A INCLUSÃO DA CAPOEIRA EM PROGRAMAS SOCIAIS … · tribais da África, criavam suas leis,...

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Fábio Borges Neto A INCLUSÃO DA CAPOEIRA EM PROGRAMAS SOCIAIS ESPORTIVOS: UMA ESTRATÉGIA PEDAGÓGICA OU REPRODUÇÃO DA PIRÂMIDE ESPORTIVA? Anápolis 2007

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Fábio Borges Neto

A INCLUSÃO DA CAPOEIRA EM PROGRAMAS SOCIAIS

ESPORTIVOS: UMA ESTRATÉGIA PEDAGÓGICA OU REPRODUÇÃO

DA PIRÂMIDE ESPORTIVA?

Anápolis

2007

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FÁBIO BORGES NETO

A INCLUSÃO DA CAPOEIRA EM PROGRAMAS SOCIAIS ESPORTIVOS:

UMA ESTRATÉGIA PEDAGÓGICA OU REPRODUÇÃO DA PIRÂMIDE

ESPORTIVA?

Trabalho apresentado ao Curso de Especialização em Esporte Escolar do Centro de Educação à Distância da Universidade de Brasília em parceria com o Programa de Capacitação Continuada em Esporte Escolar do Ministério do Esporte para obtenção do título de Especialista em Esporte Escolar. Orientador: Profª. Dr. Renato Sampaio

Anápolis

2007

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BORGES, Fábio Borges Neto

Pedagogia do esporte e capoeira. Anápolis, 2007.

28 p.

Monografia (Especialização) – Universidade de Brasília. Centro de Ensino a Distância, 2007.

1. Emancipação 2. Crítica 3. Intencionalidade.

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Fábio Borges Neto

A INCLUSÃO DA CAPOEIRA EM PROGRAMAS SOCIAIS ESPORTIVOS:

UMA ESTRATÉGIA DE INCLUSÃO SOCIAL OU REPRODUÇÃO DA

PIRÂMIDE ESPORTIVA

Trabalho apresentado ao Curso de Especialização em Esporte Escolar do Centro de Educação à Distância da Universidade de Brasília em parceria com o Programa de Capacitação Continuada em Esporte Escolar do Ministério do Esporte para obtenção do título de Especialista em Esporte Escolar pela Comissão formada pelos professores:

Presidente: Professor Mestre ou Doutor NOME DO ORIENTADOR

Universidade de ...

Membro: Professor Mestre ou Doutor NOME DO LEITOR

Universidade de ...

Anápolis (GO), de março de 2007.

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Dedico este trabalho aos meus pais José Azarias Neto e Suely

Borges Neto, e minha filha Bruna Ferreira Borges. E também, ao

meus alunos(as) e amigos que apoiam e ensinam a cada dia.

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AGRADECIMENTOS

Agradecemos a todos aqueles que, direta ou indiretamente contribuíram para a

elaboração desta monografia e, de modo especial à Universidade de Brasília pela

oportunidade de aperfeiçoamento profissional.

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“ Os filósofos interpretaram o mundo de diferentes maneiras, cabe a nós,

transformá-lo” Karl Marx

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RESUMO

A capoeira possui vários elementos que podem servir de estratégia pedagógica, contribuindo na formação de alunos críticos e participativos. Contudo, a não existência de uma fundamentação metodológica para o ensino da capoeira em escolas, pode encaminhar para uma mera atividade esportiva de competição, negando assim, seu poder educativo. Preocupado com o fato, objetivei com este trabalho, investigar a capoeira enquanto estratégia de inclusão social ou reprodução mercadológica da pirâmide esportiva fundamentada no capitalismo. Parti de um referencial teórico resgatando a história da capoeira e o processo de esportivização que ela vem sofrendo. Em seguida realizei uma pesquisa de campo em duas escolas públicas beneficiadas com projetos de capoeira, onde foram entrevistados seus respectivos professores de capoeira. Os resultados encontrados mostraram que não existe uma prática metodológica que dê suporte para o ensino da capoeira na escola, com compromisso político, e que esta prática está vinculada à disciplina Educação Física, exigindo uma aproximação do meio acadêmico com todos os envolvidos com o ensino da capoeira na escola, para uma verdadeira práxis.

Palavras-chave: Capoeira; Cultura Popular; Quilombo; Escola.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 10

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ............................................................................. 19

3 MÉTODO ................................................................................................................... 21

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO ................................................................................. 21

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS (OU CONCLUSÃO) .................................................. 24

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 26

APÊNDICES E ANEXOS ........................................................................................ 27

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1 INTRODUÇÃO

O Programa Segundo Tempo vem oferecendo acesso à práticas esportivas em escolas públicas, porém, esbarra no fracassado sistema educacional brasileiro.

Se, há alguns anos, era senso comum que tínhamos uma educação pública de péssima qualidade, escolas sucateadas, professores despreparados e mal pagos, enfim, todo um sistema educacional falido, hoje a avaliação da má qualidade do ensino público se mantém, apesar dos recursos garantidos a partir da constituição de 88 e das leis editadas nos anos 90. (MECHI, 2006, p. 03)

A falta de políticas educacionais comprometidas com a emancipação do povo

brasileiro comprova o domínio das elites sob as classes trabalhadoras, tendo como

consequência vários fatores, que vão desde a violência, a fome, a desigualdade social e o lento

crescimento econômico, onde Mechi (2006) ressalta que escolas sucateadas, sem infra-

estrutura, professores com excesso de carga horária devido os baixos salários, administração

ineficaz garantem a alienação social e o obscurecimento da ideologia.

