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FACULDADE MERIDIONAL - IMED PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM DIREITO PPGD CURSO DE MESTRADO EM DIREITO A IMPORTÂNCIA DEMOCRÁTICA DA POLÍTICA JURÍDICA PARA OS CONSELHOS MUNICIPAIS DE SAÚDE FABIANO CÉSAR BOLNER Passo Fundo, fevereiro de 2016

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FACULDADE MERIDIONAL - IMED

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM DIREITO – PPGD

CURSO DE MESTRADO EM DIREITO

A IMPORTÂNCIA DEMOCRÁTICA DA POLÍTICA JURÍDICA PARA

OS CONSELHOS MUNICIPAIS DE SAÚDE

FABIANO CÉSAR BOLNER

Passo Fundo, fevereiro de 2016

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COMPLEXO DE ENSINO SUPERIOR MERIDIONAL - IMED

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM DIREITO – PPGD

CURSO DE MESTRADO EM DIREITO

A IMPORTÂNCIA DEMOCRÁTICA DA POLÍTICA JURÍDICA PARA OS CONSELHOS MUNICIPAIS DE SAÚDE

FABIANO CÉSAR BOLNER

Dissertação submetida ao Curso

de Mestrado em Direito do

Complexo de Ensino Superior

Meridional – IMED, como

requisito parcial à obtenção do

Título de Mestre em Direito.

Orientador: Professor Doutor Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino

Passo Fundo, fevereiro de 2016

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CIP – Catalogação na Publicação

B693i Bolner, Fabiano César

A importância democrática da política jurídica para os conselhos municipais de saúde / Fabiano César Bolner. – 2016.

154 f. : il. ; 30 cm.

Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade Meridional – IMED, Passo Fundo, 2016.

Orientador: Professor Doutor Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino.

1. Política jurídica. 2. Democracia. 3. Saúde pública – Conselhos municipais. I. Aquino, Sérgio Ricardo Fernandes de, orientador. II. Título.

CDU: 340.12

Catalogação: Bibliotecária Angela Saadi Machado - CRB 10/1857

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

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DEDICATÓRIA

Dedico a minha esposa Roberta, aos meus filhos Gabriel e Kauê pela paciência

pelos momentos de convivência renunciados.

Aos meus Pais João Cláudio e Therezinha, os quais mesmos enfermos doaram

energias positivas sobre minha tarefa.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao Professor Doutor Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino pela

compreensão e ensinamentos sobre a vida acadêmica.

Ao Professor Doutor Márcio Ricardo Staffen, Coordenador do Programa de

Mestrado da IMED pela serenidade e oportunidade de conclusão do Curso.

A Professora Doutoranda Daniela Gomes pelo auxílio e incentivos.

Ainda ao Professor Dr. Neuro José Zambam pelas conversas de corredores e

conselhos.

Aos demais professores do Programa de Pós-Graduação da IMED.

Aos amigos e demais familiares pelos momentos de escuta e troca de

experiências.

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EPÍGRAFE

Não me entrego sem lutar

Tenho ainda coração

Não aprendi a me render

Que caia o inimigo então

VILLA-LOBOS, Dado. RUSSO, Renato – Metal contras as nuvens, Legião Urbana

– EMI Gravadora, 1991.

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RESUMO

Esta dissertação visa a descrição da Política Jurídica e sua conexão com a Democracia, tendo em vista a perspectiva de aplicação de seus alicerces nos processos decisórios dos Conselhos Municipais de Saúde e que incidam sobre os Governos Locais a fim de efetivar as mudanças normativas que se fizerem necessárias. A pesquisa pertence à Linha de Pesquisa Fundamentos do Direito e da Democracia vez que ao analisar a Democracia (Participativa e Deliberativa), por meio da política jurídica, nos Conselhos Municipais de Saúde, isso pondera tanto sobre temáticas atinentes aos Fundamentos do Direito, quanto faz uma análise acerca da Democracia, notadamente, os modelos participativo e deliberativo. O objetivo geral é investigar se os Conselhos Municipais de Saúde, através da Política Jurídica expressam a Democracia. Por meio dos objetivos específicos pretende-se: a) apresentar as características e peculiaridades da Democracia Deliberativa e Participativa; b) identificar o surgimento e o porquê da criação dos Conselhos Municipais de Saúde e as particularidades; c) avaliar, por meio da Política Jurídica, o uso democrático da Lei n. 8.142/90 que autorizou a criação dos Conselhos Municipais de Saúde; d) verificar se as decisões dos Conselhos Municipais de Saúde encontram repercussão nas decisões dos gestores públicos; Empregando do método dedutivo, executou-se a análise da categoria Política Jurídica através dos referencias teóricos: Alf Ross, Miguel Reale, Osvaldo Ferreira de Melo, Gilberto Callado de Oliveira e Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino; discorreu-se a caracterização da Democracia; apresentou-se a história, epistemologia e formas; os Conselhos Municipais de Saúde, sua formação e leis; destacaram-se os Conselhos como expressão da Democracia; verificou-se a Política Jurídica como instrumento de aperfeiçoamento democrático por meio dos Conselhos Municipais de Saúde.

Palavras-chave: Conselhos Municipais de Saúde. Democracia. Política Jurídica.

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ABSTRACT

This thesis aims at the description of the Legal Policy and its connection with democracy, with a view to application perspective of its foundations in the decision-making processes of the Municipal Health Councils and levied on local governments to carry out the regulatory changes that may be needed. The research belongs to the Law Fundamentals Research Line and Democracy time to analyze Democracy (Participatory and Deliberative), through legal policy, the Municipal Health Councils, it considers both on topics relating to the Law of Foundations, as does an analysis of democracy, namely, participatory and deliberative models. The overall objective is to investigate whether the Municipal Health Councils, through legal policy express Democracy. Through specific objectives it aims to: a) present the characteristics and peculiarities of deliberative and participatory democracy; b) identify the emergence and why the creation of the Municipal Health Councils and characteristics; c) to evaluate, through the Legal Policy, the democratic use of the Law n. 8.142 / 90 which authorized the creation of the Municipal Health Councils; d) verify that the decisions of the Municipal Health Councils found effect on decisions of public officials; Using the deductive method, performed the analysis of the category Legal Policy through the theoretical references: Alf Ross, Miguel Reale, Osvaldo Ferreira de Melo, Gilberto Callado de Oliveira and Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino; He spoke the characterization of Democracy; He presented the history, epistemology and forms; Municipal Health Councils, their training and laws; stood out the councils as an expression of democracy; it was the Legal Policy as a democratic improvement instrument through Municipal Health Councils Key-words: Municipal Health Councils. Democracy. Legal Policy.

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LISTA DE CATEGORIAS E CONCEITOS OPERACIONAIS

Cidadania: “Num conceito mais político-jurídico tradicional, ser parte de um

Estado soberano, cuja adesão lhe concede um certo status, bem como votar e

poder ser votado, são as únicas condições para a definição de cidadania. [...]

assim, estariam em jogo duas dimensões: pertencer ou não a uma soberania e

ser por ela reconhecido como parte de seus cidadãos, o que passa por critérios

de aceitação definidos nas esferas político-diplomática e cívico-jurídica (ius soli,

ius sanguini); estar no gozo dos direitos políticos, podendo votar (cidadania ativa)

e ser votado (cidadania passiva) nos processos de participação política. [...]

exercitar cidadania não significa, em momento algum, delegar ao Estado a tarefa

de gerenciar políticas públicas, ações estratégicas ou investimentos adequados

em justiça social. Isto, sem dúvida, é a condição sine qua non para que a política

se exerça de modo salutar em prol de uma sociedade. No entanto, na linha de

raciocínio que se está desenvolvendo, não se pode considerar a cidadania uma

atitude passiva, e muito menos representativa, que se delega a representantes

políticos investidos de poder para mandato eletivo que se escolhem por voto

periódico”.1

Consciência Jurídica: “1. Aspecto da Consciência Coletiva que se apresenta

como produto cultural de um amplo processo de experiências sociais e de

influências de discursos éticos, religiosos, etc., assimilados e compartilhados.

Manifesta-se através de Representação Jurídicas e de Juízos de Valor. 2.

Capacidade individual ou coletiva de arbitramento dos valores jurídicos. 3.

Conjunto de sentimentos éticos e de ideais aplicados à vida jurídica”.2; “é capaz

de identificar e reconhecer quais dessas experiências e sensações se tornam

indispensáveis para a melhoria contínua de uma convivência digna entre todos e

que precisam receber o tratamento legal que ampara o seu exercício e

reivindicação”.3

1 BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Cidadania: condição de exercício dos direitos humanos. PANÓPTICA - Direito, Sociedade e Cultura, [S.l.], v. 1, n. 1, p. 01-05, set. 2006.. Disponível em: <http://www.panoptica.org/seer/index.php/op/article/view/96/105>. Acesso em: 17 fev. 2016. 2 MELO, Osvaldo Ferreira. Dicionário de Política Jurídica. Florianópolis: OAB-SC, p. 22-23. 3PASOLD, Cesar Luiz; AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. Sobre a (Des) necessidade da Lei: Primeiros Fundamentos de Política Jurídica. http://emporiododireito.com.br/sobre-a-

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Conselhos Municipais: “Conselhos gestores setoriais são uma das principais

inovações democráticas no campo das políticas publicas – ao estabelecerem

espaços de interlocução permanente ente Sociedade política e a Sociedade civil

organizada”. 4

Conselhos Municipais de Saúde: “O Conselho de Saúde, em caráter permanente e

deliberativo, órgão colegiado composto por representantes do governo, prestadores de

serviço, profissionais de saúde e usuários, atua na formulação de estratégias e no

controle da execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos

aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo chefe do

poder legalmente constituído em cada esfera do governo”.5

Constituição: “Constituição é o fundamento de validade (superior) do

ordenamento e consubstanciadora da própria atividade político estatal”. 6

Constituição da República Federativa do Brasil: “A Constituição do Brasil, [...],

em que pese o seu caráter aberto, é uma Constituição voltada para transformação

das estruturas econômicas e sociais”. Além da carga elevada de direitos

fundamentais e princípios consagradores das promessas da modernidade e do

caráter compromissário do texto da Constituição brasileira, este “traz em seu bojo

os mecanismos para implantação da política de Welfare State”.7

Descentralização: “Descentralização é a distribuição de competências de urna

para outra pessoa, física ou jurídica”.8

Democracia: “definição mínima de democracia segundo a qual por regime

democrático entende-se primariamente um conjunto de regras de procedimento

desnecessidade-da-lei-primeiros-fundamentos-de-politica-juridica-por-cesar-luiz-pasold-e-sergio-ricardo-fernandes-de-aquino/. Acessado em 14 de fevereiro de 2016. 4 SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos. RIBEIRO, Luiza César de Queiroz; AZEVEDO, Sérgio de Governança democrática e poder local: a experiência dos conselhos municipais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 2004, p. 66 5 BRASIL. Ministério da Saúde. Para entender o controle social na saúde. Brasília: Ministério da

Saúde, 2013. p. 37. 6 STRECK, Lênio Luiz. Jurisdição constitucional e decisão jurídica. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 3. ed., 2013, p.37. 7 STRECK, Lênio Luiz. Jurisdição constitucional e decisão jurídica., p.43. 8 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 27. ed., 2014, p. 29/30.

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para formação de decisões coletivas, em que está prevista e facilitada a

participação mais ampla possível dos interessados”.9

Democracia Direta: “Para que existe democracia direto no sentido próprio da

palavra, isto é, no sentido em que direto quer dizer que o indivíduo participa ele

mesmo nas deliberações que lhe dizem respeito, é preciso que entre os

indivíduos deliberantes e a deliberação não exista nenhum intermediário”.10

Democracia Indireta: “democracia representativa’ significa genericamente que

as deliberações coletivas, isto é, as deliberações que dizem respeito à

coletividade inteira, são tomadas não diretamente por aqueles que dela fazem

parte, mas por pessoas eleitas para esta finalidade”.11

Democracia Participativa: “significa genericamente que as deliberações

coletivas, isto é, as deliberações que dizem respeito à coletividade inteira, são

tomadas não diretamente por aqueles que dela fazem parte, mas por pessoas

eleitas para essa finalidade”.12

Democracia Deliberativa: “entende que a democracia Deliberativa se trata “de

uma aproximação da democracia Direta. É um sistema misto, que guarda linhas

gerais do regime representativo, porque o povo não se governa diretamente, mas

tem o poder de intervir”.13

Direito Fundamental: “[...] princípios que resumem a concepção do mundo e

informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para

designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele

concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as

pessoas”. 14

Direito Fundamental à Saúde: “[...]direito à saúde, verifica-se que assim como é

correto [...] deduzir da Constituição um direito fundamental à saúde (como

9 BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. Marco Aurélio Nogueira, São Paulo: Paz e Terra 2000, p. 22. 10 BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. p. 63. 11 BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. p.44 12 BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. p.56. 13 AZAMBUJA, Darcy. Introdução à Ciência Política. 5. ed. São Paulo: Globo, 2003, p. 223-224. 14 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005 p. 178.

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complexo de deveres e direitos subjetivos negativos e positivos), também parece

certo que ao enunciar que a saúde – além de ser um “direito de todos”, “é dever

do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à

redução do risco de doença e de outros agravos...” (art. 196 da CF de 1988), a

nossa Lei Fundamental consagrou a promoção e proteção da saúde para todos

como um objetivo (tarefa) do Estado, que, na condição de norma impositiva de

políticas públicas, assume a condição de norma de tipo programático.”15

Devir: “[...] daquilo que sugere mudanças para se alcançar um determinado

objetivo. Essa categoria será utilizada a partir da Política Jurídica para

fundamentar a necessidade de modificações entre o direito que é para o direito

que deve ser”.16

Dogmática Jurídica: “Dogmática Jurídica funciona como um sistema de

conceitos, princípios e normas e, portanto, podemos, para melhor compreensão

de seu comportamento e inter-relações com o ambiente social, utilizar a

abordagem sistêmica como referência teórica”.17

Princípio da Equidade: “O princípio da equidade reconhece que os indivíduos

são diferentes entre si e, portanto, merecem tratamento diferenciado que elimine

(ou reduza) a desigualdade. Neste caso, os indivíduos pobres, por exemplo,

necessitam de mais recursos públicos que os indivíduos ricos”.18

Estado: “Do ponto de vista de uma definição formal e instrumental, condição

necessária e suficiente para que exista um Estado é que sobre um determinado

território se tenha formado um poder em condição de tomar decisões e emanar os

comandos correspondentes vinculatórios para todos aqueles que vivem naquele

15 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora 11. ed. 2012. 16 MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionário de Política Jurídica. p. 30. 17 MELO, Osvaldo Ferreira. Temas atuais de Política do Direito. Sergio Antonio Fabris Editor/CMCJ-UNIVALI: Porto Alegre, 1998, p. 73. 18 MEDEIROS, Marcelo. Texto para Discussão, 687: Princípios de justiça na alocação de recursos em saúde. Rio de Janeiro: IPEA; 1999, p. 4. Disponível em: www.en.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/TDs/td_0687.pdf Acessado em: 19 de fevereiro de 2016.

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território e efetivamente cumpridos pela grande maioria dos destinatários na maior

parte dos casos em que a obediência é requisitada”.19

Estado Democrático de Direito: “O Estado Democrático de Direito representa,

assim, a vontade constitucional de realização do Estado Social. É um plus

normativo em relação ao direito promovedor-intervencionista próprio do Estado

Social de Direito. [...] a forma/modelo de Estado Democrático de Direito está

assentado dos dispositivos que estabelecem os mecanismos de realização da

democracia – nas suas diversas formas – e os direitos fundamentais”.20

Hierarquização: “A hierarquização, por sua vez, é termo técnico do setor

sanitário, que indica a execução da assistência à saúde em níveis crescentes de

complexidade, assinalando que o acesso aos serviços de saúde deve ocorrer a

partir dos mais simples em direção aos níveis mais altos de complexidade, de

acordo com o caso concreto e ressalvadas as situações de urgência. Por meio da

hierarquização, os serviços de saúde são organizados e distribuídos, partindo-se

das ações de atenção básica, comuns a todos os Municípios, passando pela

assistência de média e alta complexidade, já centralizadas em Municípios de

maior porte, para alcançar então os serviços de grande especialização,

disponíveis somente em alguns grandes centros do país”.21

Princípio da Integralidade: “O princípio da integralidade de atendimento

determina que a cobertura oferecida pelo SUS deva ser a mais ampla possível – o

que evidentemente não afasta a existência de certos limites, sobretudo

técnicos[...] O que neste momento cabe assinalar é a incidência direta, nesta

seara, dos princípios da precaução e da prevenção, por sua vez umbilicalmente

ligados às noções de eficácia e segurança, determinando a prioridade das

atividades preventivas, tanto no sentido mais restrito das ações de medicina

preventiva, quanto, num senso mais amplo, respaldando as ações de vigilância e

19 BOBBIO, Norberto. Estado, governo e sociedade: para uma teoria geral da política. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Paz e Terra, 2000, p. 95. 20 STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise: uma exploração hermenêutica da

construção do Direito. 7. Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007, p. 37. 21 SARLET, Ingo Wolfgang Sarlet; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Algumas considerações sobre o direito fundamental à proteção e promoção da saúde aos 20 anos da Constituição Federal de 1981, p. 13.

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polícia sanitária, bem como as medidas voltadas à prestação de saneamento

básico e à garantia de um ambiente sadio e equilibrado. [...] De outra parte, a

integralidade do atendimento reflete a ideia de que as ações e os serviços de

saúde devem ser tomados como um todo, harmônico e contínuo, de modo que

sejam simultaneamente articulados e integrados em todos os aspectos (individual

e coletivo; preventivo, curativo e promocional; local, regional e nacional) e níveis

de complexidade do SUS – característica vinculada à unidade do sistema,

especialmente quanto ao planejamento”.22

Lege Ferenda: “Significa nos moldes da lei que deve ser. Usa-se a expressão

quando há inconformidade com o conteúdo de uma norma em vigor e se propõe a

sua correção, ou mesmo a sua derrogação ou revogação. É a síntese das

motivações básicas para a ação político-jurídica”.23

Norma Jurídica: “é aquela norma cuja execução é garantida por uma sanção

externa e institucionalizada”.24

Participação dos Cidadão: “O princípio da participação popular na gestão e no

controle da Administração Pública é inerente à ideia de Estado Democrático de

Direito, referido no Preâmbulo da Constituição de 1988, proclamado em seu artigo

1 º e reafirmado no parágrafo único, com a regra de que "todo o poder emana do

povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente, nos

termos desta Constituição"; além disso, decorre implicitamente de várias normas

consagradoras da participação popular em diversos setores da Administração

Pública, em especial na parte referente à ordem social”.25

22 SARLET, Ingo Wolfgang Sarlet; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Algumas considerações sobre o direito fundamental à proteção e promoção da saúde aos 20 anos da Constituição Federal de 1981. p. 13. 23 MELO, Osvaldo F. Dicionário de Política Jurídica. OAB/SC Editora. Florianópolis. 2000, p. 24 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Apresentação de Tércio Sampaio Ferraz Júnior. Tradução de Maria Celeste C. J. Santos. Revisão técnica de Cláudio De Cicco. 5.ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1994, p. 7. 25 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella Direito administrativo., p.709

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Plano Municipal de Saúde: “O Plano de Saúde é o documento que abrange

diagnóstico, estratégias, prioridades e metas. Ele deve ser submetido,

obrigatoriamente e na íntegra, aos Conselhos de Saúde”.26

Política Jurídica: “o conjunto de estratégias que visam à produção de conteúdo

da norma e sua adequação aos valores de Justiça e Utilidade Social”.27 Aquino “A

Política Jurídica, portanto, é caracterizada como Política Pública porque se

organiza a Sociedade a partir de suas interações diárias (Relações Humanas),

suas condições éticas e morais, bem como os modos de produção cultural nos

quais perseveram na manutenção de cenários pacíficos. O significado e conteúdo

da Norma Jurídica não são determinados pelo Estado, mas pelas pessoas”.28

Política Pública: “política pública como o campo do conhecimento que busca, ao

mesmo tempo, “colocar o governo em ação” e/ou analisar essa ação (variável

independente) e, quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas

ações (variável dependente). A formulação de Políticas Públicas constitui-se no

estágio em que os governos democráticos traduzem seus propósitos e

plataformas eleitorais em programas e ações que produzirão resultados ou

mudanças no mundo real”.29

Político do Direito: “político do direito não só um operador ou um consultor da

política legislativa em teoria da legislação, mas também um importante

investigador dos fatos e dos valores que interessam à formação e à aplicação do

direito de que a sociedade necessita e que legitimamente deseja.[...] O político do

direito não será assim um mero assessor do legislador como propôs Ross, mas

um humanista que perceba a necessidade de direcionar o direito para a vida, um

cientista que saiba aplicar adequada metodologia para analisar e criticar o direito

vigente em seus aspectos não formais e o “sensitivo” capaz de perceber os

26 BRASIL. Ministério da Saúde. Para entender o controle social na saúde. p. 117. 27 MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionário de política jurídica. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2000, p. 77. 28 AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. Reflexões sobre a norma jurídica na pós-modernidade. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 97, fev. 2012. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11163>. 29 SOUZA, Celina. Políticas Públicas: uma revisão da literatura Sociologias, Porto Alegre, ano 8, nº 16, jul. / dez 2006, p. 20/45. Disponível em: Acessado em 20 de fevereiro de 2016.

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valores democráticos que devem guiar o atendimento dos anseios sociais por

parte dos aparelhos do Estado”.30

Pós-Modernidade: “A Pós-modernidade, portanto, é um processo cultural em

formação. Trata-se de transfiguração sobre a convivência na qual não caracteriza

tão somente a partir de conceitos abstratos, mas da Vida em seus múltiplos

significados”.31

Povo: “[...] Foi só com a redescoberta romântica do Povo, já em coincidência com

uma visão política nacional, que identificava o Estado com a nação e, portanto,

dava novo e maior valor a tudo o que compunha a realidade nacional, que ele

começou outra vez a ser sentido como possível sujeito de vida política. Mas a sua

revelação havia de estar depois concretamente ligada aos grandes processos de

transformação econômico social iniciados com a era industrial no século XIX e

com a consequente formação de grandes partidos políticos populares”.32

Princípio da Regionalização – “A atuação regionalizada permite a adaptação

das ações e dos serviços de saúde ao perfil epidemiológico local, atendendo não

apenas às diretrizes da Organização Mundial de Saúde (OMS), como às

reivindicações do Movimento de Reforma Sanitária e conformando-se, em certa

medida, à reconhecida tradição municipalista brasileira. Neste sentido, é possível

verificar um evidente liame entre a estrutura constitucional do SUS e o princípio

federativo, que no Brasil tem a peculiaridade de um terceiro nível de poder

formado pelos Municípios”.33

Sociedade Civil: “Sociedade civil é representada como o terreno dos conflitos

econômicos, ideológicos, sociais e religiosos que o Estado tem a seu cargo

resolver, intervindo como mediador ou suprimindo-os; como a base da qual

partem as solicitações às quais o sistema político está chamado a responder;

30 MELO, Osvaldo Ferreira de. Considerações sobre política jurídica. Seqüência: Estudos Jurídicos e Políticos, Florianópolis: UFSC, 1987, p. 12/13. 31 AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. Reflexões sobre a norma jurídica na pós-modernidade. 32 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Coord. Trad. João Ferreira; rev. geral João Ferreira e Luis Guerreiro Pinto Cacais. - Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1. ed. 1998, p. 987. 33SARLET, Ingo Wolfgang Sarlet; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Algumas considerações sobre o direito fundamental à proteção e promoção da saúde aos 20 anos da Constituição Federal de 1981, p. 12.

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como o campo das várias formas de mobilização, de associação e de organização

das forças sociais que impelem à conquista do poder político”.34

Sustentabilidade: “A conquista da sustentabilidade deve expressar-se como obra

de engenharia política, envolvendo parcerias, acordos e negociações, bem como,

procurando dividir o poder do Estado com a sociedade”. 35

Universalidade: “Por universalidade se entende a capacidade que têm os

detentores do poder político, e eles sós, de tomar decisões legítimas e

verdadeiramente eficazes para toda a coletividade, no concernente à distribuição

e destinação dos recursos (não apenas econômicos)”.36

34 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. p.1210. 35 JARA, Carlos Julio. A sustentabilidade do desenvolvimento local. Brasília: Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura, 1998, p. 241. 36 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Coord. Trad. João Ferreira; rev. geral João Ferreira e Luis Guerreiro Pinto Cacais. - Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1ª ed. 1998, p. 957.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CRFB/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

CMS Conselho Municipal de Saúde

SUS Sistema Único de Saúde

SMS Secretaria Municipal de Saúde

NOB Norma Operacional Básica

ONG’S Organizações Não-Governamentais

PAS Programação Anual de Saúde

PMS Plano Municipal de Saúde

LGBT Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................................................22

CAPÍTULO 1.......................................................................................27

DEMOCRACIA DELIBERATIVA E POLÍTICA JURÍDICA.................27 1.1. DEMOCRACIA...............................................................................................28

1.1.1HISTÓRIA......................................................................................................32

1.1.2 Etimologia....................................................................................................45

1.1.3 Ideia da democracia como ideal, valor, virtude e prática........................48

1.2 FORMAS..........................................................................................................54

1.2.1. Direta...........................................................................................................55

1.2.2. Indireta........................................................................................................56

1.2.3. Participativa................................................................................................57

1.2.4. Deliberativa.................................................................................................61

1.3 Contribuição da Política Jurídica para efetividade da Democracia..........63

CAPÍTULO 2.......................................................................................70

FUNDAMENTOS DA POLÍTICA JURÍDICA......................................70 2.1. Compreendendo o conceito de Política Jurídica.......................................70

2.2. Idéia de Política Jurídica na Expressão da "Lege Ferenda".....................77

2.3. Contribuição da Política Jurídica para a elaboração de um sentido

democrático dos Conselhos Municipais de Saúde..........................................83

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CAPÍTULO 3.......................................................................................92

A LEI 8142/1990 COMO EXPRESSÃO DE DEMOCRACIA PELA POLÍTICA JURÍDICA..........................................................................92

3.1 PARÂMETROS CONCEITUAIS E LEGAIS DE FORMAÇÃO DOS

CONSELHOS MUNICIPAIS..................................................................................92

3.2 OS CONSELHOS MUNICIPAIS DE SAÚDE COMO EXPRESSÃO DA

DEMOCRACIA......................................................................................................99

3.3 A POLÍTICA JURÍDICA COMO INSTRUMENTO DE APERFEIÇOAMENTO

DEMOCRÁTICO DOS CONSELHOS MUNICIPAIS DE SAÚDE........................113

CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................128

REFERÊNCIAS.................................................................................138

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INTRODUÇÃO

Essa pesquisa pertence à Linha de Pesquisa Fundamentos do Direito e da

Democracia vez que analisa a Democracia (Participativa e Deliberativa), por meio

da Política Jurídica, nos Conselhos Municipais de Saúde. Em virtude disso

pondera tanto sobre temáticas atinentes aos Fundamentos do Direito, quanto faz

uma análise acerca da Democracia, notadamente, os modelos Participativo e

Deliberativo.

O objetivo geral é desta pesquisa científica é investigar se os Conselhos

Municipais de Saúde, através da Política Jurídica, expressam o exercício da

Democracia a partir da participação popular nas decisões dos Conselhos

Municipais de Saúde.

Como objetivos específicos pretende-se: a) apresentar as características e

peculiaridades da Democracia Deliberativa e Participativa; b) identificar o

surgimento e o porquê da criação dos Conselhos Municipais de Saúde e as

particularidades; c) avaliar, por meio da Política Jurídica, o uso democrático da Lei

n. 8.142/90 que autorizou a criação dos Conselhos Municipais de Saúde; d)

verificar se as decisões dos Conselhos Municipais de Saúde encontram

repercussão nas decisões dos gestores públicos;

Em termos históricos, o processo de redemocratização do Brasil é recente.

Os instrumentos criados pelo texto constitucional seguem um processo de

maturação temporal, ou seja, através do transcurso do tempo – onde só se

passaram 28 anos da promulgação da CRFB - podem os operadores do Direito

verificar a efetividade ou não daqueles. Nesse caso, cabe destaque à Lei Federal

8.142/90, que regulamentou a participação da comunidade nas decisões do

Sistema Único de Saúde – SUS.

As políticas de saúde são caracterizadas como matéria concorrente entre os

entes federados. Há responsabilidade solidária porque a criação dos Conselhos

Municipais de Saúde é obrigatória, o que deve ocorrer a partir de leis ordinárias,

de competência do Poder Executivo, sendo que as leis municipais tendem a

replicar as normas já estabelecidas pelas demais esferas de Governo.

Atualmente, devem existir 5570 Conselhos Municipais de Saúde, eis que

cada Município deve obrigatoriamente constituir tais espaços locais. Contudo, a

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dinâmica de funcionamento e de efetividade da atuação de tais Conselhos sofre

variação das mais diversas ordens, políticas, estruturais, entre outros. No

presente estudo o paradigma é o Conselho Municipal de Saúde de Passo Fundo.

Nesse contexto, a Política Jurídica tem o intuito de aperfeiçoar a norma

positivada, por meio da evolução, da transformação, da correção e da criação de

outros significados para o seu uso, para que se proporcione uma convivência

harmônica e inclusiva aos cidadãos, os quais são seus destinatários.

Esses, no entanto, devem, também, reivindica e exercer o conteúdo (pro)

posto pela lei dos Conselhos Municipais de Saúde na qual favorece a participação

de todos acerca das decisões referentes aos recursos destinados para a citada

área. Para que a Norma Jurídica se torne válida e eficaz no meio social, é

necessário que haja um aval de seus membros, na tentativa de minimizar as

distorções entre o discurso legal e a sua prática.

A criação doa Conselhos Municipais de Saúde ocorreu após o advento da

Lei 8.142/90 há cerca de 30 (trinta) anos. Por se tratar de um instrumento

importante para a ocorrência de melhorias e concretização do Direito

Fundamental à Saúde, é necessário que se verifique como a Política Jurídica,

contribui ao seu aperfeiçoamento para que, mais e mais, esse direito seja

assegurado, de modo democrático a todos, bem como haja significativa

participação das pessoas para sua maior eficácia.

Nessa linha de pensamento, é necessário que haja uma análise se

“verificação” da Política Jurídica sobre a Lei Municipal 8.142/92, que criou os

Conselhos Municipais de Saúde. Essa avaliação é importante do ponto de vista

social, eis que será possível identificar se existe a participação da Sociedade civil

no intuito de se mostrar as falhas e os acertos dos conselhos nos municípios

brasileiros para se ampliar o acesso do Direito Fundamental à Saúde.

Do ponto de vista jurídico, este estudo proporcionará uma avaliação da

Democracia Deliberativa e Participativa nos Conselhos Municipais de Saúde, na

tentativa de visualizar como alguns dos instrumentos democráticos (leia-se,

aqueles aplicados no âmbito de Conselhos Municipais de Saúde) têm se

comportado na contemporaneidade.

No aspecto acadêmico, há relevância da pesquisa, pelo fato de o direito à

saúde ser um Direito Fundamental assegurado no texto da Constituição Federal

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de 1988, em contrapartida, este direito tem sérias dificuldades em sua

implementação plena, pois há uma distorção entre a demanda e os recursos

públicos (sempre aquém do que se espera), daí a necessidade de compreender

se como (e se) a participação da Sociedade civil colabora na minimização destas

distorções.

A presente pesquisa conecta-se perfeitamente à linha de pesquisa

“Fundamentos do Direito e da Democracia”, vez que ao ponderar sobre a política

jurídica e o poder vinculante da Lei 8.142/90 à luz da Democracia Participativa e

Deliberativa, através dos Conselhos Municipais de Saúde, pondera tanto sobre

temáticas atinentes aos Fundamentos do Direito, quanto faz uma análise acerca

da democracia, notadamente, os modelos participativo e deliberativo.

Nesse contexto de exercício da democracia Participativa, a partir dos

Conselhos, reflete-se sobre a seguinte indagação, a qual se apresenta como o

problema de pesquisa desta Dissertação: as decisões proferidas pelos Conselhos

Municipais de Saúde asseguram espaço democrático de participação, a qual

poderão servir como parâmetro para melhoria da gestão pública?

Para elaboração desta dissertação, construíram-se as seguintes hipóteses:

a) A Democracia Participativa deveria corresponder à atuação social em

todas as políticas públicas, em especial, na saúde a fim de se assegurar

acesso a um Direito Fundamental plena que ela é.

b) A Política Jurídica, a partir da perspectiva Lege Ferenda, constitui

possibilidade para alteração legislativa, desde que se observe aquilo que a

Consciência Jurídica sinaliza como necessário para a melhoria da

convivência social e da atuação das instituições em prol de toda a

coletividade;

c) Os Conselhos Municipais de Saúde, no cotejo da Política Jurídica, devem

constituir espaços democráticos para a mudança social devidamente

registrados na Norma Jurídica e suas decisões serem respeitadas e

observadas.

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Principia–se, no Capítulo 1, com a discussão sobre Democracia e a

Política Jurídica, na qual serão apresentadas as questões históricas, etimológicas

e as formas utilizadas acerca do primeiro tópico citado. Ao final, apresenta-se,

brevemente, a contribuição da Política Jurídica para que haja o cumprimento do

objetivo da Democracia como modo de aquisição e exercício do Poder no Estado

nacional.

O Capítulo 2 conceituará a Política Jurídica, a sua finalidade e debaterá

como a sua principal contribuição, por meio da Lege Ferenda, favorece o

desenvolvimento das funções democráticas dos Conselhos Municipais de Saúde

na medida em que situa a participação como elemento indispensável à melhoria

de Políticas Públicas para que haja acesso deste serviço para as pessoas.

O Capítulo 3 dedica-se a estudos das bases teóricas e legislativas que

culminaram na criação dos Conselhos Municipais de Saúde. Se expressa, ainda,

como a Política Jurídica se torna instrumento necessário para que se acompanhe

das demandas sociais com o objetivo de tornar esse Direito Fundamental uma

construção de todos e para todos.

Para consecução do trabalho restou utilizado o Método Dedutivo onde

temos que a existência da Democracia (Premissa Maior) e como essa se

expressa nos Conselhos Municipais de Saúde (Premissa Menor), com base na

Política Jurídica37.

A técnica empregada será a da pesquisa bibliográfica38, por meio de

consultas a livros, revistas, legislação e demais materiais sobre o tema. Ainda

restou utilizada a técnica da Categoria39 e do Conceito Operacional40 a fim de

permitir uma visão do referencial teórico adotado.

37 “[...] base lógica da dinâmica da Pesquisa Científica que consiste em estabelecer uma formulação geral e, em seguida, buscar as partes do fenômeno de modo a sustentar a formulação geral”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da Pesquisa Jurídica: teoria e prática. 11. ed. Florianópolis. Conceito Editorial/Millenium, 2011, p. 207. 38 “[...] Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da Pesquisa Jurídica: teoria e prática. p. 212. 39 “[...] denominamos Categoria a palavra ou expressão de uma ideia” PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da Pesquisa Jurídica: teoria e prática. p. 25.

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Nesta Dissertação de Mestrado as categorias principais estão grafadas

com letras iniciais maiúsculas e seus conceitos operacionais estão dispostos no

início do trabalho científico.

40 “[...] Conceito Operacional (=Cop) é uma definição para uma palavra e expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das ideias que expomos. ” ” PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da Pesquisa Jurídica: teoria e prática. p. 50

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CAPÍTULO 1

DEMOCRACIA DELIBERATIVA E POLÍTICA JURÍDICA

O fundamento da Democracia pode ser hoje comumente identificado

pela famosa formulação de Lincoln “governo do povo, pelo povo e para o povo”. O

mecanismo democrático de organização social advém como oposição ao modo

autocrático e arbitrário do exercício do poder. A virada paradigmática operada

pela democratização conduz o povo da condição de subordinado do regente

absoluto a titular de sua ação livre para determinar as condições – materiais e

procedimentais – do convívio social e político. A legitimidade do governo do

Estado passa a emanar do povo e deve ser exercido pelo povo e em prol do povo.

