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A importância da abordagem cirúrgica precoce no tratamento da trombose séptica do seio cavernoso Vinicius Teixeira de Paula Pignatti 1 Marco Aurélio de Oliveira Marinho 2 Ari Henrique de Almeida Filho 3 Júlia Prudente Soffner 4 Thomas Green Morton Gonçalves dos Santos 5 Aluísio Goncalves Medeiros 5 Ivan Araújo Motta 5 1) Médico Residente de Cirurgia Plástica da Universidade Federal do Triângulo Mineiro. Médico Residente. 2) Membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Professor Adjunto da Universidade Federal do Triângulo Mineiro. 3) Cirurgião Dentista-Bucomaxilofacial da Universidade Federal do Triângulo Mineiro. 4) Acadêmica de Medicina da Universidade Federal do Triângulo . 5) Médico Residente de Cirurgia Plástica da Universidade Federal do Triângulo Mineiro. Instituição: Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). Correspondência: Vinicius T. P. Pignatti - Rua Barão da Ponte Alta, 237, Apto 5007 - Bairro Abadia – Uberaba- MG / Brasil - CEP: 38025-250. Artigo recebido em 18/07/2016; aceito para publicação em 02/02/2017; publicado online em 15/02/2017. Conflito de interesse: não há. Fonte de fomento: não há. Relato de Caso The importance of early surgical approach in the treatment of septic thrombosis of cavernous sinus RESUMO Introdução: A Trombose Séptica do Seio Cavernoso (TSSC) é uma complicação de infecções heterogêneas da região de cabeça e pescoço de etiologia variável, normalmente com desfecho desfavorável, principalmente quando não diagnosticada e tratada com rapidez, tanto clinica quanto cirurgicamente. Objetivo: Ressaltar a importância do tratamento cirúrgico precoce, instituído em conjunto com a antibioticoterapia endovenosa. Material e Métodos: Apresentamos 2 casos de TSSC tratados no Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), em Uberaba/MG. Resultados: As pacientes evoluíram de maneira muito favorável clinicamente após a instituição do tratamento cirúrgico, sem as sequelas referidas pela maioria dos autores na literatura médica. Conclusão: O diagnóstico e o tratamento precoces são cruciais para um desfecho favorável dos pacientes acometidos pela TSSC, em especial a intervenção cirúrgica. Descritores: Trombose Venosa; Seio Cavernoso; Extração Dentária. ABSTRACT Introduction: Septic Thrombosis of Cavernous Sinus (TSSC) is a head and neck complication of heterogeneous infections with variable etiology, usually with unfavorable outcome, especially when not diagnosed and treated quickly, both clinically as surgically. Objective: To emphasize the importance of early surgical treatment, set up in conjunction with intravenous antibiotic therapy. Materials And Methods: We report 2 cases of TSSC treated at the Clinical Hospital, Federal University of Triangulo Mineiro (UFTM), in Uberaba / MG. Results: The patients evolved very favorably clinically after the institution of the surgical treatment without the consequences referred by many authors in the medical literature. Conclusion: Early diagnosis and treatment are crucial for a favorable outcome of patients suffering from TSSC, especially surgery. Key words: Venous Thrombosis; Cavernous Sinus; Tooth Extraction. INTRODUÇÃO A Trombose Séptica do Seio Cavernoso (TSSC) é uma entidade patológica temida, com repercussões clínicas graves. A TSSC, em geral, é uma complicação de infecções heterogêneas da região da cabeça e do pescoço, sendo as principais: infecções de pele, sinusites agudas, otites, dacriocistites, infecções cervicais, infecções fúngicas, infecções odontogênicas, infecções pós-operatórias na região maxilo-facial, entre outras. Deve-se ressaltar que, embora a causa séptica seja a mais comum, a trombose do seio cavernoso pode ser conseqüência de causas tumorais, inflamatórias, fístulas carótido-cavernosas e aneurismas 1-6 . Antes do advento dos antibióticos, TSSC determinava índices de mortalidade dramáticos, próximos a 100%. O surgimento e desenvolvimento dos antibióticos, com eficácia cada vez maior, possibilitou uma drástica redução da mortalidade. Atualmente os índices de letalidade variam entre 12 a 80% 1-4 , sendo a ocorrência dessa afecção bem mais rara e relativamente incomum (0,02 %) 1-6 . A incidência precisa de trombose venosa cerebral não é conhecida, mas Schutta 50 , em seu artigo de 1993, estimou em 1:10.000 admissões hospitalares de 1978 a 1988. Em crianças, Varchney 1 et al afirmam uma incidência estimada de 0,67 casos por 100.000 ao ano. No Brasil não encontramos dados epidemiológicos precisos, Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.45, nº 3, p. 105-110, Julho / Agosto / Setembro 2016 ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 105

