A Indução Na Filosofia - Lógica E Psicologia Em Hume E A Crítica De Popper
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Revista Eletrônica Print by UFSJ <http://www.funrei.br/publicações/ Metavnoia >Metavnoia. São João del-Rei, n. 4, p. 33-38, jul. 2002
A INDUÇÃO NA FILOSOFIA :LÓGICA E PSI-COLOGIA EM HUME E A CRÍTICA DE POPPERAc. Manuela Carraro Leão (Iniciciação Científica FAPEMIG-DIEPG/UFSJ))Orientadora:Marilúze Ferreira de A e Silva (Depto das Filosofias e Métodos – DFIME)
Resumo Desde a antigüidade, os filósofos empregam métodos dedutivos e indutivos para o estu-
do da realidade. Donald Williams em The Ground of Induction (1947), considerou que resolver o
problema da indução seria resolver o maior problema da Filosofia que é o da analítica e o da crítica
teórica do conhecimento e propôs para a indução, um lugar no mundo do conhecimento capaz de
solucionar muitos problemas filosóficos. Popper, em sua obra Conhecimento Objetivo (1975), se
declarou com essa competência e apresentou a proposta conjectural como solução partindo da
crítica aos problemas lógico e psicológico da indução instaurados por David Hume em Investiga-
ção acerca do entendimento humano (1972). Tendo isso em vista, fez-se necessário dividir o tra-
balho em duas partes: na primeira foi abordado o conceito de indução em Filosofia e, na segunda,
foram tratadas as questões da lógica e da psicologia do conhecimento indutivo em David Hume e a
crítica de Popper que promoveu discussões trazendo novas contribuições para o conhecimento
científico. O método de abordagem foi o lógico e o epistemológico tendo em vista a investigação
lógica de Popper no que diz respeito à problemática humeana, bem como a instauração de um
novo tipo de conhecimento como sendo a solução para as inferências indutivas. O método de pro-
cedimento foi o bibliográfico tomando como referências as obras de Donald Williams The Ground of
Induction. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 1947, para esclarecer o conceito
de Indução em Filosofia, a de David Hume Investigação acerca do entendimento humano. São
Paulo: Nacional, 1972 e a de Karl Popper Conhecimento objetivo. São Paulo: Perspectiva,1998. A
questão do conhecimento indutivo reporta à indagação se agimos ou não de acordo com a razão. A
partir de tal pressuposto, a análise dos dados permitiu identificar que as respostas de Hume e de
Popper a esta indagação foram divergentes. O primeiro não acredita na capacidade da razão hu-
mana em relação ao conhecimento indutivo. Já o segundo, defende a racionalidade e a considera o
fundamento do saber, destacando a indução genuína como sendo um raciocínio hipotético (con-
jectural). Em síntese, a análise indicou que existe um conflito entre os problemas lógico e psicológi-
co da indução instaurados por Hume. Este fato acarretou um ceticismo e um certo irracionalismo
humeano, uma vez que o filósofo reduz a razão a um papel menor no entendimento humano. Ao
contrário de Hume, Popper faz um apelo à racionalidade e ao emprego do método crítico-hipotético
(conjectural), como sendo a base da verdadeira indução e do conhecimento científico, solucionando
a problemática instaurada por Hume.
Palavras- chave: Indução. Ceticismo. Razão.
Lógica e Psicologia em Humee a Crítica de Popper
avid Hume (1711-1776) en-quadra-se na categoria dosfilósofos empiristas ingleses,
acreditando que só podemos conhe-cer a partir da experiência. Destemodo, a sua teoria do conhecimento,D
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no que diz respeito a associação dasidéias e a conexão necessária, é abase da sua concepção sobre asinferências indutivas. A partir de taisteorias, expressas em sua obra de-nominada Investigação acerca doentendimento humano1, Hume instau-ra duas problemáticas a respeito daindução que serão a chave da inves-tigação do filósofo da ciência KarlPopper em Conhecimento Objetivo(1975).
Tendo em vista tais pressupostos,pretende-se demonstrar a importân-cia das considerações de Hume noque diz respeito ao conhecimentoindutivo, bem como a investigação econclusão de Popper em relação atais considerações humeana. Sendoassim, o ponto de partida de Popperserá a contradição entre os proble-mas lógico e psicológico da induçãoinstaurados por Hume.
Neste contexto, é importante ressal-tar que a crítica de Popper em rela-ção ao método indutivo de Hume, foide extrema importância para o des-envolvimento do método crítico daciência e para a formação do verda-deiro conhecimento científico.
A teoria da associação deidéias humeana
Hume formula a sua teoria da associ-ação de idéias, como sendo uma dasprincipais bases para a sua concep-ção sobre a indução, classificando asidéias em simples e complexas. 1 HUME, David. Investigação acerca do entendi-mento humano. São Paulo: Editora Nacional, 1972.
