A Indústria do Controle do Crime - Nils Christie

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EDITORA

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Tradução de Luis Lciria

Universidade de Oslo

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em estilo ocidental

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Impresso no BrasilPril1/cd in Braz!!

Proibiela a reproelução total ou parcial, incluinelo a reproeluçãO eleapostilas a partir eleste livro, ele qualquer forma ou por qualquer meioeletrônico ou mecânico, inclusive através de processos xerográficos, defotocópia e ele gravação, sem permissão expressa elo Eelitor, (Lei nO5,988,ele 14.12,1973,)

A violação ele direito autoral constitui crime, passlvel ele pena dedetenção ele três meses a um ano ou multa, Se houver reprodução, por qual.quer meio da obra intelectual, no toeio ou em parte, sem autorização ex-pressa do autor, com intuito de lucro, a pena será de reclusão de um a quatroanos, e mulla. Incorre"na mesma pena quem vende, expúe à venda, aluga,introduz no país, adquire, ocu1la, empresta, troca ou tem em depósito, comintuito de lucro, obra intelectual, importanelo assim via laça0 de direito au.toral. Na prolação ele sentença condenatória, o juiz determinará a elestrui-ção da proelução ou reproelução criminosa, (Ar!. 184 eloCóeligo Penal bra-sileiro, com nova reeiação daela pela Lei na 8,635, de 16,03,1993,)

A EDITORA FORENSE não se responsabiliza por conceitos dou-trinários, concepções ideológicas, referências indevidas e possfveisdesatualizações da presente obra, Todos os pensamentos aqui exaraelos sãode inteira responsabilielade do autor,

Reservaelos os direitos ele propriedade desta eelição pelaCOMPANHIA EDITORA FORENSE

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l"celição-1998@ CopyrighlNjJs Chrislie

CIP.Brasil. Catalogação.na.fonteSinelicato Nacional elos Eelitorcs ele Livros.RJ

1. Crime e criminosos - Aspectos sociais - Estados Unidos.2. Crime e criminosos - Aspectos econômicos - Estados Unidos. 3.PrisOc5- Estados Unidos. I, Título.

Christic, NilsA indústria do controle do crime: a caminho dos GULAGs

em estilo ocidental! NUs Christie; traduçno de Luis Lciria.Rio de Janeiro: Forense, 1998.

Traduçao de: Crime cantrol as industryISBN 85.309.0392.1 ISBN 0.415. t2539.1

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•Capítulo 5 O controle das classes perigosas """"",,,,,, 535,1 O excedente populacional "",,"""""""'",,''''''''''''''' 545.2 Acionistas do nada "",,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, 56' ,,:{-,;

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5,3 O controle das drogas como controle de classe "",; 58"'''êt!','~5.4 E~ropa fortificada, Ocidente dividido """""""""''''''" 66 ;~:~':14W5,5 Dinheiro em escravos ""'"'''''''',''''''' """ " " """ "" " " 69 ..••""'~.•.,~, '

5.6 Traços de um futuro "",,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,""'''''''''' 71' ";,~"', .~~~~~;;l~~;

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Capítulo 4 Por que há tão poucos presos?4,1 Esperando a dor4,2 Tolerância vinda de cima4,3 Entre o Leste e o Oeste da Europa '"'''''''''''',',,'''''''4.4 Os estados de bem-estar social em crise ''''''''''''''''4,5 Quanto vai durar?

Capítulo 3 Níveis de dor intencional3,1 Medidas de dor ""'''''''' """ " " "T " '"'' """ """"""'" "

3.2 Os bons velhos tempos? """"""",,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,3,3 Europa Ocidental3.4 Tendências mundiais '"'''''''''''''',,'''''''''''''''''',,'''''''''3,5 A importância das idéias

Prefácio

Capítulo 2 O olhar de Deus2,1 Completamente sozinho2.2 O estranho2.3 Onde o crime não existe2.4 Uma oferta ilimitada de crimes

Capítulo 1 Eficiência e decência

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SUMÁRIO

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11.3 Limites ao crescimento?11.4 Matança industrializada11.5 A matança médica11.6 A matança legalizada

Capítulo 12 A cultura do controle do crime 18912.1 O núcleo comum 18912.2 Qual o lugar do Direito? 19412.3 Uma quantidade apropriada de dor 198

Capítulo 13 Pós-escrito13.1 Anos de crescimento13.2 O que está por vir? ...13.3 Irmãos no encarceramento13.4 O significado de atos indesejados13.5 Os freios sumiram

A INOÜSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

Capítulo 8 A modernidade e as decisões 1338.1 4.926 candidatos 1338.2 Gargalos 1358.3 Manuais de decisão sobre a dor 1368.4 Justiça purificada 1408.5 Cooperação do réu 1438.6 Despersonalização 146

Capítulo 9 Uma justiça empresarial? 1499.1 A justiça da aldeia 1499.2 Justiça representativa 1519.3 Justiça independente 1549.4 A revolução silenciosa 1569.5 Comportamento expressivo 160

Capitulo 10 Lei penal e psiquiatria: irmãs no controle 16310.1 Um manual para decisões sobre distúrbios mentais 16310.2 Um manual para a ação 167

Capítulo 11 Modernidade e controle decomportamento 17111.1 Filhos da modernidade 17111.2 A máscara do diabo 176

Capitulo 6 O modelo 796.1 A quem se ama, se castiga 796.2 O grande confinamento 806.3 De estado em estado 856.4 O estado das prisões 876.5 As explicações para o crime 92

Capítulo 7 O controle do crime como produto 957.1 O mercado do controle do crime 957.2 O estímulo do dinheiro 1017.3 Penitenciárias privadas 1027.4 Polícia privada 1077.5 O estímulo privado 1137.6 O estímulo tecnológico 1177.7 Matéria-prima para o controle 1217.8 A grande tradição norte-americana 1237.9 O modelo 129

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Prefácio

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Consoante sua viSão,pouco otimista, esse exagerado incremen-to na utilização da prisão teria estreita conexão com o sistemade economia de mercado, típico do ocidente industrializado, erepresentaria um novo holocausto. Menos intenso que o resul-tante do emprego difuso da morte e da tortura (tal qual o na-zista), mas de qualquer modo preocupante, porque agora uti-liza-se a privação ~a liberdade em larga extensão, não apenascomo uma forma de repartição intencional de dor e recruta.mento da população desocupada e potencialmente perigosa,senão, sobretudo, como mais um "produto" da complexa e ga-nanciosa economia de mercado, que não se detém diante de

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limites éticos e culturais, desde que os lucros resultem devida-mente assegurados.

No Prefácio que Eugenio Raúl Zaffaroni escreveu para a edi-ção argentina do livro agora traduzido para nosso idioma,'acentuou-se que o determinante para essa massiva intervenção 'penal não é a "modernidade", resultante da rapidez das con-denações, bem como da fixação das penas (que tém por baseo consenso do acusado - pJea bargaüJing -, assim como asTabelas de Determinação da Pena), senão o "racismo", quepretende impor a superioridade das pautas de conduta de umdeterminado grupo. Sociedade industrial mais racismo, emsuma, na visão do emérito penalista argentino, seria a combi-nação de onde decorre o "cerco às minorias", à "civilizaçãoinferior". Nisso, aliás, residiria a explicação dos interacionistasdo labelJjng approachJ de que a intervenção penal édesenganadamente seletiva e, muitas vezes, discriminatória.

Seja por razões "racistas", seja por qualquer outro tipo demotivação, consoante nosso JUÍzo, na base dessa exageradaintervenção penal está, para além das "exigências"mercadológicas, que se tornaram prementes desde o momen-to em que cessou a "guerra fria", a intolerãncia, o não aceitaro outro diferente, particularmente o menos aquinhoado coma distribuição (desigual) da riqueza e do trabalho, o de cordiferente, o de língua diversa.

E seria universalizante (globalizante) esse sistema - norte-americano - de "campos de concentração" (Gulags)? Toda so-ciedade industrializada estaria propensa à sua adoção? ParaNils Christie a resposta é preocupantemente positiva, porque

2y' La Industria dei Control dei Dclüo, Editores dei Porto, Buenos Aires, 1993, p. 14 eS5. .)Sobre as bases dessa teoria, que estudou o sistema de controfe do'deiito. v. Antonio.Gan::la.Pablos de Molina e Luiz Aávio Gomes, Cnininologia, RT, SP, 2a ed., 1997,p. 219 e ss.

SUMÁRIO

trata-se de um sistema de controle economicamente vantajo-so para todos (excluídos, evidentemente, os que padecem a dor,a aflição do encarceramento). De outro lado, não falta ejamaisfaltará "matéria prima" para esse "produto", visto que não sóaumentam as classes sociais mais baixas, como cada vezmaispode-se ampliar o raio de incidência penal sobre seus atos (hojeé o uso de drogas, amanhã pode ser o uso de álcool, depoisvem a sua simples presença nas ruas etc.). Considere-se, ade.mais, o aspecto "democrático" da intervenção, pois a maioriabem situada pode eleger govcrnantes que se comprometam• exatamente a colocar detrás das grades as minorias "socialmen-te perigosas".

Feita a combinação de alguns fatores (economia de mercado,tecnologia avançada, classes sociais baixas potencialmente"perigosas" e teorias científicas que justificam oencarceramento) chega-se, sem muito custo, ao "holocausto daindustrialização", que é a prisão expandida, ou melhor, osmodernos "campos de concentração", os quais não só são úteispara a profilaxia sociál (é preciso esconder a miséria e Iivrar-se dos riscos que ela implica), senão, sobretudo, para o bomdesempenho do mercado. Juízes e Promotores, nesse contex-to, nenhum obstáculo representariam porque, no fundo, nãopassam de "ferramentas" dos políticos (que, por sua vez, con-tam com o apoio da maioria). O Direito, por sua vez, passa aintegrar a categoria da "produção", não a cultural, valorativa,ética e humanista. Tudo se instrumentaliza em função da lim-peza (higienização) das ruas, assim como do markelsyslelll.Até este momento, em nenhum outro país industrializado tal"nou.se possível ~onstatar outra realidade semelhante à norte.americana. Nenhuma nação sequer se aproxima do elevadonúmero de presidiários dos Estados Unidos (mais de um mioIhão e duzentos mil, como vimos), com índice de 500 presospara cada 100.000 habitantes (no Brasil a média é de 95 pre-sos para cada 100.000 habitantes; na Europa, 80 presos),

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A INOt,JSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

Não que no nosso País e nosso entorno faltem teorias "cientí-ficas" justificadoras do confinamento indiscriminado dos"indesejados sociais" (tal como verificou-se, recentemente, coma operação "Tolerãncia Zero"), A (relativa) impossibilidade deadoção dos panópticos "campos de concentração" deriva deoutras causas: economia de mercado pouco desenvolvida,inexistencia de tecnologia avançada, falta de dinheiro etc,

De qualquer maneira, isso não significa que a situação quevivenciamos seja distinta de um verdadeiro holocausto, O nos-so, no âmbito do controle penal, não se caracteriza tanto pelaquantidade (alto número de presos), senão, primordialmente,pela "qualidade" da "repartição intencional da dor", decorrentede políticas criminais paliorrepressivas, do abarrotamento dasprisões, que leva à tortura, crueldade e, com certa freqüência,à morte, especialmente via "Aids", seleção claramentediscriminatória, corrupção etc,

Nos Estados Unidos, hoje, quando se fala em prisão, pensa-se em dinheiro, mesmo porque o volume de encarceramentonão configura nenhum reflexo de qualquer aumento real dacriminalidade;já a realidade brasileira e, pode-se dizer, latino-americana em geral, é outra, pois prisão é sinõnimo de cruel-dade, desumanidade, tortura e morte. Lá as prisões identifi-cam-se com os "campos de concentração"; aqui com os"campos de extermínio"; lá a moeda de troca do prisioneiro é,exclusivamente, a liberdade, aqui, para além da liberdade in-dividual, entram em jogo a integridade física, a privacidade, avida. A "indústria das prisões" no nosso entorno é, na verda-de, indústria da tortura, da morte. E tudo isso independe doato "delituoso" que foi cometido, pois nosso sistema prisionalnão é capaz de distinguir um pequeno infrator de um grandecriminoso. Todos correm os mesmos riscos, pouco importan-do se é um preso civil, provisório, menor etc.

