A IMPORTÂNCIA PEDAGÓGICA DOS POETAS HESÍODO E … · doi: 10.4025/10jeam.ppeuem.03064 ......
Transcript of A IMPORTÂNCIA PEDAGÓGICA DOS POETAS HESÍODO E … · doi: 10.4025/10jeam.ppeuem.03064 ......
1
doi: 10.4025/10jeam.ppeuem.03064
A IMPORTÂNCIA PEDAGÓGICA DOS POETAS HESÍODO E
HOMERO NA EDUCAÇÃO DOS JOVENS NA GRÉCIA ANTIGA
WIEZEL, Augusto Henrique Gaia (UEM-GTSEAM)
MURARI, Juliana Cristhina Faizano (UEM-GTSEAM)
CAPORALINI, José Beluci (DFL/UEM-GTSEAM)
Introdução
A primeira forma de educação na Grécia antiga, a do chamado período homérico,
não possuía nenhuma organização institucional específica ou um método extremamente
elaborado. Era uma educação que consistia essencialmente num treino de atividades
práticas definidas. O treino para as necessidades mais humildes da vida era realizado em
casa. Contudo, a educação homérica continha os germes da teoria do desenvolvimento da
personalidade. Compreendia o duplo ideal do homem de ação e de sabedoria.
Nos mitos tanto hesiódicos quanto homéricos encontramos personagens de extrema
bravura, honestidade, sabedoria e um elevado senso de justiça. Esses heróis, como Aquiles,
Ulisses e Heitor se tornaram arquétipos para os gregos, e esses tinham o dever de buscarem
ser semelhantes aos seus heróis. O homem grego aprende desde pequeno a respeitar os
deuses e a crer em seus mitos. Essas histórias ainda que fantásticas buscavam a formação
de um cidadão ético, justo e sábio.
Esse modo de educação pretendia educar a criança para viver em sociedade, era um
educar para a boa convivência entre todos os cidadãos. Segundo Jaeger toda educação é o
resultado da consciência viva de uma norma que rege uma comunidade humana. A
educação participa da vida e do crescimento da sociedade, tanto no seu desenvolvimento
exterior quanto no seu desenvolvimento espiritual1.
1 JAEGER, W. Paidéia, 1986, p.4.
2
A história da educação está essencialmente condicionada pelos valores válidos em
cada sociedade. A Grécia ocupa uma posição singular, é ela que cria pela primeira vez um
ideal de educação que busca englobar o homem dentro de uma comunidade, formando
assim a idéia de cultura. Ao criar essa cultura própria, a educação grega elabora todo um
significado prenhe de sentidos que seriam absorvidos pela cultura ocidental.
A importância universal dos gregos como educadores deriva da sua nova concepção
do lugar do indivíduo na sociedade. A educação ocidental desde o seu nascimento até hoje,
recebe influências desse modo grego de educar.
Os gregos e a educação
Os gregos ocupam uma posição singular; em comparação com os povos do Oriente,
os gregos representam um progresso no que se refere à vida dos homens, principalmente a
vida pública, em comunidade. Os povos orientais se preocupavam em preservar as
tradições, em reproduzir o que era feito no passado, os gregos por sua vez procuravam
valorizar o desenvolvimento individual e inédito, dentro de um contexto da pólis, da
comunidade. O progresso das sociedades gregas se deu, sobretudo pela liberdade de
expressão e valorização das inúmeras formas de atividades; pelo cultivo e valorização do
novo.
A educação então vai se expressar em cada um de seus membros e acompanhar o
desenvolvimento dos valores característicos das comunidades, assim a formação social
depende desse desenvolvimento espiritual contido nos valores. A educação está integrada
na estrutura interna da comunidade, diz Jaeger. Desse modo, a estabilidade ou ruína2 da
mesma dependem da solidez dos fundamentos da educação. A ruína ocorre devido à
destruição ou decadência interna da tradição; como resultado disso surge na comunidade a
debilidade, a falta de segurança e até mesmo a impossibilidade absoluta de qualquer ação
educativa.
Toda educação é assim o resultado da consciência viva de uma norma que rege uma comunidade humana, quer se trate da família, de uma
2 JAEGER, W. Paidéia, 1995, p.4.
3
classe ou de uma profissão, quer se trate de um agregado mais vasto, como um grupo étnico ou um Estado3.
Segundo Jaeger por mais elevados que julguemos as realizações artísticas,
religiosas e políticas dos povos anteriores, a história daquilo a que podemos com plena
consciência chamar cultura só começa com os gregos4. A Paidéia, em seu caráter
particular, é um esforço para gerar um elevado tipo de homem e com essa vontade de algo
sempre melhor. A noção de cultura que está a ser exposta é a de um ideal propriamente
grego de formação humana5. A educação se expressa na cultura, uma vez que essa
educação se dá em uma construção espiritual e também física, a cultura não era externa ao
homem, mas sim interna. Os gregos já eram criados desde criança na Paidéia, pois o
significado primitivo ou primordial é o de “criação dos meninos”6; então desde crianças
essa cultura está enraizada nelas, pois eram formadas pelos costumes e valores gregos.
Pode-se notar que a Paidéia entre os gregos era consciente e não ao acaso; essa aculturação
forma o ideal do que é o homem na Grécia.
Os gregos criaram o modelo de educação que nós hoje viríamos chamar de liberal.
