A ICONOFOTOLOGIA: ENTRE O LÓGOS POÉTICO, O EIKON E A TECHNÉ FOTOGRÁFICA

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    A iconofotologia: entre o lgos potico, o eikon e a technfotogrfica

    Iconofotology: between the poetical lgos, the eikn and the photographic techn

    Antnio Jackson de Souza Brando1

    Resumo: O presente artigo prope uma nova abordagem da leitura de textos de perodos extemporneose, para isso, fez-se necessrio criar novos termos que correspondessem a essa expectativa: aiconofotologia e poemas fotogrficos. Para que um leitor contemporneo possa ler e compreender textosretricos dos sculos XVI, XVII e XVIII, teria de ter acesso a uma chave sgnica a que somente seusleitores tinham acesso: as iconologias. No entanto, esse referencial se perdeu, por isso o substitumos porum outro, a partir do acervo imagtico-fotogrfico de que dispomos hoje e que chamamos deiconofotolgico. A partir dele, ser possvel lermos, sob o ponto de vista contemporneo (no sob o pontode vista seiscentista, por exemplo), os poemas que denominamos fotogrficos.

    Palavras-chave:Iconofotologia, poema fotogrfico, poesia, fotografia, iconologia

    Abstract: The present article intends to give a new approach to the reading of texts from the untimelyperiods and, for that, it was necessary to create new terms that corresponded to this expectation: theiconophotology and photographic poems. In order to enable a reader to read and understand rhetoricaltexts from 16th, 17th and 18th centuries, he would have to have access to a signical key to which onlyreaders of that moment had access: the iconologies. However, such reference has been lost; therefore, wehave to replace it by another one, from the imagetic-photographic collection we have, which is callediconophotological. With this premise, it will be possible to read, under the contemporary point of view(not under the baroque point of view), the so-called photographic poems.

    Keywords: Iconophotology, photographic poem, poetry, photography, iconology,

    Introduo

    A relao entre a imagem pictrica e a potica j possui longa tradio. Ambas caminharam juntas

    durante sculos, apesar dos paragoni que buscavam ressaltar a predominncia de uma sobre a outra. No

    entanto, o que se pretende com este artigo no tratar dessa relao, mas tentar estabelecer uma outra

    entre a leitura de textos literrios extemporneos (dos sculos XVI, XVII e XVIII) restritos poesia

    descritiva e a fotografia. Obviamente, essa relao no se dar por meio dos pressupostos retricos

    daquele perodo, devido ao anacronismo, mas a partir da recepo imagtica que fazemos hoje daquelas

    imagens, aparentemente, descritivas.

    Diferentemente de sculos anteriores, fazemos hoje uso distinto das regras retricas e de suas imposies.

    Isso no significa, contudo, que as figuras retricas tenham sido abolidas, afinal constituem a essncia do

    fazer potico (e literrio):

    1 Antnio Jackson de Souza Brando mestre (A literatura barroca na Alemanha: representao, vanitas

    e guerra) e doutor em Literatura alem (Iconofotologia do Barroco alemo), ambos pela Universidade deSo Paulo, sua rea de pesquisa a recepo imagtica de textos extemporneos, email:[email protected]

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    (...) no h poesia sem figuras, conquanto se entenda figuras num sentido suficientemente amplo: todamensagem literria necessariamente ritmada, rimada, assonante, graduada, cruzada, oposta, etc. Mas,evidentemente, h figuras sem poesia (...). (Dubois, 1974: 41)

    A partir do Modernismo, a arte pictrica e a literria ampliaram seus horizontes por meio de uma

    verdadeira revoluo e parte desse processo deveu-se ao advento da fotografia no sculo XIX. Suarepercusso verificou-se no s naquele momento como em todo o sculo XX, afetando, inclusive, nossa

    relao com o mundo imagtico, seja no campo da artes pictricas seja no da literatura. Houve tambm,

    no incio do sculo passado, uma reaproximao entre palavra e pintura, como demonstraram alguns

    experimentos vanguardistas. Hoje, por sua vez, palavra e imagem (em sua grande maioria fotogrfica)

    tambm so largamente empregadas na (e pela) linguagem publicitria.

    No entanto, diante do domnio da imagerie que estamos presenciando, vm-nos algumas questes que j

    se tornaram, inclusive, lugares-comuns: a imagem sempre vai superar o (lgos) na apreenso do

    mundo que nos cerca? Ou ainda: uma imagem vale por mil palavras?

    A imagem prescinde do ?

    O tem o poder de representar-se e de representar aquilo que est a nossa volta e, mesmo diante do

    assdio proporcionado pelo turbilho imagtico-fotogrfico, continua demonstrando sua hegemonia.

    Pode-se verificar isso quando, diante de uma fotografia seja em revistas, jornais, outdoors

    necessitamos, muitas vezes, da legenda para que, por meio desta, possamos explicar aquela e torn-la

    mais legvel ou mesmo inteligvel.

    Por mais estranho que seja falar em busca por inteligibilidade, no se deve esquecer de que ainda h, porparte de muitas pessoas, a convico de a imagem fotogrfica representar uma cpia fiel da realidade,

    logo prescindiria de qualquer explicao, afinal, falaria por si mesma. No entanto, devido s inmeras

    possibilidades auferidas pelos recentes softwares de edio de imagens, esse mito vem, pouco a pouco

    sendo desfeito: j se tem conscincia de que a fotografia possa sofrer vrias manipulaes; e, acrescente-

    se a isso, sua propagao sem limites e a facilidade de sua obteno.