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A importância da abordagem cirúrgica precoce no tratamento da trombose séptica do seio cavernoso

Vinicius Teixeira de Paula Pignatti 1 Marco Aurélio de Oliveira Marinho 2

Ari Henrique de Almeida Filho 3 Júlia Prudente Soffner 4

Thomas Green Morton Gonçalves dos Santos 5 Aluísio Goncalves Medeiros 5

Ivan Araújo Motta 5

1) Médico Residente de Cirurgia Plástica da Universidade Federal do Triângulo Mineiro. Médico Residente.2) Membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Professor Adjunto da Universidade Federal do Triângulo Mineiro.3) Cirurgião Dentista-Bucomaxilofacial da Universidade Federal do Triângulo Mineiro.4) Acadêmica de Medicina da Universidade Federal do Triângulo .5) Médico Residente de Cirurgia Plástica da Universidade Federal do Triângulo Mineiro.

Instituição: Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM).Correspondência: Vinicius T. P. Pignatti - Rua Barão da Ponte Alta, 237, Apto 5007 - Bairro Abadia – Uberaba- MG / Brasil - CEP: 38025-250.Artigo recebido em 18/07/2016; aceito para publicação em 02/02/2017; publicado online em 15/02/2017.Conflito de interesse: não há. Fonte de fomento: não há.

Relato de Caso

The importance of early surgical approach in the treatment of septic thrombosis of cavernous sinus

Resumo

Introdução: A Trombose Séptica do Seio Cavernoso (TSSC) é uma complicação de infecções heterogêneas da região de cabeça e pescoço de etiologia variável, normalmente com desfecho desfavorável, principalmente quando não diagnosticada e tratada com rapidez, tanto clinica quanto cirurgicamente. objetivo: Ressaltar a importância do tratamento cirúrgico precoce, instituído em conjunto com a antibioticoterapia endovenosa. material e métodos: Apresentamos 2 casos de TSSC tratados no Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), em Uberaba/MG. Resultados: As pacientes evoluíram de maneira muito favorável clinicamente após a instituição do tratamento cirúrgico, sem as sequelas referidas pela maioria dos autores na literatura médica. Conclusão: O diagnóstico e o tratamento precoces são cruciais para um desfecho favorável dos pacientes acometidos pela TSSC, em especial a intervenção cirúrgica.

Descritores: Trombose Venosa; Seio Cavernoso; Extração Dentária.

AbstRACt

Introduction: Septic Thrombosis of Cavernous Sinus (TSSC) is a head and neck complication of heterogeneous infections with variable etiology, usually with unfavorable outcome, especially when not diagnosed and treated quickly, both clinically as surgically. objective: To emphasize the importance of early surgical treatment, set up in conjunction with intravenous antibiotic therapy. materials And methods: We report 2 cases of TSSC treated at the Clinical Hospital, Federal University of Triangulo Mineiro (UFTM), in Uberaba / MG. Results: The patients evolved very favorably clinically after the institution of the surgical treatment without the consequences referred by many authors in the medical literature. Conclusion: Early diagnosis and treatment are crucial for a favorable outcome of patients suffering from TSSC, especially surgery.

Key words: Venous Thrombosis; Cavernous Sinus; Tooth Extraction.

