A IMPORTÂNCIA DE UMA TEOLOGIA E ECLESIOLOGIA BÍBLICA NO PROCESSO DE PLANTAÇÃO DE IGREJAS

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CENTRO EVANGÉLICO DE MISSÕES MESTRADO EM MISSIOLOGIA A IMPORTÂNCIA DE UMA TEOLOGIA E ECLESIOLOGIA BÍBLICA NO PROCESSO DE PLANTAÇÃO DE IGREJAS Trabalho apresentado ao Centro Evangélico de Missões, em cumprimento parcial às exigências da disciplina Plantação de Igrejas, ministrada pelo Professor Dr. Sebastião Lúcio Guimarães, para a obtenção de Grau de Mestre em Missiologia. POR

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CENTRO EVANGÉLICO DE MISSÕES

MESTRADO EM MISSIOLOGIA

A IMPORTÂNCIA

DE UMA TEOLOGIA E ECLESIOLOGIA BÍBLICA

NO PROCESSO DE PLANTAÇÃO DE IGREJAS

Trabalho apresentado ao Centro Evangélico de Missões, em cumprimento parcial às exigências da disciplina Plantação de Igrejas, ministrada pelo Professor Dr. Sebastião Lúcio Guimarães, para a obtenção de Grau de Mestre em Missiologia.

POR

RAFAEL FCACHENCO FILHO

Viçosa

2010

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Introdução

Ronaldo Lidório, em seu livro Plantando Igrejas1, aborda a questão da

plantação de igrejas não somente de uma perspectiva pragmática ou estratégica:

ele inicia a sua abordagem destacando a importância fundamental de uma

teologia e de uma eclesiologia bíblica no processo de plantação de igrejas. Nos

dois primeiros capítulos de sua obra ele discorre sobre a importância da teologia

bíblica, em sua relação com a missiologia e a contextualização. No terceiro

capítulo, sobre a importância de uma eclesiologia bíblica; e no último (o capítulo

seis), sobre aspectos teológicos relacionados com a pessoa do Espírito Santo em

relação ao processo de plantação de igrejas. Gostaria nesse artigo de examinar

detalhadamente e destacar a contribuição de Lidório aportada nesses quatro

capítulos, dada a sua relevância para o entendimento da questão.

A relação entre a Teologia e a Missiologia

A primeira questão apontada por Lidório que convém examinar e destacar

é a relação entre a Teologia e a Missiologia. Ele defende que “Missiologia e

Teologia não devem ser tratadas como áreas separadas, mas como disciplinas

complementares” (p. 17). Para demonstrar sua tese ele nos chama para

observarmos como era relação entre a Teologia e a Missiologia em três períodos

distintos da história da Igreja: no período apostólico, no período da Reforma, e a

partir da reflexão de alguns missiólogos contemporâneos, bem como para

refletirmos sobre essa relação.

Sobre a relação entre a Teologia e a Missiologia no período apostólico, ele

destaca a observação de Bosch que a toda a teologia elaborada pelos apóstolos

nos primórdios do Novo Testamento foi desenvolvida e praticada num contexto de

missão, e em resposta a questões missiológicas. Os apóstolos desenvolveram

uma sólida reflexão teológica fundamentada nas Escrituras do Antigo Testamento

e nos ensinos que eles tinham recebido diretamente do Senhor Jesus, sob a

orientação do Espírito Santo, a partir de questões que surgiam no trabalho de

estabelecimento e edificação da igreja. Ele apresenta o apóstolo Paulo como “um

1 LIDÓRIO, Ronaldo, Plantando Igrejas – Teologia Bíblica, Princípios e Estratégias de Plantio de Igrejas, São Paulo: Ed. Cultura Cristã, 2007.

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exemplo clássico desse modelo”, e lembra que Augustus Nicodemus o apresenta

como “o mais impressionante teólogo do Cristianismo, bem como o seu maior

missionário” (p. 18, 19).