A questão democrática assumiu na Pós-Modernidade uma

importância multidisciplinar na qual se mostra difícil discorrer sobre um tema

jurídico-político sem adentrar nos seus aspectos democráticos. Toda a questão

política ou jurídica interessa, em algum ponto, à coletividade e, portanto, deve ser

discutida como parte de uma Sociedade pluralista. Nessa linha de pensamento,

se mostra imprescindível sinalizar ao leitor ou leitora os principais enfoques deste

primeiro capítulo que guiará a investigação, os quais aparecerão em destaque

nos subcapítulos abaixo.

A partir desse argumento, traça-se, nesse momento, as dimensões

conceituais, históricas, etiológicas, classificatórias e dogmáticas da democracia

para se conhecer o significado jurídico-político que se busca alcançar na

investigação do processo democrático proposto.

A Democracia representa uma forma de organização da Sociedade

e do Estado centrada no ideário da participação dos cidadãos na vida política, que

pode se desenvolver de várias formas, dentre as quais a Direta, a Indireta, a

Participativa ou a Deliberativa, que diferem pelo efetivo grau de comprometimento

dos cidadãos nas tomadas de decisão, segundo se passará a discorrer.

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1.1.1 DEMOCRACIA

A definição de Democracia pode ser extraída da própria etimologia

do vocábulo, consoante se verá, composto por dois radicais linguísticos que

associam a ideia de Governo e Povo. Trata-se de uma forma coletiva de

deliberação das questões políticas da polis onde o sujeito de destaque é o Povo.

As grandes decisões da Sociedade deixam de ser impostas por um soberano cujo

critério de legitimidade para sua escolha não é participativo, porém metafísico,

passando a imanar diretamente dos próprios integrantes do Estado, que agora

são fonte e destinatários das normas legais.

A organização democrática do poder surge como oposição à tirania,

representada por um soberano autocrata que decide as normas jurídico-

organizatórias do Estado e os rumos da Sociedade. A sua legitimidade provém de

fontes externas à dimensão humana e, por esse motivo, está distante do meio

social no qual atua41.

Se, por um lado, a autocracia busca a resolução das contendas

sociais mediante a imposição centrífuga do poder (do centro para a periferia), com

a supressão de uma das opiniões divergentes e a outorga da decisão final, por

outro, o regime democrático rompe essa estrutura elitista e abre espaço para a

solução do conflito de forma centrípeta (da periferia para o centro) por meio do

diálogo entre os diversos atores envolvidos. Elege-se como melhor escolha

aquela proveniente do consenso entre as variadas opiniões expostas.

Enquanto o pensamento autocrático encara o conflito como um defeito a ser reparado pela supressão do agente supostamente causador do mau funcionamento do sistema, a visão democrática aponta para um modo de regulação dos conflitos que pressupõe a convivência com o conflito. Para a atitude democrática a superação das condições geradoras do conflito não se confunde, tal como na guerra, com a eliminação de algum (ou de alguns) dos pólos conflitantes. Na democracia os conflitos são regulados pela vontade majoritária, através de mecanismos de verificação das opiniões existentes numa dada coletividade. Para a atitude democrática é necessário que essas opiniões possam se manifestar diretamente. A democracia é, portanto, uma atitude baseada na liberdade de opinião, na política como esfera da opinião e na liberdade como fim da política.42

41 FRANCO, Augusto de. Capital Social. Brasília: Instituto de Política, p. 415. 42 FRANCO, Augusto de. Capital Social, p. 417.

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Pode-se definir a Democracia, sob o ponto de vista da existência e

possibilidade regulação de conflitos43, como um método pluralista e coletivo de

discussão dos destinos da Sociedade.

Contudo, como Warat44 apresenta

A democracia não se resolve na ordem sedentária, precisa de confronto com as leis do submundo para que não vire uma montagem de relações ocas, um punhado de liberdades de papel, finalmente substituídas por um estado de guerra pura: o quotidiano militarizado e o jogo do direito simulado. A democracia precisa de benções e de blasfêmias.

As decisões mais importantes e sensíveis advêm do consenso de

ideias e opiniões dos diversos atores sociais, mediante a vontade majoritária. Não

obstante, a Democracia não se resume à síntese do pensamento majoritário, mas

acolhe posições minoritárias, notadamente dos grupos menos representativos,

mediante a ponderação de interesses que conduza a formulação de um consenso

global. Nesse contexto é que Warat expõe:

Uma forma de sociedade democrática desenvolve níveis de significação comprometidos com a política, a economia, o saber e a personalidade [...]A marca da democracia é a criação permanente de novos direitos expondo os conflitos que os renovam e os transforma numa recriação (invenção) permanente da política.45

Deve a Sociedade democrática exigir cidadãos livres e iguais para

que sejam capazes de aceitar a presença e a opinião do outro no intuito de criar

um projeto comum de Sociedade. O ponto inicial da vontade democrática deve

surgir do interior de cada indivíduo, quando passa a aceitar a legitimidade dos

43 Warat “Acredito que o gesto inaugural de uma prática democrática consista no reconhecimento da legitimidade do conflito na sociedade. WARAT, Luís Alberto. A ciência jurídica e seus dois maridos. Santa Cruz do Sul: EDUNISC. 2 ed. p. 31. 44 WARAT, Luís Alberto. A ciência jurídica e seus dois maridos. p. 34. 45 WARAT, Luís Alberto. Introdução Geral do Direito. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, II. vol. p. 275.

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demais seres humanos para participarem da construção do pacto social. Veja-se,

acerca desse argumento, as palavras de Franco46:

A democracia está fundada no princípio de que é possível aceitar a legitimidade do outro, ou seja, de que os seres humanos podem gerar coletivamente projetos comuns de convivência que reconheçam a legitimidade do outro. Ao contrário da autocracia, na qual o modo predominante de regulação do conflito passa pela negação do outro, por meio da violência e da coação, a democracia é, como disse Maturana, um sistema de convivência ‘que somente pode existir através das ações propositivas que lhe dão origem como uma co-inspiração em uma comunidade humana’ (Maturana, 1993: 62) pelo qual se geram acordos públicos entre pessoas livres e iguais num processo de conversação que por sua vez, só pode se realizar a partir da aceitação do outro como um livre e um igual.

O consenso e o diálogo de interesses ganham na Democracia um

terreno fértil, no qual cada indivíduo é livre e igual para expor seu ponto de vista e

reivindicar as suas carências, seja no âmbito privado ou público. Esta pluralidade

de pretensões não deixa de gerar intersecções de contato entre os indivíduos que

devem ser mediadas pelo Estado.

Nesse viés, essa última entidade citada não deve ser mais

considerada como um leviatã, com vontade própria que pune e subjuga a

Sociedade, mas um instituto que está à disposição da coletividade para cumprir a

sua vontade e auxiliar na busca do bem comum. Para impedir o uso arbitrário do

Estado por governantes déspotas ocultados sob o manto da Democracia, um

Estado efetivamente democrático deve assegurar a todos Direitos Fundamentais

efetivos e válidos.

Não é possível se falar em Democracia sem que estejam

assegurados os direitos fundamentais; nem há como se afirmar os direitos

fundamentais sem a existência de um regime democrático. Há uma mútua

dependência e correlação entre a democracia e os direitos fundamentais, na qual

a resolução pacífica dos conflitos sociais encontra um elo comum entre ambos.

Nesse sentido, destaca Bobbio47 que,

46 FRANCO, Augusto de. Capital Social. Brasília: Instituto de Política, 2001. p. 399/400. 47 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho; Rio de Janeiro:

Elsevier, 2004, p. 07.

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Direitos do homem, democracia e paz são três momentos necessários do mesmo movimento histórico: sem direitos do homem reconhecidos e protegidos, não há democracia; sem democracia, não existem as condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos. Em outras palavras, a democracia é a Sociedade dos cidadãos, e os súditos se tornam cidadãos quando lhes são reconhecidos alguns direitos fundamentais;

A Sociedade democrática, ou seja, a Sociedade dos cidadãos livres

e iguais, somente se caracteriza conforme essa descrição na medida em que haja

um reconhecimento acerca das diferenças humanas e o estabelecimento de

garantias legais que impeçam a violação dos Direitos Fundamentais daqueles que

apresentam posicionamentos contrários ao estabelecimento de critérios –

políticos e jurídicos – para se criar, conhecer, exercitar e ampliar a implementação

de bens comuns. Quando se retiram da Sociedade os Direitos Fundamentais, os

cidadãos retornam à condição de súditos cuja única opção é aceitar as ordens

emanadas pelo Soberano.

Diante desse cenário, pode-se referir à Democracia como uma

Sociedade formada por cidadãos que atuam ativamente na vida da polis e

almejam a construção de um processo político de governo crítico e pluralista, que

acolhe as diversas opiniões e interesses, mediante um sistema aberto de

valoração de interesse. A Sociedade será democrática quando existir condições -

materiais e institucionais - para cada cidadão ser livre para participar na escolha

dos destinos a serem tomados. Nas palavras de Canotilho48:

A democracia é um processo dinâmico inerente a uma Sociedade aberta e activa, oferecendo aos cidadãos a possibilidade de desenvolvimento integral e de liberdade de participação crítica no processo político em condições de igualdade económica, política e social.

Somente numa Sociedade democrática, plural e aberta será possível

aos indivíduos se reunirem em conselhos e associações comunitárias para

deliberarem sobre Políticas Públicas e elegerem prioridades para o local onde

vivem a fim de elaborarem um ambiente mais igualitário, livre e justo.

48 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed.

Coimbra: Almedina, 2003, p. 289.

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O espaço assegurado aos indivíduos pela Democracia, seja qual for

sua modalidade, ultrapassa o âmbito pessoal para criar um local de livre

circulação de ideias e aberto a todo tipo de interferência positiva, a qual contribui

com o Estado e com a Sociedade nos rumos a serem seguidos e nas prioridades

buscadas.

Nos governos autocratas os interesses locais e específicos deveriam

ser suprimidos para manutenção da coesão social, pois o que importa é a

manutenção do status quo. Na autocracia prevalece o respeito à vontade do

Soberano, ainda que esta seja prejudicial à Sociedade. Já a Democracia repudia

esse monopólio do poder e dissolve-o entre todos do Povo, outorgando a cada

indivíduo a liberdade de buscar seus direitos e de formar um processo político de

participação crítica que desenvolva a Sociedade, seja local, regional, estadual ou

nacional.

Portanto, o modelo pluralista de ampla participação social na gestão

pública é o principal fundamento da Democracia Participativa que coloca o

cidadão comum no centro da Política Jurídica e contribui na formação das regras

impositivas que contribuirão para a resolução democrática de conflitos.

1.1.2 HISTÓRIA

A Democracia remonta à experiência grega, com a formação da

Polis, na qual se destaca na história da Sociedade Ateniense49. Buscar a origem,

o surgimento da Democracia como instrumento de efetivação dos direitos

fundamentais do Homem, é tarefa complexa, pois muitos doutrinadores como

Bobbio, Dahl, Maturana e Franco, afirmam que, embora os primeiros registros

remeterem sua fundação à Grécia, não é possível determinar com precisão a

primeira fonte de seu aparecimento na História.

49 Miglino “[...] as instituições da democracia ateniense são inspiradas nos valores de liberdade, igualdade e solidariedade, que se efetivam impedindo a concentração de poderes existentes na sociedade, sobretudo o econômico e político, promovendo a difusão; organizando a comunidade não através de ordens ditadas ao gosto de determinados homens, mas mediante regras instituídas pela própria comunidade, de acordo com seu interesse; promovendo a participação dos cidadãos na atividade pública; destinando ajuda para satisfazer as exigências da coletividade; atenuando as disparidades de condições políticas, econômicas, sociais e culturais dos cidadãos e oferecendo oportunidade a todos.” MIGLINO, Arnaldo. Democracia não é apenas procedimento. Tradução de Érica Hartmann, Curitiba: Juruá, 2006, p. 16.

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A Democracia, assim, não foi inventada de um momento para o

outro, como são criadas as coisas físicas. O conceito da Democracia, ao que

demonstra a História, parece ter sido moldado em diversos lugares, em períodos

diferentes, conforme explica Dahl50:

Muitas vezes é difícil ou até impossível encontrar uma resposta. O mesmo acontece com o desenvolvimento da democracia no mundo. Quanto de sua disseminação pode ser explicado simplesmente por sua difusão a partir das origens e quanto (se e que isto aconteceu) por ter sido criado de modo independente em diferentes épocas e diferentes lugares? Embora no caso da democracia a resposta esteja sempre rodeada por muita incerteza, minha leitura do registro da história e essencialmente esta: parte da expansão da democracia (talvez boa parte) pode ser atribuída a difusão de ideias e práticas democráticas, mas só a difusão não explica tudo. Como o fogo, a pintura ou a escrita, a democracia parece ter sido inventada mais de uma vez, em mais de um local. Afinal de contas, se houvesse condições favoráveis para a invenção da democracia em um momento, num só lugar (por exemplo, em Atenas, mais ou menos 500 anos a.C.), não poderiam ocorrer semelhantes condições favoráveis em qualquer outro lugar?

Essa situação se manifesta porque o conceito de Democracia não é

estático, ou seja, deve ser compreendido em um contexto histórico contínuo. Para

fins desta pesquisa, delineia-se, brevemente, a experiência dos gregos51, como a

primeira idealização do que viria a se tornar a democracia moderna. Bobbio52 já

afirmara, em discurso contrapondo a Democracia ao Despotismo, que “para um

regime democrático, o estar em transformação é seu estado natural: a

democracia é dinâmica, o despotismo é estático e sempre igual a si mesmo”.

A importante ressalva quanto à mutação do conceito de Democracia

se deve ao fato de que a escrita e seu conceito formal de governo do Povo, ou

50 DAHL, Robert Alan. Sobre a democracia. Tradução de Beatriz Sidou. Brasília: Editora

Universidade de Brasília, 2001, p. 19. 51 Miglino “[...] Ainda que de índole combativa, os atenienses compreendem a vantagem de transformar a hostilidade em competição regrada, demonstrando que é conveniente a todos resolver as diferenças apelando para a razão. A democracia como procedimento, como procedimentalização dos conflitos sociais, é invenção grega. Porém para os atenienses, a democracia não era apenas um conjunto de procedimentos que efetivavam os ideais de liberdade e igualdade: eles institucionalizaram um sistema solidário através do qual os recursos dos cidadãos eram proporcionais às suas capacidades econômicas”. MIGLINO, Arnaldo. Democracia não é apenas procedimento. p. 14. 52 BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. 1986. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. 6. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997, p. 09.

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governo de muitos, é realmente antigo, não obstante ser possível verificar a

queda da Democracia apresentada pelos gregos e romanos.

Segundo Maturana e Zoller53 “a democracia surgiu na praça do

mercado das cidades-estado gregas, na ágora, à medida que os cidadãos

falavam entre si acerca dos assuntos da sua comunidade e como um resultado de

suas conversações sobre tais assuntos”. Ágora eram os locais de reunião, da

Assembleia Popular, onde estes discutiam os assuntos mais relevantes da época,

dando opiniões e decidindo ações.

Como as Sociedades eram pequenas, todos se conheciam e todos

conseguiam comunicar-se entre si, “De sorte que o falar livremente sobre os

assuntos da comunidade na ágora, como se estes fossem problemas comuns

legitimamente acessíveis ao exame de todos, com certeza começou com um

acontecimento espontâneo e fácil para os cidadãos gregos”54.

Ao se reunirem para discutir os problemas da Sociedade, esses se

tornavam acessíveis a todos, de modo que se tornavam públicos, no sentido de

não serem de competência do rei, mas de todos. Assim, o grupo social reunido

era encarregado de tomar decisões em conjunto, ainda que tais decisões

partissem de cada um individualmente, visando ao final o consenso.

Os debates na Ágora viraram cotidiano em algumas cidades-estado

gregas, o que consequentemente diminuiu, ou excluiu, o poder do rei sobre

determinados assuntos, passando-os ao povo que participava de forma direta: ao

participar diretamente das atividades na Ágora, esses indivíduos tomaram para si

parte do poder de governo.

Naquela época, a resolução coletiva das dificuldades, aos poucos,

se tornou um hábito e, após, um ofício, um dever, pois os cidadãos queriam e

faziam aquilo para participar ativamente do governo. Governo e vida comunitária

coexistiam, sendo que ninguém podia se apropriar dos assuntos comuns. Criou-

53 MATURANA, Humberto R.; ZOLLER, Gerda Verden. Amar e brincar: fundamentos esquecidos

do humano do patriarcado à democracia. 1993. Trad. Humberto Mariotti e Lia Diskin. São Paulo: Palas Athena, 2004. p. 86-100.

54 MATURANA, Humberto R.; ZOLLER, Gerda Verden. Amar e brincar: fundamentos esquecidos do humano do patriarcado à democracia. p. 87

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se o dever de participação das pessoas, de forma direta ou indireta. Todos se

tornam responsáveis por cenários sociais com maior duração da paz.

Nesse contexto, Bobbio55 adverte que a tomada de decisões

coletivas dependia necessariamente de um regramento, fosse escrito ou verbal,

estabelecendo quem efetivamente poderia opinar e quais os procedimentos para

obter a vinculação de todos, por exemplo, a decisão vinculatória seria a qual

obtivesse maioria de optantes.

É possível observar a existência de tais regras na fase da

Democracia grega, uma vez que determinados grupos de pessoas não tinham

autorização para participar das atividades na Ágora. Ainda que tenha ocorrido

limitação de participantes, Bobbio56 pondera que não houve a descaracterização

do que se designou chamar de regime democrático:

Estabelecer o número dos que têm direito ao voto a partir do qual pode-se começar a falar de regime democrático é algo que não pode ser feito em linha de princípio, isto é, sem a consideração das circunstâncias históricas e sem um juízo comparativo: pode-se dizer apenas que uma Sociedade na qual os que têm direito ao voto são os cidadãos masculinos maiores de idade é mais democrática do que aquela na qual votam apenas os proprietários e é menos democrática do que aquela em que têm direito ao voto também as mulheres. Quando se diz que no século passado ocorreu em alguns países um contínuo processo de democratização quer-se dizer que o número dos indivíduos com direito ao voto sofreu um progressivo alargamento.

Ocorre que, naquele tempo, nem todos eram cidadãos, ou seja, não

havia participação integral. Dessa forma, igualmente não há como se estabelecer

um número para que então a decisão seja considerada a definitiva, cabendo

considerar a maioria em detrimento de esperar por uma decisão unânime, o que,

devido à livre formação do convencimento, dificilmente venha a ocorrer. Sobre

esse tema, Maturana e Zoller57 ratificam o pensamento anteriormente esboçado

por Bobbio, e disciplina que o fato de não serem todos cidadãos, participantes,

portanto, não alterou o significado trazido pelo movimento democrático surgido:

55 BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. p. 18/20. 56 BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. p. 19. 57 MATURANA, Humberto R.; ZOLLER, Gerda Verden. Amar e brincar: fundamentos esquecidos

do humano do patriarcado à democracia., p. 89.

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O fato de que numa cidade-estado grega, como Atenas, nem todos seus habitantes fossem originalmente cidadãos, senão que o fossem somente os proprietários de terras, não altera a natureza fundamental do acordo de coexistência comunitária democrática como uma ruptura básica das conversações autoritárias e hierárquicas de nossa cultura patriarcal europeia... e o fato de que democracia é, de fato, uma ruptura na coerência das conversações patriarcais, ainda que não as negue completamente, se faz evidente, por um lado, na grande luta histórica por manter a democracia, ou por estabelecê-la em novos lugares, contra um esforço recorrente por reinstalar, em sua totalidade, as conversações que constituem o estado autoritário patriarcal e, por outro lado, na grande luta por ampliar o âmbito da cidadania e, portanto, a participação no viver democrático para todos os seres humanos, homens e mulheres, que estão fora dela.

Ressalte-se que a Democracia surge nos lugares públicos, pois as

pessoas comercializam, debatem, criam estratégias – políticas e legais – para se

manter a ordem entre as pessoas, não obstante se observe a diversidade de

opiniões que surgem no momento de se decidir acerca dos temas públicos.

Em sua forma mais primitiva, a Democracia, possivelmente, seja a

forma mais antiga de governo, vez que, segundo Dahl58 “[...] nossos ancestrais

caçadores-coletores se governavam por meio da discussão e de uma liderança

que dependia do consentimento contínuo”. A ideia antiga de Democracia surgiu

como um contraponto às monarquias absolutistas e às oligarquias, onde o

governo era centralizado. O objetivo nessa época, portanto, era distribuir o poder

entre todos, ou entre a maioria participativa. Os estudos de Bobbio59 reforçam a

conclusão de que:

O pensamento político grego nos transmitiu uma célebre tipologia das formas de governo das quais uma é a democracia, definida como governo de muitos, dos mais, da maioria, ou dos pobres (mas onde os pobres tomam a dianteira é sinal de que o poder pertence ao pléthos, à massa), em suma, segundo a própria composição da palavra, como governo do povo, em contraposição ao governo de uns poucos.

58 DAHL, Robert A. Sobre a democracia. Trad. Beatriz Sidou. Brasília: Editora Universidade de

Brasília, 2001. p. 367. 59 BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. Trad. Marco Aurélio Nogueira. São Paulo:

Brasiliense, 6. ed., 2005. p. 31.

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Sob o aspecto histórico, Bobbio60, na célebre obra Dicionário de

Política, define a palavra Democracia a partir de três tradições do pensamento

político:

a) a teoria clássica, divulgada como teoria aristotélica, das três formas de Governo, segundo a qual a Democracia, como Governo do povo, de todos os cidadãos, ou seja, de todos aqueles que gozam dos direitos de cidadania, se distingue da monarquia, como Governo de um só, e da aristocracia, como Governo de poucos; b) a teoria medieval, de origem "romana, apoiada na soberania popular, na base da qual há a contraposição de uma concepção ascendente a uma concepção descendente da soberania conforme o poder supremo deriva do povo e se torna representativo ou deriva do príncipe e se transmite por delegação do superior para o inferior; c) a teoria moderna, conhecida como teoria de Maquiavel, nascida com o Estado moderno na forma das grandes monarquias, segundo a qual as formas históricas de Governo são essencialmente duas: a monarquia e a república, e a antiga Democracia nada mais é que uma forma de república (a outra é a aristocracia), onde se origina o intercâmbio característico do período pré-revolucionário entre ideais democráticos e ideais republicanos e o Governo genuinamente popular é chamado, em vez de Democracia, de república.

Ao desenvolver acerca da teoria clássica, Bobbio61 apresenta a

Democracia como uma das cinco formas de Governo propostas por Platão em

República (além da aristocracia, timocracia, oligarquia e tirania). Platão62 explica a

democracia a partir da oligarquia, ao assinalar que sua própria essência dará

vazão à tirania:

-— Sendo assim, diz: não é o desejo insaciável daquilo que a democracia considera o seu bem supremo que a perde? — E que bem é esse? — A liberdade. Com efeito, num Estado democrático ouvirás dizer que é o mais belo de todos os bens, motivo por que um homem nascido livre só poderá habitar nessa cidade. — Sim, é isso o que se ouve muitas vezes. — O que eu ia dizer há pouco é: não é o desejo insaciável desse bem, e a indiferença por todo o resto, que muda este governo e o obriga a recorrer à tirania? — Como? — Quando um Estado democrático, sedento de liberdade, passa a ser dominado por maus chefes, que fazem com que ele se

60 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política.

Tradução de Carmen C, Varriale et al.; coord. trad. João Ferreira; rev. geral João Ferreira e Luis Guerreiro Pinto Cacais. Vol. 1. 11 ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998, p. 319-320.

61 BOBBIO, Norberto. A teoria das formas de governo. 10 ed. Tradução de Sérgio Bath. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1997. p. 45/54.

62 PLATÃO. A república: ou sobre a justiça, diálogo político. Tradução de Anna Lia Amaral de Almeida Prado. São Paulo: Martins Fontes, 2006. Título original: Politéia.

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embriague com esse vinho puro para além de toda a decência, então, se os seus magistrados não se mostram inteiramente dóceis e não lhe concedem um alto grau de liberdade, ele castiga-os, acusando-os de serem criminosos e oligarcas.

Ora, a Democracia que Platão desenha é o Governo erguido pelos

pobres, súditos, que sufocados pelo governo oligárquico almejam a liberdade,

ilustrada pela participação nas decisões do grupo social ao qual estão inseridos. A

partir do conceito de liberdade e democracia, muitos diálogos foram travados,

inclusive com a publicação da obra Liberalismo e Democracia63, na qual é

desenvolvido desde o contraponto entre os dois conceitos e até a sua correlação.

Importante frisar que a busca pela liberdade no Estado Democrático está

relacionada ao surgimento dos direitos fundamentais dos homens, uma vez que

para efetivar a liberdade houve a necessidade da criação de normas e

regramentos estabelecendo direitos.

Outrossim, a teoria aristotélica ou clássica parte de um tripé sobre os

conceitos de democracia (“governo de vantagem para o pobre”), monarquia

(“governo de vantagem para o monarca”) e aristocracia (“governo de vantagem

para os ricos”). A Democracia, portanto, é traçada como um governo de parte da

população, a população “pobre”, ou seja, é o governo em favor dos pobres e

contra os demais. Assim era apresentada a democracia no Tratado Aristotélico,

diferentemente de como se compõe hoje, no conceito pós-aristotélico (governo de

todos)64.

63 Nesse sentido: “Na acepção mais comum dos dois termos, por ‘liberalismo’ entende-se uma

determinada concepção de Estado, na qual o Estado te, poderes e funções limitadas, e como tal se contrapõe tanto ao Estado absoluto quanto ao Estado que hoje chamamos de social; por ‘democracia’ entende-se uma das várias formas de governo, em particular aquelas em que o poder não está nas mãos de um só ou de poucos, mas de todos, ou melhor, da maior parte, como tal se contrapondo às formas autocráticas, como a monarquia e a oligarquia. Um Estado liberal não é necessariamente democrático: ao contrário, realiza-se historicamente em sociedades nas quais a participação no governo é bastante restrita, limitada às classes possuidoras. Um governo democrático não dá vida necessariamente a uma Estado liberal: ao contrário, o Estado liberal clássico foi posto em crise pelo progressivo processo de democratização produzido pela gradual ampliação do sufrágio até o sufrágio universal.”. BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. p. 7/8.

64 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. p. 318-322.

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A teoria clássica foi amplamente aceita em outros momentos

históricos, como se observa no pensamento de Tomás de Aquino, Bodin, Hobbes,

Rousseau, até chegar a Hegel, quando se torna praticamente esgotada.

Bobbio65 explica que nas repúblicas a diferenciação ocorre apenas

quanto à forma em que a vontade do Povo é eleita:

Qualquer que ela seja, a vontade coletiva tem necessidade, para

sua formação, de que sejam respeitadas determinadas regras de

procedimento (como, por exemplo, a da maioria), as quais não se

aplicam à formação da vontade singular do príncipe, que é a

vontade de uma pessoa física.

Nessa senda, nas Repúblicas o voto emerge como fonte primeira do

poder soberano. Separa a titularidade e o exercício do poder. No período em que

Maquiavel desenvolveu sua teoria bipartite, a diferenciação ocorria perfeitamente,

pois nas Monarquias a titularidade e o exercício do poder pertenciam ao Príncipe.

Todavia, com o passar do tempo, a distinção perde o sentido, especialmente após

o surgimento de Estados mistos: monarquias em que o poder se desloca do Rei

para o Parlamento, a exemplo das Monarquias Parlamentares. Acerca do tema,

Bobbio66 sustenta que:

[...] dos dois poderes fundamentais do Estado — o legislativo e o executivo -, o primeiro enquanto pertença exclusiva do povo é o poder principal, enquanto que o segundo, que o povo delega a outros sob a forma de mandato revogável, é poder derivado, e um dos pontos cardeais das teorias políticas dos escritores dos séculos XVII e XVIII. Estes são considerados com razão os pais da Democracia moderna. Há, apesar de tudo, entre Locke e Rousseau, uma diferença essencial na maneira de conceber o poder legislativo: para Locke, este deve ser exercido por representantes, enquanto que para Rousseau deve ser assumido diretamente pelos cidadãos.

Assim a divisão dos poderes caminha para sua estruturação,

acentuando-se a divisão legislativa e executiva como o único critério de

65 BOBBIO, Norberto. A teoria das formas de governo. p. 84. 66BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. p.

322.

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diferenciação dos modelos de governo, levando ao que hoje diferencia o modelo

presidencialista e parlamentarista.

Muito se discute sobre a insuficiência – teórica e prática - da

Democracia no período da Antiguidade Clássica e Medieval. Por esse motivo, não

é possível delinear com precisão a origem da Democracia, o que demonstra

inegavelmente, com fundamento nos argumentos supra desenvolvidos, a

mutabilidade das formas de governo frente às épocas históricas e condições da

Sociedade.

A teoria de Maquiavel, portanto, nasce das grandes monarquias

modernas, das lutas contra o absolutismo e transpõe a Democracia para o que

hoje se pode chamar de Estado Democrático. Não há como negar o

conhecimento da tripartição proposta por Aristóteles, mas a bipartição em relação

ao pensamento político é preponderante, falando-se em reino e república e

república e principado. Além disso, segundo Bobbio, Matteucci e Pasquino67, a

exemplo de Santo Tomás de Aquino, distingue-se também em governo baseado

em leis, e governo não baseado em leis. Essas concepções levaram Maquiavel a

propor uma forma de governo em que o poder esteja distribuído em órgãos.

Hoje se identificam três momentos históricos em que a Democracia

foi transposta ao plano prático para se consolidar a existência do Estado

Democrático: a Revolução Inglesa com o Bill of Rights, a Revolução Americana e

a Declaração de Independência, e a Revolução Francesa com a Declaração dos

Direitos do Homem e do Cidadão.

67 Bobbio, Matteucci e Pasquino ao descreverem a teoria moderna da democracia, esclarecendo o

pensamento de Maquiavel e sua relação ao que hoje se apresenta como conceito de democracia: “Se bem que a república, em sua contraposição à monarquia, não se identifique com a Democracia, com o "Governo popular", até porque nas repúblicas democráticas existem repúblicas aristocráticas (para não falar do Governo misto que o próprio Maquiavel vê como um exemplo perfeito na república romana), na noção idealizada da república que de Maquiavel passará através dos escritores radicais dos séculos XVII e XVIII até à Revolução Francesa, entendida em sua oposição ao governo real, como aquela forma de Governo em que o poder não está concentrado nas mãos de um só mas é distribuído variadamente por diversos órgãos colegiados, embora, por vezes, contrastando entre si, se acham constantemente alguns traços que contribuíram para formar a imagem ou pelo menos uma das imagens da Democracia moderna, que hoje, cada vez mais frequentemente, é definida como regime policrático oposto ao regime monocrático”. BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. p. 322.

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Ao longo dos séculos XVIII e XIX, a Democracia foi moldada às

doutrinas políticas do liberalismo, de um lado, e do socialismo, de outro. A ideia

de democracia liberal surgiu da união dos conceitos de democracia com os

princípios liberais de igualdade e liberdade, onde se prima pela não intervenção

do Estado na economia, ou seja, o fundamento da Democracia Liberal é

igualdade dos direitos individuais, civis e políticos e no direito à propriedade (uma

concepção clássica das Revoluções modernas, especialmente da Revolução

Francesa).

Nesse momento da História, influenciado pelos fundamentos da

liberdade e da igualdade, o conceito de Estado Democrático recebeu uma forte

carga filosófica, sendo descrito por Bobbio68, por exemplo, como um Estado no

qual, ao adequar-se a um modelo ideal, concretiza “a liberdade na coexistência,

vale dizer a coexistência dos seres livres, e, portanto, a mais próxima efetivação,

entre todas de que se tem notícia na história contemporânea, da comunhão

pessoal e definitiva do ideal de justiça”.

A intervenção do Estado, nessa idealização, deve ocorrer de forma

meramente regulamentar, pois se confere mais liberdade e autoridade ao Povo

(aos Cidadãos). É a consolidação da proposta de Rousseau, de que a

Democracia Direta seria a única compatível com o Estado Liberal, se fosse

representativa ou parlamentar, mas que garantisse Direitos Fundamentais

mínimos para todos, além de assegurar sua participação política, seja na

dimensão ativa (votar) ou passiva (ser votado).

Nessa linha de pensamento, conforme ensina Bobbio, Matteucci e

Pasquino69, verifica-se que “[...] não pode existir Democracia senão onde forem

reconhecidos alguns direitos fundamentais de liberdade que tornam possível uma

participação política guiada por uma determinação da vontade autônoma de cada

indivíduo”. Afirma-se que um Estado Liberal necessariamente deve adotar o

68 BOBBIO, Norberto. Diário de um século. Autobiografia. Tradução de Daniela Beccaccia

Versiani, Rio de Janeiro: Campus, 1998. p. 81. 69 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. p.

324.

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Princípio da Soberania Popular, expressão máxima da Democracia, cujo sentido

se destina à representação do poder político pelos cidadãos.

Em contrapartida, a Democracia Social propõe mais do que a

representação legislativa e executiva por Cidadãos, considerados, nesse

momento, sujeitos de direito: segundo a concepção socialista, a verdadeira

Democracia precisa ser exercida pelos trabalhadores, dentro de suas fábricas, a

partir da criação de conselhos, entre outros. Projeta-se esse sistema para as mais

diversas áreas da Sociedade cujas deliberações e decisões sejam necessárias

para se manter o convívio possível.

Diferentemente da forma liberal, na qual a Democracia é elemento

constitutivo, na forma social é apenas elemento integrante e necessário, ou seja,

enquanto o liberalismo buscava primordialmente a liberdade nas relações

econômicas, sem a qual ninguém poderia ser livre, o socialismo propunha efetuar

a liberdade econômica e política. Dessa forma, o Estado socialista, por meio da

distribuição do poder político entre todos, ou entre a maioria, possibilitaria a

efetivação da Democracia.

O elemento constitutivo, portanto, não está presente, ao passo que a

Democracia não é fundamental ao Estado Socialista, e sim complementar. A esse

respeito, Bobbio, Matteucci e Pasquino 70 imprimem as características da

Democracia no Estado Socialista:

Integrante porque uma das metas que se propuseram os teóricos do socialismo foi o reforço da base popular do Estado. Necessário, porque sem este reforço não seria jamais alcançada aquela profunda transformação da Sociedade que os socialistas das diversas correntes sempre tiveram como perspectiva. Por outro lado, o ideal democrático não é constitutivo do socialismo, porque a essência do socialismo sempre foi a ideia da revolução das relações econômicas e não apenas das relações políticas, da emancipação social, como disse Marx, e não apenas da emancipação política do homem. O que muda na doutrina socialista a respeito da doutrina liberal é o modo de entender o processo de democratização do Estado.

70 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. p.

325.

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A Democracia Social, portanto, além de pressupor a garantia de

direitos individuais, princípios de igualdade e legalidade, prevê o direito à

igualdade econômica e social: a intervenção (presença) do Estado é

indispensável – leia-se, necessária – para o desenvolvimento dos direitos sociais

do cidadão. A Democracia torna-se mais direito de participação política, torna-se

mecanismo de gestão.

Destarte, a criação de um conceito formal para a Democracia

sinaliza que o importante não é o conteúdo da decisão e sim quais critérios

procedimentais oportunizaram o seu surgimento, ou seja, o meio pelo qual

determinada questão foi discutida e ao qual se chegou a uma decisão final.

Essa é uma definição comportamental a qual traz as classificações

contemporâneas: Democracia Formal e Democracia Substancial, cuja primeira se

constitui de procedimentos universais, ou meios para se chegar ao fim – garantir a

presença da Democracia -, utilizados tanto no seu significado liberal quanto

social, sendo essencialmente um governo do povo, já a segunda se constitui dos

ideais do pensamento democrático, voltada para os fins do igualitarismo tanto

jurídico, social e econômico, sem se atentar aos meios necessários para alcançar

o fim, caracterizando-se por ser um governo para o povo. Nesse sentido, Bobbio,

Matteucci e Pasquino71 ensinam que:

Como a democracia formal pode favorecer uma minoria restrita de detentores do poder econômico e, portanto, não ser um poder para o povo, embora seja um Governo do povo, assim uma ditadura política pode favorecer em períodos de transformação revolucionária, quando não existem condições para o exercício de uma Democracia formal, a classe mais numerosa dos cidadãos, e ser, portanto, um Governo para o povo, embora não seja um Governo do povo.

