A Ilha de Santo Antão Mitos e Crenças Populares

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  • 7/22/2019 A Ilha de Santo Anto Mitos e Crenas Populares

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    AUTORA

    RUTH IVONE PIRES MONTEIRO DA GRAA

    A ILHA DE SANTO ANTOMITOS E CRENAS POPULARES

    TRABALHO CIENTIFICO APRESENTADO NO ISE PARA OBTENO DOGRAU DE LICENCIADO EM HISTRIA, SOB ORIENTAO DO

    DR. JOS MARIA SEMEDO

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    TRABALHO CIENTIFICO ELABORADO POR RUTH IVONE PIRESMONTEIRO DA GRAA, APROVADO PELOS MEMBROS DE JRI EHOMOLOGADO PELO CONSELHO CIENTIFICO, COMO REQUISITO OBTENO DO GRAU DE LICENCIADO EM HISTRIA

    O JRI:

    __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

    Praia, _____ de ____________________ de 2005

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    Agradecimentos

    Agradeo a todos que, de uma forma ou de outra, contriburam para a feituradeste trabalho.

    Um apreo especial vai para o meu orientador Dr. Jos Maria Semedo.Ao departamento de Histria e Filosofia.Aos professores do Instituto Superior de Educao, os meus agradecimentos pela

    capacidade demonstrada ao longo destes cinco anos.

    A todos, muito obrigado.

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    Dedicatria

    Ao meu marido Jos Graa e a minha filha Ruzeth Ivany pelos sacrifcios feitos e pacinciademonstrada para me facilitar a realizao deste trabalho

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    NDICE

    Introduo............6

    Captulo I1- Enquadramento Histrico Geogrfico da ilha de Santo Anto...9

    1.1- Situao Geogrfica..9

    1.2- Descoberta...10

    1.3- Povoamento.....10

    1.4- Evoluo da Sociedade....12

    Capitulo II

    2- Mitos e Lendas da Memria Social Santantonense ..15

    2.1- Aspectos Gerais e Conceitos ...15

    2.2- Anlise das Mensagens dos Mitos e das Lendas .19

    Capitulo III

    3- Manifestaes de Crenas e Supersties em Santo Anto ..22

    3.1- Feiticeira/Bruxa .......26

    3.2- Encantadas ...30

    3.3- Espritos ...32

    3.4- Mosong 36

    Capitulo IV

    4- Supersties relacionadas com Momentos Importantes na vida e Certos Eventos

    Culturais da Ilha. ..39

    4.1-Nascimento ..39

    4.2- Baptismo ..........42

    4.3- Casamento .......43

    4.4- Morte ...49

    4.5- Festas de Romaria 51

    Concluso ......61

    Bibliografia 63

    Anexos

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    INTRODUO

    O presente trabalho, anuncia a etapa culminante dos estudos acadmicos

    efectuados ao longo de cinco anos no Instituto Superior de Educao, visando a

    obteno do grau de Licenciado em Ensino de Histria e enquadra-se na rea de Cultura

    Caboverdeana, tendo como temaA Ilha de Santo AntoMitos e Crenas Populares.

    Ainda tem por finalidade proporcionar a todos os leitores algumas informaes que seconsideram importantes mesmo sendo escassas e que ao mesmo tempo so marcas que

    tiveram grande impacto na nossa sociedade e que ainda hoje representam muito no

    esprito dos cabo-verdianos e em especial na sociedade Santantonense.

    Com efeito, falar de Mitos e de Crenas tocar num dos pontos importantes da

    cultura cabo-verdiana, pois, onde quer que o cabo-verdiano esteja, ele convive com

    esses factos. Eles esto presentes em quase todas as actividades quotidianas sejam de

    uma forma directa ou indirecta. Muitas vezes o indivduo respeita algumas regras

    impostas pela sociedade mas dificilmente questiona as suas origens, principalmente

    quando se trata de uma ilha como a de Santo Anto, riqussima em manifestaes

    culturais. Estas manifestaes constituem-se fenmenos humanos que vo passando de

    gerao em gerao acabando por fazer parte do nosso imaginrio.

    De acordo com Joo Lopes Filho, in Cabo Verde, Subsdios para um

    levantamento cultural, tradio um marco temporal na Histria de um povo, tanto

    que deve ser encarada como uma narrativa cultural na esperana de que venha a

    existir uma compreenso global da sociedade e das aquisies folclricas. Ainda Lopes

    Filho afirma que embora a tradio seja colectiva cada pessoa tem os seus valores

    prprios pelo papel que representam ou significam na comunidade, devido a aspectos

    muito caractersticos de cada actividade humana1.

    A sua intensidade enquanto estado de esprito manifesta-se de modo diferente e

    existe uma relao directa entre o espao, o modo como se encontra organizada, a

    produo e a fora com que esses fenmenos se manifestam.

    1LOPES FILHO, Joo, - Subsdios para um Levantamento Cultural, Lisboa, Pltano, Editora, p,19

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    Segundo Tefilo Braga, a alma e o sentimento que as supersties apresentam

    correspondem a um estado rudimentar da inteligncia do homem: o terror do

    desconhecido.2

    Este facto exemplificado pela forma como alguns santantonenses manifestam a

    sua crena em foras sobrenaturais, assim, desse terror que surge a ideia da existncia

    de bruxas, feiticeiras, almas penadas, katxorronas, kenilinhas, esconjuros, oraes, entre

    outros, para se defender dos malefcios que possam surgir.

    No constitui de forma alguma nossa inteno esgotar esse assunto dado a sua

    complexidade, mas julgamos gratificante escrever algo que diz respeito ao

    conhecimento de alguns aspectos culturais do lugar que nos viu nascer, pelo que

    pretendemos dar o nosso contributo para a cultura da nossa ilha.

    Ao elegermos um estudo cultural da ilha de Santo Anto estamos cientes de que,

    pela complexidade e abrangncia que encerra, no ser possvel abordar exaustivamente

    todos os assuntos que o tema sugere, mas sim, encontrar respostas convincentes a

    algumas questes que nos so suscitadas para a materializao deste estudo.

    De acordo com os dados obtidos na pesquisa, o aspecto supersticioso muito

    evidente em quase toda a ilha, isso porque as crenas aparecem como uma das

    manifestaes mais fecundas e revelam de forma expressiva o substrato cultural

    santantonense. Muitas delas tm a sua origem em supersties oriundas tanto de uma

    cultura europeia como tambm de influncias africanas.

    Ser que podemos dizer que o santantonense supersticioso?

    At que ponto podemos afirmar que o santantonense supersticioso?

    So estas as questes que nos propomos responder ao longo deste trabalho.

    Como procedimentos metodolgicos, elegemos as pesquisas de campo, a consulta

    bibliogrfica e inquritos.

    As pesquisas de campo serviram de base para a elaborao deste trabalho.Entrevistamos vinte santantonenses de diferentes estratos sociais. No entanto, outras

    fontes secundrias foram igualmente consultadas como pesquisas documentais em

    Internet, Bblia Sagrada, artigos publicados e algumas obras sobre o objecto do nosso

    estudo.

    Depois do tratamento dos dados, das informaes e de uma anlise,

    seleccionamos e materializamos a nossa pesquisa no presente trabalho que se encontra

    2BRAGA, Tefilo, O PovoPortugus nos seus Costumes Crenas e Tradies, Lisboa, 1995, vol II, p,19

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    estruturado em quatro captulos para alm de uma introduo, de uma concluso, da

    bibliografia e dos anexos.

    No primeiro captulo Enquadramento Histrico-geogrfico da ilha de Santo

    Anto fizemos referncia a situao geogrfica, a descoberta, ao povoamento e a

    evoluo da sociedade santantonense.

    No segundo capitulo Mitos e Lendas da memria social santantonense

    abordamos alguns aspectos gerais e conceitos e fizemos uma anlise das mensagens dos

    Mitos e das Lendas.

    No terceiro capitulo Manifestaes de crenas e Supersties em Santo Anto

    seleccionamos alguns pontos como: Feiticeira/Bruxa, Encantadas, Espritos e

    Mosongaria.

    No quarto e ltimo captulo abordamos supersties relacionadas commomentos

    importantes e certos eventos culturais da ilha que marca(ra)m a personalidade

    de salientar que ao longo da pesquisa o plano de trabalho sofreu algumas

    alteraes, tendo em considerao aspectos que julgamos relevantes e que deveriam ser

    apresentados.

    Deparamos com algumas dificuldades ao efectuar este trabalho, como o declnio

    da tradio oral provocado pelo desaparecimento fsico de algumas figuras do povo que

    pudessem nos facultar informaes necessrias para sua materializao assim como

    pouco acesso a certas bibliografias

    Esperamos que este trabalho venha contribuir para compreender em parte a

    problemtica das crenas e supersties na ilha de Santo Anto, para divulgar e

    preservar a sua cultura, como tambm para enriquecer a cultura cabo-verdiana.

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    CAPITULO I

    1. Enquadramento Histrico-Geogrfico da Ilha de Santo Anto

    1.1.SITUAO GEOGRFICA

    Santo Anto a ilha mais setentrional do arquiplago de Cabo Verde. Dista do

    meridiano de Greenwich 25130 dolado leste, 2522 do Oeste e do equador 16 30

    sul e 17 12 30 Norte.

    a segunda maior ilha do arquiplago, e possui uma superfcie de 779km2.

    Possui um sistema orogrfico muito denso, estruturado morfologicamente a partir de

    uma grande dorsal que percorre a ilha de Este a Oeste, com altitudes que ultrapassam os1500 metros, em vrios pontos. Encontramos a maior quota no topo de Coroa com 1979

    metros.

    Desta Cordilheira central partem, maioritariamente em sentido Norte-Sul, as

    grandes ribeiras que vo at costa. Estas ribeiras de impressionantes barrancos e de

    bordos verticais, so o resultado das escavaes por uma intensa eroso hdrica ao longo

    das eras geolgicas. Os elementos orogrficos constituem o registo mais singular da

    paisagem da ilha, pela adaptao que deste acidentado territrio permitiu ao homem aprtica da actividade agrcola e o assentamento de povoaes, em que aproximadamente

    60% da rea cultivvel obra dos santantonenses, constituindo terraos, com paredes de

    pedras nas encostas inclinadas.

    A costa abrupta, predominando os montes ngremes. As praias so

    praticamente inexistentes, localizando-se no desembocadouro das principais ribeiras.

    Com efeito, a natureza do relevo, ao impor limites s extenses de terra arvel,

    desenhou uma orla martima difcil para a actividade piscatria em determinadas zonas

    e pocas do ano.

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    1.2. DESCOBERTA

    No h unanimidade entre os historiadores acerca da data concreta da descoberta

    da ilha de Santo Anto.

    Segundo Lopes de Lima, nenhum cronista indica concretamente a data da

    descoberta de Santo Anto, mas no podia elle deixar de ser simultneo com a das

    mui vizinhas de S. Nicolau, Sta Luzia e S. Vicente3

    De facto, estas ilhas esto muito prximas do quadrante Nordeste que as tornamvisveis uma das outras navegao costeira, presumindo-se que tenha sido descoberta

    na mesma altura em que as outras o foram, embora se admita que est envolto em certa

    obscuridade4.