    Atualmente, muitas pessoas j tm o hbito de desconfiar do que veem: realmente a fulana que est

    aqui? Aquela foto no uma montagem?2 Esse desconfiar do fotogrfico est se tornando constante3

    (deve-se ter em mente que uma das funes da fotografia era, exatamente, o contrrio, a comprovao),

    principalmente devido infinita acessibilidade e dissiminao imagticas proporcionadas pela internet,

    que demonstram, inclusive, a crescente idolatria ( + culto imagem) de nossa

    sociedade.

    Diante dessa desconfiana incipiente, surge a necessidade comprobatria da legenda que negar ou

    afirmar uma possvel manipulao efetuada numa imagem, naquilo que ela possa significar, ou naquilo

    em que queiramos (ou no) acreditar. Isso aufervel quando se v que, apesar da constatao

    proporcionada por uma fotografia jornalstica comprovadamente sem montagem , muitos ainda

    2

    No se pode esquecer de que as montagens fotogrficas sempre existiram, porm no havia conscinciadela fora de seu meio profissional ou de seus aficionados.3 Evidentemente, para aqueles que tm uma viso mais crtica daquilo que veem.

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    insistem em dizer que ela sofreu manipulao, preferindo acreditar naquilo que querem, ou seja, em sua

    verdade,afinal:

    cada fotografia um fragmento, o seu peso moral e emocional depende do conjunto em que se insere.Uma fotografia muda em funo do contexto em que vista: por isso, as fotografias de Smith 4 sobreMinamata parecero diferentes numa prova de contato, numa galeria, numa demonstrao poltica, numarquivo policial, numa revista de fotografia, numa revista de atualidades, num livro, numa parede da salade estar. Cada uma destas situaes sugere um uso diferente para as fotografias, mas nenhuma pode fixarseu significado. (Sontag, 1986: 99)

    Devem-se estabelecer os limites sgnicos da fotografia e, para que isso seja possvel, faz-se necessrio o

    uso do : ele que certificar aquilo em que temos de acreditar; se houve ou no manipulao na

    fotografia; qual sua inteno; qual seu significado, pois

    Ocorre em relao a cada fotografia o que Wittgenstein afirmava sobre as palavras: o significado o uso.E por isso mesmo que a presena e a proliferao de todas as fotografias contribui para a eroso daprpria noo de significado, para estilhaar a verdade em verdades relativas, o que hoje aceite semreservas pela conscincia liberal moderna. (ibidem: 99)

    Isso faz com que acabemos sendo impelidos ou a acreditar em tudo o que temos diante de nossos olhos,

    ou a no acreditar em nada e ver tudo como mera iluso, como se estivssemos num deserto, cercados de

    miragens por todos os lados, at o momento de descobrirmos que elas no o eram totalmente: ns que

    no conseguamos tocar o que queramos, as imagens-objeto fugiam a nosso toque. Isso se complica ainda

    mais, no entanto, no devido imagem em si, mas s palavras que a explicam, j que quando estas se

    juntam queles somos obrigados a acreditar.

    Flusser comprova isso ao dizer que, j no sculo XIX, se verificava algo semelhante, quando os prprios

    textos haviam se tornado, naquele momento, inimaginveis diante do alto grau de complexidade

    alcanado pela textolatra: o deserto deixara de ser imagtico e passara a ser lgico:

    En el sentido ms estricto, este fue el fin de la historia, la cual, en este sentido estricto, es la

    transcodificacin progresiva de las imgenes en conceptos, la explicacin progresiva de las imgenes, el

    progresivo desencantamiento, la conceptualizacin progresiva. Donde los textos ya no son imaginables,

    no hay nada ms qu explicar, y la historia cesa.

    Precisamente en esta etapa crtica, en el siglo XIX, se inventaron las imgenes tcnicas a fin de hacer lostextos nuevamente imaginables, para colmarlos de magia y, as, superar la crisis de la historia. (Flusser,1990: p 14-15)

    Paradigmas podem (e devem) ser quebrados e aquilo que o senso comum afirma, pode ser contestado.

    Isso serve, sem dvida, afirmao de que nossa sociedade prefere, incontestavelmente, as imagens s

    palavras. No entanto, a imagem nem sempre pode prescindir da palavra e de sua logicidade para se

    clarificar; isso se faz necessrio para que se possa depreender daquela muito mais do que pigmentao,

    incidncia da luz, ou sua referencialidade, j que:

    4

    William Eugene Smith (1918-1978), fotojornalista estadunidense que retratou os horrores da SegundaGuerra Mundial por meio de sua lente. Minamata uma vila da cidade japonesa de Kumamoto, ondeSmith fotografou os nefastos efeitos ocasionados pela intoxicao de sua populao por mercrio.

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    O mundo das imagens no , necessariamente, imagem de mundo, mas cpias mal-ajambradas de visesde mundo estereotipadas e tacanhas. Da a facilidade com que a lgica do texto se impe, inclusive nosforando a olhar o mundo apresentado por imagens com desconfiana maior do que o mundo apresentadopor textos. (Bonfiglioli, 2008: 7)

    Logicamente, tal afirmao quebra, novamente, o lugar-comum que nos expe a possibilidade de as

    imagens prescindirem do . No se deve esquecer, porm, de que e(eikn) palavra e

    imagem vindos de uma fonte comum, a natureza via (mimese) acabaram se completando e

    imiscuindo-se durante a trajetria humana como no gnero emblemtico5, ou mesmo em alguns

    movimentos vanguardistas do sculo XX. Isso tambm pressupe que a imagem deva ser lida e sua

    tessitura desmontada, semelhana do texto escrito, a fim de que seja possvel extrair o mximo de

    informao interpretativa do mesmo6, quando se depreender todos seus elementos constitutivos como

    na leitura iconolgica de Panofsky, por exemplo.

