A HISTÓRIA DO POVO HEBREU

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A HISTÓRIA DO POVO HEBREU O povo hebreu possui uma trajetória de vida particular e muitas vezes, ligada pela guerra. A Bíblia, principal fonte de informações sobre o povo hebreu, contém narrações heróicas sobre batalhas, grandes feitos de reis e líderes, derrotas ocasionadas pela desobediência de leis e vitórias que foram obtidas com o auxílio de seu Deus, Iahweh, o Senhor dos Exércitos. O Pentateuco, conjunto dos cinco primeiros livros da Bíblia (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio) , é onde se encontram os primeiros passos da trajetória do povo hebreu no mundo antigo. Nestes livros encontramos a história do começo dos povos, a eleição de um povo escolhido por Deus, o hebreu, a promessa que Deus daria uma terra especial para este povo e as leis que o hebreu deveria seguir para prosperar. Os patriarcas, chefes de família, foram os personagens principais no começo da história hebraica. É com eles e por intermédio deles que Deus fala com o povo, e é para eles que se dirigem as primeiras promessas. A promessa que dá sentido a história hebraica é feita para Abraão e seus descendentes: "Iahweh disse a Abrão: Sai da tua terra e da tua parentela e da casa de teu pai, para a terra que te mostrarei. Eu farei de ti um grande povo, eu te abençoarei, engrandecerei teu nome; sê uma benção!" (Deuteronômio 12:1). É essa promessa que move grande parte da história dos hebreus. Para conquistar esta terra, o hebreu teria que lutar e para vencer as batalhas, ele deveria obedecer fielmente as leis que o Senhor lhe ordenará. As leis de conduta do povo hebreu se encontram descritas no Livro de Levítico e são narradas novamente no Livro de Deuteronômio. As mais importantes utilizadas neste estudo, estão no Deuteronômio, no capítulo 20 e são as leis acerca da guerra. Nelas encontramos os passos da guerra, quem deveria guerrear e que postura deveria ser tomada com os diferentes povos envolvidos nas batalhas. Estas leis são importantes, pois o tema deste estudo é a guerra entre

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A HISTÓRIA DO POVO HEBREU 

 

        O povo hebreu possui uma trajetória de vida particular e muitas vezes, ligada pela guerra. A Bíblia, principal fonte de informações sobre o povo hebreu, contém narrações heróicas sobre batalhas, grandes feitos de reis e líderes, derrotas ocasionadas pela desobediência de leis e vitórias que foram obtidas com o auxílio de seu Deus, Iahweh, o Senhor dos Exércitos. O Pentateuco, conjunto dos cinco primeiros livros da Bíblia (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio) , é onde se encontram os primeiros passos da trajetória do povo hebreu no mundo antigo. Nestes livros encontramos a história do começo dos povos, a eleição de um povo escolhido por Deus, o hebreu,  a promessa que Deus daria uma terra especial para este povo e as leis que o hebreu deveria seguir para prosperar.

        Os patriarcas, chefes de família, foram os personagens principais no começo da história hebraica.  É com eles e por intermédio deles que Deus fala com o povo, e é para eles que se dirigem as primeiras promessas. A promessa que dá sentido a história hebraica é feita para Abraão e seus descendentes: "Iahweh disse a Abrão: Sai da tua terra e da  tua parentela e da casa de teu pai, para a terra que te mostrarei. Eu farei de ti um grande povo, eu te abençoarei, engrandecerei teu nome; sê uma benção!" (Deuteronômio 12:1). É essa promessa que move grande parte da história dos hebreus. Para conquistar esta terra, o hebreu teria que lutar e para vencer as batalhas, ele deveria obedecer fielmente as leis que o Senhor lhe ordenará. As leis de conduta do povo hebreu se encontram descritas no Livro de Levítico e são narradas novamente no Livro de Deuteronômio. As mais importantes utilizadas neste estudo, estão no Deuteronômio, no capítulo 20 e são as leis acerca da guerra. Nelas encontramos os passos da guerra, quem deveria guerrear e que postura deveria ser tomada com os diferentes povos envolvidos nas batalhas. Estas leis são importantes, pois o tema deste estudo é a guerra entre hebreus e cananeus pela conquista da Terra Prometida, Canaã, atual Palestina. Canaã começa a ser conquistada por Josué, um líder e general que sucedeu Moisés. Moisés é um personagem importante na história hebraica, pois foi  libertador e legislador  do povo hebreu. Foi na liderança de Moisés que os hebreus chegaram até as fronteiras da Terra Prometida, cabia a Josué fazer com que o povo entrasse nesta terra. O local já estava ocupado por outro povo, os cananeus, e para conquistar a terra, os hebreus teriam que lutar.

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Hebreus - dos Patriarcas aos Juízes

Moisés e a Lei Mosaica: episódio fundador central na identidade cultural e religiosa dos hebreus.

O povo hebreu é proveniente da região Palestina, região atualmente próxima ao Líbano, ao Deserto da Arábia e à Síria. Sua localização estratégica a transformou em um dos principais entrepostos comerciais do mundo antigo e o extenso Rio Jordão abrigou a grande maioria das cidades fundadas na região. Entre os principais povos que maior influência exerceu sobre o território palestino, damos maior destaque aos hebreus e os palestinos.

Esses dois povos por muito tempo disputaram a hegemonia territorial política da região e, até hoje, protagonizam um dos mais antigos conflitos da história. Os hebreus têm origem semita e se consolidaram ao longo do Rio Jordão praticando atividades agro-pastoris. Foi aproximadamente no II milênio a.C. que o povo hebreu passou a organizar um movimento populacional de motivação religiosa: a busca da “Terra Prometida”, região equivalente ao território da Palestina.

A sociedade hebraica deste período era essencialmente patriarcal. Entre os principais líderes se destacava Abrão, que conforme o relato bíblico seria o responsável por conduzir os hebreus para região de Canaã. De acordo com algumas pesquisas, a chegada dos hebreus à Terra Prometida teria sido consolidada durante o século XVIII a.C.. Nessa região haviam diferentes povos fixados como os filisteus, cananeus, amalecitas, edomitas, moabitas e arameus.

Aproximadamente em 1750 a.C., uma grande seca desestabilizou a economia hebraica, forçando-os a se deslocarem em direção ao Egito. Chegando à região do Delta do Nilo, os hebreus mantiveram forte contato com os hicsos, que dominavam a região naquele período. A relação amistosa com os hicsos chegou ao fim quando os egípcios dominaram a região e passaram a controlar os hebreus enquanto escravos. Somente em 1750 a.C. , os hebreus fugiram do Egito sobre a liderança de Moisés.

Esse importante episódio da civilização hebraica ficou conhecido como Êxodo e iniciou uma extensa fase de peregrinação do povo hebreu rumo à região Palestina. Durante esse período, de acordo com a narrativa bíblica, os hebreus empreenderam diversas lutas que

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restabeleceram a hegemonia hebraica na região Palestina. Josué, sucessor do líder Moisés, foi responsável por dividir os antigos clãs em doze tribos distintas. O contato com os povos vizinhos influenciou os costumes e as tradições hebraicas.

Para evitar a desunião religiosa e política do povo hebreu, o sistema de organização política dos hebreus foi posteriormente sucedido pelos juízes, que controlavam as questões militares e religiosas do povo hebreu. Entre os principais juízes estavam Jefté, Gedeão, Sansão e Samuel. Por volta de 1000 a.C., o processo de centralização política dos hebreus chegou a seu ápice com a instituição de um governo monárquico.

