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A IMANÊNCIA DO DESEMPREGO NO TOYOTISMO: esboço ao conceito “poupar

trabalhadores” em Taiichi Ohno

RESUMO: O texto trata do conceito "poupar trabalhadores" sistematizado por Taiichi Ohno, engenheiro chefe de produção da Toyota, entendendo que o exame crítico de suas ideias, enquanto síntese tematizadora do núcleo duro do processo da reestruturação produtiva, nos revela o caráter acentuadamente eliminador do trabalho vivo presente no capitalismo contemporâneo. A análise crítica de tal conceito evidencia que o fenômeno do "desemprego estrutural", do "desemprego crônico" lhe é íntimo, lhe é imanente. Conforme veremos, o toyotismo pressupõe em seu conteúdo a demissão de trabalhadores; e toca sua política sistemática de redução de força de trabalho, fundamentalmente, lançando mão de quatro importantes frentes estratégicas. Palavras-Chave: Toyotismo, Poupar Trabalhadores, Desemprego. ABSTRACT: The text deals with the concept "save workers" systematized by Taiichi Ohno, chief engineer of production of the Toyota, understanding that the critical examination of ideas, while synthesis that thematizes the hard core of the process of productive restructuring, reveals the character sharply eliminator of work living present in contemporary capitalism. The critical analysis of this concept shows that the phenomenon of "structural unemployment", of "chronic unemployment", is her intimate, it is immanent. As we shall see, toyotism presupposes in its contents the workers dismissal; and plays its systematic policy of reduction of the work force, mainly, by resorting to four important fronts strategic. Keywords: Toyotism, Save Workers, Unemployment.

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1 – INTRODUÇÃO

O texto que se segue constitui-se, tão-somente, um esboço ao entendimento do

conceito "poupar trabalhadores" sistematizado por Taiichi Ohno (2007), frequentemente

referido como o "pai do toyotismo", em sua clássica obra intitulada O Sistema Toyota de

Produção: além da produção em larga escala.

Empreendemos esse esforço analítico sobre as ideias do engenheiro chefe de

produção da Toyota por entendermos que tal exame nos revela um elemento importante na

compreensão do que Mészáros (2009) chama de "a emergência do desemprego crônico". A

análise crítica do autor e da obra síntese que tematiza o núcleo duro do processo da

reestruturação produtiva iniciada na década de 1970, a forma de gestão e organização do

trabalho toyotista, revela, nos ajudando a compreender, assim avaliamos, o caráter

acentuadamente eliminador do trabalho vivo presente no capitalismo em seu momento

contemporâneo. O exame crítico do conceito "poupar trabalhadores", conceito chave nas

estratégias gerenciais do toyotismo, clarifica o entendimento do fenômeno "desemprego

estrutural" (Mészáros, 2009); e evidencia que tal fenômeno, o desemprego estrutural, a

acentuada eliminação de trabalho vivo, enquanto um desdobramento, já está contido no

conteúdo do sistema Toyota de gestão e organização do trabalho, evidencia que tal

fenômeno lhe é íntimo, lhe é imanente.

Conforme veremos, o toyotismo pressupõe em seu conteúdo a eliminação de

trabalho vivo, pressupõe a demissão de trabalhadores.

Antes, no entanto, é interessante e importante observar, no que concerne a

representatividade da obra de Ohno como expressão do sentido real do movimento da

reprodução do capital – e a este respeito chamamos a atenção do leitor –, que as ideias ali

contidas não correspondem a um caráter apenas de cunho teórico, mas também de cunho

interventivo. Sua obra não é a reunião de um conjunto de princípios que pessoalmente o

autor defende como normas ideais a serem seguidas; mas é, isso sim, o resultado de suas

reflexões teóricas no interior do exercício prático de organização da cadeia produtiva da

Toyota. Nela, contém os fundamentos de sua concepção de gestão e organização do

trabalho empreendidos no interior da fábrica da qual era engenheiro chefe, suas

experiências na implementação, suas dificuldades, as resistências, suas avaliações acerca

das adoções para além das fábricas da Toyota, etc.

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Para sermos breves, os expedientes estratégicos “flexíveis” da Toyota

apresentam-se como uma alternativa metamórfica do capital viável à produção em massa.