    Para que isso seja possvel, o papel do leitor

    importante, pois semelhana do texto logocntrico,

    no imagtico, tambm o leitor que tem de se

    relacionar com a obra e, a partir de sua

    Weltanschauung ter a possibilidade, ou no, de

    depreender sua significao. Dessa forma, no a

    aparente objetividade da imagemque atuar naquele

    que l, facilitando ou no a leitura, mas a capacidade

    do leitor em faz-la.

    Assim, para que seja possvel a interpretao, bem

    como sua visualizao racional, necessita-se da

    intermediao do eu observador, para que ele

    mesmo possa reconstruir a mesma imagem a partir

    de sua realidade. Para isso, tem de adequar seu olhar

    a essa leitura, no vista aqui como algo exclusivo do

    , mas a sua semelhana, quando se escaneia a

    imagem com o olhar e se busca depreender dessa as

    minncias que se veem em seu todo. Pode-se dizer que essa leitura seja semelhante linearidade textual,

    s que no texto, as imagens constroem-se linha a linha, enquanto nos no textuais (quadros, fotografias),

    v-se de uma vez a totalidade significativa. Entretanto, essas significaes explcitas, ou aquelas

    escondidas sob o velame da aparente totalidade sgnica, devem ser interpretadas, caso contrrio,

    5Os emblemas possuam uma estrutura tripartite constituda por uma imagem seu corpo que deveriaser fixada na memria dos leitores, pois ela passava preceitos morais que o autor desejava transmitir;um mote, normalmente uma sentena aguda escrita em latim, a partir do qual o leitor era direcionado adeterminada leitura da imagem; e um epigrama , ou texto explicativo, que buscava relacionar o corpocom o mote do emblema, clarificando a relao existente; era, portanto, sua alma. (Brando, 2008: 315)6

    Evidentemente, temos de pensar isso nas pinturas codificadas culturalmente, ou seja, naquelasfigurativas (inclusive as referenciais); o mesmo, pode ser aplicado nas fotografias referenciais. Isso,porm, seria mais difcil se pensarmos nas pinturas no figurativas.

    Figura 1:Entre o luxo e o lixo: a publicidade sacraliza oconsumo e diviniza a posse. Playboy, 05/1988.

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    simplesmente se aceitar a pseudofacilidade interpretativa, minimizando o todo imagtco presente em

    uma obra, bem como o jogo da criao estabelecido por seu autor.

    Dessa forma, nossa leitura/interpretao deve, primeiramente, passar por um processo anlogo quele

    proporcionado pelo , para que se estabelea a clareza sgnica, levando seu leitor aos meandros do

    texto imagtico: por necessitarmos de esclarecimentos, o extracampo, parece que a imagem sentenecessidade das palavras, no quer ficar alijada delas, seja na forma de legenda, de comentrio, de

    subttulo ou mesmo de dilogos. (Cf.: Barthes, 2005: 97) Caso isso no ocorra, pode-se enxergar o que

    no existe, ver aquilo que se est propenso a ver, como na pareidolia, ou ainda ler, de forma adversa o que

    pretendiam informar.

    Exemplo dessa relao pode ser estabelecida a partir da figura 1, quando vemos um crucifixo posicionado

    sobre o cap de um carro de luxo (no lugar onde se costuma colocar o smbolo da empresa que o fabrica)

    numa atitude que pode suscitar algumas ponderaes: alguns vero, na imagem, uma obra artstica;

    outros, uma de mau gosto, de profanao da imagem religiosa.

    Essa leitura, porm, depender daquele que pretende decodific-la, pois poder enxergar nela ou a) uma

    obra genial e ilustrativa das novas divindades fabricadas por nossa sociedade atual (quando a prpria

    Divindade, representada pelo Cristo crucificado, est a servio do consumo e do dinheiro, cujo smbolo

    est sob a cruz: a marca Rolls Royce); ou b) uma propaganda de extremo mau gosto que pretende

    denegrir a imagem de Jesus, ou mesmo us-la como amuleto.

    A legenda, nesse caso, que ser o diferencial entre oprofanare o moralizar, pode inclusive minimizar

    os nimos referentes utilizao de um smbolo religioso em uma propaganda, a fim de demonstrar a que

    ponto chega a viso consumista de nossa sociedade, quando o mais importante no osermas o ter.

    O eu lrico e o eu fotogrfico: similitudes

    Como as palavras so imagens, estas podem evocar aquelas de modo particular na construio de poemas

    descritivos, devido geminao entre os dois sistemas sgnicos, o lgico e o imagtico. Houve inclusive

    um momento particular, os sculos XVI, XVII e meados do XVIII, em que os dois sistemas

    compartilharam um mesmo gnero, o emblemtico. Entretanto, possvel verificar que essa relao ainda

    se mantm com duas grandes diferenas: a codificao social e a no estaticidade do signo lingustico.

    Hoje, por exemplo, possvel que um cdigo seja empregado de diversas formas em um curto espao de

    tempo e, mesmo que haja um direcionamento especfico para um determinado estrato social, isso no

    indetermina que um outro no possa ter acesso a sua chave sgnica, o que no ocorria, plenamente, nosSeiscentos. O mesmo se d em relao a sua mobilidade ou estaticidade: o signo hoje no estanque,

    devido ao prprio dinamismo de nossa sociedade, que busca, continuamente, a inovao, o diferente.