Os Hebreus

         O povo hebreu tem o início de sua organização na Mesopotâmia. Segundo Jaime Pinsky, “Isso é contado na Bíblia e comprovado por diversas evidências. O hebraico é uma língua semita, pertencente ao mesmo grupo do aramaico e de outras faladas na Mesopotâmia, baseada em estrutura de raízes triconsonantais, uma particularidade delas. Notável mesmo é verificar a utilização de mitos mesopotâmicos entre os hebreus.” Mitos mesopotâmicos incorporados na teologia judaica, como o Dilúvio, a Epopéia de Gilgamesh. Da Mesopotâmia os hebreus migraram para o território hoje conhecido como Palestina, sempre travando contato, usualmente belicoso, com seus vizinhos mais próximos desde tempos imemoriais.

         Possivelmente uma seca muito grave na Região os tenha forçado a nova migração, desta vez para o Egito, ali se estabelecendo como um povo associado. Não há – fora dos textos considerados sagrados do judaísmo e do cristianismo – confirmação quanto ao fato de os hebreus de Goshen haverem, em algum momento, sido escravizados pelos egípcios. Fosse como fosse, estavam sujeitos à mesma tributação – que incluía o trabalho para o Estado – que os nativos de sua nova terra.

      Moisés e o monoteísmo

         O Mito

         Segundo o sociólogo peruano José Carlos Mariátegui, os povos capazes de construir um mito multitudinário, unificador e sólido, têm maiores chances de se perpetuar. O povo hebreu construiu um dos mais duradouros mitos multitudinários de que se tem notícia.

Conta a Torah – que consta do Pentateuco, bastante similar aos cinco primeiros livros da Bíblia cristã: Gênesis, Êxodo, Levítico,  Números e Deuteronômio – que Moisés era filho do casal hebreu Jocheber e Amram que, temendo por sua vida diante de um decreto de faraó sobre a morte dos recém-nascidos (de quem os hebreus esperavam um redentor para a escravidão em

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que viviam), colocou-o numa cesta de vime e o lançou a Nilo. Dali foi recolhido pela filha de faraó que o criou como se fosse fruto de seu próprio ventre, criando-o como príncipe de sangue real egípcio. Por algumas circunstâncias acaba descobrindo sua origem e passa a lutar pela libertação da escravização de seu povo, sendo banido por faraó, dali se dirige à região de Midiã, encontra o sacerdote Jetro e se casa com sua filha Zípora. Ao pé do monte Sinai vê uma sarça que arde em chamas sem queimar, fica curioso, se dirige ao local e recebe a voz do “Deus sem Nome” decretando que volte ao Egito e liberte seu povo da escravidão.

         De volta ao Egito, realiza uma série de milagres inclusive lançando uma série de pragas sobre o Egito (nuvens de gafanhotos, chuva de granizo em chamas, o rio Nilo se converte em sangue por sete dias e assim por diante) que acabam por “abrandar o coração de faraó” que se decide por permitir ao povo hebreu sair do Egito e voltar à Canaã, “terra onde emana Leite e Mel”.

         Subindo ao Monte Sinai, ficando o povo no sopé à sua espera, Moisés medita e ergue profundas preces por quarenta dias. O povo, fatigado de esperar no deserto, retorna às crenças egípcias populares construindo ícones de deuses animais e se propõe a voltar ao Egito. No entretempo, o “Deus sem Nome” fala a Moisés dando-lhe as Tábuas da Lei com os Dez Mandamentos. Ao descer, enfurece-se com a idolatria e falta de fé de seu povo, arroja sobre os hereges as Tábuas da Lei, sobe novamente ao Monte e obtém novas Tábuas, desta vez escritas “pela própria mão de Deus” e decide que o povo seja punido com 40 anos de peregrinação no deserto até a chegada a Canaã – havia um caminho bem mais curto.

 

         Versão Gnosiológica

         Segundo Édouard Schuré em sua obra monumental “Os Grandes Iniciados”, Moisés foi Iniciados nos Mistérios do Egito chegando a ascender ao cargo de Sumo Sacerdote em Heliópolis. Seu nome de batismo seria Osarsiph – derivativo de Osíris, deus de Heliópolis. Ao contrário da versão mais corrente, Schuré defende a tese de que o faraó em sua época – note que seu nome jamais é mencionado nos textos sagrados – não era Ramsés, mas Amenófis III. Teria conhecido pessoalmente Amenófis IV, que trocou seu nome para Akhenaton ao instituir a primeira religião monoteísta do mundo. De fato, o Salmo 104 é uma adaptação poética do “Hino ao Sol”, de Akhenaton. Compare:

Hino ao Sol - Akhenaton

Tu surges belo no horizonte do céu

Ó Aton vivo, que deste início ao viver.

Quando te ergues no horizonte oriental todas as terras enches de tua beleza

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Tu és belo, grande, resplandecente, excelso sobre todo país;

Os teus raios iluminam as terras

Até o limite de tudo o que criaste.

Tu és Rá e conquistas até o seu limite.

Tu as unes para teu filho amado.

Tu estás longe, mas os teus raios encontram-se sobre a terra,

Tu estás diante (da gente), mas eles não vêem o teu caminho.

  

Quando tu vais em paz ao horizonte ocidental,

A terra fica na escuridão como morta

Os que dormem encontram-se em suas camas,

As cabeças cobertas com mantas,

Um olho não vê o outro.

Se roubassem seus bens que se acham debaixo de suas cabeças,

Eles nem perceberiam.

Todos os leões saem de suas cavernas;

Todas as serpentes, elas mordem.

A escuridão é (para eles) claro.

Jaz a terra em silêncio.

Seu criador repousa no horizonte.

  

Na aurora tu reapareces no horizonte.

Resplandeces como Aton para o dia sereno.

Tu eliminas as trevas e lanças teus raios.

As Duas Terras estão em festa:

Acordadas e atentas sobre os dois pés.

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Tu as fizestes levantar.

Lavam os seus membros,

Pegam as suas roupas,

Os seus braços estão em adoração ao seu nascimento.

A terra inteira se põe a trabalhar.

Todo animal goza de sua pastagem.

Árvores e relvas verdejam.

Os pássaros voam de seus ninhos,

Com as asas (em forma de) adoração a tua essência

Os animais selvagens pulam em seus pés.

Aqueles que vão embora, aqueles que pousam,

Eles vivem quando tu te levantas para eles.

As barcas sobem e descem a corrente

Porque todos os caminhos se abrem quando tu surges.

Os peixes do rio movem-se deslizando em tua direção

Os teus raios chegam ao fundo do mar.

  

Tu que procuras que o germe seja fecundado nas mulheres,

Tu que fazes a descendência nos homens,

Tu que fazes viver o filho no seio de sua mãe,

Que o acalentas para que não chore,

Tu nutriz de quem ainda está no colo,

Que dás o ar para fazer viver tudo o que crias.

Quando cai do colo para a terra o dia do nascimento,

Tu lhe abres a boca para falar

E provês as suas necessidades.

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Quando o pintinho está no ovo (loquaz na pedra)

Tu ali dentro lhe dás ao para viver.

Tu o completas para que quebre a casca

E dela sai para piar e completar-se

E caminhe com seus dois pés recém-nascidos.

  

Quão numerosas são as tuas obras!

Elas são irreconhecíveis aos olhos (dos homens)

Tu, Deus único, afora de tu nenhum outro existe.

Tu criaste a terra ao teu desejo,

Quando tu estavas só,

Com os homens, o gado, e todos os animais selvagens.

E tudo o que dá sobre a terra - e anda sobre seus pés -

E tudo aquilo que está no espaço - e voa sobre suas asas.

E os países estrangeiros, a Síria, a Núbia, e a terra do Egito.

