb se desenvolve, esses objetos se integram, o que acentua a ambivalncia,originando a posio depressiva, a percepo do sadismo e os ataques ao objetobom, que pode ento ser percebido como o mesmo que foi odiado, dando moteao sentimento de culpa prprio da posio depressiva (Klein, 1967/1975). Nessemomento, a elaborao das ansiedades se d pela capacidade de reparao: comonela o objeto percebido como simultaneamente bom e mau, o sujeito permane-ce ambivalente em seus sentimentos por ele, temendo que seu dio pela parte matinja e danifique a parte boa. Desse modo ele busca, mobilizado pela culpa, repa-rar os danos que fantasmaticamente realizou em seus objetos (Segal, 1979/1983).A reparao na qualidade de tendncia integrativa pode ser considerada uma ma-nifestao do instinto de vida por meio do qual, em nossa fantasia inconsciente,transformamos em bons os danos que inconscientemente praticamos em fanta-

    sia, e pelos quais inconscientemente ainda nos sentimos extremamente culpados(Klein, 1967/1975, p. 97).

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    No que tange sublimao, segundo Nascimento (1995), que se pauta nadiscusso psicodinmica de Bohoslavsky (1991), Klein amplia e complementa adefinio freudiana desse conceito para uma forma mais complexa e objetal das

    pulses, o que implica a elaborao de fantasias e o manejo complexo dos objetos.A referida autora retoma o conceito de sublimao proposto por Freud e apontaque este tem como objetivo explicar as atividades artsticas, intelectuais, a pulsodo saber e a atividade profissional. Segundo Freud, parte considervel das foras daspulses sexuais transferida para as atividades profissionais por meio da sublima-o, em que ocorre mudana de objeto com vistas satisfao da pulso em outroplano o intelectual, de forma mais livre e fluida para o ego (Nascimento, 1995).

    Em Sobre o narcisismo: uma introduo, Freud (1914/1996) destaca quea sublimao liga-se libido, pois o instinto dirige-se a um fim alheio satisfaosexual. Alm disso, o autor se refere ao processo de idealizao do objeto, que semqualquer modificao em sua natureza exaltado pelo indivduo. O processo subli-matrio pode ser estimulado pelo ideal, mas sua realizao independente deste,uma vez que na idealizao o sujeito prende-se a uma perfeio narcsica infantilque no pode ser renunciada, ao passo que, segundo Mijolla-Mellor (2010), na su-blimao o ideal deve ser enriquecido por qualidades objetais dos pais. Na sada dodipo, a idealizao decorre da incapacidade do ego em introjetar aspectos das fi-guras parentais e lidar com sua perda, concebendo um objeto ideal ao qual ele deveesmerar-se para alcanar. Caso o ego seja capaz de se identificar com aspectos doobjeto perdido, pode enriquecer-se, embora seja necessrio no apenas introjetaras qualidades do objeto como tambm se esforar em substituir o eu-ideal, que semostrou ilusrio, por um objeto, uma atividade, uma obra, que o eu tomar comosua (Mijolla-Mellor, 2010, p. 503). Assim, quando o ego capaz de seguir essecaminho, o processo sublimatrio, mesmo tendo sido estimulado a princpio peloobjeto idealizado, d-se de maneira distinta deste. A sublimao implica trabalhoe tempo, e o reconhecimento por parte do eu ideal de que o ego se esfora paraalcan-lo. Trata-se do jogo entre o eu e suas instncias ideais (Mijolla-Mellor,2010: 506), cujas repostas sublimatrias destacam-se nos perodos da vida em queso exigidas modificaes na imagem de si, por exemplo na adolescncia.

    Gnese e estruturao do simbolismo

    Os processos de reparao e sublimao tm como condio e fundamento

    o simbolismo, que fruto da inibio das finalidades instintivas diretas, agressivase libidinosas. O smbolo , portanto, um representante do objeto, sem qualquer

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    mudana no afeto. utilizado no para a negao da perda, mas como um modo desuper-la, ao restaurar e recriar ao mesmo tempo o objeto original, visto que senti-do pelo ego como algo que o representa fielmente. A partir do simbolismo o sujeito

    constri paulatinamente sua relao com o universo exterior (Segal, 1957/1982).A gnese do simbolismo remete ao desenvolvimento das relaes entre obeb e o meio externo. A realidade, inicialmente fantasiada como repleta de ob-jetos ansigenos e desejados, deve ser elaborada e suportada pelo beb para queele possa estabelecer, para alm das equaes simblicas, associaes mais sinto-nizadas com esta (Klein, 1930/1970). De acordo com Milner (1955/1969), apartir da frustrao e da ansiedade originada pelas necessidades fisiolgicas nosatisfeitas que o beb sente-se obrigado a abandonar a relao fusional com ame e a reconhecer a separao entre si e a realidade externa, entre a necessidadeinterna e o objeto externo que pode saci-la. Assim, por meio da sexualidade eda agressividade, o beb passa a lidar com o objeto simbolizado. Os processos deprojeo e introjeo no s o protegem da retaliao fantasmtica ao qual se vsujeitado em virtude de sua agressividade, como tambm atuam na tentativa dedotar o mundo externo com algo do eu e assim torn-lo familiar e compreens-vel (Milner, 1955/1969, p. 117), o que enriquece o significado do mundo parao sujeito a partir dessas associaes.

