A ideologia do modelo japonês de gestão

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  ideologi do modelo j ponês de gestão Manoel Luiz l^alaguti* Organizações  empresariais,  entidades governamentais e centros de estudos universitários se debruçam sobre o 'modelo japonês'para apreender, incorporar  copiar suas práticas de planejamento, de relações industriais, seus círculos de controle de qualidade, etc.  (...) (Itiro lida) Introdução o Modelo Japonês de Gestão (MJG) tem sido apresentado como o  con traponto moderno das técnicas tayloristas de administração de empresas. Por oposição ao trabalho parcelar, simples e segmentado, desenvolvido nas empre sas tayloristas, o trabalho nas empresas japonesas é caracterizado como poliva- lente e politécnico. Em contraposição à contínua desqualificação da força de trabalho ocidental, o trabalhador japonês aparece em estado de permanente qualificação. Em confronto com a hierarquia de ferro das firmas tayloristas, as empresas japonesas são apontadas como modelos de gerência participativa. E mais.  Intocados pelo desemprego provocado pela desqualificação taylorista do trabalho, os trabalhadores japoneses fazem carreira, têm seus salários reais reajustados periodicamente e seus empregos são assegurados por toda a vida. Sob outro prisma, o modelo japonês de gestão tende a ser concebido não só como uma técnica eficiente de administração de empresas, mas também Professor da Universidade Federal do Espirito Santo.

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A i d e o lo g i a d o m o d e l o ja p o n ê s d e g e s t ã o

Man oel Luiz l^alaguti*

"Organizações empresariais,entidades governam entais e

centros de estudos universitários se debruçam sobre o'modelo japonês'para apreender, incorporar e copiar suas

práticas de planejamento, de relações industriais, seuscírculos de co ntrole de qualidade, etc. (...)"

(Itiro lida)

Introdução

o M ode lo Japo nês de Ges tão (MJG ) tem sido apresentado com o o c o n

t raponto moderno das técnicas tay lor is tas de administ ração de empresas. Por

oposição ao t rabalho parcelar , s imples e segmentado, desenvolv ido nas empre

sas tay lor is tas, o t rabalho nas em presas japonesas é caracter izado co m o po l iva-

lente e pol i técnico. Em contraposição à contínua desqual i f icação da força de

t rabalho ocidenta l , o t rabalhador japonês aparece em estado de permanente

qual i f icação. Em confronto com a hierarquia de ferro das f i rmas taylor istas, as

empresas japonesas são apontadas como modelos de gerência par t ic ipat iva. E

mais. In tocados pelo desemprego provocado pela desqual i f icação tay lor is ta do

t rabalho, os t rabalhadores japoneses fazem carre i ra, têm seus salár ios reais

reajustados p er iod icamen te e seus empregos são asseg urados por toda a v ida.

So b out ro p r i sma , o mode lo japon ês de gestão tende a ser con ceb ido não

só como uma técn i ca e f i c i en te de admin i s t ração de empresas , mas t ambém

Professor da U niversidade Fede ral do Espir ito Santo.

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Consideramos, assim, que as re lações entre capita l e trabalho obsen/adas nas empresasjaponesas podem ser explicadas sem o concurso de hipóteses "culturalistas" e que ofuncionamento da economia japonesa está sujeito às mesmas regras das economias ocidentais. A coerência de nossos resultados será o melhor indicador da pertinência, ou não, dametodologia de trabalho aqui adotada.

como uma "cu l tu ra gerenc ia l " , um modo de v ida que procura reproduz i r na

empresa as cond i ções de segu rança v i venc iadas no âmb i t o da v i da p r i vadados t raba lhado res . Nas empresas j aponesas , não há l uga r pa ra ego í smos ,

concent ração de rendas e , p r inc ipa i rnente , para a lu ta de c lasses.

N e s s e s e n t i d o , a t ã o s a l i e n t a d a v a l o r i z a ç ã o o r i e n t a l d o " h o me m- t r a b a -

Ihado r " apa rece como o resu l t ado de uma rup tu ra rad i ca l com an t i gas

fo rmas de ge rênc ia — ind i v i dua l i s t as e con f l i t i vas — re lac ionadas ou i den

t i f i c a d a s c o m o t a y l o r i s mo / f o r d i s mo . O u s e j a , a r e c e n t e p r e o c u p a ç ã o c o m

os recu rsos humanos reve la -se como um repúd io aos p r i nc íp ios de um t i po

d e g e s t ã o e mp r e s a r i a l q u e p r o c u r a f a z e r o h o me m t r a n s c e n d e r o s s e u sl im i t e s f ís i c o s e p s i c o l ó g i c o s , q u e o t r a n s f o r m a n u m m e c a n i s m o c u j o d e s e m

p e n h o é a u f e r id o p e l o c r o n ô m e t r o , q u e s e g m e n t a s u a s ta r e f a s p r o d u t i v a s e

s u a p e r s o n a l i d a d e e q u e , e n f i m , d e s p r e z a o h o m e m e id o l a tr a o t r a b a l h a d o r .

Em s u ma , a n e g a ç ã o d o t a y l o r i s mo / f o r d i s mo e s t a r i a n a o r i g e m t a n t o d o

" r e d e s c o b r i me n t o " d o t r a b a l h o q u a n t o d a c o n s t i t u i ç ã o d a mo d e r n a e d e

m o c r á t i c a e m p r e s a j a p o n e s a .

Para com pree nde rmo s c om o se t e r ia const it u ído esse m undo do t raba lho

ha rmôn ico , f a remos uma i ncu rsão na sua con t rapa r t i da empresa r i a l . Aden t ra remos no "mundo do cap i ta l " japonês, no mundo das inovações tecno lóg i

cas , das osc i lações da produção e da produt i v idade, da qua l idade e do lucro .

M ost ra rem os q ue ex is te um a es t re i ta re lação en t re um con jun to de i n o v a ç õ e s

n a s t é c n ic a s p r o d u t iv a s e as t ransformações da o rgan ização do t raba lho

no Japão.^ Ne sta pr ime i ra par te do t raba lho , nossa preocu paçã o cent ra l será

a de es tabe lecer qua is os padrões tecno lóg icos e gerenc ia is que fundamen

ta r i am as p ro fundas t rans fo rmações re lac iona i s consag radas no chamado

mode lo japonês de gestão . Para tan to , nossa aná l i se pr i v i leg ia rá a ó t i ca

em presa r i a l , p rocu rando dem ons t ra r com o é pe rceb ido o MJG sob o pon to de

v is ta da admin is t ração de empresas ( "MJG: a ó t i ca do cap i ta l " ) .

N um a seg un da e tap a, noss a preocupa ção será a de ver i fi car se um a cr ít ica

gen era l i za da ao tay lo r i smo p ode funda m entar -se na prá t ica das novas técn icas

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MJG: a ótica do capital

O Mo de lo Japonê s de Ges tão com eçou a se r conceb ido na décad a de 50 .No contex to de um conf l i t o com o s ind ica to da indúst r ia au tomobi l í s t i ca , a

Toyota Motor Company prec isava rever seus conce i tos de gestão para fazer

f ren te a uma eno rme escassez de f o rça de t raba lho . Com esse i n tu i t o ,

cont ra tou um engenhe i ro , o Engenhe i ro Ohno. Por essa razão, a base técn ica

produ t i vas e gerenc ia is imp lan tada s no Jap ão. Em out ras pa lavras , ten ta rem os

resp ond er às segu in tes que stõe s: a imp lan tação do M JG s ign i f ica , de fa to , um areje ição aos pr incíp ios e às prát icas tay lor is tas? O t rabalhador que v ivência o

management j apo nê s, no seu quot id iano, no chão -de- fábr ica , se ben ef i c ia de

me lho res cond i ções de t raba lho e remuneração que seus co legas oc iden ta i s?

V isa ndo o fe rece r respos tas , p rocu ra rem os enxe rga r o p rocesso p rodu t ivo co m

os o lhos do t raba lhado r , p reocupando-nos menos , po r exemp lo , com os

ac résc imos de p rodu t i v i dade e ma is com os me ios de a l cançá - l os . Nossa

a tenção es ta rá concen t rada , en tão , menos nos aspec tos econômicos e ma is

nas conseqüênc ias soc ia i s da imp lan tação do MJG. Em ou t ras pa lav ras ,conf ron taremos as t rad ic iona is técn icas produt i vas e gerenc ia is japonesas

(Just - in -T ime, Kanban, Cí rcu los de Cont ro le de Qua l idade, e tc . ) com seus

resu l tados soc ia is , p rocurando detec tar se e las provocam, ou não, o surg i

men to de uma ges tão e de uma o rgan i zação do t raba lho human izadas , como

de i xam t ranspa rec e r as aná l ises de consu l t o res e admin i s trado res de e m pre sa

( "MJG: a ó t i ca do t raba lho" ) .

E n f im , devemos apresentar a lgumas or ien tações de le i tu ra . Neste ensa io ,par t imo s do pres sup osto d e qu e o le i to r que i ra se in fo rma r sobre os rud im ento s

do Mode lo Japonês de Ges tão e que , po r i sso , não t enha nenhum co

nhec imento an ter io r sobre o assunto . Por essa razão, os conce i tos menos

in tu i t i vos serão sempre de f in idos , na med ida e na pro fund idade em que a

compreensão do t ex to impuse r .

E m v i r t u d e d e s s a p r e t e n s ã o d i d á t i c a , a l g u m a s r e p e t i ç õ e s s e r ã o

i n e v i t á v e i s e i mp r e s c i n d í v e i s . A l é m d i s s o , n u m e n s a i o q u e p r e t e n d e o b s e r

v a r o me s mo f e n ô me n o s o b â n g u l o s d i f e r e n t e s , a s r e p e t i ç õ e s a p a r e c e r ã o ,i n e v i t a v e l me n t e , c o mo e x p r e s s ã o d o s " p o n t o s d e c o n t a t o " e n t r e a s ó t i c a s

e s c o l h i d a s .

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do MJG também é chamada de ohn i smo . Na rea l i dade , po rém, seu s i s t ema

f icou conhe c ido i n te rnac iona lmen te pe lo t e rmo japonês Kan ban .O desenvo lv imento in tegra l do Kanban deu-se num in te rva lo tempora l de

t rês dé cad as : de 195 0 a 1970. Esse método fo i send o aper fe içoado n a m ed ida

e na proporção das necess idades da Toyota . Num pr ime i ro momento ( in íc io

da década de 50) , o p rob lema pr inc ipa l e ra o de encont ra r fó rmulas de

p roduçã o po upad oras de m ão-de -ob ra e que não f izessem ap e lo a t ecno log ias

de ponta — cu ja carênc ia no Jap ão era no tór ia . A lém d isso , qua ndo com para do

co m o dos p a íses europe us e o dos Estad os Un ido s, o m ercado autom obi l ís t i co

japonês do Pós-Guer ra era ins ign i f i can te . O ob je t i vo era , po is , mú l t ip lo : p ro duz i r (a ) pequenas quant idades de (b ) ve ícu los d i fe renc iados, com (c) pouca

ut i l i zação de mão-de-obra e va lendo-se de (d ) tecno log ias mui tas vezes já

u l t rapassadas no Oc iden te .

S em pode r u t il iza r -se das t rad ic iona is econo m ias de esca la (a ex tens ão do

m erc ad o nã o o perm i t ia ) , a so lução enco nt rada po r Oh no fo i , con t ra r iando o

tay lo r i smo, de terminar que cada t raba lhador executasse vár ias a t i v idades,

cu idando de vá r i os equ ipamen tos s imu l t aneamen te .