Tu colocaste todo homem em seu lugar

Proveste as suas necessidades

Cada um com o seu alimento

 

E é contada sua duração em vida.

As suas línguas são ricas de palavras,

E também seus caracteres e suas peles.

Tens diferenciado os povos estrangeiros.

E feito um Nilo Duat

Leva-o aonde queres para dar vida às pessoas,

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Assim como tu as criaste.

Tu, senhor de todas elas,

Que te cansas por elas,

Ó Aton do dia, grande em dignidade!

  

E todos os países estrangeiros e distantes,

Tu fazes que também eles vejam.

Puseste um Nilo no céu que desce para eles

E que faz ondas sobre os montes como um mar

E banha seus campos e suas regiões.

Quão perfeitos os teus conselhos todos,

Ó Senhor da eternidade!

O Nilo do céu é teu [presente] para os estrangeiros

E para todos os animais do deserto que caminham sobre os pés:

Mas o Nilo verdadeiro vem de Duat para o Egito.

  

Os teus raios trazem a nutrição para todas as plantas;

Quando tu resplandece, elas vivem e prosperam para ti.

Tu fazes as estações

Para que se desenvolva tudo o que tu crias:

O inverno para refrescá-las,

O ardor para que te degustem.

  

Tu fizeste o céu distante

Para brilhares nele

E para ver tudo, tu único

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Que resplandeces forma de Aton vivo,

Nascido é luminoso, distante e (também vizinho.

Tu apresentas milhões de formas de ti, tu único:

Cidades, povoados, campos, caminhos, rios.

Todo olho vê a ti diante de si

E tu és o Aton do dia sobre (a terra).

  

Quando te afastas

E (dorme) todo olho do qual criaste a visão

Para não te ver sozinho.

(e não se verá mais) o que tu criaste,

Tu estás (ainda) no meu coração.

Não há nenhum outro que te conheça

Exceto o teu filho Nefer-kheperu-Rá Ua-en-Rá

Tu fazes com que ele seja instruído em teus ensinamentos e em teu valor.

A terra está em tua mão

Como tu a tens criado.

Se tu resplandeces, eles vivem,

Se tu te pões no horizonte, eles morrem;

Tu és a própria duração da vida.

E se vive de ti.

  

Os olhos vêem beleza, enquanto tu não te pões.

Deixa-se todo trabalho quando tu te pões à direita.

Quando tu resplandeces, dás vigor ao rei,

E agilidade para todos

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Desde quando fundaste a terra.

 

Tu te levantas para o teu filho

Que saiu do teu corpo

O rei do Vale e do Delta que vive da verdade,

O Senhor dos Dois Países Nefer-kheperu-Rá

O filho de Rá que vive da verdade,

O Senhor das coroas Akhenaton

Sublime de duração de vida:

E da grande esposa real, a senhora dos Dois Países Nefer-neferu-Aton Nefertite

Viva, jovem para sempre na eternidade."

Salmo 104 - Davi

“Bendize, ó minha alma, ao Senhor! Senhor, Deus meu, tu és magnificentíssimo! Estás vestido de honra e de majestade,

tu que te cobres de luz como de um manto, que estendes os céus como uma cortina.

És tu que pões nas águas os vigamentos da tua morada, que fazes das nuvens o teu carro, que andas sobre as asas do vento;

que fazes dos ventos teus mensageiros, dum fogo abrasador os teus ministros.

Lançaste os fundamentos da terra, para que ela não fosse abalada em tempo algum.

Tu a cobriste do abismo, como dum vestido; as águas estavam sobre as montanhas.

À tua repreensão fugiram; à voz do teu trovão puseram-se em fuga.

Elevaram-se as montanhas, desceram os vales, até

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o lugar que lhes determinaste.

Limite lhes traçaste, que não haviam de ultrapassar, para que não tornassem a cobrir a terra.

És tu que nos vales fazes rebentar nascentes, que correm entre as colinas.

Dão de beber a todos os animais do campo; ali os asnos monteses matam a sua sede.

Junto delas habitam as aves dos céus; dentre a ramagem fazem ouvir o seu canto.

Da tua alta morada regas os montes; a terra se farta do fruto das tuas obras.

Fazes crescer erva para os animais, e a verdura para uso do homem, de sorte que da terra tire o alimento,

o vinho que alegra o seu coração, o azeite que faz reluzir o seu rosto, e o pão que lhe fortalece o coração.

Saciam-se as árvores do Senhor, os cedros do Líbano que ele plantou,

nos quais as aves se aninham, e a cegonha, cuja casa está nos ciprestes.

Os altos montes são um refúgio para as cabras montesas, e as rochas para os querogrilos.

Designou a lua para marcar as estações; o sol sabe a hora do seu ocaso.

Fazes as trevas, e vem a noite, na qual saem todos os animais da selva.

Os leões novos os animais bramam pela presa, e de Deus buscam o seu sustento.

Quando nasce o sol, logo se recolhem e se deitam nos seus covis.

Então sai o homem para a sua lida e para o seu trabalho, até a tarde.

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Ó Senhor, quão multiformes são as tuas obras! Todas elas as fizeste com sabedoria; a terra está cheia das tuas riquezas.

Eis também o vasto e espaçoso mar, no qual se movem seres inumeráveis, animais pequenos e grandes.

Ali andam os navios, e o Leviatã que formaste para nele folgar.

Todos esperam de ti que lhes dês o sustento a seu tempo.

Tu lho dás, e eles o recolhem; abres a tua mão, e eles se fartam de bens.

Escondes o teu rosto, e ficam perturbados; se lhes tiras a respiração, morrem, e voltam para o seu pó.

Envias o teu fôlego, e são criados; e assim renovas a face da terra.

Permaneça para sempre a glória do Senhor; regozije-se o Senhor nas suas obras;

ele olha para a terra, e ela treme; ele toca nas montanhas, e elas fumegam.

Cantarei ao Senhor enquanto eu viver; cantarei louvores ao meu Deus enquanto eu existir.

Seja-lhe agradável a minha meditação; eu me regozijarei no Senhor.

Sejam extirpados da terra os pecadores, e não subsistam mais os ímpios. Bendize, ó minha alma, ao Senhor. Louvai ao Senhor.”

         Não há como saber se Osarsife era filho legítimo ou adotado pela princesa. Os registros históricos são conflitantes a este respeito e há muito de fundamentalismo obnubilando as pesquisas.

         Um relato consistente dá conta de que, enviado a inspecionar uma construção em andamento em Goshen, Osarsife testemunha um soldado egípcio vergastar sem compaixão um trabalhador hebreu. Tomado de ira – a sede de justiça sempre foi uma característica dos Grandes Iniciados – derruba o agressor, toma-lhe a arma e o mata. Este gesto o obriga a exilar-se em Mídia.

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         Jetro era um homem de pele negra - séculos atrás os etíopes eram os faraós do Egito – que guardava as tradições, sendo ele mesmo um Iniciado nos segredos de Ísis e Osíris. Na região de Midiã gestava-se o “culto ao Deus único”. Passando pelas provas necessárias à expiação de seu crime, Osarsife renasce recebendo então o nome de Moisés.

O Êxodo

         “Subir ao Monte” é sempre uma referência à Iluminação. Iluminado, Moisés retorna ao Egito e consegue a retirada do povo hebreu prometendo-lhes nova morada própria, “numa terra onde mana leite e mel”. A migração em massa dos hebreus em direção à Palestina é conhecida como Êxodo. “Viagens” Hollywoodianas à parte, as mais antigas tradições místicas dão conta de que o Êxodo ocorreu no reinado de Akhenaton e que os hebreus não eram escravos dos egípcios. As Tábuas da Lei, com os Dez Mandamentos, sintetiza brilhante do Código de Hamurábi, confirmando mais uma vez a influência das culturas mesopotâmica e egípcia na formação ética do povo hebreu.