Em

SUMÁRIO .

Transformada a prisão em algo economicamente proveitoso (euma das vias preferidas para a extração de lucros consiste,evidentemente, na privatização dos presídios - privatização daconstrução, da administração ou do fornecimento de equipa-mentos) -,já não se vislumbram barreiras para o amplo recru-tamento da população "perigosa" (Formada, basicamente, pelalegião de desempregados), A punição (penal) do uso dc entor-pecente, que não chega a ofender bens jurídicos alheios, cons-titui um marcante exemplo dessa intcrvcnção cxcessiva do pon-to de vista político-criminal, mas necessária do ponto de vistamercadológico, Como se não bastasse a inesgotável "matériaprima" natural das prisões (classes sociais baixas "potencial-mente perigosas"), de um outro artifício também se faz usodifuso: mais de quatro milhões de norte-americanos estão sobcontrole, sob vigilância constante (livramento condicional, li-berdade sob palavra, probation etc.), Muitos desses "libera-dos", com freqüencia, pelos seus atos indesejados (uso de dro-ga ou de álcool, por exemplo), voltam para os GuJags, É uma"reserva de mercado" apreciável. E agora, para complctar, cs..tão descobrindo que as prisões não só sâo economicamenteativas, como podem se transformar numa "fonte de produçâo":é o que está acontecendo na Califórnia com a utilização da mãode obra do preso para a recuperação de computadores usados'

Dentre tantos outros méritos deste livro de Nils Christie, des-taca-se induvidosamente a configuração empírica e, portanto,criminológica do "modelo americano de controle social", Temforça expansiva? Para o autor a resposta seria positiva,'Ocor-re que a "indústria das prisões" não é fruto tão-somente deavanço tecnológico e do mercado sofisticado, No fundo, é umaquestão cultural. t: cultura não se exporta facilmente, Cada paísconta com sua realidade própria, Na nossa, por exemplo, nes-

4\1. Gilberto Dimcnstein, Falh.? de S. Paulo, de 20.07.97, pp. ]-28.

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

te momento, constata-se um misto de intervenção penal exces-siva, com uma política despenalizadora importante, que adveiocom a Lei nO9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Criminais).Estamos construindo um novo cenário, distinto do norte-ame-ricano, propício não para "campos de concentração", mas paraa não intervenção penal. Nunca entre nós se falou tanto empenas alternativas como agora. E esse nos parece o caminhocorreto.O discur,o das penas alternativas, em síntese, embora se sai-ba que elas isoladamente não significam a soluçãO para o gra-ve problema carcerário, é muito atual e importante, porque oBrasil, que as aplica para apenas 2% dos condenados, está in-comparavelmente atrás da Alemanha, Cuba e JapãO (que im-põem tais penas em 85% dos casos), Estados Unidos (68%),Inglaterra (50%) etc. Países com melhores condições econô-micas adotam difusamente as penas alternativas e o índice dereincidência é de 25%. No nosso pobre e equivocado modelopenitenciário, que deposita fé no encarceramento de todos oscriminosos, a taxa de reincidência é de 85%e ainda nos damosao "luxo" de gastar cerca de quinhentos reais por mês com cadaum dos cerca de 45 mil presos não violentos, cujos delitos cau-saram prejuízo médio de cem reais. Isso significa punir não sóo "desviado", senão principalmente o contribuinte5 Não fos-se por humanitarismo, razôes econômicas já seriam o bastan-te para uma profunda e radical mudança de atitude e de men-talidade. É preciso racionalidade! Não tem nenhum sentidopagarmos caro para transformar, nos presídios que temos,jo-vens e primários em criminosos violentos.Que as penas alternativas são melhores e mais dignas que aprisão é algo indiscutível; que podem contribuir para a atenua-ção do grave problema carcerário brasileiro não se nega. De

~v.Julita Lemgruber, VEIA. de 16.07.97, p. 9.

SUMÁRIO

qualquer modo, como observação final, não podemos nos es-quecer que são "penas", são "castigos" que, no fundo, comoassinala o próprio Nils Christie, significam "distribuição de dor,de sofrimento, de anição". Todo nosso esforço contra a difu-são do modelo norte-americano que acaba de ser diagnosti-cado e em favor dessas alternativas à prisão é indiscutivelmenteválido, em razão do seu contelido ético-humanitário, mas náoé tudo, porque na verdade o melhor mesmo é prevenir o deli-to, com programas sérios, tanto em nível primário (ir às cau-sas mais profundas, às raízes do crime), secundário (criaçãode obstáculos ao delito) quanto terciário (recuperação do de-linqüente, visando a sua não reincidêneia), A política-criminal-mente correIa, em conclusão, não nos parece a implantação deextensos "campos de concentração", senão a construç,io demais escolas, mais creches, mais centros sociais, mais hospi-tais, mais centros de salide e de lazer etc.

São Paulo, julho de 1997

Luiz Flávio Gomes

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If \, \1 Capítulo 1

Eficiência e decência

Este livro é um a!Crta contra ns tendências recentes no campodo eontro!c do crime. O tema é simp!cs. As soeiedndes de tipooeidental enfrentam dois problemas principais: a distribuiçãodesigual da riqueza e do trabalho assalariado. Os dois problc-mas são fontes potenciais de intranqüilidade. A indústria docontrole do crime destina-se a enfrentá-los. Esta indústria for-nece lucro e trabalho e, ao mesmo tempo, produz o controle so-bre os que de outra forma pode~iam perturbar o processo social.

Comparada com a maioria das'outras indüstrias, a do contro-le do crime ocupa uma posição privilegiada. Não há falta dematéria-prima: a oferta de crimes parece ser inesgotável. làm-bémnão tem limite a demanda pelo serviço, bem como a dis-posição de pagar pelo que é entendido como segurança. E nãoexistem os habituais problemas de poluição industrial. Pelocontrário, o papel atribuído a esta indústria é limpar, removeros elementos indesejáveis do sistema social.

São muito r8ras as ocasiões em que aqueles que trabalhamnesta ou para esta indústria dizem que seu tamanho é apro-priado: "Hoje somos suficientemente grandes, estamos bem es-tabelecidos, não ~ueremos crescer mais." A necessidade da ex-pansão faz parte do pensamento industrial, quanto mais nãoseja para evitar ser tragado pela concorrência. A indüstria docontrole do crime não é exceção. Mas ela tem vantagens espe-ciais ao fornecer armas para o que é visto como uma luta per-

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A INDÚS"TAIA 00 CONTROLE DO CRIME

manente contra o crime. A indústria do controle do crime lem-bra os coelhos na Austrália ou o mink selvagem na Noruega-ambos têm muito poucos inimigos naturais.~ .•.

A crença de que existe uma guerra ê uma das principais forçasmotrizes do seu desenvolvimento. A outra é a adaptação ge-neralizada às formas industriais de pensar, organizar-se e com-portar-se. A instituiçãO da lei está em processo de transforma-ção. Seu antigo símbolo era uma mulher com olhos vendadose com uma balança na mão. Sua tarefa era equilibrar um gran-de número de valores opostos. Essa tarefa desapareceu. UmarevoluçãO silenciosa ocorreu no seio da instituiçãO da lei, umarevolução que permite à indústria de controle do crime maisoportunidades de crescimento.Criou-se uma situação que torna inevitável um grande aumentodo número de presos. Isto já pode ser observado nos EstadosUnidos, que em 1991 atingiu o número, inédito até então, demais de 1,2 milhão de presos ou 504 por cada cem mil habi-tantes. Esta cifra é tão elevada que não pode ser comparada ãde nenhum país industrializado do Ocidente. Mas por que ape-nas 1,2 milhão? Por que não dois, três, ou cinco milhões? E,tendo em vista as tcntativas de criar uma economia de merca-do na antiga União Soviética, por que não reativar também ouso dos Gulags? Diante disso, os estados de bem-estar socialeuropeus, que estão em declínio, conseguirão resistir aos tenta-dores modelos das duas potências hoje transfonnadas em innãs?

Existem, porém, força contrárias em a ão Como será de-monstrado, há enormes discrepâncias no número de presos depaíses que ,sob outros aspectos, sâo relativamente semelhan-tes. Tambêm nos deparamos com "inexplicáveis" variações,dentro de um mesmo país, em épocas diferentes. O número depresos pode diminuir em períodos em que, de acordo com asestatísticas criminais, as condições materiais e a economia,deveriam ter aumentado; e podem aumentar quando, pelasmesmas razões, deveriam ter diminuído. Por trás destes movi--

EFICIêNCIA E DECENC1A

.mcntos "Irregulares", encontramos idéias sobre o que se con-sidera um tratamento cOlTeto e justo de outros seres !mmanos,idéias que contrariam as soluções econõmico-industriais "ra-cionais" . O primeiro capítulo deste livro documenta os efei-tos destas forças contrárias.

Do exposto, chego à seguinte conclusão: na situação atual, tãoextraordinariamente propícia ao crescimento, é particularmenteimportante compreender que o tamanho da populaçãocarcerária é uma questão normativa. Somos ao mesmo tempolivres e obrigados a tomar urna dccisão. l': necessário colocarlimites ao crescimento da indústria carccrária. A situação exi-ge uma discussão séria sobre os limites de crcscimento do sis-tema formal de controle do crime. Pensamentos, valores, étic~- e não o impulso industrial- devem determinar os limites docontrole, o momento em que este já é suficiente. O tamanhoda população carcerária é conseqüência de decisões. Temos li-berdade de escolha. Só quando não temos consciéncia destaliberdade é que as condições econõmicas e materiais reinamlivremente. O controle. do crime é uma indústria. Mas as in-dústrias têm que se manter dentro de certos limites. Este livrotrata da expansão da indústria carcerária, mas também dasforças morais contrárias a csta cxpansáo.