Os esportes, o xadrez, a capoeira enquanto conteúdos oferecidos pelo Programa

Segundo Tempo sem uma fundamentação teórica ou uma formação continuada de quem está

ensinando, não garantem a democratização da prática esportiva, e sim oferecem acesso à

prática. Nesse sentido a capoeira enquanto conteúdo de Programas Sociais Esportivos

constitui uma estratégia de inclusão social ou é apenas uma reprodução mercadológica da

pirâmide esportiva fundamentada no capitalismo?

A capoeira é um dos Patrimônios Culturais do povo brasileiro, porém, no atual

estágio das forças produtivas, vem sendo coaptada pela ideologia dominante e se

transformando em uma atividade esportiva com fins mercadológicos. Nesse sentido, é dever

do poder público, incluir a capoeira nos Programas Sociais esportivos, como forma de

democratizar sua prática, para que a sociedade tenha acesso a esse bem construído

historicamente pelo povo brasileiro.

É relevante salientar que não basta apenas ofertar a capoeira, mas também, capacitar

e oferecer condições para que os professores possam intervir pedagogicamente e formar

cidadãos críticos e participativos.

Os autores que nos dão suporte teórico estão citados na bibliografia. Através da

observação dos alunos e professores e nas reflexões que norteiam nossa práxis, pesquisamos a

prática pedagógica de professores da Escola Municipal Realino José de Oliveira e do Colégio

Estadual General Curado, ambos situados na cidade de Anápolis, Goiás. Optamos pelo

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questionário pela possibilidade dos informantes dizerem o que têm feito ao longo de um

determinado período.

Consciente de que este trabalho monográfico não apresentará soluções mágicas para

políticas públicas de esporte e lazer, se suscitar discussões, atingirá um dos seus anseios.

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1.1 Um breve histórico da capoeira

Entendemos que a trajetória e os grandes momentos da própria constituição do povo

brasileiro perpassam pela questão cultural. O Brasil conta com a influência de ameríndios,

europeus e africanos em todos os setores de suas manifestações culturais, desde o vestuário,

linguagem, músicas, danças, vida familiar e trabalho, alimentação e até mesmo a forma

mística de ver o mundo.

Segundo Falcão, (1996), a capoeira é também fruto dessa sociedade, emergente do

pluralismo cultural brasileiro, é, portanto, uma questão que exige problematização com busca

de pressupostos teóricos e explicativos para que não se fixe no senso comum e se depare com

conceitos destituídos de conteúdo.

Os negros trazidos como escravos, eram retirados da sua terra natal, jogados nos

porões dos navios e levados para os novos horizontes recém descobertos pelas grandes

potências européias da época. Chegando à nova terra, “eram repartidos entre os senhores,

marcados a ferro em brasa e jogados nas senzalas imundas. Onde deveriam assegurar a posse

da nova terra, desbravá-la e transformá-la em grande produtora de riquezas para a Coroa

Portuguesa”. (AREIAS, 1984, p.11). “Os negros escravos, comandados pelos chicotes dos

feitores, derrubavam a mata, preparavam a terra, plantavam a cana para a produção do

açúcar”. (AREIAS, 1984, p.11). Após os trabalhos, cansados e castigados, eram recolhidos

nas senzalas, davam-lhes lavagem como ração e eram trancafiados, à espera do amanhã.

Afastados de suas famílias e dos seus hábitos e costumes, sem falar a mesma língua,

Areias (1984) relata que os negros eram divididos em grupos de dialetos diversificados para

dificultar-lhes a comunicação e eventual organização, de modo que se encontravam doentes,

subnutridos, o que dificultava lutar e reagir contra esse regime desumano.

Desejosos para livrar-se do sofrimento, os negros percebem a possibilidade da fuga,

fugindo em massa para as matas e agrestes nordestinos, formando os quilombos, sendo o

Quilombo dos Palmares um dos mais importantes.

Os Quilombos – redutos e coletividades marcantemente negros, e de predominância

bântu, região da África de onde os escravos eram trazidos, demonstraram a capacidade de

resistência à escravização, com o enfrentamento de seus defensores a inúmeras expedições

incumbidas da destruição das comunidades, não obstante a disparidade numérica e condições

de ataque favorecendo aos agressores. Apesar de tudo, os habitantes dos Qiolombos

escreveram uma página de heroísmo e valentia, deixando-nos o exemplo de luta contra a

opressão, conforme Souza (1986).

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Areias (1984) comenta que tais quilombos eram organizados a moda das sociedades

tribais da África, criavam suas leis, escolhiam um rei, Ganga Zumba, mais tarde substituído

por Zumbi. “Nos quilombos, os negros se escondem e se protegem, recebem negros fugidos

de todas as partes, se fortalecem e revivem com fé todas as suas manifestações culturais”.

(AREIAS, 1984, p.13). Imitando os animais e influenciados pelas manifestações culturais

africanas, deram origem a uma luta/jogo que ficou conhecida por capoeira, devido o terreno

onde exerciam essa prática corporal. Areias (1984) comenta ainda, que devido às invasões

holandesas (1624-1630) a vigilância sobre o escravo foi diminuída, conseqüentemente as

fazendas e engenhos do Nordeste sofreram uma desorganização temporária.

Por razões econômicas, a elite dominante do século XIX considerou mais lucrativo

realizar a abolição da escravatura e substituir os escravos africanos pelos imigrantes europeus.