Aquela educação em que o povo tem consciência de sua liberdade e faz uso dela. As
características educacionais gregas ajudaram, em muitos aspectos, a fundamentar o modelo
educacional moderno. A educação, a Paidéia grega, plantou suas sementes que floresceram
no modo de se educar nos séculos vindouros no Ocidente.
Os gregos foram os primeiros a elaborarem o conceito de liberdade dentro do
Estado; eles criaram a idéia de que a educação deve ser dirigida para a vida em sociedade,
criaram, ou ao menos preparam o que viria ser compreendido posteriormente como o
conceito de cidadania. Com a valorização do indivíduo as diversas personalidades tiveram
a chance de se desenvolverem, fazendo com que os jovens se inclinassem a interesses
também diversos dependendo de sua preferência. Segundo Monroe7 foram os gregos os
3Idem, ibidem. 4 JAEGER, W. Paidéia, 1986, p.5. 5 JAEGER, W. Paidéia, 1995, p.7. 6Idem, p.25. 7 MONROE, Paul. História da educação, 1979.
4
primeiros a cumprir a missão de aplicar a inteligência a todas as fases da vida; foram eles
que primeiro lutaram por viver de acordo com a razão.
De acordo com a razão cada um tinha o direito de determinar o que seria melhor
para sua vida, cada indivíduo separadamente poderia escolher os motivos pelo qual a vida
vale a pena ser vivida. Valores como a arte, a política, a poesia, a ciência, a religião, etc.
eram cultivados e valorizados na sociedade grega de então. As pessoas tinham de maneira
autônoma e independente suas próprias razões de viver. E até hoje a educação procura
seguir essa idéia; educar a fim de que as pessoas por si mesmas encontrem suas razões de
viver. Os séculos posteriores consideraram sempre a Antiguidade clássica como um
tesouro inesgotável de saber e de cultura, quer no sentido de uma dependência material e
exterior, quer no de um mundo de protótipos ideais8.
A educação grega é dividida em dois períodos: o chamado período homérico e
período histórico. É no primeiro período que a sociedade passa por muitas transformações
e no qual se desenvolveram os sistemas educacionais. A educação relativa ao primeiro
período é a que seria herdada nas gerações posteriores. Nesta época a educação não
possuía nenhuma instituição específica, como uma escola, ou faculdade, não havia um
lugar no sentido de espaço físico, como um prédio ou uma sala onde as pessoas se
dedicassem ao estudo. A educação era voltada, sobretudo para a prática de atividades
físicas e não se dedicava a trabalhos literários. Os ensinamentos sobre aquilo que era
minimamente necessário para a vida era aprendido em casa, com a convivência da família
e com as pessoas próximas; os jovens tinham contato com aquilo que praticamente não
poderiam viver sem saber, quando adultos. Nas guerras e nos conselhos, nas assembléias
da cidade, da polis, os jovens aprendiam o que era preciso no que diz respeito à vida
pública.
Homero no dizer de Platão foi “o educador da Hélade” (thn Hlada pepaideuken)9.
De fato, Homero deu ao povo grego, juntamente com a paidéia, a língua, as artes e a fé
religiosa nos seus deuses olímpicos. A Ilíada e a Odisséia são os textos básicos da paidéia
grega.
8 JAEGER, W. Paidéia, 1986, p.19. 9 Platão, República, X, 606 e.
5
Os pais dessa formação, como expressa Platão, foram sem dúvida os poetas. Uma
vez que os gregos nunca falaram da ação educadora da contemplação e da intuição das
obras de arte10, só aqueles que esculpem os homens vivos têm o direto a serem educadores.
Por exemplo, os poetas, os filósofos, os músicos, os retóricos e demais. A importância de
Hesíodo e Homero está em ajudar a fundamentar esses valores propriamente gregos e
passá-los de geração a geração pelas suas epopéias lendárias. Isto iria possibilitar a
abertura dessa educação individual, que se encontra no mundo contemporâneo.
Desse modo Homero, através de seus poemas acima mencionados, poemas esses
que eram transmitidos pela oralidade através das gerações criou um ideal de homem,
produziu uma espécie de arquétipo que deveria ser seguido por todos os homens gregos.
Nos mitos homéricos encontramos três personagens que deveriam nortear a educação dos
jovens na Grécia são eles: Aquiles, Heitor e Ulisses, que correspondem consequentemente
às duas obras atribuídas a Homero: Ilíada e a Odisséia. Esses três personagens
representavam um ideal de virtude, bravura, temperança, poder e sabedoria. A figura
desses heróis, muitas vezes comparados aos deuses, representava um modelo estereotipado
que deveriam ser seguidos por todos; os jovens deveriam procurar ser iguais aos seus
modelos e era principalmente nisso que consistia a educação homérica. Para Homero e
para o mundo da nobreza desse tempo, a negação da honra era, em contrapartida, a
maior tragédia humana. Os heróis tratavam-se mutuamente com respeito e honra
consoantes. Assentava nisso toda a sua ordem social11.
Esse ideal de um homem que age guiado pela razão, que é bravo, astuto, bondoso,
piedoso, continua mesmo depois que os ideais filosóficos estão inseridos no contexto
grego. Os gregos eram contra os excessos da vida; um bom homem deveria ser sempre
guiado pela temperança, isto é, pela exata medida, nunca errar pela falta ou pelo excesso,
tudo deveria ter uma exata medida entre os extremos; ao idealmente.