    O conceito de simbolismo evidencia que o interesse da criana pelo mundoexterno se d por uma srie de deslocamentos afetivos, partindo do objeto originalpara outros que se mantm, de certa maneira, associados aos objetos primevos dedesejo. No entanto, esse processo no se limita mera associao entre objetos,como apontam Barros e Barros (2011), o smbolo no se restringe aos contedos dopensamento, visto que o meio pelo qual este formado. O pensamento e as fan-tasias, por exemplo, so simbolizados, assim como as transformaes das fantasiasinconscientes apoiam-se em metforas simblicas. Trata-se das mltiplas formasque as fantasias inconscientes e suas transformaes simblicas organizam e do sig-nificado vida afetiva (Barros & Barros, 2011, p. 880, traduo livre). Nesse sen-tido, tambm a profisso escolhida por um indivduo tributria de suas primeirasrelaes objetais, estando a atividade profissional relacionada forma de reparaoimplcita na relao com o objeto interno danificado (Nascimento, 1995).

    A clnica psicanaltica em orientao profissional

    A abordagem psicanaltica da orientao profissional deve considerar osconflitos psquicos vivenciados pelo sujeito, isto , a problemtica ao redor da

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    estrutura de identificao decorrente da interao entre ideais e desejo, conside-rando-se o ego como palco das identificaes que podem derivar em determina-das sublimaes ou em suas inibies. Na adolescncia, os jovens constituem seu

    leque de valoraes, assim como so colocados diante do dilema de identificar-secom seus pais e, ao mesmo tempo, diferenciarem-se deles (Katz, 2001). Ainda se-gundo a autora, os mecanismos de reparao so importantes nesse processo, poisredundam na capacidade de realizar atividades fortalecedoras do ego e dependen-tes dos processos sublimatrios relacionados dedicao psicoafetiva ao trabalhoe ao estudo. As proposies de Katz podem ser complementadas pelas ideias deKnobel (1981). Na adolescncia, a reedio das etapas pr-genitais e o apogeu dalibido genital, somados aos decorrentes mecanismos de defesa1, estabelecem, demodo inicialmente confuso e mais estruturado ao final, a personalidade adulta.Nesse processo, o adolescente pode adotar diferentes identidades, transitrias,ocasionais e circunstanciais, fruto de identificaes parciais e efmeras, em virtu-de da separao das figuras parentais e do luto pela perda do corpo infantil, paraaos poucos estruturar uma identidade independente (Knobel, 1981).

    Quanto identidade ocupacional, Bohoslavsky (1991, p. 55) destaca queesta compe um sistema amplo, relacionado constituio da identidade pessoaldos indivduos, sendo determinada e determinante na relao com toda a perso-nalidade (p. 55). Tendo em vista que as problemticas vocacionais relacionam-se personalidade, a compreenso dos conflitos internos pode auxiliar o sujeito nodesenvolvimento da percepo sobre si mesmo e sobre seus vnculos, o que podefavorecer no apenas a escolha profissional como tambm a elaborao de angs-tias e promover a integrao de objetos ao ego. De acordo com Almeida e Pinho(2008, p. 174), quando o jovem se vislumbra diante da escolha profissional, noesto apenas em jogo seus interesses e aptides, mas o modo como concebe omundo e se v, alm das informaes que detm sobre as profisses e as influn-cias do contexto social, dos pares e da famlia.

    Desse modo, a trajetria profissional do sujeito fruto das identificaesque tece ao largo da vida, sendo que muitas se frutificam desde as primitivas expe-rincias da infncia, nas vivncias prvias aos conflitos edpicos e, posteriormente,nas modificaes identitrias que ocorrem na adolescncia e durante a tessitura dociclo vital. Tendo em vista que o complexo de dipo constitui momento decisivono processo de subjetivao e sexuao do adolescente, para Moreira (2004), aidentificao com o pai ou com a me pautar o enlace das manifestaes edipia-nas mediante a eleio de uma dessas figuras como objeto das catexias libidinais.

    De acordo com Rascovan (2004), os conceitos de identificao e identi-dade esto imbricados, visto que o primeiro refere-se s experincias primrias de

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    satisfao e diferenciao, j o segundo constitui-se a partir dos processos identi-ficatrios, organizando as marcas que erigem a subjetividade, o que inclui o planosociocultural. Assim, a identidade a representao de si como pertencente a um

    conjunto e ao mesmo tempo como ser diferente dele. Baseada nesse pressupos-to, a abordagem clnica da orientao profissional no compreende a identidadecomo estrutura rgida em que a conexo com a realidade social secundria, oque fica evidente quando se consideram os processos de mediao simblica cujaanlise implica o lastro social e cultural, responsvel por estabelecer em seu nvelrelaes de determinao, seleo e criao simblica.