         No capítulo dedicado a Orfeu, o já citado Édouard Schuré informa que Dionísio realizou milagres como abrir o mar para que o povo passe a seco e tirar água de uma pedra no deserto apenas batendo seu bastão nela. Dionísio também teria sido encontrado num cesto flutuando sobre as águas. A mesma história se repete no caso de Teseu, Perseu e uma série de outros personagens mitológicos.

         Moisés é, até hoje, o profeta mais reverenciado pelos judeus. Aqui cabe uma breve digressão para a nomenclatura. Os termos “hebreu”, “israelita” e “judeu” são usados no senso comum como sinônimos. De fato, “hebreu” é uma expressão derivada das línguas mesopotâmicas para designar o povo originário “do outro lado” do Eufrates. Quando deixaram o Egito e se instalaram em Canaã após subjugar os povos que ali viviam, passam a se chamar “israelitas”, principalmente após o reinado de Davi. O termo “judeu” refere-se a um povo e uma religião, aquela instituída por Moisés há mais de 3.000 anos. Em nossos dias, embora seja teoricamente possível a conversão ao judaísmo, esta é de rara a inexistente na prática. O fator “sangue” ou “descendência” pesa muito neste caso.

Juízes

         Com a morte de Moisés e o ingresso dos hebreus na Palestina, tiveram de travar várias guerras contra os povos que ali viviam, principalmente os filisteus (palestinos). Aquelas lutas foram conduzidas pelos Juízes.

         “Juízes eram chefes militares cuja autoridade tinha uma fundamentação religiosa. Diziam-se enviados de Iavé para comandar o povo hebreu.” – Rubem Aquino.

         Os palestinos foram subjugados inicalmente por seu primeiro Juiz, Josué, que destruiu Jericó, a ele se seguindo vários outros, dentre os quais se

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destacam Sansão e Samuel. A Samuel o povo hebreu pedia um rei, a exemplo da forma de governo existente entre outros povos da região em seu tempo.

 

Reis

         O primeiro rei hebreu foi Saul. Durante o seu reinado o povo hebreu foi politicamente unificado. O reinado de Saul foi marcado por uma série de campanhas militares contra os filisteus (palestinos) e demais povos vizinhos. Naquele período ocorreu ainda um certo enfraquecimento político do Egito e dos Estados Mesopotâmicos, favorecendo o fortalecimento do Estado Hebreu.

         Com a morte de Saul subiu ao trono Davi, sob cujo reinado o Estado de Israel de fato se consolidou. Toda a palestina foi subjugada e Jerusalém proclamada capital do Reino. Sob seu reinado criou-se um exército real e permanente – contando inclusive com mercenários estrangeiros; organizou-se uma forte burocracia estatal e um rigoroso sistema de impostos dotando ainda a monarquia de um caráter sagrado.

         Segundo o já citado Jaime Pinsky, “...mesmo no seu momento máximo, o reino de Davi era insignificante se comparado aos grandes impérios egípcios, babilônicos ou hititas. Mas era o máximo que se edificava na região em séculos. Aos olhos dos hebreus, pouco mais que beduínos, então, aquilo devia ser considerado uma coisa de outro mundo e Davi passa a ser glorificado em prosa e verso. Lods lembra bem que a primeira referência de caráter messiânico entre os hebreus foi a esperança da volta à idade de ouro dos tempos do rei Davi.”

         Passando a monarquia hebraica a ser vitalícia e hereditária, com a morte de Davi sobe ao trono seu filho Salomão, que se destaca por sua habilidade política. Sendo ele também um Iniciado, travou contato com os Sacerdotes Egípcios e Fenícios logrando, com o fruto de saques, pilhagens, impostos e comércio com povos da região, a construção de um grande templo. O famoso Templo de Salomão.

         Jerusalém como cidade sagrada e capital do Reino tinha agora no Templo o mais sagrado de todos os lugares do mundo para os judeus.

 

Cisma

         Os elevados tributos cobrados por Salomão trouxeram enorme insatisfação ao povo, principalmente às dez tribos do Norte que se separaram sob a liderança de Jeroboão, formando um Reino independente, o reino de Israel, com capital em Samaria. As duas tribos do Sul que permaneceram fiéis a Salomão, formaram o Reino de Judá, com capital em Jerusalém. O Cisma enfraqueceu os hebreus, tornando-os presa fácil aos Estados expansionistas do Oriente Próximo.

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         Os Assírios, no reinado de Sargão II (721 a.C.) conquistaram o reino de Israel ao Norte e Nabucodonosor (586 a.C.) determinou o domínio e destruição de Jerusalém e, com a cidade, o famoso Templo de Salomão. Os hebreus foram levados como prisioneiros para a Babilônia – episódio conhecido como Cativeiro da Babilônia.

         Anos mais tarde o Ciro, rei dos Persas, autoriza o retorno dos hebreus à Palestina, onde reconstruíram Jerusalém. O Templo também é reconstruído. Israel começa a ressurgir como província do grande Império Persa. Após o jugo

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persa os hebres viram-se sucessivamente dominados pelos helenísticos (Grécia-Macedônia), pelos egípcios e finalmente pelos romanos.

 

Diáspora

         Diante das muitas revoltas da população hebraica ao domínio romano no ano 70 d.C. estes destruíram novamente Jerusalém e o Templo – do qual só resta uma parede, o Muro das Lamentações. Sob o Imperador Romano Adriano os judeus foram expulsos da Palestina e proibidos de retornar àquela região. A este episódio dá-se o nome de Diáspora (dispersão).

         Após as atrocidades sofridas pelos judeus na Europa ao longo dos séculos, culminando com o grande genocídio perpetrado pelos nazistas, que mataram mais de seis milhões de judeus, estes conseguem junto à Organização das Nações Unidas, em 1948, a criação dos estados de Israel e da Palestina. Sob a égide da ONU e apadrinhamento dos EUA, os judeus recriam o seu Estado, mas jamais cumpriram a determinação da criação do Estado da Palestina, um dos principais motivos de a região viver em constante estado de guerra civil.

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Fronteiras de Israel segundo decisão da ONU em 1948

 

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Situação prática que se prolonga por vários anos

