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1 “A Igualdade em Educação”, João Formosinho (pp.169 -185) Tipos e áreas de igualdade na educação Dois tipos de igualdade que têm influenciado as políticas educativas: Igualdade de acesso – preocupa-se com o acesso aos bens educativos independentemente do aproveitamento que é feito deles. •a) Igualdade formal de oportunidades educacionais - acesso pelos diversos grupos sociais em condições formalmente iguais aos diversos bens educativos. • b) Igualdade real de oportunidades educacionais - acesso pelos diversos grupos sociais em condições materialmente iguais aos diversos bens educativos. Igualdade de uso – pressupõe a realização da primeira e preocupa- se com o uso dos bens educativos a que se teve acesso, com resultados iguais pelos diversos grupos sociais.

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“A Igualdade em Educação”, João Formosinho (pp.169-185)

Tipos e áreas de igualdade na educação

Dois tipos de igualdade que têm influenciado as políticas educativas:

• Igualdade de acesso – preocupa-se com o acesso aos bens educativos independentemente do aproveitamento que é feito deles.

•a) Igualdade formal de oportunidades educacionais - acesso pelos diversos grupos sociais em condições formalmente iguais aos diversos bens educativos.

• b) Igualdade real de oportunidades educacionais - acesso pelos diversos grupos sociais em condições materialmente iguais aos diversos bens educativos.

• Igualdade de uso – pressupõe a realização da primeira e preocupa-se com o uso dos bens educativos a que se teve acesso, com resultados iguais pelos diversos grupos sociais.

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Quadro I Formosinho, João “A Igualdade em Educação”, p. 172. Quadro II Formosinho, João “A Igualdade em Educação”, p. 177. Quadro III

Formosinho, João “A Igualdade em Educação”, p. 183.

A desigualdade do sucesso não depende apenas das diferenças individuais de mérito, mas de diferenças sociais.

“É que os indivíduos chegam à escola em condições intelectuais desiguais – porque tiveram uma educogenia familiar diferente; porque tiveram condições culturais e ambientes diferentes; porque têm estatutos socioeconómicos diferentes; porque uns vivem numa cidade e outros numa aldeia; uns têm televisão e lêem jornal e outros não (…)” Formosinho, p. 179.

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Impotência da escola perante as desigualdades sociais

Relatório Coleman (1965)

Estudou a relação entre as entradas e saídas (sucesso/insucesso dos alunos).

Inexactidão dos resultados:

Analisa populações que, no mesmo momento, estão em etapas diferentes do percurso escolar.

Omitiu o facto de a população americana ser predominantemente branca e de a minoria negra se caracterizar por um universo cultural diferente e por condições socioeconómicas desvantajosas.

Amostra: 600 000 alunos 1º, 3º, 6º, 9º e 12º anos de escolaridade.

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As diferenças entre grupos sociais tendem a manter-se ou a acentuar-se com a escolarização.

Há maior variância intra-escola do que inter escolas. (há maior diferença entre os alunos de uma mesma escola do que entre alunos de escolas diferentes).

As variações da qualidade da escola não influenciam o sucesso escolar dos alunos. Logo, “A escola não faz diferença”.

Conclusões:

Os governos duvidaram da eficácia do investimento na melhoria das escolas.

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A escola e a promoção de igualdades sociais : Christopher Jenks

Existe desigualdade no acesso aos recursos escolares e também na sua utilização.

As diferenças entre as escolas não contribuem para uma desigualdade de conhecimentos.

O meio social de origem tem mais influência do que o Q.I.

As diferenças qualitativas entre escolas não afectam os resultados dos alunos.

O estatuto profissional revela relação com os diplomas obtidos. Contudo, subsistem disparidades de estatutos sociais entre indivíduos

com os mesmos diplomas.

A sorte tem um papel relevante.

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Jenks conclui que a escola frequentada não tem influência nem sobre as aquisições cognitivas dos alunos, nem sobre o

seu sucesso futuro.