Podemos observar claramente essa noção de mediania em uma passagem de Os trabalhos e
os dias, escrito por Hesíodo, onde esse procurando alertar seu irmão diz: “Néscios, não
sabem quanto a metade vale mais do que o todo12.”
10 JAEGER, W. Paidéia, 1995, p.18. 11 JAEGER, W. Paidéia, 1986, p.31. 12 HESÍODO. Os trabalhos e os dias, 2002, p.25.
6
Os gregos foram adquirindo gradualmente consciência clara do significado deste processo mediante aquela imagem do Homem, e chegaram por fim, através de um esforço continuado, a uma formação, mais segura e mais profunda que a de nenhum povo da Terra, do problema da educação13.
A educação homérica
É com Homero que temos os primeiros registros sobre educação; que começa
gradualmente as sementes da futura história da educação. O grande projeto educacional de
Homero estendeu-se sobre todo o território grego e depois sobre toda a cultura ocidental.
Homero teve a genial idéia de reunir as inúmeras histórias populares, que eram contadas de
geração após geração. Até ele essas histórias eram transmitidas oralmente e explicavam a
origem e o sentido das coisas, era um modo de explicação, de resposta aos
questionamentos aos diferentes aspectos da vida daquele povo. A essas histórias
denominam-se mitos.
Por mitos se entendem narrativas fantásticas, que contém uma certa sabedoria
popular, ensinam sobre a vida, sobre os fenômenos naturais e ilustram as crenças daquela
civilização. Os gregos realmente acreditavam em seus mitos; essas histórias faziam parte
daquela civilização, estavam intrínsecas a ela e constituíam o caráter básico daquela
cultura. Os gregos viam o sol, a chuva, ou se deparavam todos os dias com as pessoas
morrendo ou nascendo, ou ainda ficavam tristes, alegres, eram leais ou traídos e se
perguntavam “por quê?” Procuravam nos mitos explicações sobre todas essas coisas e
outras. Nessas narrativas os deuses são colocados como responsáveis das diversas
situações sejam elas ruins ou boas. Até mesmo porque, segundo o poeta Teógnis, “Nenhum
homem... é responsável pela sua própria ruína ou pelo seu sucesso: os deuses são os
doadores de ambas as coisas14.” São esses mesmos deuses que fazem o sol nascer e ir
embora todos os dias. Mesmo sendo histórias onde o sobrenatural impera elas já continham
embrionariamente o conhecimento que seria desenvolvido posteriormente, no chamado
pensamento filosófico. Nos mitos pode-se encontrar uma busca e preocupação com o
13 JAEGER, W. Paidéia, 1995, p.15. 14 Teógnis, 133-136. Apud DODDS, E.R.. Os gregos e o irracional, p. 38.
7
racional, essa busca pela razão em tudo na vida, assim como as ações humanas e a vida em
sociedade é que irão se desenvolver como um modelo pedagógico posteriormente.
Os mitos eram uma forma de conhecimento, um meio pelo qual o homem
procurava entender o mundo que o rodeava. Essas lendas também tinham uma função
educativa na medida em que procuravam indicar o modo como o ser humano deveria se
comportar. Nas histórias encontravam normas de comportamentos, não como um manual
de instruções que diziam “faça isso ou faça aquilo”; através das aventuras dos heróis o
povo encontrava um modelo que deveria ser seguido, vendo a conduta do herói durante a
sua saga as pessoas buscavam ser como eles. Os heróis encontrados na Ilíada e na Odisséia
incorporam as características fundamentais de ser humano ideal, do seu ethos. De fato, em
Aquiles, Heitor, Ulisses e em outros heróis encontra-se um modelo, um arquétipo que
deveria ser imitado; neles encontram-se as virtudes que compõem o homem ideal, quase
perfeito.
Segundo Jaeger o coração do poeta está com os homens que representam a elevação da sua cultura e costumes, e isso se percebe passo a passo. A contínua exaltação que faz das suas qualidades tem, sem dúvida, uma intenção educativa. [...] A posição e o domínio preeminente dos nobres acarretam a obrigação de estruturar os seus membros desde a mais tenra idade segundo os ideais válidos dentro de seu círculo. A educação converte-se aqui, pela primeira vez, em formação, isto é, na modelação do homem integral de acordo com um tempo fixo.15
Por isso Homero é chamado de educador dos gregos, isso porque através de suas
histórias ele ditou o modo comportamental daquela época, os jovens eram educados tendo
em vista a figura do herói. Os homens deveriam, na medida do possível, possuir as virtudes
de Aquiles, Heitor ou Ulisses; cabia ao ser humano tentar se espelhar nesses heróis. Em um
tempo onde não havia leis, nem normas morais escritas, não havia outro modelo a ser
seguido, ao não ser o dos homens das tradições mitológicas. Nos mitos, geração após
geração, os pais ensinavam aos filhos que um comportamento digno de um homem de
verdade era um comportamento como o de Aquiles, Heitor ou Ulisses; esses ouviam as
histórias que eram contadas pelos seus antepassados e procuravam agir como agiram os
heróis.