    Orlando Ribeiro cita-nos dois diplomas que se refere descoberta das ilhas de

    Santiago, Fogo, Maio Boavista e Sal e a Carta rgia de 19 de Setembro de 1462, que

    acrescenta as ilhas da Brava, S. Nicolau, S. Vicente, Santa Luzia e Santo Anto j

    descobertas.

    Assim sendo, podemos admitir a data de 1462 como sendo a da descoberta de

    Santo Anto, e inferindo da tradio oral, podemos afirmar que a ilha foi encontrada no

    dia 17 de Janeiro de 1462, pois era habito atribuir ao lugar descoberto o nome do Santo

    do Calendrio religioso.

    1.3 POVOAMENTO

    A ilha de Santo Anto permaneceu por muito tempo desabitada. Quase um

    sculo aps a sua descoberta mais concretamente em 1548 deu-se incio o seu

    povoamento.

    3

    LIMA, LopesEnsaios sobre Estatstica das Possesses Portuguesas na frica Ocidental e Oriental,Lisboa, Imprensa Nacional 1844, p.724RIBEIRO, OrlandoPrimrdios da Ocupao das ilhas de Cabo Verde, 1955, p.5

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    Entre 1506 e 1508, o cronista e impressor Valentim Fernandes definia a ilha do

    seguinte modo: Santo Anto alta e fragosa, despovoada, com muitas cabras, muitas

    guas boas e grandes arvoredos e dragoeiros5.

    Conclui, portanto, o referido cronista que durante os cerca de noventa anos que

    mediaram entre o seu achamento e o povoamento, apenas rebanhos de cabras,

    descendentes das que seriam deixadas, como era habito, pelos primeiros navegadores

    que ali aportaram, percorriam livremente a ilha, multiplicando-se rapidamente,

    exercendo uma presso cada vez maior sobre a cobertura vegetal.

    Ainda nas primeiras dcadas de 1600, segundo o Padre Antnio Brsio, a ilha

    era ainda despovoada e nela no havia mais do que gado 6

    Por conseguinte, atendendo data da descoberta da ilha que foi em 1462, e que

    na primeira dcada de 1600 encontrava-se despovoada, leva-nos a concluir que o seu

    povoamento s se iniciava aps quase um sculo e meio do achamento.

    Devido a criao de gado eram mandados escravos para a ilha, nos finais do

    sculo XVI. A carta de doao de 17 de Outubro de 1593, concedida por D. Filipe a D.

    Francisco de Mascarenhas elucidativa: que tome posse do gado e escravos e de todos

    os mveis existentes na ilha, pertencentes a Beatriz de Tvora mulher de Gonalo de

    Sousa, a qual ficaro somente as terras que o seu marido e seus sucessores tinham e

    compraram nas ilhas7

    Segundo Agostinho Rocha, a ilha foi primeiramente povoada por algarvios

    e africanos vindos de Santiago, a que se juntaram ilhus, madeirenses e aorianos,

    (mas isso d-se no sculo XIX), espanhis judeus, norte-americanos, italianos e

    outros)8. No h indicao da fonte utilizada por este autor e por conseguinte, achamos

    pouco conveniente tomar essas informaes como seguras.

    De facto, a ilha de Santo Anto foi povoada muito tempo depois da sua

    descoberta, e podemos afirmar que o povoamento no foi feito somente por escravos daGuin, mas tambm com um nmero reduzido de brancos que foram enviados de incio

    e que permitiram uma grande miscigenao.

    Em 1759, vimos que a ilha foi revertida coroa e segundo Lopes Lima, toda

    povoada descravos que os seus donatrios alli tinham introduzido de Guin, e com os

    5DINIZ, A Castanheira e MATOS, G. CardosoCarta de Zonagem agroecolgica e da Vegetao deCabo Verde, Ilha de Santo Anto, Lisboa, 1999.6BRSIO, Pe. Antnio,Monumenta Missionaria de Cabo Verde vol. IV, p. 1627

    BARCELOS, Cristiano Jos de Senna, subsdios para a Historia de Cabo Verde e Guin, Partes I e II, 1899, p. 1748Rocha, AgostinhoSubsdios para a Historia de Santo Anto , 14621985, P8

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    quais a tinham unicamente colonizado, sem admitirem casaes europeus9. No entanto,

    parece haver contradio nessa afirmao de Lopes de Lima quando afirma que a ilha

    tinha sido povoado apenas por escravos da Guin, pois que na mesma obra escreve:

    todavia desde aos finais do sculo passado (sc. XVIII) comearam a acudir famlias

    europeias, que ali se fixaram convidados pela excellncia dos ares e fertilidades da

    terra10

    Naturalmente que a agricultura era a principal actividade da ilha, era

    desenvolvida directamente pela fazenda real. Refira-se a explorao do sangue-de-

    drago, o fabrico do sal, tecelagem e fabrico de sabo. Estas actividades exigiam uma

    abundante mo-de-obra, e esta no faltava j que a coroa dispunha em Santo Anto, na

    primeira metade do sculo XVIII, mais de meio milhar de escravos, distribudos por

    todas as ruas da Ribeira Grande. A estes poderiam somar-se os moradores do Paul e

    Janela, em nmero que em rigor, desconhecemos.

    A populao da ilha havia crescido, e a de todo o arquiplago era estimada nos

    comeos de 1731, em 29.831 habitantes, dos quais 59% residem em Santiago. A ilha de

    Santo Anto tinha, ento, 4.302 pessoas o que representava 14% da populao do

    arquiplago e, a sua segunda ilha mais populosa()11.

    A populao repartia-se por dois grupos: os forros e os mestios com valores

    quase idnticos (maior numero), os brancos em nmero reduzido e os escravos eram

    cerca de 15% da populao da ilha.

    1.4. EVOLUO DA SOCIEDADE

    Santo Anto a segunda maior ilha de Cabo Verde em superfcie. Possui suas

    caractersticas prprias, mas no podemos deslig-la de todo o contexto do arquiplago.

    Esta ilha, como as restantes conheceu na sua histria flutuaes demogrficas

    intimamente relacionadas com factores de ordem ambiental.

    As secas, sobretudo quando so prolongadas, provocam fomes e mortes

    populao. A resistncia a tais flagelos e a luta que se tornaria notvel pela forma como

    9

    LIMA, Lopes1844, p.7310Id, Ibd, p. 7411MATOS, Artur Teodor deJornadas Histricas, Santo Anto (1724-1732)

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    a populao da ilha se revela em associar a sobrevivncia com a preservao dos

    recursos hdricos, de combate a eroso e a desertificao abrindo estradas em condies

    difceis sem as quais a subsistncia, praticamente no seria possvel.

    Quadro n1 Evoluo da Populao 19402000

    Ano 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000

    Habitantes 35.977 28.378 33.953 44.632 43.321 43.845 47 124

    Fonte: Recenseamento Geral da Populao (RGPH) 1990

    Da anlise do quadro, verificamos que a evoluo demogrfica da ilha

    caracterizada por um crescimento inicial muito rpido e por uma relativa estagnao a

    partir dos anos 40. Nesta dcada h um decrscimo da populao, chegando mesmo a

    perder 21% da sua gente, devido a fome, originada pela seca que assolava a ilha e todo

    o arquiplago de Cabo Verde. A partir de 1950, volta a crescer, embora com um ritmo

    inferior mdia nacional at 1970. Entre 1970 e 1980, verifica-se uma nova diminuio

    da populao, situao inversa quela que se registava no pais, que embora o

    crescimento tivesse diminudo o seu ritmo, a populao continuava a aumentar em

    consequncia da diminuio da mortalidade, assim como a elevada taxa de natalidade.

    Entre 1980 e 1990, verifica-se um novo crescimento de 1,2%. Por esta altura a

    taxa de crescimento anual media de Santo Anto era de 0,12%. De 1990 a 2000 houve

    um aumento considervel da populao.

    A densidade populacional media da ilha de 52 habitantes por km2, mas a

    distribuio territorial bastante dispersa. A maior parte da populao est concentrada

    no Norte da ilha (cerca de 66%), nos concelhos, da Ribeira Grande com mais de 125

    habitantes/km2 e do Pal com mais de 147 habitantes/km2, onde existem, maiores

    potncias agrcolas, clima mais favorvel e maior quantidade de gua.

    O Concelho da Ribeira Grande, no obstante ser o mais populoso da ilha, temexperimentado um decrscimo populacional, que vem acentuando ano aps ano,

    passando de 51,8% para 51,0%, entre 1970 e 1980; de 47,5% para 45,75% entre 1980 e

    1990 e finalmente para 45,7% no ano 2000.

    O Concelho do Pal tem conhecido uma estagnao demogrfica, cerca de 8.000

    habitantes desde 1970, representando 17,7%, no ano 2000 tinha uma populao de 8325

    habitantes, mantendo a mesma percentagem em relao ao total da ilha.

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    O concelho do Porto Novo tem registado um crescimento positivo, movido em

    parte pelo aumento da populao da vila que nos ltimos 10 anos cresceu a um ritmo de

    3,8%. No cmputo geral representava 36,6% do total dos residentes no ano 2000.

    A populao de Santo Anto essencialmente rural, aproximando-se dos 80%.

    Verifica-se que nos concelhos do Pal e da Ribeira Grande, a taxa de

    urbanizao menor do que no concelho do Porto Novo, em virtude de se tratar de

    concelhos agrcolas, onde as condies para a fixao humana so menos favorveis. A

    alta taxa de urbanizao do Porto Novo explica-se pelo elevado xodo rural, provocado

    pelas secas que tm assolado os outros concelhos da ilha.

    Quadro n Evoluo e distribuio da populao por concelhos Santo Anto, 1960-200

    Concelhos 1960 % 1970 % 1980 % 1990 % 2000 %

    R Grande 17.246 50,8 23.197 51,8 22.102 51,0 20.851 47,5 21.560 45,7

    Pal 6.024 17,7 8.026 17,9 7.983 18,4 8.121 18,5 8.325 17,7

    P. Novo 10.683 31,5 13.593 30,3 13.236 30,6 14.875 33,9 17.239 36,6

    Total 33.953 - 44.816 - 43.312 - 43.785 - 47.124

    Fonte: CensosINE

    Verifica-se que a nvel interno, o movimento populacional traduz-se no xodo

    rural, com maior incidncia no eixo em direco do Porto Novo, isto visvel atravs do

    crescimento que esta vila vem apresentando, em detrimento do interior do concelho.

    Devido as secas constantes e poucas alternativas econmicas, as pessoas

    deslocam-se para o centro dos concelhos e da para outras ilhas, sobretudo a ilha de So

    Vicente e recentemente tm-se verificado algum movimento para a ilha do Sal, que tem

    oferecido nos ltimos anos empregos na rea da construo civil.

    Quanto a emigrao para o exterior do pas tem-se verificado algum movimento

    principalmente para os pases da Europa (Holanda, Frana, Luxemburgo, Itlia, etc.).

    No entanto, a emigrao vem diminuindo significativamente porque os pases ocidentais

    vm fechando as suas fronteiras aos emigrantes.