    Relao bem diferente da que se verificava, nos sculos destacados, pois aquela sociedade vivia sob a

    marca da , ou seja, inexistia a inovao, mas a busca contnua pela imitao. Dessa forma, o novo

    para aquele momento eram as teorias advindas dos clssicos greco-romanos.

    Atualmente, modismos lingusticos so criados e modificados num espao de tempo cada vez menor,

    quando so ignorados pelas novas geraes que no os conseguem mais decodificar. Isso porque todos os

    sistemas de comunicao vivem no mundo das referncias e dos significados relativos, por isso que os

    conjuntos de signos so dotados de certa mobilidade. Alm disso, as palavras possuem vrios

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    significados, mais ou menos conexos entre si, que se ordenam e se precisam de acordo com seu lugar na

    orao, enquanto outros desaparecem ou se atenuam. (Cf.: Paz, 2005: 44)

    O mesmo se d, evidentemente, com determinados empregos imagticos, cujo significado tambm

    relativo, assim como na linguagem verbal:

    Las imgenes son superficies significativas. En la mayora de los casos, stas significan algo exterior,

    y tienen la finalidad de hacer que ese algo se vuelva imaginable para nosotros, al abstraerlo,

    reduciendo sus cuatro dimensiones de espacio y tiempo a las dos dimensiones de un plano. A la

    capacidad especfica de abstraer formas planas del espacio-tiempo exterior, y de re-proyectar esta

    abstraccin del exterior, se le puede llamarimaginacin. (Flusser, 1990: 11)

    Como so dotados de significao, e palavra e imagem so suscetveis de interpretao,

    ou seja, no possuem existncia sem que um olhar se detenha neles e decodifique a inteno que o eu

    lrico ou eu pictrico tinha em mente, apesar das possveis distores anacrnicas que tal ato possa

    suscitar. Dessa forma, o ato adentra na temporalidade:

    Mientras la mirada registradora se desplaza sobre la superficie de la imagen, va tomando de sta un

    elemento tras otro: establece una relacin temporal entre ellos. Tambin es posible que regrese a un

    elemento ya visto y, as, transforme el antes en un despus. Esta dimensin temporal como se

    reconstruye mediante el registro es por tanto, una dimensin de regreso eterno. La mirada puede

    volver una y otra vez sobre el mismo elemento de la imagen, establecindolo como centro de significado

    de la imagen, el registro establece relaciones llenas de significado entre los elementos de la imagen.

    (ibidem, p 11-12)

    Que fazemos, afinal, quando lemos um poema e nos vemos diante das imagens construdas pelo eu lrico? prprio da linguagem potica esse ir e vir, o deter-se diante de suas imagens e ficar como que diante de

    um quadro, tentando depreender o que hava sido visto antes e o que se v depois, para que se possa

    construir seu significado. Alm disso, as imagens do poeta tambm tm sentido em diversos nveis e

    possuem autenticidade: o poeta as viu e ouviu, so a expresso genuna de sua viso e experincia do

    mundo (Cf.: Paz, 2005: 45), mesmo que pertenam a seu prprio mundo, por isso pouco importa se a

    verdade do poeta seja apenas de ordem psicolgica (cf. ibidem: 45), correspondente ao ato criativo,

    emanao de seu criador, porque, enquanto obra factvel, torna-se real e objetiva:

    essas imagens constituem uma realidade objetiva, vlida por si mesma: so obras. Uma paisagem deGngora no a mesma coisa que uma paisagem natural, mas ambas possuem realidade e consistncia,embora vivam em esferas distintas. So duas ordens de realidade paralelas e autnomas. (...) o poeta fazalgo mais do que dizer a verdade; cria realidades que possuem uma verdade: a de sua prpria existncia.(ibidem: 45)

    O poeta, portanto, alm de criar o tempo prprio do poema, adentra numa outra dimenso: a da

    espacialidade. Esta no pertence sequer ao prprio criador, nem ao eu lrico, mas to-somente prpria

    realidade da obra enquanto obra. nela que a realidade se funde com o tempo, mas essa realidade

    mgica, pertence ao mundo ferico:

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    tal relacin espacio-tiempo reconstruida a partir de las imgenes es propia de la magia, donde todo se

    repite y donde todo participa de un contexto pleno de significado. El mundo de la magia difiere

    estructuralmente del mundo de la linealidad histrica, donde nada se repite jams, donde todo es un

    efecto de causas y llega a ser causa de ulteriores efectos. (Flusser, 1990: 12)

    A mgica maior, porm, poder vislumbrar mundos novos sem que os mesmos tenham existido

    concretamente enquanto substncia material, ou trazer mundos concretos e distantes para a palma da mo.

    Eis a magia que o nos propicia via literatura: tornar o virtual concreto, palpvel, factvel. Esse

    mesmo poder podemos, entretanto, conferir ao ato fotogrfico, via , quando se executa o ato de

    forma contrria: fazer da concretude, do tangvel, do visvel, virtual: seja no papel fotogrfico, seja no

    cran de uma tela de computador. Eis que o fotgrafo tambm poeta, na medida em que nos impele a ler

    suas metforas imagticas, na medida em que se torna um eu lrico-fotogrfico:

    Aquilo que antes s podia ser visto por olhos inteligentes pode agora ser visto por todos. Instruda pelas

    fotografias, qualquer pessoa capaz de visualizar este conceito que era puramente literrio, a geografia docorpo: por exemplo, fotografando uma mulher grvida de modo a que parea um monte, ou um monte de

    forma a parecer uma mulher grvida. (Sontag, 1986: 94)

    Por isso, no basta dizer que s o poeta um

    fingidor, sendo um criador; o mesmo

    podemos afirmar do fotgrafo, afinal ele no

    apenas um meio de que se vale um

    instrumento tecnicista para, unicamente,

    captar a luz refletida pelos seres, pelanatureza, ou ainda pelos homens: tambm ele

    criador de realidades diversas, na medida

    em que sua criao leva os outros a outros

    mundos que no sejam mais o seu: seja nas

    viagens temporais por um tempo distante,

    seja numa viagem espacial, para locais

    desconhecidos. Esses, porm, permanecero

    em nossas prprias memrias, mesmo que

    no tenham existido em nossa realidade

    concreta, mas virtual.