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O povo judeu

  Não uma raça, mas muito mais que uma religião, o povo judeu geralmente é descrito como sendo o centro de um triângulo constituído por um Deus, a terra de Israel, e o seu texto sagrado, a bíblia. A bíblia tem sido a fonte do grande impacto que este pequeno povo (com um número de aproximadamente 13 milhões) tem tido na cultura e na fé mundiais. Os seus primeiros cinco livros são conhecidos como a Torá, que significa ensinar, um termo que se expandiu para incluir uma grande quantidade de conhecimento judaico transcrito durante os séculos. Entretanto, para muitos judeus, os seus ensinamentos são destilados em um único comando pronunciado pela primeira vez por um sábio judeu há cerca de dois mil anos atrás: "Não faça com os outros o que você não gostaria que fizessem consigo."  A bíblia contém os Dez Mandamentos (no livro bíblico Êxodos, 20:1-13), os ensinamentos morais incluem, entre outros, não só proibições de assassinato e roubo, mas também o comando de manter um dia de descanso semanal, o Shabat, uma marca da fé e da cultura judaica, e o comendo de honrar seu pai e a sua mãe. A bíblia é a base para os ensinamentos de Jesus e do cristianismo, e para o Novo Testamento.  Através dos séculos os judeus acrescentaram o Talmude aos seus textos sagrados. Este é um complemento à Bíblia, que se desenvolveu principalmente depois do povo judeu ser exilado da sua pátria, Israel (veja abaixo), mas lutou para manter conexões uns com os outros, com Deus e com a sua terra. Aprender a bíblia e o Talmude, e o estudo em geral, se tornaram um elemento importante da cultura judaica, como também a antiga língua da bíblia, o hebraico, que foi renovado nos tempos modernos. Talvez a história mais famosa da bíblia seja o Êxodo, no qual Moisés liderou o povo, então chamado de israelitas e dividido em 12 tribos, da escravidão do Egito para a liberdade. Eventualmente os israelitas entraram na Terra de Israel que, de acordo com a bíblia, Deus prometeu ao primeiro patriarca, Abrão. As doze tribos são descendentes do Abrão através do seu neto, Jacó, que também era chamado Israel.  O evento melhor conhecido na vida de Abrão foi quando Deus o testou chamando-o para sacrificar o seu filho Isaque, apesar de Deus não realmente ter deixado que Abrão o fizesse.  Eventualmente os israelitas estabeleceram um reinado na terra de Israel, liderados por Saul, Davi, Salomão e outros reis. Eventualmente o reinado se dividiu nos ramos do norte e do sul. A parte do norte foi exiladas pelos assírios em 721 aC, e suas tribos desapareceram, tornando-se conhecidas como as Dez Tribos Perdidas.  Davi também é uma figura judia religiosa importante. Ele é o antepassado do salvador tão esperado (o Messias), e o autor de algumas das poesias religiosas mais emocionantes da bíblia, os Salmos. Davi também fez de Jerusalém a capital do povo judeu, comprando a terra no Monte Moriá onde Abrão foi testado, e onde posteriormente o grande santuário conhecido como o Templo seria construído O Monte Moriá é conhecido hoje em dia como o Monte do Templo. Salomão construiu ali o Primeiro Templo em cerca de 950 aC, que foi destruído pelos babilônios, que exilaram os judeus de sua terra em 586 aC. Mas cerca de 50 anos depois os judeus retornaram e construíram o Segundo Templo, que foi embelezado pelo Rei Herodes perto da época de Jesus. Este também foi destruído em 70 AD pelos romanos.  O Monte do Templo no qual as mesquitas muçulmanas Cúpula da Rocha e Al-Aqsa se encontram hoje em dia, é um dos lugares mais bem conhecidos em Israel, como o Muro das Lamentações, o último remanescente do Templo de Herodes e um lugar sagrado judeu. 

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No século XIX Theodore Herzl, a quem muitas pessoas chamam do Moisés dos dias modernos, fundou um movimento político moderno para trazer os judeus de volta à antiga terra. O movimento era chamado Sionismo, da palavra "Sião", um nome para Jerusalém mencionado na bíblia. Desta forma, durante os séculos de exílio, os judeus nunca esqueceram a sua cidade sagrada. Quando o Estado de Israel foi fundado em 1948, Jerusalém se tornou a sua capital. 

História

O que aconteceu depois da Páscoa

Para criar uma religião mundial, o Jesus libertador do povo judeu foi transformado no Filho de Deus e ganhou o nome de Cristo

Maurício Tuffani

Três tempos Paulo (acima, no quadro Monte de Marte, de Rafael) prega sua mensagem sobre Jesus (no centro, no mosaico Ressurreição, da Igreja da Transfiguração, em Massachusetts), que permanece até hoje sob a orientação do Vaticano (abaixo)

A religião cristã não começou com Jesus. Segundo estudos recentes feitos por historiadores e teólogos cristãos, a imagem desse homem como Filho de Deus surgiu alguns anos após sua morte em Jerusalém por volta do ano 30 do que hoje chamamos Era Cristã. Mais ainda: a versão de que Jesus teria sido condenado pelo povo judeu passou a ser construída muito depois de sua morte, com a elaboração dos evangelhos. Diante de um mundo dominado pelos romanos, o cristianismo evitou complicações políticas e se distanciou de sua origem: uma seita

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judaica formada por homens contrários à dominação estrangeira. Liderada por Tiago, irmão de Jesus, a seita praticamente desapareceu no massacre de Jerusalém pelos romanos na revolta que terminou no ano 70. Para seus integrantes, Jesus era o Messias, descendente do rei Davi que nascera para libertar o povo judeu da opressão e fora morto sob acusação de rebelião. Fora da Palestina o trabalho iniciado pelo apóstolo Paulo prosseguiu, com a mensagem de um Cristo divino e descomprometido com a política.

Por muito tempo, a versão aceita pela tradição cristã fez do ato de terror do Império Romano um crime dos judeus

"Vendo Pilatos que nada conseguia, mas, ao contrário, a desordem aumentava, pegou água e, lavando as mãos, na presença da multidão, disse: "Estou inocente desse sangue. A responsabilidade é vossa". (Mateus, 27, 24-25)

Até cerca de 50 anos atrás, nas missas católicas da Sexta-Feira Santa, os padres diziam aos fiéis para orar pelos "pérfidos judeus", para que Deus tivesse piedade deles. Essa expressão discriminatória, que foi retirada da liturgia católica durante o papado de João 23 (1958-1963), se originou da versão sobre a Paixão de Cristo consagrada pelos evangelhos. Estudos críticos da Bíblia, mais freqüentes nas últimas décadas – por parte de estudiosos ateus, judeus e até cristãos – rejeitam a versão que mostra Pôncio Pilatos comovido com Jesus e inconformado com a suposta multidão que teria pedido sua morte.

Baseados em diversos relatos, como os de Flávio Josefo (35-100 d.C.), autor de A Guerra Judaica, e nos princípios do Direito Romano, esses historiadores estão convencidos de que a condenação de Jesus foi apenas mais uma entre as milhares realizadas pelos romanos na Palestina. "Foi basicamente um ato oficial de terrorismo. Roma não tolerava rebeliões em seus domínios", afirma o teólogo Fernando Altemeyer Júnior, professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo. A morte na cruz era a pena imposta pelos romanos para os delitos contra o império.

A cidade da execução Jerusalém, onde hoje vivem israelenses e palestinos, teve seu antigo Templo destruído e, no Gólgota (local do suposto sepultamento de Jesus), está hoje a

O julgamentoCristo perante Pilatos, quadro de 1566-1567 de Tintoretto

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Igreja do Santo Sepulcro

Ameaça ao grupo

A acusação contra Jesus por parte dos judeus se restringiu aos saduceus, a facção que apoiava a dominação romana e controlava a nomeação dos sumos sacerdotes. Jesus teria sido uma ameaça para eles, segundo o teólogo Hermínio Andrés Torices, professor da PUC de Campinas e do Instituto Teológico de São Paulo. "Tudo indica que houve um complô desse grupo restrito, mas não uma vontade coletiva dos judeus de Jerusalém", diz Torices. O judaísmo na época de Jesus era muito diversificado, mas apesar das muitas facções, o sentimento contra a dominação estrangeira era geral e muito forte na população local.

Um outro tema tratado nos evangelhos, a libertação de Barrabás, serviu para temperar essa suposta vontade coletiva dos judeus de condenar Jesus à morte. O privilégio de os judeus poderem pedir durante a Páscoa a libertação de um condenado não passa de uma lenda, segundo diversos estudiosos, como Paul Winter (1904-1969), em seu livro póstumo Sobre O Processo de Jesus, de 1974.