15 JAEGER, W. Paidéia, 1986, p.44,45.
8
Esse comportamento educacional transmitido de forma oral na época trazia consigo
uma série de ensinamentos que consistiam em honrar os deuses, honrar pai e mãe, respeitar
os estrangeiros e também uma série de preceitos sobre a moralidade externa e regras de
prudência para a vida. Segundo Jaeger essa educação se apresentou ainda como
comunicação de conhecimentos e aptidões profissionais que no conjunto os gregos
denominaram de techne16. Já o aspecto formativo encontrado em Homero se resume na
arete que é significativamente o atributo da nobreza; a vontade do poeta foi de formar um
tipo de homem aristocrático, nobre, dotado de excelência em uma imagem ideal de como o
homem deve ser. O que é fundamental nessa imagem é o kalóv, a beleza no sentido
normativo da imagem ideal. A arete é própria dos aristoi, mas esta palavra não é usada
pelos gregos para designar apenas a excelência dos melhores homens, mas também a
excelência dos deuses e a excelência dos animais. E além desse caráter de nobreza moral
que só é reconhecida uma vez nos livros finais por Homero a “arete” sempre teve uma
conotação de virtude guerreira, avaliando a força, a destreza e acima de tudo o heroísmo. A
força nesse sentido não está desligada do contexto moral de uso da força, mas ambas se
apresentam intimamente ligadas.
O adjetivo agathós que embora proceda de outra raiz, corresponde ao substantivo
“arete”; o significado de agathós continha em si a nobreza e a bravura, e este significado
variava nas situações, e poderia ser nobre, às vezes valente ou hábil. Este termo se
apresenta como unificador desde a perspectiva moral de ação e do ponto de vista do
guerreiro da ação; agathós aplicado ao guerreiro o torna não só um homem bravo, valente,
mas também um homem de deveres e feitos éticos e o mesmo ocorre ao nobre. A arete
possuía um componente de virtude moral em seu significado, mas nessa época agathós
ainda não o possuía; posteriormente viria a ter o sentido de bom. Esse ideal de homem
encontrado nas obras homéricas em ato é o Kalo9v kagaqo0v, que é semelhante nos dias de
hoje ao homem refinado; o Kalos kagathos era o nobre aristocrata de virtudes que as
epopéias de Homero visavam formar. A nobreza é a fonte do processo espiritual pelo qual
nasce e se desenvolve a formação de uma nação17.
16 JAEGER, W. Paidéia, 1995, p. 23. 17 Idem, p. 24.
9
Na arete então podemos encontrar essa formação cavalheiresca dos aristocratas,
mas não existia apenas a arete para a formação espiritual e física do masculino, mas
também para o próprio sexo feminino. A mulher possuía, nesse período homérico, a sua
própria formação particular que é a formosura. O culto do homem valoriza os méritos
corporais e espirituais e o culto da mulher valoriza a sua beleza e sua formação cortesã de
todas as idades cavalheirescas, o que seria para o homem ser o homem refinado,
cavalheiresco. As suas virtudes estão na modéstia e no desembaraço do lar. Entre os gregos
havia uma divisão de áreas entre os sexos e essa divisão era representada pelos deuses
Hermes e pela deusa Héstia. Hermes representava o mundo masculino que era na polis, a
vida pública, o comércio, o governo da cidade e Héstia representava a vida caseira, os
cuidados com o lar, com os filhos; governar a casa era tarefa da mulher. Penélope e Helena
são grandes exemplos do culto feminino; Helena na Ilíada é uma mulher de beleza
radiante, à qual os homens prestavam homenagens e Penélope, na Odisséia, esposa de
Odisseu, era muito louvada por sua moralidade rígida e virtudes caseiras. Helena na
Odisséia é apresentada como o protótipo de grande dama, modelo de distinta elegância e
de soberana forma e representação social. Helena em sua conversa com o hóspede
Telêmaco demonstra sua graciosa aparência familiar. Arete, esposa do príncipe Feace, é
venerada como uma divindade; sua presença acaba com disputas e ela intercede e
aconselha na decisão de seu marido. Para Jaeger o período nomeado de homérico foi o
período em que as mulheres melhor tiveram destaque e condições sociais na Grécia, e não
mais voltou a ser tão elevada quanto nesse período de cavalaria. Nessa época a mulher era
tratada com cortesia e esta é fruto de uma cultura antiga de elevada educação social; a
mulher era a mantenedora e guardiã dos mais altos costumes e tradições18.
No poema mais antigo a Ilíada, encontra-se predominantemente a força bruta e o
guerreiro é a figura central. O comportamento do homem não está voltado apenas para a
vida pública, em sociedade, mas para suas atitudes na guerra. A figura do herói, nesses
poemas, está sempre inserida em alguma batalha e o que determina suas virtudes é sua
bravura, lealdade para com o seu país, coragem e espírito de liderança. Segundo Jaeger
para o herói a luta e a vitória são a distinção mais alta e o conteúdo próprio da vida. Os heróis da Ilíada, que se revelam no seu gosto pela guerra e na sua aspiração à honra como autênticos representantes da sua classe, são,
18 JAEGER, W. Paidéia, 1995, p. 47.
10
todavia, quanto ao resto da sua conduta, acima de tudo grandes senhores, com todas as suas excelências, mas também com todas as suas imprescindíveis debilidades. É impossível imaginá-los vivendo em paz: pertencem ao campo de batalha. Fora dele só os vemos nas pausas do combate, nas suas refeições, nos seus sacrifícios, nos seus conselhos.19
O cenário dos poemas é sempre composto por lutas onde o mais valente é aquele
mais respeitado por todos. Pode-se dizer que esse modelo é reflexo da vida daquele tempo,
corresponde historicamente a um período em que a civilização ainda não estava
consolidada; o homem dessa época se via constantemente em guerra, suas tribos migravam
sempre e lutavam entre si.