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Nada do que foi dito significa que a proteção da vida, da inte-gridade física e da propriedade nito sejam motivo dc preocu-pação na sociedade moderna. Pclo contrário, viver em socie-dades de grande escala vai significar por vczes vi~cr emambientes onde os representantes da lei e da ordem são vistosC0l1101I111agarantia essencial para a segurança. Não se podedeixar de levar se'hamente em conta este problema. 'lbdas associedades modernas terão que fazer algo em relação ao quese designa em telTl10sgerais como o problema dO.crime. Os Es-tados devem controlar este problema; têm que investir dinhei-ro, pessoas e edifícios. O trabalho que se segue não é uma de-

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fesa do regresso a um estágio da vida em sociedade em que nãoexista controle formal. 1:: a defesa de uma rellexão sobre os seuslimites,

*Por detrás de minha advertência contra estas tendências estálatente a sombra de nossa história contemporânea, Estudosrcccntes sobrc os campos de eonccntraçâo e os Gulags nosderam uma nova compreensüo sobrc cles, As velhas qucstõcsestavam mal formuladas, O problcma nüo é: como puderamacontecer? É: por que não aconteceram mais freqüentemente?E também quando, onde e como vâo ocorrer no futuro?' O li-vro de Zygmunt Bauman (1989) Modemidade e o Holocaustoé um marco deste pensamento,Os modernos sistemas de controle do crime podem transfor-mar-se em Gulags de tipo ocidental. Com o fim da guerra fria,numa situação de profunda recessao econômica, c quando asmais importantes nações industriais não têm mais inimigos ex-ternos contra quem se mobilizar nao parece improvável que aguerra contra os inimigos internos reccba prioridade máxima,seguindo conhecidos precedentes históricos, Os Gulags de tipoocidental não irão exterminar as pessoas, mas têm a possibili-dade de afastar da vida social, durante a maioria de suas vi-das, um grande segmento de potenciais causadores de proble-mas, Têm o potencial de transformar o que poderia ser operíodo mais ativo da vida destas pessoas numa existência quenão vale a pena ser vivida, lembrando a cxpressão alemã,

I Pode ser dilo com segurança: a qucst50 nâo é quando ou onde o próximoHolocausto vai acontecer. Já está acontecendo. As políticas financeira c industrialdo Ocil1ente provocam a cada dia morte c destruição 110 lerceiro Mundo, Apesar dis-so, limitrlrci minha atenção neste livro ~ situaç3.o do mundo industrializado. O con.tro\c do crime no Ocidente é um microcosmos. Se compreendermos o que esta <lCOll-

tecendo em alguns destes pulses, conseguiremos nos aproximar de uma compreensãodo fenOm~no do Terceiro Mundo.~-

EFICIt:NCIA E DECêNCIA

"", não existe nenhum tipo de nação-estado no mundo con-temporáneo completamente imune ao perigo de ser submeti-do a um governo totalitário", diz Anthony Giddens (1985, p,309), Gostaria de acrescentar: os maiores perigos do crime nassociedades modernas não vêm dos próprios crimes, mas dofato de que a luta contra eles podc levar as sociedades a go-vernos totalitários,

*A presente análise é profundamcnte pcssimista e, como tal,contrasta com o que acredito ser minha atitude básica em re-lação a quase tudo na vida, É também uma análise de particu-lar importáncia para os Estados Unidos, um país cm j'claçãoao qual me aproximo por muitas razões, Discuti parte das mi-nhas análises com colegas americanos cm seminários e pales-tras dentro e fora dos Estados Unidos, e sei que eles ficaramdescontentes, Não que necessariamente discordassem, pelocontrário, mas não gostaram de ser vistos como representan-tes - que são - de um país com um particular potencial para che-gar a situações como as que delineio, Nestas circunstáncias, édesconfortável saber que são grandes as chances de a Europa se-guir, mais uma vez, o exemplo de seu grande irmão do Oeste,

Mas um alerta é também um ato de algum otimismo, Umaadvertência significa acreditar nas possihilidades dc mudança,

Este livro é dedicado a Ivan lIIich, Seu pensamento está porde trás de muito do que foi formulado aqui, e ele tambémsignifica muito para mim, pessoalmente, lIIich náo eséreve so-bre o controle do crime como tal, mas percebeu as origens doque está aconte~endo atualmente; os instrumentos que criama dependência, o conhecimento adquirido pelos especialistas,a vulnerabilidade das pessoas comuns quando são levadas aacreditar que as respostas para seus problemas estáo nas ca-beças e nas máos de outras pessoas, O que ocorre no campodo controle ,industrializado do crime é a manifestação extre-- .~"'.'..;.

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A INDÚSTRIA 00 CONTROLE DO CRIME

ma de tendências contra as quais Ivan l11ichfreqüentementeadvertiu. Incluo referências a algumas de suas principais obrasna bibliografia, apesar de não seremmcncionadas diretamen-te no texto. Apesar disso, elas estão presentes.'

Algumas observações finais sobre as minhas intenções, sobrea linguagem e a forma:

o que se segue é uma tentativa de cnar uma compreensão coe-rente baseada numa ampla gama de fenõmenos que são, namaior parte das vezes, abordados em separado. Alguns capí-tulos poderiam ter se transformado em livros distintos, mas omeu interesse foi de apresentá-los juntos e abrir. assim, a pos-sibilidade de busca de suas inter-relações. raço uma tentativade ajudar os leitores a encontrar eles mesmos estas relações,sem aprofundar muito a minha interpretação. O material queapresento pode também dar origem a interpretações muitodiferentes das minhas. Isso seria ótimo. Não quero criar inter-

1Além da dívida intelectual com lvao lllích e oulros eil3dos no texto, recebi uma im-portante ajllda de inúmeros colegas e amigos. Dos EUA, James Aust;n, AlvioBrollstcin, Stephcn Cartcr, Marc Mauer c Margo Pieken conlribllímm com novas idéiasc dados particularmente úteis. Numa segunda revisão do m:lnusCrilo, recebi impor-tantes crilicas de Bill Chamblis$ c Harold Pcpinsky. Do C<lnadá veio uma excepcio-nal ajuda de Maeve McMahon cOle Ingstrup. Na Grã-Bretanha, Vivian Stern medeu Ulll<lgentil ajud3, bem como Sebasti3n Schcerer n3 Alemanh3, Louk Hulsman eRené vau Swaaningen na Holanda. Monika Platek enviou dados da Polônia, bemcomo a crítica de um primeiro rascunho do manuscrito. Da Rússia, recebi contri-buições valiosas de Svetbna PolubinskaY<l e de Alcxander V••kovlev, bem como deKawlin GOnczól da Hungria. Da Esc:.mdinávia, recebi inspiração e críticas COllslnl-tiv<ls ao manuscrito de Johs Andenaes. F1emming Balvig, Kjcrsti Ericsson, Hedd<lGiertsen, Cecilie 1I0igi'trd. Thomas Mathiesen, Angelika Schafft, Kristin Skjorten e!.ill Scherdin. A Scandinavi:ln UnivcrsilY Press - personificada em Jon Haarberg eAnne Tumer _ me ajudou e encorajou durante todo o processo. Petcr Hilton e AnneTurner ajudaram a adaptar meu inglês js normas dessa Ilngua, mas não podem serresponsabilizados pelos pontos em que insisti em preservar formas e rormulaç6es quemc parecer::lm lll:ÚS próximas ao ritmo do meu norueguês. fieril B1indheim, TuridEikvmn, Frade Rod e Grethe Aar::las me deram assistência em diversos estágios eJune Hansen fez um trabalho excepcional, pondo o m<llluscrito em ordem. A Asso-ciaço.o dos Escritores e Tradutores de Não-ficção Noruegucses tornou possíveis asviag,cns durante a preparaça.o do livro.

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EFICIÊNCIA E DF(;~NC1A

pretações fechadas nem barreiras, mas abrir novas pcrspeeti-.vas na procura infinita de um significado.Quanto ã linguagem e ã forma: o jargão sociológico é rechea-do de conceitos latinizados e estruturas de frases complicadas.É como se o uso de palavras e frases comuns pudesse dimi-nuir a confiabilidade dos argumentos c do raciocínio. Detestoessa tradição. A sociologia que me agrada pouco precisa determos técnicos e de frases floridas. Ao escrever, tenho emmente "minhas tias favoritas", imagens fantásticas de pessoascomuns que gostam de mim o suficiente para tcntar ler o tex-to, mas não ao ponto de aceitarem tcrmos c frases complica-das que fariam o texto parecer mais científico.

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Capítulo 2O olhar de Deus

2.1 Completamente sozinho

Manhã de domingo. O centro da cidade de Oslo está deserto.Os portões do jardim que circunda a Universidade estavam fe-chados quando cheguei. O mesmo acontecia com a entrada cioInstituto e a porta do meu escritõrio. Tenho a certeza de quesou a única pessoa em todo o complexo. Ninguém pode me vef:Estou livre de todas as espécies de controle, exceto os internos.

Historicamente, esta situação é bastante especial. Não ser vis-to por ninguém, exceto por mim mesmo. Nunca aconteceudurante a vida de meus avós, ou de minha mãe, pelo menoscompletamente. E quanto mais para trás me transporto, maiscerteza tenho: eles nunca estiveram sozinhos; sempre estavamsendo vigiados. Deus estava lá. Pode ter sido um Deus com-preensivo, que aceitasse alguns desvios, considerando a situa-çãocomo um todo. Ou era um Deus clemente. Mas selTJprees-lava por perto.

Da mesma form!l que os produtos humanos de Sua criação.

Nos finais do século XI, a Inquisição estava presente na Fran-ça. Alguns dos protocolos dos interrogatórios incrivelmentedetalhados ainda estão preservados no Vaticano, e Ladurie(1978) usou-os para reconstruir a vida de uma aldeia nas mon-tanhas, Montaillou, entre J 294 e 1324. Ele descreve o cheiro,

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o OLHAR OE DEUS

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mil: Calúnia e difamação

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soai caíram substancialmcnte nos últimos 35 anos - em nll'meros absolutos de I, 100 para 700.Gráfico 2.1-1 Todos os tipos de crimes registrados e investigados pormil habitantes, e crimes de calúnia e difamação investigados por cemmil habitantes. Noruega1gS6-1991

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A minha interpretação dcstes númcros é trivial. Não é que aspessoas sejam hoje mais gentis ulIlas com as outras, ou maisrespeitadoras ela honra alheia. De maneira gera! se podc di-zer, simplesmcnte, que não há tanto a perder. A honra não é

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2.2 o estranho

Foi em Berlim, no ano de 1903, que Georg Simmel publicou oseu famoso ensaio "O estranho"- "Exkurs über den Fremden",Para Simmel, o estranho não é a pessoa que chega hoje e vaiembora amanhã, O estranho é aquele que chega hoje e não sevai amanhã, talvez nunca se vá, mantendo porém, permanen-temente, a possibilidadc dc partir, Mesmo que não vá embora,não abandona de todo a liberdade de partir. Ele tcm consciên-cia disso, assim como os que o cercam. Ele é participante, émembro, mas menos do que as outras pessoas. Os que o ro-deiam não podem inlluenciá-Io completamente.

Georg Simmel teria gostado do Gráfico 2./-1.

A linha ascendente nos dá o número por mil habitantes de to-dos os tipos dc crime investigados pela polícia da Noruega de1956 até 1989, Esse crescimento é semelhante na maioria dassociedades industrializadas. Em números absolutos, significaum aumento de 26 mil para 237 mil casos, A outra linha - cri-mes por ccm mil habitantes e não por mil habitantes, como aanterior, já que os números são menores - mostra os registrosde crimes contra a honra, calúnia e difamação, atos que aindasão vistos como delitos no meu país. Como observamos, a ten-dência aqui é oposta à anterior. Os crimes contra a honra pes-

A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

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os sons e a transparência, As moradias não permitiam priva-cidade alguma, Não haviam sido construídas para isso, em par-te devido a limitações materiais, mas também porque a priva-cidade não era tão importante, Se o Todo-Poderoso via tudo,por que se preocupar em afastar-se dos vizinhos? A cste con-ceito se juntava uma antiga tradição, O próprio termo "priva-do" vem do latim privare - que está relacionado com perda,com ser roubado -, ser privado de algo, Estou aqui, no domin-go dc manhã, "privado", completamente só atrás dos portõesfechados da Universidade.

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A INDUSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

mais tão importante a ponto de levar à polícia uma pessoa quese sinta ofendida. As sociedades modernas têm uma abundân-cia de mccanismos - alguns intencionais, outros nem tanto-que fazem com que as pessoas já nâo se importem tanto comas outras quanto se importavam antes. Nosso destino ê estar-mos sós - privados - ou rodeados de pessoas que só conhece-mos limitadamente, se é que realmente conhecemos. Ou estar-mos cercados de pessoas que podem partir facilmente, que nosdeixarâo com a mesma facilidade dos estranhos. Nesta situa-çãO, a perda da honra não parece ser tão importante. N inguêmvai nos conhecer no próximo estágio de nossa vida. Mas, comesse mesmo sentimento, as pessoas que nos rodeiam tam-bém perdem um pouco da inOuência sobre nós, e a linha detodos os crimes registrados ganha um novo impulso paracima.

