A Ideia de Universidade

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UNIVERSIDADE

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A Ideia de Universidade, da sua Misso e Valores: uma perspectiva histrico-filosfica

O estudo do Prof. Doutor Bartolomeu Varela sobre A Universidade, o Currculo e o Conhecimento: das origens aos tempos actuais, para o qual se elaborou esta introduo, desenvolve uma perspectiva sistmica sobre a ideia de Universidade - no seu desenvolvimento institucional, modelos de organizao curricular, misso, funes e valores. Longe de representar uma forma de focalizao no passado ou na tradio, a perspectiva histrica apresentada sobre esta problemtica fundamental e prospectiva: a ideia de Universidade no corresponde a qualquer essncia que, semelhana das formas, essncias ou ideias platnicas, permanea como um definio eterna e imutvel da Universidade, do conhecimento e dos valores que ela veicula, indiferente agitao do mundo e da sua permanente transformao ou devir histrico. Inversamente, o espao institucional, epistmico e axiolgico da Universidade ou seja, a sua estrutura, formas de organizao do conhecimento e valores - altera-se e reconfigura-se, acompanhando as mutaes culturais e sociais do seu tempo, ou antecipando as tendncias do futuro. Na sua relao com o tempo e a histria, a Universidade assume uma funo adaptativa inserir-se na sua poca, ou no que Hegel designava como esprito do tempo (Zeitgeist). Tambm tem uma funo de memria manter viva a herana histrica das culturas local, nacional ou mundial e outra de prospectiva, a de promover a inovao cientfica e tecnolgica, assim como a criao cultural. A estas trs vertentes no plano diacrnico junta-se outra tripla vocao no plano sincrnico a da investigao, do ensino, e da extenso. Em funo do seu modelo, objectivos e prtica, no mbito interno, e do contexto histrico, cultural e social em que se inserem, as Universidades podem incidir mais sobre uma destas vertentes, ou visar a sua articulao interactiva. Ao longo do seu estudo, o autor incide na evoluo histrica da Universidade, das suas finalidades e valores, no decurso das suas transformaes no tempo, correspondendo a diversas ideias de Universidade, ligadas a diferentes concepes do mundo: a Antiga - Clssica, Medieval, Renascentista - Humanista, Iluminista - Moderna e Contempornea/Ps-moderna. Estes conceitos de Universidade podem ser compreendidos como paradigmas, modelos ou vises dominantes, que caracterizam estas civilizaes, at actualidade. Estamos hoje num tempo de crise e transio paradigmtica, ou de emergncia de novos modelos de Universidade com a passagem da modernidade para a ps-modernidade. A cada ideia ou paradigma histrico de Universidade corresponde um meta-discurso ou meta-narrativa estruturadora e legitimadora do saber, uma organizao curricular do conhecimento, e uma viso sobre os valores em que assenta. Antes da criao das primeiras Universidades, no fim da Idade Mdia, a Academia platnica e o Lyceu aristotlico eram j instituies precursoras da Universidade, tendo como ideais educativos e formativos a Paideia conceito que abrange cultura, educao e formao e a Enkyclios o saber geral, a sua universalidade, que confluem numa Enkyclios paideia, de cuja ligao resulta o conceito de Enciclopdia. A formao e o conhecimento deveriam ser enciclopdicos, sendo o melhor exemplo de um currculo organizando enciclopedicamente os saberes, a Filosofia de Aristteles. A Universidade Medieval era enformada pelos valores das religies monotestas hebraica, crist e islmica, articulados com os da cultura antiga, greco-romana. A razo de matriz helnica deve passar a ser iluminada pela f, e desta relao entre Filosofia Antiga e Teologia Medieval, racionalidade e espiritualidade, nascem as grandes correntes do pensamento medieval a Patrstica e a Escolstica. A primeira corrente, assim denominada porque resultou do esforo dos primeiros padres da Igreja crist para reconciliar a sua crena com o pensamento filosfico helnico, teve como figura maior Santo Agostinho, nascido em Tagasto (na actual Arglia), mais tarde bispo de Hipona, e telogo influenciado pelo neoplatonismo. A segunda, encimada por So Toms de Aquino, ligou a teologia crist filosofia aristotlica, desenvolveu-se como mtodo de investigao e ensino nas primeiras universidades, constituindo as Sumas (das quais a mais famosa seria a Suma Teolgica) o equivalente medieval do enciclopedismo antigo. O currculo medieval estava organizado no trivium Gramtica, Retrica e Dialctica e no Quadrivium Aritmtica, Geometria, Msica e Astronomia. Esta organizao precursora da actual diviso em letras ou humanidades e cincias (a msica estava ligada matemtica). A lectio e a disputatio a aula expositiva e o debate integravam o mtodo esclstico de ensino. No mundo muulmano, a reconciliao entre a f islmica e a filosofia aristotlica seria protagonizada por Avicena e Averris. Religio, medicina, direito, filosofia e astronomia foram cultivados por estes pensadores, cuja universalidade rivalizava com a dos seus congneres cristos. A educao humanista do Renascimento procurava retomar os ideais da cultura da Antiguidade Clssica, recuperar uma tradio que os humanistas julgavam perdida durante a Idade Mdia e, por outro lado, renovar a concepes do Universo, do conhecimento, da cultura e da sociedade. Do Homem como medida de todas as coisas, do