De qualquer forma, ambas as formas contemporâneas de

Democracia visam o desenvolvimento livre e pleno dos direitos humanos

essenciais do grupo social. A História permitiu que tais conceitos se tornassem

legítimos, encontrando-se fundamentados na teoria de Rousseau, conforme situa

71 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. p.

328.

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Bobbio, Matteucci e Pasquino 72, em que a Democracia como valor apenas se

realiza na Democracia como método, leia-se: o substancial apenas se concretiza

com a formação da vontade geral, de modo que a Democracia perfeita seria a

aplicação simultânea de ambos os modelos, formal e substancial.

A Democracia formal, portanto, uma vez voltada para os meios e

não para o fim, é fundada em regras caracterizadoras do regime. Assim, Bobbio,

Matteucci e Pasquino 73 destacam pelo menos nove regras do regime

democrático, atentando para os ensinamentos de Platão em “O Político”:

1) o órgão político máximo, a quem é assinalada a função legislativa, deve ser composto de membros direta ou indiretamente eleitos pelo povo, em eleições de primeiro ou de segundo grau; 2) junto do supremo órgão legislativo deverá haver outras instituições com dirigentes eleitos, como os órgãos da administração local ou o chefe de Estado (tal como acontece nas repúblicas); 3) todos os cidadãos que tenham atingido a maioridade, sem distinção de raça, de religião, de censo e possivelmente de sexo, devem ser eleitores; 4) todos os eleitores devem ter voto igual; 5) todos os eleitores devem ser livres em votar segundo a própria opinião formada o mais livremente possível, isto é, numa disputa livre de partidos políticos que lutam pela formação de uma representação nacional; 6) devem ser livres também no sentido em que devem ser postos em condição de ter reais alternativas (o que exclui como democrática qualquer eleição de lista única ou bloqueada); 7) tanto para as eleições dos representantes como para as decisões do órgão político supremo vale o princípio da maioria numérica, se bem que podem ser estabelecidas várias formas de maioria segundo critérios de oportunidade não definidos de uma vez para sempre; 8) nenhuma decisão tomada por maioria deve limitar os direitos da minoria, de um modo especial o direito de tornar-se maioria, em paridade de condições; 9) o órgão do Governo deve gozar de confiança do Parlamento ou do chefe do poder executivo, por sua vez, eleito pelo povo.

A partir desses argumentos, percebe-se que nenhum Estado

cumpre objetivamente todas as regras enumeradas. O próprio autor defende que

quantidade de pressupostos atendidos não exclui o caráter democrático, apenas

possibilita identificar se um Estado é mais ou menos democrático, ou seja, para

que haja Democracia apenas é necessário que haja Sociedade.

72 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. p.

328/329. 73 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. p.

337.

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Por conseguinte, o conceito histórico de Democracia é, segundo

Silva74, o “[...] meio e instrumento de realização de valores essenciais de

convivência humana, que se traduzem basicamente nos direitos fundamentais do

homem”. Para esse autor, a Democracia é um processo e não um conceito

estático, no qual o Povo vai, pouco a pouco, identificar quais são seus Direitos

Fundamentais e assegurá-los por meio da legislação e outros mecanismos que

permitam o seu exercício e reivindicação.

Assim, conclui-se que, o Estado ideal, ou moral, como chamada a

República idealizada por Montesquieu, não existe a não ser na literatura. A

História, mutável e constante, constrói o conceito de Democracia ao mesmo

tempo em que as legitima, fazendo com que o que hoje é considerado Estado

Democrático para um determinado Povo, pode não ser para outro, assim como

ser um conceito diverso do que foi em outro momento histórico.

A existência da Democracia, desde o período clássico, medieval e

moderno, em suas diferentes apresentações, até o período contemporâneo,

demonstra a busca incansável pela efetivação da Democracia do povo e para o

povo. Assim, a fim de melhor esclarecer significado original do vocábulo

Demokratia, importante analisar sua etimologia e, após, traçar as formas de

Democracia atuais e como se apresentam, bem como o impacto destas na

Política Jurídica como meio de efetivação dos direitos sociais do homem.

1.1.3 Etimologia

O vocábulo “Democracia” e sua versão em latim “Democratia”

possuem origem grega, “Demokratia”. O termo é formado por duas palavras

gregas: “demos” e “kratos”, onde a primeira significa “povo, distrito” e a segunda

“poder”. Nesse sentido que a tradução livre seria “poder no povo”, “governo no

povo”.

Percebe-se, na composição dessa categoria, que o Povo participa

das decisões públicas, de modo efetivo, por meio de representação nos atos

74 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 27.

ed., 2006, p.125.

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políticos. Forma-se a ideia de Estado Democrático de Direito, se comparado com

os governos antigos, torna o Cidadão titular do poder, no qual as pessoas eleitas

por via esse poder devem se submeter a sua vontade e aos Princípios de Direito:

"o elemento democrático não foi apenas introduzido para ´travar´ o poder (to

check the power); foi também reclamado pela necessidade de legitimação do

mesmo poder (to legitimize the power)75”. Sob igual argumento, Diniz76 define

Democracia como:

Forma de governo em que há participação dos cidadãos, influência popular no governo através da livre escolha de governantes pelo voto direto. É o sistema que procura igualar as liberdades públicas e implantar o regime de representação política popular, é o Estado político em que a soberania pertence à totalidade dos cidadãos.

Se a Soberania pertence a todos os Cidadãos, a partir das

definições já apresentadas, é possível concluir que a Democracia se

consubstancia por um grupo que age no meio social em prol de sua própria

subsistência, de forma digna, livre e igualitária, elegendo seus representantes que

possam tomar as decisões que serão aceitas pela totalidade dos indivíduos,

exercendo o poder do povo, embasados em regras positivadas ou

consuetudinárias.

Não é outro o entendimento trazido por Bobbio77, pelo qual o termo

Democracia sempre expressou a forma de governo em que o Povo exerce o

poder político, desde a Idade clássica até a atualidade.

A representação formal do Povo como “a realização prática da

soberania popular num Estado jurídico-constitucionalmente ordenado”, corrobora

Canotilho78, nada mais é que a autorização e legitimação jurídico-formal

concedida a um órgão governamental para exercer o poder político. A

representação democrática, constitucionalmente conformada, não se reduz,

porém, a uma simples “delegação da vontade do povo”. A força (legitimidade e

legitimação) do órgão representativo é a sua representação material.

75 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. p. 93/94. 76DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. São Paulo: Saraiva, 1998, v. 2. p.52. 77 BOBBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade: para uma teoria geral da política. 1987. 11.

ed. trad. Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004. p. 135 78 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, p. 293.

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Por fim, Ferreira79 sugere que a democracia é a concretização dos

sonhos do homem livre, que busca alcançar a justiça social, como uma “marcha

para a liberdade, a tolerância e justiça social”, elucidando, ainda, que a

democracia poderá ser exercida pela “participação do indivíduo no governo de

seu país, seja votando ou sendo votado”. No mesmo sentido Morlino80 sustenta a

Democracia fundada na liberdade e igualdade dos cidadãos, pontuando três

situações que fundamentam o que é por ele denominado de “boa democracia”:

A good democracy is thus first and foremost a broadly legitimated regime that completely satisfies its citizens (quality in terms of result). When institutions have the full backing of civil society, they can pursue the values of the democratic regime...Second, a good democracy is one in which the citizens, associations and communities of which it is composed enjoy at least a moderate level of liberty and equality (quality in terms of content). Third, in a good democracy, there are the citizens themselves who have the power to check and evaluate whether the government pursues the objectives of liberty and equality according to the rule of law. They monitor the efficiency of the application of the laws in force, the efficacy of the decisions made by government, and the political responsibility and accountability of elected officials in relation to the demands expressed by civil society (quality in terms of procedure).

A participação do Cidadão, nesse sentido, é mais do que eleger

seus representantes, mas sim ter o poder de buscar a liberdade e igualdade de

direito para que possam, inclusive, fiscalizar e avaliar o governo, bem como

verificar se o Estado, por meio de seus representantes, estabelece critérios que

sejam proveitosos para todos no intuito de se mitigar as desigualdades sociais.

79 FERREIRA, Pinto. Curso de Direito Constitucional. 8.ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 76 e

166. 80 Livre Tradução “Uma boa democracia é, primeiramente, mais um regime amplamente legitimado

que satisfaz completamente seus cidadãos (qualidade em termos de resultado). Quando instituições têm uma completa fundamentação na Sociedade civil, elas conseguem perseguir valores de um regime democrático.... Em segundo lugar, uma boa democracia existe quando os cidadãos, associações e comunidade que a compõem possuem pelo menos um nível moderado de liberdade e igualdade (qualidade em termos de conteúdo). Em terceiro lugar, numa boa democracia, os próprios cidadãos têm o poder de conferir e avaliar se o governo está perseguindo os objetivos de liberdade e igualdade de acordo com o Direito. Eles monitoram a eficiência na aplicação das leis existentes, na eficácia das decisões estabelecidas pelo governo, e na responsabilidade e ‘accountability’ dos oficiais eleitos em relação às demandas da Sociedade civil (qualidade em termos de procedimento) ”. MORLINO, Leonardo. What is a “good” democracy? Democratization, Vol.11, No.5. Italy: Taylor & Francis Ltda., 2004, p. 12.

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1.1.4 Ideia da democracia como ideal, valor, virtude e prática

O significado da palavra Democracia - descrito como ideal de

Justiça, efetivação dos Direitos do Homem e do Cidadão em Sociedade- é maior

do que uma simples definição teórica. Envolve a realização dos ideais de

liberdade e igualdade do ser humano, propondo mais do que um Estado de

Direito numa Sociedade democrática, mas, sim, num verdadeiro Estado

Democrático de Direito. Acerca desse tema, Bobbio81 ressalta como característica

do Estado Democrático que o “indivíduo e Estado não estão mais armados um

contra o outro, mas se identificam na mesma vontade geral, é a vontade de todos

que comanda cada um”.

Silva, sob igual critério, afirma que o conceito de Estado de Direito,

surgido a partir da democracia liberal, não satisfaz a concepção de Democracia

como realização de valores de igualdade, liberdade e dignidade da pessoa, é

conceito que supera as definições de Estado de Direito e se manifestam como

expressão jurídica da Democracia Liberal. O Estado de Direito e a Sociedade

democrática passam a, conjugados, formar um significado ainda mais abrangente,

segundo Silva82:

A evolução desvendou sua insuficiência e produziu o conceito de Estado Social de Direito, nem sempre de conteúdo democrático. Chega-se agora ao Estado Democrático de Direito que a Constituição acolhe no art. 1º como um conceito-chave do regime adotado, tanto quanto o são o conceito de Estado de Direito Democrático da Constituição da República Portuguesa (art. 2º) e o de Estado Social e Democrático de Direito da Constituição Espanhola (art. 10).

O Estado Democrático de Direito, ao conjugar os princípios do

Estado Democrático e do Estado de Direito, desponta como verdadeira

transformação nos Estados e suas Constituições. Silva, a esse respeito, atenta ao

fato de que as doutrinas portuguesa, espanhola e alemã foram as principais

influenciadoras de uma efetiva inclusão deste fenômeno histórico na Constituição

brasileira.

81 BOBBIO, Norberto. Diário de um século. Autobiografia. p. 123. 82SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 112.

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Primeiramente, em consonância com as elucidações de Silva83, há

que se entender o Estado de Direito, descrito como conceito tipicamente liberal,

como o ato emanado dos representantes do povo-cidadão, por meio do

Legislativo (observando ainda a divisão independente e harmônica dos três

poderes) como garantia de realização dos direitos individuais.

As injustiças provocadas pelo Estado Liberal fizeram surgir o Estado

Social, em que a concepção básica era a satisfação da Sociedade e não do

indivíduo em si. Era a resposta ao capitalismo pelo Welfare State, ou seja, a

proposta era a busca pelo bem-estar social geral. No entanto, o referido autor

adverte:

O Estado de Direito, quer como Estado Liberal de Direito quer como Estado Social de Direito, nem sempre caracteriza Estado Democrático. Este se funda no princípio da soberania popular, que impõe a participação efetiva e operante do povo na coisa pública, participação que não se exaure [...] na simples formação das instituições representativas [...].

O Estado Democrático84 é maior do que o Estado Liberal ou Social

de Direito. O Estado Democrático é fundado na efetiva participação da Sociedade

nos processos de incorporação dos seus direitos, trata-se da busca pela “[...] real

participação nos rendimentos da produção”85.

Ademais, as leis estabelecidas no Estado Democrático de Direito

visam garantir que os homens tenham assegurados seus direitos fundamentais,

ou seja, a lei não é em detrimento da vontade do Povo, mas em favor do Povo, de

modo que a Sociedade, participando da incorporação de seus direitos,

83 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p.113. 84 Warat “A democracia tradicionalmente vinculada ao Direito – nos estritos limites da versão liberal do mundo – termina sendo apresentada como a concretização histórica de um “Estado Democrático” que se assegura como tal através dos mecanismos instituintes do “Estado de Direito”. Essa expressão conota principalmente a necessidade de fazer reinar a lei, de fazer do cumprimento das leis a mola propulsora da democracia. Dessa maneira, na concepção jurídico-liberal da democracia, a ordem política fica reduzida à administração legal do poder do Estado”. WARAT, Luís Alberto. A ciência jurídica e seus dois maridos. p. 135/136.

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proporcionará a efetivação da proteção dos direitos do homem, base das

constituições democráticas86.

A importância desse momento histórico está no poder dado aos

homens, que passam de súditos a homens livres. Corroborando à pesquisa

histórica, o significado do Estado de Direito se modificou e se moldou às novas

necessidades da Sociedade. Tem, aqui, um Estado de Justiça. Todas as

modificações conceituais se fundamentam na prática e nas mudanças que

ocorrem no dia a dia das pessoas, conforme já esclarecido. Por esse motivo,

torna-se necessário refletir sobre as palavras de Canotilho87:

[...] o princípio democrático implica democracia Participativa, isto é, estruturação de processos que ofereçam aos cidadãos efectivas possibilidades de aprender a democracia, participar dos processos de decisão, exercer controlo crítico na divergência de opiniões, produzir inputs político democráticos.

O princípio democrático foi incluído no preâmbulo da Constituição

Federal de 1988, bem como em seus artigos 1º e 3º. Percebe-se que o objetivo

do legislador constitucional é o de garantir a busca pela concretização dos

Direitos Fundamentais como liberdade e igualdade de participação nas decisões

que afetam – direta ou indiretamente – o uso, a preservação e a identificação dos

bens comuns. Silva88, ao analisar os efeitos dos citados artigos, doutrina

brilhantemente que a Carta Magna de 1988 trata, quanto ao Estado Democrático

de Direito, de uma democracia fruto de

86 Nesse sentido, a respeito da efetivação dos direitos fundamentais do homem e do Estado

Democrático de Direito, Bobbio: O reconhecimento e a proteção dos direitos do homem são a base das constituições democráticas, e, ao mesmo tempo, a paz é o pressuposto necessário para a proteção efetiva dos direitos do homem em cada Estado e no sistema internacional. Vale sempre o velho ditado — e recentemente tivemos uma nova experiência — que diz inter arma silente leges. Hoje, estamos cada vez mais convencidos de que o ideal da paz perpétua só pode ser perseguido através de uma democratização progressiva do sistema internacional e que essa democratização não pode estar separada da gradual e cada vez mais efetiva proteção dos direitos do homem, democracia e paz são três momentos necessários do mesmo movimento histórico: sem direitos do homem reconhecidos e efetivamente protegidos não existe democracia, sem democracia não existem as condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos que surgem entre os indivíduos, entre grupos e entre as grandes coletividades tradicionalmente indóceis e tendencialmente autocráticas que são os Estados, apesar de serem democráticas com os próprios cidadãos. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Nova ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 93.

87 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 288.

88 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 27 ed., 2006. p. 119.

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[…] um processo de convivência social numa Sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I), em que o poder emana do povo, e deve ser exercido em proveito do povo, diretamente ou por representantes eleitos (art. 1º, parágrafo único)”; caracterizada por ser “Participativa, porque envolve a participação crescente do povo no processo decisório e na formação dos atos de governo”, assim como “pluralista, porque respeita a pluralidade de ideias, culturas e etnias e pressupõe assim o dialogo entre opiniões e pensamentos divergentes e a possibilidade de convivência de formas de organização e interesses diferente da sociedade.

O preâmbulo possui a finalidade de deixar expresso que o Estado,

por meio de sua Constituição – instrumento de consolidação dos direitos e

deveres do cidadão, participante do governo – busca efetivar a Democracia, por

meio de um dos seus fundamentos, a soberania popular, ou seja, o preâmbulo é a

declaração da Assembleia Nacional Constituinte de que o Povo, reunido, decidiu

instituir:

[...] um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma Sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias89.

De outra ponta, o artigo 1º da Carta Magna90 apresenta as

características do Estado Democrático de Direito: “I- soberania; II- cidadania; III-

dignidade da pessoa humana; IV- valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

e o V- pluralismo político. ” Para complementar, o artigo 3º apresenta os objetivos

do Estado do Brasil, enquanto República Federativa fundada no princípio

democrático: “I- construir uma Sociedade livre, justa e solidária; II- garantir o

desenvolvimento nacional; III- erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as

desigualdades sociais e regionais; e IV- promover o bem de todos, sem

preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de

discriminação.”.

89 BRASIL. Presidência da República. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 19 de dezembro de 2015.

90 BRASIL. Presidência da República. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 19 de dezembro de 2015.

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A Democracia engloba muito mais do que a simples garantia da

participação popular nas decisões políticas do Estado. Enquanto Princípio de

Direito, compreende o poder de transformação da Sociedade por meio das

decisões proferidas pelo Povo. A população, ao exercer a participação nas

decisões políticas, pode e deve buscar a concretização e positivação dos seus

Direitos Fundamentais. Silva91 sustenta, assim, que a democracia realizada pelo

Estado Democrático de Direito, além do já exposto, deve ser

[...] um processo de libertação da pessoa humana das formas de opressão que não depende apenas do reconhecimento formal de certos direitos individuais, políticos e sociais, mas especialmente da vigência de condições econômicas suscetíveis de favorecer o seu pleno exercício.

Werle92, ao tratar da questão da tolerância, em relação à “discussão

sobre como a relação política deve ser entendida numa Sociedade democrática”,

afirma que nas sociedades democráticas de direito, onde há o respeito ao

pluralismo (político e, também, de ideias), os limites de tolerância devem ser

determinados “pelos próprios cidadãos livres e iguais que devem poder se

autocompreender como autônomos politicamente, isto é, simultaneamente como

destinatários e coautores das regras de convivência a que vão ser coagidos a se

submeterem”. O citado autor destaca:

Trata-se do princípio moderno de legitimação, fundamentado na autonomia política de cidadãos livres e iguais que, por meio do uso público da razão, procuram convencer-se recíproca e racionalmente sobre quais as melhores regras e princípios que devem regular a vida em comum. Essa ideia está na base da auto compreensão normativa do Estado de direito democrático, que, por um lado, diante do pluralismo de concepções abrangentes do bem, procura se fundamentar numa neutralidade de justificação do exercício de um poder político que se tornou independente de qualquer cosmovisão religiosa ou metafísica; por outro, abre espaço à autodeterminação democrática dos cidadãos que, com direitos fundamentais individuais, passam a dispor, em princípio (isto é, pelo menos formalmente) de iguais oportunidades de participação no exercício da soberania popular.

91 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 120. 92 WERLE, Denílson. Os limites da tolerância: uma questão da justiça e da democracia. II

Colóquio Internacional de Teoria Política e Teoria Política Contemporânea. São Paulo: USP, 2012. p. 8.

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Os cidadãos, livres e iguais, devem procurar o melhor para si e para

a Sociedade em que vivem por meio da autonomia política e de um Estado de

Direito que se fundamenta na autodeterminação do Povo o qual escolhe os

representantes que tomarão as decisões e exercerão as políticas públicas,

cunhados na decisão democrática do povo.

Todavia, importante entender a Democracia como ideal e a

Democracia como sistema de governo. Segundo Mendonça93, ao analisar e

estudar a proposta apresentada por Dewey, a Democracia como ideal tem seus

“[...] pilares morais e conceituais que apregoam uma forma de governo calcada na

igualdade, na participação e na decisão coletiva sobre os rumos da sociedade”.

Já a Democracia como sistema de governo constitui-se “[...] na institucionalização

de uma forma de governo, com seus procedimentos, práticas e padrões de

funcionamento”.

Mendonça afirma que, não obstante a teoria democrática esteja

fundamentada essencialmente na segunda forma (sistema democrático de

governo), o sentido integral do projeto democrático somente se concretizaria se

aplicado conjuntamente com a primeira (ideal de Democracia). A partir dos

estudos realizados por Dewey, Mendonça afirma que “[...] não basta compreender

o funcionamento do sistema político e aperfeiçoar suas instituições. É preciso ter

muito claros os fins da Democracia para que se pensem meios adequados de

realizá-los”.

Quanto aos meios para exercício da Democracia, conforme se

observará, há instituições como as eleições periódicas e o sufrágio, porém, a

Democracia precisa de mais para ser eficiente. O Povo precisa insistir na

compreensão e práxis da Democracia descrita como ideal, como direito, e não

apenas como obrigação de participação. Se a Sociedade modifica, de modo

incessante, os seus valores, o cotidiano os expressa por meio das decisões, das

93 MENDONÇA, Ricardo Fabrino. Democracia e desigualdade: as contribuições da teoria do

reconhecimento. Rev. Bras. Ciênc. Polít. no.9. Brasília: UFMG, 2012. :Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-33522012000300005. Acesso em: 05/12/2015.

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vontades e necessidades do Povo, que deve atuar conscientemente em prol da

efetivação dos seus direitos.

Os instrumentos colocados à disposição do cidadão para se

consolidar a Democracia devem ser utilizados com a finalidade de assegurar

condições de liberdade e igualdade nas decisões públicas. Mendonça94 acredita

que “[...] o projeto democrático consolida-se no esforço coletivo por entender as

consequências comuns de interações sociais e por fazer escolhas políticas para

lidar com elas”.

Dessa forma, mais do que escolher representantes políticos, os

indivíduos devem participar das decisões públicas, a partir das decisões

administrativas dos órgãos públicos, por exemplo. A busca pela Democracia

perfeita, como já trabalhado nesse estudo, deve ser incessante, de modo a

possibilitar chegar o mais perto possível de resultados positivos no que tange à

efetivação dos direitos do homem. Este, mais do que expectador das decisões

políticas, deve ser sujeito atuante no processo de efetivação de direitos.

1.2 Formas de Democracia

Além das manifestações da Democracia já abordadas, esta se

apresenta nas formas Direta, Indireta, Participativa e Deliberativa, cada qual com

suas peculiaridades oriundas do contexto histórico em que surgidas e sofrendo

modificações pela característica das sociedades, cada qual com suas

peculiaridades e vinculadas à época em que se manifestaram.

A Democracia Direta, como se verá, é fruto da Polis grega onde

havia uma ampla participação dos cidadãos nas decisões políticas da sociedade.

A Democracia Indireta surge como contraponto à direta para resolver a questão

da participação de um amplo número de cidadãos nas sociedades modernas, se

manifestando por meio da representatividade.

94 MENDONÇA, Ricardo Fabrino. Democracia e desigualdade: as contribuições da teoria do

reconhecimento. Rev. Bras. Ciênc. Polít. no.9. Brasília: UFMG, 2012. :Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-33522012000300005. Acesso em: 05/12/2015.

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Já a Democracia Participativa se inspira na Direta e Indireta, para

criar um sistema de representatividade, mas com controle direto do representante

pelo representado. Por fim, a Democracia Deliberativa apesar de também estar

centrada na representatividade, guarda um espaço de conformação ao Povo, que

pode interferir de forma direta mediante deliberações coletivas.

1.2.1 Direta

As Democracias Diretas são a representação do modelo grego,

correspondentes, via de regra, a uma verdadeira aristocracia. Conforme estudo

da parte histórica, o berço da Democracia grega foi Atenas, na qual seus

cidadãos se reuniam em conselhos para deliberar sobre questões

governamentais relevantes.

Nesse modelo, a população exerce o poder sem intermediários, por

si. Os próprios cidadãos formam o corpo político do Estado, tomando as decisões

necessárias. Bobbio aponta John Stuart Mill como defensor da teoria, lecionando

ser o ideal de participação efetiva de todos.

No entanto, o número de pessoas que existe em cada Estado torna,

muitas vezes, inviável essas práxis. Ao transportar a Democracia Direta para

comunidades de grandes proporções, Bobbio95, elucidando o pensamento de Mill,

afirma que o governo representativo seria o perfeito, tendo em vista a

impossibilidade de participação de todos nos atos de execução do Estado, por

exemplo.

Esse modelo, portanto, seria possível em pequenos povoados, uma

vez que, onde há grande aglomerado de pessoas, a representatividade torna o

exercício da Democracia até mesmo mais organizado. Nesse sentido, Dahl96

pondera que “[...] assim, ao contrário de uma cidadezinha, a democracia na

grande escala de um país faz com que as associações políticas se tornem ao

mesmo tempo necessárias e desejáveis”. A dificuldade de aplicação da

95 BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. 1986. Tradução

de Marco Aurélio Nogueira. 6. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. p. 68-71. 96 DAHL, Robert A. Sobre a democracia. Tradução de Beatriz Sidou. Brasília: Editora

Universidade de Brasília, 2001. p. 111-112.

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Democracia Direta é tanta que chega a ser questionada Bobbio97 ao analisar

parte do Contrato Social de Rousseau:

Rousseau, entretanto, também estava convencido de que "uma verdadeira democracia jamais existiu nem existirá", pois requer muitas condições difíceis de serem reunidas. Em primeiro lugar um estado muito pequeno, "no qual ao povo seja fácil reunir-se e cada cidadão possa facilmente conhecer todos os demais"; em segundo lugar, "uma grande simplicidade de costumes que impeça a multiplicação dos problemas e as discussões espinhosas"; além do mais, "uma grande igualdade de condições e fortunas"; por fim, "pouco ou nada de luxo" (donde se poderia deduzir que Rousseau, e não Marx, é o inspirador da política de "austeridade").Lembremo-nos da conclusão: "Se existisse um povo de deuses, governar-se-ia democraticamente. Mas um governo assim perfeito não é feito para os homens”.

Ante a clara impossibilidade de aplicação da Democracia Direta,

também chamada de democracia pura, por não sanar as necessidades de todos

os tipos de sociedade, surge a Democracia Indireta.

1.2.2 Indireta

A Democracia Indireta é aquela em que o povo exerce a sua

Soberania por meio de representantes. Por esse motivo, essa forma é conhecida,

ainda, por Democracia Representativa. O modelo tem origem na Idade Média, no

qual é aplicada apenas a poucos (nobres). Esses delegavam poder aos

representantes que atuavam em seu próprio interesse.

Ocorre que, a partir das revoluções, surgiram melhorias quanto ao

conceito de Democracia a partir dos acontecimentos históricos, cujo ponto

principal foi a criação do Parlamento na Inglaterra, quando o Povo passa a ter

representação juntamente com os nobres. A partir do Estado Contemporâneo,

todavia, molda-se o conceito moderno de Democracia Indireta.

Nesse modelo, o Povo possui a liberdade de eleger seus

representantes. Corrobora Bobbio98 que “‘Democracia Representativa’ significa

97 BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. Tradução Marco

Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 6. ed., 1986, p. 41.

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genericamente que as deliberações coletivas, isto é, as deliberações que dizem

respeito à coletividade inteira, são tomadas não diretamente por aqueles que dela

fazem parte, mas por pessoas eleitas para esta finalidade”. Em outros termos, os

cidadãos são soberanos para escolher seus representantes que irão tomar

decisões e ter poderes governar em seu nome.

A Democracia Indireta ou Representativa foi a escolhida na maior

parte dos países modernos. Entre suas principais características estão a

soberania popular, sufrágio universal, separação de poderes, pluralidade

partidária, limitação dos poderes do Estado e igualdade dos indivíduos

estabelecida em lei.

Por fim, cumpre esclarecer que a Democracia Representativa não

excluiu a existência da Democracia Direta, pois alguns grupos, como aqueles

fundados em Marx, continuaram contestando a representatividade e formando

grupos radicais que afirmavam ser a Democracia Direta a única forma de

“verdadeira Democracia”99.

1.2.3. Participativa

A Democracia Participativa, ou semidireta, em síntese, é um

“sistema híbrido”, que une características tanto do modelo da Democracia Direta

quanto do modelo da Democracia Indireta ou Representativa, ou seja, permite

que os cidadãos não apenas escolham seus representantes, como, também,

controlem e fiscalizem seus atos. Essa condição favorece, hoje, o exercício da

Soberania por meio de instrumentos como plebiscito, referendo, iniciativa popular

e ação popular.

O modelo de Democracia Participativa tem como ponto de partida a

troca de experiências entre os cidadãos a partir de espaços públicos que

permitam o diálogo, este modelo geralmente está atrelado à concepção de

98 BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. Tradução. Marco

Aurélio Nogueira. 6. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, p. 44. 99 BOBBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade: para uma teoria geral da política. 11. ed.

tradução de Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004. p. 154.

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cidadania ativa. Feres Júnior e Pogrebinschi100 apontam algumas características

deste modelo de Democracia:

i) a defesa de um engajamento cívico, em que cidadãos participem dos processos de tomada de decisões políticas no plano nacional e façam parte do processo de formulação de políticas no plano local; ii) a participação dos cidadãos seja direta e ativa na tomada de decisões políticas e na administração do espaço social em que estão inseridos; iii) a suposição de que tal participação, direta e ativa dos cidadãos, dê-se sem o intermédio de representantes eleitos com a finalidade de agir em seu nome; iv) a expectativa de que a participação direta e ativa dos cidadãos no processo de tomada de decisões políticas conduza à construção de consensos que possam eventualmente ser substitutivos à prevalência da regra da maioria; v) a suposição de que os cidadãos devem agir diretamente em seu próprio nome, fazendo valer seus interesses por meio da ação coletiva; vi) a compreensão de que tal ação coletiva depende da coordenação da ação individual de cada cidadão; vii) o entendimento de que a ação individual de cada cidadão pressupõe a prática de alguma atividade a ser exercida coletivamente; viii) a suposição de que é no exercício cotidiano de suas atividades que os cidadãos se educarão para a Democracia Participativa.

Percebe-se que a Democracia Participativa pressupõe participação

do cidadão, que debate e toma decisões num espaço de divergências, na

tentativa de construir, juntamente com outros cidadãos, quais consensos são

necessários para se viabilizar o convívio sadio entre as pessoas, sem que haja

representantes ou intermediários.

Em contrapartida, há de se ponderar que a Democracia Participativa

vive um paradoxo, pois, muitas vezes, os cidadãos deixam de participar e

demonstram uma abstenção tanto política quanto social, por acharem que os

mecanismos postos à disposição dos cidadãos têm pouca força política e jurídica

capazes de proporem mudanças mais significativas para se fortalecer a vida

comum.

100 FERES JÚNIOR, João; POGREBINSCHI, Thamy. Teoria política contemporânea: uma

introdução. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010, p. 148-149.

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Apesar de não ser um elemento essencial à Democracia

Participativa, a educação (não do ponto de vista formal, mas vista sob a

perspectiva do engajamento cívico) e o senso crítico são importantes, uma vez

que possibilitam um nível mais maduro e aprofundado das discussões, e,

consequentemente, da tomada de decisões.

Bonavides101 salienta que o início do modelo participativo foi na

Suíça, por meio da realização de assembleias nas quais a população podia votar,

tendo como contrapartida o dever de comparecer. O governo pertence ao

elemento popular quanto às questões públicas, pois este tem o poder da

Soberania e pode intervir na decisão do Estado, de forma definitiva e

incontestável, a partir dos instrumentos que lhe foram conferidos.

Suscintamente convém definir cada um dos instrumentos de

participação popular, que estão previstos inclusive na Constituição Federal de

1988, no artigo 14, incisos I, II e III. Essa previsão, bem como o significado do

Princípio Democrático expresso no Preâmbulo, no artigo 1º e 2º da referida lei,

confirma que o modelo adotado pelo Brasil foi o da Democracia Participativa.

A primeira expressão da soberania popular, fundamento da

Democracia Direta, é o referendo, que está previsto na Carta Magna, artigo 14,

inciso II. A partir desse instrumento, a população pode confirmar ou afastar

projeto de lei aprovado pelo Poder Legislativo, desde que atendidas certas

exigências como o número de eleitores, de parlamentares ou mesmo do chefe do

Executivo. O projeto somente será aprovado se receber votação favorável do

eleitorado, cuja competência exclusiva do Congresso Nacional autorizá-lo, a teor

do artigo 49, XV102.

A consulta ao Povo é posterior à formulação do projeto, de modo

que apenas será colocado em vigor se for aprovado pela maioria dos votantes.

Segundo Mendes, Coelho e Branco103 no referendo há uma consulta posterior

101 BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 274-275. 102 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27. ed. São Paulo:

Malheiros, 2006. p. 142. 103 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.

Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 800.

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sobre determinado ato ou decisão governamental como o objetivo de lhe atribuir

eficácia legal, caso aprovado. Outrossim, importante ressaltar que este pode ser

facultativo ou obrigatório, a depender da matéria, o que deve vir previsto em lei.

Outra forma de exercício da Democracia é o plebiscito, o qual,

também, se trata de uma consulta popular para que seja decidida questão social

relevante, constitucional, administrativa ou legislativa. Está previsto no inciso I do

mesmo dispositivo legal supracitado e não difere do referendo.

Todavia, no plebiscito, a população é consultada sobre determinado

assunto antes que venha a ser elaborado qualquer projeto de lei, ou seja, nada

mais é do que uma consulta prévia à opinião popular para que se demonstre o

interesse, do ponto de vista da necessidade ou não, de que a matéria venha a ser

efetivamente discutida pelo Parlamento e seja elaborada lei a respeito. Nesse

caso, o governante fica condicionado à decisão popular, que aprova ou denega a

relevância de a matéria virar lei. A diferença entre os dois instrumentos, portanto,

está no momento da consulta à população104.

Cumpre esclarecer, ainda, quanto à aplicação prática dessas

ferramentas democráticas, nos termos do artigo 49, XV da CF/88 e do artigo 3º da

Lei 9.709/98, que o plebiscito e o referente, ao versarem sobre questão de

relevância nacional, são convocados por decreto legislativo, com proposta de um

terço (1/3) dos membros que compõe qualquer das Casas do Congresso

Nacional.

Outrossim, ainda há a iniciativa popular, instrumento de participação

direta do Povo, por meio de apresentação de projeto de lei ao parlamento previsto

no inciso III do artigo 14 da Constituição Federal. Esta deverá estar assinado por

pelo menos 1% do eleitorado nacional, distribuídos em pelo menos cinco Estados,

com, ao menos, 0,3% dos eleitores em cada um deles (essa é a leitura do artigo

61, §2º da Constituição Federal de 1988).

104 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.

Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 800.

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Além das três formas previstas no artigo 14 da Constituição, alguns

autores ainda citam a ação popular como expressão do exercício da Democracia

direta, o recall e o voto popular como institutos da Democracia Participativa.

Esses dois últimos não foram recebidos pelo legislador constituinte e ambos têm

origem nos Estados Unidos da América. O recall é instrumento de revogação

popular do mandado eletivo via eleitoral105. O veto popular é o poder que os

eleitores têm de vetar um projeto de lei já existente, que se repudia, ou seja, o

projeto já aprovado pode ser vetado.

1.2.4. Deliberativa

O modelo de Democracia Deliberativa tem como ponto central a

comunicação e perpassa por procedimentos institucionalizados. Azambuja106

entende que a Democracia Deliberativa se trata “de uma aproximação da

Democracia Direta. É um sistema misto, que guarda linhas gerais do regime

representativo, porque o povo não se governa diretamente, mas tem o poder de

intervir”.

O Povo além de outorgar aos representantes o poder de agir e

deliberar em seu nome, retém uma parte deste para atuar por iniciativa própria e

tomar decisões de forma direta, mediante discussões e deliberações coletivas. A

Democracia Deliberativa, com isso, enquanto processo institucionalizado num

Estado perpassa por quatro etapas básicas:

1. promover a legitimidade das decisões coletivas; 2. encorajar as perspectivas públicas sobre assuntos públicos; 3. fomentar processos mutuamente respeitáveis de tomada de decisões; 4. ajudar a corrigir os erros que são cometidos nas decisões coletivas107

Tem-se que os espaços da Democracia Deliberativa buscam não

apenas compreender as reais necessidades daquela população, mas, também,

105 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25. ed. São Paulo:

Malheiros, 2005. p. 139. 106 AZAMBUJA, Darcy. Introdução à Ciência Política. 5. ed. São Paulo: Globo, 2003, p. 223-224. 107 CARVALHO, Priscila Teixeira de. Teorias deliberativas de democracia: modelo substantivo e

modelo procedimental. 2010. Dissertação (Instituto de Filosofia e Ciências Sociais) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2010. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=169518. Acesso em: 05/12/2015.