2.3 Onde o crime não existe

Uma das formas de encarar o crime é entendê-lo como umaespécie de fenômeno básico. Alguns atos são consideradosintrinsecamente criminosos. O caso extremo são os crimesnaturais, atos tão errados que virtualmente se autodefinemcomo crimes, ou pelo menos são vistos como tal por qualquerser humano razoável. Este ponto de vista provavelmente emmuito se aproxima ao que a maioria das pessoas sente intuiti-vamente, pensa e diz sobre crimes graves. Moisés desceu damontanha com os mandamentos, Kant usou os crimes natu-rais como base para seu pensamento jurídico.

Mas os sistemas onde prevalecem estes pontos de vista tam-bém colocam certos limites às tendências criminalizadoras.

O mecanismo subjacente é simples. Pense numacriança, seufilho ou de outrem. A maioria das crianças age, por vezes,de uma forma que a legislação poderia considerar criminosa .

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o OLHAR DE DEUS

Pode desaparecer dinheiro dc lima bolsa. Seu filho não diz averdade, ou pelo menos toda a verdadc, sobre ondc passou anoite. Ele bateu no irmão. 1\1as,ainda assim, não aplicamosnesses casos as categorias do direito penal. Não chamamosuma criança de criminosa, nem seus atos de crimes.

Por quê?

Apenas porque não parece certo fazê-lo.

Por que não')

Porque sabemos demasiado. Conhecemos o contexto: o filhoestava desesperado por arranjar dinheiro, estava apaixonadopela primeira vez, o irmâo o irritou mais do que alguém pode-ria suportar - seus atos não tiveram significado, nada ,)C.res-centaria vê-los à luz do direito penal. E conhecemos tâo bemnosso próprio filho. Com tanto conhecimento, uma categorialegal seria muito estreita. Ele pegou o dinheiro, mas lembramo-nos de todas as vezes em que ele generosamente partilhou seudinheiro, ou seus doces ou carinho. Bateu no irmão, mas mui-tas outras vezes o consolou; mentiu, mas continua sendo umgaroto em que se pode confiar.

Isso é verdade. Mas não se aplica nccessariamcnte ao garotoque acabou de se mudar para o outro lado da rua.

Atos não São, eles s tornam alguma coisa. O mesmo aCOIHe-ce com o crime •...O ~rime não existe. ~ cnado. Primeiro, exis-tem atos. Segue-se depois um longo processo de atribui"rsigni-ficado a esses atos. A distância social tem uma impor.tânciaparticular. A distã.ncia aumenta a tendência de atribuir a cer-tos atos o significado de crimes, e às pessoas o simples atribu-to dc criminosas. Em outros ambientes - e a vida familiar éapenas um de muitos exemplos - as condiçôes sociais sâo taisque criam resistências a identificar os atos como crimes e aspessoas como criminosas.

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

2.4 Uma oferta ilimitada de crimes

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3.1 Medidas de dor

A quantidadc de punição aplicada pelo sistema jurídico de cadapaís pode ser medida de diversas formas. Apresentarei princi-palmente dados atualizados sobre número de presos. Depoisda morte, o encarceramento é a maior demonstração do exer-cício do poder à disposição do Estado. Todos somos submeti-dos a alguma forma de sujeição: forçados a trabalhar para so-breviver, a nos submetermos às ordens dos superiores, presosem classes sociais ou salas de aula, aprisionados no núcleo fa-miliar ... Mas com exceção da pcna capital e da tortura física-quc são usadas de forma muito limitada na maioria dos paí-ses que discutimos neste livro - nada é tão completo, em ter-mos de constrangimento, degradação, c de dcmonstração depoder quanto a prisão.

Para medir o uso do encarceramento na sociedade, us~rei da-dos relativos, isto é, o número diário de presos por cem milhabitantes. Não é um indicador preciso, mas é o melhor quepodemos usar pa~a comparar nações. Steenhuis e colaborado-res (I 983) criticam seu uso. Uma cifra rclativa baixa, argumen-tam, pode ser resultado de muitos presos com pcnas pequenas,ou de apenas alguns com sentenças de prisão perpétua. Masnão me convenceram. Independentemente da distribuição en-tre sentenças curtas e longas, parece razoável dizer que um paísque tem 500 presos por cem mil habitantes usa níveis de dor

!lII ,I Capitulo 3. Níveis de dor intencional

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I Quando punem o criminoso não são responsáveis. A responsabilidade repousa nosombros da pessoa que cometeu o que pode ser chamado de "crime natural". Este qua.dro Tc-ativo - em contraste com o pró-ativo - fornece uma proteç:l.o considerável <lOSque administram o sistema. Arespon.sabilidade pelo que acontecer mais tarde é apenasda pessoa que cometeu o crime. Ele/ela atuam, e as autoridades são forçadas a Tc-agir.Quem começou (oi quem violou a lei; as autoridades apenas restauram o equilíbrio .

Nas sociedades que pouco criminalizam os atos, e onde amaioria desses atos é evitada apenas pelo olhar de Deus, pelapresença dos vizinhos ou por restrições circunstanciais, a leipode ser vista como o receptáculo do que sobrou, do poucoque escapou à primeira linha de controle, e chegou à atençãodas autoridades. Nesta situação, não existe nem espaço nemnecessidade de discutir a seleção de casos. Os juízes têm queaceitar o que lhes é apresentado. Têm que reagir.'Mas, como vimos, não é essa a nossa situação. O sistema so-cial mudou e hoje existem menos restrições a considerar atémesmo pequenas transgressões como crimes e seus autorescomo criminosos. Ao mesmo tempo, as velhas defesas contraos atos indesejados desapareceram e foram criadas novas for-mas técnicas de controle. Deus e os vizinhos foram substituí-

I~ r/J ~<::~ela eficiência mecãnic.a.d~smodernas formas de vigilân-. {j/' cla. Vivemos a situação concreta do CrIme como fenõmeno de'" lO~ mãssa. A fúria e a ansiedade - provocadas por atos que tam-

bém poderiam ser facilmente considerados crimes naturais nassociedades modernas - se tornam a força motriz da luta con-tra todas as espécies de atos deploráveis. Esta nova sjtuação,que compreende uma ofeI1a ifjmjtada de atos que podem ser de-finjdos como cnInes, Clia também possibjjjdades JJjnútadas detravar uma gueITa contra todas as espéáes de atos jndesejáveis.

A tradição ainda viva do período em que os únicos crimes eramos naturais, aliada a uma oferta ilimitada do que é hoje vistocomo crime, preparou o terreno. O mercado do controle docrime aguarda seus "entrepeneurs".

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

intencionais superiores a uma sociedade que tem 50 presos porcem mil habitantes.'Mais problemática é a interpretação destas diferenças. O nú-mero de presos pode ser visto como um indicador da quanti-dade de crimes cometidos no país. Esta perspectiva condizcom a visão tradicional dos crimes naturais num contextode reação. O criminoso começa, o judiciário reage. Um aumen-to no número de prisóes é visto como um indicador de que onúmero de delitos cometidos aumentou, enquanto a tendên-cia para a queda indica que a situação mudou para melhor. Nomesmo momento histórico, sociedades com alto nível de pu-niçãO são vistas como tendo também uma alta taxa decriminalidade, enquanto as que têm índices mais baixos sãoprovavelmente lagos tranqüilos num mundo turbulento. Estaé a forma tradicional de interpretar os dados.

1\ . ),yMas esta interpretação não condiz com a perspectiva apresen-\} j tada no Capítulo 2. ~le, mostramos uma situação em que

I d ',,1". existe uma oferta ilimitada de atos que odem ser defimdosj . .r.1 como cnmes. en o es e o caso, uma mterpretação a ternat,-

\\ \. ,lp'" - va do número de presos seria vê-lo como produto final de uma~ miríade de influências: o tipo de estrutura social, a distãnciary 0 social, as revo!uçóes ou distúrbios políticos, o tipo de sistema• ~., legal, o interesse económico e o nível industrial. ~quilo que

sempre é visto como crime também terá seu papel. E uma for-ça entre outras. Mas é uma perspectiva muito estreita olhar onúmero de presos apenas como um indicador do número decrimes. E não condiz com os dados que se seguem. Deixem-me começar em casa:

I Muitas vezes sugere-se que o número de admissões às prisões seja usado como in-dicador. Sua utilizaç~o, porém, leva ao problema de definir o que é uma admissão.A permanência numa cela por quatro, oito ou 24 horas deve ser contada? Ou sÓ de-vem ser contabilizadas as prisões realizadas com ordem judicial? Em algumas juris-dições, a ordem deve ocorrer num prazo de 24 horas. Noutras, a policia pode espe-rar algumas semanas antes de levar a pessoa a um juiz, e só a partir daI a pris~o passaa ser considerada como tal.

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NíVEIS DE Ilon INTENCIONAL

3.2 Os bons velhos tempos?

O Cinífico 3.2-1 contém o nlllllero de presos por cem mil ha-bitantes na Noruega desde 1814, o ano de aprovação da nos-sa Constituição, até o presente. O gráfico tem a forma de umamontanha muito alta sobre a metade do século passado, se-guida de uma população carcerária pequcna c relativamenteestável neste século. Os ültimos 15 anos mostram Ulll contí-nuo crescimento, mas os nümeros relativos não chegaram aonível da grande depressão dos allOS .10.

O aumento da populaçao carcerária desde 1814 é muito fácilde explicar. Sair do século XVIII significava deixar atrás umgrande nümero de penas capitais, bem como açoites, identifi-caça0 de criminosos com marcas a ferro na testa, cortes dededos e outras mutilaçóes. A transição do tormento físico paraa perda da liberdade foi estabelecida e regulamentada numalei de 15 de outubro de 1815'

Gráfico 3.2-1. NLlmero de presos por cem mil habitantes na Noruega1814a1991

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O GráfICo 3.3-1 baseia-se nas estatísticas carcerárias elo Con-selho da Europa, Mostra dados sobre a população carccráriapor ccm mil habitantes, a maioria dos quais ele 1990,

O quc mais chama atenção neste eliagrama é a extrcma 'IariJ-ção entre estas nações européias. No extremo supcrior, encon-tramos os vários países do Reino Unielo: a lielerança é da Ir-landa elo Norte, mas a Escócia está próxima, Durante muitotempo, a Turquia estava perto do Reino Unielo, mas atualmenteestá muito atrás. Luxemburgo está hoje perto elo topo. No ou-tro extremo do gráfico encontramos a pequena Islânelia eChipre, mas também, surpreendentemente, a Holanela. AGrécia vem perto ela Holanda, seguida ela Noruega, Itália,República ela Irlanela e Suécia.

NíVEIS DE DOR INTENCIONA\...