O sistema toyotista de produção consegue, entre outros aspectos não menos importante,

aliar um crescimento continuado da produtividade e, a um só tempo, reafirmar a

subordinação do trabalho ao capital, valendo-se de táticas mais sofisticadas de coerção e,

predominantemente, de persuasão sobre os empregados; consegue, concomitantemente,

associar o uso de máquinas e equipamentos dos mais avançados, com – o que aqui mais

nos Interessa destacar – um processo de trabalho redesenhado e enxuto.

É como fundamento conceitual desse processo de trabalho redesenhado e

enxuto que emerge o conceito, já sinalizado, de "poupar trabalhadores" – do qual nos é,

aqui, objeto de pesquisa.

2 - O “POUPAR TRABALHADORES” E AS ESTRATÉGIAS DE SUA

REALIZAÇÃO

Um bom ponto de partida para o entendimento ao conceito "poupar

trabalhadores" sistematizado por Taiichi Ohno em sua obra é a distinção que o próprio

autor faz entre este conceito e o de "poupar mão-de-obra". Enquanto o primeiro elimina a

necessidade de trabalhadores, o segundo apenas reduz o esforço do operário. Para o

sistema Toyota de produção o que interessa são medidas que visem poupar trabalhadores,

eliminar sua necessidade; e não medidas que visem apenas diminuir seus esforços, apenas

proporcionar uma existência mais confortável ao trabalhador. Conforme Ohno (2007, p.82)

diz a certa altura de sua argumentação:

Eu acho que este tipo de ação para poupar mão-de-obra está completamente

errado. Se a automação está funcionando bem, ótimo. Mas, se ela é utilizada

simplesmente para permitir que alguém fique mais à vontade, então ela é muito

cara.

Do ponto de vista do sistema Toyota, não tem sentido fazer investimentos que

resultem apenas em alívio do fardo do trabalhador. Afinal, em seu entendimento, e nas

palavras de seu engenheiro chefe, “Operário ainda É um operário" (OHNO, 2007, p.82). A

tecnologia só é válida caso substitua definitivamente trabalhadores.

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Poupar trabalhadores, reduzir o número de operários necessários à produção,

fazer redução do quadro de funcionários, é um aspecto central no toyotismo. Ohno (2007,

p.132) é bastante claro nesse sentido: "Na Toyota, estabelecemos um novo objetivo –

reduzir o número de operários". E em outro momento de sua argumentação, após destacar

que a temática do enxugamento de pessoal foi uma das suas grandes inquietações no

desenvolvimento do seu método gerencial, ele diz: "Nos negócios nós estamos sempre

preocupados em como produzir mais com menos trabalhadores" (idem, p.82).

Como sintetiza Benjamin Coriat (1994, p.33), um renomado entusiasta do

toyotismo, "no espírito Ohno, a fábrica mínima é primeiramente e antes de tudo a fábrica

de pessoal mínimo".

Para o “pai” do sistema japonês, o "poupar trabalhadores", a redução da força

de trabalho, constitui-se em seu grande objetivo, em sua grande preocupação no cotidiano

da produção, precisamente por que esta medida é, em verdade, segundo sua concepção

gerencial, uma redução de custos. Em seus entendimentos administrativos, a forma por

excelência para se reduzir custos é eliminando força de trabalho, eliminando trabalhadores.

No sistema Toyota de Produção, pensamos a economia em termos de redução da

força de trabalho e de redução de custos. A relação entre esses dois elementos

fica mais clara se consideramos uma política de redução da força de trabalho

como um meio para conseguir a redução de custos, que é a mais crítica das

condições para a sobrevivência e o crescimento de uma empresa. [...] A redução

de força de trabalho na Toyota é uma atividade que atinge toda a empresa e tem

por fim a redução de custos (OHNO, 2007, p.69-70).

Para possibilitar o "poupar trabalhadores", para que seja possível a

operacionalização dos cortes de pessoal, para que se consiga encontrar nos processos de

produção aquelas atividades que podem ser consideradas excesso, logo, passíveis de serem

eliminadas, Ohno lança mão de um outro conceito: o de "eliminação do desperdício". É

por meio da identificação dos desperdícios, dos excessos, que se torna possível eliminar

força de trabalho, limitar postos de trabalho. É o conceito de "eliminação do desperdício"

que dá sentido ao conceito de "poupar trabalhadores". Como sintetiza Ohno (2007, p.25),

"A base do Sistema Toyota de Produção é a absoluta eliminação do desperdício". Nela

encontramos o suporte e pedra de toque das estratégias de gestão e organização do trabalho

da Toyota para a realização do seu grande ou novo objetivo que é a redução do número de

operários.