Ele destaca que essa mesma relação ocorreu durante a Reforma. “Lutero,

Calvino e Zwínglio teologizavam em sintonia com as gritantes necessidades de

uma igreja que crescia, e que precisava de direção bíblica”, e que “o

conhecimento teológico estava a serviço de Deus, e à disposição da igreja, e não

paralelo a ela”, afirma ele (p. 18).

Ele demonstra que essa relação é também assinalada por destacados

missiólogos contemporâneos, como Hesselgrave: “o compromisso evangélico

com a autoridade das Escrituras é vazio de significado se não permitimos que os

ensinos bíblicos moldem a nossa missiologia” (p. 17), e Paul Hielbert: “um

trabalho missionário sem um sólido fundamento teológico se divorcia da mente de

Deus” (p. 18).

Sua abordagem reflete a sua formação Reformada. William L. Lane, ao

discutir a origem da disciplina Teologia Bíblica de Missões2, afirma que Johan

Herman Bavinck (1895-1964), pastor, missionário e teólogo reformado holandês,

sobrinho do destacado teólogo reformado Herman Bavinck (1854-1921), ao

procurar justificar a necessidade de uma ciência de missões (Missiologia), discute

não apenas a fundamentação, o objetivo e as abordagens dessa ciência, mas

também define sua tarefa e procura estabelecer a sua relação com as

demais disciplinas teológicas (grifo meu), tratando especificamente dessa

questão em sua obra Inleiding in de Zendingswetenschap, traduzida para o inglês

em 1960, sob o título An Introduction to the Science of Missions, das páginas xi-

xxi. Lane destaca esse esforço citando o próprio Bavinck:

a ciência da exegese é necessária para prover à ciência missionária de dados escriturísticos essenciais para a formulação de princípios. É do mesmo modo claro que a ciência missionária depende da dogmática para sua conceituação da natureza e tarefa da igreja; da ética por causa de seu interesse em questões éticas; de outras disciplinas práticas; e da história da igreja, uma vez que faz parte da história da igreja (1960, p. xix. Tradução de Lane).

A relação entre a Teologia, a Missiologia e a Eclesiologia

2 LANE, William L., Teologia Bíblica de Missão – Uma Análise do Propósito Bíblico da Missão, CEM – 2010, p. 7, não publicado.

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Sendo coerente com sua formação, ele entende que utilidade da teologia

bíblica não está restrita à mera tarefa de justificar a necessidade da ação

missionária e da existência do movimento missionário, proporcionando bases

bíblicas que simplesmente apóiem e justifiquem a necessidade desse esforço. Ele

entende que cada aspecto da identidade da igreja (como adoração, doutrina,

fidelidade, santidade, unidade e comunhão), bem como cada atitude e

metodologia do movimento missionário devem estar solidamente

fundamentadas bíblica e teologicamente para que a Igreja não perca sua

identidade, e para que o movimento missionário não se perca em meio ao que

Lidório chama de “esquisitices metodológicas” (p. 23).

A vocação missionária é inegavelmente um dos aspectos constitutivos da

identidade da Igreja. Mas esse aspecto não está desvinculado dos demais. É

indispensável que a vivência, que a experiência de todos os demais aspectos que

juntos constituem a identidade da Igreja estejam solidamente fundamentados

bíblica e teologicamente, e inter-relacionados. Pois é essa experiência eclesial

histórica, abrangente, corretamente fundamentada bíblica e teologicamente, que

se constituirá em testemunho a todas as nações.

Em prol dessa abordagem é especialmente útil a exegese que Lidório faz

de Mateus 24:14: “E será pregado o evangelho do reino por todo o mundo, para

testemunho a todas as nações. Então virá o fim”. Lidório afirma que o termo grego