Deste modo, segundo ele, as idéiassimples são associadas e transfor-mam em complexas. Um exemplodesta associação de idéias está nasqualidades da maçã, onde Humedemonstra que as idéias simples decor, gosto e odor quando associadasformam a idéia complexa de maçã.Além disso, para ele, o princípio deassociação de idéias baseia-se naexperiência que temos de que asidéias simples transformam-se regu-lamente em complexas. Desta manei-ra, Hume destaca que
A associação de idéias é fortalecida
pela repetição, sendo a força que guia
todos os nossos pensamentos e
ações. As idéias são associadas por
princípios de conexão que unem os
diferentes pensamentos do espírito
humano e os introduzem com certo
método e regularidade na memória.
Isto é tão visível em nossos pensa-
mentos ou conversas que, qualquer
pensamento que interrompe a seqüên-
cia regular ou o encadeamento das
idéias, é imediatamente notado e re-
jeitado 2
Segundo ele, esta associação deidéias é a responsável pelas inúme-ras operações do espírito humano,sendo que estes princípios de cone-xão são expressos por ele de trêsmaneiras, a saber: 1- princípio desemelhança (quando por exemplo umquadro conduz nossos pensamentospara o original, ou seja, a idéia ex-pressa pelo quadro está associada àidéia original); 2- princípio de conti-guidade no espaço e no tempo 2 Id. Ibid. p. 20.
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(quando um historiador escreve ahistória da Europa durante um deter-minado século, apesar da diversidadedos fatos, todos aconteceram em ummesmo espaço geográfico [Europa] eem um mesmo período de tempo[determinado século], ocorrendo umacerta unidade entre as diferentesidéias) e 3- princípio de causa eefeito (quando pensamos em um fe-rimento e somos conduzidos a refletiracerca da dor que o acompanha,sendo que percebemos através daexperiência que este evento está emconstante conjunção. Assim, ao pen-sarmos a idéia da causa “ferimento”,inferimos imediatamente a idéia doseu efeito “dor”). Segundo Hume,estes três princípios de conexão oude associação são os únicos laçosque unem os nossos pensamentos.
De modo geral, o terceiro princípio deassociação de idéias de Hume, ouseja, o princípio de causa e efeito, éum dos vetores que permite a suavisão sobre as inferências indutivas,uma vez que o filósofo não acreditahaver racionalidade humana capazde descobrir uma conexão na relaçãocausal que permita inferir indutiva-mente. A seu ver, a indução não éum procedimento racional, mas simuma transição costumeira.
A idéia de conexão neces-sária de Hume
Sabendo-se que todas as idéias deri-vam de impressões externas ou in-ternas correspondentes, ou seja, to-dos os nossos pensamentos derivamdas sensações, Hume demonstra queexistem idéias que são abstratas por
não possuírem suas respectivas im-pressões.
Tais idéias são as de poder, força,energia ou conexão necessária entredois eventos sucessivos.
Visto que Hume afirma não haverconhecimento quando não há umaimpressão correspondente a umaidéia, torna-se impossível descobrir aconexão necessária existente entreuma relação de causa e efeito atra-vés da razão. Neste contexto, O filó-sofo demonstra que de um únicoevento jamais poderemos descobrir opoder ou a conexão necessária queligue a causa ao efeito, pois a partirda experiência sabemos que um ob-jeto acompanha o outro em sucessãoininterrupta, porém não podemosconhecer a conexão responsável poreste evento. Assim, Hume exemplifi-ca este fato dizendo que o calor é umacompanhante constante do fogo eque podemos perceber esta conjun-ção entre eles, mas jamais podere-mos imaginar a conexão entre talevento.
Hume admite a ignorância humanaem relação à conexão entre sucessi-vos objetos ou eventos mas, segundoele, os homens não encontram obs-táculos para explicar tal conexão,afirmando perceber com exatidão aforça da causa que a põe em cone-xão com o seu efeito. Entretanto, osfilósofos percebem que a energia dacausa é inteligível e admitem queapreendemos da experiência apenasa conjunção entre os objetos, semque sejamos capazes de compreen-
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der a conexão entre eles. Assim,Hume constata que
Temos procurado em vão uma idéia de
poder ou de conexão necessária em
todas as fontes de onde pudesse origi-
nar. Em toda a natureza não aparece
um único exemplo de conexão passí-
vel de nossa concepção. Todos os
eventos parecem inteiramente soltos e
separados. Um evento segue o outro,
porém jamais podemos observar um
laço entre eles. Parecem estar em
conjunção, mas jamais em conexão. 3
Neste contexto, Hume afirma que aindução por repetição não tem ne-nhum fundamento racional, uma vezque a conexão entre os sucessivoseventos nos é desconhecida. Mas,de onde surge a idéia de conexãonecessária que permite inferir induti-vamente? Hume responde que apósa repetição de casos semelhantes, oespírito é impelido pelo hábito oucostume a aguardar um eventoquando surge o outro, sendo queesta transição costumeira de um ob-jeto ao outro é a impressão que origi-na a idéia de conexão necessária eque permite inferir indutivamente.Deste modo, quando um grande nú-mero de inspeções afluem sobre numúnico evento, elas o fortificam e oconfirmam na imaginação, engen-drando um sentimento de crença queconfere a tal evento maior preferênciae confiabilidade.