Se compararmos os dois gráficos, podemos ver que o númerorelativo de pessoas declaradas culpadas permanece estáveldurante a maior parte do século XIX, enquanto o número re-lativo ele presos cai para um quarto do nível ele 1844. O gran-de aumento elo número ele pessoas declaraelas culpadas só co-meça em 1960, Mas isto não influencia o número ele prisõesaté os últimos anos - 35 anos elepois ele começar o aumento,

3.3 Europa Ocidental

Intuitivamente, o fato ele a Islânelia estar na base do gráficoparece correto. É um país distante ele muitas influências, e temuma populaçâo tão pequena que "a maioria elas pessoas" seconhece - e talvez mesmo precisem umas elas outras. O con-ceito de honra pode ainda ser importante, Chipre pode ser in-fluenciado pelos Illesmos fatores, Mas logo vcm a Holanda,altamente industrializada e densamente povoada, com gran-des minorias étnicas e onde o acesso às drogas é mais fácil doque em qualquer outro lugar. Se as pop~.lações carcerárias fos-sem vistas como uma medida do número de delitos cometidos,a Áustria e países situados em pontos mais altos do gráfico

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Gráfico 3.2-2 Pessoas declaradas culpadas de crimes por cem mil ha-bitantes, Noruega 1835-1990

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•••

Em vez da perda de uma mao, prisao por dez anos; em vez detrespassar e dilacerar a mao, dois anos de prisao, e em vez detrespassar a mão, um ano de prisao,

Mas esta transição criou novos problemas, O primeiro, e maisimportante, foi a pressão que exerceu sobre o sistemacarcerário, Em vez de ser uma entre muitas formas de punição,a prisão passou a ser a principal reação ao crime, As peniten-ciárias e outras instituições penais se encheram ao ponto deestourar, De 1814 a 1843, o número diário de presos na Noruegasubiu de 550 para 2.325, Isto representou um aumento de 61para 179 por cem mil habitantes, triplicando no curso de 30anos, Até que algo de novo ocorreu, Desde 1842 até a viradado século uma série de emendas ao código penal apontou paraa redução das penas ou para evitar o encarceramento. Demo-rou cerca de 60 anos para a taxa retornar aos níveis de 1814.Desde então, a taxa de encarceramento na Noruega vem-semantendo relativamente estável.

Estes acontecimentos não parecem ter uma relação direta como número de pessoas declaradas culpadas na Noruega. O Grá-fico 3.2-2 registra os números por cem mil habitantes de 1835a 1990.

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Hungria 134Canadá 100 111

EUA 230 426

3.4 Tendências mundiais

Tabela 3.4-1 Número de presos por cem mil habitantes na URSS (maistarde Rússia), Polônia, Hungria, Canadá e EUA 1979-1991

A Tabela ],4-1 mostra diferenças dramáticas entre os países eatravés do tempo. Em 1979, a URSS liderava, com 660 presospor cem mil habitantes. A Polônia vinha em seguida, depois osEstados Unidos com 230 por cem mil c o Canadá no final comnúmeros semelhantes ao padrão da Grã-Bretanha.

Olhando os números de 1989, encontramos uma situação com-pletamente mudada. Em dez anos, a população carcerária daPolônia caiu de 300 para 107, e a Hungria caiu de um picodesconhecido para 134.2

A avaliação dos clados da URSS é particularmente complica-da. Durante anos, lutei para conseguir uma visão clara cio la-manho de sua população carcerária. Até a data em que escrevieste livro, o número de presos ainda era considerado segredode estado. Como mostra a tabela, minha estimativa é de,quetenha caído de 660 em 1979 para 353 por cem mil habitantesdez anos depois.

Minha estimativa se-baseia no seguinte:

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NíVEIS DE DOR INTENCIONAL

2 Estes numeros se baseinm em estimativas de colegas, panicularrncl1te MonikaPlatek, e tenho todas as razões para acreditar que s110exatos. O mesmo ocorre comos dados da Hungria, fornecidos por Katalin GônczoJ de Budapeste. Sua estimativae de que o mlmcro de presos da Hungria IJmhém caiu bnstanle.

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teriam mais de duas vezes o número de crimes da Holanda.Não pode ser.A ausência de relação entre o número de delitos registrados ca população carcerária se torna mais óbvia se sairmos da Eu~ropa Ocidental.Gráfico 3.3.1 Número de presos em palses europeus selecionados1991. Por cem mil habitantes

Irlanda do Norte 106Escócia 95

Reino Unido 92Espanha 92

lnglalerrae Pais de Gales 91Luxemburgo 90

Áuslna 88Suiça 85

França 84Turquia 82

Portugal 82RepúblicaFederal da .aJemanha78

M~la 67Dinamarca 66

Finlândia 62Bélgica 61Irlanda 60

Noruega 59Iiâlia 56

Suécia 55Grécia 50

Holanda 44Islândia 39Chipre 38

o 20 40 60 80 100 1201. Fonte: Conselho da Europa: Boletim de IfJform,1ç,1o c.7fCer.1riil, 1992.2. Fonte: Conselho da Europa: Boletim de In{onmlçtJo 07fcer,1ria, 1992, dados de 1989.

A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

Em 1979, numa apresentação à Sociedade Americana deCriminologia, um ex-promotor da URSS estimou que havia noseu país 660 prisioneiros por cada cem mil habitantes.

Numa visita a Moscou em 1989, ouvi de colegas que os núme-ros corretos para aquele ano eram 214 por cem mil habitan-tes. Um ano mais tarde, emergiram novas informações numaconferência internacional sobre comportamento desviante. Amenor estimativa mencionada foi de 800 mil presos, o que dava282 por cem mil habitantes. Alguns meses depois, realizou-seuma reunião de pesquisadores da Escandinávia c da URSS naSuêcia. Nela, apresentei este espectro de dados que havia reu-nido e pedi uma interpretação. As respostas vieram, a maioriaatravês de gestos. Os dados extremos, como o número de 660por cem mil habitantes de 1979, foram recebidos com ilTitação.A sugestão de 214 presos por cem mil habitantes provocoudelicados sorrisos indicando a minha ingenuidade. A estima-tiva de 353 prisioneiros por cem mil habitantes - que na épocase tornara minha estimativa favorita - foi recebida com um si-lêncio satisfeito. Hoje, eles me teriam dito. O Sentencing Projeet(Mauer 1991) sugere o número de 268 para a URSS. Prova-velmente, é um dado subestimado.Minha conclusão exploratória é que o dado de 353 por cem milhabitantes é correto para 1989. Com este dado, a URSS aindatem uma população carcerária muito grande, se comparadacom os padrões europeus. A organização Helsinki Watch, numrelatório de dezembro de 1991, confirma a minha estimativa.Baseada em extensas entrevistas com as autoridades soviéticas, aorganização conclui que "o número de presos provisórios e de-linqüentes condenados presos na URSS atinge o índice de 350 porcem mil habitantes" (p. 10). Devemos acrescentar, se usalTIlosessenúmero, que há 160 mil pessoas confinadas contra a vontade eminstituições de tratamento para viciados em álcool e drogas. Se

. os incluilTIlos,chegamos a l, 1 milhão de presos, ou 392 encarce-rados por cem mil habitantes.

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NíVEIS DE DOR INTENCIONAL

Como vemos na tabela em todos os países cio Leste híl umatendência a uma redução considerável da população carcerária.Este é provavelmente o caso também da China continental.Domenach (1992) descreveu recentemente o sistema dosGulags neste país. Sua estimativa é de que a China tinha cercade dez milhões de pessoas em Gulags no início dos anos 50 eque hoje esses números caíram para quatro a 5,5 milhões.Numa população de um bilhão de habitantes, isto signil'icaumapopulação carcerária de 400 a 550 por cem mil habitantes.] AURSS também parece ter rido o mais ailo número de presosem Gulags no início dos anos 50. Em 1989, Gorbachcv pediuà Academia de Ciências que investigasse os arquivos secretosdo Ministério do Interior. Formaram-se alguns grupos de his-toriadores, coordenados por Viktor N. Zemskov. Zemskov pu-blicou um relatório preliminar ao qual tive acesso apenas in-diretamente (Beck J 992)' A maior descoberta é que o Glllagatingiu seu ponto máximo em 1950, com 2,5 milhões de prisio-neiros. Levando em conta a população dessa época, isto repre-senta 1.423 presos por cem mil habitantes. Desde então, osnúmeros declinaram.

Mas nos Estados Unidos, o número de presos desloca-se no sen-tido oposto, crescendo de 230 em 1979para 426 em 1989,de acor-do com as fontes oficiais e com o Sentencing Projecr (Mauer 1991).E o crescimento continua. Vol1aremos aos dados dos EstadosUnidos no C1pí/ulo 6.2. Mas vejamos ainda mais 11mdado: en-quanto a URSS reduziu praticamente para metade sua popula-ção carcerária nos últimos dez anos, os Estados Unidos mostramexatamente o perfil oposto e duplicaram o nÚmero de presos nomesmo período. At~ a África do Sul está atrás dos Estados Uni-dos com "apenas" 333 presos por cem mil habitantes (Mauer

J Domcnach em IH.'ekend.7Visefl, Copenhague, 4-11 de junho, 1992.4Nota à segunda cdjç~o:o m<lis importante relatório publicado em ingll!s ~ de GClty,Rittcrspoon e Zcmskov (1993).

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

1991), Apenas a China está na mesma categoria que os Esta-dos Unidos, É interessante verificar que o Canadá, o mais pró-ximo dos vizinhos, - tanto geograficamente, quanto no que dizrespeito a padrões industriais, língua e vários elementos dacultura - foi relativamente pouco afetado pelo que está acon-tecendo nos Estados Unidos, no que se refere à populaçãocarcerária, Em 1989, o número de presos do Canadá permane-ceu próximo ao da Grã-Bretanha, tanto em geral quanto no quese refere às penas aplicadas aos condenados, As diferenças de nú-mero de delitos cometidos não são possivelmente a melhor ex-plicação para esta enorme diferença no número de presos en-tre países tão próximos como o Canadá e os Estados Unidos,

3.5 A Importância das idéias

Todos os dados de que dispomos apontam na mesma direção:não se pode usar o número de presos como indicador do nú-mero de delitos cometidos, Uma perspectiva histórica na No-ruega nos confirma isso. As diferenças no número de presosna Europa não podem também ser explicadas em termos dediferenças do que é considerado crime, O estudo de um grupode especialistas do Conselho da Europa chegou à mesma con-clusão, O presidente do grupo, Hans Henrik Brydensholt(1982), afirma de maneira contundente:

",não existem relações diretas entre taxas de criminal idade etaxas de detenções ou"' o número de presos por cem mil habi-tantes em um determinado momento,

A nível mundial, isto se toma quase óbvio, A tendência decrescentedo número de presos na Europa Oriental não pode ser conse-qüência do que é visto como a "situação da criminalidade", E maisque quaisquer outros números: o enorme crescimento do núme-ro de presos nos Estados Unidos não pode ser um reflexo realistade mudanças no número de delitos cometidos, Nossa conclusão'éclara: 9 número de presos não pode ser explicado pelo número~le delitos cometidos em determinada sociedade,

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f\:iVE1S DE DOH INTENCIONAL

As idéias e as teorias gerais não são símbolos sem sentido prá-lIco, Elas abrem caminho ;'1 aç,ão, A crença de que a popula-Ção carcerária seja um indicador da criminalidade e a impos-sibilidade de demonstrar tal idéia, condizem com a perspectivado direito natural, e também com teorias sobre qual deveria sera resposta a estes erimes, Estas crenças harmonizam-se com ateoria da reação, Se o criminoso é quem começa, e tudo o queas autoridades podem fazer é reagir, então, naturalmente, onúmero de presos é conseqüência da criminalidade e reflete ()número de delitos cometidos, Ti';.ila-sc assim de destino, e nãode uma opção,

Mas as sociedades modernas lêm ã sua disposiç,ão uma dertailimitada de atos que podem ser definidos como crimes, E vi-mos que elas fazem usos muito dil'erentes dessa oferta, (lU pelomenos diferem no uso de uma das mais importantes formasde condenação: a prisão, -lendo chegado a esla conclusão,podemos passar a uma outra, Se o número de crimes não ex-plica o número de presos, como pode este último então serexplicado? Estas sociedades lêm cm comum o falo de -- comimportantes variaçCies - serem altamente industrializadas,Como podem então ser tão diferentes no que respeita ao usoda prisão? Como podemos explicar as enormes variações que,encomramos em diferentes (;pocas e entre diferentes nações')

Procurarei explicar em duas etapas, porque há ciois problemasigualmcutc fascinantes, Primeiro: por que existem sociedadesque fazem uso tão limitado do encarceramento? E o segundoproblema: por que encontramos sociedades, nesse mesmo gru-po de nações industrializadas, que têm mais de dez vezes oIlCimero de presos ôo que as outras?