Na Odisséia encontra-se um cenário diferente; efetivamente, Ulisses aparece como
um rei, um marido e um pai que deseja regressar à sua casa. Nota-se o refinamento de
Ulisses e dos pretendentes de Penélope. Através das manifestações culturais como o
comer, o beber, o cantar ou celebrar, percebe-se o quanto o mundo grego já está
consolidado e o homem, e também a figura do herói, está muito mais centrada em sua casa
do que na guerra. Agora ele tem uma terra natal fixa e para ela vive envolto em muitos
costumes, como as libações que esse deve fazer aos deuses, ou o respeito à tradição, ou a
rainha que tem obrigatoriamente de escolher um novo rei já que Ulisses está ausente há
mais de vinte anos. O homem se vê dentro de uma cidade, de uma comunidade onde
prevalecem leis jurídicas e regras morais.
Na Ilíada há o herói na batalha, na Odisséia ele aparece após ela. Diz Jaeger:
A nobreza da Odisséia é uma classe fechada, com intensa consciência dos seus privilégios, do seu domínio e dos seus costumes e modos de vida refinados. Em vez das grandiosas paixões das figuras sobre-humanas e dos trágicos destinos da Ilíada, deparamos no novo poema com grande número de figuras de estatura mais humana.20
Nesses dois poemas vê-se claramente o que Homero concebia como expressão de
seu próprio pensamento conjugado com a realidade por ele percebida. Há aqui uma
passagem do “primitivo” para o já “civilizado”, onde o guerreiro é substituído pelo cidadão
polido. Homero ao ressaltar as características do herói, enquanto força bruta, na Ilíada, e
19 JAEGER, W. Paidéia, 1986, p.41. 20 Idem, p.43.
11
astúcia na Odisséia, mostra sua preocupação e o objetivo da sociedade em dois momentos
diferentes. A clara mudança do predomínio da força para um aspecto mais humano revela
uma evolução e um progresso dentro de um determinado período histórico e aponta para
um diferente ideal de homem.
Homero, assim como afirmou Platão, foi o educador primeiro da Grécia. Ele guiou
durante muitos séculos o modo pelo qual os jovens deveriam se comportar e o que
deveriam aprender para estarem prontos para a vida dentro de um ambiente coletivo.
Mesmo depois de a Grécia procurar sobrepor ao pensamento mítico o pensamento
filosófico, as pessoas ainda recorriam aos poemas para idealizar modelos de virtude, justiça
e coragem. Quando se procura mostrar homens dignos e merecedores de glória, ontem
como hoje, recorre-se às figuras heróicas, como Aquiles, Heitor e Ulisses, no passado e às
personagens marcantes de hoje.
Hesíodo e seu papel pedagógico
Outro poeta importante para a história da educação é Hesíodo, que juntamente com
Homero, formou o ideal pedagógico da Grécia. Contudo, Homero se preocupa e ilustra a
vida dos heróis dentro de uma esfera urbana, participante de uma comunidade em
constante progresso, acentua os valores da nobreza, dos costumes, das tradições, no
refinamento dos heróis. Hesíodo, por outro lado, revela a realidade do campo, a vida rural
e mostra uma enorme preocupação com o conceito de trabalho e justiça. Há, pois, ênfase
diversa em um e outro poeta, quanto à sua preocupação formativa já que sublinham valores
educativos e culturais complementares, porém diversos.
Em Hesíodo revela-se a segunda fonte de cultura: o valor do trabalho. [...] O heroísmo não se manifesta só nas lutas em campo aberto, entre os cavaleiros nobres e seus adversários. Também a luta silenciosa e tenaz dos trabalhadores com a terra dura e com os elementos tem o seu heroísmo e exigem disciplina, qualidades de valor eterno para a formação do homem.21
Hesíodo nasceu e viveu em Ascra no século VIII a.C. e dedicou-se ao cultivo da
terra, provável herança de seu pai. O próprio Hesíodo relata na sua obra Teogonia a
21 JAEGER, W. Paidéia, 1986, p.85.
12
experiência mais importante de sua vida: diz que quando apascentava suas ovelhas
aproximaram-se dele as Musas e a voz delas despertou nele, o poeta, a inspiração e desse
modo sentiu-se chamado a cantar coisas passadas e futuras, reconhecendo assim sua
missão intelectual.
Na Teogonia, encontra-se uma tradição de procedência diversa, misturada de
maneira muito variada com aquilo que Hesíodo concebeu como expressão do seu próprio
pensamento. A Teogonia descreve um desenvolvimento, que vai do caos até o mundo
organizado; nesta obra há um esforço de pensamento pré-racional que é sustentado pela
causalidade mítica e isto abrirá caminho, posteriormente, para cosmogonias filosóficas.
Em seu primeiro poema Teogonia ele mostra como se deu a organização do mundo
e de suas partes naturais, dos deuses e sua criação. Em Os trabalhos e os dias, o poema que
mais interessa aqui, ele quer relatar como se deu a organização do mundo terreno, dos
mortais e como esses se diferenciam dos deuses. Nesta obra Hesíodo descreve como se deu
a organização e criação dos mortais e os fundamentos que englobam o ser humano.