Código 795

INtRoDuÇÃo

A Trombose Séptica do Seio Cavernoso (TSSC) é uma entidade patológica temida, com repercussões clínicas graves. A TSSC, em geral, é uma complicação de infecções heterogêneas da região da cabeça e do pescoço, sendo as principais: infecções de pele, sinusites agudas, otites, dacriocistites, infecções cervicais, infecções fúngicas, infecções odontogênicas, infecções pós-operatórias na região maxilo-facial, entre outras. Deve-se ressaltar que, embora a causa séptica seja a mais comum, a trombose do seio cavernoso pode ser conseqüência de causas tumorais, inflamatórias, fístulas carótido-cavernosas e aneurismas1-6.

Antes do advento dos antibióticos, TSSC determinava índices de mortalidade dramáticos, próximos a 100%. O surgimento e desenvolvimento dos antibióticos, com eficácia cada vez maior, possibilitou uma drástica redução da mortalidade. Atualmente os índices de letalidade variam entre 12 a 80%1-4, sendo a ocorrência dessa afecção bem mais rara e relativamente incomum (0,02 %)1-6. A incidência precisa de trombose venosa cerebral não é conhecida, mas Schutta50, em seu artigo de 1993, estimou em 1:10.000 admissões hospitalares de 1978 a 1988. Em crianças, Varchney1 et al afirmam uma incidência estimada de 0,67 casos por 100.000 ao ano. No Brasil não encontramos dados epidemiológicos precisos,

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talvez por não ser de notificação compulsória, além de ser provavelmente, subdiagnosticada7.

mAteRIAL e mÉtoDos

Foi realizada revisão na literatura médica sobre o tratamento da TSSC, em que percebemos que existe uma clara indicação de antibioticoterapia endovenosa, a despeito da indicação rápida e precisa do tratamento cirúrgico concomitante. Nesse artigo demonstramos a experiência das equipes de Cirurgia de Cabeça e Pescoço / Cirurgia Plástica / Cirurgia Bucomaxilofacial da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) diante dos casos de duas pacientes de pacientes com diagnóstico de TSSC.

ResuLtADos

As duas pacientes foram tratadas de forma precoce, já na suspeição diagnóstica de TSSC, com antibioticoterapia endovenosa empírica de amplo espectro, associada a um rápido tratamento cirúrgico (entre o quarto e quinto dias de tratamento), o que nos trouxe resultados animadores. Observamos, logo após essa conduta, evoluções clínicas favoráveis de nossas pacientes, sem sequelas neurológicas ou oftalmológicas, as quais são muitas vezes referidas na literatura médica como habituais.

DIsCussÃo

A TSSC possui apresentação clínica bem conhecida, mas ainda constitui um desafio médico por uma série de características. O diagnóstico é dificultado pela semelhança com outras infecções, sendo a celulite orbitária a mais comum7. É necessário alto nível de suspeição, equipe treinada e experiente (composta por clínicos, cirurgiões e médicos intensivistas); além de arsenal propedêutico razoável, para realizar o diagnóstico e terapêutica precoce. O diagnóstico tardio piora muito o prognóstico1-8.

REVISÃO ANATÔMICA:A cabeça possui uma ampla rede de plexos venosos

e os seios da dura-máter, no interior do crânio, todos eles se comunicando entre si, de forma que não há impedimento de fluxo em nenhum sentido. Isso se dá devido à existência de vasos comunicantes entre as principais veias, os plexos e os seios venosos, e também por essas estruturas serem desprovidas de válvulas. O fluxo de drenagem tende a seguir o sentido da gravidade, no entanto diferença de pressão pode fazer a circulação sangüínea seguir um fluxo tanto no sentido extra quanto intracraniano, permitindo que processos sépticos da face disseminem-se através desses vasos para o meio intracraniano9-10.