Po r ou t ro l ado , nessa mesma época , a Toyo ta en f ren tava uma das ma is

sér ias c r i ses f inance i ras da sua h is tó r ia , o que a imped ia de fazer g randes

compras e fo rmar es toques: com os poucos recursos de que e la d ispunha, a

em pres a f o i ob r i gad a a c r ia r um s i s t ema qu e p resc ind isse de g rande s imob i li -

zações f inance i ras , que "compr imisse" a d is tânc ia en t re a p rodução e as

vendas. Fo i pensando nessas l imi tações de mercado e f inance i ras que Ohno

cr i ou o mé todo Jus t - i n -T ime , um subs i s tema d o Kanban que imp l ica a p rodu ção

d a quant idade jus ta no tempo jus to de sa ti s faze r a dem anda .Do in íc io dos anos 50 a té 1954, a demanda in te rna por ve ícu los au tomo

to res con t inua va ins ign i fi can te . No en tan to a c r ise f inance i ra da To yo ta p arec ia

san ada , e a Gue r ra da Coré ia f o rnec ia uma dem anda sup lemen ta r : a em presa

dev ia supr i r as nec ess ida des de guer ra nor te -am er icanas. Esse per íodo serv iu ,

en tão , para tes ta r a versa t i l idade d o prime i ro m om ento do K an ba n, a e f i c iênc ia

do Just - in -T ime: a Toyota dever ia a tender a uma demanda in te r io r res t r i ta —

embora d ivers i f i cada — e, ao mesmo tempo, ser su f i c ien temente ág i l na

produção em massa de a lguns poucos t ipos de ve ícu los /ar te fa tos de guer ra .Em resu m o, esse pe r íodo serv iu para tes ta r a e las t ic idade e a p las t i c idade do

método de Ohno . Em ou t ras pa lav ras , esses anos se rv i ram como p rova

exp er im enta l d os l imi tes quant i ta t ivos "su per io res" do ohn ismo e , por tan to , de

sua adeq uaç ão às fases ascenden tes do c ic l o econômico .

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O Kanban na crise estrutural do capitalismo

Como técn i ca p rodu t i va , o Kanban pe rmi t e a adap tação das empresas a

uma con f i gu ração da demanda cond i c i onada pe la c r i se econômica mund ia l :

f a l ênc ias , des em preg o , ba i xos sa lá ri os e concen t ração de rendas conco r rem

para a a l te raçã o do per fi l da de m an da e para a c r iação de u m t ipo espec ia l d e

consumido r^ . Com uma demanda so l ven te res t r i t a a um número dec rescen te

Para uma explicação complementar sobre as razões do surgimento desse novo consumidor,recomendamos a le itura de Roustang e Perret (1993) . No Capítulo I I desse l ivro, ver if ica-secom o a "vulgar ização" do trabalho e a conseqüen te prol iferação de produtores de uma m esm amercadoria exacerba a concorrência e , logo, a necessidade de se pr iv i legiar a diversidade,a qu alidad e, o atendim ento p ós-vend a e os contatos pessoais como estratégias de conquista(e de cr iação) do (novo) consumidor.

É b om qu e se lembre , no en tan to , qu e o m erca do in te rno era ín f imo, o qu e

d iminuía substanc ia lmente a va l idade do tes te . D i to de ou t ra fo rma, não fo ipossível se observar a apl icação do método num grande mercado em rápidaevo lução.

De meados dos anos 50 ( té rmino da Guer ra da Coré ia ) ao f ina l da década

de 60, a Toyota apenas pôde contar com um reduz ido mercado in te rno . Esses

anos con f i gu ra ram , en tão , um tes te de adequaçã o às f ases descenden tes do

c ic lo . O s is tema de Ohno passou por ou t ra p rova quando, nos anos 70 , a

demanda de ve í cu los au tomoto res f o i l i ge i ramen te aquec ida : nenhuma d i s -

f unção f o i obse rvada . Pa rec ia c l a ro , po i s , que Ohno hav ia descober to ummétodo de produção e f i c ien te sob cond ições de demanda res t r i ta ou so f rendo

pequenas osc i l ações (ascenden tes ou descenden tes ) .

Com a chegada dos anos 80 , os l im i t es " supe r i o res " do mé todo de Ohno

não pud era m ma is se r t es tados — nem hav ia necess idade . A ec losão da ma is

sér ia c r i se es t ru tu ra l do cap i ta l i smo não mais quest ionava suas concepções,

mui to pe lo cont rá r io . O desenvo lv imento do Kanban parec ia ser o caminho a

ser t r i lhad o. E sua imp lan tação e apro funda m ento pas sara m a ser os ob je t i vospr im ord ia is , tan to da Toy ota quanto de inúm eras emp resa s em todas as par tes

d o M u n d o .

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^ Ka nb an significa painel . É através de pequ enas caixas, contendo painéis e desl izando emcorreias de transmissão, que as informações transitatri num sentido e os materiais requisitados se deslocam em outro. Foi esse "ovo de Colombo" que inaugurou a era Kanban.

de consumido res de g randes posses , o j ogo da conco r rênc ia não pode ma is

se real iza i r pe la s imples d iminuição de custos e de preços. A est ratégiaempresa r i a l não pode ma is se pau ta r no mero aumen to das vendas dos

p rodu tos c onh ec idos , mas de ve , is to s im, p reocupar -se com a c r i ação dè novas

nece ss idade s : com um a es t ru tu ra de dennandà a l ice rçada em pouco s con su

mido res que possuem qüâse t udo , as empresas p rec i sam se concen t ra r no

ap r im oram en to da qua l i dade dos p rodu tos j á ex is t en tes , m as , p r i nc ipa lmen te ;

ha d ivers i f i cação e na persona l i zação da o fer ta .

O Ka nb an é , po is , uma técn ica d i r ig ida para a p rod uçã o de peq ue no s lo tesde pro dutos d is t in tos è co m qua l idade i r repreensíve l . Para a t ing i re ss e ob je t ivo ,

a p r inc ipa l p reocupação de seu idea l i zador , ó Engenhe i ro Ohno (1989) , fo i a

de ag i l i zar o f luxo de in fo rmações no in te r io r das empresas. Para tan to ,

concent rou seus es forços na cr i c i ção de um s is tema (Kanban) que p í jdesse

de te rm ina r , de f o rm a p rec i sa , a quan t idade dè m erca dor i a s e fe t ivame n te

ven d idas e que , ao m es m o tem po , pud esse faze r chega r essa i n fo rmação aos

pos tos de t raba lho que às con fecc ionam.

As s im faze ndo , rompeu c om a a r ra igada trad i ção f o rd i s ta da p r imaz ia d ap rodução sob re o consumo, t rans fo rmando o consumo no ve rdade i ro impu l -

s ionador da produção: em lugar de produz i r para um mercado incer to , ò

s is tema cr iado por Ohno detec ta as ex igênc ias do mercado e só permi te a

p rodu ção d o que j á es tá — qua se ou li te ra lmen te — vend ido .

Esse p roced imen to , que f i cou conhec ido pe lo nome de Jus t - i n -T ime (no

tem po jus to ) , imp l i ca um acrésc im o de produt i v idade basea do na ap l i cação d e

um a i dé ia s imp les : o "es toque -ze ro ". O hno ac red i tava que o ape r fe i çoam en to

e a rap idez da in fo rmação ent re postos de t raba lho proporc ionar iam substanc i a is reduçõ es de cus tos e d im inu i r iam os despe rd íc i os . De f o rm aes que m át i ca ,

o c r i ado r do Kanban p rocu rou es tabe lece r um s i s t ema no qua l a cada f l uxo

p r imár i o de i n fo rmações no sen t i do vendas—> p rodução co r responder i a um

f luxo de r i vado e adequado de peças , ma té r i as -p r imas , subp rodu tos e t raba

l hado res e m sen t i do inve rso (p rodução — »v en da s) . ^ Com pa t i b il izando p ro

duç ão e co ns um o, e le cons egu iu supr imi r , de um a só ve z, um a sér ie de

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Ap en as p ara que nã o restem dúvidas sobre esse ponto, é bom reafirmarmos a não-identidadeentre o MJG e o Kanban. De forma provisória, podemos aqui afi rmar que o management

especif icamente japonês decorre da apl icação do Kanban. Mais à frente, no entanto,tentaremos identificar, passo a passo, como as técnicas produtivas criadas por Ohnoconstruíram urna nova organ ização social da em presa: o MJ G .

custos l i gados aos descompassos na re lação o fer ta /p rocura : (a ) cus tos de

guarda de mercador i as (depós i t os , acond i c i onamen tos , ca ta logação , v i g i l ân c ia , en erg ia e lé t r i ca , e tc ) ; (b ) cus tos re lac ionados à per da de m atér ias-pr im as

perec íve is ; (c ) cus tos v incu lados aos " tempos mor tos" da produção e das

vendas (u t i l i zação sem in te r rupção de máqu inas , equ ipamen tos e t raba

lhadores) e , por f im, (d ) cus tos sa la r ia is e de invest imento (d iminu ição dos

efe t i vos l i gados d i re tamente à p rodução, dos t raba lhadores a locados nos

depar tamen tos de rec ru tamen to e se leção e da dep rec iação ace le rada dos

e q u i p a m e n t o s , e t c ) .

Rac iona l i zado o gerenc iamento dos es toques, es tava rea l i zada a pr ime i rae tapa do K an ban . Ma s é bom que t enham os c l a ro que o Jus t - in -T ime é apenas

um a prem issa d o Ka nb an . E es te , por sua vez, é a base tecno-organ izac iona l

que fundamenta toda a complex idade cu l tu ra l , ps ico lóg ica e soc io lóg ica que

con st i tu i o M JG " * : "E este é o pon to impo rtante sobre o qual é necess ár io ins ist ir :

a in te l igência de Ohno aparece no fato de e le não ter se at ido aos estoques.

E, f ina lm ente , de só re fe r i r-se a es tes com o s imp les pontos de par t ida (grifo

n o s s o ) " ( C O R I AT , 1 9 9 1 , p.21).

Tendo como ponto de par t ida o Jus t - in -T ime, a imp lan tação do Kanban

propr iamente d i to p ressupõe — v imos ac ima — a ex is tênc ia de es toques

min imizados de e fe t i vos , matér ias-pr imas e equ ipamentos . A un idade produ

t i va que adota os prece i tos de Ohno deve ser , en tão , uma empresa "min imi

zada" , f lex íve l e t rans pare nte : m in im iz a d a porque l i v re de todos os e xces sos;

f lex íve l porque vo tada à produção de sér ies reduz idas de múl t ip los p rodutos ;

t r a n s p a r e n t e porque o número de coordenadores das d iversas " funções de

produção" também se subord ina aos pr inc íp ios do es toque-zero .Ma s com o co loca r em func ionamen to uma em presa su je it a a essa f ó rmu la

t r in i tá r ia (min imização, f lex ib i l i dade e t ransparênc ia )? Em out ras pa lavras :

co m o v iabi l izar o a juste da ofer ta à de m an da , resp ei tando -se os r íg idos cr i tér ios

do Jus t - i n -T ime?

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Para dar con ta de um a produç ão d ivers i fi cada, o es toq ue jus to de m ão-d e-

-obra prec isa ser composto de t raba lhadores po l i va len tes , de t raba lhadoresf lex íve is e fac i lmente adaptáve is a mudanças bruscas e f reqüentes de at iv i

dade. O es toque jus to de equ ipamentos , por sua vez, deve poder ser , ráp ida

e fac i lme nte , ( re )a jus tado . Para que esse s constan tes ( re )a jus tes se jam fe itos

sem in te r rupções , é necessá r i o que os t raba lhado res se jam também " regu

l ado res " e que po ssua m a lguns conhec imen tos de ma nu tenção . Mas pa ra que

possam exe rc i t a r esses conhec imen tos , p rec i sam de au tonomia dec i só r i a :

uma au tonomia que só pode se r adqu i r i da po r t raba lhado res reconhec ida

mente responsáve is , o que d iminu i substanc ia lmente a necess idade de super v i são e v i g i lânc ia . Nesse m esm o sen t ido , a coo rdena ção de ta re fas t o rna -se ,

ca da vez m ais , um a a t iv idade in te rna ao con jun to de t raba lhad ores d i re tam ente

p rodu t i vos .