    Assim, podemos estabelecer relaes entre a

    fotografia enquanto expresso artstica de

    um eu e a literatura que h muito j

    considerada essa expresso , levantando,

    inclusive, pontos de contatos entre as duas que podero auxiliar na interpretao (recepo)

    literatura/fotografia, a partir da relao mimtica com o mundo. Para tanto, faz-se necessrio estabelecer

    uma relao entre a moldura fotogrfica como um fragmento da realidade percebida por esse eu e a

    moldura estabelecida por um poema um soneto, por exemplo em que os quadros de palavras,

    Foto 1: Fotografia de Lewis Payne, de Alexander Gardner, 1865.

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    isso o que acontece quando nos deparamos com a fotografia de Alexander Gardner (foto 1), em que

    vemos Lewis Payne, espera de seu enforcamento:

    A foto bela9, o jovem tambm: trata-se do studium. Mas o punctum : ele vai morrer. Leio ao mesmotempo: isso ser e isso foi; observo com horror um futuro anterior cuja aposta a morte. Ao me dar opassado absoluto da pose, a fotografia me diz a morte no futuro. (Barthes, 1984: 142)

    Pelo fato de ser bela e de ele ser belo, essa fotografia foge ao lugar-comum daquilo que cremos ser um

    assassino, com isso somos desviados de seu intento o de servir de exemplo para que outros no

    cometessem o mesmo crime, de mostrar o monstro a todos , alm disso podemos ser levados a pensar:

    como um jovem bonito assim poderia ter tentado tirar a vida a algum? Que fatos concorreram para que

    praticasse atos desprezveis? Ou ainda irmos mais fundo: no, ele no deve ter feito nada disso, basta

    olhar para dentro de seus olhos... Temos, no entanto, de subjugar nossa subjetividade, desviar nosso olhar

    dos olhos de Lewis e entrar na temporalidade/realidade que a fotografia retoma: ele vai morrer, mas j

    est morto e, a despeito de tudo o que dissermos ou especularmos, o ato j se concretizou, mesmo que

    tenhamos sado dos limites estabelecidos pela moldura.

    Formao do acervo iconofotolgico

    Quando propomos fazer uma anlise das imagens evocadas por poemas que abrangem os sculos XVI,

    XVII e XVIII, sempre vem a indagao: at que ponto podemos, ou no, utilizar uma imagem distinta

    daquela empregada por aqueles autores a partir da tica do sculo XXI , j que no dispomos mais das

    preceptivas retricas daqueles autores? isso o que pretendemos discorrer com este artigo ao tentar

    apresentar como se d a recepo des imagens poticas extemporneas em nossos dias, pois querer que as

    mesmas sejam decodificadas a partir do referencial daquele momento resultaria para a maioria dos

    leitores de hoje em anacronismo, afinal no dispomos mais daquelas determinaes.

    Acreditamos que a recepo imagtica das imagens formadas por aqueles poetas se d, hoje, por meio do

    acervo fotogrfico que criamos ao longo de nossas vidas, semelhana de um lbum virtual dos

    acontecimentos que nos cercam, constitudo por anos de bombardeamento de imagens tcnicas via mdia.

    como se esse corpus virtual e latente ficasse espera de um estmulo externo como uma imagem

    evocada num poema, por exemplo para que pudesse reaparecer, pois

    Diante de uma experincia sensvel (uma determinada variao do regime de luz, a percepo de umcheiro, o desenho formado por uma mancha de leite), atingimos um fragmento do passado quejulgvamos esquecido ou perdido. (Guimares, 1997, 180)

    A fotografia, portanto, passa a ter a importncia de monumento, enquanto reminiscncia do que foi, pois

    para ns, sua funo a de tornar sempre claro, frente a nossos olhos, determinado perodo,

    acontecimento, pessoa ou pessoas. como se nos dissesse: voc no pode esquecer isso! semelhana

    9 A fotografia analisada por Barthes no a mesma empregada na tese: quis mudar o ngulo, apesar de ocondenado e seu fotgrafo serem os mesmos.

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    de um totem o monumento que religaria os dois extremos temporais de um grupo social, tornando-se

    uma ponte entre o presente e o passado , no deixa as lembranas por ele evocadas serem destrudas. Por

    ser rocha, o totem duraria o suficiente para que aquelas pessoas ou fatos dos quais no se queria esquecer

    fossem lembrados por geraes, at que se extinguissem todas as lembranas do motivo primeiro que o

    originou; quando, finalmente, ningum mais saber quais pessoas ou fatos os autores do monumentoquiseram perpetuar. Dessa forma, uma das particularidades do monumento a ideia de perpetuao, por

    isso

    As sociedades antigas procuravam fazer com que a lembrana, substituto da vida, fosse eterna e que pelomenos a coisa que falasse da Morte fosse imortal: era o Monumento. Mas ao fazer da fotografia, mortal, otestemunho geral e como que natural daquilo que foi, a sociedade moderna renunciou ao Monumento(...) a Fotografia um testemunho seguro, mas fugaz (...). (Barthes, 1984, 139)

    Perpetuar um acontecimento tambm uma forma de evitar que ele se repita se for contraproducente; ou

    que ser rememorado, se benfico; da a importncia de seu registro, seja fotogrfico ou mesmo potico.