Por desperdício o toyotismo entende como sendo os "excessos" (OHNO, 2007,

p.71), entende como sendo “todos os elementos de produção que só aumentam os custos

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sem agregar valor” (idem). Neste sentido, na conceitualização do ohnismo, o “desperdício”

tem duas grandes dimensões. Em todas elas, além da relação e significativa sobreposição

que possuem, há uma estreita e forte ligação, seja diretamente seja indiretamente – como já

indicamos –, com o conceito de "poupar trabalhadores".

A mais decisiva das dimensões do conceito de "desperdício" no sistema do

toyotismo diz respeito ao excesso de bens produzidos, que tem como consequência gastos

com o estoque e com toda a estrutura necessária à sua operação. Na Toyota, a produção é

resolutamente condicionada pela demanda, é a demanda que puxa a produção, de modo

que esta dimensão da "eliminação do desperdício" se dá pela mediação da fabricação de

"apenas a quantidade necessária" (OHNO, 2007, p.39). Diferente da produção em massa,

da produção nos moldes fordista, que via no estoque um meio para viabilizar a redução dos

custos de produção por meio da fabricação de uma grande quantidade do mesmo tipo de

produto (economia de escala), para o ohnismo o excesso de estoque representa custos e é,

nas palavras do próprio Ohno (2007, p.71), “o maior de todos os desperdícios”. O

toyotismo busca o chamado “estoque zero” (CORIAT, 1994) Para o autor (OHNO, 2007,

p.71), todos os outros custos são “desperdício secundário”.

Se na fábrica tiver muitos produtos para estocar, devemos construir um depósito,

contratar trabalhadores para carregar as mercadorias para este depósito e, provavelmente, comprar um carrinho de transporte para cada trabalhador. (...) No

depósito, seria preciso ter pessoas para prevenir contra a ferrugem e para a

gestão do estoque. Mesmo assim, algumas mercadorias estocadas enferrujam e

sofrem danos. Por causa disso, será necessário ter mais trabalhadores para

reparar as mercadorias antes da sua remoção do depósito para o uso. Uma vez

estocadas no depósito, as mercadorias devem ser inventariadas regularmente.

Isto requer trabalhadores adicionais.

Como bem clarifica Coriat (1994, p.34) sobre o papel que tem o estoque na

análise do desperdício e seus desdobramentos para o "poupar trabalhadores":

o estoque tem valor de instrumento metodológico. [...] Partindo do estoque para

descobrir o excesso de pessoal e racionalizar a produção é um ângulo de ataque

descoberto por sua vez por Ohno.

Ou seja, o estoque indica e sinaliza, além de um excesso de produção, um

excesso de equipamentos e um excesso de atividades improdutivas, indica e sinaliza

também um excesso de trabalhadores. Nas palavras desse autor (idem, p.32-33), “Há atrás

do estoque o excesso de equipamentos”; “atrás do estoque há um 'excesso de pessoal'”. A

presença do estoque indica e sinaliza que há trabalhadores desempenhando tarefas que

poderiam ser suprimidas do conjunto das atividades de produção e valorização do valor, e

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com essa supressão a eliminação de trabalhadores a elas vinculadas. O estoque é, portanto,

o principal indicativo para a "eliminação do desperdício" por meio da eliminação de força

de trabalho, do "poupar trabalhadores".

A outra dimensão do conceito de “desperdício” no sistema da Toyota diz

respeito ao excesso de movimentos por parte do trabalhador; trata-se dos movimentos que

não são de trabalho, movimentos que não criam valor em potência ao capital. Nesta

dimensão do conceito certamente está inclusa a concepção de desperdício das atividades

improdutivas oriundas da operacionalização dos estoque que mencionamos acima – o que

exemplifica a relação e significativa sobreposição entre as dimensões do conceito. Mas

está para além desse tipo de desperdício. Essa dimensão do conceito refere-se, sobretudo, à

porosidade da jornada de trabalho.