    Estima-se a emigrao em cerca de 1% da populao, ou seja, cerca 400 pessoas

    por ano emigram a procura de melhores condies de vida.

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    CAPTULO II

    2. MITOS E LENDAS DA MEMRIA SOCIAL SANTANTONENSE

    2.1. ASPECTOS GERAIS E CONCEITOS

    Antes de comear o desenvolvimento do tema, vamos expor os conceitos que

    pensamos serem mais importantes no estudo e compreenso da problemtica.

    Mito expresso simblica de situaes profundamente humanas de

    sentimentos e pressentimentos indefinidos, vises fantsticas, desejos e terrores, e de

    explicaes elementares do universo e da vida, sem a mediao rigorosamente

    consciente da filosofia, da cincia ou da teologia. Variadssimo contedo dos mitos que

    existem em todas as sociedades e em todas as idades brotando dos acontecimentos

    ligados com a divindade, os fenmenos da natureza, as foras ocultas, o inconsciente, a

    imaginao, a emoo etc.12.

    Lenda narrativa de acontecimentos fantsticos, tradio popular, conto,

    histria fabulosa, mentira, invencionice13.

    Lendaepisdio herico ou sentimental com o elemento maravilhoso ou sobre-

    humano, transmitido e conservado na tradio oral popular, localizvel no espao e no

    tempo. De origem letrada, a lenda, possui caractersticas de fixao geogrfica e

    pequena deformao. Liga-se a um local, como processo etiolgico de informao, ou a

    vida de um heri, sendo parte ou no todo biogrfico ou temtico. Conserva as quatro

    caractersticas do conto popular: Antiguidade, persistncia, anonimato e oralidade. Os

    processos de transmisso, circulao, convergncia so os mesmos que presidem a

    dinmica da literatura oral () Muito confundido com o mito, dele se distancia pela

    funo e confronto. O mito pode ser um sistema de lendas, gravitando ao redor de um

    12

    Grande dicionrio, Enciclopdico verbo II volume, Editorial verbo, Lisboa/So Paulo) p. 850.13Grande Dicionrio, Enciclopdico verbo II volume, Editorial, Lisboa/So Paulo).

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    tema central, com rea geogrfica mais ampla e sem exigncia de fixao no tempo e

    no espao. A lenda da me-dgua, a lenda de Santo Antnio evidencia no seu prprio

    enunciado, as diferenciaes do mito de Perseu, do mito de velcino de ouro14.

    Crenaacto ou efeito de crer, f religiosa, convico, confiana, crendice15.

    Superstiosentimento religioso baseado no temor ou na ignorncia, e que

    leva ao receio de coisas fantsticas, ao cumprimento de supostos deveres e a confiana

    em coisas vs ou ineficazes, pressgio infundado, crendice, preconceito, excessiva

    credulidade, fanatismo16.

    Resultam essencialmente do vestgio de cultos desaparecidos ou da deturpao

    ou acomodao psicolgico de elementos religiosos contemporneos, condicionados

    mentalidade popular. So milhes de gestos, reservas e actos instintivos, subordinados

    mecnica do hbito como gestos reflexos. As supersties participam da prpria

    essncia intelectual humana e no h momento na histria do mundo sem sua inevitvel

    presena. A elevao dos padres de vida, o domnio da mquina, a cidade industrial ou

    tumultuosa em sua grandeza assombrosa, so outros tantos viveiros de supersties,

    velhas, renovadas e readaptadas s necessidades modernas e tcnicas. Todas as

    profisses tm o seu corpus supersticioso, e aqueles que confessam sua independncia

    absoluta da superstio porque no chegaram no instante da confidncia reveladora

    () A superstio sempre de carcter defensivo, respeitada para evitar mal maior ou

    distanciar sua efectivao. Os sinais exteriores so os amuletos que, incontveis,

    transformaram-se em adornos e jias e vivem na elegncia universal dos nossos dias.

    Essa legtima defesa estende-se s zonas mais ntimas do raciocnio humano e age

    independentemente de sua aco e rumo17.

    Ritoacto com significao social celebrativa (cerimnia) realizado no domnio

    do sagrado. mgico quando pretende manipular seres sobrenaturais, religioso se

    visa comunicar com esses seres. H rito de unio com o sagrado (atravs do toque, osculo, a uno, a imposio de mos, a dana a unio amorosa e o banquete sagrado.

    14 Dicionrio do folclore Brasileiro Edio melhoramentos em convnio com o instituto Nacional dolivro, de Lus da Cmara Cascudo, pgs. 434, 435.

    15Grande Dicionrio Enciclopdico volume II, p. 731.

    16Grande Dicionrio, Enciclopdico verbo II volume, Editorial, Lisboa/So Paulo p. 549

    17

    Dicionrio do folclore Brasileiro Edio melhoramentos em convnio com o instituto Nacional dolivro, de Lus da Cmara Cascudo, p. 723

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    Os mitos constituem narraes cujas personagens so seres sobrenaturais, nas

    quais o elemento humano totalmente excludo com vista ao enaltecimento de um feito

    supostamente histrico, levado a cabo por um deus ou um semi-deus (um heri) em

    defesa de determinados ideais. Os mitos so, por conseguinte, uma imaginao da

    mente humana, algo que no se realiza na histria, ou seja, tem lugar fora do domnio da

    factual.

    As lendas embora sejam tambm narrativas imaginadas j possuem alguma

    correspondncia com a vivncia dos homens, uma vez que j apresentam personagens

    humanas ou que tem uma relao directa com estas.

    Ao fim ao cabo, os mitos e as lendas tm uma funo comum e pontos de

    confluncia como por exemplo: o reforo a tradio.

    Segundo Joo Lopes Filho, in Cabo Verde, subsdios para um levantamento

    cultural, Os mitos e as lendas so () indispensveis a todas as culturas. Enquanto

    afirmaes de realidades primrias, que ainda vivem na experincia quotidiana e

    enquanto justificativas pelo precedente, proporcionam um padro retrospectivo de

    valores morais, de ordem sociolgica e das crenas mgico-religiosas18

    A mitologia, ou seja, o estudo dos mitos, mostra-nos que estes so to velhos

    como a humanidade. Os homens primitivos na impossibilidade de explicar

    racionalmente o funcionamento da natureza e a forma como manifesta os seus

    fenmenos conceberam explicaes, segundo as quais os deuses (seres sobrenaturais)

    que so responsveis pelas manifestaes naturais.

    Pelo que nos dado entender sobre a humanidade, no h povo sem mitos e

    lendas, assim como no h povo sem cultura, como tambm no h povo sem alma.

    Cabo Verde e a ilha de Santo Anto no fogem a regra. claro que os seus mitos se

    manifestam de uma forma particular e muito prprias consoante as suas inquietaes.

    assim que, com as adversidades climticas do pas suscitam no cabo-verdiano umaforma particular de procurar e encontrar respostas para que ele mais deseja. Uma delas,

    saber se chove ou no num determinado ano. Para tal, acredita de que Deus se

    conunica atravs da natureza, o campons da ilha de Santo Anto, em particular, d

    largas sua imaginao na procura de resposta sobre a possibilidade ou no de um ano

    sem castigo divino, e por conseguinte, de uma boa ou m colheita.

    18LOPES FILHO, JooCabo Verde, Subsdios para um Levantamento Cultural, Pltano, Editora,Lisboa, 1981.

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    Assim, ele recorre a um nmero incalculvel de mitos e lendas como sendo

    sinais que, na melhor dos casos, servem de incentivo sua persistncia que tanto o

    caracteriza, mas ao mesmo tempo reflecte a sua profunda crena no criador que no

    anda de costas voltadas para sua criatura.

    A crena em determinada coisa, muitas vezes est ligada a lei religiosa. E por

    no o saber explicar, so considerados mistrios ligados ao sobrenatural e neste caso

    fontes inesgotveis de mitos e supersties.

    Com o surgimento da religio, determinadas crenas ficaram no mesmo plano

    que a f, da que o homem comea a acreditar em determinados princpios.

    Deste modo, as crenas que circulam entre a nossa gente, so recebidas tanto dos

    europeus como dos africanos.

    Assim, segundo Lopes Filho, expresses como gongon, bejon, kenilinha

    entre outras foram designaes impostas pelos colonos, que emitiam vozes e criavam

    figuras medonhas para afugentarem os escravos fujes que iam furtar nas suas

    propriedades. Os relevos montanhosos e os profundos vales sombrios como os da ilha

    de Santo Anto facilitavam grandemente os colonos nessa tarefa. Uma vez que sentiam

    prejudicados com os assaltos dos escravos, emitiam vozes estranhas, preparavam

    cenrios para os afugentar.

    E como durante muitos anos, o povo das ilhas viveu num constante isolamento,

    fazendo com que a populao fechasse sobre si.

    Sendo geralmente representaes deturpadas de fenmenos que ultrapassavam o

    conhecimento dos que neles acreditam, naturalmente condicionaram fortemente a

    vivncia das pessoas tanto do ponto de vista pessoal como social limitando a capacidade

    de raciocnio lgico e de desenvolvimento cultural.

    Assim, a tendncia era seguir as tradies devido a vivncia de centenas de anos

    sob o domnio colonial, que no criou condies para que o desenvolvimento cientficoenraizasse nas nossas ilhas. Por isso, muitos dos mitos e das lendas, chegaram at ns,

    pela via da tradio oral, devido a sua fora reguladora e normativa como so por

    exemplo os tabus.

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    2.2. ANLISE DAS MENSAGENS DOS MITOS E DAS

    LENDAS

    Os mitos e as lendas so carregados de funes sociolgicas indicando aoindivduo ou a um determinado grupo social a via que deve seguir, evitando assim

    dissabores durante o seu percurso. Tm por conseguinte, um carcter normativo, e por

    isso, de regulao social.

    Os mitos e as lendas como formas de supersties so narrativas que trazem em

    si certa moral, visando condicionar o comportamento das pessoas. Ao fim ao cabo, no

    so mais do que regras atravs das quais os indivduos devem orientar os seus

    comportamentos e a sua prpria vida, da serem vistas ainda como instrumentos deregulao e coeso social, por pretenderem impor um padro comum de convivncia

    social. Isso visto nos tabus, nos medos, nos provrbios, etc.

    Podemos dar como exemplo o tabu do aborto, muito alimentado pela religio

    catlica, pois o aborto encarado como um atentado a vida humana, algo sagrado por

    ser uma criao de Deus. Abortar significa pois, um acto de profanao, portanto, um

    pecado severamente punido por Deus.

    Essa crena, como se pode ver, cria nas pessoas o sentimento de respeito e temorem relao as leis de Deus, levando-as a comportar-se numa determinada direco.

    Com efeito, fcil crer que os tabus esto ligados as supersties coercivas.

    No dizer de Joo Lopes Filho, Tabu designa-se normalmente, uma pessoa,

    objecto ou acto cujo afastamento exigido por ter carcter sagrado () inspira

    respeito temeroso, pois a sua violao pode suscitar castigos de origem sobrenatural,

    possveis de abaterem-se tanto sobre o profanador como sobre o grupo a que

    pertence19

    Ainda podemos fazer referncia aos medos que segundo Joo Lopes Filho,

    foram invenes do tempo da escravatura com o objectivo de se ter um instrumento para

    dificultar a fuga dos escravos e proteger as propriedades de eventuais intrusos.