Isso fez com que “o mercado de trabalho fosse ocupado pelos trabalhadores brancos

imigrantes e que a maioria dos escravos libertados ficasse no desemprego, sem qualquer

direito social, econômico e político”. (CHAUÍ, 2000, p. 289)

Com a Abolição da Escravatura, em 1888, o problema se agravara: os escravos libertos percorriam os grandes centros urbanos, residindo nos morros e periferias, circulando os locais de maior movimento: portos, estações ferroviárias, mercados e feiras. E, com os berimbaus, pandeiros, reco-recos, formavam suas rodas e vadiam freneticamente no jogo da capoeira. As cenas atraiam turistas, onde conseguiam algum trocado para o seu sustento. (AREIAS, 1984, p. 29)

Sem o trabalho, excluído por uma sociedade preconceituosa, considerada como

uma “raça inferior”, os negros “eram obrigados a assaltar, invadir repartições públicas e até

mesmo se vestindo de mulher para atrair turistas e aplicar-lhes o golpe”. (AREIAS, 1984, p.

30).

Caminhando cada vez mais para a marginalidade, surgem as maltas de capoeira,

segundo Pires (2004), no fim do século XIX e início do século XX, os escravos libertos e

homens brancos pobres aparecem organizados em maltas, ou seja, “grupo de indivíduos

organizados por freguesias (bairro)” (PIRES, 2004, p.17). Para Pires (2004), as maltas tinham

formação social, práticas políticas e rituais específicos. Areias (1984) relata que eram

extremamente traiçoeiros nos golpes e exímios no jogo da capoeira, principalmente no Rio de

Janeiro, constituíam-se verdadeiro terror para a burguesia e a classe média, no final do século

XIX. Trajavam de branco, com calça boca-de-sino que cobria todo o calcanhar, usavam

também um lenço de seda pura no pescoço, protegendo o colarinho de possíveis ataques com

navalhas. Freqüentemente, “os integrantes das maltas usavam uma navalha, ou uma faquinha

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de osso de defunto, ou uma faca feita de tucum (acreditavam possuir poderes mágicos contra

mandingas)”. (AREIAS, 1984, p. 31)

Onde houvesse aglomeração popular, lá estava os capoeiras, “aplicando seus

golpes, sempre vigiados pela polícia, às vezes, travavam lutas e surpreendiam os policiais,

deixando-os machucados”. (AREIAS, 1984, p. 31)

Desde 1626, no Rio de Janeiro, a classe que detinha o poder naquela época tinha a

preocupação de organizar uma polícia com finalidade de manter a tranqüilidade da cidade,

onde Areias (1984) comenta que desde que surgem os capoeiras-escravos fugitivos ou negros

libertos marginalizados, frutos da exploração e dominação da organização social e política

instituída pela classe dominante, há a preocupação em vigia-los. Em 1809, D. João VI, cria a

Guarda Real de Polícia, chefiada pelo major Nunes Vidigal, o terror dos negros libertos e dos

praticantes da capoeira, chegava nos quilombos, rodas de samba, candomblés e fazia misérias,

surrava e torturava, principalmente os capoeiristas. Todavia, com o regime republicano que se

deu na época áurea de repressão a capoeiragem, com Marechal Deodoro da Fonseca no poder,

preocupado com a ordem do novo regime, tem como objetivo o extermínio total dos

capoeiras.

Em 1890, o Governo Provisório cria o Código Penal que dá a capoeiragem um

tratamento específico: - Fazer nas ruas e praças públicas exercícios de agilidade e destreza corporal conhecidos pela denominação capoeiragem; será o autuado punido com dois a seis meses de prisão”. _ É considerada circunstância agravante pertencer o capoeira a alguma banda ou malta. _ Aos chefes e cabeça se imporá a pena em dobro. _ No caso de reincidência será aplicada ao capoeira, no grau máximo, a pena do artigo 400. _ Se for estrangeiro, será deportado depois de cumprir a pena. _ Se nesses exercícios de capoeiragem perpetrar homicídio, praticar lesão corporal, ultarjar o poder público e particular, perturbar a ordem, a tranqüilidade ou a segurança pública ou for encontrado com armas, incorrerá cumulativamente nas penas cominadas para tais crimes. (AREIAS, 1984, p. 42)

Em um dos cânticos, percebemos tal repressão: Ê vem à cavalaria/Da princesa Teodora/”. Cada cavalo uma sela/ Cada sela uma senhora/ Camarada vamo imbora/ Pra saí dessa jogada/ A festa ta muito boa/ Mas vai ter muita porrada. (AREIAS, 1984, p. 44)

Sampaio Ferraz, chefe de polícia da época, com total liberdade e absoluta autoridade para fazer cumprir a lei e conhecedor dos capoeiras, pouco a pouco, começou a deportar os capoeiras para Fernando de Noronha, onde ficariam certos tempos

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empregados em serviços forçados. Desse modo, os liberais republicanos conseguem desmantelar as maltas e exterminar os seus chefes. (AREIAS, 1984, p. 45)

Mas a capoeiragem continuou sua história, luta de resistência não apenas dos

negros, mas, de toda camada social explorada e oprimida, e encontrou no mestiço o seu

praticante e discípulo. Transformada em verdadeira luta acrobática, aperfeiçoada para livrar-

se da perseguição dos poderosos, os capoeiras continuavam fazendo história.