    Neste estudo os processos de simbolizao so analisados luz da psico-dinmica da escolha profissional cuja interpretao deve considerar o contextosociocultural do orientando. Dessa forma, o profissional deve orientar o indi-vduo com base na compreenso das relaes simblicas que subjazem a suaspreferncias ocupacionais e zelar pela construo de uma identidade ocupacionalgratificadora.

    O presente artigo objetiva discutir a psicodinmica da escolha profissionalpor meio dos conceitos de simbolismo, reparao, identificao e sublimao, apartir da narrativa produzida sobre as cinco fotos preferidas do Teste de Fotos deProfisses (BBT-Br) por um adolescente. Pretende-se contribuir para o debate arespeito do uso de instrumentos projetivos no processo de orientao profissio-nal, particularmente sobre os elementos qualitativos da histria das cinco fotospreferidas do BBT-Br.

    Metodologia

    Participante

    O estudo de caso tem como objeto a situao de um adolescente de 17anos, do sexo masculino, que ser designado pelo nome fictcio de Francisco. poca do atendimento, o participante cursava o terceiro ano do ensino mdioem uma escola pblica de Ribeiro Preto-SP. Inscreveu-se para atendimento noServio de Orientao Profissional da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras deRibeiro Preto da Universidade de So Paulo, que ofereceu interveno de carrei-ra em sua escola como atividade de extenso junto comunidade.

    Na entrevista de triagem, Francisco apresentou como queixa a indecisosobre em qual curso superior se inscrever no exame vestibular e relatou ter medo

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    de fazer a escolha errada. O adolescente citou Direito e Medicina como carreirasde interesse, demonstrando a expectativa de que o processo de atendimento o au-xiliasse em suas decises profissionais. No que se refere s disciplinas cursadas no

    ensino mdio, o participante afirmou ter rendimento regular e interessar-se maispelas matrias Qumica e Biologia, tendo dificuldade em Matemtica e Fsica.

    Instrumentos

    O Teste de Fotos de Profisses (Berufsbilder TestBBT) um mtodo pro-jetivo para a clarificao da inclinao profissional que fornece informaes sobreperfis de interesses e motivaes conscientes e inconscientes dos indivduos, o quefavorece o autoconhecimento dos jovens em processo de escolha profissional. Nes-se estudo, utilizou-se a verso masculina do BBT-Br (Jacquemin, 2000), aprovadapelo Conselho Federal de Psicologia em 2003. O instrumento apresenta adequadasevidncias de validade junto ao contexto sociocultural brasileiro (Barrenha, 2011).

    O material do teste constitudo por 96 fotos que representam pessoas re-alizando diferentes atividades profissionais. Para cada fotografia, Achtnich (1991)atribuiu um fator primrio (radical de inclinao) atividade principal exercida eum fator secundrio s demais caractersticas da atividade, como os instrumentosutilizados, os objetivos e o ambiente de trabalho.

    Resumidamente, os oito fatores componentes do BBT-Br so: W (estarem contato com o outro, colocar-se disposio, revela sensibilidade e subjeti-vidade); K (utilizao da fora fsica, da agressividade, da perseverana); S (sensosocial, dividido em duas vertentes: Sh relaes de ajuda e Se dinamismo); Z(estar em evidncia, representar, valorizar o esteticamente belo); G (imaginaocriativa, intuio e ideias); V (objetividade, organizao, racionalidade); M (lidarcom a matria, com limpeza e com fatos passados); O (oralidade, dividido emduas vertentes: On nutrio e Or comunicao).

    As estruturas de inclinao profissional so obtidas por meio da anlise daclassificao realizada pelo orientando em relao s 96 fotos do teste. Essa classi-ficao consiste em organizar as fotografias como imagens que o agradam (esco-lhas positivas), que o desagradam (escolhas negativas) e que o deixam indeciso ouindiferente (escolhas neutras). So calculadas as frequncias de escolha e rejeiopor fator primrio e secundrio, obtendo-se, respectivamente, a estrutura de in-clinao profissional positiva e a estrutura de inclinao profissional negativa doindivduo (Jacquemin, 2000; Jacquemin, Okino, Noce, Assoni, & Pasian, 2006).