Assim como Taylor se preocupava com o tempo improdutivo, suprimindo os

movimentos inúteis e substituindo os movimentos mais lentos por outros mais rápidos,

através dos chamados estudos dos tempos e movimentos (TAYLOR, 2006), e Ford se

preocupava com o tempo perdido na passagem da matéria-prima de um trabalhador para o

outro e com o ritmo de produção, em boa medida, a mercê dos trabalhadores,

solucionando-os por via da esteira móvel, Ohno e o sistema de produção da Toyota, por sua

vez, e a seu modo, também tem sido metódico na eliminação desse tipo de “desperdício”.

Conforme destaca o autor (OHNO, 2007, p.74), sintetizando essa dimensão do seu

entendimento de "eliminação do desperdício":

frequentemente enfatizo que o movimento do operário na área de produção deve

ser movimento de trabalho, ou movimento que agrega valor. Estar se movendo

não significa estar trabalhando.

Ou, como sinteticamente sublinham, com fidelidade ao caráter desta dimensão

da “eliminação do desperdício” no toyotismo, respectivamente, Satoshi Kamata e

Unterweger (este último, autor de um boletim do Departamento Automotivo do FMI):

Todo o tempo livre durante as horas de trabalho tem sido retirado dos

trabalhadores da linha de montagem, sendo considerado como desperdício. Todo

o seu tempo, até o último segundo, é dedicado à produção (KAMATA apud

ANTUNES, 2006a, p.56).

O objetivo é conseguir que os trabalhadores tenham uma performance que

abranja a cada um dos 60 segundos que compõem o minuto (UNTERWEGER

apud BERBARDO, 2009, p.148).

Para demarcarmos aqui a importância estatutária que tem ao toyotismo essas

duas dimensões do “despedido” da qual expomos, vale reproduzir um conjunto de duas

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passagens onde Taiichi Ohno, ilustrativamente, sublinha a "eliminação do desperdício"

como algo a ser realizado cotidianamente e de forma sistemática.

Não existe método mágico. Ao invés disso, é necessário um sistema de gestão

total que desenvolva a habilidade humana até sua mais plena capacidade, a fim

de melhor realçar a criatividade e a operosidade, para utilizar bem instalações e

máquinas, e eliminar todo o desperdício (OHNO, 2007, p.30).

O Sistema Toyota de Produção tem sido sistemático na eliminação do

desperdício, da inconsistência, e dos excessos de produção (idem, p.88).

Tal eliminação sistemática do desperdício, que – como estamos enfatizando –

se desdobra na redução do quadro de funcionários, tem como uma de suas grandes

consequências um determinado aspecto do processo de trabalho do qual todo

empreendimento capitalista, em seu impulso vital, deve buscar ampliar, por se tratar de

uma intensificação da extração de mais-valor: o incremento da produtividade.

A redução dos custos e a redução da força de trabalho passa pelo aumento da

produtividade. Isso não significa aumentar a produção, mas aumentar a

capacidade produzida por cada trabalhador. Isto significa, portanto, a redução do

número de trabalhadores necessários para produzir a mesma quantidade de

produtos; a redução da força de trabalho significa aumentar a proporção de

trabalho com valor agregado (OHNO, 2007, p.75).

Isto é, a produtividade representa o que Ohno (2007, p.28) chama de

“eficiência da produção”. Seja esta produtividade oriunda de um menor número de

trabalhadores para produzir o mesmo número de produtos (como foi exposto por Ohno na

citação acima), seja decorrente de uma maior produção para o mesmo número de

trabalhadores envolvidos. Nos dois casos, representa um maior tempo de atividade

produtiva por parte do trabalhador, uma maior intensidade no ritmo de produção.

O incremento da produtividade, a eficiência da produção, especialmente por ter

uma relação direta com o conceito "poupar trabalhadores", é algo a ser continuamente

buscado. Ampliar a relação da produção por trabalhador, que indiretamente tem a

conotação de eliminação de força de trabalho, representa eficiência, que para Ohno (2007,

p.30) "significa redução de custos". O engenheiro chefe da Toyota é didático na explicação

da necessidade de “poupar trabalhadores” para que se incremente a produtividade: "Na

verdade, sempre digo que a produção pode ser feita com a metade dos operários" (idem,

p.124), muito embora, vale ressalvar, esta economia de força de trabalho não signifique,

necessariamente (embora com muita frequência assim ocorra), uma redução absoluta de

trabalhadores, mas uma redução relativa à produção.