A capoeira resistiu à repressão e a perseguição, seus praticantes ensinaram às

gerações futuras, usando o berimbau tanto como instrumento que avisava da aproximação da

polícia quanto como arma, “Quando os tocadores, ao serem perseguidos e cercados,

desarmava-se o berimbau e colocavam uma foice em uma das extremidades da madeira para

enfrentar os soldados”. (AREIAS, 1984, p. 61)

Em 1929, com a quebra da Bolsa de Nova Iorque, o Brasil encontra-se na iminente revolta popular, a partir daí, alguns setores da classe dominante contrários à política do governo, reconhecem a necessidade de se encontrar um novo modelo político para o país. E através da revolução “Nacionalista” de 1930, liderada por Getúlio Vargas, foi a forma como a burguesia encontrou para escapar do colapso econômico e manter o controle sobre as forças sociais do país. Em 1932, Getúlio Vargas libera uma série de manifestações populares, inclusive a capoeira, ato político que tinha por objetivo exercer controle sobre a população marginalizada, determinando regras e normas para sua prática. (AREIAS, 1984, p. 62)

No caso da capoeira, esta poderia ser praticada ou apresentada como folguedo nos

festejos populares e como espetáculo folclórico, como luta deveria ser exercida apenas como

defesa pessoal e esporte, praticado em locais fechados. Nesse contexto, Areias (1984) acredita

que as festas populares eram o local onde a necessidade de expressão do povo se fazia impor,

através de suas manifestações, hábitos e costumes, e a capoeira de angola, a qual teve Mestre

Pastinha como expressão máxima, caracterizava-se pela constante criatividade, onde os

movimentos eram criados sem nenhum estudo, baseando apenas no reflexo e na necessidade

de se livrar de golpes e contragolpes. O seu forte era a espera, a surpresa, a malícia, a

flexibilidade, onde o capoeira tentaria desviar a atenção para deixar o oponente vulnerável.

Outro representante da capoeira angola foi Mestre Bimba, que tinha contato com

outras lutas e que extraiu elementos interessantes, de modo que aplicou uma técnica mais

precisa aos movimentos, estudando seu equilíbrio, velocidade e potência, desenvolvendo

técnicas de defesa contra armas e o jogo alto, “criando uma pedagogia para o ensino da

capoeira, na qual era inexistente até então, o que oferecia condições de competir com

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qualquer outra luta, essa nova técnica foi denominada de Capoeira Regional Baiana”.

(AREIAS, 1984, p. 67).

Levando em consideração o contexto que Mestre Bimba se encontrava, o mesmo

sofreu influência, no que diz respeito ao ideário pedagógico, principalmente de alunos

universitários daquela época. Em 1936, Mestre Bimba faz a primeira demonstração para o

governador da Bahia, general Juracy Magalhães e consegue a oficialização como instrumento

de Educação Física, recebendo uma licença e registro para o funcionamento da sua escola

como centro de Educação Física. A capoeira vai adquirindo status, mas perde muito da sua característica de manifestação popular espontânea, mesmo porque, a política cultural começou a utiliza-la em seus programas culturais para os turistas, tentando destituí-la de seu passado sócio-cultural, determinando uma nova ideologia e filosofia para sua prática. (AREIAS, 1984, p. 68)

Assim, começam os atritos e disputa entre a capoeira angola e a capoeira regional.

Mestre Bimba elaborou uma reinterpretação da capoeira, que para Vieira (1992 apud

FALCÃO, 1996, p. 32) incorporou os elementos das ideologias dominantes, mas favoreceu

uma abertura, permitindo a penetração de uma prática essencialmente popular nas instituições

(academias e principalmente escolas). O trabalho físico disciplinado e racional, moldado

dentro dos parâmetros da Regional, não se distancia, dos procedimentos adotados na

Educação Física da década de trinta, onde predominavam as tendências militaristas e

competitivista, segundo Falcão (1996). A partir dessas rupturas, podemos perceber uma

semelhança no processo de transformação dos jogos populares em esportes. Parece indiscutível que a passagem do jogo ao esporte propriamente dito tenha se realizado nas grandes escolas reservadas às elites da sociedade burguesa, nas public schools inglesas, onde os filhos das famílias da aristocracia ou da grande burguesia retomaram alguns jogos populares, isto é, vulgares, impondo-lhes uma mudança de significado e de função muito parecida àquela que o campo da música erudita impôs às danças populares, bourrés, gavotas e sarabambas, para faze-las assumir formas eruditas como a suíte. (BOURDIEU, 1983, p. 139 apud FALCÃO, 1996, p. 36-37)

A implantação da capoeira em instituições de ensino no Brasil, apesar de ter

contribuído, resultou em projetos vinculados a órgãos governamentais relacionados à

Educação Física e/ou ao desporto. Como exemplo o reconhecimento como modalidade

desportiva pela Confederação Brasileira de Pugilismo (CBP), em janeiro de 1973. a legitimação da capoeira pelo veio desportivo incorreu numa perspectiva marcializante e absorveu um jeito branco e erudito de ser, desafricaniza-se e dessacraliza-se, subestimando suas origens étnicas negras. Dessa forma, a capoeira metodizada e regrada, sob a égide de conceitos dominantes brancos permitiria a convivência pacífica entre negros e brancos. (FALCÃO, 1996, p. 39)

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Em 1992, cria-se a Confederação Brasileira de Capoeira, onde se desvinculava da

CBP, vislumbrando novas possibilidades para a capoeira. “Mas o que se podia perceber eram

os atritos e desavenças entre seus líderes e a capoeira não conseguiu se adequar aos princípios

normatizadores e controladores da máquina estatal.” ( FALCÃO, 1996, p. 41)