    Alm dos dados quantitativos, o BBT-Br contempla anlise qualitativado material produzido. Nessa etapa, o orientando deve agrupar as fotos que tm

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    algo em comum e relatar suas impresses e preferncias por cada grupo forma-do e suas respectivas imagens. Este processo, de acordo com Achtnich (1991), denominado fase de associaes sobre as fotos e revela aspectos complemen-

    tares queles evidenciados na estrutura de interesses, tendo importante papel naclarificao da inclinao profissional. Ao final, como procedimento comple-mentar, solicita-se ao orientando a elaborao de uma histria que integre as cin-co fotos eleitas como as preferidas do teste. Essas etapas visam a perscrutar traosno clarificados pela anlise quantitativa, tais como os elementos valorizadose rejeitados referentes s atividades profissionais evidentes nas fotos, alm daspercepes e interpretaes pessoais desses estmulos a partir das quais podememergir elementos inconscientes (Pasian & Jardim-Maran, 2008).

    Destaca-se que a histria das cinco fotos preferidas do BBT-Br uma etapacomplementar que tem sido investigada no Brasil. Os estudos evidenciam queesse procedimento analtico amplia os dados quantitativos fornecidos pelo instru-mento e auxilia na apreenso dos conflitos internos vivenciados por adolescentesem situao de escolha profissional, constituindo-se como um aprimoramentotcnico e qualitativo promissor do BBT (Melo-Silva, Pasian, Assoni, & Bonfim,2008; Melo-Silva & Santos, 1998).

    Procedimento

    Francisco participou do processo de orientao profissional na modalidadede atendimento em grupo, que consistiu em oito sesses semanais, conduzido porduas psiclogas. O atendimento pautou-se em torno dos eixos temticos: escolhaprofissional, autoconhecimento, informao sobre as diversas carreiras, acesso aoestudo de nvel superior e mercado de trabalho, de acordo com as linhas tericasde Bohoslavsky (1991) e Pichon-Rivire (1994).

    Para fins deste estudo, foram utilizados os resultados obtidos por meio daaplicao da forma masculina do BBT-Br (Jacquemin, 2000), destacando-se ahistria das cinco fotos preferidas. Os dados foram obtidos por meio de consultaretrospectiva dos registros de atendimento do adolescente avaliado. Para subsidiara interpretao do teste, foram utilizados os materiais das entrevistas de triagempara incio do atendimento e posterior encerramento, transcries das sessesgrupais, alm de tcnicas expressivas no padronizadas aplicadas durante o pro-cesso de orientao profissional.

    Quanto aos cuidados ticos, os clientes atendidos pelo servio assinam ter-

    mo de consentimento, juntamente com um de seus responsveis, no caso de ida-de inferior a 18 anos, caso de Francisco. Nesse documento, declara-se autorizao

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    para o atendimento e aquiescncia na utilizao dos dados referentes em trabalhoscientficos, preservando-se o sigilo quanto identidade dos participantes.

    Anlise dos dados

    As tcnicas aplicadas, entrevistas e registros de sees grupais, compemo corpusdo caso apresentado. Portanto, a anlise dos dados no se restringe aoprotocolo do BBT-Br, pois baseia-se no conjunto das produes de Franciscode modo a valid-la por meio das referidas fontes. Nesse sentido, a discussoapoia-se na constatao de Villemor-Amaral (2008), para quem a interpretaodas tcnicas expressivas fundamenta-se mais no contedo produzido que em suaforma. Os contedos frutificados pela aplicao de diversos meios manifestam asexperincias vividas, representaes e afetos do sujeito, que constituem a tramaestrutural sobre a qual o terapeuta lanar seu olhar. Para a autora, esse tecido produto das conexes entre o vivido, o registrado mnemonicamente no passado,associado de modo no linear e em maior ou menor grau com os estmulos na re-alidade presente incluindo o material do instrumento de avaliao e a presenado examinador (Villemor-Amaral, 2008, p. 107).

    Em termos sistemticos, os dados quantitativos do BBT-Br foram dispostosconforme padronizao tcnica do teste (Achtnich, 1991). O contedo da narra-tiva do adolescente foi analisado a partir de categorias propostas por Melo-Silvae Santos (1998): (a) identificao dos personagens, (b) capacidade de manejo doconflito profissional, (c) desfecho (soluo do conflito), (d) organizao defensiva.

    Resultados e Discusso

    Primeiramente, apresentam-se os dados quantitativos obtidos por meiodo BBT-Br, de acordo com o nmero de escolhas positivas, negativas e neutras(ndices de produtividade) do participante diante das fotos da forma masculinado instrumento. Dentre as 96 fotos do teste, Francisco classificou 14 imagenscomo positivas, 65 como negativas e 17 como neutras. Esses resultados, quandocomparados aos dados normativos de seu grupo de referncia (Jacquemin, 2000),revelam que o adolescente obteve nmero reduzido de escolhas positivas e nme-ro elevado de escolhas negativas, o que indica possvel dificuldade em se identi-ficar com as atividades ocupacionais representadas nas imagens do instrumento,

    podendo evidenciar restrio em seu horizonte de escolhas e imaturidade para aescolha profissional (Achtnich, 1991; Noce, 2008).