Acredita-se que, escritos a partir da grande revolta dos judeus contra Roma (66-70 d.C.), os evangelhos evitaram acusar o Império pela morte de Cristo. "Há uma nítida tendência para amenizar as tensões entre romanos e cristãos, até mesmo nos séculos seguintes", afirma Torices. Essa tendência só termina no ano 313, quando o imperador Constantino decreta o Edito de Milão, estabelecendo uma política de liberdade religiosa. Por pouco, segundo Winter, Pilatos não foi canonizado, assim como aconteceu com sua mulher pela Igreja Grega por ter sido advertida em um sonho que Jesus era inocente (Mateus, 27,19).

Após se converter, Paulo prega fora da Palestina para os não-judeus; começam as brigas com Tiago, irmão de Jesus

As pesquisas das últimas décadas mostram como a pequena seita judaica criada por Jesus conseguiu sobreviver de maneira surpreendente à guerra de 66-70 d.C., em que os romanos praticamente massacraram os judeus. Isso ocorreu por obra de um homem que havia sido um implacável perseguidor desse povo convertido: o apóstolo Paulo, nascido em uma família israelita de Tarso, na atual Turquia, com o nome de Saulo. Segundo os Atos dos Apóstolos, após presenciar de forma cúmplice o apedrejamento de Estevão em Jerusalém, Saulo "devastou a Igreja: entrando pelas casas arrancava homens e mulheres e metia-os na prisão".

Isso ocorreu até que, em uma viagem a Damasco, Jesus teria aparecido após uma luz intensa vinda do céu tê-lo cegado, fazendo-o cair no chão. Depois da visão, ele deixa de lado o nome judaico e passa a se chamar Paulo, da língua do Império Romano, o latim. E começa sua missão com os gentios (não-judeus) em viagens a Chipre, à Ásia Menor e à Grécia.

"Os evangelhos falam pouco sobre os atos dos romanos na Palestina. Seria o mesmo que contar a história da França de 1940 a 1945 sem falar nos alemães."

Hyam Maccoby, da Universidade de Leeds, na Inglaterra, em entrevista ao documentário O Verdadeiro Jesus Cristo, produzido pelo Channel 4

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Ruptura entre facções

No ano 48 d.C. , realiza-se o Concílio de Jerusalém. Nessa reunião, Paulo conseguiu convencer Tiago, irmão de Jesus e líder da seita que continuou na Palestina após a crucificação, a permitir que pagãos convertidos fossem dispensados de seguir a Lei judaica, que estabelecia, entre outras obrigações, a circuncisão e os princípios de seleção e preparação de alimentos. Paulo prossegue com sua missão, mas a doutrina pregada por ele já não era a mesma da Igreja de Jerusalém.

Para Tiago e seus seguidores, Jesus era o Messias, que teria vindo ao mundo para livrar o povo judeu da opressão. Era o escolhido para implantar o Reino de Deus, isto é, governar Israel conforme a Lei. Paulo, porém, apresentava Jesus sob o nome grego Cristo, cujo significado era o mesmo de Messias em hebraico: "Ungido". O Cristo anunciado por ele era o Filho de Deus. Tiago e os outros apóstolos o tinham conhecido em vida, mas Paulo alegava ter visto o Cristo celestial. Em sua Primeira Epístola aos Coríntios (15,8), ele se declara como o último dos que viram o Filho de Deus ressuscitado. Paulo ensina que o cristão é livre do pecado pelo seu amor a Cristo e que a Lei era obsoleta. "Vamos pecar porque não estamos mais debaixo da Lei mas sob a graça? De modo algum!" (Romanos, 6,15).

As desconfianças se agravam. Paulo faz uma violenta acusação na Epístola aos Gálatas (2,4) aos "falsos irmãos que se infiltraram para espiar a liberdade que temos em Cristo Jesus, a fim de nos reduzir à escravidão". Ele segue para um encontro com Tiago em Jerusalém, possivelmente no ano 58. Reconhecido no Templo como aquele que pregava o abandono da Lei, é ameaçado de morte, apela para sua cidadania romana e escapa do linchamento ao ser preso pelos soldados. Tiago é morto por apedrejamento quatro anos depois. Paulo é decapitado em Roma depois por ordem de Nero. Mas o mundo conhecerá somente o Cristo de Paulo.

O Cristo celestial de Paulo obscurece o Jesus histórico, cresce com o Império Romano e se expande para o mundo

Segundo o que se conhece sobre aqueles tempos turbulentos, a Igreja cristã de Jerusalém praticamente morreu com o massacre comandado por Tito no ano 70. Tiago e seus seguidores teriam sido judeus de origem humilde, talvez com modesta formação intelectual, afirma Robert

"Este (Paulo) é o primeiro cristão, o inventor do cristianismo. Até então havia apenas alguns sectários judeus."

Friedrich Nietzsche (1844-1900), filósofo alemão, em Aurora

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Eisenman, diretor do Instituto de Estudos das Origens Judaico-Cristãs, da Universidade do Sul da Califórnia, em Long Beach, nos EUA. O sofisticado Paulo, ao contrário, tivera sólida formação na cultura greco-romana e preparou o caminho para que a expansão cristã pudesse prosseguir após sua morte. "Além de fazer uma peregrinação missionária original, criando vínculos em cidades importantes, ele soube escolher pessoas para multiplicar seu trabalho", afirma o teólogo Fernando Altemeyer Júnior. "Se fosse nos dias de hoje, ele usaria a internet." Paulo permaneceu 18 meses em Corinto, na Grécia, pregando aos trabalhadores do porto e marinheiros, que passaram a difundir sua mensagem. "Paulo enxergava a direção que tomava o mundo e agiu para fazer o cristianismo crescer no futuro", diz o teólogo Hermínio Andrés Torices.

A intuição do apóstolo faz com que ele apresente a fé cristã com uma dramatização comovente e arrebatadora para os homens de um mundo sob domínio político opressivo. Paulo, que conhecera os filósofos estóicos, como o romano Sêneca (4 a.C.- 65 d.C.), cria uma doutrina semelhante em alguns aspectos ao pensamento deles. O estoicismo, que esvaziava da filosofia o conteúdo político em favor da moral e da realização subjetiva, surgira a partir da perda da liberdade política das cidades-estado gregas para os conquistadores macedônios no século 4 a.C. A liberdade do cristão, diz Paulo, é a salvação obtida somente por meio da fé e do amor em Cristo.

Traição aos judeus

Para os judeus seguidores de Jesus, no entanto, política e religião eram uma coisa só. Diante da ameaça de serem massacrados pelos romanos, eles consideravam o cristianismo de Paulo como uma traição. Entre os círculos judaicos mais radicais a Roma, ele chegou a ser apontado em sua época como um herodiano, segundo Robert Eisenman em seu artigo "Paul as a Herodian", publicado em 1996 no Journal of Higher Critical Studies. Eram assim chamados, em alusão a Herodes e sua família, todos aqueles considerados cúmplices da dominação romana e de seus governantes fantoches por usufruírem benefícios ou simplesmente por não adotarem uma atitude contrária, de acordo com Eisenman.

Além de não se opor aos dominadores, o cristianismo teria desvirtuado a imagem de facções judaicas, como o farisaísmo, que apregoava a rigorosa observação da Lei, e criticava tanto os saduceus, cúmplices dos romanos, como os zelotas, que pegavam em armas contra eles. "Na tradição cristã, a palavra ‘fariseu’ tornou-se sinônimo de ‘hipócrita’, ou se aplica àqueles que se atêm a minúcias sem atender ao que importa", diz Winter.

Outros pesquisadores, como Geza Vermes, da Universidade de Oxford, na Inglaterra, vão mais além na crítica às origens cristãs. "No relato de João da vida de Jesus, eles (os judeus) são um bando sedento de sangue que desde o início procurou matá-lo e não desistiu até ter sucesso em seus planos nefandos", diz Vermes no livro A Religião de Jesus, o Judeu. "Eis a origem da tendência cristã de demonizar os judeus, a origem do antijudaísmo religioso, tanto moderno quanto medieval, que direta ou indiretamente conduz ao Holocausto."

