A Ilustre Casa de Ramires - Trabalho Final

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Leitura desta obra à luz dos ideais da Geração de 70.

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Temas de Cultura Portuguesa II – Trabalho Final Professora Dra. Ana Nascimento Piedade

Mestranda: Dina Carvalho Aparício Ano Letivo: 2010/2011

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A Ilustre Casa de Ramires

- Retrato de uma «Pátria» em decadência

Em 1890, Eça de Queirós decidiu escrever um conto intitulado “A Ilustre Casa de

Ramires”, anunciado na Revista de Portugal. Contudo, no ano seguinte, a obra era já

extensa e, em 1893, contava com 180 páginas. Na época, estava em voga a publicação de

dramas patrióticos, mas o autor não pretendia, nesta sua terceira fase de produção

literária1, um romance histórico, mas um pastiche do género, por isso “decidiu inserir a

novela medieval dentro de um romance de costumes” (MÓNICA, M. F, 2001: 343). Em

1897, a obra começava a ser publicada na Revista Moderna, em folhetins, que, entretanto,

foi encerrada o que comprometeu a continuidade da publicação. O falecimento de Eça, em

1900, deixou a obra incompleta e a revisão das últimas provas foi entregue a Júlio

Brandão. O Manuscrito desapareceu, o que nos levanta dúvidas sobre a quem atribuir a

conclusão da obra (ibid., 344).

Ora, este romance – o último de Eça de Queirós – tem sido objeto de menos

atenção dos estudiosos do que as obras correspondentes à fase realista/naturalista do

autor, apesar da sua riqueza estético-literária, pela “pluralidade de leituras, desde as

simbólicas, que o próprio texto sugere, às que percorrem os caminhos da escrita da novela

histórica que o protagonista constrói, à que procura dar conta do entrelaçar do romance

com a novela […]” (DUARTE, I. M., 2004: 215). A intenção de Eça, ao escrever um

romance de natureza histórica, suscitou algumas explicações, como “mostrar como era

possível, depois do realismo, continuar a escrever romances históricos, libertos dos

estereótipos de género e da retórica romântica […]” (ibid., 220). Hernâni Cidade,

contestando uma crítica de Costa Pimpão2 a este romance, destaca a influência que a

1 Esta terceira fase realista do autor evidencia, segundo Maria Aparecida Ribeiro, não um retrocesso em termos

estilístico-literários, mas “a sua constante reflexão sobre a arte de um modo geral e sobre o fazer literário em particular” (2000: 181). 2 Escreve Costa Pimpão, em Escritos Diversos, de 1972: “Desta breve análise à essência moral do romance, parece-me

poder concluir que não há nele duas faces: uma voltada para o passado, outra voltada para o presente, mas uma face

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antiga energia do passado heroico pode ter na afirmação do presente e na reconstrução do

futuro:

Nenhum romance histórico […] é, tanto como este, adequado à demonstração da eficácia do

género para a ressurreição duma alma amortecida, por insinuação das energias evocadas de

antepassados históricos. Pode, talvez, admitir-se como possível de Eça a tese da ineficiência

da novela histórica no fortalecimento das energias coletivas. Mas seria bem estranho que,

para provar tal ineficácia, se pusesse tão poderosamente evidente a transformação, por uma

novela duma vida individual (CIDADE, H., 1975: 65).

O enredo principal da obra conta-nos “a vida de Gonçalo Mendes Ramires, bacharel

de Direito por Coimbra, descendente de uma casa anterior ao reino de Portugal” (MATOS,

A. C., 1993: 508), contemporâneo do Constitucionalismo e das consequências trazidas por

uma crença social exacerbada no positivismo, perfeitamente identificável com a

desorientação e o desencanto sentidos pelos “Vencidos da Vida”, os sobreviventes da

Geração de 70 que acreditaram na renovação social a curto prazo. Gonçalo Ramires,

inflamado pelos ideais patrióticos de Castanheira, um colega de Coimbra, resolve escrever

a história dos seus heroicos avoengos – A Torre de D. Ramires -, uma “novela onde

pretende reconstruir a vida dos seus antepassados e restaurar o sentimento de amor a