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    As estruturas de interesse de Francisco, obtidas por meio da frequncia deescolhas positivas e negativas por fator, evidenciam positivamente os fatores S, Ve G. O fator S reforado pela unitendncia Ss e representado unicamente pelavertente Sh, relacionada ao senso social, ajuda e ao cuidado com o outro. O fatorV, por sua vez, relaciona-se a atividades ligadas lgica e racionalidade, o fator Grepresenta o interesse para atividades relativas intuio, criatividade e pesquisa.

    Quanto s escolhas negativas primrias, observa-se que Francisco rejeitatotalmente os fatores O e K e apresenta apenas escolhas negativas em relaoa estes. A rejeio total do fator K pode indicar recusa de aspectos agressivos ede atividades que necessitem de dureza e fora fsica. Alm disso, a rejeio a Kcorrobora resultados obtidos em outras amostras de adolescentes, possivelmenterelacionada ao fato de que esse fator abarca atividades menos especializadas, de

    carter manual e que no exigem formao superior, aspectos que podem refletirno baixo prestgio social associado a tais atividades no universo sociocultural bra-sileiro (Jacquemin et al., 2006; Melo-Silva, Noce, & Andrade, 2003).

    J a ausncia de escolhas positivas por fotos representativas do fator Opode denotar, alm da rejeio de atividades que envolvam oralidade, dificuldadenas relaes interpessoais. De acordo com Achtnich (1991), o fator O contemplatanto a necessidade de se comunicar (Or) como o prazer da nutrio (On) ligado sociabilidade e ao interesse pelo contato com o outro. A rejeio do fator Z, se-

    lecionado uma nica vez na srie secundria, complementa esses dados, visto quese relaciona com a recusa em mostrar-se e timidez do participante, esboadaem outros momentos do processo de orientao profissional, sendo claramentereferida no material analisado. A Tabela 1 apresenta a estrutura de interesse doparticipante conforme a srie quantitativa dos fatores do BBT-Br.

    Tabela 1.Estrutura de inclinao profissional primria ponderada esecundria para as escolhas positivas e negativas do participante no BBT-Br

    Estrutura de inclinao

    Fatores positivos Fatores negativos

    Fatores primrios S2V

    2G

    2W

    1M

    1K

    0Z

    0O

    0O

    8K

    8M

    7Z

    6,5S

    5,5

    W5G

    3,5V

    3

    Fatores secundrios m4w

    3s

    2v

    2o

    2z

    1k

    0g

    0z

    10k

    9g

    9w

    8s

    8o

    8v

    7m

    6

    Nota.BBT-Br = Teste de Fotos de Profisses forma masculina (Jacquemin,

    2000). Os numerais representam o nmero ponderado de escolhas por fatorprincipal e secundrio, sendo oito o valor mximo de escolhas ou rejeies.

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    Para Achtnich (1991), a rejeio total ou muito discrepante de determinadofator to significativa quanto suas escolhas positivas, sendo que seu sentido diferedaquele atribudo s escolhas indiferentes. Em geral, a rejeio associa-se ausncia

    de relao especfica com o fator em questo ou fruto de mecanismos repressivos.Nesse caso, os contedos relativos ao fator so fantasiados como muito perigososou rejeitados mediante a formao do superego, dada a introjeo de normas quese opem ao desenvolvimento dessa caracterstica. A fim de ponderar as possibi-lidades interpretativas concernentes rejeio desse fator, realizou-se anlise doconjunto de dados qualitativos do BBT-Br e das tcnicas expressivas no padro-nizadas aplicadas durante o processo de orientao profissional, tendo como basea literatura sobre o instrumento em questo e o arcabouo terico apresentado.

    Para a elaborao da histria das cinco fotos preferidas, o participante esco-lheu as seguintes imagens: empresrios em reunio (Vo),homem de negcios (Vo),laboratorista qumico (Gm), enfermeiro (Sw) e mdico (Ss), mediante as quaisproduziu a narrativa intitulada Operao salva vida(sic), transcrita na sequncia.

    Joo era um executivo de sucesso, que aos seus 40 anos decide ir a um mdi-co fazer uns exames de rotina. Ele ligou e marcou um horrio com o mdico.Chegou o dia da consulta, ele foi ao mdico, conversou um pouco com ele e

    disse que gostaria de fazer uns exames para verificar se estava tudo bem comsua sade. Uma semana depois ele retorna ao mdico para o mdico analisar

    os exames. O mdico constata que ele est com uma doena grave na gargan-ta e que ele precisava ser operado urgentemente, mas seria necessrio criar

    um medicamento especfico para que ele possa se recuperar aps a cirurgia.O dia da cirurgia chegou, Joo entra na sala de cirurgia, toma a anestesia edorme. O mdico entra na sala e realiza a cirurgia. Quando Joo acorda ele

    (sic) j estava operado. Algum tempo depois ele volta ao consultrio mdicopara ter uma conversa com ele, o mdico diz que a operao havia sido um

    sucesso e que Joo nunca mais precisaria se preocupar com a doena.