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Como formas para se conseguir realizar suas pretensões de eliminar

desperdício, quer diga respeito ao excesso de produção, ou ao excesso de equipamentos, ou

ao excesso de atividades improdutivas, ou mais diretamente ao excesso de trabalhadores

(ainda que, conforme vimos, todo desperdício, todo excesso, tem relação em alguma

medida com o desperdício pelo excesso de trabalhadores), o sistema Toyota de produção

conta com quatro importantes frentes. Sendo dois correspondentes aos pilares de

sustentação dos processos de trabalho toyotizado, o just-in-time e a autonomação; o kaizen,

mais relacionado a estratégias para identificação de desperdícios a serem eliminados; e o

trabalho em equipe, este mais referente a forma de dispor os trabalhadores aos processos

de trabalho.

O primeiro, o just-in-time, por meio de uma série de dispositivos articulados e

coeso que sincroniza o ritmo dos processos da produção intentando garantir um fluxo de

trabalho ininterrupto, viabiliza fundamentalmente a eliminação dos desperdícios advindos

dos gastos com o tempo improdutivo (porosidade da jornada de trabalho) e do estoque. É o

Just-in-time, por exemplo, que, ao proporcionar a possibilidade de produzir somente o

necessário na quantidade necessária, torna possível ser o estoque dispensável, torna viável

o "estoque zero" – e, com ele, proporcionando a possibilidade para que o estoque seja,

como já mencionamos, um “instrumento metodológico” (CORIAT, 1994, p.34) à indicação

dos desperdícios particularmente de trabalhadores em excesso.

O segundo, a autonomação, viabiliza a eliminação de desperdícios na medida

em que, por meio de um sistema que garante um elevado nível de autonomia às máquinas,

torna o funcionamento da maquinaria uma atividade que exige um número menor de

trabalhadores. Diferente, por exemplo, da forma de organização da produção de cariz

fordista, em que o trabalhador precisa ser ao menos um vigia da máquina, no toyotismo,

por seu turno, ao ter acoplado às máquinas um mecanismo de parada automática, que

suspende "autonomamente" (OHNO, 2007, p.28) sua operação ao detectar eventuais

problemas no transcorrer da fabricação1, termina por dispensar ao trabalhador o papel de

monitoramento da maquinaria quando de um fluxo de trabalho normal. Em suma, por sorte

da autonomação, e nas palavras de Ohno (2007, p.28), "Apenas quando a máquina pára

devido a uma situação anormal é que ela recebe atenção humana".

1 Daí o neologismo "autonomação": a junção das palavras autonomia e automação. Essa palavra tenta

expressar a condição de uma máquina com autonomia em virtude de um mecanismo de parada automática.

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A autonomação, portanto, ao tornar desnecessário o papel de monitoramento

da maquinaria por parte do trabalhador, liberando-o para outras atividades, viabiliza a

“eliminação de desperdício” poupando trabalhadores, a um só tempo, na medida em que,

por um lado, fez de uma determinada atividade, uma atividade desnecessária, tornando os

trabalhadores que a ela se liga, também desnecessários. Por outro, viabiliza a eliminação de

trabalhadores na medida em que, por não precisar estar fixo na vigilância sobre a máquina,

o trabalhador passa a ter condições de atuar não apenas muitas máquinas, mas também

máquinas diferentes. Ou, para explicarmos dando voz ao próprio Ohno (2007, p.28):

"Como resultado [da autonomação], um trabalhador pode atender diversas máquinas,

tornando possível reduzir o número de operadores e aumentar a eficiência da produção".

No toyotismo, "um operário opera vários processos" (idem, p.136), torna-se multivalente

ou polivalente – do que aumenta a eficiência da produção, segundo o autor, em "duas e três

vezes" (idem, p.34).

O terceiro, o kaizen, dá sua contribuição à eliminação de desperdício enquanto

uma estratégia continuada e sistemática, na medida em que se constitui como um momento

previsto, um espaço, um programa, para que os trabalhadores apresentem constantemente

novas ideias, sugestões, com o objetivo à melhorias dos processos de produção. Sugestões

de melhorias estas que, em estando subordinadas a dinâmica da gestão e organização do

trabalho toyotista, tem o sentido geral, a tendência, ao "poupar trabalhador", e não ao

"poupar mão-de-obra". O objetivo das melhorias via kaizen dizem respeito e estão em

atenção ao valor, e não ao trabalhador.