Exageros nas críticas

Embora não discordem dessas afirmações, muitos estudiosos esclarecem que é preciso cautela para evitar uma injusta redução da obra de Paulo. Alguns historiadores, como Hyam Maccoby, da Universidade de Leeds, na Inglaterra, afirmam em várias obras que ele fez um

O apóstolo Paulo, em um mosaico no Arcebispado de Ravena, Itália

"Eu vos faço saber, irmãos, que o evangelho por mim anunciado não é segundo o homem, pois eu não o recebi nem aprendi de algum homem, mas por revelação de Jesus Cristo."

Paulo, Epístola aos Gálatas, 1, 11

A cristianização de JesusO Jesus humano e judeu (acima, em A Crucificação Amarela, de Chagal) sai de cena para dar espaço ao Cristo celestial (à dir., em Ressurreição, de Grunewald)

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trabalho sistemático de construir uma religião conveniente para o momento, e o responsabiliza pelos evangelhos oficiais. "Isso é um exagero. Paulo é quem mais fala da cruz romana como uma garantia histórica do personagem que foi o filho de José", diz Altemeyer. "Em cada uma de suas cartas ele tratou de assuntos específicos, sendo sempre muito enfático com o tema central", afirma Ana Flora Anderson, professora da Escola Dominicana de Teologia, em São Paulo. "Por isso, não é justo fazer conclusões gerais e sintéticas da obra paulina."

Apesar de todas essas críticas, o Novo Testamento continua sendo a fonte mais rica e mais detalhada das origens cristãs. Mas, felizmente, o cristianismo passou nos últimos 50 anos, a partir de João 23, a rever seus procedimentos no dia-a-dia. "As barreiras de desconfiança mútua se dissolveram. Nunca houve tantos encontros oficiais de católicos com a comunidade judaica visando caminhar para uma verdadeira fraternidade", diz o rabino Henry Sobel, presidente do Rabinato da Congregação Israelita Paulista, em São Paulo. "Esse é um caminho para valer, sem volta."

A Palestina sob o domínio romano

Essas considerações se aplicam à passagem bíblica alusiva à escolha de Pedro por Jesus como a pedra sobre a qual se ergueria sua Igreja. Muitas passagens dos evangelhos são comuns às quatro versões. Três desses livros – os de Marcos, Mateus e Lucas – são chamados pelos especialistas de evangelhos sinóticos, pois é possível fazer uma sinopse única de grande parte de seu conteúdo. Nessa sinopse, porém, não entra a famosa citação de Mateus, pois ela consta somente do seu evangelho. Segundo vários estudiosos, o texto desse apóstolo foi escrito em Antioquia, na Síria, cidade onde o próprio Pedro realizou grande parte de seu apostolado. Mateus teria, portanto, como se diz, "puxado a sardinha" para o seu lado. E conseguiu o milagre de multiplicá-la.

Se Jesus realmente disse a Pedro o que Mateus escreveu, ele não o teria incumbido de construir um templo religioso, nem de fundar uma nova Igreja no sentido que essa palavra tem de religião. A frase teria sido dita em aramaico, língua falada na Palestina no dia-a-dia (o hebraico só era usado em atividades religiosas), mas as versões mais antigas do texto de Mateus estão em grego, o idioma oficial mesmo sob a dominação romana. "Igreja" é a tradução do grego "enklesía", que significava então comunidade. Uma nova comunidade não era necessariamente uma nova religião.

Esses esclarecimentos foram enriquecidos com a chamada pesquisa cristológica. Mas esses estudos foram se tornando um campo demasiadamente restrito, limitado a especialistas que precisam compreender línguas como grego, latim, hebraico e aramaico, além de conhecer profundamente os textos bíblicos em suas versões cristã e judaica e também a História Antiga e Medieval. Em seu livro Procurais o Jesus Histórico?, escrito em1994, Zuurmond afirma que muitos desses pesquisadores têm a tendência de "apresentar as coisas de forma tão complicada que fora de um círculo restrito ninguém entende nada".

Armadilhas históricas na leitura atual dos apóstolos

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Aos 37 anos, Pedro Lima Vasconcellos, professor do Departamento de Teologia e Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, se dedica a um campo de pesquisas relativamente recente, mas que cresceu muito nas últimas décadas: o estudo científico da religião. Essa área trouxe importantes colaborações da sociologia, antropologia, psicologia, história e outras ciências. Nesta entrevista, o pesquisador explica como a falta de contextualização histórica tem prejudicado a compreensão dos evangelhos.

Galileu: Os evangelhos mostram Jesus em oposição aos judeus. O texto de João, particularmente, é o mais agressivo com a corrente dos fariseus. Tomando-os ao pé da letra, não se deveria concluir que Jesus de Nazaré pretendia inaugurar uma nova religião, distinta da deles? Pedro Lima Vasconcellos: Há um fator histórico fundamental nessa questão: Jesus viveu algumas décadas antes da Guerra Judaica (66–70 d.C.), quando o general romano Vespasiano, depois imperador, sufocou a grande rebelião da Judéia, destruiu o Templo de Jerusalém e massacrou os judeus. Os evangelhos foram escritos depois desse conflito, quando diversas facções do judaísmo foram extintas por causa do elevado número de mortes. O judaísmo pós-70 d.C. foi reconstruído pela seita dos fariseus. Para eles, mesmo antes desse período, Jesus não era o messias previsto pelos profetas do Antigo Testamento. Por isso e por outras razões, como o fato de os cristãos não cumprirem o ritual da circuncisão nem as restrições de alimentos dos judeus, os fariseus e os novos seguidores de Jesus foram se tornando duas seitas que acreditavam no mesmo Deus, mas eram antagônicas. Esse antagonismo se refletiu nos evangelhos, um pouco menos em Marcos, que foi o primeiro deles e deve ter sido escrito na época da guerra.

Galileu: Mesmo com essa ponderação, permanece a imagem de Jesus em confronto com os fariseus em discussões sobre a religião. Isso não seria um forte indício de que ele teria divergências profundas com essa seita? Vasconcellos: Os fariseus valorizavam o debate sobre os princípios da religião e só o praticavam com aqueles que respeitavam. Eles não teriam,

portanto, debatido com Jesus, como mostram os evangelhos, se não tivessem respeito por ele e, acima de tudo, se, em vez de ser um seguidor do judaísmo, ele estivesse pregando uma outra religião. Note-se que havia

A Ceia de Emaús Jesus, um homem comum, no quadro de Caravaggio (1601)

Apoio da ciência Pedro Lima de Vasconcellos, professor da PUC de São Paulo

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várias correntes entre os fariseus. Ao serem registrados pelos evangelistas após 70 d.C., esses debates foram descontextualizados. Por isso, os evangelhos devem ser compreendidos à luz dessa mudança de contextos históricos.

Galileu: Se o essencial, portanto, não era fundar uma nova religião, qual teria sido o eixo da mensagem de Jesus?Vasconcellos: Ele trouxe uma nova perspectiva para o que era chamado de Reino de Deus. Para a tradição, esse reino seria um futuro de justiça e de santidade. Para Jesus, ele estaria entre aqueles que vivem o aqui e agora. Como disse John Dominic Crossan, pesquisador irlandês radicado nos Estados Unidos, em seu livro O Jesus Histórico, "o importante não é possuir uma intuição especial para poder ver o Reino do futuro, e sim ter a habilidade de reconhecê-lo como uma realidade presente".