Deixem-me começar, mais uma vez, em casa, ou perto decasa, onde a pergunta será: por que estes países têm tãopoucos presos?

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ainda relativamente baixo para um país altamente industria-.~ I lizado. Com a modernidade, que trouxe um aumento do anoni-mato e da anomia, e um crescimento constante dos crimes denun-

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ciados à polícia, por que os números n;lo cresceram tanto?:.'> JiH

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Temos 2.500 pessoas nas prisões, Mas temos 4.500 em listas

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As autoridades estão constrangidas. Filas para conseguir vaga:)nos jardins de infãncia, listas de espera para internamento emjhospitais, listas de éspera para serviço de enfermagem a do-

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micílio. E agora, listas de espera para cumprir pena, Não podejestar certo, Entendo que as autoridades não fiquem à vonta-

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Inglaterra ou nos Estados Unidos, É como se os cidadãos dcs- J[~tes países não pudessem acreditar no que estão ouvindo, Lis. tijtas de espera para ser preso? Soa como se estivesse fora de3 l'.,t')

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

compasso, uma dissonância, como um trecho de hard rock nomeio de uma peça de Debussy,

Por quê?

O constrangimento existe provavelmente porque este mecanis-mo não se harmoniza com os atuais estereótipos, sobre a fun-çãO de presos e prisões. Todos sabemos as regras básicas dosjogos de polícia e ladrão. A polícia tem que pegar os ladrões,colocá-los na prisâo e mantê-los. I~ um trabalho duro e peri-goso. Se os caras maus tiverem uma chance, vâo escapar. Esteera o jogo de nossa infância. I~ também o jogo da mídia, umarealidade de acordo com o sctipl. O criminoso é detido, ficapreso enquanto aguarda o julgamento, e depois vai direto paraa penitenciária cumprir a sentença.

Esta descrição é correta, em alguns casos extremos. Mas mui-tos casos não o são. E aqui começa a dissonância, Muitos con-denados são pessoas comuns, não são uma casta especial, nãosão bandidos. Têm que ser responsabilizados pelo que fizeram,mas não são animais selvagens. I':les podem esperar, todospodemos. Acabou-se o jogo.

A fila não condiz com os estereótipos.' Reconhecer a fila é re-conhecer que os que estão nela nüo são perigosos, não sãomonstros. Eles vâo para a prisüo - ao fim de algum tempo -

.Elas não para proteger o público de sua presença, Isto nos obri-ga a refletir. Êj10r isso que esta é uma boa s~luçãO. Mas tam-bém é ruim .::para os que estão na fi,ª, É difícil j)lanejar o futu.:,..

JQ quando se está na lista de eSI~ E as pessoas que estão nafila ficam infelizes, sabendo que a dor vai chegar. Algumas ficampassivas, em suas residências, como se já estivessem na prisão,De acordo com Fridhov (1988), os que já estiveram presos se

1 Esperar pelo julgamento é bem diferente de esperar pela punição. Quando se espe-ra pelo julgamento, o jogo continua de ácordo com o script, orlO em sentido contrálio.

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POR QUE HÁ TÃO poucos PRESOS?

preocupam mais com a próxima estadia, porque sabem o queos espera, Os novatos se impol1ammenos, porque ainda não sabem

Outra conseqüência da fila é seu efeito inibidor sobre as auto-ridades, A polícia sabe que não hâ vagas nas prisões, e se con-tém, Os juízes também sabem, Nos casos considerados maissérios, isso não evita o uso do ençarceramcnto. Mas muitoscasos não sâo sérios.

As perguntas lógicas que se scgucm são: porque não construirmais prisões, ou pelo menos aumentar a capacidade das quejá existcm? Muitos presos na Noruega ocupam "celas priva-das", quer dizer que há uma, e só uma pessoa por cela. Há ex-ceções, com celas maiores, construídas para abrigar vários pre-sos, mas não sâo muitas, Se fossem colocadas duas pessoasem eada eela, a maior parte da lista de espera desapareceriaem poucos anos. As autoridades se deram conta disto, e deci-diram duplicar a capacidade das celas destinadas a uma s6pessoa,

Mas uma coalisâo de forças vem bloqueando, até hoje, esseprojeto. Em primeiro lugar, os guardas penitenciários. O mo-vimento sindical é muito forte. Os guardas são sindicalizadose têm uma inflUência política considerável. Também cuidam elesuas próprias condições de trabalho, e se opõem frontalmente'a prisões superlotadas, Numa reunião de todos os represen-tantes dos guardas (Landsstyret) em 1990, foi aprovada fi se-guinte declaração formal:

Nós nos opomo,s frontalmente à decisão de se colocar elois pre-sos em celas construídas para uma só pessoa c apontamos asseguintes conscqüências negativas:

Nao é aceitável do ponto ele vista da segurança.

As condições dc trabalho dos guardas vão-se deteriorar.

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

Não é aceitáveldeixaros presos viverabaixoelepadrõcssociaisede saúde decentes.'

Escrevem cartas ao Comitê de Assuntos Legislativos do Par-lamento, fazem reuniões com polfticos, pressionam o partidoque por mais tempo tem governado o país. As autoridadescarcerárias insistiram durante algum tempo em duplicar as ce-las, mas, por razões misteriosas, o projeto se revelou impossí-vel. As autoridades sanitárias também protestaram contra adeterioração das condições de vida. Um novo ministro da Jus-tiça reverteu a decisão e o princípio de uma pessoa por cela foipreservadoJ

Provavelmente, os guardas não teriam tido sucesso se não hou-vesse duas outras forças trabalhando na mesma direção: amaioria dos presos se opõe frontalmente a ter que comparti-lhar celas e a oposição liberal é contra a medida. Mas estasvozes são tradicionalmente débeis. Por que foram ouvidas?Para explicar o ocorrido, temos que ir às montanhas.

2Esta não é apenas uma argumentaçãO convencional. Em 1989,;] mesma organiza.ção e outras similares na Dinamarca, Finlândia, Islandia e Suécia aprovaram um con-junto de normas éticas pnra os guardas penitenciários, que dizi.1

Os internos não s~o um grupo homogeneo. Têm, contudo, independentemente do crime que cometcr:lm, as mesmas necessidades, comuns a todasas pessoas, de serem respeitados como seres humanos. O fato de muitos delesterem cometido crimes graves torna necessário que sejam tratados com basenuma prática construída na atividade dos profissionais que têm experiênciano campo. Uma característica primordial desta atividade é a <ltilude basea.da na élica. Isto também se baseia no respeito pelo valor de c"da ser hUIll<lno.Os que foram condenados tl prisão não devem sofrer desnecessariamente,Um guarda n:'lo se deve comportar de forma a degradar desnecessariamen.te o interno, ou os que lhe s:'lo próximos.

lA import:lncia desta luta pel:! preservação do principio de uma pesso:! por cela Cressaltada nesta descriçao das condições na Grã-Bretanha (Stern, 1989, p. 6):

Em 1966, Lord Mountbatten disse: "Deveria se informar mais amplamenteque há ainda milhares de presos dormindo em grupos de três, em celasconstruldas no século XIX para um prisioneiro," Mais de 20 anos depois,as coisas nao melhoraram. Nestas mesmas celas, construldas há mais de cemanos para uma pessoa, 5.000 prisioneiros vivem à raz:'lo de três por cela e\4.000 vivem em grupos de dois por cela,

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POR QUE HÁ TÃO POUCOS PRESOS?

Todos os anos, logo depois do Natal. é organizada uma sin-gular reunião cm algum lugar das montanhas norucguesas.HOJe.depois de acontecer mais de 20 vezes, ela se tornou umaespécie de tradição. A reunião ocorre num hotel de alto nivel econta com a participação de 200 pessoas, durantc duas nOitese três dias.

Cinco grupos são representados:

PJ)ineiro: operadores oficiai, do sistema penal, diretorcs depenitenciárias, guardas, médicos, assistentes sociais, agentesde probation, professores das prisões. juízes, policiais.

Segundo: políticos. Membros do Storting (a AsscmbléiaLegislativa), às vezcs ministros, e sempre assessores e polfti-cos locais.

Terceiro:a "oposição liberal", pessoas leigas interessadas empolftica criminal, estudantes. advogados, professores univer-sitários.

Quarto: representantes da mídia.

Quimo: presos, muitas vezes ainda cumprindo pena, mas comautorização para sair durante esses dias. Alguns chegam nasviaturas da penitenciária, acompanhados do pessoal peniten-ciário. Outros são liberados temporariamente e chegam de ôni-bus. Nem todos têm licença para sair da prisão e participar dareunião. Os presos que muito provavelmente tentariam esca-par não podem sair. Mas é comum participarem presos con-denados por crimei:'graves: assassinato, tráfico de drogas, as-salto à mão armada, espionagem. Ao fim da tarde e à noite épossível ver - caso se saiba quem é quem - presos, dirctoresde prisão, guardas, policiais e representantes da oposiÇão li-berai em acaloradas discussões sobre a política criminal em ge-rai e as condições das prisões em particular. Mas também po-

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novas prisões, bem como algumas dúvidas sobre as vantagensdestas tendências na Europa em geral, ou nos Estados Unidosem particular. Este debate não se limita às montanhas. Tam-bém ocorre nas universidades, onde profissionais da área sãomuitas vezes convidados. E acontece no âmbito do ConselhoEscandinavo de Pesquisa em Criminologia, que realiza regu-lannente seminários conjuntos para profissionais e pesquisa-dores em várias áreas.

Provavelmente, um efeito geral de todas estas reuniões seja ode estabelecer uma espécie de normas mínimas para o que pos-sa ser considerado uma punição decente, e também que estasnormas sejam válidas para lodos os seres humanos. É quaseimpossível explicar porque as normas são o que são. Farei umatentativa no Capítulo 12, sobre A cultura do controle do cn-me. Mas, no que diz respeito à sua validade para todas as pes-soas, deixem-me sugerir aqui, como mínimo, que ela tem algoa ver com o poder de imaginar, a capacidade de uma pessoase ver na sítuação de outra. Numa situação oposta, quando ocriminoso é visto como parte de uma outra raça, uma não-pes-soa, uma coisa, não há limites para as atrocidades possíveis.Cohen (1992, p. 12) descreve um tipo de justificativa para atortura usada na Israel modema: "... e, afinal, eles não sentemrealmente nada, veja a violência que existe entre eles." Nos de-bates públicos, ouve-se muitas vezes: "Uma pessoa de melhorsituação sofre mais com a prisão."

O processo de identificação cria normas gerais válida,s paratodos e funciona, assim, como uma prevenção para medidasmais extremadas. Poderia ter sido eu, julgado culpado e con-denado à prisão.-o processo de identificação cria a própriasituação que Rawls (1972) constrói como instrumento paracriar soluções justas para vários conflitos. É uma situação ondeas pessoas a qucm cabe tomar decisões, não sabem a qual par-te do conflito pertencem. Aproximar-se da situação vivida pe-los réus tem o mesmo efeito. Convida a todo tipo de inibições.