    A fotografia, portanto, passa a ser o combustvel que reaviva a chama no s de nossa memria, como

    tambm de nossas emoes, pois, apesar de sua fugacidade da sua dessemelhana em relao ao totem,

    cuja aparncia d testemunho de perenidade (enquanto existir) , tambm existir com ela a eternizao

    de uma determinada realidade. O tempo pode passar, certas pessoas podem no ter vivenciado a cena

    retratada, mas, vista de uma fotografia, h a extemporizao do momento, semelhante a uma viagem no

    tempo, por meio das imagens por ela evocadas. Alm disso, pode no s nos revelar aquilo que estava na

    cena, como o que havia, provavelmente, por trs da mesma. Mesmo as mais corriqueiras atitudes passam

    a ser dignas de crdito quando fotografadas, mesmo a posteriori, ou seja, o mais banal dosacontecimentos reveste-se de grande importncia10, como se tudo girasse em torno de acontecimentos

    interessantes dignos de serem fotografados. Quando esses, porm, se extinguirem com o tempo, a

    fotografia estar l, conferindo a eles no s importncia como tambm imortalidade. (Cf.: Sontag, 1986:

    21)

    Justamente esse fato de que tudo vale a pena fotografarrefora seu aspecto trivial e fugaz, de algo sem

    importncia, principalmente em uma sociedade repleta de imagens sem deferncia. Todavia, essa falta de

    importncia uma demonstrao de sua constantepresentificao, ou seja, retrata o momento em que se

    est inserido e que corresponde ao presente retratado na fotografia: ambos se imiscuem num abrao

    envolvente, quando aquele presente passa a fazer parte deste presente, mesmo em seus aspectos mais

    rotineiros.

    Essa relao, porm, mudar com o passar dos anos, pois tal foto, ao ser visualizada certo tempo depois,

    no mostrar mais a banalidade de um instante congelado, mas a totalidade de um momento que no

    estar exposto naquele papel-imagem, mas ser reativado na memria de quem passou por aquele

    instante, ou mesmo por quem sempre ouviu falar dele; algo prximo da tradio oral de um povo,

    repetidas de gerao em gerao, ao lado do fogo. Quantas vezes pessoas ouviram histrias de um

    10 Para compreendermos essa relao, bastaria lermos, por exemplo, fotos antigas da cidade de So Paulo,

    quando da colocao dos trilhos dos bondes pela Light. Aquilo que era uma trivialidade operriostrabalhando na colocao de trilhos na cidade (So Paulo j possua bondes trao animal) transformou-se para ns em um documento histrico de grande importncia.

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    momento qualquer que fora retratado numa foto e ao v-la, in loco, so capazes de enxergar alm de seu

    enquadramento, sem ter estado l, semelhana de um dj vu? Dessa forma, a fotografia impele-nos ao

    saudosismo, rememorao, busca de um elo perdido, nostalgia:

    A fotografia uma arte elegaca, uma arte crepuscular. A maior parte dos temas fotografados so, pelosimples fato de serem fotografados, afetados pelopathos. Um tema feio ou grotesco pode ser comoventepor ter sido dignificado pela ateno do fotgrafo. Um tema belo pode provocar sentimentos decompaixo por ter envelhecido, perdido importncia ou j no existir. (ibidem: 24)

    Semelhante ao valor testemunhal evocado pela fotografia e seu propsito de perpetuar-se no tempo como

    um monumento, temos a linguagem potica. Esta, diferentemente da linguagem comum, tem como

    atributo prprio o fato de durar (Cf. Levin, 1975: 103), enquanto aquela centrada na funo referencial

    no se mantm, visto que, a partir do momento que compreendemos o que diz, substituda em nossas

    mentes pelo que significou (ibidem:103), torna-se, portanto, sem valor e apagada. Na poesia, tanto a

    forma quanto sua disposio no papel permanecem, j que as mensagens poticas desfrutam de uma

    permanncia que a linguagem comum no possui. No se quer dizer com isso que um poema possa

    perdurar por geraes ou sculos enquanto realidade palpvel (representado pelo prprio papel), mas pelo

    fato de sua permanncia tanto na mente individual, quanto na coletiva prescindir, inclusive, de

    elementos concretos, semelhana da Idade Mdia em relao aos jograis, menestris e trovadores.

    Assim sendo, o poema tambm teria uma funo de monumento, religaria o presente ao passado e, sendo

    memorvel, perpetuar-se-ia na memria, na recordao e na lembrana da posteridade. Dessa forma, tanto

    o poema quanto a fotografia poderiam ser indicadores de autenticidade de um tempo que j est distante

    do nosso e, semelhana da Bblia, ser de outro modo comunicadores histricos em meio funoretrica. Quantos no empregaram suas vidas para tentar provar que as imagens bblicas eram uma cpia

    fidedigna da realidade passada? Entretanto, esses haviam se esquecido de que o Livro no meramente

    histrico, mas potico e que nem todos seus poemas so, segundo nossa ideia,fotogrficos.