O autor comenta que a responsabilidade do Estado, no processo de

institucionalização da capoeira, não deve ignorar as diversas vertentes existentes no interior

desta manifestação cultural que, extrapola a conotação desportiva. A capoeira não é- como nos desejam fazer crer – uma técnica de luta apenas, nem tão somente outra manifestação esportiva. Ela, enquanto técnica, enquanto forma de luta, vista de forma restrita a esses dois elementos, acaba por matar tudo o que a fez nascer, crescer e sobreviver ao longo de toda uma época. (...) Ao separarmos a capoeira de sua história, nós a destruímos enquanto elemento de cultura brasileira e a transformamos em mais um momento de alienação através da prática esportiva. (CASTELLANO FILHO, s/d, p. 13 apud FALCÃO, 1996, p. 45-46)

A capoeira foi tratada como uma manifestação oriunda das camadas subalternas,

que durante muitos anos foi condenada e proibida pelo poder constituído. “a capoeira – uma

manifestação da cultura brasileira – vem acompanhada, a princípio, de fortes traços e

características que a identificam como tal.” (FALCÃO, 1996, p.12). Para melhor

entendimento, torna-se necessário que se pense a capoeira como elemento da cultura, partindo

de uma concepção não normativa e dinâmica. Cultura é um processo dinâmico; transformações (positivas) ocorrem, mesmo quando intencionalmente se visa congelar o tradicional para impedir a sua “deterioração”. É possível preservar os objetos, os gestos, as palavras, os movimentos, as características plásticas exteriores, mas não se consegue evitar a mudança de significado que ocorre no momento em que se altera o contexto em que os eventos culturais são produzidos. (ARANTES, 1988, p. 21-22)

Chauí (1994) relaciona Cultura Popular à classe dominada e enfatiza que a

dimensão cultural popular como prática local e temporalmente determinada, como atividade

dispersa no interior da cultura dominante, como mescla de conformismo e resistência.

As distinções entre cultura popular e cultura dominante reflete os modos de

controle e resistência ao sistema político, Brandão (1985) explicita que a cultura é popular

quando é comunicável ao povo e responde às suas exigências de realização humana em

determinado contexto, ou seja, que leva o homem a assumir a sua posição de sujeito da

própria criação cultural e de operário consciente do processo histórico. Nesse sentido, a

capoeira, criada pelos escravos no Brasil, oferece valores e tradições da cultura afro-brasileira

que a fazem diferente de qualquer outra manifestação esportiva.

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Em sua história, a capoeira incorporou as principais características do jogo. O

jogo “promove a formação de grupos sociais com tendência a rodearem-se de segredo e a

sublinharem sua diferença em relação ao resto do mundo por meio de disfarces ou outros

meios semelhantes”. (HUIZINGA, 1990, p. 16). Ao fazer uma análise da gestualidade da

capoeira defende-se que “o jogo da capoeira nos mostra mais uma negociação do que uma rebelião. Através do jogo de capoeira, os corpos negociam e a ginga significa a possibilidade de barganha, atuando no sentido de impedir o conflito”. (FALCÃO, 1996, p. 28)

Outra característica dessa luta é a ludicidade que envolvia seus praticantes. Como “brincadeira” ou como luta, a capoeira não tinha convenções nem gentleman`s agreement. Quem espera uma bolacha de um capoeirista, certamente ganhará uma rasteira, uma meia-lua-de-compasso ou uma banda trançada, dessas de fazer voar inapelavelmente o contedor. (FALCÃO, 1996, p. 13)

Mas não quer dizer que não havia conflito, o capoeira habilidoso seria aquele que juntamente sabe lidar com essa multidiscursividade do jogo, aproveitando-se do momento da brincadeira para um ataque de surpresa. Ao mesmo tempo em que os capoeiras oferecem a mão direita, uma cordial saudação que demonstra uma aceitação de regras comum ao tocante ao jogo que se inicia, protegem o rosto com o braço esquerdo, prevendo-se de um possível golpe do adversário. (VIEIRA, 1995, p. 121)

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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A capoeira se destaca no universo cultural a partir das múltiplas possibilidades de

vivências, oferecendo variadas formas de sentir um espetáculo que se apresenta através

daqueles que experimentam ou presenciam uma roda de capoeira. Música, canto e expressão

corporal se uem para revelar toda a historicidade camuflada no gingar do capoeirista, através

da superação de uma realidade social caracterizada pela escravidão do negro no Brasil

colonial. O sistema escravista e senhorial ditou os contornos da atual sociedade brasileira:

desigual, excludente e injusta.

Em 1936, Mestre Bimba faz a primeira demonstração para o governador da Bahia,

general Juracy Magalhães e consegue a oficialização como instrumento de Educação Física,

recebendo uma licença e registro para o funcionamento da sua escola como centro de

Educação Física. A capoeira vai adquirindo status, mas perde muito da sua característica de manifestação popular espontânea, mesmo porque, a política cultural começou a utiliza-la em seus programas culturais para os turistas, tentando destituí-la de seu passado sócio-cultural, determinando uma nova ideologia e filosofia para sua prática. (AREIAS, 1984, p. 68)

O surgimento da Capoeira Regional foi o primeiro passo à inserção no cenário

esportivo e educacional brasileiro. Uma importante contribuição para que a capoeira ficasse

em evidência no contexto educacional, foi o: Programa Nacional de Capoeira, criado pela SEED-MEC, através da Portaria n 40, de 19 de Outubro de 1987, que teve por finalidade resgatar, preservar e desenvolver a memória histórica das diferentes manifestações de capoeira, enquanto autêntica manifestação da cultura brasileira. (FALCÃO, 1996, p. 43)

O conceito de Esporte que normalmente é ensinado nas aulas de Educação Física é

um conceito restrito e que segundo Kunz (1994) se refere ao esporte espetáculo e que

reforçado pela mídia, acelera o processo de transformação do esporte em mercadoria. De

modo que não só a forma de se movimentar do homem é influenciada pelo progresso técnico

e científico, também “os interesses e o significado ideológico de diferentes condutas, sofrera,

em perfeita sintonia com os interesses orientadores do conhecimento nas sociedades

industriais modernas bem como das fiéis seguidoras deste modelo”. (KUNZ, 1994, p. 75).