COMPARAÇÕES INTERNACIONAIS

QUANTO MAIS SE COMPARAM SOCIEDADES INDUSTRIALIZADAS, MAIS O RENDIMENTO ESCOLAR DOS ALUNOS É INFLUENCIDO POR VARIÁVEIS NÃO ESCOLARES.

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MICHAEL RUTTER

As escolas influenciam o comportamento dos alunos e o seu sucesso

escolar ?

Estudo de um grupo de alunos, que no final do ensino básico iam ingressar em 12 escolas diferentes. Avaliação dos alunos:

1- Comportamento

2- Sucesso

3- Assiduidade

4- Delinquência

Avaliação das características físicas e administrativas das escolas: Estatuto e sexo do pessoal Idade do edifício Organização interna Tamanho e espaço do edifício Dimensão das turmas

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Analisaram as variáveis relativas ao processo escolar:

Ênfase escolar

Recompensas e punições

Responsabilidade e participação

Estabilidade dos docentes (tipo de ensino) e dos grupos de amigos

Acções dos professores nas aulas

Condições dos alunos

Resultados:

Os aspectos relacionados com o tamanho, espaço, idade do edifício ou mesmo a organização administrativa não influenciam os resultados dos alunos.

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Resultados (cont.):

A ênfase académica, as expectativas elevadas, o trabalho de casa, o uso da

biblioteca, as acções dos professores nas aulas, as recompensas e punições, a

apresentação dos trabalhos dos alunos, as oportunidades para a responsabilização e

participação dos alunos, relacionam-se com o seu aproveitamento.

CONCLUSÕES

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EM SUMA…

As acções individuais dos professores e outros elementos da escola combinam-se

para criar um ethos particular – um conjunto de valores, atitudes e

comportamentos – que se torna numa característica da escola como um todo, e é este padrão global que faz com que umas

escolas sejam mais eficientes do que outras.

A qualidade do ensino e o clima da escola são mais importantes do que a quantidade de dinheiro gasto em livros, papel ou cimento.

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Interpretações sociológicas das desigualdades sociais

Aspirações em relação à educação

Os grupos sociais favorecidos valorizam o trabalho escolar enquanto que os desfavorecidos desvalorizam a escola e o trabalho escolar.

Códigos linguísticos

Código restrito – significados particularistas. Código elaborado – significados universalistas. A escola assenta no discurso universalista.

Défice sociocultural

As famílias dos grupos menos favorecidos não conseguem assegurar as melhores condições para o desenvolvimento das capacidades das crianças. Surge desmotivação e desinteresse face à escola.

Meio social de origem

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Determinantes políticas:

A educação escolar

privilegia a instrução e o

ensino.

A socialização dos alunos está subordinada à

instrução.

Controlo do ensino pelo Estado.

Introdução de numerus

clausus (vagas) para entrada na

universidade (Selecção)

O currículo académico (abstrato) predomina

durante o ensino secundário.

Valoriza-se a cultura geral,

enciclopédica e compartimentada.

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A organização da escola:

a) Há componente uniforme dos programas e processos de ensino.

Valoriza-se quase de forma exclusiva a componente curricular académica.

Há uma hierarquia de prestígio das componentes curriculares.

Nas disciplinas que exigem maior abstracção verificam-se maiores desigualdades sociais nos resultados escolares.

b) O regime de progressão dos alunos.

A reprovação significa que o aluno é retirado do grupo e inicia todas as matérias, mesmo aquelas onde havia tido sucesso.

c) Distribuição de alunos e professores pelas turmas.

A organização das turmas não é feita ao acaso, é complexa e variável.

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d) Efectiva presença do professor durante a totalidade do ano.

Tardia colocação de professores.

Demora na substituição de professores. Absentismo.

* Práticas educativas familiares e educação escolar.

O meio sociocultural de origem não é o único factor que

influencia a carreira escolar.

Famílias de um mesmo meio sociocultural podem ser muito

diversas na forma de educar os filhos (democráticas/protectoras

/ restritivas).