Na s pa lavras do Adm in is t rador de Empre sas G i lmar Mas iero , as p r inc ipa is

con seq üên c ias do Just - in -T im e pod em ser ex t ra ídas do conc e i to cent ra l de

f lex ib i li dade: o Jap ão , d iz e le ,

" ( . . . ) parece te r consegu ido uma produção f lex íve l não somenteat ravés da cooperação de seus t raba lhadores em t rocar de t raba lho

q u a n d o n e c e s s á r i o , m a s t a m b é m m a n t e n d o o s e s t o q u e s n o s

m enores n í ve is poss í ve is . As emp resas j aponesa s m an têm tam bé m

reduz ido número de t raba lhadores em a t i v idades func iona is não

d i re tamente l igadas à produção" (MASIERO, 1994, p .13) .

O l e i t o r que nos acompanhou a té a q u i , d e v e e s t a r r a c i o c i n a n d o c o m

b a s e n u m a i ma g e m m e n t a l d e u m c o l e t iv o d e t r a b a l h o c o e s o , d e n s o e c u j a sr e l a ç õ e s s e e f e t i v a m n u m e s p a ç o d e t r a b a l h o d e p e q u e n a s d i me n s õ e s : a

r a p i d e z d e s u a s a ç õ e s , a s s i m c o m o a s r e l a t i v a s r e s p o n s a b i l i d a d e e

a u t o n o m i a i mp õ e m u ma c e r t a p r o x i m i d a d e d o s t r a b a l h a d o r e s e n v o l v i d o s

e m t a r e f a s a f i n s . D i rí a mo s , me s m o , q u e a p r o x i m i d a d e e n t r e t r a b a l h a d o r e s

i n d i v i d u a l me n t e c o mp l e me n t a r e s d e v e p a s s a r p e l o s s e n t i d o s : e l e s d e v e m

poder " se ve r sem se des loca r " , " se chamar sem g r i t a r " e " con t ro la r com os

o l h o s " .

Essa imagem de co le t i vos l imi tados rea lmente se jus t i f i ca . De fa to , oEn gen he i ro O hn o d iv id iu o enorm e e d isperso "co le ti vo" fo rd is ta e m peq uen os

gn jpos de t raba lho , e as razões para i sso são mui tas : apenas em pequenos

grupo s a reparação e a p roduçã o pode m ser ta re fas do m esm o t raba lhad or (as

m áqu inas dev em se r poucas e es ta r sob os o lhos do t raba lhado r ) ; da m esm a

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Pa ra Taylor , o trabalho em grupo nivela "por baixo" o esforço de cad a integrante. Ohn o, porsua vez, percebe a importância da emulação, da concorrência e do orgulho, no sent ido danivelação "pelo a lto". Na real idade, os dois têm razão: quando se trata de conseguireconomias de escala através de tarefas extremamente parcelar izadas e repet it ivas, não hácom o se a t içarem o s "br ios" do trabalhador; já em at ividades mult i facetadas e em peq uen aescala, revelam-se as competências, e a dignidade profissional tenta aflorar.

fo rma, só se pode ser responsáve l , te r au tonomia e in ic ia t i va sobre aqu i lo de

qu e se par t i c ipa con t inuam ente (o que imp l ica , obv iam ente , res tr ing i r o es paç ode des locamento do t raba lhador ) ; e a inda, a a tuação s imu l tânea, como pro

du tor d i re to e coordenador , ex ige não apenas o conhec imento de processos

técn icos , mas também o de ind iv íduos (o que, novamente , imp l i ca um re

l ac ionamen to "co rpo a co rpo " ) .

E n f i m , é a p e n a s a t r a v é s d a r e p a r t i ç ã o d a s e mp r e s a s e m p e q u e n o s

g r u p o s — c o e s o s e d e n s o s — q u e s e f a z p o s s í v e l t a n t o u ma c o o r d e n a ç ã o ,

q u a n t o u ma o r g a n i z a ç ã o t r a n s p a r e n t e s d a p r o d u ç ã o . N a s p a l a v r a s d o

p róp r i o Ohno , a t ranspa rênc ia só ex i s te numa "d i reção pe los o lhos" : "d i r i g i rp e l o s o l h o s " , d i z O h n o ,

" ( . . . ) é um dos fundamentos do método Toyota [ logo, do Kanban,

ac rescen tamos ] . O mes t re j aponês reconc i l i a -se , po i s , com uma

mui to an t iga e t rad ic iona l p reocupação dos mest res fabr ican tes :

poder a todo momento , e sempre v isua lmente , exercer um cont ro le

d i re to sob re os emp regado s subo rd inados" (COR IAT , 19 91 , p .24 ).

A s s i m , a es t ra tég ia da cr iação de pequenos grupos a t inge do is ob je t i vos

comp lemen ta res e apa ren temen te con t rad i t ó r i os : re fo rça a capac idade de

cont ro le da admin is t ração cent ra l e , ao mesmo tempo, tende a to rnar desne

cessár io o exerc íc io desse mesmo cont ro le .

Na rea l idade, o que tende a se to rnar desnecessár io é o exerc íc io d i re to

do cont ro le . A c r iação de pequenos grupos de t raba lho provoca reações

psico lógicas de autocont ro le nos seus in tegrantes, ta is como (a) a in t ro jeção

dos va lo res da empresa e (b ) a emulação. O conf ron to "corpo a corpo"(" in te lecto a in te lecto") no quo t id iano d e t rabalho at iça a com pe t ição e o orgu lho

pro f i ss iona l dos in tegrantes desses pequenos grupos.^ Junte-se a i sso a

re la t i va au tonomia a e les de legada pe la admin is t ração cent ra l — e a res

ponsab i l i dade incorporada da í decor ren te —, e ob ter -se-ão as pr inc ipa is

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® Te nta nd o identificar o "brio" profissional com a cultura jap on esa , Mas iero nos diz que, "No localde trabaltio, mais importante que os processos de intímidação é outro tipo de pressão social quepossa ser sumariada pela palavra ganbate. ( .. .) M esm o que os empregados japoneses estejamestressados por trabalhar longas horas, eles deve m ganbate (fazer o seu máximo/melhor) paracompletar a at iv idade programada" (MASIERO, 1994, p.16) , Entendemos que a questão é: ogan bafe deriv a d a cultura ou da organização produtiva? Ca so derive da cultura, faz-se necessário

dem onstrar q ue o trabalhador ocidental é culturalmente "relaxado". O qu e nã o foi feito.^ Co m o verenros mais abaixo, a alta direção não abre mã o do controle total sobre a dinâmica

funda men tal d a propriedade do capital e de sua utilização: em última instância, a administraçãocentral pode desautorizar autonomias e impedir iniciativas. Em situações não corriqueiras, queextrapolam em muito o desenrolar mecânico dos negócios diários, o poder da administraçãocentral man tém -se intocado. Send o assim, é ela qu em determ ina políticas de licenciamento, deinvestimento, de (des)localizaçâo de plantas industriais, de mudanças tecnológicas, etc.

qua l i dades de um empregado-pad rão^ . A pa r t i r do momen to em que se

ins taura p lenamente o Kanban, o t raba lhador sente-se responsáve l pe loproduto do seu t raba lho , conf ron ta-se com a sua "obra" , descobre sua per íc ia

nos de ta lhes da car rocer ia de um automóve l , iden t i f i ca-se com sua cr iação.

Neste momento , a qua l idade do produto re f le te suas própr ias qua l idades,

t raduz sua des t reza , man i f es ta sua capac i t ação e te rn a púb l i ca sua hab i li dade .

Ze la r pe la qua l i dade dos p rodu tos e pe lo nome da empresa t rans fo rmam-se ,

a s s i m , numa obr igação moral , de foro ínt imo. E, nesse sent ido, " { . . . ) a mot i

vação e a sa t i s fação do t raba lho es tão es t re i tamente v incu ladas com o

sen t imen to de 'com un ida de ' , a t ravés do qua l a em presa é cons ide rad a c om ouma extensão do lar e da famí l ia" ( I IDA, 1986, p.13).

Co nst ru ind o o t raba lha dor -pa drão , o Ka nba n incu te- lhe um a nova "cu ltu ra" ,

a cu l tu ra de "sua" empresa. A empresa passa a te r uma a lma. . . A do própr io

t raba lhador . E le passa a encarnar , por exemplo , o "esp í r i to Toyota" . Os

s ind i ca tos , po r su a vez , ado tam pa lav ras de o rdem , onde se con funde m v ida

e t raba lho , a lma e m ercado r i a : "P ro tege r nossa em presa pa ra de fender a v i da " ,

por exemplo , fo i , em 1954, a bande i ra do novo s ind ica to Toyota ( C O R I A T ,

1 9 9 1 , p . 3 7 ) .

Na m ed ida e m que o t raba lhado r fund e idea lmente sua própr ia v ida co m a

sobre v ivênc ia da em pre sa , a a l ta d i reção po de re laxar o "cont ro le d i re to sobre

os empregados subord inados" , humanizando, ass im, suas po l í t i cas de recur

sos hum ano s . No d ia -a -d ia das emp resas , t ranspa rece , en tão , uma re lação de

parce r ia en t re ges tores e traba lhad ores d i re tos : coo peraç ão, in tegração e un ião

ao redor de objet ivos comuns sobrepõem-se a eventuais d i ferenças.^ Enf im,

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admin i s t rado res e t raba lhado res submetem-se , de bom g rado , à " cu l t u ra da

e m p r e s a " .N o e n t a n t o , p a r a q u e o t r a b a l h a d o r p o s s a s e n t i r - s e s e g u r o n a e mp r e s a

(como se es ta f osse seu l a r ) , uma sé r i e de p rov idênc ias admin i s t ra t i vas

p rec i sam re fo rça r seu "esp í r i t o de f amí l i a " . Sob ou t ro p r i sma : pa ra que a

e mp r e s a p o s s a ma n t e r e m s e u s q u a d r o s u ma mã o - d e - o b r a f i e l e a p e g a d a

a o s v a l o r e s d a e mp r e s a , é n e c e s s á r i o a c e n a r - l h e c o m a e s t a b i l i d a d e d o

e mp r e g o . N a r e a l i d a d e , a " c u l t u r a d e e mp r e s a " s ó p o d e c o n s o l i d a r - s e a

p a r ti r d o m o m e n t o e m q u e o s f u n c io n á r io s e s t ã o c o n v e n c i d o s d e p o d e r e m

b e n e f i c i a r - s e d e u m p l a n o d e c a r g o s e s a l á r i o s . As s i m , a s e mp r e s a s q u eado tam o Kanban conso l i dam seus e fe t i vos a t ravés da i ns t i t u i ção de "ca r

re i ras i n te rnas" , de aumen tos sa la r i a i s baseados no t empo de t raba lho e ,

p r i n c i p a l me n t e , d a g a r a n t i a d e u m " e mp r e g o v i t a l í c i o " .