O seio cavernoso, a exemplo dos demais seios da dura-máter, é uma delaminação da meninge revestida

por endotélio, cuja função é prover drenagem venosa do encéfalo e regular a pressão intracraniana. Em número de dois, são simétricos e localizam-se lateralmente à sela turca do osso esfenóide, na fossa craniana média. Cada seio é semelhante a um quadrilátero, apresentando em média, 2 cm de comprimento e 1 cm de largura. Anteriormente, o seio cavernoso é limitado pelas fissuras orbitais superior e inferior, em posição imediatamente atrás dos globos oculares, o que explica a ocorrência de quemose, a exoftalmia, o edema periorbital, por dilatação da veia oftálmica superior na TSSC. Posteriormente o seio cavernoso se limita pelo ápice da parte petrosa do temporal; e os limites medial e lateral são, respectivamente, a glândula hipófise e as circunvoluções internas do lobo temporal. Apresenta em seu conteúdo a artéria carótida interna e, lateralmente a essa, o nervo abducente (VI par craniano), ambos revestidos pelo próprio endotélio sinusal, não mantendo contato com o sangue venoso circulante. Outras estruturas que mantém proximidade com o seio são os nervos oculomotor e troclear (III e IV pares cranianos), além da primeira e da segunda divisão do nervo trigêmeo (V par craniano), nervos oftálmico e maxilar. Esses nervos percorrem a intimidade da parede lateral do seio, envolvidos pela dura-máter dessa região9-10.

O seio cavernoso anatomicamente está no centro da comunicação de todos os sistemas de drenagem venosa, e alguns autores acreditam que ele atue como um alçapão ou armadilha à passagem de êmbolos/trombos. O seio cavernoso se comunica anteriormente com as veias da face através das veias oftálmicas superiores e inferiores; com seio esfenoparietal lateralmente; com o seio cavernoso contra-lateral medialmente via seio intercavernoso; finalmente com os seios petrosos maior e menor, posteriormente. O seio cavernoso se comunica ainda com o plexo pterigóide diretamente através de veias emissárias, tendo assim ligação com as veias faciais profundas9-10.

Em resumo, a disseminação de infecções para o seio cavernoso pode ocorrer pela veia facial, que se comunica com o seio através das veias angular e oftálmica superior e ainda pelo plexo pterigóideo, que recebe veias emissárias pelo forame oval e fissura orbital inferior, provenientes desse seio, ou ainda para o seio cavernoso contra-lateral através do seio intercavernoso9-10.

REVISÃO DA LITERATURA:Após a primeira descrição de Duncan, Bright publicou

os primeiros relatos de caso de TSSC11. Grove12 relatou uma série de 400 casos de TSSC, em que todos os pacientes evoluíram ao óbito em 1936. Varshney e cols1, em seu relato de 2014, citam uma revisão de trabalhos sobre o tema em língua inglesa de 1940-1988, somando apenas 88 casos publicados. Um raro caso de TSSC originado de um abscesso abdominal foi descrito por Jimbayashi et al13 em 1997. Nós realizamos uma busca usando a base de dados disponibilizada pelo portal Capes, e encontramos apenas 6 trabalhos indexados,

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embora seja possível achar outros poucos trabalhos em revistas sem indexação disponíveis on-line. Essa fato demonstra a carência de artigos sobre o tema dada sua relevância clínica.

Em geral a TSSC ocorre secundariamente, como uma complicação supurativa ao nível da órbita, seios paranasais ou metade superior da face pré-existente que atinge o seio cavernoso por 3 mecanismos: (1) disseminação por contiguidade (focos otorrinogênicos); (2) periflebites em seios de drenagem para o seio cavernoso ou (3) embolismo séptico14-15. Vários trabalham indicam que infecções cutâneas (furunculoses/pústulas) na área anatômica conhecida como trígono perigoso são os principais focos primários. Sinusites, otites, infecções odontogênicas (mais raramente) e até infecções paravertebrais também são causadores de TSSC1-8. Varchney1 publicou série de 8 casos, e em todos, o foco primário era provenientes de áreas nasais (dorso/vestíbulo/columela/cavidade). Thatai et al16, em uma revisão de 35 casos de TSSC, descreveu 28 casos com foco primário provenientes do terço médio da face, 3 de sinusite frontal, 1 de infecção odontogênica, 1 de infecção paravertebral e 2 casos sem focos primários determinados. Apesar de raro, Dini et al17, Karlin et al5,Yun et al18 Palmersheim et al18 e Taicher et al20 também relataram casos de TSSC com foco primário odontogênico em seus trabalhos, tal como ocorreu em nossa experiência recente: criança de 9 anos (molar decíduo inferior esquerdo) e adulta de 35 anos (molar inferior esquerdo), ilustradas a seguir.