    Tambm o recurso aos medos era um meio de educao. A criana era ameaada

    a obedecer atravs da inveno de seres fantsticos, histrias de fadas, lobisomens,

    gongon etc.

    19LOPES FILHO, ob,cit p. 112

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    Nos provrbios, adquirimos a sabedoria popular, que encerram toda a

    experincia da colectividade. Os provrbios alm de entreterem as pessoas

    intelectualmente, so educativos por exprimirem valores e normas tericos do povo. So

    tambm reflexos da sabedoria popular e expresso da ideologia do grupo social

    dominante na prtica do quotidiano duma comunidade como o caso dos grupos de

    ancios.

    Essas crenas foram passando de gerao em gerao atravs da tradio oral

    acabando por ganhar formas diferentes fazendo parte do imaginrio do povo das ilhas.

    Por conseguinte, as lendas e os mitos procuram impor a vivncia social

    determinadas normas e regras de comportamento criando assim uma verdadeira ordem

    sociolgica.

    Os mitos esto muito relacionados com as crenas e por sua vez tem origem, ou

    pelo menos tm muita ligao com a religio. E exercem uma funo sociolgica como

    havia dito anteriormente, seja para glorificar um determinado grupo social, exprimir

    direitos e por vezes estatutos contrapostos e rivais.

    So contados para justificar, reforar ou codificar as prticas e as crenas da

    organizao social totalmente revestidos pelos ritos. A repartio dos ritos produz o

    enraizamento dos mitos de tal forma que parecem ter uma funo tanto natural como o

    instinto. Mesmo exprimindo contradies e incoerncias vrias so toleradas pela

    sociedade que os adopta.

    Segundo Levi-Strauss, o mito e o rito complementam-se em domnios de

    natureza igualmente complementares: o valor significante do ritual parece instalado

    nos instrumentos e nos gestos20. So criaes culturais e tm o seu modo prprio de

    coerncias e podem prestar-se a aspectos ldicos, estticos ou ilusionistas. Esto

    quase sempre ligadas as circunstncias que comandam a sua produo: estao ou fases

    da vida de um individuo, circunstanciais, naturais, ou sociais ou ainda acidentes da vidaindividual.

    A crena numa entidade sobrenatural (ser ou fora) produziu sempre no homem,

    atitudes afectivas ou emocionais face aos mesmos e procuram obter atravs dos ritos o

    favor dos Deuses e afastar o mal.

    20BERNARDI, Bernardo.Introduo aos Estudos Etno-Antropolgicos, Lisboa. Edies 70. 1988.

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    Segundo Malinowski, determinado rito s poder ser compreendido se

    pusermos em evidencia a forma pela qual ele se liga ao econmico ou ao poltico,

    definindo a sua funo a diferentes nveis, explicando a sua razo de ser21.

    Quer dizer que os mitos e as lendas tm uma funo utilitarista precisa e esto

    inseridos num sistema social. Contudo, bom dizer que esta viso tem sido alvo de

    criticas devido ao pouco espao que deixa para o desenvolvimento cultural.

    Em cabo Verde concretamente, h uma mistura entre o sagrado e o profano

    originando um sincretismo cultural por causa dos vrios elementos em presena. O

    sagrado elaborado pela prpria sociedade, enquanto que o profano constitudo por

    cada um de ns, atravs dos dados dos nossos sentidos e da nossa prpria experincia.

    Os mitos, conservam uma actualidade viva, embora tenha originado dos povos

    antigos, considerados selvagens por conseguinte, so aceites e conservados por

    tolerncia, respeito e confirmam a f. Repetindo-os, so regenerados, restaurados e

    actualizados atravs dos ritos. Por vezes, os eminentes seres que as pessoas evocam,

    aparecem em carne e osso.

    Mas, actualmente, muitas das crenas deixaram de existir, ou vm perdendo

    credibilidade, a medida que os anos passam, sob efeito da escolarizao, cristianizao,

    da globalizao que vem transformando o mundo numa grande aldeia cada vez mais

    exposta.

    Mas, isto no quer dizer que Cabo Verde e em particular Santo Anto esteja com

    menos crenas. Umas podem-se estar perdendo terreno mas outras estejam nascendo e

    revigorando porque o homem no consegue viver sem as crenas; isto , ao rejeitar

    umas, cria outras de acordo com o contedo das mesmas e dos reflexos na vida.

    21MALINOWSKI, Bronislaw. Uma Teoria Cientifica da Cultura, Lisboa. Edies 70. 1997.

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    CAPTULO III

    3 - MANIFESTAES DE CRENAS E SUPERSTIES EM SANTO ANTO

    De todos os fenmenos sociais que formam o objecto da etnologia, a superstio

    o mais difcil de coordenar sistematicamente uma vez que uma rea muito

    abrangente, onde esto envolvidas formas de viver e de estar de todas as camadas

    sociais.

    No dizer de Tefilo Braga As supersties so sempre o vestgio da runa de

    uma religio quer na sua hierologia, a crueldade nos espritos malvolos, quer na sua

    parte litrgica, os ritos propiciatrios das cerimnias angurais22

    Muitos santantonenses semelhana de algumas pessoas das outras ilhas de

    Cabo verde acreditam em factos que podem dar sorte ou azar, fazer bem ou mal,

    propiciar vantagens ou polarizar malficos. Neste sentido, acreditam tambm que h

    formas de anular a fora positiva ou negativa de qualquer elemento, da recorrerem a

    amuletos (que pode ser uma pequena bolsa de fragmentos de oraes, versculos da

    Bblia Sagrada), a esconjuros, a oraes e a certas cerimonias para se defender dos

    possveis malficos que possam surgir (azar, mal feitio, mau olhado oiada).

    Segundo Tefilo Braga A forma e o sentimento que as supersties apresentam

    correspondem a um estado rudimentar da inteligncia do homem: o terror do

    desconhecido23.

    Esse facto exemplificado pela forma como alguns santantonenses manifestam

    a sua crena em foras sobrenaturais, e por isso que surge a ideia da existncia de

    feitiaria, espritos maus, bejon kenilinha entre outros.

    22BRAGA, Tefilo, O Povo Portugus nos seus Costumes, Crenas e Tradies, Lisboa, Publicaes D.Quixote Vol. II p. 18

    23BRAGA, Tefilo, ob. Cit. Vol. II p.19

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    Da mesma forma, vigora a crena de que a alma do outro mundo regressa ao

    mundo dos vivos. Algumas pessoas acreditam que quando algum morre sem pedir ou

    receber perdo dos seus pecados regressa ao mundo dos vivos com o objectivo de o

    fazer. Por isso, acreditam que as almas entram nas pessoas, outras acham que a alma de

    um defunto pode regressar ao mundo dos vivos para pedir e receber perdo, mas sem

    entrar no corpo das pessoas. Essas crenas tambm so conhecidas nas tradies

    portuguesas.

    De acordo com Tefilo Braga As almas dos mortos tambm costumam meter-

    se nos corpos dos vivos, a que vulgarmente se chama ter esprito, que corresponde aos

    fenmenos patolgicos do histerismo e da epilepsia; quando fala uma alma, em algum,

    para pedir o cumprimento de alguma promessa, e cr-se que ela abandona o corpo na

    forma de uma pomba24.

    A vida em todas as suas manifestaes e relaes est cercada de crenas agoiros

    que passaremos a citar:

    - Para muitos camponeses da ilha de Santo Anto, a viscosidade de algumasrvores ou plantas num determinado perodo do ano constitui sinal seguro de

    boas guas. Caso contrrio, est-se perante um mau ano agrcola;

    - A exuberncia do florir dos sisais (carrapato) num determinado ano sersinal de boa colheita de feijo;

    - O piar incessante da passarinha de pena azul durante a poca das guas sero preludio de uma boa chuvada. Salienta-se que esta passarinha para

    muitos a ave mensageira de Deus e portanto sagrada, e, como tal, nunca deve

    ser maltratada e muito menos morta;

    - Quando a lua se apresenta coroada de vermelho durante o perodo das guasser uma tempestade eminente, ou pelo menos muita chuva dentro de pouco

    tempo;- Quando uma pessoa passar debaixo duma rvore bom dizer nome de Deus;- Apontar as estrelas faz nascer verrugas;- Quando h trovoadas um sinal que Deus manda para atormentar os

    homens que cometem pecados e maldades na terra;

    - Esconjurar ou benzer quando o vento faz redemoinho a nossa frente;- Esconjurar quando um pssaro passar sobre ns;

    24Idem, Ibidem vol.I p. 177

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    - noite, a partir das dezoito horas, no se deve passar junto de um chiqueirode porcos, porque pode ser atacado pelos Diabos;

    - No voltar a cara para trs quando andamos noite;- Quando algum est de regresso casa depois da meia-noite dever entrar de

    costas para dentro;

    - No dar de emprstimo, sal ou petrleo a noite;- No se deve apanhar o lixo quando se varre a noite;- No comer a altas horas da noite porque ser pegado pelo pesadelo;- Sonhar com carne de porco significa morte. Se se sonhar que est a com-la,

    a morte ser de um membro da famlia;

    - Sonhar com ovo confuso;- Sonhar com sangue sinal de desgosto;- Sonhar que algum morreu, significa que essa pessoa ter ainda muitos anos

    de vida;

    - No contar sonhos em jejum porque atrai o mal;- A mulher menstruada no deve regar ou tocar nas plantas porque podem

    secar;

    - A mulher que acaba de ser me no deve lavar a cabea durante 30 dias; eladeve ficar sem tomar banho 40 dias, caso o beb for menina, 41 dias, se for

    menino, ela deve evitar sair a noite, visto que o orvalho nocturno pode

    provocar a demncia;

    - A mulher grvida no pode comer malagueta porque a criana nascer ababar; ela no pode presenciar rituais da morte para no provocar a morte da

    criana; no pode observar muito numa pessoa deficiente para que o beb

    no nasa com algum defeito;

    - Um homem cujo primeiro filho for menina ser muito sortudo;- Mancha branca nas unhas sinal de que a pessoa ter muita sorte;- Comicho na palma da mo direita dinheiro que ir receber;- Quando uma pessoa roubada ou insultada nas pocas festivas do Natal e da

    Pscoa vai a caixinha das almas nas igrejas depositar algumas moedas

    pedindo a Deus ou aos santos a devoluo da coisa roubada ou a descoberta

    do ladro ou ainda a vingana do insulto, assim passados alguns dias o

    pedido ser concretizado;

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    - Passar o dinheiro entre as pernas quando desconfiamos de algum com quemnegociamos;

    - No colocar crianas a frente do espelho sem serem baptizadas;- O primeiro cabelo que se corta a uma criana no deve deitar-se fora, porque

    as bruxas podem causa-la algum mal se encontrar o cabelo;

    - No deixar crianas sozinhas em casa sem um resguardo;- No chorar demais os bebs que morrem, evitando que virgem Maria os

    abandonem;

    - No contar estrias de dia porque os olhos podem pelar;- Treze pessoas no podem sentar-se a mesma mesa;- No deixar gato preto passar entre as pernas;- Ver uma coruja durante o dia d azar;- Deixar uma trepadeira subir nas paredes da casa protege contra o mal;- Passar debaixo de uma escada d azar;- mau agoiro abrir um guarda-chuva dentro da casa;- Colocar um chapu sobre a cama d azar;- O badalar de sinos espanta os demnios;- Deixar sapatos virados de sola para cima d azar;- Lanar sal d azar, a menos que se jogue um pouco sobre os ombros

    esquerdo;

    - Quebrar um espelho d sete anos de azar;- Deixar uma vassoura encostada na cama permite que os espritos maus na

    vassoura lancem um feitio na cama;

    - Se duas aves brigarem por cima de uma localidade, significa que dentro embreve algum h de morrer;

    - H quem pense que no pode gabar o que quer que seja, sob pena deprovocar a runa dessa mesma coisa;

    - H quem acredite que no pode encontrar-se com um indivduo demanhzinha, quando este for a primeira pessoa a ser encontrada depois de ter

    sado rua porque d azar;

    - H quem acredite que o vermelho simboliza o mal, o branco simboliza a paze a pureza, o preto simboliza o luto e a tristeza, o verde a esperana, e o azul

    a juventude.