Os trabalhos e os dias é composto por vários poemas que se ligam e dão
sustentação ao todo, englobam um problema crucial e que preocupa Hesíodo nesta época: a
justiça. Esta obra foi escrita em um momento em que Hesíodo passava por um problema
pessoal, a saber, seu pai havia feito a divisão de terras que havia deixado para ele e seu
irmão. Contudo, devido a uma trapaça de seu irmão este fica com a totalidade dos bens e
Hesíodo acaba pobre; sentindo-se profundamente injustiçado, em consequência disso, ele
invoca a justiça de Zeus para o seu caso pessoal e também para todos, já que não lhe é
possível confiar na justiça dos homens e expressa isto em Os trabalhos e os dias.
Assim como em Homero há a evolução de pensamento do primeiro poema para o
segundo, do mesmo modo na Teogonia encontra-se predominantemente o sobrenatural, o
mítico; no segundo, Os trabalhos e os dias, Hesíodo se revela um poeta muito mais
humano e humanizado. Em Os trabalhos e os dias ele quer mostrar um ideal de homem,
assim como na Odisséia de Homero e seu Ulisses, mas dessa vez Hesíodo ensina não pelo
que se faz mas sim dizendo aquilo que não se deve fazer. Ele mostra como as raças e povos
que se corromperam pelo ódio, pela cobiça e principalmente pela falta de justiça
sucumbiram, se autodestruíram.
Hesíodo clama a seu irmão Perses que abra os olhos para a justiça e para o trabalho, e diz
que se isso ele não fizer, a prosperidade e a sorte andarão sempre longe dele. Isso com
13
certeza representa um modelo educacional, através do qual Hesíodo quer revelar o valor do
trabalho e da justiça, de certa forma preparando a mente dos jovens para seguir esse
caminho. Ele revela que se os jovens assim não forem a sociedade se destruirá. Hesíodo
aponta para um conceito de justiça, para a superioridade da Dixh0 sobre a Hubriv, ou seja,
da justiça sobre a injustiça, ou da medida sobre a desmedida. Essas duas forças estão
sempre dispostas igualmente para todos os homens, e esses têm que escolher.
Não há origem única de Lutas, mas sobre a terra duas são! [...] Pois uma é guerra má e o combate amplia, funesta! [...] A outra nasceu primeira da Noite Tenebrosa e a pôs o Cronida altirregente no éter, nas raízes da terra e para os homens ela e a melhor. [...] Ó Perses! Mete isso em teu ânimo: a Luta malevolente teu peito do trabalho não te afaste.22
Hesíodo formula um conceito que seria desenvolvido e usado até os dias de hoje, o
conceito de justiça. Ele procura mostrar o respeito pelo que pertence a outrem; aquilo que
não se adquire com o trabalho, não tem valor, de acordo com o pensamento hesiódico.
Trapacear, roubar ou manipular são situações inadmissíveis para o poeta; isto só prejudica
e mancha a sociedade. Hesíodo abordando a problemática da justiça foi assim o primeiro a
trazer à luz a questão do direito, que é até hoje em dia abordado nas leis contemporâneas.
Aquilo que é de direito, ou seja, que pertence a cada um de acordo com o seu valor deve
ser respeitado acima de tudo. Sem justiça a sociedade civilizada não é possível.
O papel pedagógico de Hesíodo consiste principalmente nisso, em mostrar à sociedade
grega valores sem os quais a vida em comunidade não pode prosseguir, porque não tem
sentido. Os jovens eram, portanto, educados dentro desses padrões; a poesia, com sua
sabedoria milenar dizia o que era correto fazer e o que não o era, mostrava o que era
preciso saber e ser para tornar possível a vida em coletividade.
A poesia como psicagogia
Jaeger nos abre os olhos para a fantástica visão de uma determinada poesia que é
um veículo estético, artístico e educativo. Na época dos antigos gregos e principalmente
22 HESÍODO. Os trabalhos e os dias, 2002.
14
nos tempos homéricos a poesia se apresentava como unificadora de conceitos particulares
da própria experiência vivida e de conceitos universais conhecidos pelo intelecto. Mas essa
determinada poesia só poderia ser educativa se suas raízes mergulhassem nas camadas
mais profundas do ser humano e esta tem de visar um ethos, deve haver anseio espiritual a
formar uma imagem do humano capaz de se tornar uma obrigação e um dever. Pode-se
constatar, nas obras homéricas, que é sempre evidente esse ideal de um homem guerreiro e
nobre que respeita a sua tradição e honra a sua palavra. A poesia só pode exercer uma tal
ação se faz valer todas as forças estéticas e éticas do homem.23
Os gregos chamaram essa educação dos valores elevados que se manifesta por meio
da expressão artística de psicagogia, essa arte tem o poder de conversão espiritual. Essa
forma de educar se compõem da validade universal e da plenitude imediata e viva, que
segundo Jaeger são condições importantes para a ação educativa.24 Dentro da poesia se dá
a plenitude dos sentidos que são compostas por experiências, mas essas carecem de valores
universais. Essas experiências, para alcançar o grau máximo de profundidade em seus
conceitos, acabam por sofrer muito a interferência dos sucessos acidentais, em outras
palavras, esses conceitos estão jogados ao acaso dessas interferências para se obter um
conhecimento concreto. Outro lado presente é o da reflexão, da filosofia que atinge a
essência das coisas, mas que atuam somente naqueles cujos pensamentos chegam a
adquirir a intensidade da abstração intelectual. Pela união dessas duas modalidades as
dificuldades de ambas são superadas tornando assim a poesia vantajosa sobre qualquer
ensino intelectual. Ressalta Jaeger que essas considerações não são de modo algum para as
poesias de todas as épocas25, nem mesmo para os próprios gregos. Homero foi grande
representante da cultura grega primitiva e suas cavalarias são reflexos involuntários da
realidade na arte e dessa realidade a poesia homérica se nutriu. A obra de Homero é
inspirada, na sua totalidade, por um pensamento “filosófico” relativo à natureza humana
e às leis eternas que governam o mundo. Não lhe escapa nada do essencial da vida
humana. O poeta contempla todo o conhecimento particular à luz do seu conhecimento