    A seguir, a histria produzida pelo adolescente discutida com base nascategorias elaboradas por Melo-Silva e Santos (1998) e no arcabouo tericoapresentado.

    Identificao dos personagens

    A narrativa desenvolve-se em torno dos personagens Joo e o mdico. Oprimeiro um executivo de sucesso associado imagem empresrios em reunio

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    (Vo), o segundo representado pelas demais fotos preferidas do orientando (ho-mem de negcios Vo, laboratorista qumico Gm, enfermeiro Sw e mdico Ss).Durante o processo de associao, o jovem parece compreender esse conjunto de

    fotos como relao de ajuda (Sh), inclusive a imagem do homem de negcios associada ao mdico explicando um exame ao paciente. Assim, Joo, o protago-nista, demonstra-se passivo frente s aes do mdico, personagem que condensatodas as fotos concernentes ajuda ao outro.

    Capacidade de manejo do conflito profissional

    O enredo revela um conflito de grandes consequncias para a vida de seupersonagem principal: Francisco representa em sua histria o perigo de morte.O personagem busca incorporar algo que elimine seu problema, o que denotaa simbolizao do mecanismo de introjeo de objetos bons, principalmentena figura do mdico. O exerccio profissional da medicina destaca na histriaa relao de ajuda, e a ideia de salvar-se associada a um estado de ansiedadefrente s suas relaes de objeto. A partir do material, pode-se entrever como osujeito simboliza essa relao e os mecanismos de defesa utilizados para enfrentara ansiedade.

    Na histria, a causa da angstia encontra-se internalizada, representadapor uma doena grave na garganta. De acordo com Segal (1964/1975), emsituaes de ansiedade a criana na posio esquizoparanoide amplia o uso demecanismos de splitting (diviso), de projeo e de introjeo, a fim de expulsarde si objetos maus e internalizar objetos bons. A garganta corporifica as funesdescritas pelo fator O do teste referente fala e alimentao. Ao longo do atendi-mento, em diversas produes, o orientando enfatizou sua timidez e dificuldadede expressar-se via contato interpessoal. Na cotao de suas respostas, esse fator totalmente recusado como principal, juntamente com o eixo K, ligado forafsica e associado agressividade.

    Tal fato pode estar relacionado ao mecanismo de projeo das partes doeu (self) que contm o instinto de morte (Segal, 1964/1975, p. 38), de forma queo indivduo negue sua agressividade. De acordo com Achtnich (1991), a recusado fator K geralmente acompanhada de acentuao de escolhas ligadas ao fatorS, mecanismo que sugere a busca do participante por reduzir os efeitos malficosda agressividade e a tentativa de empreender a reparao dos danos causados.A necessidade de ajudar, evidenciada no radical de inclinao S do teste, pode

    ser tambm interpretada como pedido de ajuda, uma vez que o protagonista dahistria elaborada um paciente que precisa ser curado.

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    Desfecho: soluo do conflito

    O encerramento da histria, marcado pelo sucesso absoluto, pauta-se, de

    certa forma, na consequncia idealizada da cirurgia. Isso indica que o ego depara--se com um grau de ansiedade tal que sua desorganizao interna dificulta a repa-rao dos objetos danificados, o que resulta na edificao de defesas pouco adap-tadas. Conforme Segal (1964/1975), esse conflito remete formao primitivado ego, que na posio depressiva busca reparar os objetos internos danificadosno incio da fase oral, quando o amor e a necessidade levam o beb a devorar.A onipotncia dos mecanismos introjetivos orais redunda na ansiedade de quepoderosos impulsos destruam no apenas o bom objeto externo como tambm

    o objeto bom introjetado, estruturador do ncleo do ego e do mundo internodo beb, que se sente ameaado ante a ansiedade de que seu mundo interiordesfalecer.

    Dessa forma, a ansiedade enfrentada pelo protagonista coloca em jogo aintegridade do ego simbolizada pela doena grave , e a soluo obtida indicaa forma encontrada para levantar defesas que impeam a emergncia do impulsoagressivo, tido como ameaa interna. O sujeito empreende uma espcie de curada agressividade oral, j que a doena localiza-se na garganta, por meio de ummedicamento criado especificamente para esse fim.

    De acordo com Bohoslavsky (1991), a identidade ocupacional est sub-metida aos mesmos conflitos pelos quais se d o desenvolvimento da identida-de pessoal. Assim, as atividades profissionais influenciam na formao do egoconforme o emaranhado de identificaes que nele desenham. Nesse contexto,pode-se dizer que a escolha da carreira mostraria a escolha de um objeto interiora ser reparado (Bohoslavsky, 1991, p. 73). No caso, a apropriao das atividadesocupacionais pelo sujeito voltou-se em grande parte para a tentativa de solucionarconflitos internos, eliminando o impulso agressivo. Cabe ento analisar as fanta-sias relacionadas trama de atividades ocupacionais segundo o modo como sosimbolizadas na histria.