A trombose primária ou não séptica do seio cavernoso e de outros seios da dura-máter é menos comum e está associada a trauma craniano, gestação, puerpério, uso de anticoncepcionais orais, tromboflebites migratórias, colite ulcerativa, colagenoses, neoplasias e distúrbios hematológicos9-12. Essas tromboses primarias tendem a ocorrer em seios ímpares (seio reto, seio occipital, seios sagital superior e inferior)9, enquanto as tromboses sépticas têm preferência por seios pares, entre eles o seio cavernoso.

Clinicamente, assim como outras infecções, a TSSC apresenta características clínicas não específicas como cefaléia, febre, toxemia, prostração, desidratação, náusea, vômito, convulsões, taquicardia, leucocitose e anemia1-6,8. No início, o nível de consciência é preservado, se deteriorando em estágios mais avançados da infecção21. As correlações anatômicas do seio cavernoso com a demais estruturas da cabeça, como já explicado anteriormente, faz com que a TSSC seja capaz de gerar uma tríade clássica de sintomas mais específicos: proptose, quemose, edema palpebral, causada pela obstrução da veia oftálmica8 (Figura 1). O seio trombosado comprime as estruturas ao seu redor (II, III, IV, V e VI pares cranianos, encéfalo, artérias carótidas internas, artérias oftálmicas, pituitária) podendo acarretar: oftalmoplegia, cefaléia retro-orbital, diplopia, midríase (lesão parassimpática, do III nervo), miose (lesão simpática, do plexo carotídeo) fotofobia,

Figura 1. Edema, proptose, quemose, midríase e paralisia do nervo abducente à esquerda em criança de 9 anos acometida por TSSC, com raro foco primário odontogênico (após extração de molar decíduo inferior esquerdo).

Figura 2. Paciente de 35 anos acometida por TSSC de rara origem odontogênica com edema em hemiface esquerda compatível com celulite orbital (diagnóstico diferencial) – Visão frontal.

Figura 3. Paciente de 35 anos acometida por TSSC de rara origem odontogênica com edema em hemiface esquerda compatível com celulite periorbital (diagnóstico diferencial) – Visão crânio-caudal.

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anestesia dos territórios de inervação dos nervos oftálmico e maxilar, paralisia facial, perda da acuidade visual, diminuição dos refl exos pupilares, sinais de irritação meníngea e meningite1-8,20.

Mesmo com esses sinais e sintomas mais específi cos, o diagnóstico de TSSC pode ser confundido com a celulite orbital uma vez que essas estruturas anatômicas afetadas na trombose do seio cavernoso também são acometidas nas infecções da órbita. A celulite tende a unilateralidade, enquanto a TSSC tende a ter envolvimento bilateral ou unilateral com rápido comprometimento contralateral22 (Figuras 2 e 3).

O uso de métodos de diagnóstico por imagens é essencial na confi rmação da TSSC, sendo que atualmente a TC com contraste, a venografi a e a RNM são as principais opções1-6. A tomografi a computadorizada (TC) com contraste com cortes fi nos possibilita a visualização de trombos no interior dos seios da dura-máter, confi rmando o diagnóstico4. Em alguns casos, a TC também revela outros achados como: défi cit de preenchimento e/ou irregularidades do seio cavernoso, exoftalmia, edema periorbital, dilatação da veia oftálmica superior, trombose da artéria carótida interna e origem do foco primário da TSSC (Figuras 4 e 5). Complicações intracranianas como: áreas isquemia ou necrose cerebral, abscessos e empiemas cerebrais também são facilmente visualizados se presentes7. Apesar disso, a ressonância nuclear magnética é tida por muitos autores o exame de primeira escolha por apresentar melhor qualidade de imagem (sem artefatos); e por não necessitar de contraste, sendo assim menos invasivo. A RNM pode detectar a formação de trombo mesmo na fase inicial6,7,23,24. Tem-se utilizado, mais recentemente, o doppler transcraniano para o diagnóstico e acompanhamento evolutivo8,25. Segundo Dini et al8, a punção lombar deve ser evitada porque pode precipitar herniação transtentorial. A cultura do líquor comumente é negativa, sendo mais indicado as hemoculturas e “swabs”. Outros métodos, com uso de radioisótopos, como a cintilografi a, ou ainda angiografi a também são descritos; mas estão em desuso23-25.