geral da essência das coisas.26
23 JAEGER, W. Paidéia, 1995, p. 63. 24 Idem. 25 Idem. 26 Idem, p. 77.
15
A presença do mito dentro da poesia possui uma inseparável e necessária união, o
mito permite o reconhecimento dos grandes feitos passados. A possessão e o delírio das
musas apoderam-se de uma alma sensível e consagrada, despertam-se e extasiam-na em
cantos e em toda a sorte de criações poéticas; e ela, enquanto glorifica os inúmeros feitos
do passado, educa a posteridade27. Este pequeno trecho permite-nos perceber como é
intrínseca a presença do mito no papel pedagógico do poeta em suas poesias. O mito não
educa pela comparação dos acontecimentos da vida corrente, mas sim pela sua própria
natureza. Está na natureza do mito ser de instância normativa; em seu âmago algo tem de
validade universal, mesmo tendo um caráter fictício o mito é o sedimento de
acontecimentos históricos que alcançaram a imortalidade através da longa tradição e de sua
interpretação enaltecida pela posteridade.
Os deuses e a formação dos homens
Tanto em Homero quanto em Hesíodo o pilar central de sustentação das poesias
míticas educacionais são os deuses. São eles porque estes são os que trazem a ordem e as
boas leis aos homens e os homens lhes prestam honras. Em reconhecimento a isso,
honram-nos através das libações e dos sacrifícios. Os deuses estão presentes como
mediadores das ações humanas e dessa mediação surge então o que pode ser identificado
como aquilo que é bom, virtuoso. Didaticamente os poetas ensinam como encontrar essa
mediação nos homens, mas não em qualquer homem, mas sim nos heróis e nobres
apresentados pelas tradições míticas do passado. Fica claro, nesse período chamado
homérico, que os homens sabiam o que é algo bom e algo mal, de acordo com a
determinação divina que está presente nos grandes homens. Isto é apresentado, por
exemplo, por Hesíodo em Os trabalhos e os dias; lá, com efeito, ele mostra que até mesmo
o tosco camponês agricultor possui virtude, pois este, que trabalha, que derrama seu suor e
dá seu sangue, está agindo como pede a divina Éris (discórdia), em sua manifestação boa
nascida da tenebrosa Nix (noite). Vê-se que o agricultor é dotado de virtude porque ele age
como a divindade lhe estabeleceu que agisse; e essa virtude agrária se dá no trabalho, que é
o bom conflito entre o solo e o homem, e este o torna bom. Do contrário se fosse como o
27 Idem, p. 67.
16
irmão preguiçoso de Hesíodo que contempla o conflito em prol de suas más ambições este
homem seria mal. Os deuses, conforme suas vontades, interferem pessoalmente na vida
humana. Eles delimitam suas ações, amaldiçoam, abençoam e condenam os homens
errantes a castigos; definitivamente os deuses são responsáveis, em boa parte, pelo destino
dos homens, apesar de eles também já terem seu próprio destino traçado, fazem com que
este se cumpra. Na Ilíada os deuses interferiam pessoalmente conforme sua vontade;
Poseidon mesmo contra a vontade de Zeus interferiu na guerra porque a sua vontade era a
de os Aqueus, que estavam sendo massacrados pelos troianos, ganhassem. Na Odisséia
Odisseu é castigado a vagar a esmo pelo oceano por ter desafiado Poseidon e lhe ser
ingrato com a ajuda na conquista de Tróia.
Pode-se observar que nos cantos dos dois poetas os deuses são pontos de
referências para a visão moral dos homens. Os deuses, de fato, são os juízes das ações de
tais homens e, se por ventura, algum homem tiver desonrado, roubado, caluniado etc., para
essas e quaisquer ações injustas há a intervenção divina para trazer novamente a
supremacia da justiça. Interessante notar que o homem causa a injustiça, mas só os deuses
podem restituí-la. Isto é muito evidente quando, na Ilíada, Aquiles pede à sua mãe, a deusa
Tétis, para que ela clame a Zeus para que este lhe estabeleça novamente a honra que lhe foi
tirada por Agamêmnon; em Os trabalhos e os dias o próprio poeta Hesíodo invoca a
justiça divina de Zeus, uma vez que este foi alvo das trapaças de seu irmão Perses, já que
este a própria justiça dos homens subornara; desde então o poeta só confia na justiça
divina.