    Um dos liames, por exemplo, que aproxima a fotografia da arte seiscentista e que suscitara, inclusive,

    minha Tese de doutoramento a edificao da morte que se encontra nas duas. Contudo, a morte no em

    seu sentido de trmino, mas como perpetuao, uma constante ressurreio daquilo que foi fotografado ou

    daquilo que foi descrito num poema. Ambas as imagens detm o tempo, quando a temporalidade do

    objeto separa-se daquela do sujeito (Virilio, apud Guimares, 1997: 48), ou seja, imortaliza o que mortal, apesar de serem memento mori. Fotografar, por exemplo, participar na mortalidade,

    vulnerabilidade e mutabilidade de uma outra pessoa ou objeto, testemunhando a inexorvel dissoluo do

    tempo, precisamente por selecionar e fixar um determinado momento. (Cf.: Sontag, 1986: 24)

    Ao selecionar esse momento qualquer, como se dissssemos a ele: tenha vida eterna! Viva mais do que

    seu prprio referente, de sua prpria emanao primeira. Eis porque o ato de fotografar dedicar-se

    captura da morte:

    Pois preciso que a Morte, em uma sociedade, esteja em algum lugar; se no est mais (ou est menos)no religioso, deve estar em outra parte: talvez nessa imagem que produz a Morte ao querer conservar avida. Contempornea do recuo dos ritos, a Fotografia corresponderia talvez intruso, em nossasociedade moderna, de uma Morte assimblica, fora da religio, fora do ritual, espcie de brusco

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    mergulho na Morte literal. A Vida/a Morte: o paradigma reduz-se a um simples disparo, o que separa apose inicial do papel final. (Barthes, 1984: 138)

    Leitura iconofotolgica e o poema fotogrfico

    V-se, portanto, com o advento da fotografia, a renncia do monumento utilizados pelos antigos para

    celebrar a morte, ou ainda toda uma viso iconolgica cujo tema exatamente o mesmo, mas os recursos

    so totalmente diversos. Com a fotografia a morte existe (e reside) a partir do presente perptuo; nos

    Seiscentos, por outro lado, retratada exatamente pelo seu futuro, ou seja, a descarnao total do ser: o

    esqueleto.

    Se o sculo XV havia mostrado uma verdadeira obsesso pela morte, o XVII (...) supera-o e consegue daruma verso ainda mais temvel e impressionante: se na Idade Mdia a morte , na arte e no pensamento,uma ideia teolgica, e no espetculo popular das danas macabras se apresenta com um carter didtico

    geral e impessoal, agora tema de uma experincia que afeta a cada um em particular e causa umadolorosa convulso. (Maravall, 1997: 268)

    Quando Maravall fala em espetculo, tais palavras podem soar como metafricas, visto que a tpica do

    palco do mundo tambm encontra eco no momento derradeiro, no entanto, no o que se via nos

    Seiscentos, segundo Flemming:

    Selbst in den letzten Stunden fhlt das Ich sich nicht allein; stets stehen die anderen als Zuschauer herum,

    nach deren Beifall man verlangt. So endet das Leben, wie es berhaupt empfunden und gefhrt wurde:

    als Schauspiel. Selbst noch im Tode, ja noch drber hinaus im Grabstein. (Flemming, 1937: 26)11

    Tanto a fotografia quanto a poesia dos Seiscentos acabam tratando, mesmo que no diretamente, do

    mementomori: uma porque perpetualiza o momento (embalsamando-o), outra porque essa prpria tpica

    j faz parte de sua prpria Weltanschauung. Assim, na fotografia, como se olhssemos em um espelho

    e, de um lado, vssemos refletido nosso presente; e de outro, concomitantemente, o futuro e o passado.

    Evidentemente, no nos permitido ver o futuro, dessa forma, temos de restringir esse olhar para o

    presente, mas enquanto realidade que j passou, pois o nosso um perodo posterior quele verificado e

    concretizado pela fotografia. Por outro lado, pode-se considerar a poesia como um reflexo especulartanto

    da linguagem humana por apresentar os nveis fnico e semntico ; quanto da alma humana por

    refletir aquilo de que o homem est impregnado: a totalidade de seu ser, seus pensamentos e emoes.

    Se se pode, portanto, considerar a poesia como portadora de reflexo especular, que dizer, ento, da

    fotografia que h muito no s reflete o que est diante de uma cmera, como tambm tem o poder de

    fix-lo? Isso j seria suficiente para que pudssemos comear a cotejar a poesia com a fotografia em

    relao especularidade de sua reproduo imagtica, afinal a foto alm de aprisionara imagem, que tem

    diante de si, tambm revela as mincias que se querem (ou se queriam) manter escondidas.

    11

    Traduo livre: Mesmo em seus ltimos momentos, o eu no se sente sozinho; sempre h outros comoespectadores a seu lado, que desejam aplaudir. Assim, finalmente termina a vida, como foi sentida edirigida: como palco. Assim como na morte, assim como fora, na lpide.

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    H, alm disso, o fato de ambas, por sua prpria estrutura e emprego, manterem-se perenes, eternizadas

    por meio do papel, algo extremamente frgil e perecvel. Que o homem seno a totalidade de um ser

    perecvel seu corpo juntamente com um imortal sua alma? Mesmo que no exista Deus, nem

    religio, nem uma alma eterna, o homem j seria eterno, por poder perpetuar-se por meio de sua obra, de

    sua e de seue de ter conscincia disso.V-se, portanto, que o liame que une a poesia e a fotografia no to tnue a ponto de romper-se to

    facilmente quanto poderia parecer inicialmente. No possvel dissociar , e , afinal

    todos fazem parte de uma trindade constitutiva do esprito12 do homem que o torna um ser diferente dos

    outros por meio da ratio que lhe inerente.