κηρυχθήσεται (kerychthésetai), traduzido por “e será pregado”, tem como raiz

a palavra κήρυγμα (kérygma), uma proclamação audível e inteligível, enquanto

que a palavra μαρτυρία (martyría), traduzida por “testemunho”, evoca um

sentido mais pessoal, de testemunho de vida. A palavra traduzida por “mundo”,

οἰκουμένῃ (oikouméne), indica o mundo habitado, onde há pessoas, possuindo

uma conotação primariamente demográfica, e não geográfica. A palavra traduzida

por “nações”, ἔθνεσιν (éthnesin), dativo plural de ἔθνος (éthnos), é usada para

indicar raças, povos, nações, etnias, grupos étnicos lingüística e culturalmente

definidos. Ele propõe inclusive uma paráfrase de Mateus 24:14: “o evengelho do

reino será proclamado de forma inteligível e compreensível por todo o mundo

habitado, por meio do testemunho martírico, de vida da igreja, a todas as etnias

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definidas” (p. 26, 27). A exegese não destaca especificamente a natureza bíblica

e teológica do conteúdo a ser proclamado de uma forma inteligível e

compreensível implícito necessariamente na expressão “e este evangelho do

reino”, no grego τοῦτο τὸ εὐαγγέλιον τῆς βασιλείας (toúto to

euangélion tes basiléias). Mas segundo Thayer3, o pronome demonstrativo τοῦτο

(toúto) indica este como alguém ou algo presente visivelmente aqui, de maneira

que se identifique a natureza e o caráter da pessoa ou coisa mencionada, de

maneira que se possa claramente afirmar ou negar a correspondência entre a

pessoa ou coisa e a natureza e caráter em questão. Igualmente a expressão

“evangelho do reino”, εὐαγγέλιον τῆς βασιλείας (euangélion tes basiléias)

se relaciona com conteúdos bíblico-teológicos desenvolvidos no AT, como a

realeza eterna, absoluta, universal e invencível do Senhor. Carl J. Bosma

demonstra exegeticamente que esse é o conceito básico da teologia no livro dos

Samos. 4 Este evangelho do reino, portanto, designa um conteúdo específico,

revelacional e abrangente sobre a pessoa e a obra de Cristo, fundamentado

escrituristicamente, interpretado teologicamente primeiramente pelo próprio Jesus

(Mateus 5:17; 16:13-16; Lucas 17:20,21; 24:27, 44, 45; João 5:39), e

posteriormente pelos seus apóstolos, sob a direção e ensino do Espírito Santo

(João 14:26; 16:13,14; Rom. 1:16; 14:17; 1 Cor. 15:3-8), cujo caráter e natureza

pode ser claramente identificado.

Dessa exegese, portanto, podemos inferir que a dimensão bíblico-

teológica, basiliânica do evangelho (este evangelho do reino), inclui também

tanto a dimensão missiológica, kerygmática – uma proclamação efetuada de uma

forma inteligível e compreensível, como a dimensão eclesiológica – o testemunho

martírico, expresso através da vida da igreja de uma forma abrangente, estando

estas dimensões claramente inter-relacionadas.

A relação entre a Teologia, Missiologia, Eclesiologia e a Contextualização

3 Thayer’s Lexicon, disponível em <http://www.blueletterbible.org/lang/lexicon/lexicon.cfm?Strongs=G5124&t=KJV>, acesso em 20 de Fevereiro de 2011.4 BOSMA, Carl J., Os Salmos: Porta de Entrada para as Nações, Ed. Fôlego, São Paulo, 2009, pág. 29.

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A exegese e a paráfrase sugerida por Lidório do termo grego

κηρυχθήσεται (kerychthésetai), nos remetem a outra importante questão. Para

que o Evangelho seja proclamado de forma inteligível e compreensível, seu

conteúdo precisa ser comunicado em toda a sua integralidade, de maneira que

não somente os que o recebem possam entender adequadamente a mensagem

comunicada, mas de uma maneira que também esteja em conformidade com os

pressupostos bíblico-teológicos estabelecidos para a comunicação desse

conteúdo. Esse processo é chamado de contextualização.

Nesse processo há barreiras lingüísticas e culturais que o Evangelho

precisará transpor. O Evangelho será “traduzido”, e essa “tradução” precisa ser

feita de uma maneira que:

1. Preserve a natureza, o caráter e a totalidade do seu conteúdo;

2. Respeite o que já está pré-estabelecido em seu próprio conteúdo

também em relação a como e por meio de quem ele deve ser

comunicado.