Mestre Bimba criou um método próprio para o ensino da capoeira, influenciado por

universitários, principalmente médicos, conforme Falcão (1996), que incluia a cintura

desprezada, uma sequência de ataques e defesas, balões e quedas. Porém, devemos

ressignificar o ensino da capoeira, não mais esportivizando-a, mas transformando

pedagogicamente o ensino da capoeira nas escolas, evitando a especialização precoce.

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Segundo Kroger (2002), as crianças não são especialistas, elas são generalistas. A

especialização precoce com cargas unilaterais, como a dos adultos, é copiada em relação às

exigências das cargas em geral, e isto não tem sido adequado. Pelo contrário, apresentam

desarmonias no desenvolvimento, acompanhadas de um abandono precoce do esporte. As crianças devem primeiramente aprender “somente”a jogar com liberdade, reconhecer e perceber situações de forma correta e compreendê-las desde o ponto de vista tático. Junto a isso devem incorporar, no seu conhecimento, as formas de compreesão das regras dos jogos. O tipo e qualidade da realização dos seus movimentos (técnica) não são o tema central do processo de aprendizagem, valem: “jogar faz o campeão”, como também “jogar se aprende jogando”. (KROGER, 2002, p.10).

A prática da capoeira na escola deve ser entendida como um direito pela ginga, onde

Santana (2001) ressalta que devemos gingar pela emancipação do homem enquanto cidadão

que pode e deve acessar o acervo cultural da sociedade a qual pertence. Sem retaliações pela

cor da pele, classe social, idade, sexo ou seja lá qual for a justificativa procedente para

qualquer espécie de discriminação. Gingar pelo direito de ser corpo. Corpo que simboliza e

desvela a perspicácia do Criador, seja ele Oxalá ou Deus, em nos construir como diversidade

e unidade.

Mestre Bimba nos mostrou um caminho, permitindo uma prática popular nas

instituições, mesmo que para isso, tenha incorporado elementos da ideologia dominante. Cabe

aos professores envolvidos com o ensino da capoeira, lutar pela democratização da mesma, e

a escola é o espaço a ser conquistado, para que todos possam vivenciar e apropriar da capoeira

enquanto manifestação da cultura popular.

O professor de capoeira nas escolas ao assumir o papel de educador estará

comprometido com uma educação para a libertação. Para isso, a ele não basta conhecer

apenas o movimento, a técnica, nem utilizá-la como um fim, mas deverá analisá-la e

fundamentá-la a partir de seus condicionantes sócio-históricos e políticos. A capoeira na

escola, enquanto atividades culturais, “educam e reeducam o indivíduo, humanizando-o, na

medida, em que existe a possibilidade de confrontar, criticamente, a sua experiência singular

no espaço social com a experiência coletiva.” (MARCUSE, 2001, p. 98)

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3 MÉTODO

Optaou-se pela pesquisa qualitativa, por partir do pressuposto de que a realidade

não se encontra fora do indivíduo, mas é por ele construída e, desta forma, somente por meio

do seu discurso, pode-se percebê-la. O primeiro passo foi verificar projets de capoeira na

escola na Subsecretaria de Educação de Anápolis e na Secretaria Municipal de Educação de

Anápolis para entrevistar os professores. Foram entrevistados, através de questionário

(modelo em anexo), dois professores que desenvolvem projetos de capoeira em escolas

públicas de Anápolis, nas respectivas escolas: Escola Municipal Realino José de Oliveira (01

professor para 50 alunos) e Colégio Estadual General Curado (01 professor para 50 alunos).

Foi aplicado um questionário, investigando às estratégias de inclusão social

utilizadas na capoeira pelo professor, os conteúdos ministrados no projeto, a taxa de evasão

durante o desenvolvimento do projeto, a faixa etária dos alunos envolvidos, o envolvimento

da gestão escolar com o projeto e a participação da família durantes as atividades propostas.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Nesta etapa de nosso trabalho buscaremos expor os dados diagnosticados na

pesquisa de campo de acordo com os nossos objetivos e com o problema, ambos expostos na

introdução deste trabalho que juntamente com o referencial teórico foram norteadores de

nossas ações.

Antes de começarmos com a análise propriamente dita, é importante ressaltar que

trabalharemos com categorias gerais e específicas de análise. Estas categorias foram

estabelecidas com o intuito de facilitar o entendimento de todos os dados obtidos através do

questionário em relação à literatura pertinente ao tema pesquisado, que foram discutidas em

nossa revisão de literatura. As categorias gerais foram estabelecidas de acordo com o nosso

referencial teórico na fase exploratória da pesquisa e as categorias específicas foram

estabelecidas a partir da coleta de dados. As categorias gerais de análise em nosso trabalho

foram os métodos e conteúdos para o ensino da capoeira. As categorias específicas foram:

Estratégia de inclusão, faixa etária, envolvimento da gestão e da família e taxa de evasão.