V i s a n d o a i n d a a o me s mo o b j e t i v o , p r o c u r a - s e a t e n u a r o s d i f e r e n c i a i s

d e status o p e r a c i o n a l e f u n c i o n a l v i g e n t e s e n t re o s g r u p o s d e t r a b a l h o . C o m

esse i n tu i t o , o i dea l i zado r do Kanban soube mu i t o bem t i ra r pa r t i do da

p r o l i f e r a ç ã o d e p e q u e n a s e mp r e s a s q u e s e s e g u i u à d e r r o t a d o J a p ã o n a

Se g u n d a G u e r r a Mu n d i a l . Em p r i me i r o l u g a r , h i e r a r q u i z o u a s d i v e r s a s

e t a p a s d a p r o d u ç ã o e , e m s e g u i d a , r e p a s s o u a q u e l a s c o n s i d e r a d a s

s e c u n d á r i a s , o u n ã o e s t r a t é g i c a s , p a r a t e r c e i r a s e mp r e s a s d e p e q u e n o

p o r t e : p r o c e d e n d o a s s i m , a c e n t u o u o s e n t i me n t o d e s o l i d a r i e d a d e e d e

iden t i dade en t re os membros das d i ve rsas equ ipes . A f i na l , no i n te r i o r da

e m p r e s a - c o n t r a t a n t e ( e m p r e s a - m ã e ) c o n t i n u a m a s e r p r o c e s s a d a s a s t a r e

f a s e s s e n c i a i s e q u e e x i g e m u ma mã o d e o b r a f u n c i o n a l me n t e v a l o r i z a d a ,

po i s em s in ton ia com os ob je t i vos de l ongo p razo ou es t ra tég i cos dae m p r e s a . L o g o , a q u e l e s q u e a li p e r m a n e c e m i d e n t if ic a m - s e c o m o u ma e l it e ,

c o mo t r a b a l h a d o r e s d e p r i me i r a c a t e g o r i a , e m c o n t r a p o s i ç ã o à q u e l e s q u e

f o r a m d e m i t i d o s o u q u e a s s u m e m f u n ç õ e s ( s e c u n d á r i a s ) n a s e m p r e s a s

c o n t r a t a d a s .

Po r ou t ro l ado , não é menos ve rdade que o sen t imen to de desp rezo , de

d e s v a l o r i z a ç ã o , t a mb é m p r o v o c a i d e n t i f i c a ç õ e s e s o l i d a r i e d a d e s : o s t r a b a

l h a d o r e s q u e a s s u m e m t a r e f a s s e c u n d á r i a s e q u e f o r a m c o n s i d e r a d o s c o m o

m ã o - d e - o b r a f u n c i o n a l m e n t e d i s p e n s á v e l a s s u m e m u m a p o s t u r a n e g a t i v ae c o n c o r r e n c i a l fr e n t e a o s s e u s a n t ig o s c o l e g a s . Pa r a a s g r a n d e s e m p r e s a s ,

p o r é m e s s a c o n c o r r ê n c i a é s a u d á v e l e s e i n s e r e n u ma e s p é c i e d e c í r c u l o

v i c i oso de con t í nuo re fo rço da cu l t u ra de empresa , da cu l t u ra Kanban .

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Além de re fo rça r a i n t eg ração e a ha rmon ia no i n t ramuros das g randes

e mp r e s a s , a c o n t r a t a ç ã o d e t e r c e i r a s e mp r e s a s c o n s e g u e " m i n i a t u r i z a r "a i n d a ma i s a s u n i d a d e s p r o d u t i v a s q u e a d o t a m o Ka n b a n : a t r a v é s d e

con t ra tos de pa rce r i a bem e labo rados e p rec i sos , f o i poss í ve l expo r ta r o

Ju st - in -T im e e e liminar as ú lt ima s "gorduras" , do tando as em pres as cont ra tan

tes de um grau a inda maior de f lex ib i l idade, permi t indo a consol idação e o

cresc im ento dos a l tos n íveis de produt i v idade e de (au to)cont ro le da q ua l idade

j á a l c a n ç a d o s .

De fato, essa pol í t ica de tercei r ização ret rata o processo de extensão do

Just - in -T ime e da po l í t i ca dos "es toques-zero" para fo ra dos a te l iês da em-presa-cont ra tan te (ou empresa-mãe) . Segundo Cor ia t , " ( . . . ) o método pode ser

apl icado no níve l exclus ivo dos ate l iês da usina (...), ou pode ser es tend ido a

us inas cont ra tadas, que devem, e las própr ias , fo rnecer seu produto Jus t - in -

-T im e" . Qu an do isso aco ntece , pode mo s cons iderar que o Ka nba n se rea li zou

in tegra lmente : "É es te método desenvo lv ido , Kanban, que fo i conceb ido e

pra t i cado em pr ime i ro lugar pe la Toyota" (CORIAT, 1990, p .92) .

• • •

Re sum indo. Do pon to de v is ta do cap i ta l , a imp lan tação do Kan ban imp l i ca

um a sé r ie de avanços eco nôm icos e soc ia i s .

Dent re os avanços econômicos, podemos sa l ien tar (a ) um aumento da

f lex ib i l idade administ rat iva; (b) uma d iminuição no número de níve is h ierárqui

cos ; (c ) uma adaptação — quant i ta t i va e qua l i ta t i va — quase au tomát ica da

ofer ta às ex igênc ias da p rocura ; (d ) uma melhor ia na qua l idade do s produtos ;

(e ) uma fo r te d iminu ição de custos f i xos ; ( f ) um aumento inus i tado da produt i v idade do t raba lho ; e , con seq üen tem ente , (g ) um cresc imen to tam bé m inus i

tado da taxa de lucra t i v idade das empresas.

Co m re lação aos ava nços s oc ia is , é possíve l sa l ien tar (a ) a t ran s form açã o

de uma fo rça de t raba lho superespec ia l i zada em mão-de-obra po l i va len te ; (b )

o es tabe lec imento de uma re lação mais "humana" en t re os t raba lhadores e

suas chef ias imed ia tas ; (c ) a aqu is ição pe los co le t i vos de t raba lho de uma

re la t iva au tono m ia dec isór ia ; (d ) a con sec uçã o de um sent imen to ind iv idua l de

responsab i l i dade em re lação ao própr io desempenho pro f i ss iona l ; (e ) a ob

tenção de ganhos salar ia is per iód icos; ( f ) a oportunidade de per tencer a um

grupo ( reforço de ident idade); e , enf im, (g) a conquista de uma estabi l idade

empregat íc ia "para toda a v ida" .

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É e s s a i m a g e m m o d e m a e d e m o c r á t i c a d o M J G q u e v e m s e n d o c o r t e

j a d a p e l a s ma i s r e c e n t e s c o r r e n t e s d e g e s t ã o e mp r e s a r i a l : a t r a v é s d ec o n s t a n t e s d e c l a r a ç õ e s d e p r i n c í p i o s , e l a s t e n t a m a s s o c i a r s e u c o r p o

d o u t r i n á r i o à s p r o p o s i ç õ e s d o management j a p o n ê s . ^ N e s s e m e s m o s e n

t i d o , e l a s t e n t a m e x p u r g a r d e s u a s p r o p o s i ç õ e s t o d a e q u a l q u e r r e f e r ê n c i a

ao c redo t ay lo r i s t a : o t raba lho i nd i v i dua l , a supe respec ia l i zação , a r i g i dez

h i e r á r q u i c a , e t c .

M as a té que pon to a c r í ti ca aos a rca i cos m é tod os t ay lo r is t as e os e log ios

d e s s a i m a g e m " h u m a n a " e " d e m o c r á t ic a " d o M J G p o d e m d a r s u b s t â n c i a a

u m a p r á t i c a d e g e s t ã o e f e t i v a m e n t e n ã o t a y l o ri s ta ? P a r a is s o , q u e s t i o n a r e mo s a p r ó p r i a d e s v i n c u l a ç ã o d o MJ G d o s p r e s s u p o s t o s e o b j e t i v o s t a y l o

r i s ta s . As s i m f a z e n d o , d e i x a r e m o s d e l a d o a i d e n t if ic a ç ã o a t é a q u i a d o t a d a

e n t r e o Ka n b a n e o MJ G . Mo s t r a r e mo s q u e u ma a n á l i s e d o Ka n b a n q u e

e s t e j a me n o s p r e o c u p a d a c o m o s i mp e r a t i v o s d e p r o d u t i v i d a d e / l u c r a t i v i

d a d e d a s e mp r e s a s d e i x a t r a n s p a r e c e r u m MJ G q u e é , n o m í n i mo , mu i t o

ma i s p r ó x i mo d o t a y l o r i s mo d o q u e p r o c l a ma m a d m i n i s t r a d o r e s e c o n s u l

t o r e s d e e m p r e s a s . ^

No prefácio d a 4^ edição d e u m d os principais livros sobre terceirização, o Presidente do Con selhoDeliberat ivo do Sebrae/RS e Vice-Presidente da Federação das Indústr ias do Estado do RioGrande do Sul, Dagoberto Lima Godoy, af irma que, nas nações mais desenvolvidas,"( . . . ) ospequenos negócios têm sido est imulados em favor do bem comum. Entre tantas formas depart ic ipação das micro e das pequenas empresas nas economias bem-sucedídas, uma delassurge em de staque, de que é exemplo o milagre japonês: a subcontratação". Ness e m esm o livro,seu autor apo ia um a certa idolatria do MJ G por setores empresariais brasileiros. Diz ele: 'H á umdeslum bram ento (sem dúv ida justo) com as técnicas avan çada s de administrar, em especial comas or iginárias do Japão" (LEIRIA , 1993, p.14-18) .

Já em outra ob ra, o mais conhecido ad epto das propostas terceirístas informa-nos de que afórmula para se a lcançar a modemidade, incrementar a produtiv idade e a competit iv idadepassa, necessar iamente, pela ut i l ização das "técnicas administrat ivas norte-americanas ejaponesas" (LEIRIA, 1993 , p .22 ) .

Nu m dep oimento c i tado em corrotwração das idé ias de C ham py, J . (Pres idente da f imia d econsultor ia CSC Index, Inc.) e Hammer, M. (Presidente da f irma de consultor ia Hammer and

Company, Inc.) , o Presidente da Hallmari< Cards, Inc. expressa-se assim: "Est ive no Japãoalguns meses atrás pela pr imeira vez em muitos anos. Percebe-se com toda a c lareza porque os japoneses são uma tamanha força competit iva: o país inte iro está focal izado. Elessab em qu e es tão em um a bata lha econômica que pre tendem vencer . E les têm um a soc iedadehomogênea marchando ao som do mesmo tambor . Todos com que se conversa sabem oobjet ivo de suas empresas e de seu país . Eles estão al inhados e isso é uma força poderosa'( H A M M E R , C H A M P Y , 1 9 9 4 , p . 1 4 0 ) .

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O M JG : a ótica do trabalho

Em 195 0, fo i de f lagrad a na Toy ota um a greve de grandes d im ens ões , cu jo

saldo fo i a demissão de 1.600 operár ios e a do própr io Ki ich i ro Toyota,

Pres iden te -Fundador da Toyo ta . Co mo po r ir on ia , nesse me sm o ano c om eçou

a Guer ra da Coré ia : a empresa fo i convocada para par t i c ipar do "es forço de

guer ra" , e a sua age nd a de encom end as f i cou rep le ta . Mas como sa t i s fazer às

encomendas de guer ra sem contar com boa par te de seu an t igo e fe t i vo? O

momento requer ia , po is , c r ia t i v idade.