3. Seja entendido adequadamente.

A partir destas considerações, podemos dizer que esse processo de

contextualização não só se relacionará com a teologia bíblica, mas também que,

em virtude e por força dessa relação, estará também inter-relacionado com a

missiologia e a eclesiologia.

Em relação à teologia bíblica, Lidório aponta pressupostos bíblico-

teológicos relacionados especificamente com a contextualização (p.27 e p. 33):

1. A Palavra é supracultural e atemporal, sendo válida como Palavra

de Deus e comunicável para todos os seres humanos, em todas as

culturas, e em todas as épocas. Por isso, a Palavra de Deus

constitui-se em parâmetro válido para definir o ser humano em toda

sua condição existencial. Ela dá testemunho de que há uma verdade

universal e supracultural, que fundamenta a proclamação do

Evangelho: Deus é soberano e dono de toda a glória.

2. A realidade do pecado intencional (perversidade e impiedade) do

gênero humano, e a sua condição de total carência de salvação

precisam ser devidamente expostas. Amenizar a mensagem em

relação ao pecado é contribuir para a incompreensão do Evangelho.

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3. Somos seres culturalmente idólatras. É comum ao homem caído

construir uma idéia de deus que satisfaça seus anseios e interesses,

sem confrontá-lo com o pecado. Essa atitude é encontrada em toda

a história humana, e não colabora para o encontro do ser humano

com a Verdade de Deus.

4. Contextualizar o Evangelho não é reescrevê-lo, reduzindo ou

modificando o seu conteúdo, para moldá-lo à luz da Antropologia. É

antes traduzi-lo na integralidade do seu conteúdo lingüística e

culturalmente para um cenário distinto do cenário usual ao

transmissor, com o objetivo de tornar o Cristo bíblico e histórico

compreensível a todo ser humano. Sua mensagem expõe Deus em

relação à realidade da vida e da queda do ser humano. Não é

inculturada, pregando um Deus aceitável ou desejável, mas

contextualizada, apresentando o Deus verdadeiro de forma

inteligível.

5. O objetivo maior da contextualização é apresentar adequadamente a

Cristo, evitando uma compreensão reducionista e alienígena Deste.

Se conforme a paráfrase de Lidório, o Evangelho será proclamado de

forma inteligível e compreensível por todo o mundo habitado, por meio do

testemunho martírico, de vida da igreja, isso me leva a crer que não só o

conteúdo da mensagem do Evangelho na sua integralidade passa pelo processo

de “tradução”, de contextualização. Também a Eclesiologia precisa passar por

esse processo. Ela precisa continuar sendo bíblica. Mas o conteúdo de sua

integralidade bíblico-teológica, além de preservado, precisa ser “traduzido” de

maneira que o testemunho martírico, de vida da igreja seja relevante para o

contexto no qual ela está inserida.

Que conteúdos bíblico-teológicos precisam ser contextualizados para que

esse testemunho martírico seja relevante?

No terceiro capítulo de sua obra, Lidório afirma que “um dos maiores

perigos existentes no processo de plantar igrejas é defrontar-se com um cenário

onde a missão da igreja está desassociada da Missão de Deus, a Missio Dei” (p.

43). E afirma expressamente que “isso ocorre toda vez que a igreja segue sua

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própria agenda de plantio ou crescimento, por motivações próprias e antibíblicas.