Os deuses estão sempre interessados no jogo das ações humanas. Tomam partido
por este ou por aquele, conforme desejam repartir seus favoritos ou tirar vantagem. Todos
tornam o seu deus responsável pelos bens e pelos males que lhes acontecem. Toda
intervenção e todo êxito são obra dele. Também na Ilíada os deuses se dividem em dois
campos. Isto é crença antiga. Mas são novas algumas facetas da sua elaboração como o
esforço do poeta para manter, tanto quanto possível, na dissensão que a guerra de Tróia
provoca no Olimpo, a lealdade mútua dos deuses, a unidade do seu poder e a estabilidade
do seu reino divino. A causa última de todos os acontecimentos é a decisão de Zeus.
17
Mesmo na tragédia de Aquiles, Homero vê o decreto da sua vontade suprema. Os deuses
intervêm em toda motivação das ações humanas28.
Conclusão
Pode-se concluir que Hesíodo e Homero apesar de suas diferenças estruturais,
formaram o ideal pedagógico da Grécia. Tal ideal que influiria em todo o pensamento
ocidental e se perpetuaria até a contemporaneidade. O modelo criado por esses poetas foi
usado para educar milhares de gregos ao longo dos séculos e até hoje os heróis presentes
nos mitos são buscados quando se precisa de um exemplo de homem completo, verdadeiro,
possuidor de todas as características que compõem o homem perfeito, ideal.
Pode-se notar que apesar das diferenças pedagógicas dos poetas, em que um trata os
problemas do homem camponês e o outro os problemas do homem cidadão, urbano, ambos
conseguiram desenvolver satisfatoriamente uma educação universal mítica que se
harmoniza com a Diké e se opõe à Hybris. Os modelos então se complementam, cada um
em sua região de ação específica. Ambos procuram se afastar dos excessos, dos extremos,
das desmedidas. Os mitos são então meios e modelos de ação eficientes que apresentam
questões fundamentais de comportamento social, de como agir virtuosamente entre os
homens e perante os deuses. Nos mitos os deuses se apresentam de forma a sustentar os
modelos de virtude expostos; não só sustentar, mas de transmiti-los para os homens através
da inspiração divina dos poetas rapsodos. Os deuses não são só importantes para a cultura
grega, mas são sim fundamentais, pois estes são os pilares morais que sustentam a Paidéia,
tanto homérica quanto a hesiódica. Pelos mitos os jovens gregos são inspirados a serem
heróicos como Heitor, a serem honrados como Ajáx e a não ser como o injusto irmão de
Hesíodo: Perses.
Os valores necessários que estavam contidos nos modelos de formação poética dos
gregos, que eram necessários para a vida em sociedade, não se encontram presentes na
formação dos dias de hoje. Ideais de virtude, temperança e justiça são atributos
fundamentais que os jovens deveriam aprender e que hoje faltam na educação. Esses
valores não são muito comuns nos dias de hoje; o ensino não é mais direcionado para a
28 Idem, p. 79.
18
virtude e, às vezes, tem-se a impressão que esses valores, para muitos dos jovens de hoje,
não signifiquem muito, pois não são mais enfatizados no processo pedagógico e correm o
perigo de seu sentido esvair-se. Talvez seja o momento de se começar, ou melhor, se
continuar a repensar o ato pedagógico e não se esquecer de vinculá-lo a alguns valores
éticos. Tais valores, ao lado dos valores intelectuais, possam dar um fundamento mais
profundo e duradouro ao ato do conhecimento e da formação do futuro adulto que deve
sempre ser agente de ação propositiva na Sociedade.
REFERÊNCIAS
CAMBI, F. História da pedagogia. Trad. Álvaro Lorencini. São Paulo: Edunesp, 1999. FINLEY, M. I. O legado da Grécia. Trad. Ivette V.P. de Almeida. Brasília: EdUnB, 1998. HESÍODO. Os trabalhos e os dias. Introd., trad. e comentários Mary de C. N. Lafer. São Paulo: Iluminuras, 2002. ______. Teogonia: a origem dos deuses. Estudo e trad. Jaa Torrano. São Paulo: Iluminuras, 2003. HOMERO. Ilíada. Trad. Carlos A.Nunes. SãoPaulo: Tecnoprint, s/d. HOMERO. A Odisséia. Trad. Fernando C. de Araújo Gomes. São Paulo: Ediouro, 2004. JAEGER, W. Paidéia: a formação do homem grego. Trad. Artur M. Parreira. São Paulo: Martins Fontes, 1986. LARA, Tiago Adão. Caminhos da razão no ocidente: a filosofia nas suas origens gregas. Petrópolis: Vozes 1989. MONROE, Paul. História da educação. Trad. Idel Becker. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1979. MORAIS, Regis de. As razões do mito. Campinas: Papirus, 1988. ROSTOVTZEFF, M. História da Grécia. Trad. Edmond Jorge. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986. VERNANT, J.-P. As origens do pensamento grego. Trad. Isis B.B. da Fonseca. SãoPaulo: Difel, 1984. ______. Mito e pensamento entre os gregos. Trad. Haiganuch Sarian. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990. ______. O homem grego. Trad. Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Lisboa: Presença, 1993. ______. e NAQUET, Pierre Vidal. Mito e tragédia na Grécia antiga. Trad. Anna Lia A. de Almeida Prado e outros. São Paulo: Brasiliense, 1988.