* O percurso escolar como processo de decisões sucessivas

A probabilidade de sobrevivência escolar é diferente por

categoria social.

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.

Na decisão de prossecução dos estudos, os grupos sociais mais desfavorecidos são mais sensíveis ao nível de sucesso escolar e à idade do aluno.

Nas categorias sociais mais favorecidas a probabilidade de não prosseguir os estudos só começa a sentir-se quando se acumulam atrasos em relação à coorte e insucessos escolares muito acentuados.

Os processos de decisão variam de ciclo para ciclo e dependem do aproveitamento.

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Aprender a Ensinar, Richard Arends, pp.159-163

Expectativas do professor / Pigmaleão na sala de aulas

Profecia auto-realizável

As perspectivas sobre as capacidades dos alunos e o subsequente

desenvolvimento das acções com base nestas percepções tornam-

nas verdadeiras.

As expectativas dos professores afectam a relação que estes estabelecem com os alunos e, nalguns casos, o que os alunos

aprendem.

As expectativas dos professores criam um comportamento cíclico tanto por parte dos próprios como dos alunos.

Ver figura 5-4 na pag. 160.

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Ver quadro 5-2 pag.162 Efeito da manutenção da expectativa

O professor apercebe-se das capacidades dos alunos e age de acordo com esta informação, não alterando as avaliações quando estes fazem progressos ou regressões.

Sugestões: Evitar expectativas negativas (Assumir que todos os alunos são capazes de aprender).

Utilizar com cuidado as informações dos colegas e das fichas dos alunos.

Dar a todos os alunos oportunidade de falar.

Recompensar os “bons” e os “maus” alunos. Sondar os alunos para saber se se

sentem tratados pelo professor de forma justa.

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DESIGUALDADES FACE AO (IN)SUCESSO ESCOLAR (in Mendonça, A. “O insucesso escolar : políticas educativas e práticas sociais”

pp. 91-148

A escola generalizada não conduz os alunos a resultados idênticos.

“A escola não é responsável pelas desigualdades sociais nem as anula.” (Pardal)

A escola interfere na estrutura da estratificação social.

As desigualdades sociais mantêm-se, acentuam-se ou esbatem-se.

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Há factores que influenciam os alunos antes de entrarem na escola.

Podemos questionar a eficácia das instituições

educativas.

As teorias da reprodução social e cultural apresentam a escola como uma instituição que selecciona os indivíduos, reproduzindo assim as estruturas sociais de classe.

Existe uma relação entre os factores internos à escola e a origem social e cultural dos alunos.

As desigualdades de aproveitamento não possuem uma distribuição aleatória.

Culpa do aluno? Culpa das instituições?)

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Existem três tipos de variáveis que na sua confluência, influenciam o desigual desempenho dos alunos: (in Mendonça, A. “O insucesso escolar : políticas educativas e práticas sociais”)

1. Enquadramento social dos alunos.

2. Estrutura e organização escolar.

3. O género.

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Enquadramento social dos alunos

• Relação entre a origem social e o aproveitamento

1.1. Condições sócio-económicas e culturais

• Distância entre a cultura que os alunos possuem e a cultura que a escola transmite.

• Ao ser igualitária, a escola ignora as diferenças culturais dos alunos.

1.2. Necessidades básicas

Muitos alunos iniciam um dia de aulas em jejum ou com um insuficiente pequeno almoço, fruto de carências económicas, falta de tempo ou défice

cultural familiar (desconhecimento dos padrões alimentares).

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Ao invés, valorizam-se as dimensões lúdicas no consumo de comidas e bebidas assim como os objectos de tecnologia moderna.

1.3. Incapacidade de suportar custos

• A gratuitidade não consegue abarcar alguns encargos decorrentes da frequência escolar. Ex: vestuário, taxas e emolumentos.

1.4. Necessidade de aumentar o nível de rendimentos

• Ingresso precoce no mercado de trabalho; necessidade de independência financeira ou de aumentar o rendimento familiar.