Não para a glória de Deus, mas para a glória da igreja. Não para alcançar os

perdidos, mas para fortalecer a denominação. Não para exaltar Jesus, mas para

exaltar seus líderes”. Afirma também que “boa parte da problemática no processo

de plantar igrejas advém da má compreensão da natureza da igreja pelo que a

planta” (p. 45). Lidório relaciona alguns pressupostos bíblico-teológicos que nos

ajudam a compreender o significado neotestamentário de igreja:

1. A expressão “igreja de Deus”, ἐκκλησία τοῦ θεοῦ (ekklesía tôu Theôu),

que encontramos em Atos 20:28, 1 Cor. 1:2 e 2 Cor. 1:1. Exegeticamente, a

palavra ἐκκλησία é formada primeiramente pela preposição ἐκ e por uma

derivação da raiz verbal καλέω (kaléo). A preposição ἐκ possui duas

camadas de significado. A primeira se relaciona com a origem ou com a fonte

do que é exteriorizado, e a segunda a extensão do seu impacto. Ela descreve

algo que vem para fora, que se exterioriza desde as profundezas de sua fonte

ou origem, e cuja exteriorização se estende até alcançar o seu impacto sobre

o objeto.5 O verbo καλέω significa “chamar”. Tanto o substantivo θεός

(theós) como o artigo definido que o acompanha estão declinados no genitivo,

o que indica posse, propriedade. Há, portanto, relevantes significados

teológicos que se apreendem dessa expressão:

a. A origem dessa comunidade, bem como a fonte que a mantém, é o

próprio Deus. A sua origem e preservação, portanto, não é obra

humana, nem é resultado de esforço humano, e sim obra divina. A

Igreja foi articulada e formada por Deus. E por ter sua origem em Deus,

é eterna, espiritual, una, santa, universal e apostólica. A despeito de

todas as deturpações da fé, das divisões, e dos que se perderam na

caminhada, a verdadeira Igreja permanece e permanecerá.

b. Essa comunidade de origem divina não se fecha em si mesma, mas

naturalmente se exterioriza, e se dá a conhecer e se estende,

manifestando sua fonte e origem ao mundo. É uma comunidade

crescente, dinâmica, não enraizada em si mesma. Essa comunidade

evidencia que veio de Deus e pertence a Deus.

5 HELPS™ Word-studies, disponível em <http://strongsnumbers.com/greek/1537.htm>, acesso em 23 de Fevereiro de 2011.

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c. Essa comunidade dos santos é de Deus (o genitivo indica

primariamente posse, propriedade, embora possa indicar também

procedência), pertence exclusivamente a Deus, é propriedade exclusiva

de Deus (1 Pedro 2:9). Por essa razão, ela precisa caminha de acordo

com o palpitar do coração Daquele a quem ela pertence, traduzindo e

expressando em sua vida os desejos profundos do Seu Senhor para

com ela e para o mundo.

Uma contextualização apropriada será fiel a esses significados bíblico-

teológicos, enfatizando-os e valorizando-os. Em termos de aplicação prática,

devemos atentar para o alerta de Lidório de “observar com muita cautela todo

e qualquer movimento eclesiástico por demais personalista”. Ele ressalta que

uma igreja que é plantada e que cresce de uma forma saudável, embora siga

e ouça seus líderes, não orbita em torno de uma ou duas figuras humanas,

mas de Deus. Outro alerta de Lidório aos plantadores de igreja é que estes

não devem nutrir sonhos de se beneficiarem pessoalmente das igrejas que

plantam. Não somos donos das igrejas que plantamos. Elas não nos

pertencem. Pertencem a Deus (p. 45). É oportuno lembrar também o que

Pedro diz no verso 3 do capítulo 5 da sua primeira carta, ao dirigir-se aos

líderes nos versos 1 a 3: “Não ajam como dominadores dos que lhes foram

confiados, mas como exemplos para o rebanho”.

2. Em 1 Coríntios 1:2, à expressão “igreja de Deus” – ἐκκλησία τοῦ θεοῦ

(ekklesía tôu Theôu) – são acrescentadas as palavras “que está em Corinto” –

τῇ οὔσῃ ἐν Κορίνθῳ (te óuse en Koríntho). Isso reforça de forma

inequívoca que a igreja de Deus, a ἐκκλησία τοῦ θεοῦ (ekklesía tôu

Theôu), que teve sua origem em Deus, e que pertence a Deus, conforme

exposto no item anterior, está em Corinto, mas não pertence ao local

geográfico no qual se encontra, e sim Àquele que é o seu Arquiteto e

Edificador. Lidório salienta que isso deve ficar claro, porque nos últimos 2.000

anos, a igreja adquiriu uma forte tendência de condicionar-se e limitar-se à

localidade em que se encontra estabelecida. A Igreja não é uma comunidade

restrita a um contexto geográfico; pela sua própria natureza, ela é universal,

ela transcende, ela não se limita às barreiras geográficas, e por extensão,

também às barreiras culturais. E embora esteja presente e se faça presente de

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forma concreta num determinado contexto geográfico e cultural específico,