A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

4As reuniões são organizadas pela KROM, Ulll;] inslituição dedicada à reforma pc-11::1\ e que já existe há 25 ::Inos, em grande p.lrte devido ~ inici;lLiva c ~ energia deThomas Mathiesen (1974, 1990). Durante quase lodo esse período, Mathiesen foiseu presidente. Mathiesen enfatizou p::IrticuhHmente fI necessidade de manter unworganização como um nlvel íntermedi:irio, mantendo a distância tanto em relaç~oaos movimentos políticos mais mdicais, quanto ao sistema prisional. Um ponto cen-trai desta tentativa foi a aceitação do "incompleto" com um::lcondição v::Iliosa:

A 'socicd<.lde alternativa' noresce da contradição e cOl1lpetiç~o com ::Ivelhasociedade. O próprio nascimento e crescimento dà novo decorre da contra.diçM e competição com o velho ... A sociedade alternativa, então, se basci<lno próprio desenvolvimento do novo, n50 no seu término. A conclUSão, ouo processo de finalização, implica num controle completo, e deixa de haver as-sim qualquercontradiçl\O. Também nt'loM competição, (Mathiesen 1974, p. 17).

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dem ser vistos em pacíficas e relaxadas conversas sobre as com-petições de esqui do dia seguinte'

Um efeito importante destas reuniões é incluir os presos nacomunidade moral dos que tomam as decisões. A Noruega éum país pequeno. Os que tem a responsabilidade de dirigir osistema formal de controle do crime não podem evitar conhe-.eerem-se uns aos outros, ou, pelo menos, saber quem são osoutros. Não podem escapar de seus críticos, e os quc criticamnão podem evitar os que tem responsabilidades. Somos obri-gados a um certo grau de proximidade. A situação não permi-te uma deturpação completa. De um lado, pode haver umaforte animosidade, mas muitas vezes com algumas dúvidas.Talvez o outro lado tenha alguma razão. Uma característicaparticular é que a maioria dos funcionários é formada em di-reito. Foram alunos de quem hoje os critica. Nestas condições,as imagens de monstros não florescem.

Mas esta descrição é demasiado idílica. Os participantes sãouma amostra selecionada. Alguns adeptos de leis rigorosas eda ordem estrita nem sonhariam em participar da reunião dasmontanhas. Mas um número suficiente de representantes detodos os setores está lá para tornar possível a comunicação.Pessoas capazes de colocar dúvidas sobre a construção de

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sel1lenças de três anos ou mais, das quais 14por homicídio (ape-sar de 63 pessoas terem sido declaradas culpadas por esse cr;-me nessc mesmo ano), duas por estupro (númcro lOtai dc con-denaçóes: 68), 13 por assalto com violência e, as restantes, seispor roubo com arrombamento, combinado com extorsno ... Olivramento condicional é quase sempre concedido c não é vin-culado à c1isposiçnodo preso de participar de programas elereabi-litação (p. 14).

David Downes (1988) descreveu alguns dos mccanismos quetornaram possível essa situação. A Holanda sofreu guerras eocupações. Muitas de suusprincipais figuras acadêmicas pas-saram por prisões. Saíram delas totalmente convencidas dosseus efeitos negativos. Entre elas estavam muitos professoresde direito penal que passaram a ensinar os perigos das penasde prisão severas. Esta concepção penetrou todo o sistema pe-nai e também a polícia, como puderam comprovar muitos repre-sentantes da lei e da ordem que visitaram a Holanda.

Mas na Bélgica e na França também houve personalidades domundo acadêmico presás durante a Segunda GlIerraMundial.Elas também tiveram experiências ruins. Apesar disso, o nú-mero de presos em seus países não sofreu urna reduçâo visí-vel. Por que existe esta diferença?

David Downes destaca as tradições de tolerância da Holanda.LOllk Hulsman (1974) concorda e cita a casa de pesagem deOudewater, perto de Gouda, como símbolo disso. Na época dagrande caça às bruxas na Europa, no século XVII, as pessoasse dirigiam a Oudewater para provar que podiam ser pesádas _ao contrário das bruxas, que na época se supunha não terempeso. Em Oudewaler obtinham um certificado de peso, salva-guarda contra as perseguições. Rutherford (1984, p. 137) citaurna fonte de 1770 dizendo que mais criminosos foram execu-tados em Londres num ano do que nij Holanda em 20 anos ..

Além da tolerância, existe um mecanismo característico daHolanda para lidar com conOitos. A história desse país está

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4.2 Tolerância vinda de cima

A Holanda, esse país pequeno, densamente povoado, altamenteindustrializado, com grandes divisões étnicas e religiosas teve_ até recentemente - uma das menores populações carceráriasda Europa. É um mistério. E este pequeno número tem sidoum argumento importante no debate europeu sobre a necessi-dade de prisões. Se a Holanda consegue, por que não o restoda Europa? .

Louk Hulsman (1974) descreveu o nível de indulgência queexistia quando o número de presos era mínimo:

...é possível atribuir o declínio da população carcerária não auma queda do número de sentenças de prisão impostas, masapenas a uma redução de sua duração. A relativa brevidade daspenas e a tendência contínua de reduzi-Ias mais ainda podeser classificada talvez como a principal característica da evo-lUÇão penal recente da Holanda. Em 1970, houve apenas 35

Mentalmente, o juiz atua, nas palavras de Rawls, sob o véu daignorância. O réu é trazido para perto do juiz. Ojuiz se colocano lugar do réu. Tem que decidir com cuidado.

Jessica Mitford (1974, p. 13) cita a coluna "Talk of the Town " ,da revista 77Je New Yorker$depois da rebeliâo dc Attica:

Milhõcs dc norte-americanos foram colocados pela primeira vezface a face com criminosos condcnados. Muitos de nós estáva-mos completamcntc c1espreparac1os para ver o quc vimos ... A.multidão que observamos na televisão não cra uma turba, masuma asscmbléia com um objetivo, e os homens que vimos nãoestavam brutalizados, apesar de poderem ter sofric1oviolências_ todos eles eram, sem dúvida, homens ... atuando com digni-dade.

Mais uma vez, não podemos exagerar. A comunidade moralsofre pressões crescentes. Uma breve observação de outrospaíses europeus que têm número baixo de presos mostra comoa situaçãO é vulnerável.

A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

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N:1opodemos permitir que o otimismo, a esperança ou a bene-volência nestes assuntos nos levem longe demais. Não podemosesquecer que mesmo que todas as mclhorias materiais sejamintroduzidas nas prisOes, que a temperatura seja ajustada deforma adequada, que a comida seja adequ'lda para manter asaúde e força dos presos, que os médicos. os capelães c os visi-tantes enlrem e saiam, o condenado fica privado de tudo o queum homem livre chama de vida.

Gráfico 4.2-1 População carcerária: média diária por cem mil habitan-tes, de 1880 a 1990 (excluindo pessoas detidas em instituições paradoentes mentais e colõnias estaduais de trabalho na Holanda)"

fico 4.2- l, que também inclui dados da Inglatcrra e do Pars deGalcs. Podemos ver que as duas linhas aprescntam um cursodescendente desde o final cio último século. Por trás desta ten-dência na Grã-Bretanha estava Winston Churchill. RutherfordC1984, pp. 125-126) cita um discurso do primeiro-ministro bri-tânico na Cámara dos Comuns:

1) De acordo com Downes (1988. p. 7).

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE 00 CRIME

repleta de conOitos externos e internos. O povo aprendeu a vi-ver com suas diferenças internas. Aprendeu a arte de negociar.Uma forma de evitar os conOitos é delegar o poder de decisãoa quem estã no topo do sistema. Os representantes de forçasopostas na sociedade holandesa recebem um mandato pararesolver conOitos e encontrar soluções que possam ser acolhi-das por todas as partes. É uma solução antidemocrãtica, maspreferível à guerra civil. O controle do crime foi organizado deacordo com os mesmos princípios. Na Holanda não existemjuízes leigos. É um sistema altamente profissionalizado. Os re-presentantes da lei e da ordem recebem o mandato para cui-dar da política criminal de acordo com seus próprios pontosde vista sobre o que é necessário. Isto lhes dá poderes extraor-dinários. Tendo em mente a experiéncia da Segunda GuerraMundial, eles usaram esse poder para resistir à expansão daindústria do controle do crime.

Mas não estavam sozinhos. O parlamento lhes dava retaguar-da. De acordo com Hulsman (J 974):

O debate no parlamento holandês sobre o orçamento do Mi-nistério da Justiça para 1974 despertou um interesse pouco co-mum, já que uma clara maioria instava o governo a que recon-siderasse sua posição essencial sobre a questão penal. A maioriaconsiderava que o sistema penal constitui, em si, um problemasocial, e pedia ao governo que preparasse um plano concretopara atacar esta questão fundamental.

Mas um sistema baseado na tolerãncia vinda de cima é vulne-rável, como mostra David Downes Cp. 74):

O preço maior, por assim dizer, que se paga num sistema comoeste, é que as elites, tanto dentro quanto fora do governo e doparlamento, ficam relativamente isoladas das críticas, exceto emcircunstâncias especiais.

Hoje, estas circunstâncias especiais parecem ter chegado aofim, A Holanda está mudando. A evoluçãO do número de pre-sos por cem mil habitantes desde 1880 é apresentada no Grã-

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

Estes princípios se mantiveram até a Segunda Guerra Mundial.A partir daí, a Inglaterra iniciou sua corrida para o campeonatoeuropeu de encarceramento, enquanto a Holanda manteve seucurso até recentemente. Hoje, porém, a quantidade de sua po-pulação carcerária voltou a subir.

O que aconteceu?

A Holanda sofreu, sem dúvida, extraordinárias pressões inter-nacionais que exigem uma política, em relação às drogas, maissevera; a Alemanha e a Suécia, em particular, há muito afir-mam que a Holanda é o elo fraco da defesa européia contraas drogas. Apesar de David Downes mostrar que isso não é ver-dade, as pressões podem, não obstante, ter afetado a políticacriminal. A situação pode ter causado constrangimentos aosespecialistas. Tal como em todos os outros países da Europa,eles foram se vinculando cada vez mais a seus opositores nosistema internacional, e podem lentamente ter começado acompartilhar suas posições. Os representantes da Holanda setornaram o objeto pessoal da irritação internacional causadapela política em relação às drogas. .

O país também está se adaptando aos padrões europeus emoutros aspectos. As velhas divisões se desvaneceram. Isto pro-vavelmente torna menos importante dar à elite um mandatopara resolver todo tipo de problemas, isolada da população.A política criminal passa a ser menos um assunto de especia-listas, os meios de comunicação começam a interferir e as pres-sões da população em geral sobre os políticos são mais forte-mente sentidas. As velhas divisões se dissolvem e abrem espaçopara outras, desta vez, divisões entre as pessoas comuns e osque são vistos como criminosos.

Outro fator é a r~duÇãOdos benefícios sociais. Hulsman lista.com orgulho alguns destes benefícios no artigo de 1974 e afir-ma que são eles que estão por trás da excepcional moderação

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do sistema holandês. Hoje, (comunicação oral) ele explica acrescente severidadc pela ausência de vários destcs benefícios.

Valc mencionar, também, dois fatos relacionados com as uni-,versidades holandesas. Uma nova geração de professores dedireito substituiu a anterior; os veteranos deixaram suas cadei-ras, levando com eles sua inOuência pessoal é sua experiênciaenquanto presos. Também ocorreram mudanças no campo dacriminologia. A Holanda era a fortaleza da criminologia naEuropa. A maioria das universidades tinha cursos decriminologia, ou os cursos de direito pcnal estavam cheios dealunos cujo interesse principal era a criminologia. Acriminologia holandesa era também de um tipo peculiar. Erauma criminologia crítica, mais interessada em levantar ques-tões do que em dar respostas de uso imediato para as autori-dades. Era, também, uma criminologia muito ligada às ativi-dades humanísticas e culturais. Segundo Van Swaaningen, Blade Van Loon (1992), alguns dos criminõlogos eram tambêmescritores e poetas de sucesso. Recentemente, toda esta tradi-Ção declinou acentuadamente na Holanda. Os cursos decriminologia se esvaziaram e institutos inteiros se fecharam.Em vez deles, a pesquisa ligada ao governo cresceu rapidamen-te. No centro de documentação e pesquisa ministcrial existem,no presente, mais criminólogos empregados do que em todasas universidades juntas. É difícil saber se cstes acontecimen-tos são um efeito ou uma causa do que está acontecendo naárea penal.