Apenas a título de ilustração à essa tendência eliminadora de trabalhadores que

já discutimos por meio da dinâmica interna e dos objetivos declarados do toyotismo,

podemos aqui reproduzir duas breves falas de trabalhadores extraídas do livro de Márcia

Bernardo, Trabalho Duro, Discurso Flexível: uma análise das contradições do toyotismo a

partir da vivência de trabalhadores:

se você colocar alguma coisa que é do interesse deles, ótimo. Mas, se você

colocar uma coisa que vai ajudar o “peão” não dá em nada (2009, p.76).

[A] tendência da sugestão é para diminuir custo. Se não for nada para diminuir

custo, eles não têm interesse nenhum! (idem).

Também é curioso observar que este caráter eliminador de força de trabalho do

programa kaizen, em alguma medida, é percebido por alguns trabalhadores em seu dia-a-

dia na produção. Seguem, então, duas falas de operários, colhidas da pesquisa de Eurenice

de Oliveira (Toyotismo no Brasil: desencantamento da fábrica, envolvimento e

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resistência), que nos parecem sintomáticas e exemplifica bem o sentido dessas sugestões

de melhorias:

O cara fala pra você: o kaisen é bom. Se você fizer um kaisen, teu chefe vai te

apoiar. Ele já está treinado para isso e vai passar pra frente. Só que as vezes você

vai fazer um kaisen em que custa, vai mexer com alguém do outro setor. Aí você

vai lá faz o kaisen todo inocente (OLIVEIRA, 2004, p.153).

Eu acho que essa é a mentalidade: se fizer kaizen corre o risco de haver

demissões. Porém, se você é encarregado e consegue fazer um kaizen que vai

diminuir de cinquenta para trinta o número de trabalhadores, você está feito, vai

ser cada vez mais reconhecido. (…) o kaizen é para mandar gente embora

(idem).

Outro aspecto digno de consideração a ser assinalado desse programa de

sugestões de melhoria é que tais sugestões, e nos valendo das palavras de Ohno (2007,

p.126), devem ser diárias:

É claro, o mais importante não é o sistema, mas a criatividade dos seres humanos

que selecionam e interpretam a informação. Felizmente, o Sistema Toyota de

Produção ainda está sendo aperfeiçoado. Tais aperfeiçoamentos são feitos

diariamente graças ao vasto número de sugestões recebidas dos seus

funcionários.

Conforme consta no Manual de Integração da Toyota (apud OLIVEIRA, 2004,

p.151) de uma fábrica sua na região de Campinas (SP), “Nenhum dia deve passar sem que

algum tipo de melhoramento tenha sido feito em algum lugar da empresa”.

Para que essa impenitência de cotidianidade do programa de sugestões, sua

dinâmica de sistema, seja garantido e, assim, se tenha insumos que contribua ao

movimento de "eliminação do desperdício", a gerência toyotista configura um cenário que

tencionam os trabalhadores ao kaizen. As cobranças aos trabalhadores por sugestões, em

geral, quando não são feitas por meio do estabelecimento de metas quantitativas, é feito lhe

submetendo a alguma espécie de constrangimento. Como diz a fala de um operário que

extratamos da obra de Márcia Bernardo (2009, p.77), "o seu chefe vai estar ali cobrando:

você não fez, você tem que fazer!". A fala de outro trabalhador, extraída da mesma obra,

relata da seguinte forma esse cenário de cobrança e de constrangimento:

Eles colocavam numa lousa lá: “Planos de sugestões do mês: tal pessoa, quanto

fez; tal pessoa, quantos (...)” e tinha gente que fazia até 15 planos de sugestão.

Como é que o cara faz ali 15 planos de sugestão e aquele outro não faz nenhum,

entendeu? Aí, eles falavam que era falta de interesse dos funcionários, que não

tinham vontade de fazer as coisas. (...) E eu não queria ver o meu nome lá na

lista sem nada, entendeu? Ver lá na lousa (...). Os caras viam lá e: “Pô, o cara não

fez nada esse mês!” (idem, p.79).