    No texto produzido por Francisco, o personagem incorpora apenas umadas atividades ocupacionais, dentre as cinco fotos disponveis. Frente s outras,ele se encontra passivo, sofrendo sua ao reparadora a fim de eliminar seu pa-decimento. O medicamento especfico parece representar o objeto bom a serinternalizado a fim de curar o mal da garganta, ou seja, a agressividade oral doego. O sujeito parece visualizar a possibilidade de expulso das partes destruidorasde seu ego que, entretanto, somente pode se concretizar de fora, por ao de umobjeto diferenciado desta instncia psquica.

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    Organizao defensiva

    A atividade vocacional, entendida como tentativa de reparao, possibi-

    lita que seja esboada nas histrias a representao de uma estrutura defensivavoltada para a proteo do ego. Diante dos conflitos representados e do desfe-cho pelos quais so encerrados na narrativa, pode-se delinear os tipos de defe-sas erguidas para a conteno da ansiedade. Em face da soluo enunciada, oenredo no ilustra uma reparao autntica que se manifestaria pela aceitaoda realidade, tolerncia dor, assuno da agressividade proveniente do ego epelo desenvolvimento de comportamentos que visem reconstruo do objetodanificado (Bohoslavsky, 1991). A resoluo descrita por Francisco evidencia-

    -se idealizada, visto que o personagem rapidamente curado, no havendotrabalhoe tempopara elaborao do conflito e encadeamento do desfecho. Aagressividade oral do sujeito extirpada, de modo que ele no a assume desdeo incio da trama. a figura do mdico, um objeto diferente do ego, quemaponta a doena da qual padece e que no lhe pertence, mas que pode sereliminada. Esse mecanismo de reparao relaciona-se trade de comporta-mentos manacos desprezo, controle e triunfo (Bohoslavsky, 1991, p. 75),h uma negao da culpa pela agressividade dirigida ao objeto, o sucesso dacirurgia refere-se negao de sua perda. Esse fato sugere que o sujeito esboano enredo uma reparao manaca que no se atenta de modo pleno aos limitesimpostos pela realidade.

    A recusa dos fatores K e O disposta na srie quantitativa do BBT-Br podeser corroborada pela anlise da histria das cinco fotos preferidas apresentada,sendo que ambas revelam a dificuldade do jovem em aceitar suas tendnciasagressivas. Alguns sinais evidenciam essa constatao: a rejeio a K acompanha-da pela acentuao da escolha de Sh (Achtnich, 1991), o alto nvel de ansiedadeesboado na histria simboliza a passividade do sujeito frente s caractersticasque sente como perigosas. O personagem demonstra-se vulnervel s prticasmdicas que idealmente curam sua doena na garganta, parte do corpo ligada nutrio e fala representada pelo fator O, ausente na srie quantitativa doprotocolo. Aos dados do instrumento somam-se depoimentos coligidos duranteo processo de orientao, por exemplo, em uma tcnica de autorrelato, Franciscomanifesta o desejo de ser mais extrovertido, menos estressado e conseguir fazermais amizades.

    A recusa da agressividade pode representar certa dificuldade em aceitarsuas tendncias hostis. Diante de tais mecanismos, a represso ao fator O con-juminada tentativa de recalque da agressividade manifesta-se na relao que o

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    participante estabelece com o ambiente, visto que na aplicao de algumas tcni-cas de autorrelato Francisco declarou sentir-se insuportvel a si mesmo e ao outro,o que sugere certa dificuldade em expressar sua hostilidade ou agressividade. Por

    um lado, o sujeito evidencia que busca de forma benfica a restaurao do objetodanificado ao clamar por auxlio mdico na histria, o que pode ser interpretadocomo a procura de apoio junto ao grupo de orientao profissional. No entanto,no se nota a inteno de aceitar ou sublimar o carter agressivo, a dualidadebom/mau, diante das tentativas de excluso das tendncias hostis e dos movimen-tos reparatrios de qualidade manaca.

    Consideraes finaisNeste estudo de caso discutiu-se a psicodinmica da escolha profissio-

    nal com base na anlise da histria das cinco fotos preferidas do BBT-Br, deacordo com categorias elencadas por Melo-Silva e Santos (1998), que incluema natureza do enredo produzido e os mecanismos de defesa empregados pelopersonagem.