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debatê-los a fim de que sejam feitas correções nas decisões as quais, muitas

vezes, são impostas de modo verticalizado.

A Democracia Deliberativa pressupõe que tanto os Cidadãos

quantos seus representantes devem justificar as decisões tomadas, as leis

criadas. Essa é uma de suas características principais. Nesse sentido, Habermas

formula uma concepção deliberativa, segundo Luchmann108, em que os indivíduos

formadores da Sociedade participam da Democracia não apenas na hora de

votar, como também por meio da utilização das esferas públicas. Estas devem

servir para influenciar o sistema político, te tal forma que as decisões políticas

venham construídas pela vontade pública agindo fora da relação de poder. É

assim que Habermas afirma que as decisões políticas não se tornam legítimas

somente pelo processo eleitoral, mas como um todo nas deliberações nas

“esferas públicas” 109

O modelo deliberativo, portanto, requer a justificação e o debate

público entre os cidadãos, para que tenham igualdade de participação com o

Poder Público. É o debate coletivo que trará legitimidade às decisões políticas,

segundo pensamento de Habermas. Nesse ponto, a pesquisa de Luchmann

destaca três princípios de Habermas importantes para o sistema deliberativo: o

primeiro é a “regra da inclusão”, pela qual “todo e qualquer sujeito capaz de agir e

falar pode participar de discursos”.

O segundo, essencialmente acerca da participação pública nas

decisões políticas, disciplina que “todo e qualquer participante de um discurso

pode problematizar qualquer afirmação, introduzir novas afirmações, exprimir

suas necessidades, desejos e convicções”; E, traz a “regra da comunicação livre

de violência e coação”, na qual Luchmann110 bem sintetiza que “nenhum

108 LÜCHMANN, Lígia Helena Hahn. Possibilidades e limites da democracia deliberativa: a

experiência do orçamento participativo de Porto Alegre. Tese (Doutorado em Ciências Sociais). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. Campinas-SP, 2002. Disponível em: < http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=vtls000246426> Acesso em: 14/12/2015.

109 VIGLIO, José Eduardo. Avaliação da experiência do Orçamento Participativo numa cidade média: o caso de Jaboticabal, 2004, p. 09 110 LÜCHMANN, Lígia Helena Hahn. Possibilidades e limites da democracia deliberativa: a

experiência do orçamento participativo de Porto Alegre.p. 22.

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interlocutor pode ser impedido, por forças internas ou externas ao discurso, de

fazer uso pleno de seus direitos, assegurados nas duas regras anteriores”.

Quanto à Democracia Deliberativa, por fim, conclui-se que as

decisões devem estar sempre abertas para o debate, sofrem alterações conforme

a época e Sociedade. Por esse motivo, o incentivo à discussão e participação

devem possibilitar as decisões coletivas.

A própria História comprova que muitas assertivas da antiguidade

foram repensadas de modo que hoje já não são absolutas ou até mesmo foram

modificadas por completo. Os processos deliberativos serviriam para fomentar a

tomada de decisões em conjunto e possibilitar a reparação de decisões

anteriores, sempre fundamentando e justificando as ações, tendo em vista a ideia

de mutação constante.

1.3 Contribuição da Política Jurídica para efetividade da Democracia

Sabedores dos conceitos básicos de Democracia e da sua

importância para a estruturação e organização da Sociedade, faz-se necessário

uma análise pormenorizada do papel que a participação democrática

desempenha no processo político de construção das normas impositivas que

regem a Sociedade moderna organizada. Em outras palavras, ponderar a

participação democrática no processo de transformação de um fato político (ser)

em norma jurídica (dever ser), designado política jurídica.

A expressão Política Jurídica figura como parte de destaque na

Teoria do Estado, seja no âmbito do saber político seja no do saber jurídico. O

termo indica o ponto de interferência ou de intercessão das duas temáticas no

plano empírico (política) e no plano positivo (jurídico), como fundamento

legislativo e jurídico111.

A Política Jurídica nada mais é do que a Ciência que estuda os fatos

políticos como fundamento fático para a criação de proposições normativas gerais

e objetivas. É a base empírica que leva um fato comum da Sociedade a ser

111 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. Sergio Antonio Fabris Editor:

Porto Alegre, 1994, p 47.

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positivado em norma jurídica vigente, coercitiva e válida. Reale define a Política

Jurídica como o fenômeno operado pelo legislador de transmutação de valores da

Sociedade para regras de direito:

Propor-se a questão dos critérios de oportunidade e de conveniência que circunscrevem ou devem circunscrever o arbítrio do legislador quando, in concreto, o Poder converte um «valor do Direito» em «regra de direito» e, consequentemente, confere a uma «proposição jurídica» a força específica de «norma jurídica», é tarefa que se contém na esfera empírica da Política do Direito, sem ultrapassar o âmbito das generalizações, tanto do ponto de vista causal como do teleológico.112

Dessa forma, a Política Jurídica envolve os critérios de oportunidade

e de conveniência existentes na atmosfera legislativa no momento da deliberação

de um assunto que tem a pretensão de migrar do mundo dos fatos para o mundo

do direito. Visa, investigar a escolha valorativa das questões que merecem um

amparo jurídico do Estado em detrimento daquelas que devem continuar apenas

sendo objeto da moral e da vida social.

O foco central da Política Jurídica está na investigação crítica das

normas jurídicas enquanto integrantes de uma Sociedade em movimento,

dinâmica e pluralista, cotejando-as com as bases fáticas que sustentaram sua

elaboração113. Essa, contudo, não se restringe somente aos fatores já

mencionados, mas, também, verifica a atualidade da norma jurídica no contexto

social, pois averigua a coerência do preceito legal com o cenário real de

aplicabilidade.

Numa Sociedade democrática a adequação das normas legais com

a vontade do Povo exige uma constante investigação sobre a congruência das

112 REALE, Miguel. Teoria do Direito e do Estado. 5. ed. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 2000, p.

386. 113 Nesse sentido, valiosas as ponderações de Oliveira (OLIVEIRA, Gilberto Callado. Filosofia da

Política Jurídica. Itajaí: Editora da Univali, 2001, p. 46.), quando afirma que: “[...] a política jurídica está sempre numa posição além do direito positivo, orientando-o para as necessárias inserções e reformas. Penetra nele a princípio, com uma postura ética crítica, para a partir daí observar as tendências indesejáveis e contrárias aos interesses da coletividade e de sua própria razão de existir, e propor as mudanças de rumo, quer mediante correções adequadas, quer mediante a introdução de uma nova estrutura legal. São correções e acrescimentos inspirados pela conveniência e utilidade dos meios, tendo em vista o cotidiano progresso da sociedade, e a contínua transformação do direito, como o elevado objetivo de ajusta-los a uma verdadeira ordem social”.

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imposições jurídicas do dever ser, para evitar o aviltamento de opiniões e

valorização excessiva de interesses em detrimento de outros. Nesse sentido, a

lição de Dias114 destaca:

Compreender o fenômeno jurídico, enquanto fenômeno social, implica em questionar a congruência da norma jurídica as exigências da vida da sociedade. Isto aponta para a necessidade de indicar-se um campo do conhecimento jurídico que coteje, especificamente, a avaliação crítica do direito, ou seja, que não trate apenas do ser, mas também do dever ser do Direito. A Política Jurídica é considerada o espaço, por excelência, do debate sobre o dever ser do Direito.

Diante desse cenário, é importante sinalizar que a Política Jurídica

não se atém ao fato social isolado enquanto evento da vida humana e social (ser),

mas sim lança uma visão crítica sobre o preceito normativo positivado no

ordenamento (dever ser)115. O foco da abordagem da Política Jurídica é a norma

impositiva, ainda que se utiliza do fato social para questionar sua adequação e

pertinência. A partir das elucidações apresentadas a Política Jurídica pode ser

conceituada de forma crítica nas palavras Oliveira116:

A política jurídica, como ciência, autônoma e prática, é o estudo crítico do ordenamento jurídico positivo e o estudo preceptivo da nova ordem. O exame das imperfeições e injustiças que possam inquinar qualquer sistema normativo correlaciona-se cabalmente com a experiência, com as representações jurídicas profundamente arraigadas e realmente vividas no seio da sociedade.

A Política Jurídica não está atrelada apenas ao meio político nem ao

meio jurídico, mas é uma intersecção entre ambas as ciências; um caminho que

ao mesmo tempo divide e une estes conhecimentos. Assim, não se trata de uma

Ciência meramente política, pois estuda o dever ser e não o ser. Por outro lado,

não é meramente jurídica por não estudar o fato jurídico de forma isolada;

114 DIAS, Maria da Graça dos Santos. A justiça e o imaginário social. Tese (Doutorado em

Ciências Jurídicas). Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências Jurídicas. Florianópolis, 2000. Disponível em: << https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/78804>> p. 83.

115 Warat “Não se pode implementar a democracia com um Direito que juridifica a política. A situação oposta é que permite a realização da sociedade democrática. A democracia se implementa através de uma prática política que possibilite ao Direito, que outorgue aos centros produtores das significações jurídicas capacidade de criação permanente, de novos hábitos e rotinas.”. WARAT, Luís Alberto. Introdução Geral ao Direito, p. 259.

116 OLIVEIRA, Gilberto Callado. Filosofia da Política Jurídica. p. 31.

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questiona as imperfeições e injustiças do sistema com base nas experiências e na

vida da sociedade.

A Ciência Jurídica117 analisa a norma legal como suficiente a si

própria e despreza as informações que nascem na vida de todos os dias. Ao

traçar a linha divisória precisa entre a Política e o Direito, Oliveira118 elucida o

ponto nodular que torna a Política Jurídica uma Ciência:

O objeto da política jurídica é, como vimos, uma verdade operável desde a perspectiva da juridicidade. Exclusivamente considerado, o conhecimento político não teria outro objeto senão definir retamente e pôr em prática os meios de governo mais adequados para que as condutas humanas, sempre suscetíveis à defectibilidade, não se desviem do bem comum. Mas este objeto se une ao do conhecimento do direito, para formar uma decisão político-jurídica, tomada em circunstâncias concretas, com vistas à realização da justiça.

Nessa linha de pensamento, observa-se como a Política necessita

da contribuição do Direito para se tornar exigível e concreta, do contrário

permaneceria apenas como um conselho moral do justo e correto. O Direito,

entrementes, se tornaria injusto, desfocado da realidade e puramente metafísico

se não se valesse dos ensinamentos da política para nortear os imperativos

legais.

Por esse motivo, não é equivocado afirmar que a Polícia Jurídica

está empenhada com as diversas opiniões sociais, cujos interesses dos diversos

atores ao palco da Democracia, o legislativo. Melo define a Política Jurídica como

“[...] aberta, polissêmica, Participativa, e comprometida com as utopias sociais”119.

A Política Jurídica pode ser considerada como o local mais

democrático no seio jurídico, uma vez que possibilita a participação social na

117 Kelsen “Na afirmação evidente de que o objeto da ciência jurídica é o Direito, está contida a afirmação – menos evidente – de que são normas jurídicas o objeto da ciência jurídica, e a conduta humana só o é na medida em que é determinada nas normas jurídicas como pressuposto ou consequência, ou – por outras palavras – na medida em que constitui conteúdo de normas jurídicas”. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado, São Paulo: Martins Fontes, 6. ed., 1998, p.79. 118 OLIVEIRA, Gilberto Callado. Filosofia da Política Jurídica. p. 41. 119 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. p. 49.

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construção de um ordenamento jurídico que reflita o Povo, voltado para o Povo e

em função do Povo. É a partir dessa compreensão que a Política Jurídica:

Torna-se, assim, o mais adequado espaço de criação democrática no universo jurídico, pois nem se compadece com o autoritarismo do pensamento jurídico tradicional, que fala em nome da lei, nem com o pensamento de contemporâneas correntes pseudo-emancipatórias que falam em nome de uma verdade social imobilizada por signos configurados em velhos preconceitos, vestidos de novas roupagens. Resgata semiologicamente o sentido do justo e do útil não através de discursos enganosos dirigidos pelo pode à Sociedade nem com os suspiros nostálgicos do jus naturalismo, mas vendo-os como valores culturais resultantes das experiências, das lágrimas e dos sorrisos que afloram no painel da vida.120

Percebe-se que uma norma jurídica somente será considerada viva

e atual quando refletir os interesses necessários à sadia manutenção do convívio

social121, do contrário, será uma imposição desprovida de legitimidade e

autocrática. A norma legal que se afasta do processo democrático de elaboração

vale por si, por imposição do Estado e não por ser justa e representar a opinião

da sociedade.

A Política Jurídica se vincula ao processo democrático quando

garante a participação de todos os atores sociais na construção normativa. A

Política Jurídica ganha destaque nas sociedades democráticas, ao passo que nas

autocráticas as normas legais são outorgadas pelo soberano sem qualquer

discussão prévia da temática da matéria.

A democratização de uma Sociedade abre espaço para a

positivação de valores antes desprezados ou omitidos pelo legislador autocrático.

A Sociedade identifica os clamores de todos seus integrantes e possibilita as

normas jurídicas a partir da pluralidade de interesses voltados aos indivíduos

antes marginalizados e olvidados.

120 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. p. 49. 121 Nesse diapasão, já advertia Radbruch “Es esencial al Derecho constituir, no sólo un querer y

un deber ser, sino también un poder realmente activo y eficaz en la vida del pueblo. Aún cuando la ley tiene capacidad para decidir cualquier innovación o reforma em puntos particulares, sin embargo, sólo podrá sancionar en conjunto aquellos preceptos que se hayan ido desarrollando sin su intervención, por hábitos sociales, por usos o convenciones, en conexión com los hechos reales de la vida del pueblo”. RADBRUCH, Gustav. Introducción a la Ciencia del Derecho. Tradução para o espanhol de Luis Recasens Siches. Madrid : Biblioteca de la Revista de Derecho Privado, 1930, p. 7.

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A Política Jurídica na Sociedade democrática expande seu enfoque

de visão para albergar valores sociais das minorias e amplia o âmbito de diálogo

dos fatos sociais com os valores jurídicos adotados como basilares:

A democratização política rompera a hegemonia absoluta da burguesia no Parlamento, abrindo caminho, no plano político, para a afirmação das necessidades dos extratos mais desfavorecidos da população. Surge então, na virada para o século XX, o Estado do Bem-Estar Social, e com ele a consagração constitucional de uma nova constelação de direitos, que demandam prestações estatais destinadas à garantia de condições mínimas de vida para a população (direito à saúde, à previdência, à educação, etc.). Estes novos direitos penetram nas constituições a partir da Carta mexicana de 1917 e da Constituição de Weimar de 1919. 122

Além desses fatores, a Política Jurídica deve estar atenta para as

demandas de cada local, ao buscar identificar e compreender as carências e

valores da população daquele específico espaço territorial, a qual, por suas

peculiaridades socioeconômicas, culturais, religiosas, geográficas, políticas, entre

outras, não se coadunam com nenhuma outra política pública adotada em outro

território.

Por esse motivo, o legislador precisa se aproximar da população

para ouvir e, principalmente, sentir o que o Povo anseia. A criação de espaços

públicos de debate acerca dos temas específicos de interesse da população

diretamente envolvida configura-se em importante instrumento democrático de

construção do processo político-jurídico em sintonia com a realidade. Nesse viés,

Sachs123 define que,

Daí a importância do planejamento territorial nos níveis municipal, microrregional e mesorregional, de forma a reagrupar vários distritos unidos pela identidade cultural e por interesses comuns. Para este fim, deve-se criar espaços para o exercício da Democracia direta, na forma de foros de desenvolvimento local que evoluam na direção de formar conselhos consultivos e deliberativos, de forma a empoderar as comunidades para que elas assumam um papel ativo e criativo no desenho do seu futuro.

122 SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2.ed. Rio de Janeiro:

Lúmen Júris, 2006, p. 33 123 SACHS, Ignacy. Desenvolvimento: includente, sustentável, sustentado. Rio Janeiro:

Garamond, 2004. p. 61.

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Somente quando for garantido ao Povo espaços institucionais de

debate e discussão das matérias de interesse público como saúde, educação,

segurança e desenvolvimento, se atingirá um nível democrático aceitável. Quando

o Povo for chamado a participar das deliberações consultivas ou normativas seus

interesses estarão preservados nas normas jurídicas para serem exercitados e

reivindicados.

O desenvolvimento de conselhos municipais, regionais, estaduais ou

nacionais para discussão de temas sensíveis à Sociedade com poderes

consultivos ou deliberativos tornará a Política Jurídica uma verdadeira força de

transformação social e jurídica, legitimando o poder legislativo e formando um

projeto crítico de desenvolvimento.

A Política Jurídica e a Democracia estão profundamente ligadas num

recíproco fortalecimento mediante a abertura de espaços públicos de discussão,

cujo espírito de união entre as pessoas rejuvenesce nos conselhos públicos e a

Política Jurídica aproxima ainda mais o povo do legislador.

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CAPÍTULO 2

FUNDAMENTOS DA POLÍTICA JURÍDICA

2.1. Compreendendo o conceito de Política Jurídica

A evolução e velocidade das relações humanas, sociais e destes

para com o Estado têm reflexos em todos os ramos das ciências, mas no Direito

podemos observar o quanto, especialmente, as Normas Jurídicas sofrem o

impacto da Pós-Modernidade, tornando instrumento de aperfeiçoamento, ajustes

e remodelações indispensáveis para manutenção da Paz Social.

Nessa mesma linha temos a constante busca pela solidificação das

conquistas sociais nas Democracias e de modo particular, num Estado

Democrático de Direito como é o caso do nosso País, onde o cabedal de

promessas incompletas ou não cumpridas supera em muito o desejável sendo

ambiente propício para a Política Jurídica.

A Política Jurídica - concentrada com o conteúdo ideológico,

operacional e epistemológico para se constituir ou revisar a norma jurídica -

alarga possibilidades de concretização de modelos de convívio social que estejam

em consonância com os propósitos humanos em toda sua plenitude. A partir

dessa compreensão sobre o profundo e integral significado humano que o Direito

deve buscar seus objetivos a fim de permitir o desenvolvimento do projeto

chamado Sociedade124.

Nessa senda, se faz necessário reforçar as bases Democráticas

através de seus elementos fundantes, especialmente os que se referem à

124DOMINGOS, Silvia. Atuação do Juiz como Político Jurídico no Direito Ambiental Brasileiro.

Dissertação submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, para obtenção do grau de Mestre em Ciência Jurídica. 2007. p. 09. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp085933.pdf Acessada em: 14 de fevereiro de 2016.

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Participação dos Cidadãos, nos processos de transparência política-

administrativa, ou seja, na capacidade de escolha e fiscalização social.125

Como já advertia Melo, antes de buscar o Direito fundado no lastro

utópico da Política Jurídica, ou seja, do Direito focado no pode ser ou deva ser, é

necessário:

[...] nos desvincular do formalismo jurídico e da dogmática jurídica, cujas proposições autoritárias (ou mesmo totalitárias, cristalizadas e pedantes, precisam ser superadas por um processo de ecologia político-jurídica capaz de, sobre os interesses econômico financeiros da burocracia estatal e das grandes empresas, priorizar o ato cotidiano de viver, ou seja, de cada um buscar legitimamente sua felicidade, relacionando seus sentimentos e necessidades com as necessidades de seus semelhantes.126

O substrato desse processo de mitigação da Dogmática Jurídica

será a ampliação de atuação do Operador do Direito e, a partir de agora, será lido

como do Político Jurídico127 128 ao ter a possibilidade de ver o Direito e suas

formas de expressão legislativa e jurisprudencial revisados com vistas a busca

melhoria da qualidade de vida, do bem-estar e desenvolvimento social, por meio

de uma conjunção de elementos, como técnicas de controle social e metas

sociais129”.

Para Ross o princípio da política jurídica (ideia de justiça), se traduz

como algo inerente enquanto pretensão da verdade, pautado na observância dos

125 “A construção de uma democracia real é, assim, antecedente estratégico e deverá pressupor, antes de tudo, o poder político dos cidadãos na escolha dos governantes e na fiscalização dos atos. É preciso, pois que as instituições jurídico-políticas sejam adequadas para garantir um ambiente sadio”. MELO, O papel da Política Jurídica na Construção normativa da Pós-Modernidade. In: Política Jurídica e Pós-Modernidade. Dias, Maria da Graça dos Santos; SILVA, Moacyr Motta da.; MELO, Osvaldo Ferreira de. Florianópolis: Conceito Editorial, 2009, p. 92.

126 MELO, Osvaldo Ferreira de. Considerações sobre Política Jurídica. p. 01. 127 “Essa visão mais ampla faz do político do direito não só um operador ou um consultor da política

legislativa em teoria da legislação, mas também um importante investigador dos fatos e dos valores que interessam à formação e à aplicação do direito de que a Sociedade necessita e que legitimamente deseja”. MELO, Osvaldo Ferreira de. Considerações sobre Política Jurídica. p. 12.

128 “O político do direito não será assim um mero assessor do legislador como propôs Ross, mas um humanista que perceba a necessidade de direcionar o direito para a vida, um cientista que saiba aplicar adequada metodologia para analisar e criticar o direito vigente em seus aspectos não formais e o “sensitivo” capaz de perceber os valores democráticos que devem guiar o atendimento dos anseios sociais por parte dos aparelhos do Estado”. MELO, Osvaldo Ferreira de. Considerações sobre Política Jurídica. p. 12.

129 MELO, Osvaldo Ferreira de. Sobre Política Jurídica. Rev. SEQÜÊNCIA, Ano I, 1º Semestre 1980. p. 15

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princípios tido como válidos pelo direito e que devem ser (ou esperar que venham

a ser) utilizados pelo legislador de modo racional130. Ao ampliar o princípio

exposto pelo pensamento de Ross, Melo extrapola o alcance da Política Jurídica

ao descrever que o Político do Direito poderá fazendo uso da Ciência e da

consciência – tendo como base – a justiça, a legitimidade e os valores, indicar

alternativas ao Legislador para o aperfeiçoamento das leis.131.

O Direito enquanto produto humano pode ser lido como resultado

dos influxos históricos, sociais e culturais entre Estado e Sociedade, ou seja,

como apresenta Guimarães não se trata de um produto finalizado ou que já nasça

na sua forma definitiva, possuindo dinâmica de moldar-se aos problemas

humanos que lhe dão origem132.

Nesse contexto, a Lei enquanto produto legislativo é, pois, datada, e

o Direito, correndo os mesmos riscos de defasagem histórica, quando já não

surtem os efeitos esperados nem a condição ideal de promoção de paz social,

que enfrentam outras ciências sociais133”. Para Guimarães:

[...] poderemos dizer que o direito apresenta não apenas um aspecto pragmático, destinado à solução de problemas iminentes (por meio de normas gerais e abstratas) e de problemas concretos (por meio de normas jurídico-jurisdicionais, que são casuísticas), mas também um veio teorético desenvolvido por meio do método científico que, por isso, lhe confere aspecto de cientificidade134.

A construção do Direito ocorre em escala ordinária, por meio do

processo legislativo e jurisdicional, pautado em tensões oriundas da sociedade135.

Essas reverberações sociais tendem a gerar um processo de inquietação política

ou do detentor do poder Político. Nesse contexto, nascerá a Política do Direito.

130 ROSS, Alf. Direito e Justiça. Tradução de Edson Bini. Bauru, (SP): EDIPRO, 2000, p. 342 131 MELO, Osvaldo Ferreira de. Sobre Política Jurídica. p. 16. 132 GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Observações Epistemológicas sobre Política do Direito no

Pensamento de Ferreira de Melo. Novos Estudos Jurídicos, 2011, p. 25. 133 GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Observações Epistemológicas sobre Política do Direito no

Pensamento de Ferreira de Melo. Novos Estudos Jurídicos, p. 25. 134 GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Observações Epistemológicas sobre Política do Direito no

Pensamento de Ferreira de Melo. Novos Estudos Jurídicos, p. 26. 135 GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Observações Epistemológicas sobre Política do Direito no

Pensamento de Ferreira de Melo. Novos Estudos Jurídicos, p. 27

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O Direito adequado, com base na Política Jurídica, deverá ser o

ajustado aos modelos éticos vigentes, a cultura de determinado povo e pertinente

a cada época136. Tais elementos ou modelos de balizamento devem ser

observados pelo Político Jurídico de modo a que as nuances e obscuridades de

cada um deles não conduza a escolhas menos justas ou legítimas.

Nesse sentido, a verificação e concatenação dos padrões éticos,

históricos, socialmente aceitos por uma coletividade é base da Política Jurídica e

que tem no processo inventivo do Direito que deve ser constituído (ius

condendum)137 a sua matriz germinativa.

O grau de autonomia que ganham as sociedades contemporâneas e

a sua experiência se aperfeiçoam com as práticas democráticas e pluralistas

impõe aos juristas e, em especial, aos Políticos Jurídicos a necessidade da

abertura do Direito Positivo, o qual deve ir além das vontades legislativas ou

jurisprudenciais. 138

Nesse sentido, as possibilidades de utilização da Política Jurídica

seriam ampliadas, transpondo limitações de ordem descritiva, permitindo a

utilização prescritiva do discurso, balizadas com os interesses e demandas

sociais, isso com que deixe de ser uma Utopia Social e de lugar a realização de

processos capazes de mudar partes do Ordenamento Jurídico, legislações

específicas ou jurisprudências. 139.

A visão de Ross sobre a amplitude prática da Política Jurídica tem

por base elementos que perpassam não somente por problemas técnicos-

jurídicos, mas, também, políticos extrajurídicos, os que necessitam de mediação e

os de formulação/harmonização (técnicos-redacionais).140

136 MELO, Osvaldo Ferreira. Temas atuais de Política do Direito. Sergio Antonio Fabris

Editor/CMCJ-UNIVALI:Porto Alegre, 1998. p. 80. 137 MELO, Osvaldo Ferreira. Fundamentos da política jurídica. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1994. p.

16. 138 “[...] às mudanças culturais e às conquistas sociais, ou seja, de um direito que reflita apenas o

voluntarismo do legislador e do juiz”. MELO, Osvaldo Ferreira. Fundamentos da política jurídica. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1994. p. 17

139 MELO, Osvaldo Ferreira. Temas atuais de Política do Direito. p. 14. 140 “[...] a política jurídica abrange, na prática, os seguintes elementos: 1) os problemas

especificamente técnico-jurídicos de natureza sociológico-jurídica (política jurídica em sentido

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A Política Jurídica visa uma ação, ou seja, tem uma dimensão de

natureza operacional. Recaindo em ação corretiva e criativa sobre as normas

jurídicas vigentes de modo a permitir um contínuo e permanente processo de

adequação e aperfeiçoamento141.

Por esse motivo, à “Política do Direito caberia, antes de tudo,

intercomunicar os elementos que a constituem, compreendendo-se os âmbitos da

Política e do Direito como espaços de permanentes e desejáveis influências

recíprocas142”.

A Política do Direito seria o campo de atuação específico para o

jurista confrontar em grau de interesse e necessidades sobre cada ato valorativo,

de modo a poder entender-se a ligação existente entre o desejo da coisa e o valor

a ela atribuído143. Nessa linha de pensamento, Souto apresenta que:

tanto para os filósofos do Direito como para os políticos jurídicos, a norma não deve prevalecer sem um fundamento ou uma justificação clara donde se extrairá a sua validade material, que deverá ser perseguida pelo legislador ou intérprete, buscando o conhecimento de outras fontes não convencionais do Direito, como os movimentos sociais e as suas representações jurídicas, para operar essa necessária correlação operacional axiológica-interpretativa, atingindo, deste modo, um Direito que ‘deve ser’ e como ‘deva ser realizado’144.

Reforça–se que a Política Jurídica tem um compromisso com a ação

ou o agir, na já citada dimensão operacional, ou seja, é nesse lócus que o aparato

próprio); 2) os outros problemas políticos estreitamente ligados àqueles na prática, que por sua índole, pertencem, na realidade, ao campo profissional de outros especialistas, e a respeito dos quais o jurista aparece, portanto, como um "especialista de segunda mão"; 3) a atividade de pesar considerações e decidir como árbitro dos especialistas; e 4) a formulação lingüística da decisão (a qual, que se diga de passagem, dificilmente pode ser separada da própria decisão), numa linguagem jurídica aceitável e que se harmoniza com o corpo de normas existente.! (sic)”.ROSS, Alf. Direito e Justiça. p. 379-380.

141 MELO, Osvaldo Ferreira. Temas atuais de Política do Direito. p. 14 142 MELO, Osvaldo Ferreira. Temas atuais de Política do Direito. p. 84. 143LEHMKUHL, Mílard Zhaf Alves. Um estudo sobre a obra “fundamentos da política jurídica” de

Osvaldo Ferreira de Melo, através dos elementos de percepção jurídica da “teoria tridimensional do direito” de Miguel Reale. Revista Jurídica – CCJ. v. 16, nº. 31. p. 43 - 74, jan./jul. 2012.

144 “Neste norte, o operador crítico, ao fixar os parâmetros de seu agir nos princípios constitucionais, em um Estado Democrático de Direito, permitirá uma maior e mais responsável aproximação do Direito e da Política com a ética e a estética, ou seja, com o materialmente válido e o socialmente desejado” SOUTO, Luís Eduardo Couto de Oliveira. Uma aproximação entre a Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale, a Política Jurídica de Osvaldo Ferreira Melo e a Teoria da Argumentação de Robert Alexy. Novos Estudos Jurídicos, p. 102.

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de procedimentos passíveis de permitir ao político jurídico a formatação de

escolha(s) com vistas a uma ordenação de normas socialmente justa e

legitimas.145

Para Ross o operador do direito deve elaborar estudos de contextos

políticos e sociais (ideologias, programas de governo, interesses) no sentido de

encontrar possíveis conexões de poder, no sentido de vir a utilizá-las como

premissas.146

Ainda deve atentar para tradições e ideias (relativamente

permanentes) transfiguradas em legislações prévias e tradição política

(verificando se não são posições retrógradas ou representam um atraso cultural)

visando mudança nas condições existentes, ou seja, o “problema da política

jurídica é um problema de ajuste”147.

Os elementos básicos de uma ação dotada de eficácia se

configuram na existência de um agente (ente capaz de determinar-se); de meios

hábeis (estratégias sob orientação normativa); e de um fim desejado (o desenho

do devir ou da utopia). Esses três elementos terão que estar presentes em toda

ação político-jurídica148, pois resultarão no querer agir do político do Direito.

Sendo o Direito, enquanto fenômeno cultural e social, resultado de

um processo gradual e constante, em sentido a adaptar-se as demandas da

Sociedade149 passa a Política Jurídica ter atividades de crítica ao direito vigente e

de busca de outras fontes.150

145 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da Política Jurídica. Seqüência: Estudos Jurídicos e

Políticos, Florianópolis, 1993. p. 74. 146ROSS, Alf. Direito e Justiça. p. 384

147 Roos “Contudo, não se trata de radicalizar no processo de mudança do Direito posto ou das condições existentes, ou seja, nunca para uma reformulação radical do direito a partir de seus fundamentos em direção do espaço vazio sem fundo histórico”. ROSS, Alf. Direito e Justiça. p. 384.

148 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da Política Jurídica, p. 74. 149 MELO, Osvaldo Ferreira. Temas atuais de Política do Direito. p. 81 150 “A função epistemológica da Política Jurídica recai em duas atividades distintas. A primeira se

realiza na crítica ao direito vigente, cujos princípios, normas e enunciados devem ser cotejados com critérios racionais de Justiça, Utilidade e Legitimidade, sem que seja preciso apelar para quaisquer justificações de natureza metafísica ou para proposições neo-anarquistas que possam desconstruir o território duramente já conquistado do Estado de Direito. A segunda atividade é buscar, em fontes formais e informais, as representações jurídicas, do imaginário social que se

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Para Reale, o campo de atuação da Politica do Direito deverá ser

ampliado, ao ponto da verificação da incidência ou não de interferências na

produção do Direito, no sentido de que seja sopesado se os valores e instituições

sociais produziram alteração no surgimento de norma jurídica.151”.

A Política Jurídica, enquanto doutrina, ensina como aperfeiçoar a

ideia de Justiça inerente ao Direito. Por esse motivo, essa se distingue das

demais políticas “[...] do bem-estar, da política cultural e da política do poder, que

são determinadas, com base em objetivos diferentes: econômicos, culturais e

políticos152”.

Não obstante a Política Jurídica pode ser visualizada como um

processo artístico, de cunho prático e que exige uma habilidade do Político

Jurídico, no sentido, de trazer um resultado harmonizador, ou seja, que possa ser

aceito, de fato, pelos demais membros da coletividade, e de modo mais

específico, pelos detentores da capacidade de decidir, tendo como balizador as

“[...] todas as atitudes dominantes e as crenças operativas153”. Segundo Melo:

[...] importa reconhecer que, embora nem todo discurso justificativo de critérios e normas possa constituir-se em verdade, fica-nos a convicção de que os objetivos traçados por uma política-jurídica comprometida com os valores éticos, podem servir, se não de trilhos, mas certamente de trilhas, para o balizamento de uma caminhada utópica e responsável rumo ao devir esperado.154

Sendo a Política Jurídica aberta e comprometida com as utopias

sociais, será esta o adequado espaço de criação e participação democrática para

a realização do novo paradigma jurídico hoje em evolução155.

legitimem na Ética, nos princípios de Liberdade e Igualdade e na Estética da convivência humana. Para isso haverá que rever a doutrina tradicional das fontes de Direito para privilegiar aquelas que realmente possam alimentar um Direito novo, desejável, criativo, libertador, racional e socialmente consequente”. MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da Política Jurídica. Seqüência: Estudos Jurídicos e Políticos, Florianópolis, 1993. p. 74.

151 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito.,São Paulo:Saraiva, 25. Ed. 2001, p. 311. 152 ROSS, Alf. Direito e Justiça. p. 375 153 ROSS, Alf. Direito e Justiça. p. 379 154 MELO, Osvaldo Ferreira de. ÉTICA E DIREITO. Novos Estudos Jurídicos, [S.l.], v. 11, n. 1, p. 38 155 SOUTO, Luís Eduardo Couto de Oliveira . Uma aproximação entre a Teoria Tridimensional do

Direito de Miguel Reale, a Política Jurídica de Osvaldo Ferreira Melo e a Teoria da Argumentação de Robert Alexy. Novos Estudos Jurídicos, p. 103.

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O advento democrático da criação – por via legislativa - dos

Conselhos Municipais de Saúde em 1990, como órgãos de controle social e a

dinâmica da pós-modernidade permitem, por meio da Política Jurídica a

verificação de sua expressão como “lege ferenda”.

2.2. Idéia de Política Jurídica na Expressão da "Lege Ferenda”

A tarefa de buscar o devir seja, até o momento do presente estudo,

com base na legislação, ou a partir desse instante, por intermédio das suas outras

esferas, como o Judiciário ou ainda através dos demais atores administrativos, eis

que existe uma gama de atividades que podem emanar normas, como sentenças,

decretos, portarias, resoluções.

Nesse sentido Melo esclarece que a Política Jurídica tem sido

pensada muito mais sob a óptica de que “até agora foi principalmente

considerada como política legislativa156”. Ocorre que como, já referido

anteriormente, o espectro do Direito é muito amplo, não sendo uma atividade

restrita a atuação legislativa e não provém unicamente desta fonte157

Sob o ângulo da Política Jurídica, o Direito tem na harmonização e

na sensibilidade (bom senso) das relações das mais diversas ordens (sociais,

institucionais) como fatores condicionantes e nas reciprocidades de respeito e

dignidade sua projeção estética158.

A construção do processo de administração da justiça carga de

atuação da Politica Jurídica159, permitindo além da mera atividade intelectual no

momento de decisão, a transcendia dos valores, da justiça e utilidade.160 Mas

como bem expressa Ross, a atividade jurisdicional ou como o “juiz enquanto

autoridade que administra o direito se sente obrigado pelas palavras da lei e as

outras fontes do direito161”.