Portugal, ganhando, assim, do mesmo passo notoriedade e importância” (ibid., 807). A

escrita surge na sua vida não como um talento ou um apelo naturais, mas pela sua

necessidade de dinheiro e de ascensão social, um meio através do qual poderia chegar a

deputado em Lisboa e resolver os problemas que o afligiam e, apesar da sua origem

aristocrata, o confrontavam com uma existência dual, compactuando com o jogo de

interesses e conveniência social que lhe permitiriam ascender socialmente. Baseado num

poema deixado pelo tio Duarte e pelo Fado do Videirinha3, sem outras pesquisas mais

credíveis e adicionais, vai escrevendo a história dos Ramires e contactando com os feitos

heroicos de uma família que, ao longo dos séculos, acompanhou o processo e formação e

expansão da nacionalidade, destacando-se por valores caídos em desuso – no presente

de Gonçalo – como a honra, a lealdade, a coragem, o autossacrifício. Enquanto escreve,

depara-se com aquilo que lhe falta, embora, como o leitor se vai apercebendo, algo de

bom lhe permanece nos genes. Fidalgo falido, dono de uma Torre em ruínas, revela-se

cobarde ao fugir de Casco e mandá-lo prender injustamente, depois de lhe ter prometido

que lhe arrendaria as terras e ter faltado à palavra em prol de um negócio mais proveitoso,

única: a condenação do nacionalismo literário, de expressão tradicionalista, como fator de regeneração moral e de progresso social” (apud CIDADE, H., 1975: 64). 3 Ajudante de farmácia, filho de padeiro e da costureira da Torre, é o autor dos Fados de Ramires, acaba por ser

promovido a amanuense da administração do concelho de Vila Clara, aquando da promoção de Gonçalo a deputado.

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aproveita esse facto para se aproximar de André Cavaleiro, seu inimigo visceral – não

obstante o esforço e os problemas de consciência que isso lhe trouxe -, pois, após a morte

de Lucena, o velho deputado que se representava Oliveira em Lisboa, seria ele “a fenda”

que lhe permitiria ter assento na Assembleia. A sua ganância pelo lugar fê-lo sacrificar a

honra da própria irmã que representava aquilo que a descendência dos Ramires tinha

como mais puro e intocável, facilitando o seu adultério com André Cavaleiro, seu antigo

namorado que, vergonhosamente, lhe faltara às promessas feitas. Pondera, ainda, casar

com D. Ana de Lucena, mulher que, de início, o repugna, mas que, depois de conhecer o

seu interesse nele – belo fidalgo português - e o valor da sua renda de duzentos contos de

réis, o tenta e cativa.

Por outro lado, temos um Gonçalo capaz de ser naturalmente generoso, como se

pode ver pela forma como empresta a sua égua a um homem ferido, como trata a família

do Casco que lhe aparecem na herdade, numa noite de chuva, a suplicar pela libertação

do homem, agasalhando a mulher com a sua própria capa e tratando do filho que estava

doente, curando-o na sua casa. Notamos a sua delicadeza de sentimentos quando o avô

de Rosa de Rio Manso lhe descreve o dia em que o observou brincar com a neta, ainda

criança, e presenteá-la com um belo ramo de rosas. Percebemos a voz da sua

consciência, a sua divisão interior, quando sabe que não age bem, e que as suas

ambições políticas, independentemente da necessidade de dinheiro e estabilidade, se

prendem também com a crença de que a verdadeira aristocracia deve fazer parte da elite

dirigente do País.

João Medina, num artigo de 1973, compara Gonçalo a Hamlet4, o príncipe da

Dinamarca que, alertado pelo fantasma do pai, se apercebe da podridão moral e social do

reino. Esta analogia remete-nos, de imediato, para a novela histórica que Gonçalo se

esforça por escrever, pois, é através da narração – alimentada pela imaginação do autor –

da história dos Ramires que lhe permite fazer o contraste entre

o Passado heroico, viril e afirmativo dum Portugal medievo, cheio de virtudes, anterior ao

absolutismo […] e o Portugal contemporâneo de Eça, o Lilliput constitucional, hamlético,

decaído, afrancesado, onde vagueia o doido da Pátria de Junqueiro, abraçado ao livro que

fundiu a epopeia e o epitáfio num mesmo canto (1973: 27).