Depois de dois meses de greve, as relações entre o movimento sindical e adireção da Toyota eram tensas e conf l i tuosas:"(. . . ) devido a sangrentos conf l i tos

entre o sindicato e a adm inistração, a To yo ta tinha perdido o suporte creditício d os

bancos e quase ent rara em concordata" (TSUKAMOTO, 1985, p.84). Nessas

circuns tâncias, difici lme nte as direções sindical e empresa rial con seg uiriam cheg ar,

e m tem po hábi l , a um acordo d e recontratações: o sindicato da indústr ia autom o

bilística (um do s m ais fortes do país) acab ava d e sofrer uma de rrota "hum ilhante", e

seus dir igentes não perderiam essa oportunidade para demonstrar suas capaci

dades de mobi l ização e de defesa dos interesses dos t rabalhadores. Logo, compou cas possibil idades d e efetivar uma recontratação m aciça em si tuação van tajosa,

a Toyo ta precisava encontrar os meios de empreend er um a racional ização produ

t iva, centrada no aprovei tam ento intensivo da pouca m ão-de-obra então disponível .

E a apl icação do K anba n parece ter sido a solução encontrada.

A Toyota cont ra tou , en tão , T . Ohno, o c r iador do método Kanban. C o n

t ra tado para en f ren tar uma das mais sér ias c r i ses da indúst r ia japonesa, o

En gen he i ro O hno , cons iderado p pa i do M JG , pôde ap l icar a l i suas teor ias . E

se u suc esso fo i tão grand e que, já em 1959, assu m ia a d i reção da nova us ina

de M otom ach i e , em 196 2, to rnava-se d i re to r da pr inc ipa l us ina da Toyo ta .

Tendo se insp i rado na observação da gestão de es toques dos supermer

cad os no r t e -amer i canos , o mé todo de Ohn o é com um en te exp l icado po r um a

ana log ia s imp les : o t raba lhador cons iderado "c l ien te" u t i l i za as peças do

t raba lhador que cont ro la as "p ra te le i ras" . Ass im, apenas quando todos os

produtos das prate le i ras já t iverem sido vendidos (ut i l izados pelo t rabalhador

"c l ien te" ) é que será re tomada a produção. Na rea l idade, deve haver umpe qu en o in te rva lo en t re o esva z iame nto comp le to das pra te le i ras e a re toma da

da produção. Esse in te rva lo é de terminado por duas var iáve is : (a ) o tempo

prev is to para o consumo das ú l t imas un idades de produto e (b ) o tempo de

produção de novas un idades. Idea lmente , quando as ú l t imas un idades fo rem

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^° No ca so, painéis e quadros informativos: um a forma de comu nicação entre trabalhadoresbem di fundida nas empresas japonesas .

vend idas , novas mercad or i as dev em es ta r cheg ando às p ra te le iras . A im p lan

t ação do Kanban p ressupõe , po r t an to , uma i n fo rmação p rec i sa e con t í nuaent re o t rab alh ad or "c l iente" e o "cont ro lador das prate le i ras " , ent re os d ivers os

n íve is de e labo ração e consu m o das mercador i as .

O Ka nba n , cu ja tradução é "quad ro " ou "pa ine l ", base ia -se s imp lesm en te

na f lex ib i li dade e na rap idez da t roca de in fo rmaçõ es^^ : "A inovaçã o, vê-s e , é

puramente organ izac iona l e conce i tua i , nada de tecno lóg ico in te rvém aqu i " .

Mesmo sendo de uma tocan te s i nge leza , mesmo sendo um ve rdade i ro "ovo

de Co lombo" , o método de Ohno parece const i tu i r "a inovação organ izac iona l

ma io r da segund a m e tade do sécu lo " (CORIAT , 1 99 1 , p .46 -47 ) .De form a sucinta e c lara, esse método fo i resum ido pela famí l ia Toy ota nos

seguintes termos: "O ideal ser ia produzi r exatamente o que é necessár io, e de

fazê- lo no tempo justo" (Ibid., p.29). Ao produzir "na medida exata" e no "tempo

preciso" , os custos de armazenagem, conservação, v ig i lância e t ransporte são

signi f icat ivamente reduzidos. Além disso, são e l iminados os desperdíc ios de

matérias-pr imas, e torna-se mais fáci l "descobrir , o quanto antes, possíveis

defe i tos epidêm icos nos produtos (...)" (LIMA FILHO , 1985, p.69) . Ma s aa pl ica çã o

do K anb an reduz tam bé m um a sér ie de outros custos, ta is com o os de prospec ção

de tend ênc ias e de preferências do mercado e, cons eqüe ntem ente, os custos de

marketing-, sendo a produção ági l e f lexíve l , a empresa pode responder, quase

instantaneamente, aos desejos do mercado; e, em sintonia com o mercado,

d iminui sensive lmente a necessidade e os custos de propaganda.

Em resumo, o método proposto por Ohno base ia-se numa inus i tada

f lex ib i l i dade na organ ização do pessoa l e na f lu tuação dos es toques: os

t raba lhado res , co m o os produ tos , deve m estar no loca l esp erad o, no m om entonecessár io e em número adequado. Rest r ing indo o f luxo de mercador ias ao

mín imo necessá r i o pa ra sa t i s f aze r a demanda imed ia ta , Ohno consegue

rest ring ir , tam bé m ao m ín imo, a ma gn i tude dos e fe ti vos . C om a in t rodução do

Ka nba n, so luc ion ava -se , en tão , o p rob lem a da fa l ta de fo rça de t raba lho para

sa t i s f aze r as encomendas dos t empos de gue r ra .

Te rminada a Guer ra da Coré ia , o mé todo p ropos to po r Ohno pôde se r

melhor tes tado. Se a guer ra p rec ip i tou a adoção de suas prescr i ções, e la

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Veremos, mais adiante, que o s indical ismo poderoso, que serviu de est ímulo à implantaçãodo Kanban, precisou ser anulado para que a sua consolidação viesse à luz do dia .

Consulte-se, por exemplo, Wood Júnior (1992) , Hirata (1984) e Freyssenet (1983) .

também serv iu como labora tór io e tes te de sua e f i c iênc ia . Em segu ida , com a

paz , com o es t re i t amen to do mercado , sem demanda ga ran t i da pe la gue r ra©com o an iqu i l amen to do mov imen to ope rá r i o ( como ve remos a segu i r ) , c o n

so l i dou -se a f ó rmu la ohn iana poupadora de mão-de -ob ra .

E n f im , parece que o desenvo l v imen to do Kanban acon teceu em duas

grandes e tapas: a p r ime i ra , a de sua imp lan tação, carac ter i zada (a ) por uma

insuf i c iênc ia de e fe t i vos para sa t i s fazer a demanda in te rna e as encomendas

nor te -a m er ican as na Coré ia , e (b ) por um a a t ri tada re lação en t re um s ind ica to

poderoso e o pa t rona to ; a segunda , a de seu ape r fe i çoamen to e expo r tação

pe la Toyota , carac ter i zada (a ) por um mercado re la t i vamente res t r i to , (b ) porum nível tecnológico in fer ior ao das potências ocidenta is e, enf im, (c) por um

movimento s ind ica l v i r tua lmente impotente .^^

Fe i ta essa ráp ida contex tua l i zação, ve jamos agora como ao redor da

técn i ca do Kanban emerge uma comp lexa rede de re l ações soc ia i s e o rgan i

zac iona is no in te r io r das empresas.

Em boa pa r t e dos es tudos sob re as empresas j aponesas , ace i t a -se ,

embora cr i t i camente , que as espec i f i c idades de suas re lações de t raba lho

estão l igadas a o "em preg o para a v ida toda " , a um "p lano de car re i ra base adono tempo de sen/ i ço" e a um sa lá r io rea l c rescente .^^ I s to posto , vamos

mos t ra r , esquem at i came n te , com o essas ca rac te r ís t icas se de r ivam da im p lan

t ação do Kanban num dado momen to da h i s t ó r i a econômica do Japão e ,

para le lamente , fa remos um cont raponto en t re a idea l i zação e a rea l idade

dessas ca rac te r í s t i cas que con fo rmam o MJG.

O Kanban surg iu , como v imos, como uma in ic ia t i va gerenc ia l que v isava

harmon iza r a escassez de f o rça de t raba lho com a c rescen te demanda deprod utos de gue r ra . Na s pa lavras de Cor ia t , o método de Ohn o é m arcad o "pe lo

dup lo f a to do l i cenc iamen to mac i ço e do c resc imen to das encomendas de

guerra d i r ig i idas à Toyota. É daí , d iz o autor , "que nasce verdadei ramente o

K a n b a n " (CORIAT , 1991 , p .45 ) .

N um a pr imei ra e grossei ra aproximação , podemo s d izer que o Kanban prevê

a real ização por poucos operár ios do que antes era tarefa de mui tos. Af inando

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Nessa passagem, não dist inguimos os aumentos da produção per capita derivados dé umdado tempo de trabalho com intensidade constante do aumento advindo de var iações daintensidade do t raba lho nesse m esmo tempo.

um pouco a aná l i se , observamos que a rea l i zação da ta re fa g loba l acar re ta

uma maior "p las t i c idade" dos t raba lhadores ind iv idua is . Em função de seumenor número , cada um deve , ago ra , possu i r uma fo rmação po l i va len te ,

necessá r i a pa ra pô r em marcha , s imu l t aneamen te , d i ve rsas e tapas da p ro

dução. No entan to , para que essa hab i l i dade d ivers i f i cada não eng lobe uma

necess idade ad ic iona l de cont ro le e v ig i lânc ia (o que anu lar ia todo o es forço

de res t r i ção dos e fe t i vos) , Ohno d iv id iu os t raba lhadores da Toyota em

pequenos grupos com a t r ibu ições múl t ip las e idênt i cas . De uma cer ta fo rma,

Ohno induz os própr ios t raba lhadores a se au topo l i c ia rem, posto que a

p rodu t i v i dade do t raba lho passa a se r o resu l t ado da pe r f o rmance deco le t ivos , e não de i n d iv íd u o s . A fo rmação desses pequenos g rupos es

t imu la , a inda , o surg im ento d e l ideranças ou de por ta -voze s grupa is e , por tan to ,

fac i l i t a a t ransmissão de ordens e a coordenação da produção.

f ^as com um co le t i vo res t r i to e ger ido por um método cu ja inovação

fundamenta l se repor ta à ag i l i dade do f luxo de in fo rmações, o aumento da

produt i v idade do t raba lho passa, necessar iamente , por a lguma fo rma de

in tens i f icação do uso soc ia l da fo rça de t raba lho . Ca da t raba lhad or de ve ,

agora , concent ra r -se num con jun to de ta re fas d i fe ren tes e encadeadas não-

- l i nearmente . Em out ras pa lavras , os mov imentos e os gêneros de rac ioc ín io

própr ios a todas, e a cada uma de las , devem estar sempre presentes nas

memór ias corpora l e in te lec tua l do t raba lhador . Ao mesmo tempo, é aumen

tado o núm ero , e d iminu ída a ex tens ão temp ora l , dos in te rva los de a da ptaç ão

in te r ta re fas , p rovocando uma mais numerosa sucessão de es forços an t i iner -

c ia is . E m ou t ras pa lavra s , durante toda a jo rnad a de t raba lho , o t raba lha dor vê

aum en ta da su a t ensão ne rvosa , muscu la r e i n te l ec tua l . Em resumo , o mé todoKanban e levou a in tens idade do t raba lho a n íve is somente observados na

época áu rea do t ay lo r i smo :

"Oh no (...) fo i con s iderad o co m o um prom otor essenc ia l da in tens i fi

caç ão do t raba lho , t rans fo rmand o-se as s im num dos a l vos de a taque

do s ind ica to . Ident idade de dest ino , também sobre es te ponto , com

seu predecessor Tay lo r ( . . . ) (CORIAT, 1991, p .36) .