• Mobilização familiar para a sobrevivência.

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1.5. Habitação

Diferentes condições de vizinhança e de qualidade dos alojamentos (espaço e conforto).

Nas zonas rurais o isolamento físico traduz-se em isolamento social e cultural.

1.6. Percurso casa/escola

Distância da escola, barreiras físico-geográficas, qualidade e morosidade do trajecto, situações de espera pelos transportes.

1.7.Diferença de oportunidades entre o meio rural e o meio urbano

As vivências culturais dos alunos rurais não vão além dos limites das localidades isoladas onde vivem.

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Nas escolas pequenas situadas em zonas isoladas: deficiente qualidade dos edifícios e equipamentos; Menor estabilidade docente;

Inadequação entre as aspirações dos jovens e a oferta de trabalho.

Existência de barreiras geográficas e culturais; Para Benavente a diferença de oportunidades não se verifica apenas entre meio urbano e meio rural; estende-se a todos os grupos desfavorecidos. Os limites do universo destes alunos são muito estreitos, se nascem no campo não conhecem a cidade, se vivem na cidade nunca saíram do bairro, ou seja, “medem o mundo a partir do que conhecem”.

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1.7. Aspirações e atitudes face à escola

O nível de instrução da família condiciona as aspirações, as escolhas e o sucesso académico.

As famílias com capital cultural elevado facultam aos filhos orientações relacionadas com o prestígio e a qualidade decorrentes de um diploma escolar.

As famílias com baixo capital cultural incutem aos filhos uma perspectiva de futuro próximo, procurando diminuir os custos e adquirir proventos imediatos. Evidenciam o desconhecimento (ou a impossibilidade) face aos benefícios da escola.

Existe uma correlação entre as habilitações literárias dos pais e o insucesso escolar.

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1.8. Relações escola/família

As famílias têm diferentes atitudes de distanciamento/aproximação face à escola consoante a proximidade entre os seus valores e os que a escola veicula.

As famílias socialmente desfavorecidas conhecem mal a escola e o seu funcionamento. A visão que têm dela é pouco positiva. Não se sentem à vontade e geralmente não comparecem às reuniões.

Nas famílias socialmente favorecidas os pais seguem a escolaridade dos filhos, informam-se e falam com os professores.

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2. Estrutura e organização escolar

A escola unificada e democrática, embora se destine a todos, permanece selectiva e elitista, pois não consegue facultar o sucesso a todos os alunos.

Este facto permite equacionar a sua eficiência.

Muitos conhecimentos socialmente úteis não são ensinados na escola;

As componentes académicas não têm uma valorização idêntica;

A cultura transmitida não está ao alcance de todos os alunos.

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Existem mecanismos escolares de selecção.

As escolas são organizações uniformes, rígidas e burocráticas. (Fernandes)

Os estabelecimentos de ensino influenciam o desempenho académico dos seus alunos.

2.1. Uniformidade dos currículos

Os currículos são universais e conotados com um perfil de aluno médio.

Os conteúdos são gerais, clássicos e enciclopédicos.

Os currículos prevêem uniformidade nas exigências, nos manuais, nos resultados, nos comportamentos, na linguagem, na extensão dos programas…

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Os currículos não contemplam as aptidões dos alunos nem os interesses das comunidades onde as escolas se inserem.

Ignoram-se os ritmos pessoais dos alunos assim como as assimetrias regionais.

O grau de exigência (idêntico) não se articula às características diferenciadas dos alunos.

Os currículos não se relacionam com os conhecimentos nem com as experiências que os alunos já possuem.

A escolha curricular é uma opção política. (Forquin)

A educação tecnológica detém um estatuto de inferioridade.

Os sistemas educativos respondem mais às exigências da sociedade que às dos indivíduos. (Archer)

As escolhas curriculares não são do âmbito académico mas sim do âmbito político. (Giroux)

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2.2. Abstracção dos conteúdos

Os saberes académicos pressupõem uma abstracção, impossível de conseguir para os alunos das classes baixas, porquanto se encontram afastados do sistema de valores da escola.