Temos, desta forma, o antagonismo evidente entre o Portugal afonsino, forte e ativo,

das grandes conquistas e o Portugal “bragantino, constitucional, finissecular, arruinado,

4 MEDINA, João (1973) – “Gonçalo Mendes Ramires, personagem hamlético”, in Colóquio / Letras, nº 14, pp. 27-39

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sem energias morais nem físicas” (ibid., 27-28). Neste contexto, a estirpe dos Ramires,

outrora ativa na construção da nacionalidade, está agora confinada ao hamlético Gonçalo,

em toda a sua humanidade e consequente pluralidade, “príncipe sem principado numa

Dinamarca que é uma prisão, num país onde uma secreta e invisível chaga gangrena a

alma dos seus filhos” (ibid., 28) – a chaga da imobilidade, do comodismo, da inatividade,

fruto da “vitória do liberalismo capitalista e da instauração dum governo baseado na ideia

da representatividade e, portanto, das maiorias” (id.). Simbólicos deste abatimento dos

Ramires são a Torre de Sta. Ireneia em ruínas, votada ao abandono, e o esboroamento do

brasão da família, lembrando-nos que “aquilo que foi glória é agora tristeza e miséria” (id.).

No entanto, não devemos convencer-nos que esta obra transmite uma visão

definitivamente pessimista da crise identitária nacional. O processo de narração das

honras e façanhas do passado exercem em Gonçalo um efeito catártico, favorecendo a

sua autognose e crescimento. No dia em que enfrenta, com um chicote dos antepassados,

o “rapaz das suíças louras” que o provocava – o Ernesto das Narcejas -, Gonçalo, que até

aí se comportava de forma apática e cobarde, metamorfoseia-se e torna-se herói

reconhecido, regenera-se como se, através desse castigo exemplar, concretizasse o

resgate nacional do traumatismo e da humilhação provocados pela agressão estrangeira

(id.).5 Ao enfrentar o rapaz que o provocava, Gonçalo, com os genes dos seus

antepassados e a memória inflamada pelo heroísmo que sempre os distinguiu, transforma-

se naquilo que em Portugal ainda “subsistia como autêntico, positivo e carregado de

esperança futurante” (ibid., 29).

Ao resgatar a honra dos Ramires, o Fidalgo assume-se como um “retrato-símbolo

do País”, resgatando a comunidade e avivando a nossa memória coletiva. “A resposta

parece ser só uma. Pelo recurso aos fundamentos mesmos da nacionalidade, ou seja,

reacordando as forças duma nação prostrada, mas ainda capaz de grandeza e de vida”

(ibid., 30). A restauração da Torre6 e de todo o seu simbolismo significa a reconstrução de

Portugal, não pelo exterior, “mas por uma conversão interna, por uma alquimia da alma

coletiva” (id.). A partir do momento da sua metamorfose interior, Gonçalo recupera a sua

“verdadeira estatura” e recusa a apatia hamlética, inibidora de uma ação positiva e

5 Note-se que o Autor insiste na descrição física de Ernesto das Narcejas – as suíças louras e a palidez da sua pele – o

que nos faz lembrar as características fisionómicas dos ingleses. Nesta altura, Inglaterra era símbolo de humilhação nacional, devido ao Ultimatum Inglês. 6 Na tradição cristã, a Torre é um “símbolo de vigilância e ascensão” – espreitar eventuais inimigos, mas também

intensificar as relações entre Terra e Céu, a harmonia e a unidade (CHEVALIER, J. e GHEERBRANT, A., 1994: 649).

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edificante. Revê os seus valores, afasta-se da política e os jogos de interesse, procurando

na aventura e no esforço pessoal a fortuna que um fidalgo da sua estirpe merece e

consegue adquirir por meios legítimos. Parte para África7, enriquece à custa do trabalho,

regressa a Portugal e casa com Rosinha de Rio-Manso. João Medina atribui a sua

salvação ao facto de se impor pela vontade própria, pelo sentido de aventura e renovação,

que seria a fórmula para “redescobrir Portugal, reaportuguesar os Portugueses, sair do

sonho dogmático em que vivem como sonâmbulos, acordar as energias latentes que neles

dormem, reencontrar o País real” (1973: 39).