156 ROSS, Alf. Direito e Justiça. p. 380 157 ROSS, Alf. Direito e Justiça. p. 380

158 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. p. 63 159 [...] não só cumpre o papel de guia para o legislador, como também o de guia para as autoridades

que administram o direito, em particular, os juízes”. ROSS, Alf. Direito e Justiça. p. 380. 160 ROSS, Alf. Direito e Justiça. p. 380. 161 ROSS, Alf. Direito e Justiça. p. 380.

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Nesse contexto não se pode deixar de observar que sempre há

espaço para atuação interpretativa da lei ou fontes sob a Politica Jurídica, tal

atividade não pode ser afastada tanto do Juiz (seja, no ato de despachar, como

no de sentenciar), como dos demais operadores do Direito (emitindo pareceres),

tais políticos jurídicos focados em todos os critérios postos por Melo162 para

justificação da norma posta ou proposta.

Por intermédio da Dogmática Jurídica163 se faz possível observar as

possibilidades de inter-relações entre os objetivos do sistema normativo e

estratégias corretivas da Política Jurídica que se dirigem os comandos normativos

– quer de lex ferenda, quer de sententia ferenda – visando garantir, dentre outras

possibilidades, decisões ou legislações que correspondam às expectativas

sociais164.

Nesse mesmo contexto a Política Jurídica atuará na moldagem

(produção) solidificação (manutenção) e na (alteração) do Direito com base nos

princípios e normas jurídicas, a fim de que haja o processo adequado daquilo que

é de interesse social num dado momento. 165

Pasold afirma que a Política Jurídica permite “[...] a defesa de que o

sistema dogmático jurídico seja renovado, não somente no que diz respeito às

162“No plano das estratégias politico-jurídicas, a questão do valor é essencial, desde que se procure identificar critérios objetivos para justificação da norma posta e da proposta. {a caracterização de uma norma justa socialmente e desejada, tais como partilhamento pelo critério misto mérito e necessidades, a garantia do respeito a dignidade humana, o compromisso com a verdade, a capacidade de responder às legítimas necessidades sociais, a garantia dos princípios de liberdade e igualdade e outras destas derivadas que se concretizam na experiência social.” MELO, Osvaldo Ferreira de. O Papel da Política Jurídica na construção normativa da Pós-Modernidade, p 90.

163 “A Dogmática Jurídica funciona como um sistema de conceitos, princípios e normas e portanto podemos, para melhor compreensão de seu comportamento e inter-relações com o ambiente social, utilizar a abordagem sistêmica como referência teórica”. MELO, Osvaldo Ferreira. Temas atuais de Política do Direito. p. 73

164 MELO, Osvaldo Ferreira. Temas atuais de Política do Direito.p. 84. 165 Para Baasch Luz “A Política Jurídica deve, portanto, atuar na produção, manutenção e alteração

do Direito, seja de lege ou de sententia ferenda, tudo acompanhando desde o nascedouro das normas jurídicas gerais ou individuais até a sua realização prática efetiva no caso concreto. Como construtores do Direito e mediadores entre Estado e Sociedade, o legislador e o Juiz, baseados na Ética, hão de prosseguir nas suas tarefas de artesãos e guardiões da norma jurídica, para que ela reflita sempre, e necessariamente, o desejo e os interesses de uma Sociedadeem constante mutação”. BAASCH LUZ, Sérgio Roberto. O Papel Político-Jurídico do Juiz na Pós-Modernidade. Novos Estudos Jurídicos, [S.l.]. p. 31-44, ago. 2011. Disponível em: <http://siaiap32.univali.br/seer/index.php/nej/article/view/3118>. Acesso em: 14 fev. 2016. doi:http://dx.doi.org/10.14210/nej.v0n0.p31-44.

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suas normas, mas também no que concerne aos conceitos informadores de seus

subsistemas e categorias166”. O Direito, como é expressão das manifestações

socioculturais, não cessa de evoluir, adaptando-se às novas realidades e

necessidades humanas167. Para Souto:

Ao político jurídico, neste mister, cumpre então desviar os olhos das fontes tradicionalistas do Direito e atentar para a erupção de novos anseios existentes na Sociedade para os movimentos sociais com suas pautas de reivindicações e considerar mais as representações jurídicas que se geram no imaginário social168.

Nesse interim, ao Político Jurídico cabe atentar para a Consciência

Jurídica, vista como um produto coletivo, cujo resultado deve ser a paz social

duradoura, mas com foco nas adversidades humanas, mantendo-se a Política

Jurídica como uma possibilidade de manter-se com uma utopia social.169.

Aquino indica a Estética da Convivência170 e a Ética como elementos

de harmonização social nesse contexto, atuando como impulsionadoras das

pessoas no que concerne ao mais profundo do viver, do respeito próprio e para

com o outro.

Os canais pelos quais se observam e se identificam os interesses,

bem como os valores sociais, representam possíveis critérios para a elaboração

normativa e, por esse motivo, se tornam imprescindíveis para a manutenção do

equilíbrio da vida social.171

166 PASOLD, Cesar Luiz. Tributo a Osvaldo Ferreira de Melo. Novos Estudos Jurídicos. p. 82. 167 MELO, Osvaldo Ferreira. Temas atuais de Política do Direito. p. 81. 168 SOUTO, Luís Eduardo Couto de Oliveira . Uma aproximação entre a Teoria Tridimensional do

Direito de Miguel Reale, a Política Jurídica de Osvaldo Ferreira Melo e a Teoria da Argumentação de Robert Alexy. Novos Estudos Jurídicos, 2011. p. 101.

169 AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. A Política Jurídica como Utopia Concreta do momento presente. Empório do Direito. Disponível em: http://emporiododireito.com.br/a-politica-juridica-como-utopia-concreta-do-momento-presente-por-sergio-ricardo-fernandes-de-aquino/ . Acesso em: 16 de dezembro 2015 170 A escolha por modos de vida e convivência mais fraternos, éticos e sustentáveis demonstram a função orientadora da Política Jurídica na consolidação de uma Cidadania mais ativa e protagonista de seus significados sociais, políticos, ambientais, científicos, tecnológicos, entre outros. AQUINO, Sérgio Ricardo de. Por uma cidadania sul-americana. Fundamentos para sua viabilidade na UNASUL por meio da ética, fraternidade, sustentabilidade e política jurídica. Saarbrücken: Novas Edições Acadêmicas, p. 388.

171 MELO, Osvaldo Ferreira. Temas atuais de Política do Direito. p. 82

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Melo destaca que “[...] a ação corretiva e modernizadora da Política

do Direito enseja maior abertura do sistema dogmático ao ambiente externo, no

qual aquele pode buscar os elementos necessários para sua constante

renovação172”.

A Política Jurídica, segundo o pensamento de Aquino173, é uma

proposição epistemológica na qual o Direito vigente, não apenas, pode vir a ser

corrigido, como também construído, ou remodelado cujo sentido é humanitário,

pautado uma série de condutas como a ética, a tolerância, o respeito e a

dignidade.

Com base nas condutas anteriormente citadas cumpre trazer a baila

o cidadão para que assuma uma posição mais proativa, ou seja, passe a ser

partícipe das decisões inserindo-se democraticamente no processo, lastreando

sua atuação em atributos como sensibilidade e afetividade.

Assim, nesse cabedal de ações e sentimentos o Cidadão permitirá

atuar nos e com os demais membros da Sociedade, em um processo de

convencimento que deverá se tornar cíclico e no sentido de permear a opinião

pública e fazê-la produtora de ações174.

A Politica Jurídica pode vir a se desenvolver nos mais diversos

contextos e temas, tais como as das Políticas Públicas, especialmente, nos

espaços de não implementação e ausências de efetivação de Direitos

ocasionados pelos Governos, nas relações dinâmicas entre a pessoas e nas

desigualdades sociais.175

172 MELO, Osvaldo Ferreira. Temas atuais de Política do Direito. p. 84 173 AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. Cotidiano, semiologia e política jurídica: fundamentos do

direito na pós-modernidade Revista Jurídica – CCJ/FURB. Revista Jurídica - CCJ/FURB, v. 12, nº 23. p. 148 - 172, jan./jun. 2008. Disponível em: http://proxy.furb.br/ojs/index.php/juridica/article/view/843

174 AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. Cotidiano, semiologia e política jurídica: fundamentos do direito na pós-modernidade. p. 148-172.

175 AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. A Política Jurídica como Utopia Concreta do momento presente. Disponível em: http://emporiododireito.com.br/a-politica-juridica-como-utopia-concreta-do-momento-presente-por-sergio-ricardo-fernandes-de-aquino/ . Acesso em: 16 de dezembro 2015.

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A interação social, nessa linha de pensamento, favorece um

processo de reconexão e traz consigo atitudes carregadas de ética e esperança.

Para consecução de um Estado democrático e pluralista existe há necessidade

compreender e sentir o outro, os seus desejos, necessidade e anseios e

transmutar isso em valores fundantes, tais como os culturais, mais equânimes e

aglutinativos176. Nesse sentido, para Aquino:

A Política Jurídica busca conhecer aquilo que é desejável, ético, justo e socialmente útil para organizar e manter uma Sociedade pacífica. A partir das atividades da lege ferenda e sententia ferenda tenta-se expressar aquilo que as pessoas, por suas responsabilidades comuns, imaginam como uma utopia da vida cotidiana por meio de valores os quais ampliem e esclareçam esse estar-junto-com-o-Outro-no-mundo.177

O potencial da Política Jurídica não encontra limitação apenas na

criação de normas jurídicas novas, vai além, possibilita a crítica, com viés

construtivo, e a revisão de toda a legislação vigente. No seu ideário, tem-se o

direito que é – vigente ou cogente – sob o prisma da avaliação ou revisão “para

um direito que possa vir a ser”178.

Para a tarefa anteriormente apresentada, caberá ao Político do

Direito pautado no dia a dia e na vida em sociedade, na legislação e

jurisprudência, ou seja, na interpretação ou aplicação do Direito “sair desta

176 AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. Cotidiano, semiologia e política jurídica: fundamentos do

direito na pós-modernidade Revista Jurídica – CCJ/FURB. Revista Jurídica - CCJ/FURB, v. 12, nº 23. p. 148 - 172, jan./jun. 2008. Disponível em: http://proxy.furb.br/ojs/index.php/juridica/article/view/843

177 “Em outras palavras: a produção, interpretação e aplicação do Direito, seja no seu sentido normativo ou judicial, é um perpétuo devir, no qual estabelece condições para se revisar, renovar e ultrapassar suas próprias verdades no decorrer do tempo. Cultiva-se, portanto, uma sensibilidade aguçada para se ouvir a sinfonia do nosso dia a dia – com suas virtudes e vícios – e extrair aquilo no qual permite a composição de uma autêntica Dignidade Humana”. AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. A Política Jurídica como Utopia Concreta do momento presente. Empório do Direito. Disponível em: http://emporiododireito.com.br/a-politica-juridica-como-utopia-concreta-do-momento-presente-por-sergio-ricardo-fernandes-de-aquino/ . Acesso em: 16 de dezembro 2015.

178 AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. O cotidiano como fundamento do Direito na Pós-modernidade: uma compreensão a partir da Semiologia e da Política Jurídica, Universidade do Vale do Itajaí, UNIVALI, Dissertação de Mestrado. 2007.

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postura de indiferença endêmica acerca do Outro”179. Nessa linha de

pensamento:

[...] surge a Política Jurídica como instrumento científico posto à disposição do aplicador do Direito, de modo a possibilitar-lhe interpretar o preceito frio e abjeto da lei, na conformidade do caso concreto, de forma justa e socialmente útil, sem que isso represente ameaça à segurança jurídica.180

O mundo que se apresenta maculado pela intolerância,

mediocridade, ganância e corrupção desafia o jurista a possuir capacidade

oposição e indignação181.

Ao Político Jurídico, neste particular, incute o tangencionamento das

fontes do Direito usualmente utilizadas e contemplar para o aparecimento ou

surgimento de novas demandas sociais e especialmente para as reverberações

dos movimentos sociais com seus catálogos de carecimentos e sopesar mais as

representações jurídicas que advém do pensamento da sociedade182.

Como adverte Melo há necessidade de que os Políticos Jurídicos se

tornem sensíveis (imbuídos de justiça, ética e prudência) não somente as

questões dos direitos das pessoas, mas consigam concatenar e produzir normas

relevantes e com capacidade e eficácia suficientes para transformar o atual e algo

melhor. 183

Para Baasch por meio da Política Jurídica poderá o Operador do

Direito sensível e capacitado trabalhar na edificação de um ordenamento jurídico

179 AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. A Política Jurídica como Utopia Concreta do momento

presente. Empório do Direito. Disponível em: http://emporiododireito.com.br/a-politica-juridica-como-utopia-concreta-do-momento-presente-por-sergio-ricardo-fernandes-de-aquino/ . Acesso em: 16 de dezembro 2015.

180 BAASCH LUZ, Sérgio Roberto. O PAPEL POLÍTICO-JURÍDICO DO JUIZ NA PÓS-MODERNIDADE. Novos Estudos Jurídicos, [S.l.]. p. 31-44, ago. 2011. p. 31.

181 AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. A Política Jurídica como Utopia Concreta do momento presente. Empório do Direito. Disponível em: http://emporiododireito.com.br/a-politica-juridica-como-utopia-concreta-do-momento-presente-por-sergio-ricardo-fernandes-de-aquino/. Acesso em: 16 de dezembro 2015.

182 SOUTO, Luís Eduardo Couto de Oliveira. Uma aproximação entre a Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale, a Política Jurídica de Osvaldo Ferreira Melo e a Teoria da Argumentação de Robert Alexy. p. 101.

183 MELO, Osvaldo Ferreira. Temas atuais de Política do Direito. p. 82

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justo e útil à Sociedade, desapegado das rígidas disciplinas da Ciência do

Direito184”.

A tarefa de político jurídico é de agir e reagir dentro de uma visão

humanista para as demandas sociais atuando como um contraponto a inflexão do

formalismo jurídico. A contribuição da Política Jurídica na busca de equalizações

democráticas aos Conselhos Municipais de Saúde será objeto do próximo tópico.

2.3. Contribuição da Política Jurídica para a elaboração de um sentido

democrático dos Conselhos Municipais de Saúde

O Direito à Saúde está elencado entre os direitos fundamentais da

Constituição Federal de 1988 (artigo 6º), que com seu aspecto democrático traz à

tona a possibilidade de participação da Sociedade civil, inclusive, na aplicação e

destinação de recursos públicos ao Sistema Único de Saúde, por meio dos

Conselhos Municipais de Saúde.

Dentre os setores da área social, este é tido como aquele que vem

apresentando mais avanços no processo de descentralização, apesar da

presença ainda decisiva do nível central, sobretudo na lógica de seu

financiamento.185

No contexto da Pós-Modernidade186, a Sociedade não apenas sofreu

diversas e diferentes mudanças, mas também teve alteradas suas concepções de

vida, as quais permitiram surgir um cenário de reconhecimento às pluralidades

humanas, ou seja, verifica-se como é possível trazer eficácia e eficiência jurídica

por meio de novos paradigmas sociais e políticos. Sob igual argumento, Melo187

propõe o fortalecimento e a autonomia de uma teoria própria, intitulada Política do

184 BAASCH LUZ, Sérgio Roberto. O papel Politico-Jurídico do Juiz na Pós-Modernidade. p. 36. 185 SOARES, José Arlindo. BAVA, Silvio Caccia. Os desafios da gestão municipal democrática.

São Paulo: Cortez, 2. ed., 2002, p. 181. 186Embora haja discordância se vivenciamos um momento da Modernidade ou da Pós-Modernidade,

cabe esclarecer que para Melo, o momento de “[...] ruptura dos paradigmas da modernidade e a passagem para uma fase subseqüente que, à falta do batismo que deverá ocorrer num futuro impreciso, chamaremos precariamente de pós-modernidade, para usar a expressão genérica já corrente nos meios acadêmicos”. MELO, Osvaldo Ferreira. Fundamentos da Política Jurídica. Porto Alegre: Antonio Fabris Editor / CPGD-UFSC, 1994. p. 18.

187 Melo, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da Política Jurídica, p. 18-21.

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Direito, que busca equalizar Política e Direito, a fim de aproximar a norma e a

valores com cunho ético, justo, legítimo e útil.

A Pós-Modernidade tem como característica uma vida pautada pela

socialidade188, o respeito, a solidariedade, a igualdade, a liberdade, entre outros.

A Ciência Jurídica189 há de ser repensada, a fim de atender estes novos

parâmetros sociais. Já à Política Jurídica compete reaproximar o Direito dos

novos valores sociais, pois à medida que esse processo de desacomodação da

Sociedade empurra o embolo sobre os velhos pressupostos ou formalismos, o

Estado tenderá a absorver esse fluxo por mudanças normativas. 190

Mas, em contra fluxo desse processo por mudanças, existe um

gama de juristas que tentam negar, um possível papel mais ativo, do Direito, na

busca de um futuro melhor para Sociedade. Tem no agir ou no se omitir as armas

que permitem a manutenção do ciclo de dominação exercida pela vontade de

quem detém o poder (classes dominantes). 191

No cenário mundial, é comum que nos períodos pós-guerras

mundiais, “[...] as insatisfações crescem e se frustram, gerando, como

contrarreação, impulsos agressivos ordinariamente intolerantes, às vezes

caóticas192”. Ocorre que apesar de os valores ratificados pela Constituição

Federal de 1988 e dos avanços sociais ocorridos, há, ainda, operadores do Direito

os quais relutam na aproximação entre Direito e Política, ou seja, “[...] não se está

dando atenção a essas questões aqui no Brasil193”, ao menos não do modo como

deveria ocorrer, há ainda um caminho de amadurecimento histórico a percorrer

188Embora muitas vezes esta vida coletiva ocorra em vários nichos de individualismo, em especial,

após a revolução da internet, onde todos estão conectados, mas poucos interagem no ‘mundo real’. MELO, Osvaldo Ferreira. Fundamentos da Política Jurídica. p. 18.

189 A diferença entre Ciência Jurídica e Política Jurídica consiste no fato de que “’o direito que é’, (Ciência Jurídica) e o ‘direito que deve ser’ (Política Jurídica), entende-se ser sua expectativa que o pesquisador, inclinado ao estudo pertinente de uma dessas áreas autônomas, terá que buscar métodos próprios visando a ocupação do respectivo espaço metodológico”. MELO, Osvaldo Ferreira. Fundamentos da Política Jurídica. p. 35.

190 Na mesma linha ““[...] o inconformismo com o conceito formalístico da validade da norma põe em relevo a importância e a oportunidade de se retomarem os estudos de Política Jurídica“.MELO, Osvaldo Ferreira. Fundamentos da Política Jurídica. p. 31-32

191 MELO, Osvaldo Ferreira. Fundamentos da Política Jurídica. p. 45 192 MELO, Osvaldo Ferreira. Fundamentos da Política Jurídica. p. 46 193 MELO, Osvaldo Ferreira. Fundamentos da Política Jurídica. p. 46

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porque o país não passou nem pela revolução decorrente de uma guerra, nem

por uma revolução decorrente da educação.

A Política no estágio atual de evolução tem conseguido produzir

mudanças em regimes até então fechado (totalitários), sendo que isso tem como

nascedouro estimulação de grandes contingentes populacionais ou seja estão

ocorrendo movimentos sociais maciços propulsores de tensão e energia

suficientes para o desencadear mudanças ou rupturas em sistema não

democráticos.194

É necessário realizar uma análise crítica do Direito, pois, se esse for

apenas expressão de uma norma pura, afastada as aspirações e condições de

vida cotidiana, será incapaz de atender aos desejos da Sociedade nos tempos

atuais, tempos de crise, de pluralidade valorativa, de diferenças culturais e com

distintas concepções de vida. Por esse motivo, insiste-se na necessidade de uma

visão crítica do Direito, na tentativa de integrar estas novas realidades à

legislação, bem como para que haja uma aplicação da legislação que se aproxime

das reais necessidades dos cidadãos. Nessa linha de pensamento, veja-se as

palavras de Melo:

À Política do Direito cabe intercomunicar ambos os elementos, tornando-os interdependentes, e examinar os âmbitos da Política e do Direito não como áreas bastantes em si mesmas, mas como espaços suscetíveis de permanentes e desejáveis influências recíprocas. O Direito necessita da Política para renovar-se continuamente na fonte das mediações, e esta necessita daquele para objetivar em realidades e valores a sua atividade quase sempre dispersiva e pragmática, ou seja, objetivá-la em sistema de princípios e normas, formal e materialmente válidos195.

Nesse sentido, Melo esclarece que há uma inter-relação entre os

valores e as normas jurídicas, pois essas sofrem tanto uma influência do poder

estatal, quanto do poder social, sendo que aqueles reivindicam uma revisão dos

fundamentos teóricos apresentados na História, ou seja, exige-se outras formas

de pensar e agir para se complementar – ou revisar – os conceitos e dogmas já

194 “ [...] quando novos direitos humanos são reivindicados em nome de princípios como os da

tolerância e do pluralismo [...]”. MELO, Osvaldo Ferreira. Fundamentos da Política Jurídica. p. 58

195 MELO, Osvaldo Ferreira. Fundamentos da Política Jurídica. p. 21

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consagrados pelos saberes humanos, a fim de estabelecer um novo modo de

pensar coletivo, que seja capaz de trazer à Sociedade um novo Direito.

Mais do que a análise dos fatos e das normas jurídicas, é preciso

que se faça uma análise dos valores que permeiam a Sociedade Pós-Moderna.

Nesse contexto de mudanças do século XX para o século XXI, a Política Jurídica

deve ser tida como:

[...] aberta, polissêmica, Participativa, e comprometida com as utopias sociais. Torna-se, assim, o mais adequado espaço de criação democrática no universo jurídico, pois nem se compadece com o autoritarismo do pensamento jurídico tradicional, que fala em nome da lei, nem o pensamento de contemporâneas correntes pseudo-emancipatórias que falam em nome de uma verdade social imobilizada por signos configurados em velhos preconceitos, vestidos de novas roupagens. Resgata semiologicamente o sentido do justo e do útil não através de discursos enganosos dirigidos pelo poder a Sociedade nem com os suspiros nostálgicos do jusnaturalismno, mas vendo-os como valores culturais resultantes das experiências, das lágrimas e dos sorrisos que afloram no painel da vida196.

Na Pós-Modernidade, as normas jurídicas e os valores sofrem

interferência tanto da Sociedade quanto do Estado, pois aquela exige alterações e

rompimento com velhos paradigmas, na tentativa de se pensar outros meios de

viabilizar uma vida social mais satisfatória, capaz de refletir o Direito que a

Sociedade busca e idealiza, pois “[...] o Direito não disciplina “coisas”, mas

“interações humanas”. Afinal de contas, o Direito não se realiza interna e

formalmente na própria norma, mas sim quando aplicado aos fatos da vida

social197”.

No caso da Política do Direito, os objetivos não permanecem tão

somente no nível de cientificidade, uma vez que o estabelecimento de leis

adequadas e eficazes poderá relacionar-se com as tensões surgidas no meio não

apenas jurídico e acadêmico, mas, também, no social198.

196 MELO, Osvaldo Ferreira. Fundamentos da Política Jurídica. p. 49 197 MELO, Osvaldo Ferreira. Fundamentos da Política Jurídica. p. 27 198 GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Observações Epistemológicas sobre Política do Direito no

Pensamento de Ferreira de Melo., p. 29.

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Em outras palavras, o Direito atuaria como técnica de controle e

instituto de transformação social, aproximando as demandas sociais da norma

jurídica e, nesse contexto, os Conselhos de Saúde atuariam como propulsores

dessa mudança esperada, pois teriam condições de aproximar o Direito da

Política.

Diferentemente das pequenas extensões das pólis ateniense, onde o

reduzido número de habitantes e a escravidão permitiam ao cidadão exercer

diretamente sua participação nos negócios dos governos199.

As cidades, em suas extensas áreas territoriais e densidades

populacionais, as diversas demandas a serem resolvidas e as limitações da

disponibilidade de tempo tornam uma participação direta quase que impossível200.

Como solução, os poderes públicos são exercidos por meio de

instituições ou como esclarece Miglino “[...] aparatos de comando que se

diferenciam dos demais sujeitos que compõem a comunidade”201, deles podemos

inserir os órgãos de controle social, tais como os Conselhos (replicados nas

esferas federais, estaduais e municipais).

Assim, como adverte Miglino “[...] a Democracia não é apenas

procedimento”202, se faz necessário a utilização de outros princípios, como

liberdade de opinião e de expressão; de obtenção de informações e publicidade

dos atos administrativos, e que servem de base e são utilizados pelas instituições

coletivas de controle.

Falar de Democracia, para o mundo de hoje, implica apelar para o novo. A Democracia para este momento precisa inventar novos estilos de convergência entre os processos de participação social e os forçosos mecanismos de delegação de poder, de que necessitam para impulsionar a dinâmica do todo o social.203

199 MIGLINO, Arnaldo. Democracia não é apenas procedimento. p. 16. 200 MIGLINO, Arnaldo. Democracia não é apenas procedimento. p. 16. 201 MIGLINO, Arnaldo. Democracia não é apenas procedimento. p. 17. 202 “Bem se vê que este mundo de valores pressupõe certamente o procedimento como instrumento

de resolução dos conflitos e produção de normas que organizem a sociedade, mas não para por aí”. MIGLINO, Arnaldo. Democracia não é apenas procedimento. p. 20.

203 WARAT, Luís Alberto. A ciência jurídica e seus dois maridos. p. 139.

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Os Conselhos de Saúde assumem uma dinâmica importante na

Sociedade e nos Estado Democrático de Direito204, pois atuam como

catalisadores das demandas que favorecem o acesso a esse Direito

Fundamental, podendo, após, realizarem as mudanças esperadas num

determinado tempo e espaço. Nesse sentido, Melo esclarece que “[...] a mudança

do sistema jurídico, partindo de realidades sociais adequadamente

compreendidas e valoradas, será o caminho a percorrer na formação de um novo

paradigma205”.

Um processo democrático de decisão permite a manifestação dos

interesses – mesmos opostos - tanto daqueles que contribuem, quanto daqueles

que se beneficiam dessa rede de solidariedade social, além de promover um

diálogo entre a Sociedade civil e o Estado, responsável pela execução daquilo

que foi decidido entre as pessoas206.

Nesse sentido a Política Jurídica é resultado das diferentes

correntes de fluxos das relações interpessoais. Ora se aproximam, ora se

afastam, e na mesma senda, da presença ou ausência Estatal e, por conseguinte

na maior ou menor capacidade das comunidades, por intermédio de seus agentes

ou representantes, na compreensão dos direitos (novos direitos sociais) que

204 “Duas ideias são inerentes a esse tipo de Estado: uma concepção mais ampla do princípio da

legalidade e a ideia de participação do cidadão na gestão e no controle da Administração Pública. No que diz respeito ao primeiro aspecto, o Estado Democrático de Direito pretende vincular a lei aos ideais de justiça, ou seja, submeter o Estado não apenas à lei em sentido puramente formal, mas ao Direito, abrangendo todos os valores inseridos expressa ou implicitamente na Constituição. Fortalecimento da democracia Participativa, com a previsão de inúmeros instrumentos de participação do cidadão no controle e na gestão de atividades da Administração Pública, o que nem sempre se efetiva na prática. É inerente ao conceito de Estado Democrático de Direito a ideia de participação do cidadão na gestão e no controle da Administração Pública, no processo político, econômico, social e cultural; essa ideia está incorporada na Constituição não só pela introdução da fórmula do Estado Democrático de Direito – permitindo falar em democracia participativa -, como também pela previsão de vários instrumentos de participação, podendo-se mencionar, exemplificativamente, o direito à informação (art. 5º, XXXIII) , o direito de denunciar irregularidades perante o Tribunal de Contas (art. 74, § 2º) , a gestão democrática da seguridade social (art.194, VII) , da saúde (art. 1 98, III) , do ensino público (art. 206, VI) , sem falar em inúmeras normas contidas na legislação ordinária prevendo também essa participação, como ocorre na Lei Geral de Telecomunicações, na Lei de Licitações e Contratos, na Lei de Processo Administrativo.”. Di Pietro, Maria Sylvia Zanella Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 27. Ed, 2014, p. 29/30.

205 MELO, Osvaldo Ferreira. Fundamentos da Política Jurídica. p. 105. 206 WANG, Daniel Wei Liang. Poder Judiciário e participação democrática nas Políticas Públicas

de saúde. Dissertação, Faculdade de Direito Universidade de São Paulo/São Paulo, 2009, p. 24.

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objetivam a dignidade da vida, na batalha contra as diferenças e desigualdade

loco-globais, ou seja, situação local com efeitos extramuros ou fronteiras207.

Se “[...] o mundo não é neutro aos olhos do homem que para tudo

emite um juízo de valor208”, também não o é aos olhos da Sociedade, que tem

suas prioridades e sabe o que efetivamente é importante ao grupo num dado

momento histórico. Já “[...] do ponto de vista social, toda a comunidade detém

uma série de experiências acumuladas, tradições culturais e alocações de valores

capazes de formar a sua consciência jurídica209” e são essas experiências e

valores que devem ser compartilhados no ambiente democrático dos Conselhos

de Saúde, a fim de debater os problemas e buscar, conjuntamente, soluções.

Ao tentar aproximar Direito e a Política, num espaço como o dos

Conselhos de Saúde, tem-se que “[...] para uma comunidade consciente de suas

necessidades, norma justa será a norma desejada, ou seja, a que corresponda a

uma necessidade210”. Nessa linha de pensamento, os Conselhos de Saúde são

um território democrático que possibilita essa aproximação entre Lei e Política,

desde que se saiba identificar quais interesses representam as melhorias de

préstimo e acesso desse Direito Fundamental. Esse é o ponto que torna a Política

Jurídica indispensável à execução dos objetivos propostos pelo Conselho de

Saúde e sua legislação.

Cabe destacar que a norma jurídica precisa passar pelo crivo da

legitimidade Ética, sob pena de ser tida como ilegítima, pois a legitimidade

também influencia a sua coercitividade. A Ética proposta por Melo tem caráter

humanista, ou seja, destinada a promover dignidade às pessoas. Por esse motivo,

a norma necessita de utilidade social. Vislumbra-se a correlação entre utilidade da

norma, legitimidade e ética. Não basta que a norma seja ética e justa, mas é

necessário, ainda, que seja útil.

207 AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. A Política Jurídica como Utopia Concreta do momento

presente. Empório do Direito. Disponível em: http://emporiododireito.com.br/a-politica-juridica-como-utopia-concreta-do-momento-presente-por-sergio-ricardo-fernandes-de-aquino/ . Acesso em: 16 de dezembro 2015.

208 MELO, Osvaldo Ferreira. Fundamentos da Política Jurídica. p. 107 209 MELO, Osvaldo Ferreira. Fundamentos da Política Jurídica. p. 127 210 MELO, Osvaldo Ferreira. Fundamentos da Política Jurídica. p. 107

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A consciência jurídica da sociedade, manifestada através das representações jurídicas, do direito informal e da opinião pública, nos revela a concepção do direito menos como norma ou fato e mais como um dado cultural. Através dessas manifestações, é possível detectar não só um julgamento do justo e do injusto, como também do que para Sociedade é útil ou inútil211.

Observa-se que a norma jurídica, enquanto produto do Poder

Legislativo, deve percorrer dois caminhos. O primeiro consiste em se manter

atrelado ao princípio da segurança jurídica dentro de uma ordem legal instituída,

mantendo uma característica de estabilidade técnica. Já o segundo caminho

aponta para uma legitimação por meio de fontes sociais do Direito212.

Percebe-se, a partir desses argumentos, como os Conselhos de

Saúde213 são um instrumento para a construção de normas jurídicas que atentem

aos fatos sociais e suas transformações. Logo, os Conselhos de Saúde revelam a

necessidade de a lei insistir nos espaços democráticos para que haja a sua

adequação equitativa por meio das mudanças que ocorrem na Sociedade. Nesse

caso, a Política Jurídica favorece as correções legais necessárias advindas dos

interesses presentes na vida social que ainda se mostra com características

bastante desiguais quanto ao acesso, exercício de reivindicação de direitos.

Verifica-se, diante desse cenário, que “[...] o pluralismo político se

revela pela crescente participação no controle do Poder pelos grupos sociais.

Assim uma Sociedade politicamente pluralista seria caracterizada por apresentar

vários centros de poder”214.

A Política busca corrige e elabora a norma jurídica num processo

simbiótico entre Direito e Política. Possibilita-se que a legislação incorpore as

demandas sociais da melhor forma possível, não apenas por critérios éticos, úteis

e legítimos, mas porque é por meio destes critérios que se trilha um caminho mais

211 MELO, Osvaldo Ferreira. Fundamentos da Política Jurídica. p. 121 212 MELO, Osvaldo Ferreira. Fundamentos da Política Jurídica. p. 74 213 Para Melo “Esses movimentos sociais são fundamentalmente impulsionados por necessidade

emergentes, mas também são sujeitos à força persuasiva de órgãos classistas, instituições religiosas e outras que lhe emprestam suas ideologias, suas ambições e mesmo sua história nem sempre comprometida com os princípios da liberdade e da tolerância. De qualquer forma, essas práticas sociais ganham força para instituir, no âmbito de suas relações, direitos não contemplados pela legislação estatal ou mesmo com esta franca oposição”. MELO, Osvaldo Ferreira. Fundamentos da Política Jurídica. p. 81

214 MELO, Osvaldo Ferreira. Fundamentos da Política Jurídica. p. 79

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justo, solidário e em prol da coletividade, em consonância com diversos ditames

da Constituição Federal de 1988. Nesse sentido, destaca Melo:

A Política Jurídica percebe que a norma não é corpo sem alma sendo esta a capacidade de a norma gerar relações e decisões justas. Assim sendo a validade não pode ser examinada apenas por este estudo formal, lógico-dedutivo. A validade de essência, de matéria, será buscada no exame axiológico e teleológico, tendo-se como norte a legitimidade ética, nos termos mais abrangentes possíveis. A eficácia será também, nesse contexto, estendida não só em relação a sua adequação ao agir, mas em função da aquiescência social, ou seja, da obediência a conduta esperada215.

Não tem a Política Jurídica o intento de romper com a tripartição dos

poderes, mas sim o de aproximar valores e interesses sociais e políticos da

eficácia e eficiência normativa, pois todos são destinatários desse conteúdo

previsto nas normas e regras jurídicas a qual traz uma condição de equilíbrio e

organização para a vida social. Nessa linha de pensamento, conclui-se que a

Política Jurídica pode ser lida em dupla função em detrimento da norma jurídica,

ora como destinatária, ora como, (re) criadora de seus enunciados.

Pilati, ao resumir o pensamento de Melo, afirma que se deve “[...]

acreditar no Direito, mas este é o momento, por excelência, de repensá-lo, porque

é tempo de um novo Direito, um Direito que, pela própria natureza e pelo próprio

contexto, não pode prescindir da Política Jurídica216”.

Nesse sentido, resplandece uma sensação forte de que o Direito

deva ser adequado ao sentimento e a ideia de utilidade de justiça, sempre com o

norte dos padrões prementes num espaço social217. Se a normatização dos

Conselhos Municipais de Saúde é o reflexo de uma luta ocorrida no findar dos

anos 80 e início dos anos 90, cumpre refletir o seu objetivo e sentido democrático

pela Política Jurídica.

215 MELO, Osvaldo Ferreira. Fundamentos da Política Jurídica. p. 90 216 PILATI, José Isaac. “AD MELUM”. Novos Estudos Jurídicos, [S.l.], v. 4, n. 7. p. 87-90, ago. p.

89. 217 “[...]Para conseguir isso não é possível desvincular a norma de justiça (acrescento também a

norma de utilidade social) da norma jurídica, como entes que vivam em universos diferentes, sem um nexo obrigatório e necessário”. MELO, Osvaldo Ferreira de. Considerações sobre política Jurídica. p. 10.

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CAPÍTULO 3

A LEI 8142/1990 COMO EXPRESSÃO DE DEMOCRACIA PELA POLÍTICA JURÍDICA

3.1 PARÂMETROS CONCEITUAIS E LEGAIS DE FORMAÇÃO DOS

CONSELHOS MUNICIPAIS

Desde o advento da Constituição Federal de 1988 e do forte ideário

participativo que marcou o processo de transição do regime militar ao democrático

no país, os espaços institucionais de participação tornaram-se elementos

marcantes do sistema político brasileiro218.