As disciplinas mais prestigiadas são as que requerem maior abstracção. Assim, a escola promove o insucesso nestas disciplinas àqueles que se encontram afastados destes processos de abstracção.

Estas disciplinas dominam em termos quantitativos e qualitativos pois determinam a transição de ano.

Estas disciplinas encontram-se desligadas da experiência dos alunos.

Quanto mais académico for um currículo, mais escolarmente selectivo ele será. (Formosinho)

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2.3. Código Linguístico

O uso e domínio da linguagem é determinante nos processos de abstracção.

A componente académica detém uma linguagem afastada do discurso quotidiano típico dos ambientes menos instruídos.

Basil Bernstein estabelece uma relação entre o tipo de código linguístico utilizado e o meio social das famílias:

Código restrito – ligado ao contexto concreto e portador de formas sintáxicas elementares. (Utilizado pelas famílias sócio-culturalmente desfavorecidas)

Código elaborado – utilização de formas sintáxicas complexas tal como na escola. (Utilizado pelas famílias sócio-culturalmente favorecidas)

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A linguagem assume um critério de selecção.

“Enquanto uns convivem diariamente com pessoas cuja linguagem e argumentação os ajuda, outros têm um clima pouco propício a conversas que se afastem do quotidiano observável” (Formosinho).

2.4. Avaliação

Há aspectos da actividade escolar que não são objecto de avaliação escolar. Ex: carácter ou capacidade para o exercício de uma profissão.

O aproveitamento é determinado em função dos resultados obtidos na instrução escolar , ou seja, valoriza-se a instrução em detrimento de uma concepção mais ampla de educação.

Paradoxalmente, a escola julga valores que não ensinou (ex: facilidade de expressão, à-vontade)

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Os alunos com boas classificações encontram-se bem conceituados entre os colegas enquanto os mal classificados recebem tratamento oposto.

Desenvolve-se assim a diferenciação entre os estatutos dos alunos.

A avaliação tem uma função de selecção: exclui aqueles que não se adaptam às exigências.

O processo de avaliação não é neutro pois rotula de incapazes os que têm ritmos de aprendizagem mais lentos.

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2.5. Reprovação

A repetição é interpretada como um insucesso e encarada de forma negativa enquanto o sucesso escolar atrai êxitos subsequentes.

A repetição desencadeia sentimentos de frustração, falta de confiança e desinteresse.

O insucesso escolar é causa de futuros insucessos.

O aluno que reprova tende para a cronicidade e adquire entre os seus pares o estatuto de repetente/incompetente.

Enquanto a aprovação aumenta as expectativas dos alunos, a reprovação suscita sentimentos de incapacidade.

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Reprovar significa: -redução da auto-estima; -adquirir estatuto de incapaz; -ser retirado do seu grupo-turma; -interiorizar o sentimento de incapacidade; -repetir todas as disciplinas, mesmo aquelas onde havia tido aproveitamento, -impulsionar a indisciplina, a falta de atenção, a agressividade; -adquirir atitudes de resistência aos estudos;

Neste enquadramento, o lazer, a emancipação familiar ou a procura de uma fonte de rendimento, propiciam o abandono escolar.

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2.6. Relação professor/aluno

O quotidiano do aluno presente na pré-escola perde o seu espaço na escola formal onde a afectividade é substituída pela indiferença.

A dimensão das turmas é impeditiva do estabelecimento de uma relação personalizadora.

A interacção professor/aluno inicialmente intensificada, é gradualmente desestimulada, através da enfatização da imobilidade e do silêncio na sala de aulas.

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2.7. Expectativas dos professores

Cada professor comporta consigo os valores da sua socialização, a partir dos quais valoriza inconscientemente os seus alunos.

O estatuto sócio-económico e cultural dos alunos provocam expectativas nos professores, o que os leva a encaminhar vocacional e profissionalmente os alunos.