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M as a i n tens idade do t raba lho é t am bé m ac resc ida po r uma ou t ra razão :

os es forços de fo r rnação . O au m ento do núme ro de ta re fas exe cutad as por ummesmo t raba lhado r supõe , é c l a ro , novas capac i t ações . I ndependen temen te

do fato de es sa forma ção se efetivar durante a jom ada de trabalho ou nos mom entos

de lazer, ela impl ica um renovado dispêndio de energias nen/osas: o contato c om

novas tarefas e/ou co m novas técnicas de execuç ão das ant igas at iv idades provo ca

angúst ias e an siedades inerentes ao contato hum ano com o desconhecido, com o

que nos quest iona. E na medida em que essa formação tende a ser cont ínua

(veremos a seguir) , o acréscim o d e tensão nervosa pas sa a fazer parte do quot idiano

dos trabalhadores, deixando, assim, de ser um acréscimo propriamente di to (algoacim a do habi tual) e pass and o a ser a forma norm al de t rabalhar.

Mas a formação requer ida pelo Kanban é um fenômeno de vár ias faces.

Pa ralelam ente ao fato de incidir sob re a intensidade do trabalho , ela deve contribuir

para a fomriação de um novo trabalhador, o trabalhador polivalente. Mas que

trabalhador é este? Seria ele um trabalhador qual i f icado? Em outras palavras, o

trabalhador po l ivalente dos grupos Ka nban p ode ser considerado qual if icado? Ma s

o qu e caracter iza a qual if icação? Esta últ ima é, sem dúvida, um a questão e spinhosa,

e sem uma def inição de "qual i f icação", di f ic i lmente poderemos fazer progredir a

discus são . Por essa razão, proporemos aqui um a definição provisória, mas opera

cional. Consideramos como trabalho qual i f icado aquele que impl ica uma maior

com plexidade de exe cuçã o e m relação ao trabalho parcelar e cujo dispêndio su põe

um raciocínio ma is abstrato do q ue o util izado n as clássicas tarefas tayloristas.

Á segui r , veremos que o t rabalho fabr i l po l iva lente d i f ic i lmente poderá

preencher esses requ is i tos .

Fo i mo st rado , em vár ios es tudos de ca so, que a po l i va lênc ia es tá li gada àbana l i zação das t a re fas ou ao empobrec imen to de seu con teúdo . Numa

pesqu i sa rea l izada nu m a emp resa de segu ros francesa em f ina i s dós anos 70 ,

consta tou-se que os t raba lhadores inser idos em "es t ru tu ras po l i va len tes"

expe r imen tavam "o sen t imen to de so f re rem uma ce r t a deg radação do c o n

t eúdo de seus t raba lhos" (VER DIER , 1983 , p .132 ) . Es tudando o caso Toyo ta ,

Y. M on de n, por sua vez, re je itou ca tego r icam ente a ident if icação e n t re qua l if i

caç ão e po l i va lênc ia , p rop ondo que se t rocasse o te rm o "po l i va len te" por ou t ro

m enos dúb io : "mu l t if unc iona l" (MO ND EN , 1983) . En f im, t am bé m es tudand o ocas o To yo ta , Cor ia t con c lu i que a po l iva lênc ia im p l i ca um a "de sesp ec ia l i zação"

do t raba lhador . Com esse te rmo, e le p re tende most ra r a ana log ia ex is ten te

ent re o c lássico t rabalho tay lor is ta e o t rabalho pol iva lente, ou melhor , mul t i

f unc iona l , necessá r i o ao bom func ionam en to do Kanba n . Segu ndo esse au tor .

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"( . . . ) esse movimento de desespecial ização dos operários prof issionais

qual i f icados, visando transformá-los em trabalhadores mult i funcionaisé, c laram ente, um mo vimen to de racional ização do trabalho no sent ido

c láss ico do te rmo. Também aqui , t rata-se, cOmo na via taylor ista

amer icana, de atacar o saber complexo do métier 29 dos operár ios

qual i ficados co m o objet ivo de d iminui r seu pode r sobre a produ ção e

de aum entar a in tensidade do trabalho" (CO RIAT , 1991 , p.43-44).

Mesmo sendo i nconc luden tes , essas pesqu i sas i nd i cam, com e loqüênc ia ,

que a ident i f i cação comumente fe i ta en t re po l i va lênc ia e qua l i f i cação é , nomín imo, carente de ver i f i cação empí r i ca . E o p rópr io Ohno parece conceber a

po l i va lênc ia no sent ido ind icado por esses es tudos:

"Eu dec id i lançar a expe r iênc ia que cons is te em reagrupar m áqu inas

nos mesmos lugares . Cada operador t inha, ass im, t rês ou quat ro

máqu inas sob sua responsab i l i dade , cada uma de las execu tando

tare fas d i fe ren tes . A mudança era rad ica l e a res is tênc ia no 'chão-

-de - fábr ica ' fo i , ev iden tem en te, mu i to for te (...) É que os operár ios de

qua l i f i cação super io r t inham, na época, um só l ido temperamento de

' c o m p a n h e i r o - a r t e s ã o ' . E l e s t a m b é m r e s i s t i r a m c o m f o r ç a à

mudança" (OHNO, 1989 , p .24 ) .

De ixando de lado essa d iscussão, o fa to é que a po l i va lênc ia /mul t i func io -

na l i dade do t raba lhado r é i nd i spensáve l ao bom func ionamen to do Kanban .

Por essa razão , as empresas j aponesas i nves tem mu i t o ma is em fo rmação

do que as c l áss i cas empresas t ay lo r i s t as . Mas que ga ran t i as possuem os

pa t rões d e que , após t an tos i nves t imen tos e m fo rma ção , sua fo rça de t raba lholhes será f ie l?

Para que os t raba lhado res pe rmaneçam na empresa , f o ram ins t i t u í dos

p l a n o s d e a s c e n s ã o fu n c i o n a l b a s e a d o s n u ma c o mb i n a ç ã o d e " me r e c i me n t o

e an t i gü idade" : se a compe tênc ia pode ace le ra r a ascensão , uma ca r re i ra

pode basea r -se , s imp lesmen te , no t empo de se rv i ço . Ou , como nos d i z

T a d a t s u n a Y a b u ,

"(.. .) o ponto importante está em que o valor dos salários não é determinado e m razão da função ou cargo, ma s em grande parte de acordo c om

a carreira de cada um na empresa. (. . .) Dentre esses dois fatores de

formação do salár io, o mais importante é, pelo menos até agora, sem

dúvida , o sistem a de salár io por ant igüidade" (YA BU , 1985, p.20).

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N o entan to , para qu e a ex is tênc ia de car re i ras in te rnas se ja um verda de i ro

a t ra t i vo , faz-se impresc ind íve l que o t raba lhador tenha assegurada a es tab i l i

da de de se u em pre go e a. cer teza de progred i r ao longo do tem po . Em out ras

pa lavras , para se sent i r es t imu lado a permanecer na empresa, o t raba lhador

de ve es tar cer to d e pode r usu f ru ir do p lano de car re i ra e dos aum entos sa la r ia is

por an t igü idade. Fo i v i sando o ferecer - lhe essas garant ias que se ins t i tu iu o

chamado "emprego v i t a l í c i o " .

O em pre go vi tal ício, no entanto, di fic i lm ente po de ser atr ibuído à real idade do

MJ(3. Ou inversamente: o emprego v i ta l íc io é peça-chave, is to s im, da imagemjornal íst ica do MJG. No seu interessante art igo ( já ci tado) sobre o management

japonês, Y. Tsukamoto in forma-nos, d idat icamente, sobre um dos pontos funda

m enta is da mi to logia const ruída em tom o do "mod elo japonês de g erenciam ento" :

"Mi to número 1 : Quase a to ta l idade de t raba lhadores do Japão es tá

t raba lhan do no am biente do 'mod e lo japo nês ' (o em preg o v ita lí c io , o

s is tema de remuneração por an t igü idade. . . ) .

"Fa to : Som en te 2 0 % da fo rça de traba lho do Japão bene f i c ia -se de le "( T SU KAMO T O , 1 9 8 5 , p . 9 0 ) .

Nessa mesma d i reção apon tam os es tudos de J . F reyssene t . Esse pes

qu isador nos adver te sobre a impropr iedade de se genera l i zar a fo rma de

estab i l i dade do emprego conhec ida como "emprego v i ta l í c io " . Em out ras

pa lavras , e le nos prev ine sobre a incor reção de se re lac ionar o emprego

v i ta l í c io com a rea l idade da gestão empresar ia l no Japão: "no Japão, o

emprego v i ta l í c io sempre benef i c iou uma minor ia de assa la r iados" . E mais ,

cont inua, "A tendênc ia à es tab i l i zação das fo rmas de emprego ( . . . ) nunca

representou um mode lo de gestão em v ias de genera l i zação; es ta tendênc ia

es teve se m pre l igada a um m ode lo se let ivo " (FREY SS EN ET , 1983 , p .117 ).

Como em qua lquer s is tema de pr i v i lég ios , es tes só podem ser ob t idos

at ravéá de fo rmas de segregação soc ia l . No caso japonês, os pr i v i lég ios de

2 0 % dos t raba lhado res são assegurados t an to pe la supe rexp lo ração de 8 0 %

da c lasse ope rá r i a empregada em pequenas e méd ias empresas quan to pe lo

cad a vez m a io r con t i ngen te de t raba lhado res au tônom os em s i t uação p recá r i a .Segundo Mo tomura , esse "p r i v i l ég io dos empregados de g randes o rgan i

za çõ es " imp l i ca a ex is tênc ia de "a jus tadores" . Dent re es tes , o au tor destac a o

con jun to de " ( .. .) pequ ena s e m éd ias em presa s qu e (...) não pod em se dar a o

luxo de adotar e sse t ipo de prá t ica" . Em out ras pa lavras , 8 0 % dos t raba lhadores

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assalar iados devem assegurar o luxo dos 20% restantes. Mas ao lado dessas

em pre sas , caracter izada s co m o "saté li tes" , ex istem ainda os t rabalhadores t em porár ios, cu jas tarefas se real izam sem garant ias socia is . Nesse grupo, as

mu lheres sã o m aior ia . Co m o e m todo o Mu ndo , a a r is tocrac ia operár ia japonesa

tam bém é susten tada por um a espéc ie de d i tadura sexua l . O m esm o autor nos

in fo rma que as mulheres desempenham "um pape l mu i to impor tan te" na

manutenção desse s is tema: "E las t raba lham durante a lguns anos e se casam.

Após a lguns anos, vo l tam (depois que os f i lhos estão cr iados) , mas vol tam em

regime de tem po parc ia l , co m horár io flexíve l e sem garant ias. Qu and o o negó cio

aperta" , cont inua o autor , "e las são desl igadas" (MO TO M UR A, 1985, p.45) . P araser m os m ais precisos, é necessár io que se d iga, rapidame nte, que a precar iedade

das cond ições de emprego e sa lá r io func iona como um mecan ismo de concen

t ração d e rend a: n a me dida e m que os salár ios d i retos e ind i retos da s p equ ena s

e méd ias empresas têm um cresc imento rea l menor do que os das grandes

em pre sas , aqu elas "em presas-saté l ites" estão em cond ições de fornecer produ tos

ma is baratos aos grand es conglom erados , que , por su a vez , po de m reduzi r seus

cus tos e obter e levada s taxas de lucros.

"As d i ferenças ent re as grandes e as pequenas empresas em matér ia

de condições de t rabalho, jornada de t rabalho, sa lár io , segurança do

em pre go e benef ic ies são mui to pronunc iadas. Nas grandes em pres as,

as cond ições d e t rabalho cos tum am ser boas , o t rabalho sem anal é de

44 horas, há 2 abo nes anu ais, um abo no de aposentado r ia no valor de

30 a 50 vezes o sa lár io mensal (após 30 anos de t rabalho) , a lém de

faci l idades de a l imentação, serv iços médicos, fér ias, moradia e ativi

dades esport ivas e de lazer . Ao cont rár io , em pequenas empresas há

pess oas qu e t raba lham de 60 a 72 horas por sem ana , se m descans o

sem ana l e sem fér ias, não têm os benef íc ios das grand es em presas e

o salár io é in fer ior , chegando às vezes a apenas 40% daqueles das

grandes empresas" ( I IDA, 1986, p.70) .