Para Hume, o costume ou hábito é ogrande guia da vida humana, pois apartir dele podemos esperar para o 3 Idem.p.71.
futuro a ocorrência dos eventos dopassado, ou seja, podemos inferirindutivamente. Assim, segundo ele, oprocedimento indutivo é obra docostume e não da razão.
A questão da indução e o ceti-cismo de Hume do ponto devista de Popper.
Popper observa que Hume instauradois problemas de indução ao for-mular a sua teoria da conexão ne-cessária, a saber: 1- problema lógicoe 2- problema psicológico. Destemodo, ele demonstra que quandoHume procura a base da idéia deconexão necessária, inseri-se o pro-blema lógico da indução uma vezque, se a sucessão regular entre doiseventos fosse necessária, então elaocorreria não só entre os exemplosobservados, mas também entre osnão observados. Assim, Popperdestaca que o problema lógico deHume, que se baseia em saber sesomos justificados em raciocinar par-tindo de exemplos repetidos que te-mos experiência para outros exem-plos (conclusões) dos quais não te-mos experiência, recebeu respostanegativa.
Contudo, segundo Popper, Humeacredita que as pessoas crêem navalidade indutiva e esperam que ofuturo seja igual ao passado. Sendoassim, instaura-se o problema psico-lógico da indução, indagando o por-quê da crença de tais pessoas nasinferências indutivas. Neste contexto,Hume responde que o mecanismopsicológico da associação força as
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pessoas a acreditarem, por costumeou hábito, que aquilo que aconteceuno passado acontecerá no futuro.Popper observa que isto levou Hume,um dos pensadores mais racionais detodos os tempos, a abandonar o raci-onalismo e a encarar o homem nãocomo dotado de razão, mas comoproduto de cego hábito.
A partir de tais pressupostos, Popperobserva que houve um choque entrea resposta negativa dada por Humeao problema lógico da indução e suaresposta positiva ao problema psico-lógico, ocorrendo uma destruiçãotanto do racionalismo quanto do em-pirismo. A seu ver, Hume tornou-secético ao afirmar que a conexão en-tre dois eventos inseri-se em nossaimaginação através de uma transiçãocostumeira, sendo a indução obra docostume e não da razão. Desta ma-neira, Popper acredita que
Hume está errado quando pensa que,
na prática, fazemos tais inferências
com base na repetição ou hábito. As-
severo que sua psicologia é primitiva.
O que fazemos na prática é saltar para
hipóteses inteiramente inconclusivas
que podemos corrigir se forem subme-
tidas à crítica. A asserção de que te-
mos uma inclinação irracional para im-
pressionarmos com o hábito e a repe-
tição é algo inteiramente diferente da
asserção de que temos tendência para
experimentar hipóteses ousadas que
podem ser corrigidas.4
Neste contexto, Popper afirma que aquestão central de Hume era saber 4 POPPER, Karl. Conhecimento Objetivo. p. 98.
se agimos ou não de acordo com arazão. A resposta de Popper é afir-mativa. Segundo ele, a indução ge-nuína por repetição não existe, mas oque lhe parece indução é raciocíniohipotético, bem testado, bem corrobo-rado e de acordo com a razão. Destemodo, Popper resolve o paradoxo deHume, afirmando que ele estavacerto em sua crítica lógica, mas errouno contexto psicológico referente àsua crença de que agíamos combase no costume e de que este eraresultado da repetição. Segundo Po-pper, as pessoas acreditam em repe-tições não pelo costume, mas porquenecessitam de tais regularidades,experimentando-as mesmo onde nãohá nenhuma. Sendo assim, ao resol-ver o paradoxo de Hume, Popperdeixa claro que não há conflito entrea racionalidade e a ação prática emnossa constituição humana, instau-rando o método crítico da ciência e overdadeiro conhecimento científico.
Considerações finaisA partir desta pesquisa ampliam-seos horizontes do processo de conhe-cimento, uma vez que Popper criticao problema psicológico da indução deHume e conseqüente destruição darazão, instaurando um novo tipo deconhecimento, o conjectural ou hipo-tético, como sendo a base do verda-deiro método crítico da ciência. Alémdisso, é importante destacar que Po-pper é anti-indutivista, anti-positivistae contra a lógica categóri-ca de Aris-tóteles, fato que contribuiu para assuas teorias hipotéticas e para a suacrítica à indução de Hume.
Referências Bibliográficas
LEÃO, Manuela Carraro e. SILVA, Marilúze F. de A. e. A Indução na Filosofia :Lógica e ...
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HUME, David. Hume. São Paulo: Nova Cultural, 1999.HUME, David. Investigação acerca do entendimento humano. São Paulo: Editora Nacio-nal, 1972.POPPER, Karl. Conhecimento Objetivo. São Paulo: Editora da universidade de SãoPaulo, 1975.WILLIAMS, Donald. The Ground of Induction. Cambridge, Massachusetts: Harvard Uni-versity Press, 1947.