A referida norma jurídica - além de trazer uma série de direitos e

garantias individuais e, também, direitos sociais, entre os quais, destaca-se o

Direito à Saúde – possibilitou aos municípios brasileiros um papel de destaque à

medida que criou um local de participação por meio da gestão compartida. Nessa

linha de pensamento, o poder local foi fortalecido pela necessidade de

participação dos cidadãos como requisito à regularidade dos atos da

Administração Pública.

A partir de 1988, o processo de descentralização “[...] ganhou

impulso, transformando este país num grande laboratório das mais variadas

experiências219”, especialmente, na área da Saúde e Educação.

Enquanto processo institucional, pode-se afirmar que neste caso a descentralização foi fruto de uma política deliberada de determinados segmentos sociais e de profissionais vinculados ao setor, que assumiram, durante o período de transição

218 ALMEIDA, Carla; CAYRES, Domitila Costa; TATAGIBA, Luciana. Review of the literature on policy

councils over the last decade. Lua Nova, São Paulo, n. 94, 2015, p. 255-294. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64452015000100009&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 12 novembro de 2015.

219 SOARES, José Arlindo. BAVA, Silvio Caccia. Os desafios da gestão municipal democrática. 2. ed. São Paulo: Cortez 2002, p. 158.

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democrática, a estratégia de ocupação dos espaços no interior do aparelho de Estado220.

Esta nova estratégia de participação como elemento de legitimidade

das decisões públicas, rompe com a ideia de cidadão destinatário das Políticas

Públicas para uma cidadania na qual se frise a responsabilidade da participação

das pessoas a fim de garantir uma permanente interação entre espaço público

estatal e sociedade221.

As regras institucionais dos processos de descentralização

estabelecidas pela Constituição de 1988 e a sua regulamentação vincularem a

obrigatoriedade da existência de conselhos municipais setoriais222. Dentre esses,

destacam-se os conselhos de Políticas Públicas nas áreas da saúde, trabalho e

emprego, assistência social, desenvolvimento rural, educação, meio ambiente,

planejamento e gestão urbana, entorpecentes223.

Observa-se como o texto constitucional determinou parâmetros para

os serviços públicos de saúde nos artigos 196 a 200, ao prescrever, inclusive,

quanto à gestão dos recursos públicos destinados à saúde, que é tida como,

[...] direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação224.

A inserção de mecanismos de participação na esfera local permite o

desenvolvimento de uma prática participativa constante e regular, o que denota

220 SOARES, José Arlindo. BAVA, Silvio Caccia. Os desafios da gestão municipal democrática. p.

181 221 HERMANY, Ricardo. (Re)Discutindo o espaço local: uma abordagem a partir do direito social de

Gurvitch, Santa Cruz: EDUNISC:IPR, 2007, p. 297 222 “- compostos por representantes do governo local, trabalhadores municipais e sociedade, e de

fundos municipais setoriais como condição para o repasse de recursos federais e estaduais para os municípios” SOARES, José Arlindo. BAVA, Silvio Caccia. Os desafios da gestão municipal democrática. p. 159

223 “e os conselhos de direitos das crianças e do adolescente, do negro, da mulher, dos portadores de deficiências, do idoso.” CÔRTES, Soraya M. Vargas. Arcabouço institucional e participação em conselhos municipais de saúde. Governança democrática e poder local: a experiência dos conselhos municipais no Brasil. Organizadores SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos. RIBEIRO, Luiza César de Queiroz; AZEVEDO, Sérgio de. Rio de Janeiro:Revan, 2004, p. 249.

224 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

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acesso e esclarecimento acerca dos instrumentos de participação225. A partir

desse cenário, verifica-se que:

[...] a necessidade de se formular e implementar um novo modelo de atenção baseado na saúde e não mais na assistência médica, no acesso universal aos cuidados à saúde; na equidade; ao fortalecimento do setor estatal de prestação de serviços diante dos interesses privados na formulação e implementação das ações no setor; e na democratização da gestão em todas as esferas de poder. 226

Sob igual critério, a Constituição Federal de 1988 trouxe consigo

várias garantias aos cidadãos e de instrumentos que possibilitassem o exercício

da Democracia por meio da participação popular, cujo objetivo é uma efetiva

aproximação entre Sociedade e Estado227.

No Estado Democrático de Direito, por exemplo, é indispensável que

decisões de alocação de recursos, para serem legítimas, sejam tomadas em

processos de deliberação nos quais esteja garantida a participação e a

contestação pública228.

A participação popular está vinculada a princípios que regem a

Administração Pública, previstos no artigo 37 da Constituição Federal de 1988 tais

como a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Para

que se tenha maior controle social, é necessária uma análise dos atos

administrativos não apenas do ponto de vista legal, mas, principalmente, do ponto

de vista da legitimidade, estimulando, por fim, a concretização da lealdade e da

boa-fé nas relações entre poder público e sociedade.

El control social del desarrolo económico, sua orientación em beneficio de la sociedad por parte de las instituciones públicas, sin ahogar el empulso económico de la empresa privada, es un viejo

225 HERMANY, Ricardo. (Re)Discutindo o espaço local: uma abordagem a partir do direito social de

Gurvitch. p. 297. 226 SOARES, José Arlindo. BAVA, Silvio Caccia. Os desafios da gestão municipal democrática. p.

182. 227 “[...] facilitar, tornar mais direto e mais cotidiano o contato entre cidadãos e as diversas instituições

do Estado, e possibilitar que estas levem mais em conta os interesses e opiniões daqueles antes de tomar decisões ou de executá-las”. BORJA, Jordi. A participação citadina. Revista Espaços & Debates, São Paulo, Núcleo de Estudos Regionais e Urbanos – NERU, ano VII, nº 24, 1988, p. 18.

228 WANG, Daniel Wei Liang. Poder Judiciário e participação democrática nas Políticas Públicas de saúde. Cadernos Gestão Pública e Cidadania / CEAPG, São Paulo – v. 14, n. 54 –2009, p. 3.

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dilema que se encuentra em el corazón de todos los processos de desarrollo229

Observe-se que a criação dos Conselhos Municipais de Saúde

concentra-se em período anterior à edição na Norma Operacional Básica -

NOB/93 que normatizou a municipalização na área230.

Os primeiros passos que culminariam no SUS advêm de um

processo continuo de implementação de bases normativas e diretrizes, dentre as

quais destacamos em 1983, as Ações Integradas de Saúde (AIS) e o Sistema

Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS) já em 1987231”.

Na mesma seara, em 1984, por força do Programa das Ações

Integradas de Saúde (PAIS), cujo objetivo era a integração e descentralização

das ações de saúde no Brasil, as Comissões Municipais de Saúde (CIMS)

restaram criadas e antecederam os Conselhos Municipais de Saúde (somente

efetivados a partir de 1990)232.

Em 1987, por intermédio do Programa dos Sistemas Unificados e

Descentralizados de Saúde ocorreu um grande processo de transferência de

recursos físicos, humanos e financeiros do Instituto Nacional de Assistência

Médica e Previdência Social (INAMPS) e do Ministério da Saúde para os

Estados.233

229 BORJA, Jordi; CASTELLS, Manuel. Local y Global. La gestión de lãs ciudades em la era de la

información. 5. ed. Madrid: Santillana, 2000, p. 14. 230 CÔRTES, Soraya M. Vargas. Arcabouço institucional e participação em conselhos municipais de

saúde. In: Governança democrática e poder local: a experiência dos conselhos municipais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, Organizadores SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos; RIBEIRO, Luiz César de Queiroz; AZEVEDO, Sérgio de;, 2004, p. 264.

231 SOARES, José Arlindo. BAVA, Silvio Caccia. Os desafios da gestão municipal democrática. p. 183.

232 “Este programa estimulava a municipalização das ações e serviços de saúde financiados com recursos públicos e entre as condições para a que ela ocorresse estava a criação de CIMS” CÔRTES, Soraya M. Vargas. Arcabouço institucional e participação em conselhos municipais de saúde. Governança democrática e poder local: a experiência dos conselhos municipais no Brasil. p. 264.

233 CÔRTES, Soraya M. Vargas. Arcabouço institucional e participação em conselhos municipais de saúde. Governança democrática e poder local: a experiência dos conselhos municipais no Brasil. p. 264

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Diante dessas condições, as normas e regras jurídicas que criam os

Conselhos Municipais de Saúde incidiam sobre um processo institucional de

descentralização e de implantação de mecanismos participatórios, já em curso234.

A partir de 1993, o Ministério da Saúde, por intermédio da Norma

Operacional Básica (NOB) 01/93, regulamentou três modalidades de participação

das unidades subnacionais municipais no SUS235, a gestão semiplena, gestão

parcial e gestão incipiente.

A NOB 01/93 como diretriz estabeleceu nas três esferas de gestão

as competências dos Conselhos de Saúde, sendo que apresenta a seguinte

disposição sobre o Conselho Municipal de Saúde, o qual é o objeto de estudo

desta pesquisa:

Conselho Municipal de Saúde - instância permanente e Deliberativa, atua na formulação de estratégias e no controle da execução da Política Mundial de Saúde, com composição e atribuições previstas em lei municipal de Saúde, com composição e atribuições previstas em lei municipal de Saúde, com composições previstas em lei municipal, observado o disposto na Lei 8.142, de 1990236.

O Brasil tem experimentado práticas participativas que pretendem

construir – e consolidar - um regime democrático no qual os cidadãos se tornam

personagens ativos do processo de elaboração decisória do governo237, tais

como, o orçamento participativo, consulta popular e em se tradando de Políticas

Públicas ou setoriais temos os Conselhos Municipais. 238

234 CÔRTES, Soraya M. Vargas. Arcabouço institucional e participação em conselhos municipais de

saúde. Governança democrática e poder local: a experiência dos conselhos municipais no Brasil. p. 264

235 SOARES, José Arlindo. BAVA, Silvio Caccia. Os desafios da gestão municipal democrática. p. 183.

236 BRASIL, Portaria n.º 545, de 20 de maio de 1993, Estabelece normas e procedimentos reguladores do processo de descentralização da gestão das ações e serviços de saúde, através da Norma Operacional Básica SUS 01/93.

237 SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos. RIBEIRO, Luiz César de Queiroz. AZEVEDO, Sérgio de. Governança democrática e poder local: a experiência dos conselhos municipais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 2004, p. 7.

238 “O surgimento de processo políticos que combinam as instituições e práticas próprias de regime representativo com os da democracia direta, ente as quais se destacam o orçamento participativo e os conselhos municipais de gestão de políticas setoriais.” SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos. RIBEIRO, Luiz César de Queiroz. AZEVEDO, Sérgio de. Governança democrática e poder local: a experiência dos conselhos municipais no Brasil., p. 7.

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A partir desse argumento, consolidou-se na Sociedade brasileira a

percepção de que os conselhos municipais são instrumentos de democratização

da gestão pública local e de aumento de eficiência e da efetividade das políticas

pública239 porque possibilitam a apresentação de demandas diretamente aos

Gestores e especialmente, a prestação de contas destes, por meio dos relatórios

de gestão, momentos de efervescência das discussões sobre cumprimento de

metas financeiras, de acesso, dentre outras.

Diante das exigências de um mundo cada vez mais globalizado, o

poder local ganha destaque à medida que é o espaço onde são implementadas

as Políticas Públicas destinadas aos cidadãos, bem como é o espaço onde

surgem as demandas sociais. Por esse motivo, frisa-se a necessidade de

equalizar valores universais, locais e o sentido de pertencimento, sendo este de

extrema importância ao fortalecimento do espaço comunitário e dos laços de

fraternidade240.

O poder local passou a ser visto como espaço de gestão político administrativa e não como simples sede das elites (econômicas, sociais e políticas). Mudanças na conjuntura política e no cenário econômico explicam essas alterações. O poder local foi redefinido como sinônimo de força social organizada, enquanto forma de participação da população, na direção do que tem sido denominado empowerment ou ‘empoderamento’ da comunidade, isto é, a capacidade de gerar processos de desenvolvimento autossustentável, com a mediação de agentes externos [...]241.

O fortalecimento do espaço local para se averiguar quais são as

possibilidades e dificuldades comunitárias a fim de se elaborar a decisão

governamental é algo a ser preservado, pois, apesar das dificuldades

239 SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos. RIBEIRO, Luiz César de Queiroz. AZEVEDO, Sérgio de.

Governança democrática e poder local: a experiência dos conselhos municipais no Brasil., p. 11.

240Corroborando esta afirmação Hobsbawn explica que: “no obstante, es essencial ressaltar que esta cohésion comunitária de los cuidadanos em la nación política no implica nunguna outra forma de homogeneidad, excepto por motivos pragmáticos. La razón obvia por La cual esto es así es que, desde que el mundo es mundo, ningún território – cualquiera que sea sua tamaño – há sido habitado por uma única problación homogénea, ya sea cultural, étnica ou de cualquier outro aspecto. Más aun, La pertenencia a lealtad a alguna outra comunidad, família, religión o lo que fuere”. HOBSBAWN, Eric J. Identidad. In: GORSKI, Hector C. Silveira. Identidades comunitárias y democracia. Madrid: Editorial Trotta, 2000, p. 50.

241 GOHN, Maria da glória. Os conselhos municipais e a gestão urbana. In: SANTOS JÚNIOR, O. A.; RIBEIRO, L. C. Q.; AZEVEDO, S. (Orgs.). Governança democrática e poder local: a experiência dos conselhos municipais no Brasil. Rio de janeiro: Revan, Fase, 2004, p 63.

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orçamentárias enfrentadas pelos municípios brasileiros, trata-se, na verdade, de

um espaço no qual se iniciam as demandas políticas e sociais, bem como as suas

soluções.

É no município que o homem nasce, vive e morre. Recebe os primeiros serviços da saúde, da educação. É no município que somos cidadãos, expressamos nossa cidadania, exercemos nossos direitos mais elementares e cumprimos nossos deveres mais essenciais. Chegou a hora, portanto, de mudar, começando a definir um novo Brasil a partir da célula básica, que é o município. Com mais recursos, com independência administrativa, alcançar-se-á uma Democracia mais participativa, soluções mais rápidas e mais adequadas aos interesses dos cidadãos, e por certo haverá menos burocracia e mais controle direto sobre as ações administrativas do Poder Executivo e maior participação no Poder Legislativo242.

Esse mencionado território, além de favorecer a construção da

responsabilidade social, potencializada pelo sentimento de solidariedade e

pertencimento dos atores que integram a Sociedade civil, contribui para

efetividade do controle social243, pois permite a interação, de modo mais próximo,

entre os Gestores e os Cidadãos.

Não resta dúvida que isso representa um significativo avanço no

processo de democratização do Estado, já que são criados e reconhecidos

institucionalmente canais de participação da Sociedade na gestão pública244. É

nesse contexto que:

Espera-se que as novas formas de interação entre governo e Sociedade materializadas nos conselhos municipais estejam fazendo emergir novos padrões de governo baseados na gestão democrática, centrada em três características fundamentais: maior responsabilidade dos governos municipais em relação às Políticas Públicas e as demandas dos seus cidadãos; o reconhecimento de direitos sociais; a abertura de canais para a ampla participação cívica da sociedade245.

242 PERIUS, Vergílio Frederico. Cooperativismo e lei. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 2001, p.

274. 243 HERMANY, Ricardo. (Re)Discutindo o espaço local: uma abordagem a partir do direito social

de Gurvitch, Santa Cruz:EDUNISC:IPR, 2007, p. 297 244 SOARES, José Arlindo. BAVA, Silvio Caccia. Os desafios da gestão municipal democrática. p.

158 245 SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos. RIBEIRO, Luiza César de Queioz. AZEVEDO, Sérgio de.

Governança democrática e poder local: a experiência dos conselhos municipais no Brasil, p. 13

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Nesse cenário pós Constituição Federal de 1988, nos anos 90, os

instrumentos democráticos começaram a ser regulamentados a partir da

legislação infraconstitucional, que foi o caso dos Conselhos Municipais de Saúde,

instituídos com Lei Federal 8.142/90.

3.2 OS CONSELHOS MUNICIPAIS DE SAÚDE COMO EXPRESSÃO DA

DEMOCRACIA

Quando se elaborou a importância dos poderes públicos como vetor

de organização social, percebeu-se o significado específico da expressão grega

zôon politikon: o ser humano carece de um poder o qual não represente a

escravidão daqueles que se submetem ao seu poder, mas seja, ainda, o elemento

de auto-organização livre dos indivíduos envolvidos246.

Para Warat a “ grande questão democrática é como obter o controle

social e coletivo da prática política247”, através da ampliação do papel

representativo da participação social (movimentos sociais), bem como, da

necessidade de aproximação de tais instrumentos da vida cotidiana (nos bairros,

escolas, igrejas e no lazer).

Os movimentos sociais no Brasil acompanham as mudanças

populacionais que se operam na passagem do Brasil rural para o Brasil urbano

nos anos 50, com o crescimento desmedido das cidades principalmente do eixo

Sudeste e Sul248.

Criados com o intuito de possibilitar a participação dos cidadãos no

gerenciamento dos recursos aplicados à área da saúde, os conselhos foram,

pouco a pouco, sendo implementados pelos municípios brasileiros, no plano

prático e também no plano legislativo por meio de leis municipais.

246 HÖFFE, Otfried. A democracia no mundo de hoje. Tradução de Tito Lívio Cruz Romão, São

Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 119. 247 WARAT, Luís Alberto. A ciência jurídica e seus dois maridos. p. 139. 248 GERSCHMAN, Silvia. Conselhos Municipais de Saúde: atuação e representação das

comunidades populares. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro , v. 20, n. 6, p. 1670-1681, dez. 2004, p. 1671.

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A constituição dos Conselhos Municipais de Saúde e sua posterior

consolidação gerou o estabelecimento de um novo cenário ou nova arena político-

administrativa249 de debates, onde os representantes ou membros possuem voz e

voto em demandas das mais diversas ordens, tais como, aprovação de uso de

recursos públicos, conformação das políticas macro.

Esse processo de abertura a participação social trouxe consigo

expectativas de ampliação da Democracia e um maior controle social250, eis que

houve a possibilidade de implementação de novas rotinas administrativas

voltadas a permitir a atividade dos Conselhos e de seus Conselheiros, e,

especialmente, a atuação como fiscal das políticas municipais de saúde.

Assim, os movimentos sociais são intrinsecamente associados às

políticas sociais, já que são ligados à cidadania251 252ativa e de cunho

transformador, pois conforme Bittar não se considerar a cidadania aquela pautada

na passividade e na delegação pura ao Estado da tarefa de definir políticas

249 “[...] nova arena político-administrativa venha a reconfigurar os procedimentos decisórios das

prefeituras, desde a fase da definição de objetivos, da formulação de políticas e chegando até à implementação e avaliação das decisões. SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos. RIBEIRO, Luiza César de Queiroz. AZEVEDO, Sérgio de. Governança democrática e poder local: a experiência dos conselhos municipais no Brasil., p. 12.

250 “Espera-se que a existência dos conselhos fortaleça a capacidade da Sociedade de controlar os mecanismos e critérios do uso dos recursos públicos, e como consequência sejam mais democráticas as decisões de distribuição o bem-estar social realizada pelas políticas públicas.” SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos. RIBEIRO, Luiza César de Queiroz. AZEVEDO, Sérgio de. Governança democrática e poder local: a experiência dos conselhos municipais no Brasil, p. 12/13.

251 GERSCHMAN, Silvia. Conselhos Municipais de Saúde: atuação e representação das comunidades populares. p. 1671.

252 BITTAR “Num conceito mais político-jurídico tradicional, ser parte de um Estado soberano, cuja adesão lhe concede um certo status, bem como votar e poder ser votado, são as únicas condições para a definição de cidadania. [...]Assim, estariam em jogo duas dimensões: pertencer ou não a uma soberania e ser por ela reconhecido como parte de seus cidadãos, o que passa por critérios de aceitação definidos nas esferas político-diplomática e cívico-jurídica (ius soli, ius sanguini); estar no gozo dos direitos políticos, podendo votar (cidadania ativa) e ser votado (cidadania passiva) nos processos de participação política. [...]exercitar cidadania não significa, em momento algum, delegar ao Estado a tarefa de gerenciar políticas públicas, ações estratégicas ou investimentos adequados em justiça social. Isto, sem dúvida, é a condição sine qua non para que a política se exerça de modo salutar em prol de uma sociedade. No entanto, na linha de raciocínio que se está desenvolvendo, não se pode considerar a cidadania uma atitude passiva, e muito menos representativa, que se delega a representantes políticos investidos de poder para mandato eletivo que se escolhem por voto periódico.” BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Cidadania: condição de exercício dos direitos humanos. PANÓPTICA - Direito, Sociedade e Cultura, [S.l.], v. 1, n. 1, p. 01-05, set. 2006. Disponível em: <http://www.panoptica.org/seer/index.php/op/article/view/96/105>. Acesso em: 17 de fevereiro de 2016.

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públicas, ações estratégicas ou investimentos adequados em justiça social é que

assume.

No Brasil, os conselhos têm origem ou em experiências de caráter informal sustentadas por movimentos sociais, no formato de ‘conselho popular’ (como no Movimento de Saúde da zona leste de São Paulo, com membros eleitos diretamente pela população e posteriormente reconhecidos pela Secretaria Estadual de Saúde) ou como estratégias de luta operária na fábrica, alternativas à inércia e ao comprometimento dos sindicatos oficiais, na forma de ‘Comissões de Fábrica’. Estas experiências e outras desenvolvidas na década de 70 e 80 (Osasco, Campinas e Piracicaba – SP, Boa Esperança – ES, Porto Alegre do Norte – MT) são absorvidas pelo debate da Constituinte, que incorpora na Constituição o princípio da participação comunitária, e geram posteriormente várias leis que institucionalizam os Conselhos de Políticas Públicas253.

Nas décadas de 60 a 90, as carências254 estatais tiveram um

aspecto positivo no sentido de criar laços sociais que promoveram a ação coletiva

de amplos setores da sociedade, pela presença e atuação dos movimentos

sociais na cena política brasileira255.

As restrições das liberdades individuais e coletivas determinadas

pelo incremento do regime ditatorial militar, e no campo da saúde, a implantação

de políticas privatistas (onde o acesso se restringia a quem contribuía a

Previdência Social), bem como de cunho hospitalocêntrico (base do processo

saúde/doença era nos Hospitais e medicamentos, ou seja, na medicina curativa; e

não em unidades de saúde, na saúde coletiva e preventiva) por mais equivocados

e opressores que foram determinantes para os Movimentos Sociais.

253 TEIXEIRA, Elenaldo Celso. Conselhos de políticas Públicas: Efetivamente uma nova

institucionalidade participativa? In: CARVALHO, Maria do Carmo A. A.; TEIXEIRA, Ana Cláudia C. (Orgs.). Conselhos Gestores de Políticas Públicas. São Paulo: Pólis, 2000, p. 101.

254 A busca de uma vida com mais saúde, educação, saneamento, moradia e a presença crescente da perda na qualidade da vida que a falta destes bens de consumo social ocasiona, formam, sob certas condições que serão tratadas adiante, como que um “caráter” por oposição, ou seja, pela via da recriação de laços sociais com base em modalidades de vida compartilhadas, antes que pela diferença da composição social dos integrantes desta nova modalidade associativa que caracteriza os movimentos sociais. GERSCHMAN, Silvia. Conselhos Municipais de Saúde: atuação e representação das comunidades populares, p. 1671.

255 GERSCHMAN, Silvia. Conselhos Municipais de Saúde: atuação e representação das comunidades populares. p. 1671.

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Como destacado por Peralta, Peruzo e Both256, se havia de um lado

uma repressão dos movimentos sociais, má gestão do dinheiro público pelos

militares, por outro, passou a existir um elemento de aproximação (de

profissionais de saúde, organizações populares e intelectuais) que culminou no

Movimento da Reforma Sanitária257” base das futuras mudanças na gestão

pública da saúde.

Duas ações sociais atreladas ao Movimento da Reforma Sanitária

merecem destaque, a VIII Conferência Nacional de Saúde realizada em 1986,

onde com forte presença popular aprovou-se a proposta do Sistema Único de

Saúde - SUS e a pressão exercida pela mobilização social durante o processo

constituinte, que permitiu a inclusão na Constituição Federal do direito a saúde

nos moldes necessários a posterior criação do SUS e da participação dos

cidadãos.

Resultados dos movimentos sociais e das reivindicações pela

abertura de espaços coletivos de acesso e de discussão das Políticas Públicas

sociais restaram assim criados inúmeros Conselhos de Gestão ou Cogestão

desde o âmbito municipal até o federal.258

Os anos 90, sob o ponto de vista dos canais de participação

institucional na gestão pública, foram marcados pela institucionalização e difusão

dos conselhos municipais259, bem como, pela regulamentação das políticas

setoriais, tais como saúde e assistência social.

É nessa década que a União, Estados e Municípios elaboram o

arcabouço legal e os marcos regulatórios (leis orgânicas do Sistema único de

256 PERALTA, Jorge Gimenez; PERUZZO, Nara Aparecida; BOTH, Valdevir. Direito à saúde:

desafios do controle social. Passo Fundo: Editora IFIBE, 2013, p. 25 257 “[...]Mas esse ambiente despertou o que chamamos de reação ao modelo “hospitalocêntrico”. Esta

reação foi liderada pelo Movimento da Reforma Sanitária, partindo de uma nova concepção de saúde, que atendia aos anseios dos movimentos sociais e da população em geral, reconhecendo todos os brasileiros como cidadãos, sujeitos de direitos, entre os quais, a SAÚDE. Então, se concebia a saúde como um direito de todos, independente de ter carteirinha ou não e, para atingi-la, o sistema deveria ser integral, dar conta da promoção, proteção e recuperação (admitindo o conceito de saúde como qualidade de vida).” PERALTA, Jorge Gimenez; PERUZZO, Nara Aparecida; BOTH, Valdevir. Direito à saúde: desafios do controle social., p 26.

258 GERSCHMAN, Silvia. Conselhos Municipais de Saúde: atuação e representação das

comunidades populares. p. 1672. 259 SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos. Democracia e governo local: dilemas e reforma municipal

no Brasil, Rio de Janeiro:Revan/FASE, 2001, p. 202.

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Saúde em nível Federal e seus complementos nos demais âmbitos) que

permitiram a incorporação da participação da Sociedade na gestão das políticas

públicas, em suma, do controle social.

Para Gerschman260 “Os Conselhos foram incorporados à

Constituição” no intuito de efetivá-los como canais de Participação dos Cidadãos

e de exercício de uma Cidadania ativa que por meio das forças vivas da

comunidade permitiria a inserção destes atores sociais na gestão dos problemas

e das Políticas Públicas.

A autora destaca também que por intermédio dos Conselhos a

Sociedade tem a possibilidade de interferir nos planos de ação das Políticas

Publicas, de garantir transparência e responsabilização dos gestores.261

Os Conselhos – enquanto espaço local – sofre força de interesses

das mais diversas ordens, como os advindos do mercado, da sociedade, do

governo, de organização não governamentais, de sindicatos, igrejas, das

associações de moradores. Esses interesses sofrem um processo de

apresentação, debates ou mediações, e elaboração de pautas de tomada de

decisão, possibilitando o “[...] aumento da eficácia e efetividade das Políticas

Públicas locais”.262

Os Conselhos podem ser divididos em três categorias. A primeira

são os Conselhos de Programas, “vinculados a programas governamentais

concretos, em geral associados a ações emergenciais bem delimitadas quanto a

seu escopo e sua clientela”, tem-se como exemplo os Conselhos de Habitação e

de Emprego.

A segunda categoria se refere aos Conselhos de Políticas que estão

atrelados a Políticas Públicas mais estruturadas, costumam ser previstos em lei

260 GERSCHMAN, Silvia. Conselhos Municipais de Saúde: atuação e representação das

comunidades populares. p. 1672. 261 GERSCHMAN, Silvia. Conselhos Municipais de Saúde: atuação e representação das

comunidades populares., p. 1672. 262 SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos. RIBEIRO, Luiz César de Queiroz. AZEVEDO, Sérgio de.

Governança democrática e poder local: a experiência dos conselhos municipais no Brasil. p. 47.

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federal, nem sempre são de caráter obrigatório, tais como, os da Assistência

Social, de Educação e Saúde, dentre outros.263

Por fim, os Conselhos Temáticos surgem na esfera municipal por

iniciativa local ou por estímulo estadual e estão atrelados um tema ou situação

específica eu mereça ser objeto de discussão mais aprofundada pela Sociedade e

poder local.264

Para Santos Junior os Conselhos de Saúde– Federais, Estaduais e

Municipais – se disseminaram no país, na forma de canais institucionais de

participação da sociedade, com as seguintes características: a) temáticos265; b)

de caráter semi-representativo266; c) deliberativos, abrangentes e permanentes267;

d) de composição paritária268; e) de autonomia ou semi-automia269

263 [...] dizem respeito à dimensão da cidadania, à universalização de direitos sociais e à garantia ao

exercício desses direitos”. IBAM, IPEA, COMUNIDADE SOLIDÁRIA. Conselhos Municipais e Políticas Sociais. Rio de Janeiro, 1997.

264 ““a grandes movimentos de idéias ou temas gerais que, naquele Município, por força de alguma peculiaridade de perfil político ou social, acolhem ou enfatizam o referido tema em sua agenda”. IBAM, IPEA, COMUNIDADE SOLIDÁRIA. Conselhos Municipais e Políticas Sociais. Rio de Janeiro, 1997.

265“[...] ligados a políticas sociais específicas, notadamente àquelas regulamentadas no âmbito federal – saúde, educação [...], mas também a políticas regulamentadas no plano tanto estadual quanto municipal, em que se encontram diversas outras temáticas, como transporte, política urbana [...]”. SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos. Democracia e governo local: dilemas e reforma municipal no Brasil, p. 202.

266 “[...] com mandatos sociais não-remunerados. Os conselhos são canais que preveem a participação voluntária de representantes das organizações sociais da Sociedade civil, e não a eleição direta dos seus integrantes [...] não são remunerados e podem ser substituídos a qualquer tempo”. SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos. Democracia e governo local: dilemas e reforma municipal no Brasil, p. 202.

267 “[...]As atribuições dos conselhos não se restringem à formulação de sugestões ou ao encaminhamento de demandas, mas abrangem a deliberação sobre as diretrizes das políticas temáticas [...] a aprovação da proposta orçamentária [...] na definição de macroprioridades na formulação de Políticas Públicas regulatórias.” SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos. Democracia e governo local: dilemas e reforma municipal no Brasil, p. 202.

268 De composição paritária entre governo e sociedade. Os conselhos são compostos por representantes tanto da Sociedade civil quanto do governo.” SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos. Democracia e governo local: dilemas e reforma municipal no Brasil, p. 202.

269 “De autonomia ou semi-autonomia em relação ao governo. [...] os conselhos têm autonomia em suas atribuições para definir suas regras e dinâmica de funcionamento, o que deve ser estabelecido com a participação de todos os segmentos sociais representados no seu âmbito, inclusive, portanto, o próprio poder público.” SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos. Democracia e governo local: dilemas e reforma municipal no Brasil, p. 202.

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Os Conselhos270 têm como princípios os relacionados tanto a

Democracia representativa, na pessoa dos representantes Governamentais, bem

como, a Democracia semidireta, por intermédio dos representantes de usuários.

Nessa linha de pensamento, Santos Júnior acresce “[...]o compromisso político do

governo com essas esferas públicas, e a representatividade e autonomia das

organizações sociais em relação ao governo”.271

Cabe ressaltar que é preciso fixar diretrizes essenciais no processo

de criação dos referidos conselhos, na sua composição e no seu funcionamento a

fim de potencializar o grau de efetivo comprometimento social272, pois o que se

presencia de modo cíclico é que a pouca alternância dos quadros de entidades

participantes e de seus representantes. As alterações de representações, quando

ocorrem, na maior parte, são de cunho político-estratégico sempre no limiar de

eleições municipais.

É necessário, ainda, ponderar que a Lei Federal 8.080/90, elaborou

as diretrizes do Sistema Único de Saúde – SUS na tentativa de efetivar o direito à

saúde, previsto no artigo 6º da Constituição Federal de 1988 e serviu de base à

Lei Federal 8.142/92, pois foi elaborada na tentativa de estipular o modo como a

comunidade participaria na tomada de decisões quanto ao repasse de recursos

financeiros e transferências intergovernamentais.

Hermany destaca que inúmeras vezes esses espaços de

participação são revestidos tão somente de um caráter formal para viabilizar o

repasse de verbas de outras esferas, especialmente da União para os

Municípios273.

270 SANTOS JUNIOR concebe os conselhos “[..]como canais de participação mais expressivos da

emergência de um novo regime de ação pública no plano local, caracterizados pela abertura de novos padrões de interação entre governo e Sociedade em torno da definição de políticas sociais.” SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos. RIBEIRO, Luiz César de Queiroz. AZEVEDO, Sérgio de. Governança democrática e poder local: a experiência dos conselhos municipais no Brasil, p. 25.

271 SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos. RIBEIRO, Luiz César de Queiroz. AZEVEDO, Sérgio de. Governança democrática e poder local: a experiência dos conselhos municipais no Brasil. p. 25.

272 HERMANY, Ricardo. (Re)Discutindo o espaço local: uma abordagem a partir do direito social de Gurvitch. p. 300.

273 HERMANY, Ricardo. (Re)Discutindo o espaço local: uma abordagem a partir do direito social de Gurvitch. p. 301.

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Por vezes, o grau de ingerência ou de influência política dos

Gestores Municipais sobre o corpo de conselheiros, especialmente em se

tratando de municípios menores, faz com que sequer ocorram as reuniões

ordinárias dos Conselhos. Apenas as atas das reuniões é que circulam dentre as

casas dos Conselheiros ou, ainda, vivenciam-se situações as quais o processo de

tomada de decisão do Conselheiro que contraria o interesse de Poder Executivo

leva a contramedidas pessoais, como negativas de acesso a exames e consulta

que dependam da regulação municipal.

Neste sentido, pode-se afirmar que, de modo geral, os conselhos

ainda estão pouco aparelhados para o exercício da função de monitoramento de

políticas públicas274 e precisam de muitas horas de capacitações em face da

complexidade de situações objeto de deliberações; de acesso a serviços

especializados de auditoria ou consultoria, pois suas decisões importam, por

vezes, na liberação de recursos, que variam de pequenas quantias a valores que

ultrapassam a casa do Milhão de Reais; de estruturas físicas adequadas e

assessorias desatrelados das secretariais, pois acabam sendo facilmente

monitorados pelos gestores.

Também, a atuação dos Conselheiros tem cunho político eleitoral,

ou seja, o cargo de conselheiro é usado com um subterfúgio (escada) para

visibilidade social.

Os conselhos setoriais constituem fenômenos recentes e na sua maioria foram criados devido à existência de legislação federal ou estadual que vinculava a existência dos mesmos como uma das condições de repasses de verbas para os municípios275.

Hoje, o movimento popular em saúde quase desapareceu da cena

política e os movimentos sociais que demandam melhorias no acesso e

reivindicação desses direitos perderam visibilidade na Sociedade na política

274 SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos. RIBEIRO, Luiz César de Queiroz. AZEVEDO, Sérgio de.

Governança democrática e poder local: a experiência dos conselhos municipais no Brasil., p. 41.

275 ABRANCHES, Mônica. AZEVEDO, Sérgio de. A capacidade dos conselhos setoriais em influenciar política públicas: realidade ou mito? Governança democrática e poder local: a experiência dos conselhos municipais no Brasil. Organizadores, SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos. RIBEIRO, Luiz César de Queiroz. AZEVEDO, Sérgio de. Rio de Janeiro:Revan, 2004, p.187.

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brasileira276. Nessa linha de pensamento, torna-se necessário a recuperação da

esfera comunitária e a redefinição consciente do poder participativo local para

contrapor-se à crise e às novas formas de colonização apresentadas pela

Sociedade globalizada na virada para o novo milênio277.

No entanto, de acordo com a Lei Federal 8.142/92, os Conselhos de

Saúde são uma das instâncias colegiadas de controle social278 e devem se

organizar em caráter permanente, deliberativo e de composição representativa

(representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e

usuários).