L o g o , se rá co m u m a pa r te desses l uc ros (ou , o que é a me sm a co i sa , co m

a re la t i va compressão sa la r ia l de 80% dos assa la r iados) que seus t raba

l hado res se rã o bene f i c i ados . Do pon to de v is t a de W oo d ,

" ( . . . ) a o rgan ização p i ramida l , base dos grandes grupos japoneses,

guarda es t re i ta semelhança com o mundo feuda l . ( . . . ) a base da

p i râm ide , cons t it u ída po r m i lha res de pe quena s em presas e e mp re -

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^* Sobre a "ditadura sexual no Japão", recomendamos o excelente texto de Helena SumikoHirata (1984, p.201) . Nesse trabalho, Hirata revela-nos, por exemplo, o s ignif icado dochamado "sistema de dormitórios": "O sistema de dormitórios de jovens operárias (.. .) tornoupossível um movimento de racionalização no qual o conjunto da jornada era considerado eos tempos de sono, maquiagem, vest imenta, o trabalho na usina, o penteado, o defecar , obanho, as l ições e os lazeres, eram estr i tamente aval iados e medidos".

ga nd o a m aior par te dá mão -de-o bra ex is ten te , faz o pape l do s ervo ,

con t i nuamen te submet i do a p ressões pa ra redução de cus tos , t raba lhando com margens de lucro insu f i c ien tes e p ra t i camente im

ped ido de abandonar o seu c l ã " (WOOD, 1992 , p.14).

M as a concent ração de rendas tam bém pode ser observada sob o ângulo d a

di tadura sexuaP"*. Para isso, basta sabermo s qu è as m ulheres cor i ipõé m 4 0 % da

força de t rabalho japonesa e que, ao "comparamnos o salár io médio dos homens

co m o das mulhereçs, obtem os a proporção de lOO para 53 " (Y AB U , 1985 , p.26).

Em suma, mesmo es tando ca rac te r i zada a imposs ib i l i dade de a es tab i l i dad e emj j rega t í c i a f unda rheh ta r qua lque r co i sa que l embre a imag em popu la r

(vu lgar ) do Mode lo Japonês de Gestão , o en ip rego v i ta l í c io hão de ixa de ser

rea l para uma minor ia pr i v i leg iada.de assa la r i ados : a l gumas empresas util i

zam -se , de fa to , do em preg o v i ta lí ci o com o fo rma de ga ran ti r um a mã o-de -ob ra

adap tada às suas necess idades . P ross igamos , po i s , acompanhando a t ra

j e tó r ia de sse s ti -ába lhádórês de exc eçã o, des sa ar i s tocrac ia ope rár ia jap on es a.

A lém de garant i r o bo m funcioname nto dó K anba n, a aristocracia operária de ve

garant ir a pe renidade d esse método d e gestão. Ela deve partic ipar at ivam ente daformaçã o da s nova s geraçõe s de t rabalhadores: a exem plo das empresa s tay lor is

tas, bo a parte do conhec imen to produt ivo da gerência advém da observa ção direta

do s gestos e do s mo vimen tos dos t rabalhadores. Pela m esm a razão, vários estágios

de formação restr ingem-se à simples observação pelos "alunos-gestores" do tra

balho quot idiano dos emp regado s m ais experientes.

A impor tânc ia da fo rmação cont ínua e da au to formação do co le t i vo de

t raba lhadores ex ige , porém, uma sér ie de a jus tes na organ ização in te rna do

t raba lho . Pa ra se rem bon s "pro fessores" , os t raba lhadores de ve m abr i r m ão d e

um de seus mais impor tan tes ins t rumentos de lu ta : os pequenos t ruques que

perm i tem re tardar ou d iminu i r a p rodução; os pequen os de ta lhes que a jud am a

gerê nc ia a dec id i r en t re metas m ais ou me nos amb ic iosas; os porme nores que

v iab i l i zam ou fazem f racassar o p lane jamento empresar ia l . Para serem bons

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No íugar de "qualidade", leia-se elevação do s lucros. A procura da qualidade é, substancialmente,um a polít ica de contração d e custos. Ela implica uma diminuição dos custos das matérias-primas(meno r desperdício); um m enor temp o de produção de cad a unidade de produto (maior atençãoe interesse no trabalho); uma intensificação do trabalho (derivada da maior atenção/concentração e interesse); um a sod alizaçã o das descobertas técnicas dos trabalhadores (menor custode pesquisa e d esenvolvim ento), u ma maior satisfação do cliente (men or custo com assistênciatécnica), etc. Logo, as emp resas qu e "buscam a qualidade" na linguagem radicalmente tenden ciosa do S EB R A E , por exempto, bu scam , isto sim, conduzir os trabalhadores a racionalizarem,eles mesmos, as condições de produção. Não negamos, aqui, que a qualidade dos produtospossa ser apr imorada Faz-se necessár io, porém, que se saiba quem arca com os custos desteaprimoramento e quem lucra com a qualidade assim obtida. Enfim, é necessário conhecer o

preço da qualidade. Nas palavras de Hirata, os círculos de controle da qualidade"(...) mesmosend o um a forma d e m obilização e de em ulação partindo de princfiios opostos [ao taylorismo],term inam por obter (...) a m esm a redução dos 'tempos m ortos' que a obtida pelos procedimentostayloristas clássicos". Ainda segundo a autora, os círculos de controle da qualidade "provocamuma prática generalizada de concorrência entre os'grupos de trabalhadores" que implica"supressões voluntárias de pausas" (HIRATA, 1984, p. 208).

pro fessores , os t raba lhadores mais exper ien tes devem "most ra r -se" , devem

t ransm i ti r o qu e rea lm ente sa be m , sem sub ter fúg ios . Para i sso , no en tan to , os

t raba lhadores devem poder esquecer as incompat ib i l i dades en t re seus in te

resses e os da d i reção. E les devem acred i ta r numa cor respondênc ia d i re ta e

l inear en t re o de sen vo lv im en to d a fábr ica e o de sua s con d ições d e v ida . En f im,

a gerênc ia deve encont ra r os meios de fazer p reva lecer um c l ima de coope

ração c lass is ta .

A cooptação da c lasse operár ia , no entanto, não fo i fác i l de obter . A

es t ra tég ia da Toyo ta baseou-se numa mesc la de f o rça e convenc imen to , de

press ão e co nc es sã o, de es t ímu lo e repressão, de au tor i ta r ism o e demo crac ia :ao mesmo tempo em que imp lod ia o s ind ica to da indúst r ia au tomobi l í s t i ca ,

permi t ia a par t i c ipação dos t raba lhadores em a lgumas dec isões da empresa.

Num pr ime i ro momento (1953) , t rans formou o s ind ica to da indúst r ia num

s ind i ca to de empresa . Em segu ida , descon ten te com a pouca cooperação

ass im obt ida , d isso lveu esse s ind ica to , rev isou seus es ta tu tos e es t ru tu ras e

est im u lou a c r iação d e um n ovo . E, já em 1954 , " ( .. . ) a cam pan ha re iv ind ica t iva

( . . . ) se or ienta em torno das seguintes palavras de ordem: "Proteger nossa

empresa pa ra de fender a v i da ! " (CORIAT , 1991 , p.37).

Desde en tão , con tando com um mov imen to s i nd i ca l que enca rnava o

"espí r i to Toyota" , novas med idas de in tegração c lass is ta fo ram adotadas.

V isando es t imu lar o esp í r i to de grupo e a p rocura da "qua l idade"^^ , fo ram

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estimu lados os círculos de estudos, de controle da qualidad e, etc. P aralela

mente, o operar iado foi incentivado a apresentar suas sugestões sobre osmais var iados assuntos da emp resa. E nf im, tudo se aprese nta como s e a o

silêncio do movimento sindical correspondesse a l iberdade de expressão

dos trabalhadores. Esse paradoxo, no entanto, tem uma explicação muito

s im p le s : a l i b e r d a d e d e e x p r e s s ã o d o s t r a b a lh a d o r e s t e r m in a o n d e

começam suas contradições com os objet ivos gerenciais. Nos assuntos de

menor importância, porém, as sugestões dos trabalhadores são, em geral ,

aceitas. Mas quando "os assuntos são de real importância para a compa

nhia", d iz Tsukamoto,

"os membros mais influentes da cúpula da empresa deixam seus

subalternos pe rceberem suas tendências (. . .) . O sistema de rin^ui{o

processo de encaminhanriento de baixo para cima de propostas de

mudança), neste caso, é util izado para sacramentar as decisões

aguardadas e previamente conhecidas (.. .)".

E o autor pre cisa, "m obilizando [portanto] o sipoio global da em pre sa em todos

os níveis" (TSUKAMOTO, 1985, p.91). A pseudoliberdade dfe expressão dostrabalhadores faz parte, pois, de um programa de emulação psicológica quevisa camuflar, ainda mais, a oposição entre os interesses dos trabalhadores eos da gerência. Com esse expediente, o management japonês tem conseguido substanciais aumentos de produtividade sem nenhum custo adicional... para o empresariado:

"A grande maioria (mais de 90%) das grandes empresas japonesas

usa o sistema de sugestões. Num estudo conduzido em 19 81 , cerca

de 500 empresas pesquisadas reportaram um total de quase 24milhões de sugestões, dadas por quase 2 milhões de funcionários.

Só um a delas reportou mais de 4 m ilhões de suges tões, sendo que,

neste caso, a empresa distribuiu um total de 40 milhões de dólares

e m p rêm ios, para um efeito econômico nos resultados de cerca de 1

bilhão de dólares" (MOTOMURA, 1985, p.49) .

Se a camuflagem da luta de classes tem sentido para criar o mito da

dem ocracia emp resarial japon esa, esta teria vida curta, caso n ão fosse acom

panhada de efetivas melhorias no salário real: toda a estrutura do Kanban

des aba ria s em um a polít ica salarial consistente. Assim , para o período de 19 50

a 19 88 , por exe mp lo, constatamos qu e as oscilações do salário real aco m pa

nharam as da produtividade do trabalho (embora com uma l igeira de-

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ConclusãoDi f i c ilmente pod er íamo s nega r qu e ex is te um a en orm e d is tânc ia en t re um a

concepção harmôn ica das re lações de t raba lho no Japão e a rea l idade

con f l it uosa do se u quo t i d iano ope rá r i o . Com o v imos ac im a , o an iqu i l amen to do

movimento dos t raba lhadores e a in tens i f i cação do t raba lho aparecem, na

h i s tó r ia recen te , com o os f undam en tos d o "m i lag re japo nês" .

I s to posto , devemos tomar todas as precauções an tes de fa la rmos de um

mo de lo japo nês de ges tão . Na rea l i dade , não exi s te um ún i co M JG , mas , s im,do i s . O pr ime i ro de les , e o mais conhec ido , é o mode lo de "expor tação" ,

u t i l i zado pe las mul t inac iona is japonesas para vender seus produtos no Exte

r io r . O segundo, e o mais reca tado, é o mode lo rea l , pro teg ido de o lhares

indiscretos por barre i ras l ingüíst icas è geográf icas que d i f icu l tam, sobre

i sU m a sér ie de Indicadores econôm icos são citados por Coriat ( 1 9 9 1 , p. 86 -87 ) .• ( . . . ) no global, o índice de part ic ipação nos program as de sugestões no Ja pã o é de 7 0 % dosfunc ionár ios (1 2% nos EU A) para um a m édia de 1 3 sugestões por funcionár io (0 ,14 no s EU A) "( M O T O M U R A , 1 9 8 5 , p . 4 9 ) .

fasa gem ).^^ C om es sa po l ít ica sa la r ia l , em presár ios e au tor idades eco nôm icas

co ns eg u i ra m , mais um a vez, fo r ja r um a cor resp ond ênc ia d i re ta en t re a "saúde"em presa r i a l e a de seu s t raba lhado res .