A microbiologia da TSSC é bem documentada, e o agente mais comumente identifi cado na TSSC é o Staphylococcus aureus, identifi cado entre 60-70% dos pacientes. Em seguida estão as espécies estreptocócicas (20%), incluindo pneumococo; os bacilos gram negativos e anaeróbios (Bacterioides sp, Fusobacterium sp, Proteus sp). As TSSC odontogênicas em geral são fl ora mista, incluindo anaeróbios e estreptococos ß-hemolíticos. As bactérias induzem a trombogênese através da liberação de substâncias trombóticas e toxinas que causam por dano tecidual3,26. As hemoculturas são geralmente positivas. Ocasionalmente, em pacientes diabéticos ou imunossuprimidos, agentes oportunistas como fungos - Aspergillus e membros da família Mucoraceas - podem ser causadoras de TSSC, em geral com pior prognóstico3,6,26.

Muitos artigos científi cos priorizam a antibioticoterapia precoce. Entretanto, não enfatizam a

Figura 4. Tomografi a Computadorizada de criança de 9 anos com TSSC: (A) Região cervical: edema de partes moles; (B e C) abscesso perimandibular esquerdo em cortes coronal e axial, respectivamente.

Figura 5. Tomografi a Computadorizada de criança de 9 anos com TSSC mostrando défi cit de preenchimento e irregularidades em topografi a de seio cavernoso.

importância da intervenção cirúrgica precoce simultânea no intuito de se aumentarem as chances de cura e permitir uma evolução clínica desprovida de sequelas neurológicas ou oftalmológicas. Em determinados casos, o tratamento cirúrgico oportuno do foco primário, em geral abscedados, ou de eventuais empiemas cerebrais, secundários à trombose do seio cavernoso, faz-se necessário para a cura7. O ato cirúrgico aborda a topografi a do foco primário e a vizinhança, e consiste na incisão e drenagem aberta do mesmo (Figuras 6 e 7). Além de descomprimir o foco primária e diminuir consideravelmente a população bacteriana, a cirurgia fornece material microbiológico para cultura. O foco de infecção primária deve ser sempre removido sempre que possível, formando um pilar terapêutico estabelecido17,27. Complicações como cegueira tem sido relatada em aproximadamente 8% dos casos, decorrente da oclusão

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da artéria central da retina ou de lesões da córnea5,17. Cerca de 50% dos que sobrevivem apresentam lesões residuais de nervos cranianos, mais comumente dos nervos abducente e oculomotor5,17. Felizmente, nos deparamos com resultados muito favoráveis (Figuras 8 e 9) logo após as intervenções cirúrgicas precoces, contrariando o que há descrito pela maioria dos autores, fato esse que nos encorajou a descrever a importância do ato cirúrgico precoce no tratamento da TSSC.

Após a suspeita clínica de TSSC, a antibioticoterapia endovenosa em altas doses, ainda que empírica, deve ser iniciada precocemente. Na ausência dos resultados das culturas, o objetivo é usar uma combinação de antibióticos, em doses otimizadas, que cubram Gram positivos, Gram negativos e anaeróbios28. A escolha

inicial é por antibióticos parenterais de largo espectro como vancomicina ou oxacilina, efi cazes Estafi lococos sp produtores de penicilinases, e cefalosporinas de 3ª geração, geralmente associados a metronidazol ou cloranfenicol. A vancomicina é indicada contra Estafi lococos sp meticilina resistentes, cujo efeito pode ser potencializado pela associação com a rifampicina. A antibioticoterapia empírica é baseada na microbiota mais comum do foco primário, que pode ser mudada ou associada de acordo com o resultado da cultura e do antibiograma, e deve ser continuada por duas a quatro semanas depois da melhora clínica5,28.