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O depoimento de um dirigente sindical, que apropriamos da obra de Bernardo

(2009, p.79), ao comentar as sugestões ofertadas pelos trabalhadores sob esse contexto de

cobranças, expressa, com uma certa tragicidade, como as propostas dos trabalhadores

podem chegar a nível tais que são da ordem daquelas que avançam sobre si mesmo. Sua

fala expõe proposições à eliminação de desperdícios feitas por trabalhadores que são

daquelas que recaem sobre si próprio.

Existem casos, lá, absurdo! O cara que fez sugestão que reduz o salário em 20%.

Reduzir (...) coisas absurdas mesmo! O trabalhador fazer sugestão para reduzir

gomo de linguiça [no almoço]! (...) É coisa que a gente fala e parece que é

brincadeira, mas é coisa séria. (...) Eu acho que a lixa que eu tô lixando, lá, é

muito grande, tô gastando muito (...). Não é mais o chefe que tem que se

preocupar com isso, é o trabalhador! Tem trabalhador que já propôs redução de

funcionários (...) porque o pessoal conversa demais (…).

O quarto destaque, o trabalho em equipe – que viabiliza a “eliminação do

desperdício”, o enxugamento do quadro de funcionários, o "poupar trabalhadores" –, diz

respeito a determinadas formas para a organização física da disposição dos trabalhadores

no espaço de trabalho. Dessa matéria organizativa temos o que o ohnismo considera como

sendo um trabalho em equipe. Da análise da obra de Ohno é possível depreender

basicamente duas grandes funções que subsistem como estratégias hipotecadas ao trabalho

em equipe2.

Uma dessas funções do trabalho em equipe a ser sublinhada, por entendermos

que contribui mais diretamente com o "poupar trabalhadores", é o fato de que essa

determinada forma de disposição dos trabalhadores, de modo a redundar em uma espécie

de equipe, tem como um de seus resultados uma força produtiva nova. A cooperação entre

os trabalhadores incrementa a produtividade, que, como vimos, ora resulta da eliminação

de trabalhadores, ora tem esta eliminação como ponto de partida. Ohno (2007, p.130)

sumaria as possibilidades que o trabalho organizado em equipe oferece à “eliminação do

desperdício”:

se as combinações de trabalho forem estudadas e a distribuição de trabalho, ou

posicionamento de trabalho, for realizada para fazer com que os operários

possam ajudar-se mutuamente, o número de operário pode ser reduzido.

A outra função a ser destacada se refere a necessidade, do ponto de vista da

gerência, de desenvolver um ambiente de trabalho onde se evidencie o mínimo possível o

2 A estratégia gerencial do trabalho em equipe – vale alertar – tem uma amplitude significativamente mair

do que a dimensão que aqui mais nos interessa sublinhar. Ver, por exemplo, (MELLO e SILVA, 2004)

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enxugamento do quadro de funcionários, o "poupar trabalhadores". Tem o papel de

minorar os impactos sobre os aspectos visuais e de relações de trabalho provocados pela

sistemática redução, absoluta ou relativa, de trabalhadores. Também sobre esta dimensão

de sua estratégia Ohno (2007, p.83) é didático:

Se os operários estão esparsamente posicionados aqui e acolá entre as máquinas,

tem-se a impressão de que há poucos operários. […] Mesmo se há trabalho

suficiente apenas para uma pessoa, cinco ou seis operários devem ser agrupados

para trabalhar como uma equipe. Criando-se um ambiente sensível às

necessidades humanas, torna-se possível implementar realisticamente um

sistema que emprega menos trabalhadores.

Essa outra função se refere, assim, a construção de uma estratégia que tem por

qualidade forjar um ambiente organizacional que garanta a continuidade da sistemática que

envolve a eliminação dos desperdícios pela eliminação de força de trabalho.

3 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

É valendo-se, sobretudo, dessas quatro importantes frentes que expomos ao

longo do texto – a saber, o just-in-time, a autonomação, o kaizen e o trabalho em equipe –

que o sistema Toyota de produção materializa-se e realiza suas pretensões base de eliminar

desperdício, seja em relação ao excesso de produção, ou de equipamentos, ou de atividades

improdutivas, ou, o que se relaciona com todos estes, o de excesso de trabalhadores. É

fundamentalmente lançando mão dessas frentes estratégicas que a gestão e organização do

trabalho toyotista toca sua política sistemática de redução de custos por meio, em última

instância, da redução de força de trabalho, do conceito “poupar trabalhadores”.