A in te l igênc ia dos gestores japoneses é inegáve l . Após dest ru í rem as

p r i nc ipa i s l ide ranças ope rá r i as , es tabe lece ram u m s i s tema empresa r i a l f unda

m enta do no pa terna l i sm o e no d is t r ibu t i v ism o. T ran sform aram a qua l idade e a

produt i v idade em ob je t i vos in te rc iass is tas . F izeram ape lo a a rgumentos psi

co lóg icos u n iversa is , ta is co m o o orgu lho pro f i ss iona l , a respon sab i l idade e a

in tegr idade pessoa is . Resumindo: f i zeram der ivar os resu l tados empresar ia is

da e f i c iênc ia de um s is tema é t i co , no qua l a cooperação, a boa vontade e apa rce r i a se t rans fo rm am em fa to res de p rodução .

Sa l vo engano , em nenhum ou t ro l uga r do Mundo se apos tou t an to no

i lus ion ismo e nas fo rm as de pers uas ão soc ia l co m o ins t rum entos pr i v ileg iados

da const rução/so l id i f i cação de um mode lo de gestão empresar ia l ! ^^

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Barreiras que, por sua vez, permitem que as organizações patronas, com seus técnicospoliglotas e com suas viagens de negócios deduth/eis do imposto de renda, possijam oquase-nrwnopólio das informações e transformem suas interpretações em verdades dificilm en te cr it icáveis.

manei ra , sua Observação d i re ta por v ia jan tes con iuns o i i por representan tes

dè par t idos e s indicatos opéi -ár ios/ '®Essa segmen tação em do i s mode los é , ce r t a rnen té , didática. No en tan to

e lâ é t ambém enganosa . Separando os rnode los , desaparece r r i os l aços de

dependênc ia rec íproca que os unem: no âmbi to dás idé ias , não é d i f í c i l

perceber què será tan to mais fo r te o impacto ideo lóg ico do mode lo de expor

tação quanto mais f rág i l fo r o conhec imer í to das rea is re lações de t raba lho

v igentes nü Japão. No âmbi to soc ia l , por sua vez, nãòé d i f í c i l perceber que á

manutenção de uma ar is tocrac ia operár ia se e fe t i va em det r imento das c o n

d i ções de v i da da maior par l e dos t raba lhado res j apones es .

Mas que a r i s t oc rac ia ope rá r i a é essa São os t raba lhado res das g randes

empresas , cu jas re l ações de t raba lho v imos desc revendo áo l ongo des te

ensa io . Sãò os t raba lhadores su je i tos ás grandes tensões nervosas impostas

pe la in tens idade do t raba lho necessár ia à po l i va lênc ia . L Íma po l i va lênc ia que

vá r i as pesqu i sas de campo assoc iam à bana l i zação /desespec ia l i zação do

conteúdo do t raba lho . São os t raba lhadores que nunca fa l tam, e cu jas fé r ias

anua is de se is a 20 d ias só são "desf ru tadas" por razões de doença ou porp rob lemas f ami l i a res (H IRATA, 1984 , p .206 ) . São as t raba lhado ras que , po r

t raba lho igua l , recebem 53% dos sa lá r ios mascu l inos . São as t raba lhadoras

su je i tas a invasões de pr i vac idade inace i táve is para os padrões oc identa is

( rnesmp pa ra os do Te rce i ro M undo) . São os t raba lhado res q ue , nos concu rsos

de sugestões, apresentam idé ias que poss ib i l i t am aumentos "b i l i onár ios" da

produt i v idade do t raba lho , que nunca são d is t r ibu ídos. São os t raba lhadores

que p a r t ic i pam d as dec i sõe s i r re l evantes das em pres as . São os t raba lhado res

que t ive ram suas o rgan i zações es face ladas e que fo ram fo rçados a se des fa ze rem d e su as peq uen as as túc ias de res is tênc ia . En f im, são os t raba lhad ores

que fo ram const rang idos a abr i r mão de suas re iv ind icações e ident idade de

c lasse e m t roca do d i re it o ao t raba lho d ignam en te remune rado .

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2 í -

i

Ll íBUOTECA.

M as qu e salár io reai d igno é esse? Dentre os países ma is "desenvolv idos" , o

Jap ão é o país que apres enta tanto o m enor sa lário real/hora médio quanto a m aiorjornada de t rabalho semanal (Tabela 1) . Mesmo com re lação à Espanha, que

di f ic i lmente p od em os c lassi ficar ent re os países ma is desenvolv idos, a s i tuação

do Japã o é desfavorá vel : em bora apresente um salár io-hora 10 ,7% super ior, su a

jornad a de t rabalho é 11 ,2% mais extensa, o que nos deixa supor que a qua l idade

de v ida do s trabalhado res japones es é in fer ior à dos espan hóis.

Tabela 1

Jornada d e trabalho e salário-hora em algun s paíse s selecionados

P A Í S E S

J O R N A D A D E

T R A B A L H O

(h )

C U S T O H O R Á R I O

( U S $ )

Canadá

A l e m a n h a .

França

E U A

Japão

E s pa r íha . .

30.5

38.2

38,7

40.8

40,8

36,7

21,30

15.94

I 5 . : s

14.83

12,84

11.60

FONTE; DIEESE e Bureau of Labor Stat ist ics.

NOTA: Esta tabela foi apresentada na CNBB (BRASIL:. . . . 1994, p.34) .

Em resumo, a a r i s tocrac ia operár ia japonesa é const i tu ída por t raba

lhadores que, despossuídos de uma e fe t i va c idadan ia (v is to que suas organ i

zações fo ram s i lenc iadas) , adqu i r i ram, como ún ica cont rapar t ida , o d i re i to at raba lhar .

O q ue d izer , en tão , das cond ições de t raba lho daqu e les que não p er tenc em

a essa "ar i s tocrac ia operár ia "? O que d izer das cond ições de t raba lho dos q ue

es tão emp rega dos nas pequenas e méd ias em presa s e que sequer t êm d i re i to

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19 Isto para não nos refer irmos a os trabalhadores temporár ios ou e m tem po parcia l .

ao t raba lho v i ta l í c io e às promoções por an t igü idade?^^ O que d izer da

( im)poss ib i l i dade de esses t raba lhado res acederem com a uma c idadan iae c o n ô m i c a m í n i ma e m e mp r e s a s q u e

"(. .. ) atravé s de suas ent idades represe ntat ivas tend em a ma nifestar u m

apoio quase incondic ional às pretensões do grande capi ta l , acompa

nhado de um antagonismo v imiento e mi l i tante às re iv ind icações

eco nôm icas e pol ít icas dos t rabalhadores?" ( I IDA, 1 986, p.11).

As "em presas -servo" ou "saté li te" (Wood ) são const rangidas, com o v imos , a

com pr imi rem cont inuam ente seus custos para poderem vender barato aos seussenhores: as grandes empresas. Por conseguinte, seus t rabalhadores deVem

sofrer um proces so de re lat iva superexploração, quand o compa rados à "ar is tocra

c ia operár ia" . Um a superexploração que se apresenta tanto mais p lausível quan to

ma is se conhece sob re a o r igem das pequenas empresas no Japão.

A o cont rár io do q ue su põe a mi to logia jornal ís t ica sobre a pequ ena em pres a,

e las não são um a form a econôm ica inerente à gestão emp resar ia l japon esa . Sua

propagação é, em boa parte, o resul tado de uma ingerência mi l i tar norte-ameri

ca na na econom ia japonesa. Sob as ordens do Com andante McAr thur, em 1954,

foram desmante ladas "as 15 Zaibatsu" , os grandes conglomerados que domi

naram a economia de guer ra do Japão. Ass im, fo i em decor rênc ia de um a to

pol ít ico-mi li tar que fo ram cr iadas c entenas d e peq uenas em presa s, cu jos "presi

dentes eram, natura lmente, os ant igos gerentes das par tes desmembradas"

( T SU KAMO T O , 1 9 8 5 , p.84). Logo, as modernas pequenas em presas japones as

já nasce ram tute ladas e presid idas pelos conselhos de adm inist ração dos gran des

con glom erad os, o qu e expl ica, em b oa med ida, sua suje ição aos imperat ivos de

lucrativ idade da s "em presas -mã e" e tam bém nos pemnite supor qu e boa par te dos

fundo s que su stentam a cham ada aristocracia operária provêm da relat iva superex

ploração dos assalar iados das pequenas empresas.

O qu e parece ser o m ais e loqüe nte re t ra to da rea l idade do Mod e lo J ap onê s

de Gestão fo i o fe rec ido por Ben jamin Cor ia t , na ú l t ima pág ina de Penser à

l 'Envers . Al i , e le se permi te most ra r uma ind ignação que es teve cont ida em

173 pág inas de aná l i se , sóbr ia e minuc iosa , da "v ia japonesa" de gestão

em presa r i a l . Co m o n um de saba fo , e l e nos d i z que

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sos he rdad os do pe r í odo f o rd is t a é , ce r t am en te , um m e io p odero sode aba fa r , nas empre sas e na soc iedade , o que decên ios de i nova ção

soc ia l e cont ra tua l const ru í ram, len ta e pac ien temente , em nossos

pa íses" (CORIAT , 1991 , p .174 ) .

Em suma, com as i n fo rmações de que ho je d i spomos , t odo e log io gene -

ra li zan te ao Mo de lo Jap on ês de Ges tão só pode se r com preend ido com o um a

ode à precar ização das cond ições de t raba lho , ao au tor i ta r i smo esc la rec ido e

às f o rmas modernas de demagog ia . Da mesma fo rma , t oda c r í t i ca ao t ay lo r i smo que se base ie nas v i r tudes das re lações de t raba lho no Japão é , no

mín im o , v í tima de um a p ro funda i lusão .

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Page 31: A ideologia do modelo japonês de gestão

5/13/2018 A ideologia do modelo japon s de gest o - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/a-ideologia-do-modelo-japones-de-gestao 31/31

AbstractThis essay ínitially calls attention to the treatme nt given to the Japa nese

M anag em ent lUlodel (JM M ) and Taylorism by the defenders of ou tsourcingin the brazilian eco nom y. According to them taylorism is the managementform to be avoided and the JM M is the m odel to be im itated. Aftenvard w epresent the creation and consolidation process of the JM M . However, weattempt to desc r i be the distinction between the reality of labor relations inJapan a nd its media form . W e conclude dem onstrating that the process ofoutsou rcing in Brazil is base d fundamentally in the reality of the japane se

labor relations and not in the m edia form of the JM M .Keys:t) Outsourcing, 2) Japanese M anagement M odel, 3) Labor relations, 4) Ideology and 5) Taylorism.

SO U Z A, H . d e , R A MA L H O , J . R ., o r g s . ( 1 99 4 ). T e r c e i r i z a ç ã o , d i v e r s i d a d e e

n e g a ç ã o d o m u n d o d o t r a b a l h o . S ã o P a u l o : H u c í t e c .SU M I KO H I R AT A , H . v e r H I R AT A , H e l e n a Su m i k o

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d 'assu ra nce : marges de ma noeuvres ou cho i x s t ra tég iques? C r i t i q ue s deT Ec o n o m i e Po l i t i q u e , n . 2 3 / 2 4 , a b r . / s e t .

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