A administração de corticóide e de diuréticos podem ser úteis com intuito de redução da infl amação e do edema em casos de hipertensão craniana;

Figura 6. Intraoperatório (quinto dia de diagnóstico) de criança de 9 anos acometida por TSSC, com drenagem de 40ml de abscesso no foco primário (molar decíduo esquerdo) seguida de drenagem intra e extra-oral com tubo laminar, mantido por 72h. Figura 7. Intraoperatório (quarto dia de diagnóstico) de paciente de

35 anos acometida por TSSC, com drenagem de 30 ml de abscesso à distância (região malar) do foco primário (molar inferior esquerdo).

Figura 8. Movimentação ocular preservada no 35° dia pós-operatório, sem perda de acuidade visual, em criança de 9 anos acometida por TSSC. Também não houve sequela neurológica.

Figura 9. Pós-operatório de paciente de 35 anos submetida a drenagem cirúrgica de foco secundário do abscesso que levou à TSSC: à esquerda com 7 dias de cirurgia; à direita com 30 dias de cirurgia, sem sequelas neurológicas ou oftalmológicas.

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já que aumento da pressão intracraniana (PIC) desempenha importante papel na mortalidade27. Entretanto, a corticoterapia de rotina é controversa, sendo necessário pesar os benefícios de diminuição da inflamação orbital, do edema vasogênico e da hemorragia intracerebral; com o potencial imunossupressor da corticoterapia e possíveis efeito pró-trombótico. Alguns trabalhos reforçam melhora da função dos nervos craniais com essa terapia. Situações de hipofunção hipofisária secundária à isquemia ou necrose da ptuitária são raras e tornam a corticoterapia útil e mais consensual3,6.

O uso de heparina pode parecer intuitivo uma vez que estamos tratando uma trombose venoso, contudo o uso de anticoagulantes é controverso; principalmente por não haver grandes estudo prospectivos em patologias raras como a TSSC. Apesar disso, literatura mais recente recomenda seu uso, a menos que haja contraindicação específica17. Acredita-se que a anticoagulação previna a progressão da trombose para outros seios venosos e a disseminação de êmbolos sépticos, e favorece o alcance dos antibióticos aos trombos já existentes através da dissolução3,5,6,17,25. Southwick et al29, em 1986, revisaram 86 casos de TSSC e encontrou redução de mortalidade de 40% para 14% com uso adicional de heparina aos antibióticos; e redução de morbidade de 50% para 34%. Levine et al30, em 1988, realizaram estudo similar, e não encontrou diferença estatística de mortalidade entre os grupos com e sem heparina; embora tenha relatado diminuição da morbidade (cegueira, convulsões, infartos, oftalmoplegia, hipoptuitarismo). O uso de heparina endovenosa deve ser seguido do uso de anticoagulante oral por pelo menos três meses3,6,7,17,29,30.

CoNCLusÃo

Entendemos que a suspeição clínica de TSSC, dentro de uma variedade de diagnósticos diferenciais, exige tratamento agudo com antibioticoterapia empírica endovenosa iniciada o quanto antes, associada ou não à corticoterapia, anticoagulação e diuréticos, considerando principalmente a gravidade do quadro e os altos índices de mortalidade quando da sua não instituição. Mais que isso, não podemos postergar tratamento cirúrgico agressivo como forma complementar à antibioticoterapia, também a ser realizada em tempo precoce. Tais medidas contribuem inequivocamente para a recuperação do paciente, permitindo inclusive boa evolução clínica livre das sequelas relatadas pela maioria dos autores na literatura médica.

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110 –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.45, nº 3, p. 105-110, Julho / Agosto / Setembro 2016

A importância da abordagem cirúrgica precoce no tratamento da trombose séptica do seio cavernoso. Pignatti et al.