Imagens conflitantesTrês anos antes de Zuurmond, o irlandês John Dominic Crossan, professor de estudos bíblicos da Universidade De Paul, em Chicago, nos Estados Unidos, já reclamava do número cada vez maior de pesquisadores competentes gerando imagens conflitantes de Jesus. "A pesquisa do Jesus Histórico está virando uma piada sem graça", diz ele em seu livro O Jesus Histórico.

Uma das principais fontes de problemas dos estudos científicos da Bíblia está na excessiva especialização de alguns pesquisadores. O risco dessa tendência na pesquisa dos evangelhos, assim como em outras áreas, está na dificuldade de admitir como válidas cientificamente as conclusões obtidas fora dos princípios da área de especialidade. Seria o caso, por exemplo, de arqueólogos bíblicos que desconsiderariam evidências históricas ou lingüísticas sem suporte em registros arqueológicos. "Um número cada vez menor de estudiosos consegue enxergar além dos limites – por eles mesmos traçados – de sua especialidade", diz Zuurmond.

O teólogo holandês não poupa nem mesmo seus colegas de batina: "Mais de uma vez ouvi um colega dizer, a respeito de determinada interpretação de um texto bíblico: 'Sim, é verdade, mas no púlpito não podemos dizer essas coisas'. (…) Acredito que seríamos desonestos se por 'motivos pastorais' escondêssemos nossas convicções como cientistas".

A despeito do grande desenvolvimento dos estudos bíblicos e da pesquisa científica sobre a origem do cristianismo, ainda pairam muitas dúvidas e incertezas sobre o Jesus histórico e a sua mensagem. Sem desqualificar os poucos resultados consensuais já obtidos, parece que boa parte desse avanço está em mostrar o que esse pregador judeu na Palestina do século 1º não era, o que também é importante. No que se refere à questão sobre se ele teve ou não intenção de fundar uma nova Igreja, já existem conclusões relevantes sobre a "missão papal" que teria sido atribuída a Pedro, como já foi visto, e também sobre as discussões de Jesus com os fariseus.

Em seu livro A Religião de Jesus, o Judeu, de 1993, o húngaro Geza Vermes, professor de estudos judaicos da Universidade de Oxford, na Inglaterra, já assinalava que em nenhum trecho dos evangelhos Jesus contesta qualquer mandamento da Torá, a Bíblia judaica. "As declarações controvertidas giram em torno de leis conflitantes, quando uma

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cancela a outra", diz Vermes referindo-se a declarações atribuídas a Jesus nos evangelhos.

Muitos estudiosos atualmente não descartam a hipótese de Jesus ter sido um fariseu. Em uma outra obra, recentemente lançada no Brasil, Sábios Fariseus – Reparar uma injustiça, Evaristo de Miranda e José Schorr Malca ressaltam o espírito antifundamentalista dos fariseus, que valorizavam o confronto de idéias opostas e defendiam a interpretação e discussão dos textos bíblicos, mesmo que fossem conflitantes. "O fundamentalismo não admite discussão nem o enfrentamento de idéias. Eles (os fundamentalistas) crêem-se travando uma guerra contra forças destruidoras de seus valores mais sagrados e dogmáticos", diz o livro de Miranda e Malca, para quem Jesus usava as mesmas parábolas e metáforas dos fariseus.

O personagem histórico que continua enigmático

A tentativa de recompor o rosto de Jesus deu origem a uma iniciativa da rede britânica BBC neste ano. O resultado nada teve a ver com a imagem que grande parte do mundo cristão tem daquele que é considerado o fundador de sua religião. Já se esperava, nos últimos anos, que Jesus não fosse um homem alto, de longos cabelos louros, olhos azuis ou verdes, pele clara e nariz afinado, como mostraram, durante vários séculos, as pinturas européias, e nas últimas décadas, muitos filmes de Hollywood.

A imagem da BBC, obtida a partir de dados e medidas do crânio de um judeu do século 1º d.C. – escolhido como o mais representativo da população masculina adulta da Palestina naquela época –, era de um homem de corpo provavelmente atarracado, rosto arredondado, nariz grosso e, provavelmente, cabelos e olhos escuros. O trabalho de recomposição facial foi coordenado por Richard Neave, o mesmo especialista britânico que reconstituiu o rosto de Luzia, a mulher de características físicas africanas cujo crânio, de cerca de 11.500 anos – o mais antigo das Américas –, foi encontrado em 1975 no sítio de Lapa Vermelha, no município de Pedro Leopoldo, em Minas Gerais.

Apesar do rigor da reconstituição dos britânicos, não se quer dizer que agora sabemos como era o rosto de Jesus. O crânio usado pode ser de um homem que não era nada parecido com ele.

Assim como a verdadeira imagem do homem de Nazaré permanece desconhecida, pouco sabemos da vida do Jesus histórico. A partir da contestação da validade dos evangelhos como obras históricas em meados do século 19, a própria possibilidade da existência de Jesus chegou a ser

Jesus no computador Rosto a partir do crânio de judeu da Palestina do século 1º

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posta em xeque. Mas, aos poucos, historiadores, lingüistas, arqueólogos e teólogos juntaram evidências de que, em Belém ou em Nazaré, no ano 7 ou 6 a.C., nasceu Yeshua Ben Yossef (Jesus filho de José, em aramaico), que por volta do ano 30, sob as ordens do procurador romano Pôncio Pilatos, fora condenado à morte por crucifixão, pena aplicada somente aos que eram considerados contrários à ordem estabelecida por Roma.

Ao longo do século 20, cresceu a compreensão da importância do esforço do apóstolo Paulo na construção do cristianismo e no seu direcionamento, que o tornou, em poucas décadas, uma religião distinta do judaísmo. As informações sobre a vida de Jesus, o apostolado de Paulo e a elaboração do Novo Testamento foram enriquecidas com o auxílio de fontes independentes do cristianismo, como os judeus Flávio Josefo e Filo de Alexandria e os romanos Tácito e Suetônio.

O contexto histórico da dominação da Palestina por Roma a partir de 63 a.C. passou a ter maior relevância na interpretação dos evangelhos. A participação dos judeus na condenação de Jesus, na forma mostrada pelos textos dos apóstolos, passou a ser interpretada por muitos estudiosos como um recurso para evitar problemas do cristianismo com Roma. "É curioso como os evangelistas poupam, no processo contra Jesus, o governador romano Pilatos", diz o teólogo holandês Rochus Zuurmond. Essa tendência só terminou no século 4º, quando o cristianismo tornou-se religião oficial do Império.

O Reino do aqui e agoraSegundo o padre Ivo Storniolo, Jesus compreendeu profundamente que o projeto de Deus nas Escrituras tinha um grande potencial crítico para a forma como era praticada a religião. "O ideal comunitário e igualitário de Jesus ia contra os interesses da casta dos saduceus, que abrangia chefes religiosos e políticos e o clero latifundiário conivente com a realidade imperialista e tributária da ocupação da Palestina por Roma." Uma das certezas das pesquisas cristológicas, segundo o teólogo, é que somente os saduceus participaram com os romanos do processo que levou à morte de Jesus.

Tudo indica, portanto, que Jesus jamais teve a intenção de fundar uma nova Igreja. A dúvida que fica para quem não pertence ao restrito grupo dos estudiosos é o que significava o Reino de Deus, a mensagem central de Jesus. "Em sua pregação, ele simplesmente levou muito a sério o que a religião de seu povo pedia. E foi na sua experiência humana que ele aprendeu isso", afirma Storniolo. "Para Jesus, 'Shalom' (paz em hebraico) era cada um ter sua terra, seu cultivo, poder sentar sob sua figueira ou sua videira e viver em paz na comunidade."