Uma vez que o toyotismo opera, como diz Ohno (2007, p.30), "defendendo a

absoluta eliminação do desperdício" e esta eliminação precisando ser "o objetivo primeiro

da empresa" (idem, p.136), e na medida em que a concepção estruturante do toyotismo, seu

pressuposto, como vimos, é de que todo desperdício, excessos, é identificado como tendo

alguma relação com a quantidade da força de trabalho empregada, seu sistema torna-se,

portanto, e par excellence, eliminador de trabalho vivo, poupador de trabalhadores. Esse

caráter de sistemático eliminador, poupador, de força de trabalho, que resulta em uma

empresa com um quadro de funcionários enxuto, reduzido – diferentemente, por exemplo,

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do fordismo, em que o incremento da produtividade de trabalhadores são importantes

meios para aumentar quantitativamente a produção –, foi bem apreendido e sintetizado por

Ricardo Antunes (2006a, p.53):

Se no apogeu do taylorismo/fordismo a pujança de uma empresa mensurava-se

pelo número de operários que nela exerciam sua atividade de trabalho, pode-se

dizer que na era da acumulação flexível e da "empresa enxuta” merecem

destaque, e são citadas como exemplos a ser seguidos, aquelas empresas que

dispõem de menor contingente de força de trabalho e que apesar disso têm

maiores índices de produtividade.

O sistema Toyota de produção, coluna central do processo da reestruturação

produtiva iniciada na década de 1970, em seu conteúdo, em sua natureza, é

desempregador de trabalhadores; limita os postos de trabalho. Mas o que faz do toyotismo

um elemento importante do "desemprego estrutural", do "desemprego crônico", é a síntese

de dois aspectos. De um lado, o fato de que tal sistema desemprega e limita não apenas nas

atividades ligadas à produção – espaço privilegiado de seu desenvolvimento teórico.

Desemprega e limita nas diferentes esferas de empreendimentos do capital, uma vez que é

um método de gestão e organização do trabalho que pode, com peculiaridades, ser aplicado

aos mais diversos setores da economia. Nas palavras de Ohno (2007, p.30), "representa um

conceito em administração que funcionará para qualquer tipo de negócio". De outro, temos

o fato de que o ohnismo mundializou-se, generalizou-se, tornou-se a concepção gerencial

predominante nas empresas capitalistas.

Em uma frase: seu caráter poupador de trabalhador no interior da hegemonia a

nível global que esse sistema conquistou, no que diz respeito a concepção de estratégias

gerenciais e nas mais diversas atividades econômicas, faz do toyotismo um importante e

decisivo elemento que conforma o fenômeno do capital de "desemprego estrutural", de

"desemprego crônico".

REFERÊNCIAS

ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho?: ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 11 ed. São Paulo: Cortez, 2006. ______. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2006a.

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BERNARDO, Márcia Hespanhol. Trabalho Duro, Discurso Flexível: uma análise das contradições do toyotismo a partir da vivência de trabalhadores. São Paulo: Expressão Popular, 2009. BRAVERMAN, Harry. Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho no século XX. 3 ed. Rio de Janeiro: LTC, 1987. CORIAT, Benjamin. Pensar Pelo Avesso: o modelo japonês de trabalho e organização. Rio de Janeiro: Revan: UFRJ, 1994. FAYOL, Henri. Administração Industrial e Geral. 10 ed. São Paulo: Atlas, 1994. MÉSZÁROS, István. A Crise Estrutural do Capital. São Paulo: Boitempo, 2009. MELLO E SILVA, Leonardo. Trabalho em Grupo e Sociabilidade Privada. São Paulo: Editora 34, 2004. OHNO, Taiichi. O Sistema Toyota de Produção. além da produção em larga escala. São Paulo: Bookman, 2007. OLIVEIRA, Eurenice. Toyotismo no Brasil: desencantamento da fábrica, envolvimento e resistência. São Paulo: Expressão Popular. 2004. TAYLOR, Frederick W. Princípios de Administração Científica. São Paulo: Atlas, 2006.