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    Ainda para alm dessas crenas, existem outras a que chamamos de medo e que

    passaremos a enumerar alguns deles para de seguida descrevendo cada um:

    - Feiticeira/Bruxa (Fetesera, Bruxa)- Encantadas- Espritos- Mosong

    3.1 - FEITICEIRA/BRUXA

    A feiticeira uma crena que, no passado, teve grande impacto na sociedade

    santantonense. Esse facto evidenciado nos rituais de guarda cabea, e pela forma

    como as pessoas preservam os seus filhos quando surge algum apelidado de feiticeiro.

    Para aqueles que acreditam, feiticeiro trata-se de uma pessoa dotada de poderes

    sobrenaturais ou que aprendem esta arte atravs dos livros (ex: So Cipriano) ou mesmo

    com outras pessoas com experincia neste assunto.

    Existe dois tipos de feiticeiros: o que possui poderes para efectuar artes mgicas

    (curandeiros), fazendo o bem as pessoas; e o que possui poderes apenas para efeitos

    malficos por praticarem a magia negra-feitio (bruxas).

    O primeiro tem a habilidade de anular o mal, favorecendo ou prejudicando

    algum. Esta prtica poder impedir que um crime seja punido pela justia, para que

    uma pessoa mal amada seja amada, para que determinadas pessoas se fiquem bem

    sucedidas ou se desorientem na vida, para que se consigam determinados poderes:

    podem tambm cortar o mal que os outros feiticeiros fazem. Por exemplo, curam os

    maus-olhados, quebrantes.

    Lem a sorte das pessoas, utilizando cartas ou uma pedra especial que emite aluz reflectida pelo sol em direco ao paciente para ler a sua sorte, identificando ou

    irradiando o mal.

    Depois do curandeiro descobrir o mal a pessoa, ele receita-o com remdios

    confeccionados por ele mesmo a base de ervas. Dessas ervas, algumas so aplicadas

    atravs de chs, xaropes com vinho branco ou aguardente, enxofre, fezes de co ou gato,

    etc. Recomendam ainda banhos e defumadores de ervas. Podem dar tambm uma

    orao apropriada para lerem ou dizerem em casa.

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    Esses curandeiros efectuam todo esse trabalho sem receber nada ou somente uma

    quantia irrisria.

    Passo a citar nome de alguns curandeiros que fizeram fama em Cabo Verde

    particularmente em Santo Anto e So Nicolau:

    - Jukin Eskinha (Santo Anto)- Felicine (Santo Anto)- Miguel Benedito (Santo Anto)- Totone Menga Menga (So Nicolau)No que diz respeito aos feiticeiros de efeitos malficos bruxos, tambm

    reconhecidos por feiticeiros da magia negra ou kanjiristas, so filhos de pais feiticeiros.

    Nascem por uma espcie de hereditariedade, portanto, sem vontade prpria. Mesmo

    assim, a pessoa que considerada feiticeira, vive quase que marginalizada pela

    sociedade. Tm habilidades para transformar-se em animais ou coisas com o objectivo

    de espantar pessoas, sobretudo de noite, causar o mal a outrem atravs de vrios

    mecanismos levando por vezes a morte ou a perda de sentido. Tm a habilidade de

    comer uma criana ou uma pessoa qualquer e descobrir inimigos em dias apropriados.

    As pessoas que recorrem a esses feiticeiros para saber se algum tem inveja delas ou

    causa-las mal, tentem apropriar de uma fotografia, uma pea de vesturio ou um objecto

    j usado entregando ao feiticeiro. A este vai trabalhar com objectos da vtima at

    conseguir os objectivos que a destruio e a morte. Neste tipo de trabalho, os

    feiticeiros exploram muito os seus clientes, recebendo grandes quantias.

    Normalmente este tipo de feiticeiro tambm chamado de bruxos. E o nome

    generaliza-se mais para o feminino feiticeiras ou bruxas. Bruxasou feiticeiras so

    tambm pessoas com poderes sobrenaturais como referimos anteriormente.

    Enquanto que os demais seres medonhos que os santantonenses acreditam

    apareciam em noites de lua cheia, contemplando o belo luar, as bruxas preferiam asnoites escuras das teras e sextas-feiras, onde os seus olhos brilhavam como lanternas

    na escurido aterrorizante.

    Contam alguns dos inquiridos que as bruxas antes de sarem das suas casas,

    cheiravam um liquido para ajud-las a voar. Ao sarem da casa, o corpo ficava deitado

    na cama e o esprito sai transformando assim num animal qualquer escolha da bruxa,

    lanando luzes de vrias cores visveis a qualquer distncia. E ao regressar a casa se no

    encontrasse o corpo conforme o deixou, o esprito no conseguia entrar no corpo.

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    Tentando voltar ao normal dizia o seguinte: konforme M tx korp, esim min N otxel

    e a voz ia enfraquecendo at que a bruxa acabe por morrer.

    Uma senhora, na Ribeira da Torre Santo Anto, contou-nos que uma bruxa,

    saiu nas suas diabruras e o seu marido deu conta que a mulher no estava deitada na

    cama, j desconfiados das suas artes, apanhou uma capa, uma espcie de pele que a

    bruxa retirava do seu corpo quando saa a noite e colocou malagueta e sal. Quando a

    bruxa voltou foi meter aquela capa no seu corpo, ficou a gritar desesperada e depois

    morreu.

    Geralmente, as bruxas casam-se com um homem normal ou tambm um

    bruxo casa-se com uma mulher normal. Ensinam-lhes os poderes do bruxedo ao seu

    cnjuge e este recusa a aprender, mas ter um grande sofrimento at alcanar a morte.

    As filhas das bruxas nascem logo com alguns poderes, um pouco fraco e por isso so

    denominadas de falhadas.

    Mas os filhos no nascem com a arte de bruxaria, se quiserem podem vir a

    aprender.

    As bruxas deitam oiadas (mau olhado) ou quebrantes s pessoas,

    principalmente as crianas. Se uma pessoa estiver com uma criana prximo de uma

    bruxa e fazer algum elogio como: bonita, ou gordinha, a me tem de dizer

    imediatamente a bruxa: louvar a Deus, para evitar que ela deita uma oiada a

    criana.

    H casos em que a bruxa consegue deitar oiadas as crianas e as mes

    conseguem saber logo que era obra das bruxas porque a criana transpira muito, sente

    febre, diarreia e outros sintomas estranhos. Para curar a criana o responsvel dela

    dirige-se aflita a casa da suposta bruxa. E a bruxa usando os seus dotes curava a criana.

    As bruxas podem ser amarradas quando vo a alguma casa e pedem gua, o

    dono da casa ou outra pessoa coloca a caneca ou o copo emborcado; quando se voltapara baixo uma vassoura no lugar onde estiver uma bruxa ou ainda se virar de pernas

    para o ar o banco em que a bruxa se sentou.

    Em Chuva Braba, Man Quim em analepse: Ele era ainda menino de dez anos.

    Uma manh brincava no terreiro da casa () quando apareceu uma mulherzinha

    magra e lambuda, com um dente muito grande saindo da boca, o nariz arrebitado

    mostrando dois buracos fundos, a gritar com uma voz fanhosa que meteu medo a todos:

    eh, mocinho! eh mocinho! Estou a morrer de sede. D-me uma caneca dgua,mocinho da minhalma. () Ela bebeu todo o litro dgua sem tomar flego, devolveu

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    a caneca ao menino e caminhou. Man Quim correu para dentro e foi colocar a caneca

    como a encontrara, de boca para baixo, sobre a tampa do pote. () olhou e viu a velha

    entrando de novo para o terreiro e espiando para um lado e para o outro, com que

    procura de qualquer objecto perdido. () A velha passeou para c e para l, foi at a

    cancela, olhou para o caminho e disse: Deus, deixa-me ir embora. O sol j estava a

    pino quando chegou a meJoja:

    - Eh Joana Tuda, oc quer alguma coisa? perguntou a meJoja. Estou, aqui dias-

    -h quero agora ir para Ribeira da Cruz que j est tarde. Ento oc v ()

    Continuou por algum tempo naquela dana. Quando no pode mais, aproximou-se de

    Mane-Quim () e disse em segredo: mocinho! De esmola, mocinho da minhalma.

    Olha, vai virar a caneca de boca pra riba pra eu poder ir25.

    Mas quem amarra uma bruxa, tem de saber desmarr-la outra vez senoat

    poder morrer.

    Em Chiquinho, de Baltazar Lopes, Toi Mulato conta a respeito de Totone

    Menga-Menga.

    - () Totone disse:

    - Por favor voc espia se aquela galinha tem ovo A mulher foi espiar e

    Totone depressa voltou para dentro e num dizendo-fazendo virou de pernas para o ar o

    banco, em que a bruxa tinha sentada. Quando Totone voltou para o quintal disse-lhe:

    vamos para dentro Ela bem queria ir, mas no conseguia passar a soleira da porta

    porque, j se v, tinha sido amarrada. () Ela danou, cantou, fez o diabo a quatro.

    Depois virou burro, mula, porco, cabra. Por fim, Totone condodo rezou umas oraes

    e desamarrou-a. Ela virou figura de gente. Totone disse-lhe:

    - Para voc nunca mais se meter na minha vida26

    Segundo os entrevistados para afastar as bruxas fazem-se, figa canhota (faz-se

    entrando o polegar entre o indicador e o dedo maior da mo esquerda) esconjurando daseguinte forma:

    Figa kanhota,

    Bordolega mar de Espanha,

    B rodi l pe mar vermei,

    Mim b nde pod ke mi,

    Nem hoje, nem mnh,

    25LOPES, Manuel, Chuva Braba, Lisboa, Ed. 70, p. 7626LOPES, BaltazarChiquinho, ed. frica 1984, pgs. 74,75

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    Nem nunca

    H mais formas de afastar as bruxas, que explicaremos no captulo que se segue.