Os Conselhos atuam na formulação de estratégias e no controle da

execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos

aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo

chefe do poder legalmente constituído em cada esfera do governo.

O Conselho Municipal de Saúde, criado em 1992, representou a continuidade e ao mesmo tempo a institucionalização de um padrão peculiar de descentralização que consolidava um modo regular e constante de envolvimento de usuários nas instâncias participatórias.279

No que se refere ao caráter permanente dos Conselhos de Saúde,

destaca-se que esses não podem ser extintos por leis municipais, a participação

da comunidade encontra previsão Constitucional no inciso III, do artigo 198, bem

como a construção doutrinária e principiológica do Sistema Único de Saúde

estabelece a Participação dos Cidadãos, além é claro da própria Lei Federal

8.142/90, ou seja, os Conselhos possuem garantias constitucionais (blindagem)

contras atos (ataques) do poder dos Governantes.

276 GERSCHMAN, Silvia. Conselhos Municipais de Saúde: atuação e representação das

comunidades populares. p. 1673. 277 WOLKMER, Antonio Carlos. Do paradigma político da representação à democracia

participativa. 2001, p.84 . 278 BOBBIO “Controle social se entende o conjunto de meios de intervenção, quer positivos quer

negativos, acionados por cada Sociedade ou grupo social a fim de induzir os próprios membros a se conformarem às normas que a caracterizam, de impedir e desestimular os comportamentos contrários às mencionadas normas, de restabelecer condições de conformação, também em relação a uma mudança do sistema normativo” BOBBIO, Norberto. MATTEUCCI, Nicola. PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política, 2002. Vol. 1, p. 283.

279 SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos. RIBEIRO, Luiza César de Queiroz. AZEVEDO, Sérgio de. Governança democrática e poder local: a experiência dos conselhos municipais no Brasil. p. 277.

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No que se refere ao caráter deliberativo, os Conselhos de Saúde

podem aprovar ou não as ações voltadas às Políticas Públicas na área da saúde,

bem como as prestações de contas. Esse é o motivo desse ser um órgão

colegiado com uso da representatividade, pois permite democraticamente através

dos diversos olhares, níveis de cultura e pensamentos, a expressão de opiniões

diferentes.

Para manter a sua paridade, é estipulado o percentual de

participação de cada setor. Nessa linha de pensamento, 50% (cinquenta por

cento) do Conselho de Saúde corresponde a usuários do serviço de saúde,

composto por integrantes de Associações de Moradores, Sindicatos, Movimentos

Sociais, ONG’s, entre outros; 25% (vinte e cinco por cento) são indicados por

profissionais (enfermeiros, médicos, sindicatos da categoria, conselhos

profissionais) e os outros 25% (vinte e cinco por cento) corresponde a pessoas

que são do governo e de prestadores de serviços na área da saúde (secretário de

saúde, hospitais, ambulatórios, farmácias, entre outros).

Por exemplo, a fim de institucionalizar no âmbito municipal as

destinações de recursos e o modo de tomada de decisões por parte da

comunidade, foi promulgada a Lei Municipal de Passo Fundo n. º 2.840/92,

criando-se o Conselho Municipal de Saúde de Passo Fundo (RS).

Nesse contexto, foi criada uma série de recomendações aos

Conselhos Municipais durante a Segunda Conferência Nacional das Cidades,

elaborada pelo Ministério das Cidades, incluindo as principais atribuições de um

Conselho Municipal:

Debater, avaliar, propor, definir e fiscalizar programas, projetos, a política de desenvolvimento urbano e as políticas de gestão do solo, habitação, saneamento ambiental, transporte e mobilidade em conjunto – governo e Sociedade civil – em cada esfera da Federação; Coordenar a organização das conferências das cidades, nas respectivas esferas em que se encontram, possibilitando a participação de todos os segmentos da sociedade; Promover a articulação entre os programas e os recursos que tenham impacto sobre o desenvolvimento urbano; Coordenar o processo participativo de elaboração e execução do Plano Diretor; Debater a elaboração e execução do orçamento público, plano plurianual, leis de diretrizes orçamentárias e

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planejamento participativo de forma integrada; Divulgação ampla de seus trabalhos e ações realizadas; Promover a realização de estudos, debates, pesquisas e ações que propiciem a utilização de conhecimentos científicos e tecnológicos, para as populações urbanas, na área de desenvolvimento urbano; Realização de cursos, oficinas, debates, simpósios, seminários com os diversos segmentos da sociedade, buscando a disseminação de informação e a formação continuada; Elaborar e aprovar o Regimento Interno e deliberar sobre as alterações propostas por seus membros.280

É a partir dos Conselhos de Saúde que a comunidade se manifesta,

participa, coopera para a consolidação do SUS e efetivação do acesso ao Direito

à Saúde. Esse processo ocorre por intermédio da “troca de informações, dos

debates, proposições, deliberações até a fiscalização e avaliação”281, enfim, há

socialização da política pública. Percebe-se, que com mais de uma década do

início do surgimento dos Conselhos Municipais, de modo geral, ainda existem

inúmeras dúvidas quanto à participação e funcionamento. Todas as dificuldades,

contudo, não devem impedir a tentativa desse resgate e efetivação da cidadania

por meio da participação popular nos Conselhos Municipais de Saúde.

Para Côrtes, no entanto, se faz necessária a verificação do

arcabouço institucional282, ou seja, do conteúdo das normas instituidoras e

conformadoras das atividades, como medida legitimadora da própria existência

dos espaços públicos. Outros elementos, como o próprio modo de organização da

social civil, a ação e atuação dos gestores locais, influenciariam sobre o modo de

funcionamento dos Conselhos.283

280 BRASIL. Ministério das Cidades. Secretaria Executiva do Conselho das Cidades. Conselho das

Cidades: um exercício de gestão democrática. Brasília, 2005. Disponível em: <http://www.cidades.gov.br/images/stories/ArquivosCidades/ArquivosPDF/Publicacoes/UmExerciciodeGestaoDemocratica.pdf>. Acesso em: 11 jun.2015.

281 PERALTA, Jorge Gimenez; PERUZZO, Nara Aparecida e BOTH, Valdecir. Direito Humano à Saúde e Educação Popular: experiência de Passo Fundo. Passo Fundo: Berthier, 2012.

282 “Para tanto é necessário examinar o arcabouço institucional que cria e estabelece as regras básicas de funcionamento do fórum, reconhecendo que ele é condição necessária para existência de espaços públicos institucionalizados de participação” CÔRTES, Soraya M. Vargas. Arcabouço institucional e participação em conselhos municipais de saúde. In: Governança democrática e poder local: a experiência dos conselhos municipais no Brasil. Organizadores SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos. RIBEIRO, Luiza César de Queiroz. AZEVEDO, Sérgio de., p. 252.

283 CÔRTES, Soraya M. Vargas. Arcabouço institucional e participação em conselhos municipais de saúde. Governança democrática e poder local: a experiência dos conselhos municipais no Brasil., p. 252.

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Para exemplificar este processo de criação de Conselhos

Municipais, veja-se que o do Município de Passo Fundo foi criado em 1992,

através da Lei Municipal 2.840, reitera a gestão participativa, mas de modo

genérico, repetindo, assim, alguns dos dispositivos constitucionais (196 a 200) e

ao longo de 10 artigos a Lei Municipal estipula o número de conselheiros,

divididos em dois grupos, o primeiro composto de governo, prestadores de

serviços e profissionais da saúde e o segundo composto por usuários.

A lei supra referida também esclarece que a função gestor e de

fiscal dos recursos do SUS por meio do Conselho Municipal de Saúde será

desempenhada de modo gratuito, elencando, ainda as atribuições do Conselho e

esclarecendo que tais decisões necessitam da homologação por parte do Prefeito

Municipal.

Percebe-se, ao longo dos 10 (dez) artigos que compõem a Lei

Municipal 2.840/92 que o Conselho Municipal de Saúde tem caráter opinativo e

que a concisão da legislação e o modo genérico de sua redação possibilitam ao

Conselho opinar em todas as hipóteses que estejam associadas à saúde e que

tenham recursos públicos do SUS, mas, pela falta do caráter cogente, permite

que o Executivo realize as ações que melhor acredita para a consolidação desses

conselhos.

Importante, ressaltar que existem possibilidades jurídicas de alterar

a ausência da força coercitiva dos Conselhos, através da atuação conjunta com o

Ministério Público e ainda, até por meio da Ação Popular284.

A simples repetição, em nível local, de diretrizes fixadas

nacionalmente, pode servir para consolidar equívocos do processo de deliberação

284 “[...]Art. 1º Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de

nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista (Constituição, art. 141, § 38), de sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita ânua, de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos”. BRASIL, Lei n. 4.714, de 29 de Junho de 1965, regulação a Ação Popular.

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pela maioria, a partir de simples juízos de homologação de projetos das

Administrações Públicas285.

Entende-se, também o porquê das recomendações elaboradas aos

Conselhos Municipais durante a Segunda Conferência Nacional das Cidades,

recomendações estas que, apesar de genéricas a todas as modalidades de

Conselhos, possibilitam um melhor entendimento abrangente das funções de

conselheiro e do próprio Conselho.

Não se pode desprezar o potencial criativo do espaço local, que

deve estar vinculado a atuação interpretativa dos atores sociais na concretização

dos princípios constitucionais, para a ideia de cidadania e Democracia286, sendo

nesse viés que ocorre a compatibilização dos Conselhos com os Direitos Sociais

e no caso com o Direito à Saúde e as necessidades do local de atuação dos

conselhos.

Ademais, passados quase 30 (trinta) anos da promulgação da

Constituição Federal de 1988, percebe-se que há inúmeras deficiências não

apenas quanto à efetivação do Direito à Saúde, mas, também, há uma dificuldade

de compor grupos coesos e comprometidos nos Conselhos Municipais de Saúde,

pois a Sociedade vive um momento de descrédito político, tanto em relação aos

seus atores, como, ainda, em relação às instituições.

Dentre as críticas que se faz aos Conselhos de Saúde, uma pode

ser destacada: “às vezes a participação nos Conselhos limita a fiscalização e

atuamos menos na proposição e na elaboração da política pública287”. Se a ideia

é ampliar a participação da comunidade, não pode essa ter por função, apenas,

de legitimar os atos do Poder Executivo, por intermédio de aprovação massiva de

relatórios de gestão, programações anuais de saúde, eivado por vezes de

efetividade, é preciso ser proativo.

285 HERMANY, Ricardo. (Re)Discutindo o espaço local: uma abordagem a partir do direito social de

Gurvitch. , p. 302. 286HERMANY, Ricardo. (Re)Discutindo o espaço local: uma abordagem a partir do direito social de

Gurvitch. p. 303 287 PERALTA, Jorge Gimenez; PERUZZO, Nara Aparecida e BOTH, Valdecir. Direito Humano à

Saúde e Educação Popular: experiência de Passo Fundo. p. 30.

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Nessa linha Hermany destaca a numerosa presença de

representantes Governamentais (diversas secretaria) em um único Conselho

como outro fator de limitação. Torna-se um subterfúgio para o prevalecimento das

questões postas pelos Governos Locais e de facilitação de cooptação de apoio de

outras representatividades288.

Na carência de amplas perspectivas políticas, na diversificação de

interesses já consolidados, na crise de representação de diferentes grupos, o

problema do controle social se torna mais dificultoso à excessiva regulação de

interesses e de pressões dos vários grupos, por parte do Estado e da afirmação

de uma situação de corporativismo na qual resultam mais fortes os grupos que

ocupam as posições centrais da estrutura social e produtiva289.

Deve-se aproveitar a esfera local como estratégia capaz de manter

canais permanentes de diálogos e simplificados de discussão de políticas

públicas, definindo-as e, principalmente, possibilitando o controle de sua

execução290.

Necessário, portanto, identificar, de modo aprofundado a importância

dos Conselhos Municipais de Saúde para a efetivação da Democracia, pois as

legislações municipais praticamente repetem a federal, nada regulam conforme as

necessidades locais onde atuam. Assim, sem que haja um trabalho mais

minucioso quanto ao reconhecimento das necessidades comunitárias e como

essas se desenvolveriam, no que se refere às demandas da Saúde, nos

mencionados conselhos, ou seja é necessário conhecer o local e dizer como deve

ser. Nesse contexto, é que a Política Jurídica poderá atuar como possibilidade de

reformulação ou reconstrução legislativa, conforme se verificará a seguir.

288 HERMANY, Ricardo. (Re)Discutindo o espaço local: uma abordagem a partir do direito social de

Gurvitch. p. 302 289 BOBBIO, Norberto. MATTEUCCI, Nicola. PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. p. 285 290 HERMANY, Ricardo. (Re)Discutindo o espaço local: uma abordagem a partir do direito social de

Gurvitch, p. 308

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3.3 A POLÍTICA JURÍDICA COMO INSTRUMENTO DE APERFEIÇOAMENTO

DEMOCRÁTICO DOS CONSELHOS MUNICIPAIS DE SAÚDE

Após inúmeros períodos em que as constituições brasileiras ora

asseguravam direitos, ora os suprimiam, a Constituição Federal de 1988 surge

como marco democrático recente do Brasil, inaugurando o maior período

democrático da sua história, trazendo consigo uma série de garantias aos

cidadãos e possibilitando a participação democrática.

Em sua forma mais primitiva, a Democracia, possivelmente, seja a

forma mais antiga de governo, vez que “[...] nossos ancestrais caçadores-

coletores se governavam por meio da discussão e de uma liderança que dependia

do consentimento contínuo291”. Todavia, no sentido moderno do termo, a

Democracia ganhou força nos países da latino-americanos no final dos anos 80.

No Brasil ganhou novo fôlego com a Constituição Federal de 1988, possibilitando

diversos ‘formatos democráticos’.

A Constituição Federal de 1988 insculpiu em seu texto uma série de

princípios, que buscam nortear a sociedade, bem como preservar a retomada

democrática, além de assegurar uma porção de uma série de direitos e garantias

aos cidadãos. Nesse contexto, o constitucionalismo moderno, pautado na

promoção dos valores, na reconexão do Direito com a Ética, traz consigo a

necessidade de compartilhamento dos valores comuns (em dado recorte

geográfico e temporal) transmutados em princípios que, em suma, são abarcados

pela Constituição292

O espírito democrático, inspirado pela Constituição Federal de 1988,

aparece em diversos artigos ao longo do texto constitucional. Vige a Democracia

como sistema de organização política, onde todo o poder emana do povo (artigo

1º, parágrafo único); são de caráter temporário as funções governamentais

representativas, cuja ocorrência se manifesta por meio de eleições; há uma

291 DAHL, Robert Alan. A democracia e seus críticos. Tradução de Beatriz Sidou. São Paulo:

Martins Fontes, 2012. p. 367. 292 BARROSO, Luis Roberto. Fundamentos Teóricos e Filosóficos do Novo Direito Constitucional

Brasileiro. In: BARROSO, Luis Roberto. A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio De Janeiro: Renovar, 2003, p.28.

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tripartição dos poderes, ou seja: Executivo, Legislativo e Judiciário, encontram

limites no desempenho de suas funções típicas ou atípicas (artigo 2º); é

assegurada a pluralidade de partidos políticos (princípio do pluripartidarismo –

artigo 1º, IV); os direitos fundamentais são previstos na Constituição (artigo 5º e

seguintes); há igualdade no plano jurídico (igualdade esta que deve ser buscada

no plano prático) (artigo 5º, caput); deve prevalecer a supremacia da lei como

expressão da soberania popular (artigo 5º, II) e, por fim, os atos governamentais

são realizados com responsabilidade e consenso geral (artigo 85).

Percebe-se que a participação do povo ocorre tanto de modo direto

quanto indireto. A Democracia representativa ocorre de modo indireto, pelo voto

popular, sendo que há uma oxigenação e um tom mais democrático ao mandato

exercido pelos candidatos eleitos, a partir da mídia, dos movimentos sociais e dos

próprios partidos políticos.293

A Sociedade do presente é uma Sociedade organizacional, estruturada sob a forma de organizações, onde nem os objetivos individuais nem os coletivos podem ser alcançados sem o auxílio das organizações. As organizações são o canal de acesso da Sociedade à participação nas decisões do Estado. Junto aos partidos, deparamo-nos com outro ator político constitucional. O Estado necessita de algumas dessas organizações: a) para formular suas políticas, que devem se basear em um conhecimento certo das demandas das organizações e nas informações econômicas e técnicas que estas possuem; b) para realizar tais políticas; c) é preciso acrescentar a forma de government by contract, mediante a qual a execução de certas funções indubitavelmente públicas e que ultrapassam o âmbito administrativo são contratadas com firmas privadas. O Estado está obrigado a compartilhar o seu poder com as forças sociais organizadas.294

O modelo de Democracia Participativa tem como ponto de partida a

troca de experiências entre os cidadãos através de espaços públicos que

permitam o diálogo, este modelo geralmente está atrelado à concepção de

cidadania ativa. Feres Júnior e Pogrebinschi apontam algumas características

deste modelo de Democracia:

293 FERES JÚNIOR, João; POGREBINSCHI, Thamy. Teoria Política Contemporânea: uma

introdução. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010, p. 142. 294 GARCÍA-PELAYO, Manuel. As transformações do Estado Contemporâneo. Rio de Janeiro:

Editora Forense, 2009 p. 129-130.

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i) a defesa de um engajamento cívico, em que cidadãos participem dos processos de tomada de decisões políticas no plano nacional e façam parte do processo de formulação de políticas no plano local; ii) a participação dos cidadãos seja direta e ativa na tomada de decisões políticas e na administração do espaço social em que estão inseridos; iii) a suposição de que tal participação, direta e ativa dos cidadãos, dê-se sem o intermédio de representantes eleitos com a finalidade de agir em seu nome; iv) a expectativa de que a participação direta e ativa dos cidadãos no processo de tomada de decisões políticas conduza à construção de consensos que possam eventualmente ser substitutivos à prevalência da regra da maioria; v) a suposição de que os cidadãos devem agir diretamente em seu próprio nome, fazendo valer seus interesses por meio da ação coletiva; vi) a compreensão de que tal ação coletiva depende da coordenação da ação individual de cada cidadão; vii) o entendimento de que a ação individual de cada cidadão pressupõe a prática de alguma atividade a ser exercida coletivamente; viii) a suposição de que é no exercício cotidiano de suas atividades que os cidadãos se educarão para a Democracia Participativa.295

Observa-se, portanto, que a Democracia Participativa pressupõe

uma ação proativa participação do cidadão, que debate e toma decisões num

espaço de divergências, na tentativa de construir juntamente com outros cidadãos

consensos, sem representantes ou intermediários.

Em contrapartida, há de se ponderar que a Democracia Participativa

vive um paradoxo, pois muitas vezes os cidadãos deixam de participar o que

demonstra uma abstenção tanto política quanto social, por acharem que os

mecanismos postos à disposição dos cidadãos têm pouca força política de

mudança.

Apesar de não ser um elemento essencial à Democracia

Participativa, a educação (não do ponto de vista formal, mas vista sob a

perspectiva do engajamento cívico) e o senso crítico são importantes, vez que

possibilitam um nível mais maduro e aprofundado das discussões, e,

consequentemente, da tomada de decisões.

Por sua vez, o modelo de Democracia Deliberativa tem como ponto

central a comunicação e perpassa por procedimentos institucionalizados.

Azambuja entende que a Democracia Deliberativa se trata “[...] de uma

295 FERES JÚNIOR, João; POGREBINSCHI, Thamy. Teoria Política Contemporânea: uma

introdução. p. 148-149.

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aproximação da Democracia Direta. É um sistema misto, que guarda linhas gerais

do regime representativo, porque o povo não se governa diretamente, mas tem o

poder de intervir”.296

A Democracia Deliberativa, enquanto processo institucionalizado,

perpassa por 4 (quatro) etapas: “1. promover a legitimidade das decisões

coletivas; 2. encorajar as perspectivas públicas sobre assuntos públicos; 3.

fomentar processos mutuamente respeitáveis de tomada de decisões; 4. ajudar a

corrigir os erros que são cometidos nas decisões coletivas297”.

Os espaços que fomentam a Democracia Deliberativa não apenas

buscam compreender as reais necessidades daquela população, mas, também,

discuti-los, a fim de que sejam feitas correções nas decisões que, muitas vezes,

são impostas de modo verticalizado, ou seja, de cima para baixo.

Entende-se, a partir dessas notas acerca dos modelos de

Democracia Deliberativa e Participativa o porquê de ambas permearem os

Conselhos Municipais de Saúde, pois, ao mesmo tempo quando estes espaços

servem para que a Sociedade civil aponte os seus anseios e suas prioridades, é,

também, um canal de comunicação, institucionalizado no âmbito das

municipalidades no intuito de implementar as melhorias ali decididas. Ressalta-se

que a responsabilidade deliberativa, aliada a situações normativas e

controladoras, possibilita aos conselhos um significativo papel na construção do

exercício da Democracia Participativa.298

Todavia, para uma adequada compreensão da Democracia nos

espaços dos Conselhos Municipais de Saúde, é necessário que se faça uma

análise do modelo democrático nos dias atuais, leia-se, em pleno século XXI,

numa Sociedade de informação e na qual os acontecimentos têm uma dinâmica

296 AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 44. ed. São Paulo: Globo, 2003, p. 223-224. 297 CARVALHO, Priscila Teixeira de. Teorias deliberativas de democracia: modelo substantivo e

modelo procedimental. 2010. 85 f. Dissertação (Instituto de filosofia e Ciências Sociais) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010, s. p.

298 ABRANCHES, Mônica. AZEVEDO, Sérgio de. A capacidade dos conselhos setoriais em influenciar política públicas: realidade ou mito? Governança democrática e poder local: a experiência dos conselhos municipais no Brasil. p.164.

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temporal diversa daquela que vigorava quando do surgimento dos Conselhos

Municipais na década de 90.

A Sociedade do nosso tempo não apenas é pluralista, mas que deve ser pluralista. O pluralismo é a constatação de um fato e também um valor da convivência política, e implica dois aspectos: de um lado, um espaço de liberdade ou de autodeterminação interna para as organizações sociais; de outro, um espaço de participação ou de co-determinação nas decisões dos órgãos públicos que afetem essas organizações299.

Necessário ponderar que há um abismo entre a realidade e a teoria

democrática. A Sociedade democrática é aquela que está atenta as mudanças do

contexto histórico, dos anseios e necessidades dos seus cidadãos, na tentativa de

realizar uma política para o povo, sem demagogias e sem que prevaleçam os

interesses privados em detrimento dos coletivos.

Na prática, contudo, o que se visualiza deixa bastante a desejar, vez

que a política tem sido utilizada, em regra, para atender interesses escusos e de

um pequeno grupo, o que faz com que a população se divida entre aqueles que

desacreditam e os que buscam os espaços de participação de deliberação para

tentar reverter este quadro.

[...] a Democracia é algo de incerto e improvável e nunca deve ser tida como garantida. É sempre uma conquista frágil, que precisa de ser defendida e aprofundada. Não existe nenhum limiar de Democracia que, uma vez alcançado, possa garantir a continuidade da sua existência. A Democracia encontra-se em perigo não apenas quando o consenso e a fidelidade aos valores que ela encarna são insuficientes, mas também quando a sua dinâmica combativa a é travada por um aparente excesso de consenso que, normalmente, mascara uma apatia inquietante300.

As incertezas da Democracia residem justamente no fato de que

para haver sua efetividade, é necessário um local de debates, no qual seja

possível expor diversos pontos de vista e diferentes óticas que se tem acerca de

um mesmo tema. Esse é o porquê de as certezas afastarem este conceito

democrático. Aliás, numa Sociedade plural as diferenças tendem a ser

acentuadas e precisam de um ponto de equilíbrio para que sejam, também,

respeitadas.

299 GARCÍA-PELAYO, Manuel. As transformações do Estado Contemporâneo., p. 204. 300 MOUFFE, Chantal. O regresso do político. Lisboa: Gradiva, 1996, p. 17.

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Além da dinâmica que envolve a função de sujeitos com a

redistribuição de recursos e competências, o moderno processo de

descentralização está inteiramente relacionado com a ação participativa como

instrumento para o desenvolvimento de uma política democrática.301

Nesse contexto de pluralidade, enquanto temos o amadurecimento

da Democracia, de modo geral, vive-se em plena Sociedade de informação a

possibilidade da ciberdemocracia, que é apontada por Levy como:

[...] uma das grandes mutações e uma das maiores esperanças da ciberdemocracia reside na perspectiva de uma lei, de uma justiça e de um governo planetário capazes de regular a economia mundial, preservar o ecossistema terrestre e garantir a liberdade ao mesmo tempo que se esforça no sentindo de reduzir a miséria e as injustiças302.

O paradoxo reside no fato de que, quando se discute a ciberdemocracia

como um espaço democrático de discussão e de tomada de decisões, tem-se

uma série de direitos básicos assegurados na Constituição Federal de 1988, a

exemplo do Direito à Saúde, que tenta ser efetivado aos tropeços.

Em tese, “o ciberespaço permite uma liberdade de expressão e de

comunicação em escala planetária absolutamente sem precedente”303. Explica-se.

Muito embora a ciberdemocracia seja estimulada através da participação virtual

dos cidadãos seja através do controle via canais de transparência ou através da

participação de sua opinião.

De fato, é que por vezes este mecanismo de participação encontra

certas barreiras: falta de conhecimento técnico para uso das ferramentas de

informática, dificuldade em razão da forma como são expostos os dados (a

plataforma SUS é um exemplo das dificuldades em digerir todas as informações

disponibilizadas aos cidadãos) e até mesmo em razão da baixa adesão dos

cidadãos, que hoje se sente mais a vontade para dar opiniões em redes sociais

do que participar propriamente de um debate comprometido.

301 WOLKMER, Antonio Carlos. Do paradigma político da representação à democracia

participativa. Seqüência: Estudos Jurídicos e Políticos, 2001.p.93. 302 LEVY, Pierre. Ciberdemocracia. Lisboa: Instituto Piaget, 2003, p. 159. 303 LEMOS, André; Lévy, Pierre.O Futuro da internet: em direção a uma ciberdemocracia planetária.

São Paulo: Paulus. 2010, p. 52.

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Por outro lado, é fato incontroverso que nunca antes se teve tanto

acesso à informação governamental304 através dos sites oficiais que

disponibilizam valores gastos e o destino do dinheiro do contribuinte, contudo,

isso não significa que a maioria dos cidadãos busquem tais informações, mas,

ainda assim é um indicativo positivo.305

Nesse contexto de paradoxos, quando se busca a efetivação e

acesso do Direito à Saúde, no qual se tem um Estado com limitação orçamentária

frente a uma demanda infinita, no qual se busca implantar a ciberdemocracia

quando a Democracia em seu modo mais ‘simples’ (o voto), ainda padece de uma

análise crítica e comprometida, sucumbindo, muitas vezes, à compra ou à troca

de favores, é que se passa à análise da Política Jurídica.

A matriz da Política do Direito focada em normas jurídicas eficazes e

capazes de assegurar “[...] relações justas e socialmente úteis a todos os atos

humanos”306, e assim rompendo com os entraves político-econômicos, com os

formalismos e burocracias é o desafio também imposto aos Conselhos de Saúde.

Todas as fragilidades incutidas nos Conselhos, sejam as já

apresentadas nesta pesquisa ou outras ainda a serem identificadas, podem ser

objeto de correções, revisões ou remodelações a serem proporcionadas pela

Política Jurídica.

Nesse sentido Melo reforça que para o Político Jurídico atuar com

maior espectro de ação, especialmente na dimensão dos Direitos Sociais, deve se

portar como um investigador de fatos e valores importante para o Direito e

necessários à Sociedade307.

304Mesmo com alguns retrocessos, a exemplo das alterações da Lei de Licitações, que tornou certas

informações sigilosas. 305 LEMOS, André; Lévy, Pierre.O Futuro da internet: em direção a uma ciberdemocracia planetária.

2010, p. 148. 306 MELO, Osvaldo Ferreira de. Considerações sobre Politica Jurídica, p.9. 307 “Essa visão mais ampla faz do político do direito não só um operador ou um consultor da política

legislativa em teoria da legislação, mas também um importante investigador dos fatos e dos valores que interessam à formação e à aplicação do direito de que a Sociedade necessita e que legitimamente deseja.” MELO, Osvaldo Ferreira de. Considerações sobre Politica Jurídica, p.12.

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Partindo-se da ideia de Dahl308 de que uma das características da

Democracia seja “a responsividade do governo às preferências dos seus

cidadãos” e que para tanto haverá necessidade de oportunidades plenas309

teremos espaço também para a presença do Político Jurídico como um humanista

e catalizador dos anseios sociais auxiliando no processo de formulação, de

expressão e supervisão das preferências próprias e coletivas.

O papel do Politico Jurídico não se restringe às tarefas relacionadas

a proposição de reformas ou correções nas legislações, pois ele deve estar

conectado com as questões do cotiando na mesma proporção que deve estar se

relacionando com o Direito presente e em processo de produção.

Melo indica “a Política Jurídica, descomprometida com fórmulas e

paradigmas em perecimento estará engajada com esse novo pensar e participará

da realização de novas utopias carregadas de esperanças”.310

Nesse contexto, a dinâmica em que o Direito se processa,

transforma e se remodela faz presente a ideia de que a tarefa do Politico do

Direito seja de fluxo contínuo, pois os Estados, as suas instituições e demandas

são dinâmicas e pautadas pelo universo de necessidades e demandas da vida,

dos interesses políticos, especialmente, dentro de um Estado Democrático de

Direito (eivado de problemas e Politica Publicas não observadas).

Tratar a questão da Democracia, levando em conta as demandas da

Sociedade civil, requer o entendimento de que é possível acatar as reivindicações

dos cidadãos, no âmbito da governabilidade311.

308 DAHL, Robert. A poliarquia: participação e oposição. p.25. 309“[...]1. De formular suas preferências.2. De expressar suas preferências a seus concidadãos e ao

governo através da ação individual e da coletiva.3. De ter suas preferências igualmente consideradas na conduta do governo, ou seja, consideradas sem discriminação decorrente do conteúdo ou da fonte da preferência” DAHL, Robert. A poliarquia: participação e oposição. p.26 310 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica, p. 19.

311 PIRES “[...] se houver por parte dos gerentes da coisa pública a intenção de priorizar interesses coletivos”. PIRES, Cecília. O argumento filosófico sobre a democracia. DIREITO, DEMOCRACIA E SUSTENTABILIDADE, Anuário do Programa de Pós-Graduação da Faculdade Meridional. Organizadores André Karam Trindade; Angela Aaraújo Silveira Espindola; Salete Oro Boff, Passo Fundo:IMED Editora, 2013, p. 21

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Por certo, o espaço político unificado e homogêneo das formas de

representação convencional (partidos políticos e sindicatos) cede lugar à

pluralidade de práticas participativas e atuações coletivas implementadas por

novos sujeitos coletivos312.

Esse cenário ocorre porque a construção do direito social está

diretamente relacionada com a prática participativa de forma cotidiana e a

simplificação dos espaços abertos a tomada de decisões pela cidadania num

enfoque governante313.

A implementação e alargamento da Sociedade democrática somente

se completa com a efetiva participação e controle por parte dos movimentos e

grupos comunitários314. O modelo de governança democrática nos municípios

requer, de um lado, cidadãos autônomos com oportunidades e direitos iguais, e,

de outro, é necessário um contexto social de esferas públicas mobilizadas315 e a

Sociedade sem subordinações.

A participação não somente se revela importante mecanismo de

atuação direta dos cidadãos no jogo democrático, como, também, a prática mais

efetiva e permanente de controle da coisa pública.316

Por esse motivo, os Conselhos de Saúde não podem se limitar à

função de fiscalizadores, mas devem também ser um espaço de discussão e de

criação de demandas, que em um segundo momento pode ensejar a elaboração

de normas e de políticas públicas. A Comunidade deve opinar, deixando o

ostracismo passando a uma conduta por ativa, rompendo essa questão cultural

de não manifestar diante das situações que lhe são postas.

312 WOLKMER, Antonio Carlos. Do paradigma político da representação à democracia

participativa. p. 94. 313 HERMANY, Ricardo. (Re)Discutindo o espaço local: uma abordagem a partir do direito social de

Gurvitch, p. 310. 314 WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico: fundamentos de uma nova cultura no direito. 3.

ed. Revista e ampliada. São Paulo: Alfa-Omega, 2001, p. 253. 315 SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos. Democracia e governo local: dilemas e reforma municipal

no Brasil, Rio de Janeiro:Revan/FASE, 2001, p. 118. 316 WOLKMER, Antonio Carlos. Do paradigma político da representação à democracia

participativa. p. 93.

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A superação de uma regulação social amparada na lógica da

dominação, por uma estratégia de integração entre espaço público estatal e

sociedade317, com observância das diretrizes constitucionais e infraconstitucionais

onde prevaleça a ideia do justo, do ético e útil é uma das possibilidades de

inserção da Política Jurídica318. Conforme Melo:

O Estado comete um grande equívoco quando se omite com o alcance da justiça na aplicação de uma norma, sobre o pressuposto de que o fim a ser por ele alcançado é apenas o da segurança política ou paz social, como se pudesse ser alcançada fora de um ambiente em que não predomine o sentimento do justo e do útil319.

O atual paradigma enfrentado pela Política não é a Democracia

Representativa no que tange as suas limitações, como insuficiência de regras

atinentes a partidos políticos, eleições, entre outros, mas prosseguir e ampliar as

formas pelas quais a Democracia Direta se estabelece (como orçamentos

participativos, cogestões e sistema de Conselhos) capazes de conviver com a

Democracia por delegação320.

Esse desafio se coaduna com os próprios fins da Política Jurídica,

consoante Melo se faz necessário descontruir paradigmas que impeçam a

criatividade (mediação entre poder e sociedade), estabelecendo novos espaços e

novas possibilidades pautados em solidariedade de Cidadania321 – predicados

constantes dos Conselhos de Políticas Públicas.

Os governos locais, em face do cenário econômico e das

transformações das relações sociais, têm sido impactados pelos defensores da

gestão democrática da cidade, para a necessidade de mudanças nas instituições

317 HERMANY, Ricardo. (Re)Discutindo o espaço local: uma abordagem a partir do direito social de

Gurvitch, p. 311. 318 “A Política Jurídica cabe buscar o direito adequado a cada época, tendo como balizamento de

suas proposições os padrões éticos vigentes, e a história cultural do respectivo povo.” MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política jurídica. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor/CMCJ-UNIVALI, 1998, p. 80.

319 MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política jurídica. p. 43 320 WOLKMER, Antonio Carlos. Do paradigma político da representação à democracia

participativa. p. 95. 321 MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política jurídica. p. 71

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e rearranjos entre o governo, mercado e Sociedade que proporcionem a

Democracia e regulem os interesses do público e dos privados.322

Ao apresentarem dados científicos Santos Junior, Ribeiro e Azevedo

constataram que, de modo geral, os Conselhos têm apresentado capacidade de

serem espaços de intermediação, deliberações de entre Sociedade e governo e

também de influir sobre gestão das secretarias municipais323.

Os referidos autores usam de cautela no que se refere ao

finalizarem a discussão do impacto da atuação dos Conselhos, pois para eles

existem razões que podem levar a questionar o alcance do que anteriormente fora

afirmado. Apontam, ainda, pelo menos duas razões, uma no que tange as

decisões e seus impactos (causam ou não causam) poderia tornar esses espaços

simples formalizadores da atuação das secretarias a que estão atrelados e a

outra de que os gestores acatam decisões, por serem as que viriam a tomar,

mesmo sem o crivo do conselho324.

Contudo, “os conselhos municipais não podem ser concebidos nem

como o principal instrumento de gestão das Políticas Públicas nem como os

únicos canais efetivamente democráticos325”.

Nessa mesma linha de debate, a análise quanto às dificuldades de

implementação das decisões que circundam os Conselhos Municipais de Saúde

passará a ser feito sob a vinculação dos planos municipais de saúde, em especial

do Município de Passo Fundo.

322 SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos. RIBEIRO, Luiz César de Queiroz. AZEVEDO, Sérgio de.

Governança democrática e poder local: a experiência dos conselhos municipais no Brasil., p. 12/13.