inclusive se identificando com este, ela permanece e deve permanecer sendo

propriedade exclusiva de Deus, e não do contexto.

A contextualização desse princípio bíblico-teológico de natureza

eclesiológica deve nos levar a focar o trabalho de plantação de igrejas nas

pessoas, tanto nas que estão no local onde estamos especificamente

trabalhando, como naquelas que estão nas proximidades. A comunidade cristã

é, conforme indicado na preposição ἐκ, em sua própria natureza uma

comunidade crescente, dinâmica, que se estende até alcançar o seu

impacto sobre o alvo, que não pode estar restrita por barreiras de qualquer

natureza, inclusive geográficas.

3. Em 1 Tessalonicenses 1:1, a expressão “para a igreja dos tessalonicenses em

Deus Pai e no Senhor Jesus Cristo”, τῇ ἐκκλησίᾳ Θεσσαλονικέων

ἐν θεῷ πατρὶ καὶ κυρίῳ Ἰησοῦ Χριστῷ (ekklesía Thessalonikéon en

Teô patrí kái kyrío Iesôu Khristô), indica que essa comunidade que está em Deus

Pai, que se relaciona com Deus na qualidade de Pai, e que vive sob a

soberania do Filho de Deus, como propriedade exclusiva dele, não perdeu a

sua identidade cultural, mas que teve essa identidade redimida. Eles não são

simplesmente “tessalonicenses”. São “tessalonicenses em Deus Pai e no

Senhor Jesus Cristo”. Não deixaram de ser humanos. Sua humanidade, como

tessalonicenses, é plenamente afirmada, mas essa humanidade é afirmada

não à parte de Deus, e sim em Deus Pai, e no Senhor Jesus Cristo. Eles

não deixaram de ser tessalonicenses, carpinteiros, lavradores, comerciantes,

escravos, pais, mães, filhos, mas agora passaram a ser tudo isso em Deus

Pai, e no Senhor Jesus Cristo. Como disse Lidório, a Igreja no Novo

Testamento não é apresentada como uma comunidade alienante, mas como

uma comunidade que abrange o homem em seu contexto humano, fazendo-o

entender que essa igreja à qual ele está agora unido em Cristo não foi

alienada do mundo, mas purificada dentro dele (p. 47).

A contextualização de mais esse princípio bíblico-teológico de natureza

eclesiológica é muito importante para o plantador de igrejas. Ela deve nos

levar, como disse Lidório, a vermos aqueles a quem servimos não apenas

como almas convertidas ao Senhor, mas como homens e mulheres com

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história, com uma vivência dentro de um contexto específico, que possuem

dons, talentos, fraquezas e habilidades, círculos de relacionamentos,

especialidades, conhecimentos específicos. É também nosso dever não

somente reconhecer essa humanidade, mas também reconhecer que ela deve

ser usada para a glória de Deus e para a propagação do Evangelho. É

fundamental observar e entender o ser humano a partir da suas características

humanas específicas para podermos ser instrumentos úteis nas mãos de Deus

na tarefa de guiar com amor esse ser humano a ser sal da terra e luz do

mundo a partir do que ele é, tem e pode fazer (p. 47).