    A srie quantitativa dos fatores do BBT-Br aponta a inclinao de Fran-cisco a estabelecer relaes de ajuda e a possvel recusa de contedos agressivos eorais. Todavia, foi a partir das evidncias qualitativas do instrumento que se pdevislumbrar como tais fatores interagem, isto , sua trama na psicodinmica do su-jeito conforme a histria produzida. Nesse sentido, a ajuda clamada pelo persona-gem irrompe como autoajudadiante de sua tendncia em reparar um objeto como qual se identificou. Ressalta-se, portanto, que a anlise de ndices qualitativose quantitativos de instrumentos de avaliao psicolgica deve ser contextualizadaconforme o processo de orientao profissional, que abarca a histria de vida doparticipante dentre outros elementos que confiram sentido e parcimnia s inter-pretaes do terapeuta.

    A anlise do caso possibilita entrever o processo de simbolizao comoforma de enunciao da dinmica psquica, o que respalda a constatao de queo material projetivo apresentado pelo BBT-Br permite acesso aos processos ps-quicos do sujeito. A histria das cinco fotos deslinda-se para alm dos fatoresestabelecidos em cada imagem escolhida, j que as associaes contribuem paraelucidao do psicodinamismo da escolha, pois encadeiam as imagens, indutorasdo processo de simbolizao, e garantem a compreenso de seu conjunto. A pes-

    quisa de Achtnich (1991) buscou, de certo modo, por meio dos procedimentosde padronizao do BBT, fazer com que as fotos das atividades simbolizem os

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    fatores propostos, elementos bsicos para a compreenso das tendncias motiva-cionais das pessoas. Nota-se, ento, a ideia de Segal (1979/1983) que compreendea importncia da relao entre contedo e continente na formao simblica.

    As imagens em si so o continente que incitam a associao de determinadoscontedos. Trata-se de uma relao plstica e no determinada, de modo que oprocesso associativo, levado a cabo aps a escolha das fotos preferidas, rejeitadase neutras, possibilita compreenso profunda da rede de simbolismos que toma afoto como continente.

    Por exemplo, ao verificar isoladamente as fotos escolhidas por Francisco,nota-se nfase nos fatores de ajuda, nas profisses de sade, de cuidado do corpo,o que de maneira pragmtica poderia ser interpretado como interesse pela Medi-cina. No entanto, a histria revela que a ajuda na qualidade de ao reparatria doobjeto dirige-se essencialmente para o sujeito, visando a eliminar a agressividadeque danifica os objetos ao seu redor e o impede de real contato com o outro pormeio da fala.

    Essa caracterstica corroborada por declaraes do sujeito que em diver-sas atividades realizadas nas sesses grupais se apresentou como algum calado.Nas tcnicas expressivas de autorrelato emergia sensivelmente certa dificuldadede relao com o outro, que se tornava patente na relutncia em escrever sobre sie nas correes contnuas do texto. Ao mesmo tempo que relatou algumas difi-culdades no contato com o outro, Francisco descreveu apenas aspectos positivosdas interaes travadas com a famlia e com os amigos. Pode-se compreender pormeio dessa discordncia a tentativa de negao de uma possvel agressividade nasrelaes objetais.

    Outro aspecto que apenas pde ser observado por meio da histria redi-gida, o que corrobora a importncia da anlise qualitativa do BBT-Br, refere-seao fato de as defesas estabelecidas (negao da agressividade e reparao man-aca do objeto) serem pouco adaptadas realidade, o que denota alto grau deansiedade. No entanto, pondera-se que a elevada recusa do fator K deve levarem conta que o participante, como a maioria dos frequentadores do servio,estava em vias de escolher uma carreira universitria para prestar exames devestibular, conforme discutido anteriormente (Jacquemin et al., 2006; Melo--Silva et al., 2003).

    A forma de anlise adotada no presente estudo refuta uma interpretao pro-tocolar dos dados quantitativos do BBT-Br, visto que o enquadre analtico tambmse pautou nos elementos qualitativos do instrumento, bem como em evidncias

    providas pelas demais tcnicas aplicadas e pelos relatos do participante. Com basena teoria psicanaltica das relaes objetais, salienta-se o papel da reparao nas es-

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    colhas profissionais, o que permite inferir aspectos psicodinmicos do caso, em quepese os limites de um processo teraputico grupal que no permite contato nicoe prolongado com apenas um participante de forma a entrever aspectos subjetivos

    mais profundos. A narrativa produzida possibilita singularizar, na psicodinmica doorientando, a recusa do fator pulsional mencionado e aponta que a simbolizaono visa somente os objetos da pulso, substituindo aquele que foi proibido, massim toda a relao de objeto simbolizada; mais do que um substituto do recalcado,o smbolo , nesse caso, a forma prpria de expresso do psiquismo.

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    Nota

    1 Os mecanismos de defesa, segundo Knobel (2007), redundam da impossibilidade na obten-

    o de prazer, o que leva o indivduo a utilizar recursos como a negao, formao reativa,projeo, dentre outros, que procuram evitar o sentimento destrutivo que acompanha a vida

    do ser humano [o que] se faz bem evidente durante a adolescncia (p. 52).

    Recebido em 11 de janeiro de 2012Aceito para publicao em 16 de setembro de 2012