• estratégias de inclusão social utilizadas pelos professores:

um professor relatou que evita separar alunos de alunas, dividindo em três turmas,

de acordo com a faixa etária. Comentou ainda que existem poucas vagas oferecidas,

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de modo que alguns alunos(as) ficam excluídos(as) do projeto. O outro professor

nos relatou que além de evitar separação por sexo, procura realizar intercâmbios,

participar de competições, para que os participantes tenham um convívio social

mais amplo e diversificado. Pode-se notar que, ambos os professores não fazem a

separação de meninos e meninas, de forma que esta prática não é comum em outras

modalidades esportivas, segundo as exigências do treinamento desportivo

defendido pela maioria dos autores. Os professores obedecem uma das

características fundamentais do esporte educacional, preparando seus alunos para o

convívio social. Outro fator importante relatado por um dos professores, foi a

participação em competições e a realização de intercâmbios. Essa estratégia é

relevante porque aproxima alunos(as) de outras escolas e de outros bairros, fazendo

uma interação social e contribuindo na formação do(a) aluno(a).

• conteúdos ministrados pelos professores:

foi verificado a utilização de recursos audio-visuais (DVDs, vídeos, aparelhos de

som, filmagens) por ambos os professores. Um dos professores, ensina os

fundamentos da capoeira valorizando a técnica dos movimentos. Já o outro

professor, utiliza jogos educativos para ensinar os fundamentos da capoeira (capitão

do mato, corre cutia e outros). Ambos os professores exploram a musicalidade em

suas aluas.

• taxa de evasão durante a realização dos projetos:

Um professor afirmou que o projeto inicia com a inscrição de 50 alunos, sendo que

a maior parte do sexo masculino (35 alunos) e apenas 15 alunas, e finaliza ao final

do ano com cerca de 38 alunos(as), sendo 28 alunos e 10 alunas aproximadamente.

O professor informou no questionário que um dos motivos pode ser o preconceito

da família em relação a capoeira, a punição da família quando o(a) aluno(a) tira

notas baixas e a falta de apoio da gestão escolar. O outro professor também inicia o

projeto com 50 alunos, 35 alunos e 15 alunas, relatando que à medida em que

alguns alunos(as) desitem, abre inscrições para que o projeto encerre com 50

alunos(as). Porém, também relata que o motivo da evasão pode ser o preconceito da

família em relação a capoeira e a punição da família quando o(a) aluno(a) tira notas

baixas. O mesmo professor comenta que a gestão garante o opoio em seu projeto.

• faixa etária dos(as) alunos(as) dos projetos:

Ambos os projetos estabelecem a idade entre 11 a 15 anos, divididos em três

turmas.

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• Apoio da gestão escolar:

Um dos professores informa que a escola apenas oferece a prática da capoeira,

porém, não oferece condições para o professor realizar um trabalho com mais

qualidade, de modo que a maior parte dos materiais são do professor. Já o outro

professor, informa que há uma participação da gestão em seu projeto, incluindo

ações do PDE, na aquisição de materiais.

• Participação da família durante as atividades do projeto:

ambos os professores afirmam que o envolvimento dos pais e familiares é muito

pouco, a maior parte não procura se informar sobre os objetivos do projeto,

contribuindo de alguma forma na evasão do aluno(a). Uma das estratégias

realizadas por ambos os professores é a convocação dos pais para reuniões, pelo

menos uma vez por semestre.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A capoeira na escola requer um compromisso com sua historicidade, sendo

vivenciada e analisada a partir de suas próprias mudanças, revelando suas contradições.

Segundo Falcão (1996), a capoeira vive as contradições sociais, onde a dominação e a

resistência existem simultaneamente de forma conflitante, o que faz dela uma figura

simbólica, reveladora de conflitos sociais.

Diante do presente estudo, tratamos a capoeira como um bem social construído

historicamente pela sociedade, criada a partir dos escravos no Brasil e transmitida como

herança para as camadas exploradas, sendo por sua vez, cooptada pela ideologia dominante,

que sofreu influência de universitários, retira a capoeira do terreiro e das ruas, passando a

ensinar em recinto fechado, influenciado principalmente pelas tendências militarista da

Educação Física durante a década de trinta.

“A regulamentação da capoeira como desporto do ramo pugilístico no início da

década de 70 lhe delega uma conotação predominantemente desportivizada.” (FALCÃO,

1996, p. 137). Nessa época, predominava uma tendência competitivista, sendo introduzida nos

principais campeonatos da época, assumindo uma característica extremamente autoritária.

Nesse sentido, resgatar o contexto histórico em que a capoeira surgiu é a

possibilidade de se fazer uma leitura histórico-crítica desta manifestação e, conseqüentemente, resgatar seletivamente os seus valores culturais, não no sentido de retornar aos “velhos e bons tempos”, pois qualquer tentativa neste sentido seria um “retorno transformado”, mas no sentido se compreendê-la melhor e implementar novos horizontes para a mesma. Afinal, a capoeira é um palco de tensões onde forças reprodutoras e transformadoras coexistem dinamicamente. (FALCÃO, 1996, p. 139)

Conclui-se ainda, que a capoeira na escola está vinculada à disciplina Educação

Física, na qual recebe suas influências, não só nos aspectos teóricos e práticos, mas também

com relação às legislações e normatizações.

Apesar do imenso número de Escolas públicas na cidade de Anápolis,

pouquíssimos projetos foram apresentados a Subsecretaria Estadual de Educação de Anápolis

e Secretaria Municipal de Educação de Anápolis e apenas dois estão em andamento, sendo

que os critérios de aprovação para os projetos não aprovados incluem a similaridade, no que

diz respeito aos conteúdos dos projetos, e o grau de escolaridade dos professores, segundo os

responsáveis pelos departamentos de projetos dos dois órgãos citados acima.