4. Em Atos 1:6-8, Lidório vê o que é prioritário para a Igreja. Ele afirma que a

prioridade estabelecida por Cristo para sua igreja não é escatológica

(conhecer χρόνους ἢ καιροὺς (krónous e kairóus), o tempo humano e o

tempo divino), mas missiológica. Ao dizer “mas recebereis poder, ao descer

sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas...”, Ele estava

demonstrando que tinha criado “uma igreja funcional, e não apenas

contemplativa, nascida para espalhar a sua Palavra a todos os povos, em

todas as gerações, até a sua volta” (p. 48, grifos meus). Um exame da

expressão “e sereis minhas testemunhas...”, καὶ ἔσεσθε μου μάρτυρες

(kai ésesthe moy mártyres), à luz da exegese de Mateus 24:14 que já

mencionamos, realça que a tarefa missiológica não está desassociada do ser

igreja, do testemunho martírico, de vida da igreja. Não há verdadeira

missiologia separada de uma eclesiologia bíblica. As instruções de Jesus em

Atos 1:1-8 não se aplicam somente aos discípulos que naquela ocasião

estavam reunidos. O contexto mais amplo mostra de forma inequívoca que

estas instruções se aplicaram a toda a ἐκκλησίᾳ (ekklesía), sem exceção.

Não foram somente os que estavam reunidos em Atos 1:6-8 que receberam o

dom do Espírito Santo em Atos 2, e que foram envolvidos na tarefa específica

da proclamação, mas toda a ἐκκλησίᾳ (ekklesía). É certo que cada um

contribuiu de forma diferente, de acordo com a graça, com o dom que recebeu

do Espírito Santo, e foi Pedro quem se dirigiu à multidão. Mas são todos os

discípulos de Cristo, como parte integrante da sua ἐκκλησίᾳ (ekklesía), que,

conforme a capacitação que lhes é dada pelo Espírito Santo, são chamados

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para serem seus μάρτυρες (mártyres), suas testemunhas em Jerusalém, em

toda a Judéia e Samaria, e até os confins da terra, tanto através da vida

eclesial, como envolvendo-se ativamente na proclamação da mensagem. Não

há no Novo Testamento base para uma proclamação desassociada da vida

eclesial.

A pessoa do Espírito Santo

O Espírito Santo é Deus (2 Cor. 3:17). Jesus O chama em João 14:16 de O

Outro Consolador, no grego, ἄλλον παράκλητον (állon parákleton). No grego,

ἄλλος (állos) indica outro do mesmo tipo, da mesma natureza. Trata-se de um

adjetivo que expressa distinção numérica, diferentemente de ἕτερος (héteros),

que significa outro de um tipo diferente, de uma qualidade diferente, expressando

distinção qualitativa, como no texto de Gálatas 1:6 (ἕτερον εὐαγγέλιον –

héteron euangélion). Παράκλητος (parákletos) é uma palavra grega muito rica em

seu significado, e significa Consolador, Aquele que fortalece, Conselheiro,

Ajudador, Defensor, Aliado, Companheiro Inseparável de luta ou Aquele que

permance ao nosso lado; Advogado, no sentido dAquele que nos defende e

intercede por nós; Amigo. É a mesma palavra usada para se referir a Jesus em 1

João 2:1. Se compararmos a obra do Espírito descrita em Rom. 8:26, 27 com a

obra de Cristo descrita em Rom. 8:31-34, e as características do Παράκλητος

(parákletos) com os atributos de Jesus descritos em Isaías 9:6, veremos que tanto

o Filho como o Espírito compartilham dos mesmos atributos, e que o Espírito

realmente faz jus à designação de Jesus de ἄλλον παράκλητον (állon

parákleton), de outro do mesmo tipo, e que tanto o Filho como o Espírito Santo

compartilham da mesma essência e natureza. O Espírito Santo é onisciente (1

Cor. 2:10, 11); é onipresente (Sal. 139:7). O Espírito Santo é eterno (Hebreus

9:14).