323 Os resultados de pesquisas sobre os conselhos municipais de gestão no Brasil e, em especial, sobre o impacto do funcionamento dos conselhos junto as secretarias municipais foi realizada em metrópoles nacionais (como Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, Recife e Belém). SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos. RIBEIRO, Luiz César de Queiroz. AZEVEDO, Sérgio de. Governança democrática e poder local: a experiência dos conselhos municipais no Brasil, p. 45

324 SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos. RIBEIRO, Luiz César de Queiroz. AZEVEDO, Sérgio de. Governança democrática e poder local: a experiência dos conselhos municipais no Brasil, p. 45

325 SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos. RIBEIRO, Luiz César de Queiroz. AZEVEDO, Sérgio de. Governança democrática e poder local: a experiência dos conselhos municipais no Brasil, p. 52/53.

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O Plano Municipal de Saúde326 é um instrumento construído pelo

governo local, especialmente, pela gestão municipal da saúde, tendo como base

as deliberações das Conferências Municipais de Saúde – instâncias de

participação social, que devem ocorrer a cada 4 (quatro) anos, servindo com o

objetivo de avaliar e propor as diretrizes da política de saúde.

Nesse sentido, existem inúmeras das demandas e tecnologias

dispostas no Plano Municipal de Saúde, como ressalta Rosa Filho327 e que deve

ser transformado em projetos e programas de governo (planos de ação), servir de

base para elaboração das leis orçamentárias (Plano Plurianual, Lei de Diretrizes

Orçamentárias e Lei Orçamentária Anual), Programação Anual de Saúde, postas

em prática por meio de Planos de Aplicação e ao final terem suas execuções

financeiras conformadas em Relatórios Anuais de Gestão.

O Plano Municipal de Saúde além de apresentar um panorama da

estrutura físico-funcional da saúde do Município de Passo Fundo, dispõe por meio

das diretrizes as ações e políticas a serem implementadas nos próximos 04

(quatro) anos.

Em 27 de fevereiro de 2014 e 18 de março de 2014, foram

realizadas reuniões ordinárias do Conselho Municipal de Saúde, nas quais um

dos pontos de pautas foi exatamente o Plano Municipal de Saúde.

326 “[...] O Plano Municipal de Saúde (PMS) 2014-2017 é resultado direto dos compromissos

assumidos pela gestão em sua proposta politica, das deliberações firmadas pela população na IX Conferência Municipal de Saúde ocorrida em Abril de 2013, aproxima-se do Plano Plurianual e Lei Orçamentária Anual. Mais do que isso, é instrumento fundamental para a consolidação e efetivação de um sistema público de saúde em Passo Fundo que dê conta do suporte para o desenvolvimento de todos os passofundenses no momento em que o SUS faz 25 anos.” ROSA FILHO, Luiz Artur Plano Municipal de Saúde 2014-2017, Passo Fundo, 2013, p. 02 disponível em: http://www.pmpf.rs.gov.br/servicos/geral/files/portal/PMS_2014-2017.pdf. Acesso: 15 de janeiro de 2016.

327 “Várias são as tecnologias a serem implantadas nos próximos anos, Passo Fundo precisa de Saúde Bucal, do Centro de Especialidades Odontológicas, precisa expandir a Estratégia Saúde da Família, seguir reestruturando as Unidades de Saúde precárias, precisa de Programas como o Melhor em Casa e os Núcleos de Apoio a Saúde da Família, do CAPS infantil, precisa de Humanização e Acolhimento na atenção a saúde, precisa reduzir a mortalidade infantil para níveis compatíveis com nosso desenvolvimento econômico, ou seja, temos todos, sociedade, gestão municipal, trabalhadores da saúde, um longo dever de casa para os próximos quatro anos”. ROSA FILHO, Luiz Artur. Plano Municipal de Saúde 2014-2017, Passo Fundo, 2013. p. 02. Disponível em: http://www.pmpf.rs.gov.br/servicos/geral/files/portal/PMS_2014-2017.pdf. Acesso: 15 de janeiro de 2016.

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A partir das atas das referidas reuniões, pode-se afirmar que os

conselheiros municipais de saúde tiveram a oportunidade de se manifestar quanto

verificação se aquilo que fora definido por intermédio da Conferência Municipal de

Saúde restou incluído como diretriz no Plano Municipal de Saúde.

Após essas verificações houve a aprovação do Plano Municipal de

Saúde e sua replicação na Programação das Ações de Saúde (PAS). Esclarece-

se, ainda, que somente na reunião ordinária de janeiro de 2015, o tema retornou

para a pauta, já que restou solicitada a apresentação por parte do poder público

da efetivação das postulações do PMS.

O gestor local, ao usar de articulação (anteriormente alertada por

Hermany como limitadora da atuação dos Conselhos), ou seja, através do

convencimento de representantes de usuários, conseguiu aprovar uma

apresentação por amostragem das diretrizes do Plano Municipal de Saúde - PMS,

sob o argumento do excesso de tempo que levaria para efetuar a verificação item

por item. Essa situação não foi objeto de novos apontamentos até a aprovação da

Programação das Ações de Saúde de 2015.

Evidencia-se que a participação democrática e a efetivação dos

Conselhos Municipais de Saúde são um processo recente, contínuo, dinâmico e

com demandas variáveis, o que acarreta o esquecimento por longos períodos, de

temas de envergadura como a própria efetivação do Plano Municipal de Saúde.

Nesse mesmo argumento, destaca Côrtes:

Nas cidades de grande e médio porte, como no caso de Porto Alegre, eles constituem-se principalmente em lugar de articulação das forças sociais favoráveis ao aprofundamento do processo de reforma do sistema de saúde e no qual os representantes dos usuários – marcadamente dos moradores das regiões mais pobres – apresentam suas demandas aos gestores públicos328.

Por esse motivo, no Conselho de Saúde329, os usuários330 influem

mais na definição dos temas que integram as pautas de discussão das reuniões

328 CÔRTES, Soraya M. Vargas. Arcabouço institucional e participação em conselhos municipais de

saúde. Governança democrática e poder local: a experiência dos conselhos municipais no Brasil., p. 274.

329 “[...] os conselhos se caracterizam como um espaço público capaz de expressar diferentes interesses – tanto do governo como da Sociedade organizada -, onde se negociam consensos

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plenárias e nelas predominam assuntos relacionados com a organização dos

serviços de saúde na cidade331. Contudo, ainda existem temas, que por força dos

interesses mercantis fogem, de certa forma, da influência dos representantes dos

usuários, permanecendo sobre o domínio de setores sociais ou prestadores.332

Já Abranches e Azevedo são mais positivos ao concluir sobre a

influência dos conselhos setoriais nas políticas públicas, como “[...] espaços de

construção de vivência de novas relações entre o poder público e a Sociedade

organizada no âmbito da formulação, condução, avaliação e controle social das

políticas públicas”.333

Percebe-se, com relação aos Conselhos Municipais de Saúde, em

especial às suas disposições legais, que esses necessitam, por intermédio da

Política Jurídica, de uma renovação ou reconfiguração em determinados

processos de efetivação de suas ações ou de garantias de funcionamento e a

alcance de suas decisões.

Mas para tanto deverá ocorrer um processo de “convivência social

saudável e da observância de um mínimo de valores humanistas”334, caso

contrário o Político do Direito terá mínimas possibilidades de chegar aos objetivos

de alteração dos status quo.

capazes de garantir demandas estratégicas dos diferentes atores”. ABRANCHES, Mônica.; AZEVEDO, Sérgio de. A capacidade dos conselhos setoriais em influenciar política públicas: realidade ou mito? In: Governança democrática e poder local: a experiência dos conselhos municipais no Brasil. p. 186.

330 “ [...] O direito de todo o cidadão a serviços de saúde, que em alguns casos atingem de fato a toda a população, a complexidade dos serviços, a importância política dos médicos e o grande montante de recursos destinados ao financiamento de serviços, podem ter favorecido, por um lado, a que os representantes dos usuários tenham peso político maior nos conselhos municipais de saúde”. CÔRTES, Soraya M. Vargas. Arcabouço institucional e participação em conselhos municipais de saúde. Governança democrática e poder local: a experiência dos conselhos municipais no Brasil. p. 278/279.

331 CÔRTES, Soraya M. Vargas. Arcabouço institucional e participação em conselhos municipais de saúde. Governança democrática e poder local: a experiência dos conselhos municipais no Brasil. p. 275.

332 CÔRTES, Soraya M. Vargas. Arcabouço institucional e participação em conselhos municipais de saúde. Governança democrática e poder local: a experiência dos conselhos municipais no Brasil., p. 278/279

333 ABRANCHES, Mônica. AZEVEDO, Sérgio de. A capacidade dos conselhos setoriais em influenciar política públicas: realidade ou mito? Governança democrática e poder local: a experiência dos conselhos municipais no Brasil., p.190. 334 MELO, Osvaldo Ferreira de. O papel da Política Jurídica na construção normativa da Pós-Modernidade. In: DIAS, Maria da Graça dos Santos; MELO, Osvaldo Ferreira de.; DA SILVA, Moacir Motta Política Jurídica e Pós-Modernidade. Florianópolis: Conceito Editorial, 2009, 93

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Devendo os processos democráticos convergir para a “[...] a

participação comunitária, o controle dos cidadãos e a representação vinculante

dos interesses em um novo espaço público, cujo palco privilegiado é o poder

local335”.

A partir desses argumentos, demonstrou-se que a existência de

previsão legal (Lei Federal e Lei Municipal estudadas) determinando que as

decisões dos Conselhos sejam objeto de homologações pelos Gestores é mais

um elemento limitador da Democracia e, por conseguinte que deve, por

intermédio da Política Jurídica (com sua capacidade criadora e renovadora), ser

objeto de alteração legislativa, ampliando a força da decisão e restringindo a

discricionariedade do poder local.

335 WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, Estado e Direito. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 127

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Participação dos Cidadãos na solidificação dos Direitos Sociais,

especificamente, a relacionada ao Direito à Saúde, através dos Conselhos

Municipais, encontra nas categorias Política Jurídica e Democracia possibilidades

e indagações. A presença do cidadão no processo de construção da Democracia

com o advento da Constituição Federal de 1988 e em especial, com os

mecanismos criados pela própria norma constitucional e também

infraconstitucional para assegurar proteção efetiva da Sociedade na garantia ao

Direito à Saúde. O debate jurídico desta pesquisa não tem cunho de encerrar o

diálogo e novos estudos sobre o tema objeto desta dissertação.

Nesse ponto de vista, percebe-se que as tensões das novas demandas

da sociedade, advindas da materialização dos direitos sociais, requerem uma

reavaliação do Direito num pensamento mais humano e coletivo, o Direito à

Saúde traz à voga um novo paradigma, pautado na equidade, na universalidade e

na integralidade. Sob a égide dos princípios da Regionalização, Hierarquização,

Resolubilidade, Descentralização e especialmente, no objeto de nossa

dissertação na Participação dos Cidadãos consubstanciada nos Conselhos

Municipais de Saúde.

O processo de luta pelo retorno da Democracia no Brasil e seus

desdobramentos jurídicos, especialmente com a promulgação da Constituição

Federal em 1988, têm em sua essência a força dos movimentos sociais.

A Constituição Federal apresentou os contornos da participação

dos Cidadãos e ao mesmo tempo estabeleceu uma série de Direitos e Garantias

Fundamentais, dentre eles o Direito à Saúde. A legislação ordinária que criou o

Sistema Único de Saúde e Regulamentou a participação da comunidade através

de das leis n. º 8.080 e 8.142, ambas de 1990.

No sentido de averiguar a veracidade do problema de pesquisa

apresentado, formularam-se três hipóteses. A primeira hipótese afirmou que a

Democracia Participativa deveria corresponder à atuação social em todas as

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políticas públicas, em especial, na saúde a fim de se assegurar acesso a um

Direito Fundamental.

A Democracia conforme se demonstrou no primeiro capítulo, encontra

múltiplas dimensões conceituais, históricas, etiológicas, classificatórias e

dogmáticas. Ela importa numa proposta organizativa para as Sociedades e

Estados focada na participação de seus cidadãos, especialmente, nas atividades

relacionadas às questões da política.

Em face do grau de responsabilidade ou proximidade dos cidadãos nas

decisões, a Democracia desenvolve-se nas formas já vistas, a Direta, a Indireta, a

Participativa ou a Deliberativa. O elevado grau de inter-relação entre os Direitos

Fundamentais e a Democracia e sua imbricação com a Participação dos

Cidadãos tem na utilização de espaços locais um exemplo de concretização.

Os referenciais teóricos estudados como Canotilho, Franco, Maturana,

Bobbio, Dahl, dentre outros, convergem para a utilização da Democracia como

alternativa efetivadora de sociedades mais qualificadas, dinâmicas e com

condições de permitir aos seus cidadãos liberdades, como a de criticar, a de

participar de processos políticos.

No entanto, a Democracia importa mais do que garantias da

participação dos cidadãos nas atividades da política no Estado. Como já referido

como Princípio de Direito, engloba o poder transformador da Sociedade advindo

das decisões emanadas pelo Povo. O exercício democrático de participar das

decisões políticas deve focar a efetivação dos seus Direitos Fundamentais.

Assim, a instituição de conselhos – como controle social – através de

legislações sancionadas na década de 90 -, permitiu o incremento da Participação

dos Cidadãos, com funções normatizadas, de fiscalização e de deliberação sobre

as Políticas Públicas.

Ocorre que ainda existem diversos entraves de ordem político-

administrativa determinado pelos Governos Locais que visam inibir ou dificultar

sobremaneira o alargamento desse aspecto democrático na atuação dos espaços

locais, tais como a ausência de estruturas físicas e de recursos humanos.

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A relação entre Estado e Sociedade ou Governo e Espaço local

permite a implementação via Política Jurídica de medidas corretivas, norteadores

ou direcionais das Políticas Públicas e da própria Democracia.

Dentro desse argumento, aparece o modelo de Democracia

Participativa como um impulsionador de diálogos (divergentes ou convergentes)

entre os cidadãos, e de contramedida a ausência de unicidade do modelo da

Democracia Representativa.

Existem alguns entraves no atual contexto da Democracia Participativa,

especialmente, pela descrença de setores da Sociedade de que com a sua

presença e participação às demandas sociais serão acatadas ou atendidas.

Ao se observar o exemplo dos Conselhos Municipais de Saúde,

verifica-se a existência de muitos avanços no decorrer destas décadas, desde a

sua criação. A força tensionadora das reuniões e discussões, por vezes, muda

tendências das gestões municipais no investimento dos recursos públicos,

permitindo a implantação de politicas sociais específicas, como por exemplo, a

criação de protocolos e serviços para os Negros (em face das especificidades

epidemiológicas da raça) ou para outras populações, como as voltadas as

Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT), em detrimento de

ações gerais.

Nesse viés, confirmada a primeira hipótese, pois o modelo pluralista

de ampla participação social na gestão pública é o principal fundamento da

Democracia Participativa que coloca o cidadão comum no centro da Política

Jurídica e contribui na formação das regras impositivas que contribuirão para a

resolução democrática de conflitos.

A segunda hipótese de pesquisa afirmou que a Política Jurídica, a

partir da perspectiva Lege Ferenda, constitui possibilidade para alteração

legislativa, desde que se observe aquilo que a Consciência Jurídica sinaliza como

necessário para a melhoria da convivência social e da atuação das instituições.

O processo de criação legislativa ou de sua modificação, dentro de

uma leitura democrática, e sob a égide da Politica Jurídica pode ser entendido

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como resultado de forças e tensionamentos sociais e das suas consequências

sobre Governos e Governantes.

Não se trata de uma solução simplista ou de fácil cotejamento entre

os operadores do Direito, e em especial, pelos Legisladores, pois, perpassa

exatamente pela abertura do formalismo exacerbado e do rigor da dogmática

jurídica.

Ao se utilizar a Política Jurídica como objeto de transformação das

realidades sociais, o Político Jurídico deve ter em mente a busca legítima da

felicidade própria e coletiva, bem como, focar nos anseios e necessidades de

seus pares.

O pensamento de Ross sobre a Política Jurídica é que essa se

encerra como uma técnica de melhoramento da Justiça, e ao Político Jurídico

cabe um papel de restritivo de assessoramento ao Legislador.

O diferencial no pensamento de Melo em relação ao de Ross esta

exatamente na ampliação de atuação da Política Jurídica, onde o Politico Jurídico

passa a atuar no incremento de metas sociais. Preocupa-se com a qualidade do

produzido pelo legislador, trabalha com a possibilidade de constante reciclagem

das leis, pautado sempre, na legitimidade, na ética, em valores e na justiça.

O processo de geração do Direito em escala normal seja por

intermédio legislativo ou por meio da atuação jurisdicional é reflexo dos fluxos de

cargas sociais. Tais forças como visto, fazem nascer a Política Jurídica com a

tarefa de adequação do Direito no tempo, na cultura e na ética, onde o deve ser é

o Norte.

As práticas democráticas e pluralistas das sociedades

contemporâneas determinam aos juristas, e no sentido mais particular, aos

Políticos Jurídicos a ampliação ou a fissura do Direito Positivo, tornando-o

permeável, no sentido de possibilitar uma ir além das decisões judiciais ou

vontades legislativas, tendo como foco os interesses e as necessidades coletivas.

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A Política Jurídica também se processa como uma ação – de cunho

operacional, podendo ser criativa ou corretiva sobre normas vigentes pautada na

manutenção de um fluxo permanente de aprimoramento, sem tangenciar para o

vácuo legislativo.

Dentro de um Estado Democrático de Direito, o Político Jurídico

deverá fixar com base nos princípios constitucionais parâmetros os quais visem a

concatenação o socialmente almejado e a sua previsão legal, junto aos

mecanismos que viabilizam seu exercício e/ou reivindicação.

A função epistemológica apresenta dois direcionamentos, o primeiro

ao criticar o Direito vigente com o uso de critérios de Utilidade, Justiça e

Legitimidade, sem rompimento histórico (geração de vazio) do próprio Direito. E a

segunda é a buscar por outras fontes (formais ou informais) o que a Sociedade

almeja para as representações jurídicas, agora sob a égide da Ética, da

Liberdade, da Igualdade e Estética.

Para Reale a função da Política Jurídica é atuar como elo de

superação dos possíveis antagonismos entre o fático e o valor, ou seja, resolver

qual seja a norma pertinente, conforme demandas e nuances espaço-temporais.

A atuação jurisdicional ou do juiz ao interpretar a lei e as demais

fontes permite espaço para a ocorrência da Política Jurídica, especialmente, pois

para cada ato de administração de justiça permeiam expectativas sociais.

Nesse contexto é que se insere a Consciência Jurídica, fruto da

coletividade, com finalidade na garantia da paz social perene, mas atenta as

adversidades sociais. Assim, numa leitura focada na resolução das demandas

sociais (dentre elas as da saúde) que geram paz social, os Conselhos

transformam-se em instrumento de Consciência Jurídica.

O sentido humanitário, ético, tolerante e digno serve de pano de

fundo para solidificação de um processo de verificação, construção e

remodelação do Direito vigente. No entanto, todo esse contexto não encontrará

guarida se não haver a aproximação do cidadão, portador da opinião pública que

é fundamento de cultura para produção da Consciência Jurídica.

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Reforça essa necessidade de interação social os posicionamentos

de Aquino, que, em suma, espelham a necessidade de se ver no Outro e produzir

alteração valorativa em elementos essenciais, como os culturais.

A ampliação do sentimento de pertencimento ao mundo e de

relação/correlação com os demais sujeitos dá-se por intermédio das atividades da

Lege Ferenda e Sententia Ferenda, no sentido de ver-se e de ver no outro, ainda,

novas utopias e responsabilidades.

A última hipótese estabelecida em face do problema da pesquisa, os

Conselhos Municipais de Saúde, no cotejo da Política Jurídica, devem constituir

espaços democráticos para a mudança sociais devidamente registrados na

Norma Jurídica.

Os direitos e garantias individuais e coletivos, dentre os quais, o

direito à saúde, permitiu e gerou nos municípios brasileiros a criação de espaços

de gestão compartilhada, assim, o poder local passou a ser fiscalizado através da

obrigatoriedade de participação dos membros da comunidade como requisito a

manutenção da regularidade de alguns atos administrativos.

Os Conselhos Municipais de Saúde dentro da proposta

constitucional são elementos de destaque nos cenários dos Governos Locais,

especialmente, pela imposição de uso de expressivos percentuais orçamentários

(15% para os Municípios, nos termos da Emenda Constitucional n. º 29/2000) e

pela necessidade legal de aprovação pelos órgãos de controle social dos Planos

Municipais e Programação Anual.

Soma-se ao já referido argumento, a extremada politização da

atuação dos Conselheiros - onde tanto Governo como Opositores – fazendo uso

de estratégia de camuflagem (indicando representantes através de movimentos

sociais, de sindicatos, organizações não-governamentais e associações)

multiplicam a sua capacidade de atuação e influência, ludibriado assim os limites

legais.

Essa ocupação de espaços de poder no interior dos governos gera

tensão social, que, por vezes, é maior ou menor, dependendo muito da atuação

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dos segmentos sociais e da capacidade dos gestores de interagirem sobre os

Conselhos. Evidenciando-se mais uma vez serem os Conselhos potenciais

espaços de geração de consensos sociais e soluções de demanda da Saúde.

A alteração do paradigma de cidadão apenas como destinatários de

direitos e políticas publicas para outro, o de um sujeito participante de decisões,

gera uma interação permanente entre governados Sociedade e governos.

Importante destacar que toda a lógica doutrinária e principiológica do Sistema

Único de Saúde está pautada na Universalidade, Equidade, Integralidade,

Regionalização e Hierarquização, Resolubilidade, Descentralização e

Participação dos Cidadãos.

Os autores referencias BORJA; CASTELLS; CÔRTES; SOARES;

SANTOS JUNIOR e HERMANY reforçam esse processo de construção dos SUS

e o exercício democrático que os Conselhos representam, pois, as normas

jurídicas estabeleceram a institucionalização e descentralização das ações e

serviços de saúde, e especialmente dos mecanismos de controle social.

Segundo o pensamento de SANTOS JÚNIOR nosso país pode ser

considerado um laboratório de práticas e experiências participativas,

transmutando-se em fluxo contínuo de construção da Democracia, especialmente,

através da criação de instituições ou instrumentos como os Conselhos Setoriais,

Orçamentos Participativos e Consultas Populares.

Assim, a posição estratégica dos Municípios na vida cotidiana das

pessoas, também restou claro como fator de melhor alcance democrático do

papel e ações realizadas pelos Conselhos Municipais de Saúde, pautando-se

diretamente com os Gestores ou seus representantes.

Contudo, ainda existem desafios a efetivação das decisões dos

Conselhos frente a atual Legislação Federal (Lei 8.142/90), bem como, na

Municipal (Lei Municipal 2.840/92), pois o Gestor Público não é obrigado a seguir

as decisões, cabendo de modo discricionário homologá-las ou não.

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Também, conforme relatado por Hermany os espaços de participação

não podem apenas travestidos de um caráter formal, usados tão somente para se

permitir o repasse de verbas de outras esferas.

Nesse contexto é que a Política Jurídica, como enunciada por Melo,

pode redimensionar, revisar, corrigir e ampliar, tanto a Lei Orgânica do SUS (Lei

8.142/90, como a Lei Municipal 2.840/92 no sentido de torná-las ainda mais

responsivas as demandas sociais.

A ruptura da dominação social pela ampliação do elo Sociedade e

poder público, por intermédio da atuação da Política Jurídica, é além de estratégia

de convivência, uma necessidade frente as dinâmicas atuais das demandas

enfrentadas por ambos os atores.

Os Conselhos Municipais de Saúde, em especial o seu sentido legal,

necessitam, por intermédio da Política Jurídica, de uma modernização no sentido

de que as suas decisões venham a vincular os Gestores Públicos, pois isso

possibilitaria não só a valorização democrática do espaço local, como também, a

cumprimento efetivo das decisões sobre as Políticas Públicas de Saúde.

A partir dessas constatações, conclui-se que a Política Jurídica,

pautada nos critérios de Utilidade Social e de Justiça, se apresenta como

possibilidade para resolução das ausências legislativas e de eventuais conflitos

jurídico-políticos, direcionada a produção de um Direito à Saúde mais próximo do

constitucionalmente previsto.

Sob essa condição, à luz da Política Jurídica às decisões dos

Conselheiros e dos Governantes relacionadas a saúde, alarga o espectro de

considerações para solução de demandas, para além do da dogmática jurídica ou

do técnico-jurídico, pois abarca um elenco de determinantes, tais como: a ética

universal, o humanismo, as fragilidades e necessidades sociais, as restrições

econômicas, as diferenças culturais e étnicas.

A adoção da Política Jurídica como parâmetro de composição das

demandas e problemas relacionados ao Direito a Saúde pode produzir ainda mais

avanços na Democracia nos Conselhos Municipais de Saúde, pois o interesse

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social se torna mais dinâmico, participativo, forte no ideário do justo, ético e útil ao

permitir contribuições mais próximas da Coletividade e de seu uso pelo Poder

Executivo.

A amplitude e complexidade do tema surgem como desafios e

cabem ao Gestor Público levar a apreciação todos os elementos enfatizados

nesta pesquisa. A relevância entre o compromisso social dos Conselhos e

possíveis outros interesses políticos em jogo, nos remete a refletir qual carga

deverá ser atribuída ao bem maior Saúde.

Nesse sentido, é que se pondera a efetivação da proteção da

coletividade e da Democracia nos Conselhos por intermédio da Política Jurídica.

Como demonstrado nesta pesquisa, não existe uma norma que determine ao

Gestor a acatar as decisões dos Conselhos Municipais de Saúde, ou seja, que

faça com que se execute o interesse coletivo, sem levar em consideração outros

critérios além dos meramente políticos. Esse é um aspecto a ser remodelado a

partir da Política Jurídica.

Incute-se, nesse sentido, reafirmar as doutrinas e princípios

formativos do Sistema Único de Saúde, ou seja, entre o poder público e a

sociedade, para que univocamente possam garantir uma coesão social, que

efetive o controle social, como fator determinante das e nas Políticas Públicas de

saúde, desencadeando uma abertura democrática real e factível a pleno.

Por fim, a Política Jurídica, apresenta ferramenta importante para o

papel a ser desempenhado pelos Conselhos Municipais de Saúde, no que refere

ao cumprimento, com base na visão de uma Cultura pelos Governos Municipais,

das decisões que essa coletividade adote. Assim, o Governo local pautando e

efetivando os anseios sociais – perpetrados nos Conselhos - tornando-os além de

Políticas Públicas, elementos de mudanças na saúde coletiva e na Sociedade.

Em sede de aprimoramento legislativo e de ampliação da

participação de entidades nos Conselhos Municipais de Saúde e em especial no

caso do Conselho Municipal de Saúde de Passo Fundo, podemos ver na Ordem

dos Advogados do Brasil – OAB (seccionais) uma importante aliada na garantia

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da execução da Política Pública e essencialmente do Direito à Saúde,

especialmente, em face da possibilidade de adoção de medidas legais e judiciais

cabíveis com maior legitimidade, tais como, a própria ação popular336.

Nesse contexto, o presente estudo permitiu ao confirmar todas as

hipóteses anteriormente levantadas, que os Conselhos Municipais de Saúde, no

cotejo da Política Jurídica, constituem-se em espaços democráticos para a

mudança social devidamente registrados na Norma Jurídica.

Assim, as decisões dos Conselhos Municipais de Saúde são

espaços democráticos de participação, pois permitem a expressão por qualquer

cidadão (direito de voz) e pelos conselheiros (direito de voz e voto) das

necessidades e demandas sociais. Também, que podem ser de parâmetro para

melhoria da gestão pública se houver uma mudança cultural, onde o Gestor passe

a efetivamente a respeitar e observar as decisões dos Conselhos, garantido a sua

Sustentabilidade337 e transformando-as em Políticas Públicas.

336 CAZZARO, Kléber. 337 “[..]Nesse sentido, a sustentabilidade exige a criação de mecanismos de participação popular e de gestão democrática. O Estado local sozinho não pode definir o futuro da sociedade municipal, nem reúne as condições para sustentar o gerenciamento desse processo de transição. É necessário promover a articulação dos atores sociais organizados, criando instâncias de encontro e negociação, democratizando a própria política local”. JARA, Carlos Julio. A sustentabilidade do desenvolvimento local. p. 241.

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ANEXO I

LEI Nº 8.142, DE 28 DE DEZEMBRO DE 1990.

Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei: Art. 1° O Sistema Único de Saúde (SUS), de que trata a Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990, contará, em cada esfera de governo, sem prejuízo das funções do Poder Legislativo, com as seguintes instâncias colegiadas: I - a Conferência de Saúde; e II - o Conselho de Saúde. § 1° A Conferência de Saúde reunir-se-á a cada quatro anos com a representação dos vários segmentos sociais, para avaliar a situação de saúde e propor as diretrizes para a formulação da política de saúde nos níveis correspondentes, convocada pelo Poder Executivo ou, extraordinariamente, por esta ou pelo Conselho de Saúde. § 2° O Conselho de Saúde, em caráter permanente e deliberativo, órgão colegiado composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, atua na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera do governo. § 3° O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems) terão representação no Conselho Nacional de Saúde. § 4° A representação dos usuários nos Conselhos de Saúde e Conferências será paritária em relação ao conjunto dos demais segmentos. § 5° As Conferências de Saúde e os Conselhos de Saúde terão sua organização e normas de funcionamento definidas em regimento próprio, aprovadas pelo respectivo conselho. Art. 2° Os recursos do Fundo Nacional de Saúde (FNS) serão alocados como: I - despesas de custeio e de capital do Ministério da Saúde, seus órgãos e entidades, da administração direta e indireta; II - investimentos previstos em lei orçamentária, de iniciativa do Poder Legislativo e aprovados pelo Congresso Nacional; III - investimentos previstos no Plano Qüinqüenal do Ministério da Saúde; IV - cobertura das ações e serviços de saúde a serem implementados pelos Municípios, Estados e Distrito Federal. Parágrafo único. Os recursos referidos no inciso IV deste artigo destinar-se-ão a investimentos na rede de serviços, à cobertura assistencial ambulatorial e hospitalar e às demais ações de saúde.

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Art. 3° Os recursos referidos no inciso IV do art. 2° desta lei serão repassados de forma regular e automática para os Municípios, Estados e Distrito Federal, de acordo com os critérios previstos no art. 35 da Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990. § 1° Enquanto não for regulamentada a aplicação dos critérios previstos no art. 35 da Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990, será utilizado, para o repasse de recursos, exclusivamente o critério estabelecido no § 1° do mesmo artigo. (Vide Lei nº 8.080, de 1990) § 2° Os recursos referidos neste artigo serão destinados, pelo menos setenta por cento, aos Municípios, afetando-se o restante aos Estados. § 3° Os Municípios poderão estabelecer consórcio para execução de ações e serviços de saúde, remanejando, entre si, parcelas de recursos previstos no inciso IV do art. 2° desta lei. Art. 4° Para receberem os recursos, de que trata o art. 3° desta lei, os Municípios, os Estados e o Distrito Federal deverão contar com: I - Fundo de Saúde; II - Conselho de Saúde, com composição paritária de acordo com o Decreto n° 99.438, de 7 de agosto de 1990; III - plano de saúde; IV - relatórios de gestão que permitam o controle de que trata o § 4° do art. 33 da Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990; V - contrapartida de recursos para a saúde no respectivo orçamento; VI - Comissão de elaboração do Plano de Carreira, Cargos e Salários (PCCS), previsto o prazo de dois anos para sua implantação. Parágrafo único. O não atendimento pelos Municípios, ou pelos Estados, ou pelo Distrito Federal, dos requisitos estabelecidos neste artigo, implicará em que os recursos concernentes sejam administrados, respectivamente, pelos Estados ou pela União. Art. 5° É o Ministério da Saúde, mediante portaria do Ministro de Estado, autorizado a estabelecer condições para aplicação desta lei. Art. 6° Esta lei entra em vigor na data de sua publicação. Art. 7° Revogam-se as disposições em contrário. Brasília, 28 de dezembro de 1990; 169° da Independência e 102° da República. FERNANDO COLLOR Alceni Guerra

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ANEXO II

LEI Nº 2840/92 (Regimento Interno aprovado pelo Decreto nº 142/2005)

CRIA O CONSELHO MUNICIPAL DE SAÚDE DE PASSO FUNDO, NOS TERMOS DA LEI FEDERAL 8.142, DE 28 DE DEZEMBRO DE 1990.

O PREFEITO MUNICIPAL DE PASSO FUNDO, no uso de legais atribuições, na forma do artigo 88 da Lei Orgânica do Município, faz saber que o Legislativo aprovou e ele sanciona e promulga a seguinte Lei: Art. 1º Fica criado o Conselho Municipal de Saúde de Passo Fundo, nos termos da Lei Federal 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Art. 2º O Conselho Municipal de Saúde - CMS, terá caráter gestor e fiscalizador do Sistema Único de Saúde - SUS, à nível municipal. Art. 3º O Conselho Municipal de Saúde será composto por 32 (trinta e dois) membros e igual número de suplentes, sendo a duração do respectivo mandato de dois anos, permitida a recondução. Art. 4º Os membros de que trata o artigo anterior serão distribuídos em 02 (dois) grupos: Grupo l - Governo, prestadores de serviço e profissionais da saúde; Grupo 2 - Usuários. § 1º - A representação dos usuários será paritária em relação ao conjunto dos demais representantes. § 2º - Os membros do grupo 1, bem como do grupo 2, serão escolhidos em fórum especifico de cada grupo. § 3º - Os fóruns para a escolha dos representantes, serão convocados a cada 2(dois) anos pelo Conselho Municipal de Saúde, ou na omissão desse, pelo Prefeito Municipal, cabendo a este ainda, a convocação para a escolha do primeiro conselho. § 4º - Os representantes do Conselho Municipal de Saúde serão empossados pelo Prefeito Municipal, no prazo de 15 (quinze) dias da formalização da escolha. (Redação dada pela Lei nº 2852/1993) Art. 5º São competência do Conselho Municipal de Saúde, dentre outras, as seguintes atribuições, nos termos desta Lei: I - participar na elaboração e, aprovar o Plano Municipal de Saúde; (Redação dada pela Lei nº 3005/1995) II- exercer a fiscalização e gestão sobre o Sistema Único de Saúde, a nível municipal, inclusive, na gestão econômico-financeira do mesmo; III - participar no estabelecimento de diretrizes para a política de recursos humanos do Sistema Único de Saúde, em âmbito municipal; IV - analisar previamente e aprovar, nos termos da Lei, o credenciamento de todos os prestadores de serviço, bem como, os convênios ou contratos de direito público, assinados com os mesmos, que tenham finalidade de integrá-los no Sistema Único de Saúde, a nível municipal; V - analisar e deliberar sobre o relatório de gestão, apresentado pela Secretaria

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Municipal da Saúde e Meio Ambiente; VI - participar no estabelecimento de mecanismos de controle e avaliação sobre o Sistema Único de Saúde, a nível municipal. (Redação dada pela Lei nº 3005/1995) VII - proceder a fiscalização sobre atividades administrativas e econômico-financeiras do Fundo Municipal de Saúde; VIII - atuar na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde em âmbito municipal; IX - aprovar e fiscalizar a programação e orçamentação da saúde - PROS; X - analisar e deliberar sobre o percentual de contrapartida dos recursos financeiros para o SUS, de responsabilidade direta do Município; XI - analisar, deliberar, encaminhar e/ou propor soluções para problemas relacionados a ações, serviços e outras questões de saúde. Art. 6º Caberá ao plenário do Conselho Municipal de Saúde, elaborar e aprovar o seu próprio Regimento Interno, o qual deverá regular todas as atribuições atividades e direção do órgão colegiado, após a homologação do Prefeito Municipal. Art. 7º As decisões aprovadas pelo Conselho Municipal de Saúde e referentes ao Sistema Único de Saúde, a nível municipal, deverão ser homologadas pelo Prefeito Municipal, nos termos da lei. Art. 8º A função de conselheiro do Conselho Municipal da Saúde, será exercida gratuitamente, sendo considerada como contribuição de relevância, para a saúde da população local. Art. 9º Caberá ao Poder Executivo colaborar com o Conselho Municipal de Saúde, no sentido de permitir o permanente funcionamento do órgão colegiado, no pleno exercício de suas atribuições legais. Art. 10 - Revogadas as disposições em contrário, esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação. GABINETE DO PREFEITO, Centro Administrativo Municipal, em 17 de dezembro e 1992. Econ. CARLOS ARMANDO SALTON Prefeito Municipal