    Diante disso, no se constituiria um contrassenso chamar um poema de fotogrfico, nem uma fotografia

    de potica, como propomos. Assim, poderamos chamar de fotogrfico um poema, cujo poeta no tenha

    tido ele mesmo a influncia direta da fotografia, mas aquele cujo leitor tenha sofrido a influncia dela, j

    que so as imagens verbais contidas nessa estrutura lingustica que revelam, justamente, as imagens

    fotogrficas que permeiam nossa memria, o que chamo de acervo iconofotolgico. Esse tambm nos faz

    refletir a respeito da prpria obra potica e do mundo em que ela est inserida; quando, via contemplao

    imagtica que no passa de uma atividade orientada para a captura da significao, j que esta no

    imanente a obra, mas dependente no de uma nica, mas de vrias leituras entendida como um conjunto

    de processos de decodificao, de associao com uma srie indefinida de mensagens, lembranas,

    afetos, multiplicidades intensivas ou qualidade existenciais (Lvy, apudALMEIDA, 2006: 89), abre a

    chave da sgnificao por meio da substituio de uma imagem lgica por outra fotogrfica, latente em

    nossa memria, espera de um estmulo que a faa sair de sua letargia.

    inconteste que esse startem nossa memria no se d somente via imagens visuais, mas tambm por

    meio de imagens acsticas quando determinada msica nos faz lembrar de um momento perdido no

    tempo, mas que est guardado em nosssa inconscincia ou palativo-olfativas quando um perfume, a

    fragrncia de uma flor, o cheiro de terra molhada, ou a essncia de um determinado tempero produzem-

    nos efeito semelhante.

    Para o neurocientista Jean-Pierre Changeux, por exemplo, tanto na contemplao como no que se

    convencionou chamar prazer esttico intervm processos distintos que vo da a) purasensao

    apreenso da superfcie colorida e das formas ; passando pela b) percepo atividade de

    reconhecimento de formas e figuras , que despertar, em ressonncia com as imagens internas

    armazenadas pelo espectador (a memria), uma sntese significatica da obra (compreenso). (Cf.:ibidem: 89) Assim, contemplao e prazer esttico implicam em operaes e faculdades distintas,

    recrutando, neurologicamente, tanto estados de atividade do sistema lmbico (o crebro das emoes)

    como representaes mais sintticas do crtex frontal (relacionado ao raciocnio e razo).

    12 A alma humana espiritual e possui trs capacidades ou potncias: a) a capacidade de entender (ainteligncia); b) a capacidade de querer (a vontade); e c) a capacidade de sentir (a sensibilidade). A

    sensibilidade que nos permite sentir alegria, tristeza, raiva, simpatia: estes sentimentos da alma estosempre ligados ao corpo; a inteligncia e a vontade so as potncias de nossa alma que nos tornamimagens de Deus, por isso so menos dependentes do corpo.

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    A contemplao, portanto, seria orientada para capturar sentidos sgnicos que no so imanentes obra 13,

    mas que pressupem a utilizao de nosso acervo iconofotolgico, de onde retiraramos imagens que

    preencheriam as que vo se formando durante a leitura que fazemos por meio do (poemas ou

    romances, por exemplo), a fim de que possamos visualizar o todo proposto pelo autor. evidente que

    esse todo ser lido de forma subjetiva e nunca corresponder quilo que o mesmo conceberaoriginalmente.

    Quem l, despretensiosa e mecanicamente, um texto potico qualquer, sem nenhuma dedicao para

    apreend-lo, poder no ter aguada sua memria fotogrfica14, a menos que alguma imagem evocada

    punja-o e retire-o do texto servindo-lhe de punctum e leve-o a procurar seu correspondente em seu

    acervo iconofotolgico; mas, para isso, a imagem precisa ser retirada do meio em que est inserida ou

    disposta, por meio da supresso daquelas que lhe so contguas. (Cf. Bergson, 1999: 24) nesse

    momento que ocorre a ativao da memria, a ressurreio de um passado que no existe mais, visto que

    j estava morto:Desaparecidas a terra de origem e sua lngua, a narrao que se torna ela prpria

    uma terra que faz renascer(Guimares, 1997: 150), assim os ltimos restos, remanescentes e cacos de

    algo que estava irrecuperavelmente perdido e no poderia mais ser recomposto por nenhum artifcio do

    mundo. (Handke, apudGuimares: 150)

    Tais cacos, portanto, podem ressurgir, mas de forma sempre individual, por meio da literatura, por meio

    de poemas fotogrficos. Esses so aqueles cujas imagens tm trnsito em diversos tempos, ou seja,

    aparentemente no demonstram ser somente inerentes a um determinado perodo. No entanto, como h

    uma mudana do signo lingustico ao longo dos anos, aquilo que parecia bvio num determinado

    momento, no ser mais em outro; dessa forma, o que parecia diacronia, no passa de uma iluso

    sincrnica.

    A leitura de poemas fotogrficos, portanto, sempre iconofotolgica, visto que efetuada a partir da

    sincronia, desde que as palavras/imagens empregadas pelo poeta sejam de livre acesso temporal, ou seja,

    perfeitamente perceptveis em qualquer tempo, por isso os poemas que indicam catstrofes e guerras

    inerentes ao todo humano normalmente so fotogrficos.

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    13 Poderamos dizer tambm que a contemplao seria algo prximo ao conceito de leitura pr-iconogrfica, seguindo o modelo de Panofsky; ou ainda, ao ler um poema e inteirar-se de suas imagens e

    contedo, algo parecido aostudium de Barthes.14 J que por meio da fotografia quando se inauguram mundos imagticos escondidos nos pequenosdetalhes (Cf. Benjamim, 1991: 222) e que nos faz perceber as mincias antes escondidas, agora reveladas.

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