    3.2. ENCANTADAS

    So assim chamadas as lindas moas de cabelos muito lisos e compridos, com

    uma parte superior do seu corpo de forma humana e a inferior em forma de peixe.

    Aparecem com frequncia no mar ou nas Ribeiras, conforme o imaginrio dos que

    vivem prximo desses stios.

    Costumam aparecer de madrugada ou nas horas mnguas ( o espao de tempo

    entre s 12h s 14h), vestidas de branco ou nuas mas ningum consegue aproximar-se

    delas, pois logo que um vulto humano surgisse l em cima, nos rochedos, metiam-se

    debaixo da gua e iam parar a outro mundo.

    Mas, houve quem fosse muito ousado, pescando uma dessas moas. Segundo um senhor

    entrevistado na zona do Cocul, at a Maria Branca, uma beleza de mulher que mora ao

    lado da raa das encantadas. branca, tem cabelos muito lisos e compridos chegando-

    lhe s costas.

    de comparar estas encantadas outras histrias contadas em alguns pases.

    Fala-se de sereias, como a Iemanj, dona Janana, princesa de Aioc ou ainda dona

    Maria no Mar Morto de Jorge Amado, na zona centro-sul de Angola a eplua, ser

    aqutico, misto de animal e ser humano, costuma oferecer rica fortuna, em troca de um

    objecto do seu uso pessoal deixado em fuga quem a surpreender durante o banho no rio.

    Muitos destes dados, aparecem tambm reflectidos nos romances cabo-

    verdianos.

    Na obra Chiquinho de Baltazar Lopes, pag.291 Nh Joo conta-nos o que tinha

    acontecido com ele, certo dia, quando ainda era marinheiro:

    Naquela noite eu estava de leme, Chiquinho, fazia um luar to claro que

    parecia que a lua estava dando uma serenata a nossa senhora. De repente, ouvi uma

    cantiga.

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    Era Sirena. A moa do mar tinha meio corpo acima da gua27. Sirena, seria,

    moa-do-mar, poderamos tambm dizer moa-de-gua, a nossa encantada, no

    sentido de quem provoca encantamento ou causa maravilha pela beleza que possui.

    Ainda em Chiquinho encontramos um trecho um pouco discordante quanto conotao

    do nome encantado. Conta-nos mame velha:

    - No tempo do Dr. Jlio apareceram pacteados na terra. Eram encantados que

    tinham pacto com aquele homem. Em noites de luar desembarcavam na Prainha de

    galeras que ningum podia ver, vindos de ilhas que ficam muito longe, no meio do mar.

    Passavam pela vila em cavalgadas ruidosas, com grande cantarola, mas nenhum filho-

    de-parida tinha nimo de abrir a porta para espiar. Subiam a ladeira de cachao e

    dirigiam-se Sentina.

    Referia o povo que chegavam rocha e diziam:

    - Ssamo, abre-te!

    Abria-se a rocha e l dentro era uma boniteza de endoidecer, um grande palcio,

    armado de ricas moblias. Mesas coberturas de toalhas mais finas. Comidas da melhor

    qualidade. ()28

    Segundo contam, em Santo Anto, h tambm uma denominao de Menino

    encantado. Menino esse que nasce envolvido numa tiagem. Logo aps o seu

    nascimento a me ou a parteira tem de retir-lo da tiagem, rodando-o trs vezes e de

    seguida lhe dado uma chvena de ch. Caso no cumprissem o ritual no stimo dia do

    seu nascimento, ele dever ser baptizado. Caso contrario ele poder desaparecer de casa

    sem deixar rastos.

    No momento da fuga, se a me presenciasse, ela no impediria a criana nem a

    assustaria. Limitava a ficar quieta e no pronunciar a cena a ningum.

    Caso a me entrasse em pnico gritando ou pedindo ajuda, o beb cairia no cho

    espantado e logo ficava maluco, jteou esperposente.Se a me deixasse a criana fugir sem pronunciar nada, o filho voltaria sempre para

    amamentar, caso a me estivesse sozinha em casa. Se a me estiver acompanhada, no

    seria possvel ver a chegada do filho, mas sim, s sentiria o seu peito a ser sugado e ela

    guardava segredo, porque se dizer algo ao filho nunca mais viria ao seu encontro.

    Ainda contam que, se uma mulher com um filho encantado no o espantasse no

    momento da fuga, aps 7 anos da sua nascena regressaria e viveria uma vida normal.

    27LOPES, BaltazarOb. Cit. P. 29128LOPES, Baltazarob. cit. p. 38

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    3.3. ESPRITOS

    Espritoalma, fantasma, visagem, assombrao. Esprito encostado: alma de

    um morto que se alia com a alma dum vivo, encostando-se, para desempenhar, junto a

    esta, poderio ordinariamente malfico. O esprito encostado constitui assunto

    interessante na esfera do baixo espiritismo e se relaciona com a psiquiatria e a

    neurologia()29

    Segundo o imaginrio do povo, o esprito poder manifestar-se ou no aps a

    morte do corpo. E caso tenha alguma coisa a dizer, servir-se- do corpo de um vivente

    para se expressar. Diz-se ainda que os espritos aparecem a certos indivduos fracos e

    crentes. No aparecem aos incrdulos porque deles nada aproveitam, pelo contrrio,

    recebem pragas. Quer isso dizer que a pessoa perseguida pelos espritos boa. Deve

    tambm orar por aquele ou aqueles que a perseguem pois, digna de ser ouvida pelo

    senhor criador do universo.

    Na obra Chuva Braba de Manuel Lopes, deparamos com a viva Joja em

    monologo com o seu morto: Oc v Jaime? Destino deles andar. Vo um a um.

    Agora Quim.

    Cada qual no seu lado e na sua hora. Qualquer dia Jack. Fico s com oc

    depois. Fico mais perto dos meus mortos que dos meus vivos 30

    Neste caso percebemos que numa situao de desespero a viva desabafa com a alma do

    defunto.

    Para a nossa gente bastante ligada ao fenmeno de espiritualismo ou o chamado

    desdobramento, dizem que por vezes os espritos dos vivos saem e deambulam por

    ocasio da morte.

    Em Chiquinho, de Baltazar Lopes, encontramos as personagens movimentando-

    se e opinando sobre esprito retornado do lugar a ele destinado:

    29

    Dicionrio do Folclore Brasileiro de Lus da Cmara Cascudo, quarta edio, Revista e aumentada, p.31230LOPES, Manuel, ob cit. pgs. 31-32

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    Nh ChicAna garantiu. Tinha visto a alma. Era uma figura alta, embrulhada

    num grande lenol branco. Na cabea traziam um grande chapu de obas largas que no

    deixava ver bem a cara. S se enxergava a ponta do nariz, meio comida, e os dentes

    descascados num sorriso de meter medo. Foi de uma vez que tendo de vir do Juncalinho

    para Morro Braz, Nh ChicAna se enganou com o pr do sol. L para aqueles desertos,

    sol no mar, noite na terra, a escurido apanhou-o pelo caminho. Quando passou ao p da

    casa assombrada ouviu gemidos que partiam a alma da gente. De dentro das paredes

    saiu a figura do capito Zeferino. Vinha muito curvado, como se arrastasse um grande

    peso. Nh ChicAna ficou cr, sem poder dar um passo. A alma passou mesmo junto

    dele. Quando deu acordo de si, Nh ChicAna desabalou na carreira como cavalo de

    olho furado31

    Em Santo Anto, os que crem em esprito, denominam-nos de almas penadas

    katxorronas, pesadelo, minguarda, etc.

    As almas penadasso almas de pessoas que no tiveram boa conduta na vida

    terrena. Que foram obrigadas a abortar e a praticar outros crimes. Aparecem

    frequentemente de dia, sob a forma de vento, arrastando tudo o que se encontrava no

    cho formando redemoinho poeirento e muito violento. Quem presenciasse a ventania

    fazia logo o sinal da cruz, esconjurando:

    - Bordolega, mar de Espanha, b l p espose superior.

    Quando aparecem a noite, sob a forma de um fantasma, pedindo ajuda

    humana. H outras almas que no adaptam o sistema de aparecer em forma de fantasma

    mas, que se revelam nas casas dos seus parentes fazendo barulho de noite, arrastando

    cadeiras, mesas, atirando pedras, etc.

    Katxorronas

    Ao contrrio das almas penadas, as katxorronas so as almas das mulheres quena vida fizeram aborto por livre e espontnea vontade. As suas almas aparecem sob a

    forma de seres humanos, tristes constantemente com lgrimas nos olhos, vestidas de

    noiva a beira das estradas ou nos quintais.

    As vezes as katchorronas aparecem sob a forma de uma cadela a partir da meia-

    noite.

    31LOPES, Baltazar, ob. cit, pgs 84-85.

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    Voltaram terra a fim de pagar penitncia por causa dos filhos abortados, por

    isso, vm criar os filhos at atingirem os dezoitos anos, percorrendo todos os passos de

    uma me real. Procuram as casas onde possam encontrar gua, tina, surradera para

    lavarem as roupas do filho.

    As pessoas, ao perceberem que so as katxorronas que esto preambulando

    devem fazer de conta que no esto sentindo nada e no se devem aproximar-se delas

    porque podero anular as suas penitncias e recomear todo o trabalho.

    Quando aparecem sob a forma de uma cadela a partir da meia-noite devem trat-

    las como se fossem da vizinhana, chamando-lhes um nome e a acompanhavam a

    pessoa at a porta da sua casa. Quando chegar, a pessoa entra de costas para dentro,

    caso contrario, a cadela comea a crescer tornando-se enorme e poder matar a pessoa.

    Kenilinha

    Associada s almas, aparece uma outra figuraa Kenilinha de forma de gente,

    muito alta e com uma nica perna. Ela anda sempre na linha recta a partir da meia-noite.

    Como no consegue fazer curvas, a pessoa que deparar com ela dever andar em zigue-

    zague. Isso porque a Kenilinha segue todos os passos das pessoas que andam nessas

    horas da noite. Se a Kenilinha fizer uma curva, ela cai e a perna parte, a pessoa

    perseguida procura encontrar uma casa mais prxima para abrigar enquanto que a

    kenilinha tenta recuperar a sua perna. Caso a Kenilinha alcanar a pessoa, ela abafada

    e quando assim acontece, fica maluca.

    Pesadelo

    Segundo opinio das pessoas antigas, pesadelo so espritos de pessoas que

    morrem antes de serem baptizadas. Logo no princpio do mundo foram pedir

    autorizao a Deus para que fiquem matando as pessoas durante o sono, mas Deus noaceitou a proposta, ento furou-lhes as mos para que as pessoas pudessem respirar

    quando fossem sufocados pelo pesadelo evitando-os da morte.

    Durante o sono as pessoas ficam agitadas, e com a sensao de estarem

    acompanhadas da figura de uma pessoa aterrorizante. Essa figura o pesadelo que pega

    as pessoas a dormir no conseguindo mexer-se, falar, gritar e nem fazer nada. Por isso,

    sentem um peso sufocante mais precisamente na garganta, acompanhado de sonhos

    ruins.

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    Quando conseguirem livrar-se desta sensao, assim as pessoas acordam muito

    assustadas atrapalhadas e com muito medo.