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Diante dos fatos, se faz necessário reivindicar políticas públicas de esporte e lazer,

tratando especificamente a capoeira como um direito de todo cidadão. De modo que, questões

ligadas à corporeidade e aos seus significados simbólicos, culturais e econômicos e a relação

intrínseca dos jovens no contexto social, dos excluídos, das minorias e da ideologia da

indústria cultural que transforma o corpo em coisa nas relações entre mercadoria e indivíduos

no interior da sociedade de consumo, parecem não ter a mesma importância no debate

científico e nem nas práticas sociais.

Segundo Chauí (2001), a democratização da cultura pressupõem-se a idéia de que

os bens culturais são direitos de todos e não privilégios de alguns. Pode-se dizer ainda que os

projetos de capoeira na escola, apesar de estarem dentro de uma lógica formal, a preocupação

com os aspectos pedagógicos não ficam evidenciados, as questões valorativas predominam

nos discursos dos professores. Não existe ainda, uma fundamentação metodológica que dê

suporte a esta prática na escola, exigindo portanto, problematização e sobretudo uma

aproximação dos professores, mestres, instrutores, ou seja, todos os envolvidos com o ensino

da capoeira em escolas, com o mundo acadêmico, na tentativa de resgatar a capoeira enquanto

manifestação da cultura popular, pois Sua “mensagem” é a libertação de todos que ainda continuam “escravos”, uma capoeira libertária, que, certamente, não se edifica apenas na prática, no jogo, como defendem os irracionalistas, nem tampouco, na discussão sobre as teorias à elas relacionadas, como defendem os racionalistas, mas sim, através de uma criteriosa reflexão intelectual e teórica sobre suas técnicas, seus rituais e seus condicionantes históricos, juntamente com uma vivência de todos os seus fundamentos. (FALCÃO, 1996, p. 141)

Ao defendermos a capoeira enquanto elemento da cultura popular, devemos

estendê-la, aprofundá-la, procurando transformá-la. “Quando se fala em cultura popular,

acentua-se a necessidade de pôr a cultura a serviço do povo, isto é, dos interesses efetivos do

país.” (GULLAR,1980, p. 83 apud ARANTES, 1981, p. 54). De forma que a capoeira tanto

pode ser instrumento de conformação, quanto de transformação social.

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REFERÊNCIAS

ADORNO, Theodor W.; HORKWEIMER, Max. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985. ARANTES, Antônio Augusto. O que é cultura popular. 13. ed. São Paulo: Brasiliense, 1988. AREIAS, Almir das. O que é capoeira. 2. ed. São Paulo: Movimento, 1984. BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A educação como cultura. São Paulo: Brasiliense, 1985. CHAUÍ, Marilena de Souza. Conformismo e resistência. 5. ed. São Paulo: Brasiliense, 1993. ______. Convite à filosofia. 3. ed. São Paulo: Àtila, 2000. ______ . O que é ideologia. 38. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. ______ . ______ . 2. ed. rev. e ampl. SãoPaulo: Brasiliense, 2001. FALCÃO, José Luiz Cirqueira. A escolarização da capoeira. Brasília: ASEFE – Royal Court, 1996. FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979. GUIRALDELLI JÚNIOR, Paulo. Notas para uma teoria dos conteúdos em educação física. Trabalho apresentado no curso do CBCE na 43a Reunião da SBPC, 1991. HUIZINGA, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. Tradução de João Paulo Monteiro. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1990. KUNZ, Elenor. (Org.). Didática da educação física. 2. ed. Ijuí: Unijuí, 2001. ______ . Transformação didático pedagógica do esporte. Ijuí: Unijuí, 1994. KROGER, Cristiam. Escola da bola: um ABC para iniciantes nos jogos esportivos. [tradução e revisão científica. Pablo Juan Greco] – São Paulo: Phorte, 2002. LUCKESI, Cipriano Carlos. Filosofia da educação. São Paulo: Cortez, 1994. MARCUSE, Herbert. Cultura e psicanálise. Tradução de Wolfang Leo; Robespierre de Oliveira; Isabel Loureiro. São Paulo: Paz e Terra, 2001.

MECHI, Patrícia Sposito. Exclusão e sucateamento: o legado do projeto educacional da ditadura militar brasileira à atualidade. Revista Espaço Acadêmico – N. 66 – Novembro/2006 – ISSN 1519.6186.

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PIRES, Antônio Liberac Cardoso Simões. A capoeira na Bahia de todos os santos. Um estudo sobre a cultura e classes trabalhadoras. Tocantins/Goiânia: NEAB/Grafset, 2004.

PUCCI, Bruno; OLIVEIRA, Newton Ramos de; ZUIN, Antônio Álvaro Soares. Adorno: o poder educativo do pensamento crítico. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. SANTANA, Celinalda Mesquita. A lógica da rua – um resgate filosófico da capoeira. Revista digital – Buenos Aires – Ano 6 – n. 29. 2001. STIGGER, Marco Paulo. Motrivivência. Santa Catarina: Editora da UFSC, 1998. SOUZA, Walce. Capoeira, arte, folclore. Goiânia: s.e., 1986. TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987. VIEIRA, Luiz Renato. O jogo da capoeira: cultura popular no Brasil. Rio de Janeiro.

Sprint, 1995.

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APÊNDICES E ANEXOS

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QUESTIONÁRIO

1) Cite algumas estratégias de inclusão social realizadas no decorrer do desenvolvimento do

projeto. 2) Quais são os conteúdos desenvolvidos durante o projeto? 3) Existe evasão dos alunos(as) durante o desenvolvimento do projeto? Aponte algumas

possíveis causas? 4) Qual a faixa etária dos(as) alunos(as) do projeto? 5) Qual o envolvimento da gestão escolar no projeto? 6) A família participa das atividades realizadas durante o projeto?