Este romance parece-nos o culminar do processo de problematização e

consciencialização da realidade portuguesa, iniciado pela Geração de 70 que, através da

Questão Coimbrã, ao mesmo tempo que anunciava o despertar de uma nova forma de

Arte, “implicou uma perspetivação global do País e a tentativa consciente de conjugação

de objetivos de ordem filosófica e literária, mas, também, de ordem social e política”, que

passava por uma atitude regeneradora e de «revisão de valores» (PIEDADE, A. N., 2008:

146). Este grupo de jovens, que se destacou na sua época, não só pelo seu «europeísmo

cultural», mas também pela busca das «raízes históricas da decadência» (id.), propunha

uma reforma do estilo de vida e da literatura, como forma de reeducar mentalidades – a

Arte ao serviço da sociedade, à luz do positivismo científico que (sobre)valorizou o coletivo

em detrimento do individual. Por conseguinte, consideramos que o conteúdo ideológico e

cultural d’ A Ilustre Casa de Ramires reflete uma postura consciente dos efeitos que o

excesso de positivismo e de «civilização» tiveram no ser humano, o que acaba por se

traduzir na modernidade e atualidade do pensamento eciano. Conhecedor do mundo e dos

homens, percebeu que as respostas não se encontram em laboratório. Enquanto jovem, foi

apologista da «civilização» cuja ponte de acesso era a Europa, mas, mais tarde, reconhece

que a esta mesma «civilização», outrora tão promissora, abafou o que o homem tem de

mais genuíno – o encontro consigo próprio e com a sua natureza -, tornando-o num ser

amorfo e melancólico:

Eu ainda me recordo de ter ouvido, na minha infância e na minha terra, a gargalhada – a

antiga gargalhada, genuína, livre, franca, ressoante, cristalina!... Vinha da alma, abalava

todas as vidraças duma casa, e só pelo seu toque puro, provava a força, a saúde, a paz, a

7 A referência a África e ao colonialismo tem gerado alguma discussão entre os estudiosos, por ser ambígua e aberta a

duas posições opostas por parte do Autor. Nesta investigação, este pormenor parece-nos pouco significativo, visto que concordamos com João Medina quando refere que África, nesta obra, simboliza a necessidade de esforço, empenho e espírito de aventura para poder haver renovação. Acrescentamos que esta obra de Eça teve uma “preferência especial” pelo regime de Salazar, precisamente pela leitura pró-colonialista.

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simplicidade, a liberdade! […] Eu penso que o riso acabou – porque a humanidade

entristeceu. E entristeceu – por causa da sua imensa civilização. […] Os homens de ação e de

pensamento, hoje, estão implacavelmente votados à melancolia” (QUEIRÓS, E., 2000: 214-

215).8

A ausência de autenticidade do ser humano conduziu-o à apatia e à incapacidade

para a ação que Eça critica na sua obra, em geral, e no romance em estudo, em particular.

Por outro lado, em 1893, no artigo “Positivismo e idealismo”, o Autor manifesta-se sobre a

reação contra o naturalismo e a necessidade que o indivíduo voltou a ter de algo que lhe

alimentasse a alma, a imaginação, atribuindo ao positivismo científico a causa do

descrédito em que caiu o movimento realista: “A causa é patente, está toda no modo brutal

e rigoroso com que o positivismo tratou a imaginação, que é uma tão inseparável e

legítima companheira do homem, como a razão.”9 Tal como reforça Carlos Reis, “a

evolução literária queirosiana não constituiu, na década que vai de 1880 a 1890, um

processo isolado; ela inscreve-se na crise de confiança que atinge a cosmovisão

naturalista e […] a crença na suposta coesão dos valores do Positivismo”10.

É precisamente neste ponto, neste acompanhar do fluir dos tempos, na

problematização e consciencialização da necessidade de seguir em frente, rumo à

modernidade, que Eça de Queirós retoma o seu alter ego Fradique Mendes. Relembramos

que Fradique começou por ser uma produção coletiva, criada, entre 1868-1869 por Eça,

Antero e Batalha Reis, numa tentativa de agitar a apatia de Lisboa, pela sua atitude

satânica e provocadora11 e que, ressurge uma segunda vez, em 1870, fruto de uma

parceria de Eça e Ramalho Ortigão. Em 1885, “praticamente coincidindo com o

distanciamento eciano face à ortodoxia naturalista, acontece a última e decisiva aparição

de Fradique Mendes, motivada agora por uma exclusiva iniciativa de Eça de Queirós que

[…] o configura como um mítico poeta-dândi”12, uma voz de “consciência dialogante e

problematizadora”, que permite a Eça libertar-se das ideias do passado, alargando a sua

intervenção à modernidade, aos novos tempos, adaptando-se-lhes e estabelecendo pontes

que prenunciam o aparecimento do grupo do Orpheu e a constante busca de respostas

para uma Pátria em decadência que – ainda – desconhece que a sua verdadeira

regeneração reside no indivíduo.

8 Excerto do artigo “A decadência do riso”, in História Crítica da Literatura Portuguesa [Realismo e Naturalismo], Vol. VI.