    Para evitar o pesadelo as pessoas colocam debaixo do travesseiro os seguintes

    objectos e alimentos:

    - Tesouras abertas em forma de cruz;- Pedao de ao;- Bolacha;- Po.Alm destes, as pessoas evitam deitar-se muito cedo e logo aps as refeies e

    tambm costumam fazer rezas antes de irem para cama para afugent-lo:

    pesdel de mon frd,

    kond b kizer bem p min,

    primer b t b kont,

    Sm onda de mar e sm gron dereia,

    ne funde dmar vermei

    Quer isso dizer, que at quando contar as cem ondas do mar e os cem gros de

    areia j ter amanhecido e as pessoas acordadas

    Minguarda

    assim chamada o espao de tempo que vai das 12 s 14 horas. Hora ruim que

    ningum pode fazer certos trabalhos como dar de comer aos animais, deitar lixo etc.

    Segundo Lopes Filho, esta inveno vem desde os primrdios da colonizao das ilhas

    em que os donatrios traziam os escravos para lhes ajudar nos trabalhos da lavoura.

    Esses escravos trabalhavam arduamente e com um pequeno intervalo entre as 12

    s 14 horas, para descanso. Durante esse intervalo, apareciam os escravos fujes queiam disfaradamente furtar as propriedades e por vezes fazendo distrbios e assaltos a

    quem encontrassem. Entretanto, aqueles escravos que repousavam, ao verem os fujes

    nas propriedades entravam em pnico, pensando ser seres misteriosos, almas do outro

    mundo que poderiam atac-los e at mat-los.

    At mesmo os senhores, colocavam espantalhos nas propriedades como forma

    de meter medo aos escravos que l iam furtar.

    Deste modo, cremos ser a forma encontrada para neste perodo acimamencionado, retirar as pessoas debaixo das rvores, para no fazerem barulho quando

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    estivessem a descansar o almoo e por isso nessa hora costume as pessoas

    permanecerem dentro de casa.

    3.4. MOSONGA maonaria talvez um dos maiores alvos da curiosidade de vrias pessoas

    h tempos. Sendo uma sociedade fechada, ela se auto define como segmento

    filantrpico, filosfico, educativo progressista. O interesse pelo qual est oculto tem

    atrado muito a ela.

    Esta seduo no se limita apenas a homens no evanglicos, mas infelizmente

    algo que est alastrando a anos em alguns segmentos da igreja. Tamanha a

    inocncia de alguns lderes, que muitos no somente fecham os olhos para a coisa,

    como tambm participam como bons maons.

    Pouco se sabe a respeito da origem e fundadores da maonaria. Porem, o que

    no falta so contos de fadas acerca desse assunto. So personagens da antiguidade

    que so destacados como verdadeiros heris neste meio.

    Tubalcaim citado como o primeiro maon. Descendente de Caim, filho deLamec com Seba, este homem que dito pai dos que trabalham com cobre e ferro, viu

    em seu pai o exemplo de um homem homicida e polgamo (Gn.4:22-24).

    A lista segue figura com Ninrade, grande caador diante do senhor, esta figura

    considerada fundador da Babilnia e arquitecto da Torre de Babel (Gn.10:8,9, 11:1 -

    9). Isso com certeza aproxima-se os ideais da torre de Babel a Maonaria.

    Entretanto, o mais reverenciado de todos os patriarcas Hiram Abif. Conta a

    Maonaria que durante a construo do templo, Salomo contava com a ajuda do reide tiro Hiram, e contratou o filho de uma viva chamado Hiram.

    Diga-se de passagem que este aparece nos relatos bblicos apenas como

    bronzeonista, mas aos olhos da Maonaria, visto como o arquitecto. acrescentado a

    historia o relato de sua morte. Hiram tido como mestre (3 grau maon), e seus trs

    ajudantes como companheiros (2 grau), os quais o assassinaram em busca do segredo

    da palavra. Os dois reis so informados da morte, e que o corpo fora enterrado. Aps

    uma conturbada estria de ressurreio, entende-se que os segredos do mestre soguardados at ao seu descobrimento na Idade Media.

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    Os Maons (pedreiro em francs) so quase que um sindicato em seus

    primrdios. Chamada Maonaria Operativa nesta poca desenvolveu-se com o passar

    dos sculos, no se restringindo mais apenas a artesos, mas tornando-se abertos a

    outros grupos da sociedade.Nasce assim a Maonaria especulativa.

    Ao passar de operativa para especulativa, a Maonaria no mais se restringiu a

    artesos, mas dispe a estar aberta a outros membros (clrigos, polticos, cientistas,

    etc.). Todos estes tiveram papel importante na formao de doutrinas, rituais e graus

    de progresso. O que mais isenta o facto de que muito do que h na Maonaria foi

    herdado do paganismo antigo e religies ocultistas medievais.

    Logo a Maonaria moderna fruto dessas infuses ocultistas. No anulando

    tambm os aspectos prprios de sindicatos que ressaltam atravs de smbolos fustes

    morais (agora revestidos de aspectos espirituais). (htt://www.cacp.org.br/

    maonaria.htm).

    De acordo com Mrio Matos, na sua obra contos e fadas, pelo menos em Santo

    Anto, S. Vicente, So Nicolau, Santiago e Fogo, havia associaes consideradas

    secretas e que funcionavam activamente.

    Segundo as pessoas mais velhas, os maons cabo-verdianos, vestem de branco

    da cabea aos ps, durante a noite entre s 23 e 3 horas da madrugada, principalmente

    nas noites de lua cheia. Aproveitam as noites de teras e sextas-feiras, para subirem nos

    seus cavalos ou em carros de muito esplendor arrastando correntes de ferro pelas suas

    ribeiras das suas localidades de residncia produzindo um grande barulho metendo

    medo as pessoas. Assim sendo, a partir das 22 horas ningum atrevia em sair a rua.

    Nos dias em que os maons estivessem a desfilar levavam a frente os chamados

    varredores. Estes eram considerados menos perigosos que os maons e ao

    aproximarem duma criatura na rua falavam com ela, perguntando se os tinha

    reconhecido e logo de seguida mandavam-na esconder do lado oposto ao vento para queno fosse apanhada pelos que estivessem a trs sob pena de serem apanhados e por

    vezes mortos.

    Os mosong ao aproximarem-se de algum, dizem:

    J cheirou-me sangue real.

    Como os varredores eram bons, tentavam persuadi-los e desviando-os a sua

    ateno e assim a pessoa ficava salva passando de fininho.

    Mas, se por algum azar, a pessoa que fosse apanhada por um mosong erachicoteada e depois abandonada em lugares isolados e sem gente.

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    Era costume, entre os mosong escreverem cartas, aproveitando determinadas

    pessoas de quem no simpatizam, como portadoras para que depois sofressem revezes e

    alteraes psquicas, que podiam lev-las ao desespero e por conseguinte a morte. Essa

    carta era uma espcie de contrato entre os maons. Nesse contrato comprometia-se a

    entregar uma cabea por ano e por isso, essas cartas serviam para entregar essa

    cabea, neste caso o portador, no conseguindo a cabea do portador odiado, enviavam

    um familiar e no conseguindo este, seria a sua prpria cabea entregue.

    Assim, as pessoas, amedrontadas no saam a noite no horrio referido

    anteriormente sob pena de serem atacadas, os mosong aproveitavam a ocasio de

    contrabandearem o seu aguardente que na poca era proibida o seu comrcio.

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    CAPTULO IV

    4 - SUPERSTIES RELACIONADAS COM MOMENTOS IMPORTANTES

    DA VIDA E CERTOS EVENTOS CULTURAIS DA ILHA

    Os momentos importantes da vida do indivduo so geralmente marcados por

    rituais religiosos. assim que o Nascimento, o Baptismo, o Casamento e a Morte so

    acontecimentos a volta dos quais podemos reparar elementos de ndole supersticioso

    que passamos a falar.

    4.1NASCIMENTONascimento, um acto que marca o incio da vida de um indivduo.

    Na sexta noite, aps o nascimento duma criana habito os familiares e

    amigos reunirem-se em casa dos pais do recm-nascido a fim de comemorar o seu

    nascimento, mas com a maior preocupao de proteg-lo das bruxas (guarda-cabea).

    A cerimnia de guarda-cabea, surgiu desde os primrdios do povoamento da

    ilha de Santo Anto, na sequncia da morte de um elevado nmero de crianas na

    primeira semana depois do seu nascimento. Tudo isso, levou a criar na mente das

    pessoas a crena de que havia algo de misterioso relacionado com essas mortes.

    Mas na realidade, a morte das crianas era devido sobretudo ao ttano

    provocado, por vezes, pelo p de terra que as parteiras utilizavam na cura do umbigo

    dos bebs.

    Mas as pessoas no conseguiam explicar essa hiptese e atribuam a

    responsabilidade dessas mortes s bruxas.

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    Segundo Joo Lopes Filho, a cerimnia de guarda-cabea marca o fim do

    isolamento da me (fase de cuidados e apreenses) da criana e com os parentes,

    vizinhos, bem como o regresso da me s actividades e a sua reintegrao no grupo

    social mais vasto32.

    Assim sendo, comum nesta noite lavarem o beb e vestirem-no uma saia de

    baixo de cor preta j usada pela me e depois deitam-no na cama. Colocam debaixo do

    travesseiro uma tesoura que foi utilizada no corte do cordo umbilical sob forma de

    uma cruz, do mesmo modo colocavam um tero e a vo lta colocam ramos de mote de

    ch como alecrim e arruda.

    Esta actividade supersticiosa cremos ser de origem Portuguesa, tendo em conta o

    que diz Tefilo Braga o cheiro de alecrim () em ramos tem poder contra os

    feitios33.

    Tambm para reforar a proteco do recm-nascido, defumam a casa com gros

    de caf e ervas aromticos como alecrim, alfazema, arruda e losna.

    Esta prtica supersticiosa, pensamos ser tambm de origem europeia e remonta o

    sc. XVI. Segundo Tefilo Braga a cada passo se depara com esta persistncia

    tenacssima dos costumes; ainda hoje o povo de Lisboa defuma as casas com alfazema,

    como na primeira metade do sc. XVI notava Antnio Prestes, com eficaz contra os

    espritos:

    Vs defumais

    Esta casa com alfazema.

    (Autos, p. 398).

    As plantas aromticas, como arruda, o mentrasto, o orgevo (verbena) e outras

    muitas so os especficos peculiares na medicina mgica popular, em que o histerismo eo estado febril so ar-mau ou bruxedo34.

    Para impedir que a bruxa ultrapassa o limiar da casa, costume pr sal, enxofre

    e semente de mostarda, cuja mistura se faz uma cruz no batente da porta enquanto se vai

    pronunciando o nome da bruxa. Tudo isso para afastar a fetesera de rob ezed,

    32LOPOES FILHO, JooRetalhos do Quotidiano, Editorial caminhos, Lisboa, 1995, p. 35.

    33BRAGA, Tefilo, ob cit , p. 57.34BRAGA, Tefilo, ob.cit. p.59

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    principalmente fetesera de rebera de janela, ke te km na got, te km na katxor

    como canta Cesria vora, a Diva dos ps descalos.