As expectativas dos professores acerca do desempenho dos alunos acabam por funcionar como “profecias auto-realizadoras”.

Esta discriminação implícita e velada produz nos alunos sentimentos diversos: superioridade/inferioridade; capacidade/incapacidade.

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Existe uma relação entre as expectativas dos professores e o rendimento escolar dos alunos.

3. O género

Como categoria social, o género refere-se aos papéis impostos pela sociedade.

Ao nível escolar, as raparigas têm apresentado uma dupla vantagem: mais numerosas e bem sucedidas. Os seus resultados escolares ultrapassam os dos rapazes.

As raparigas estão menos dependentes do seu meio de origem do que os rapazes.

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O comportamento feminino é mais valorizado pelos professores, aproxima-se da representação de bom aluno.

O modelo culturalista-estruturalista considera que a socialização diferencial que ocorre nas primeiras etapas da vida é responsável pelas disposições masculinas e femininas e pelas orientações de vida subsequentes.

O modelo accionalista-utilitarista, enfatiza a capacidade dos actores percepcionarem as oportunidades que se lhes apresentam, anteciparem e sobrepesarem as alternativas.

O modelo culturalista-estruturalista considera que a socialização diferencial familiar tem prolongamentos no contexto escolar.

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As raparigas apresentam maior estabilidade motora, autocontrolo, autonomia e competências interaccionais, conformes com as normas escolares.

No recreio: Os rapazes agem com o mínimo de regras e um máximo de barulho, ocupando o máximo de espaço e mobilizando um grande número de parceiros enquanto as raparigas ocupam o mínimo de espaço com o máximo de regras e poucos parceiros. (Baudelot e Establet).

O prolongamento destes comportamentos na sala de aulas beneficia o sexo feminino.

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As diferenças de aproveitamento entre os géneros são maiores nas classes inferiores.

O género masculino acusa quebras de aproveitamento no início de cada ciclo de estudos.

Os rapazes de grupos sociais favorecidos apesar de turbulentos, investem no trabalho escolar. Ao invés, os menos favorecidos alternam a turbulência com o desinvestimento escolar.

O género masculino valoriza as condutas de turbulência e agressividade. Estas têm prolongamento no contexto escolar.

As raparigas manifestam maior investimento escolar e concentração.

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Enquanto a influência do género se mantém nos dois primeiros ciclos, a selecção escolar reduz o efeito da categoria de origem na escolaridade subsequente.

A socialização escolar diminui as diferenças que advêm da socialização de classe e de género.

A orientação das raparigas relaciona-se com a antecipação dos papéis profissionais e familiares que irão desempenhar.

Ao utilizar os dois lados, o cérebro das raparigas apresenta maior amplitude. Os rapazes ao possuírem maior volume de tecido cerebral no centro de excitação, assumem comportamentos agressivos. Têm mais tendência a cometer suicídio, morrer em acidentes de automóvel ou envolver-se em crimes violentos.

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Para os rapazes, correr riscos ou integrar o mundo laboral advém da necessidade de estabelecer domínio sobre grupos de outros rapazes.

Os rapazes economicamente desfavorecidos encontram-se numa encruzilhada entre o mundo escolar e o mundo do trabalho que permite o acesso imediato a inúmeros bens.

Os conflitos familiares, a deficiente integração social e o mau aproveitamento afectam mais os rapazes.

Para as raparigas é importante adaptarem-se aos amigos, sentirem-se aceites e estabelecerem relacionamentos emocionais. Eles precisam de manter e impor um prestígio elevado junto dos companheiros.

Os rapazes que têm amigos a estudar apresentam comportamentos mais regulares e resistem melhor às drogas e ao álcool.

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Conclusão

A confluência entre factores genéticos, económicos, culturais, sociais e ambientais, influencia de forma mais significativa o sexo masculino. Por isso o insucesso escolar e o abandono escolar assumem-se cada vez mais como fenómenos masculinos.