O Espírito Santo é criador. Em Gên. 1:2 a expressão “se movia” – no

hebraico ת פ� � ח� ר – מ� merahêfeth, está no Piel (modo verbal hebraico que expressa

intensidade) do verbo ף ח rahâf, raiz que literalmente significa “ser suave”. O – ר�

verbo significa no seu modo perfeito (Qal) significa “provocar uma forte emoção,

especialmente com um sentimento de amor sensível, compassivo”; daí, significa

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também “tratar com carinho, acarinhar, acariciar, alimentar, nutrir, acalentar”. No

modo intensivo (Piel), significa “chocar, incubar, afagar, acariciar”. É usado para

se referir a pássaros que não somente chocam, mas cuidam com todo carinho e

dedicação de seus filhotes, ou pais que cuidam de seus filhos de uma forma

terna, sensível, carinhosa, compassiva. É dessa mesma forma que o Espírito

Santo participou ativamente na criação do ser humano (Gên. 1:26), continua

agindo na criação (Salmo 104:30), e continua agindo hoje (João 16:8). O Espírito

Santo é soberano (1 Cor. 12:11); é uma pessoa – Ele ensina, faz lembrar (João

14:26), e age com propósito (1 Cor. 12:7), atributos característicos de pessoas.

Lidório em sua abordagem não está preocupado em definir quem é o

Espírito Santo. Seu foco é buscar responder à pergunta: “qual é a relação entre a

pessoa do Espírito Santo e a expansão do Evangelho?”. Em relação à pessoa do

Espírito Santo, Lidório identifica no que Ele é como Παράκλητος (parákletos) a

indicação de sua função em relação à Igreja, de estar na Igreja, permanecendo ao

seu lado, e chamando-a para estar ao lado Dele na realização do propósito de

Deus. Ele cita John Knox, que diz que a essência da função do Espírito Santo é

estar ao lado da igreja de Cristo e fazê-la possuir a face de Cristo e espalhar o

nome de Cristo.

Em relação ao que Jesus ensina sobre a pessoa do Espírito Santo em

João 16:8, que Ele convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo

(convencer – grego ἐλέγχω – elégkho – convencer com sólida e forte evidência,

especialmente para expor, demonstrar, evidenciar e provar o que é errado, o que

é justo, e a certeza do julgamento), Lidório identifica a sua função em relação aos

perdidos. Ele ressalta que o ser humano decaído reconhece que é pecador, mas

que não pode ver com clareza meridiana a sua condição de perdido, de

condenado em virtude do seu pecado, e a sua necessidade de redenção, a não

ser por intermédio do Espírito Santo. É somente o Espírito Santo que pode

convencer com sólida e forte evidência, expondo, demonstrando, evidenciando e

provando o que está errado, o que é justo, e a certeza do julgamento de Deus,

infundindo no coração humano a certeza do juízo de Deus, e a consciência do

seu estado de perdição e condenação sem Cristo.

Assim, a manifestação e a expansão do Reino de Deus estão diretamente

ligadas à obra do Espírito Santo. É Ele quem capacita a Igreja tanto a dar um

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testemunho de vida eclesial válido, coerente com a mensagem do Evangelho,

como também a proclamá-lo de maneira que a integralidade do seu conteúdo seja

preservada, e ao mesmo tempo contextualizada. A ação do Espírito Santo não

produz uma igreja enclausurada, segmentada, ou auto-centrada. A ação do

Espírito Santo produzirá na vida da Igreja uma verdadeira unidade, onde a

diversidade não será nem antagônica nem ameaça a essa unidade. O Espírito

Santo é fonte tanto de uma rica vida eclesial, como da exteriorização e extensão

dessa vida em missão. É Ele quem torna essa igreja por Ele enriquecida uma

igreja missionária. É Ele quem a inspira, a capacita e a impulsiona a proclamar

fielmente a mensagem do Evangelho, estando sempre ao lado dela, e

persuadindo eficazmente aqueles que recebem o seu testemunho e a sua

proclamação, de maneira que esse testemunho e proclamação exerçam um

impacto relevante sobre o contexto no qual ela está inserida. O Espírito Santo faz

a Igreja de Cristo caminhar unida em direção ao mundo, centrada em Cristo. É

Ele que faz com que a Igreja de Cristo se dê a conhecer e se estenda, e com que

ela assim manifeste sua fonte e origem ao mundo.

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