filsofo grego Protgoras, ao Sou humano, e nada do que humano me estranho, do poeta latino Terncio, efectua-se um percurso entre a perspectiva antiga e renascentista do humanismo. Galileu e Descartes, na cincia e na filosofia, e Comnio, na pedagogia, so expresses mximas da modernidade. Este ltimo, com a sua Didctica Magna, concebia um mtodo e currculo que deveriam ter um alcance universal, ou seja, um mtodo universal para ensinar a todos todas as coisas nas palavras deste mestre. A Universidade iluminista assenta no reconhecimento do poder da razo para emancipar a sociedade e dominar a Natureza atravs da tcnica, mas tambm se depara com os limites do conhecimento cientfico, dos quais decorre a passagem de uma razo metafsica a uma razo experimental. A chave do iluminismo autonomia da razo humana, a capacidade para pensar por si prprio, sem tutelas exteriores: Sapere aude! Tem a coragem de te servir o teu prprio entendimento. Eis o lema das luzes! como afirmava Kant. Ao ideal de progresso cientfico, tcnico e social, correspondia, no mbito da educao, o de perfectibilidade do ser humano, o seu aperfeioamento pessoal e social atravs da educao. A Enciclopdia corporizava o modelo da educao iluminista, difundindo o conhecimento das cincias, tcnicas e humanidades para todos os cidados. Humboldt proporia um modelo de Universidade que articulava os ideais humanistas, iluministas, e o conceito de Bildung, ou da educao e formao como construo de si mesmo, num processo nunca acabado que alia as componentes intelectual, afectiva, tica e social da personalidade. No sculo XX, a Universidade deve tornar-se num microcosmos da democracia e dos seus ideais de livre pensamento, participao, debate e argumentao livre, conforme preconiza o filsofo John Dewey. A Universidade enfrenta hoje novos desafios, face s transformaes sociais, econmicas, cientficas e tecnolgicas ocorridas num mundo que alguns pensadores designam como ps-moderno, diferenciando-o doa modernidade. Trata-se de pensar o ensino e investigao universitria no contexto da emergncia de uma sociedade da informao, da economia do conhecimento, e da globalizao. Este novo contexto representa uma oportunidade para expandir a dinmica universitria, tornando-a cada vez mais universal medida que, recorrendo s novas tecnologias de informao e comunicao, se viabiliza uma partilha do conhecimento e um acesso generalizado informao. O tempo e espao contraram-se: a comunicao tornou-se instantnea e o mundo converteu-se numa aldeia global. Com a emergncia da sociedade ps-industrial, a dinmica econmica j no depende tanto da matria, da indstria, como do conhecimento e informao recursos imateriais. Novas parcerias se abrem Universidade, nomeadamente com o mundo empresarial, aproximando o estudantes e investigadores do mundo laboral e do mercado, enquanto o mundo empresarial beneficia dos projectos universitrios de inovao cientfica e desenvolvimento tecnolgico. quebra de fronteiras nacionais corresponde a superao de fronteiras entre saberes e disciplinas, favorecendo os currculos e prticas pluri, inter, e transdisciplinares. O reverso destas oportunidades so os riscos de a Universidade contempornea perder a sua autonomia, vocao e valores. A presso para colocar a investigao universitria ao servio dos interesses do mercado, a sua avaliao em funo de critrios quantitativos e de rentabilidade, a substituio do seu contributo para a cidadania e democracia - formando cidados crticos e participativos por uma funo limitada a contribuir para formar produtores e consumidores, ou ainda, no menos do que todos estes factores, o esvaziamento ou falta de investimento na rea das cincias humanas, nas artes e cultura humanstica, em nome de uma lgica economicista e redutora que privilegia as tecnocincias, so riscos que comprometem os ideais humanistas e a autonomia universitria, tornando-a numa Universidade heternoma, submetida a lgicas e interesses exteriores sua misso e valores. Atendendo j ampla extenso desta introduo, fica aqui um desafio reflexo do leitor: se a cada modelo/paradigma histrico de Universidade, do mundo antigo ao moderno, correspondeu sempre uma narrativa e um fundamento ou legitimao filosfica apraz-nos registar a relevncia que um investigador mais ligado s cincias jurdicas e da educao confere Filosofia para reflectir sobre a Universidade, a sua misso e valores -, qual ser a narrativa, filosofia e valores adequados actualidade e, particularmente, ao contexto actual do Ensino Superior cabo-verdiano? O trabalho do Prof. Bartolomeu Varela oferece pistas e sugestes para, em termos universais e no contexto de Cabo Verde, se encontrarem sadas para esta crise global da Universidade e propostas para o futuro da investigao cientfica. Estas propostas beneficiam no s da sua slida formao cientfica e acadmica, como da sua larga experincia na gesto do Ensino Superior cabo-verdiano. A leitura do trabalho para qual foi escrita a presente introduo ser de grande utilidade para acadmicos docentes e investigadores -, mas igualmente para os conceptores e decisores das polticas de investigao e ensino universitrio.

Praia, 29-0-2013

Prof. Doutor Carlos Bellino Sacadura

Professor da Universidade de Cabo Verde Departamento de Cincias Sociais e Humanas

Investigador do Gabinete de Filosofia da Educao (GFE) - Faculdade de Letras da Universidade do Porto - Portugal