    Ainda, nesta noite cantada uma msica pela me:

    kem kr kria se mnime gordin

    del robe de legartija, del gril, del kevonhote

    detel ne paia de kana, kobril ke

    pega-saia mod bruxa n bekmel

    kem tem se oi tx daga

    b kel l pa mar vermei.

    Antes da meia-noite, ningum na cerimnia pode dormir, porque a ateno de

    todos necessria para evitar a entrada da bruxa.

    Para alm das prticas supersticiosas: a volta da guarda-cabea, h outras

    tambm dignas de destaque:

    - A primeira gua com que se lava um recm-nascido de sexo feminino lanada dentro de casa porque a fortuna da mulher est dentro de casa, se for

    de sexo masculino a gua ser lanada fora da casa uma vez que o homem

    ter de buscar a vida fora de casa;

    - Deve-se guardar muito bem o umbigo do recm-nascido porque se foragarrado pelos ratos, quando ele cresce ficar ladro;

    - mau agoiro colocar um recm-nascido a frente de um espelho porquediabo poder carreg-lo;

    - O beb fica manso se dado para beber a gua de que foi lavado.

    Em Santo Anto, para precaverem os recm-nascidos das oiadas das bruxas,costumam as mes dependurar-lhes, ao pescoo ou esconder-lhe na regio abdominal,

    um esguarde, uma espcie de par-raios neutralizador das nefastas aces da oiada.

    Alm dos esguardespara afugentar as bruxas, os filhos de Santo Anto utilizam outros

    tipos de esconjuros:

    a)

    Figa konhota, bordolega, merda de goteTemporal de senhor Son Jon

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    Se b fetecera, bn de keme-m

    Se b bruxa, bo n de bruxe-m.

    b)

    Leva o que trouxeste

    Deus me benza com a sua Santssima Cruz

    Tu s o ferro, eu sou o ao

    Tu s o Demnio, eu sou o embarao

    Em nome do pai, do filho e do Esprito Santo.

    4.2. BAPTISMOO Baptismo como sendo o primeiro sacramento das leis da Igreja, transforma

    uma criatura num cristo, surgiu no contexto social como uma das manifestaes

    religiosas.

    um sacramento de grande importncia no seio da populao catlica, assim

    preocupao da famlia baptizar a criana principalmente quando adoce.

    Segundo Joo Lopes Filho as funes catlico-tradicionais do baptismo

    incluem curas de doenas fsicas nos primeiros meses de vida, alm de livrar o pago

    de cair no limbo, lugar indefinido, semi-escuro, privado da viso de Deus para sempre.

    Criana que morre sem ser baptizada pag, a sua alma fica sem descanso e vai para

    o limbo, mas se baptizada um anjinho e vai para o cu35.

    Por este motivo, os pais (casados na igreja) baptizam os seus filhos, alguns dias

    ou meses aps o seu nascimento. Os pais que vivem em regime de unio de facto ou

    casados apenas no civil, baptizam o filho depois de terem frequentado a catequese que

    comea a partir dos seis anos, pois, segundo a lei da Igreja Catlica, os pais que vivem

    nessa situao no esto em condies de ajudar os filhos a viver o baptismo.

    Mas, no caso de doena grave numa criana na situao atrs mencionada ela

    ser baptizada imediatamente. E se o padre estiver ausente da ilha ou da localidade ser

    baptizada por qualquer pessoa que baptizada, de preferncia crente da Igreja catlica.

    35LOPES FILHO, Joo, ob. cit. p. 35

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    Esta prtica no chamada de baptismo mas sim denominada de fazer cristo), que

    feita do seguinte modo: derramam-se gua sobre a cabea da criana invocando o nome

    da mesma acrescentando: eu te baptizo, em nome do Pai, do Filho e do Esprito

    Santo. Caso a criana no morra o acto ser concludo, pelo sacerdote no futuro.

    Mas para realizar o acto do Baptismo necessrio testemunhas que so os

    padrinhos. Os padrinhos so escolhidos pelos pais da criana levando em considerao

    as leis da igreja: ser catlico praticante, ser crismado, ter idade igual ou superior aos

    dezoitos anos, responsvel e capaz de assumir o papel dos pais na ausncia.

    Se as pessoas escolhidas possurem esses requisitos a igreja orienta em curso de

    preparao para o Baptismo atravs duma pessoa entendida na matria a fim de

    manterem uma relao slida com o afilhado.

    Terminando o curso, marcado a data do baptismo e comea-se a preparar a

    festa.

    No acto do Baptismo, se a criana no chorar porque no chegar aos dez anos

    de idade. muito bom levar a criana que vai baptizar vestida de anjo porque livra-as

    de perigos e d-lhes felicidade.

    Segundo a igreja catlica para ser cristo e obter a salvao necessrio o

    Baptismo.

    4.3. CASAMENTOO casamento um acto de grande importncia na cultura do santantonense, no

    s por ser um sacramento da santa Igreja mas tambm por trazer em si manifestaes e

    rituais que marcam profundamente a vida de cada indivduo.

    No casamento tradicional, j em decadncia, apesar das transformaes

    sistemticas nas sociedades, ainda se cultiva alguns aspectos tradicionais e

    supersticiosos.

    O processo do casamento inicia-se com a aceitao do namoro. Quando os pais

    se encarregarem de escolher o namorado ou a namorada, aos seus filhos, os primeiros

    contactos eram oferecer flores de alecrim, cravo ou grama, para demonstrar o amor que

    sentiam.

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    Quando a menina ia lavar na ribeira, de vspera mandava uma folha de ervilha

    ao namorado, se ia passar todo o dia, e, se ia demorar s meio-dia, chegava as mos do

    rapaz apenas meia flor. Da mesma forma, quando o namorado chegava do campo ou de

    outro paragem, mandava a moa uma flor losna que significava que teve um dia

    amargo e que estava cansado.

    Havia tambm formas de terminar o namoro simbolizado por uma triste flor de

    tribinha36.

    A conquista e a fase do namoro decorriam nos lugares mais afastados da casa: na

    ribeira como havamos mencionado ou lugares prximos das encostas e era s do

    conhecimento dos dois jovens e, por vezes, dos amigos ntimos.

    Depois do namoro estar firme entre os dois, a rapariga entregava um sinal ao

    rapaz que podia ser uma pedrinha, uma ataca de cabelo ou outro objecto pessoal,

    mediante este sinal o rapaz podia fazer o pedido de casamento ao pai da moa que

    consistia em entregar uma folha de papel selado. Quem entregava o pedido era pessoa

    de muita confiana do rapaz, normalmente o pai, o padrinho, um amigo ntimo ou

    tambm, por uma pessoa que tinha um certo prestgio social.

    Os dias da semana mais adequados para fazer o pedido de casamento so Sbado

    ou Domingo.

    No oitavo dia, aps a entrega da carta, o pai da noiva, enviava uma carta ao

    rapaz caso no houvesse nenhum desacordo, aceitava-o como futuro genro. O rapaz

    chamado para a casa da moa a fim de acertar a data do casamento e para os arranjos

    que comeavam a ser comemorados com um bom grogue.

    Aproximando-se o dia do casamento, fazia-se o baile de lenha de boda em que

    os convidados iam procurar lenha para a festa e no regresso eram recebidos pelas

    roncadeirase tocadores.

    Os noivos no se podiam avistar pelo menos trs dias antes do casamento,porque, conforme a tradio, isso traria algum azar para os mesmos.

    Colocam uma bandeira nas casas dos noivos e convidados o que simboliza

    solidariedade e alegria. Por conseguinte uma das tradies que ainda hoje

    preservada. Os convidados e vizinhos chegam a casa dos noivos, com balaios de comida

    que so recebidos com o pt sade em que um grupo de senhoras entoa canes

    sentimentais como:

    36flor de planta vulgar e amarga

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    Nh Miguel Pelnr b pe Merca

    o l l, l l

    pel b beska kama de Merca

    o l l, l l

    pel bem kas ma menininha nova

    o l l, l l

    kel mnina branka de kebel kuskuz

    o l l, l l

    kond pens k kama de Merca

    o l l, l l

    era ormoson de p de pulgeira

    o l l, l l

    o o roncadra ronk bexim

    o l l, l l

    tu d pe konta de Sra. Noiva

    o l l, l l

    kel reinha ne s polose

    o l l, l l

    Senhor rei mende-m ben ei noce parta

    o l l, l l

    ke Ntem fome ne nh berriga

    o l l, l l

    i N ten sede ne nh garganta

    o l l, l lvida e sade pe Senhora noiva

    o l l, l l

    kel rainha ne s polce

    o l l, l l

    oje min mnha b

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    Nesses dias que antecedem o casamento, os noivos vestem-se de branco e a

    noiva a partir dai, passava a usar um rosrio branco ao pescoo, e uma fita branca nos

    cabelos. Deixava de sair a noite para que no fosse apanhada por um gongon.

    O casamento era marcado para os meses de Abril, Maio e Junho para que os

    noivos pudessem ir trabalhar nas guas, e porque as pessoas idosas acreditam que o

    ms de Agosto traria desgosto e os outros meses subsequentes eram desaconselhveis,

    devido a escassez dos mantimentos armazenados.

    Na vspera do casamento em que os preparativos eram redobrados para que a

    comida e a bebida fossem suficientes e as pessoas fossem bem recebidas, os cuidados

    tambm com a noiva eram redobrados, para evitar a sua aproximao do noivo uma vez

    que podia trazer azar e tambm conservar a noiva pura.

    Nesse dia, a noiva veste-se de verde, como smbolo que representa a esperana

    de alcanar o sacramento de matrimnio e permanece no quarto para pensar na sua vida,

    nas suas responsabilidades futuras.

    Ao longo da noite chegara a madrinha de casamento com as suas companhas.

    Ao aproximar-se da casa da noiva mandava atirar um foguete que era respondido

    imediatamente, e logo saa um grupo de roncadeiras e tocadores para receb-la. A

    partir dai, a madrinha tomaria conta da noiva at a consumao do casamento.

    Ao chegar a madrugada do dia do casamento, a madrinha comea a preparar a

    noiva para a cerimnia, comeando com o banho da purificao. Depois do banho

    penteava e vestia a noiva de branco como sinal de pureza, combinado com um vu

    branco, que cobria-lhe totalmente a face e finalmente colocava-a numa cadeira no meio

    da sala devidamente ornamentada com lenis ou colchas onde a noiva permanecia at

    o momento da partida para a igreja. O noivo tambm em sua casa o seu padrinho seguia

    o mesmo ritual.

    Chegando a hora da partida, vinham as roncadeirascom o pt sade a noivachorava como nunca tinha feito, pois, se no chorasse ali, no precisaria nem faz-lo no

    dia da morte do marido.

    O noivo chegava em casa da noiva, para tom-la, evitando ficar num plano

    superior a casa, o que segundo a crena popular, poderia provocar infelicidade. E os

    padrinhos de baptismo da noiva vinham abeno-los. Mas se um dos dois fosse vivos

    ou os dois, chamavam uma pessoa ou duas de sua confiana e reconhecida por sua

    conduta para abenoar os noivos antes da partida.

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