9 In, Op. Cit., p. 218

10 Excerto do artigo “Fradique Mendes – origem e modernidade de um projeto heteronímico”, in Op. Cit., p. 239

11 Atitude decadentista tipicamente Baudelairiana.

12 PIEDADE, Ana Nascimento – “MENDES, Fradique”, in Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português, p.

450.

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Nesta perspetiva, Fradique Mendes consiste no intermediário entre o prognóstico

evidenciado pela obra A Ilustre Casa de Ramires, em que Eça defende o retorno aos

valores da elite aristocrática – por representar a genuinidade que poderá resgatar a Pátria

da decadência – e os princípios individualistas essenciais ao processo ontológico da

identidade nacional, o que nos remete para o ideário pessoano. Entre Fradique e Pessoa,

é visível uma “sintonia resultante de algumas afinidades que, não iludindo inegáveis

divergências, fundamenta, por outro lado, uma efetiva antecipação queirosiana do

modernismo pessoano”.13 Pelo seu individualismo exacerbado e pela atitude de rebeldia

contra “as normas e valores da sociedade burguesa”, o Fradiquismo “reflete com grande

antecedência, ainda que de forma ambivalente […] a decisiva mutação sociocultural que o

Modernismo protagonizou”.14

A Ilustre Casa de Ramires torna-se, assim, segundo Eduardo Lourenço, ao

relacionar o regresso de Eça a Tormes e a «simplificação bucolizante» da realidade

portuguesa como valor a cultivar e a exaltar, o “desnudar, sob o manto nem sempre

diáfano da fantasia, a verdade do mundo português” (2005: 97).

[A pátria] era realmente um ser vivo, capaz de metamorfose e redenção caseira 8e não por

abstrata África evocada), esse povo que ele descrevera, pintara como amorfo, fadista,

contente com a sua mediocridade como poucos? Teriam razão esses novos snobs – mistura

de Fradiques de entre Douro e Guadiana e de Gonçalos revividos – ao anunciar-lhe como

uma revelação a descoberta de um país único na sua rusticidade exemplar, mística sem

mística, país de cavadores líricos, de pescadores mais líricos ainda, de moinhos de farinha terrestre e celeste como António Nobre os acabava de sonhar, para cobrir com as suas asas

brancas a negrura do País perdido onde também os deuses lares o tinham feito nascer?

(ibidem, pp. 97-98)

A resposta à questão do “ser e o destino de Portugal como horizonte de aventura

literária converter-se-iam nos finais do século em autêntica obsessão” (ibid., 98) e, depois

de autores como Antero, Cesário Verde, Guerra Junqueiro terem convertido Portugal num

“conglomerado de diminutivos, aceita-se e explora-se na sua folclórica miséria” (id.). A

Pátria-Saudade de Teixeira de Pascoaes, filosoficamente, defende o retorno às qualidades

da Raça15 como redentora e dialoga com a Mensagem, de Fernando Pessoa, obra de

natureza mítico-simbólica, que anuncia um Quinto Império – não material, mas espiritual –

13

Ibidem, “Eça de Queirós”, p. 696. 14

Id. Ainda sobre Fradique e Pessoa, podem ler-se os artigos “Estratégias da Modernidade em A Correspondência de Fradique Mendes”, da autoria de Ana Nascimento Piedade, e “Fradique Mendes – origem e modernidade de um projeto heteronímico”, de Carlos Reis. 15

Palavra diversas vezes repetida por Eça de Queirós n’ A Ilustre Casa de Ramires, referindo-se ao que de genuíno nos foi transmitido pelos nossos antepassados, conceito coincidente com o utilizado por Pascoaes.

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que se concretizará, quando as forças psíquicas e genéticas latentes na nossa memória

coletiva acordarem para a necessidade de uma ação futurante e futurizante.

A perdição do indivíduo, vítima de uma sociedade massificada que ameaçava a

identidade nacional, assume-se como tema e ação central em Fernando Pessoa e na

Geração do Orpheu, pela urgência de afirmar o indivíduo na sua unidade e, no caso de

Pessoa, na busca do indivíduo por meio da pluralidade. Os escolhidos, os eleitos do Quinto

Império são todos os Gonçalos Ramires que sentem, dentro de si, o chamamento da

«Pátria». Uma «Pátria» que precisa de ser revigorada e resgatada pelos valores antigos

que ainda ressoam na alma dos descendentes de conquistadores e descobridores.

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