As últimas notícias da Holanda não são boas para quem gos-tava do país como era antes. O número diário de presos paraos primeiros meses de 1992é de cerca de 7.600, o que significa52 por cem mil habitantes. Se este crescimento continuar, che-gará a 62 por cem mil habitantes em 1995. Em 1975, o núme-roera - de acordo com Rutherford 'O 984, p. 137) - de 2.356presos, o que significava 17 por cem mil habitantes. A

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Em primeiro lugar. ha um<1evolução semcllwnle <1té1918. N<1primcir<1 p<1rte do último século. encontramos na Finllindia omesmo crescimento acentuado da população carcerária dosoutros paíscs nórdicos e observamos o mcsmo dcclinio m<1ist<1rde.A Finlândia fazia, nessa época, parte da Rússia, m<1Snãocom rel<1ção ti política de distribuiçüo d<1dor.*

Até que surgiu um desvio. Em 1918, os números da Fin1lindiasaltaram subitamente para 250 presos por cem mil habit<1ntes.E depois nutu<1r<1mdur<1nte muito tempo por volt<1de 200 porcemlllillwbitantes, enquanto a população c<1rcerária dos ou-tros países nórdicos estan estahiliz<1da num nível modesto:entre 50 e 100 por cada cem mil h<1bitantes.

O terceiro fenómeno é o recente declínio nos números da Fin-llindia, ilustrado no Grúfico 43-2. Nele estüo os dados de 1965a 1990. Em 1991 o número tolal de presos caiu ainda mais, para2.427, o que significa que a Finllindi<1, nesse ano, tinha 49 pre-sos por cem mil habitantes. Depois de ser Ulll dos países quemais usava o encarceramento, mesmo de acordo aos padrõesgerais europeus, a Finlândia passou a ser um dos países quemenos presos tem.

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Fonte: K.J. Lâng (1989b).

* O 3utar utiliza esta expressão porque sustenta que a imposiç:'io da pena de pris30se organizou como a distribuição de um produto qualquer. (N. do T).

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S o número de presos que colaboraram com os alcmnes depois da Segunda GuerraMundial foi omitido nos dados da Noruega. Não há dados para a Finll\ndia anteriores a1886, exatamente antes do fim das deportaçóes P<lf:l a Sibéria. 1236 prisioneirosfinlandeses foram deportados durante o perrado 1826-1888. Os números para a No-ruega 53.0 muito baixos no inicio, já que as pessoas condenadas a trabalhar nas pes-cas no Norte (ou, no caso das mulheres, a fazer trabalho doméstico) nl\o foram in-duidas. Os dados para a Suécia sl\o muito baixos no inicio porque algumas decisOesadministrativas nno foram incluidas.

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4.3 Entre o Leste e o Oeste da Europa

Entre os países nórdicos, a Finlândia foi, por um longo perío-do, a terra das prisões. O Gráfico 4.J- / apresenta o quadrogeraL5 As tendências são visíveis:Gráfico 4.3-1 Presos por cem mil habitantes na Escandinávia

1887-1987

Holanda triplicou sua população carcerária desde 1975 e aEuropa perdeu seu mais espetacular exemplo de tolerância.

A INDÚSTRIA 00 CONTROLE DO CRIME

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A INDUSTRIA 00 CONTROLE DO CRIME

De uma perspectiva nacional-política, estes três estágios sãoum tanto paradoxais. A Finlândia fazia parte da Rússia desde1809, mas sua política penal era nórdica. Em 1919 obteve a in-dependência, mas deixou a família nórdica e se tornou muitomais punitiva. Até que, no último estágio, ela ultrapassou to-dos os países nórdicos, limitando o uso do encarceramento.

Se olharmos, porém, a história mais de perto, encontraremosalgumas pistas. Focalizarei os acontecimentos de 1918. O dra-mático crescimento desse ano é o mais simples de explicar. Oano de 1918 foi o da guerra de independência, seguida por umaguerra civil extremamente violenta. Entre os que perderam aguerra, 8.000 foram imediatamente executados e outros 10.000morreram em campos de prisioneiros. Esta divisão na popu-lação permaneceu o tempo todo, até que surgisse a unidadeinterna, criada pelas duas guerras contra a Rússia, a primeiraem 1939-40 e a outra em 1941 e 1944. A Finlândia se acostu-mou a um alto nível de dor e sofrimento, muito além dos pa-drões nórdicos habituais.

K. 1. Lâng é o diretor-geral do sistema penitenciário da Fin-lândia. De todos os países nórdicos, ele é quem tem mais tem-po de serviço. Lâng não tem ilusões quanto aos motivos do altonúmero de presos (Lâng 1989a, pp. 83-84):

"... o número de presos tem pouco a ver com os crimes. O nú-mero de presos é mais uma conseqüência da situação geral deconfiança na sociedade c do equilíbrio político. As turbulênciaspolíticas durantc três guerras, os movimentos de direita dos anos30 e a perseguiçãO contra o movimento comunista (nessa épo-ca), conduziram a um uso maior da prisão na Finlãndia do queem qualquer outro país nórdico ... A legislação mostrava que noshavíamos acostumado a um alto nível de punição, com longassentenças para vários crimes ...A Finlândia teve, durante os anos70, três vezes mais presos do quc a Noruega. Não porquc pu-sesse três vezes mais pessoas na cadeia, mas porque cada pre-so permanecia encarcerado cerca de três vezes mais tempo naFinlãndia do que na Noruega.

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POFi OUE HÁ TÃO poucos P.RESOS?

Chegamos então â questâo do declínio. O que cstá por trás darecente c dramática redução do uso da detenção na Finlândia"

Uma razão poderia sel'o fato de terem desaparceido os moti-vos para que houvesse muitos presos. Mas esta não é necessa-riamente uma explicação suficiente. As condições sociais ten-dem a permanecer iguais, respondcndo a Iradiç6es ouinteresses criados. O que é assim, é assim porque é assim. Masalgo aconteceu na Finlândia, descrito por Patrik Ternudd(199]). Elc aponta para uma combinação única de anteceden-tes históricos, ideologias e também o trabalho sério de um nú-mero de indivíduos dedicados.

Em primeiro lugar, segundo T0rnudd, é uma questão de en-tender o problema como um problema. Para isso foi precisotomar consciência do fato de que o número de presos da Fin-lândia era extremamente alto. Era também preciso compreell-der que isso não era causado por um perfil incomum dacriminal idade na Finlândia. E, finalmente, era preciso rcjeitarqualquer tentativa de ver o elevado ntllllero de presos comoalgo de que se orgulhar, por exemplo, como indicadores da de-tcrminação e rigidez do sistema da justiça criminal ou de suadisposição para gastar recursos em prolongados esforços dereabilitação e na proteçâo do ptlblico.

Segundo T0rnudd, os criminólogos profissionais contribuíramcom os dados neceSSários. Documcntaram o fato de que 9 ta-manho da população carcerária da Finlândia estava emdescompasso com o resto dos países nórdicos c refutaram asexplicações popular~s para esse fato - de que a criminal idadena Finlândia era muito diferente da criminalidade de outros paí-ses nórdicos. Mas isto não teria sido suficiente para reduzir apopulação carcerária. Não só havia especialistas que forneciam ainfonllação essencial, como também ocupavam posições que lhespenllitiam realizar mudanças. T0rnudd escreve (pp. 5-6):

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A INOÚSTRIA DO CONTROLE 00 CRIME

...em geral os países nórdicos podem ser caracterizados comopaíses que respeitam especialistas, e a Finlândia o país maisorientado por especialistas de toda a Escandinávia. Sem dúvi-da é verdade que o controle da criminal idade nunca foi vistocomo uma qucstão política central nas campanhas elcitorais daFinlândia.

Mas a possibilidade de implementar um grande número de re-formas destinadas a reduzir o nível de punição foi, em últimainstância, conseqüência do trabalho de pequenos grupos de es-pecialistas responsâveis pelo planejamento da reforma, ou da-queles que trabalhavam como especialistas de controle deeriminalidade nos institutos de pesquisa e nas universidades ecompartilhavam uma convicção quase unânime de que o ele-vado nlÍmero de presos da Finlândia era uma desgraça. Alémdisso, acreditavam que seria possível reduzir significativamen-te o número e a duração das sentenças de prisão sem que hou-vesse repercussões sérias no número de delitos cometidos.

TQlfI1Udd conclui (p. 13):

O fator decisivo na Finlãndia foi a disposição dos funcionárioscivis, do judiciário e das autoridades carcerárias de usar todosos meios necessários para reduzir o número de presos. Atravésdos esforços de um grupo de pessoas-chave, tornou-se possí-vel definir a questão do número de presos como um problema .Essa compreensão de que havia um problema deu origem a umnúmero de atividades, de reformas da legislação a decisões dodia-a-dia, todas elas contribuindo para o resultado final.

Mas, como os esforços para reduzir a população carcerária daFinlândia tiveram antecedentes especiais, não há garantias deque as tendências presentes continuem. No liItimo ano, o nú-mero de prisioneiros cresceu.

A preocupação de Ternudd parece ter fundamento. Há seme-lhanças interessantes entre a Finlândia e a Holanda. Nos doiscasos, o baixo número de presos parece ser o resultado dos atosde uma elite centraL Mas este tipo de poder é vulneráveL Alémdisso, nuvens escuras apareceram recentemente sobre a Fin-lândia. Sua economia foi fortemente atingida pelo colapso da

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POR QUE HÁ TÃO POUCOS PRESOS?

URSS. Nesta situação, não é improvável que seu número depresos volte a crescer. Os que trabalharam para que houvesseum número reduzido de presos tiveram sucesso numa situa-ção de pleno emprego e de progresso material. O teste de suasconquistas ocorrerá quando os defensores dessas idéias esti-verem fora de suas atuais posições e as condições maleriais danação mudarem. É isso o que está para acontecer.

4,4 Os estados de bem-estar social em crise

Os antigos estados de bem-estar social vivem uma situação deequilíbrio precário. Os mais resistentes à destruição são pro-vavelmente os países com economias relativamente estáveis,longa tradição de bem-estar social e populações pequenas ehomogêneas. A prosperidade favorece a tolerãncia, a tradiçãotorna compartilhar menos ofensivo e a população pequena ehomogênea cria inibições contra a exclusão de pessoas visivel-mente necessitadas. Também ajuda a estabilizar uma situaçãoinstável, a sociedade reconhecer que existem alguns critériosdiferentes quanto aos objetivos da vida, e ter alguma conside-ração pelos "pobres mas puros", ou respeitar mais a generosi-dade do que a eficiência.

Mas estados homogêneos e pequenos também sofrem pressões,Eles estão tendo que gastar mais dinheiro na área da assistên-cia social. A Tabela 44-1 ilustra o que aconteceu na Noruegaen Ire 1970 e 1990. No grupo de idades entrc os 16 e os 49 anos,o número de pessoas recebendo pensa0, deVido a algu~ tipode deficiência, aumentou de 26.400 para 63.801l. Isto não sig-nifica que as pesso.as estivessem mais doentes em 1990, masque havia uma necessidade maior de se ser considerado inca-pacitado e assim ter direito a ajuda ou assistência. Mais pes-soas ainda receberam benefícios em geral, com um crescimentode 21.500 para 141.000. De 10% a 15% destas pessoas podemtambém ter recebido pensões por invalidez, No mesmo perío-do, e no mesmo grupo de idades, o desemprego registrado cres-

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A INDUSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

ceu de 20.000 para 99.000. Estes são problemas concretos. Paraagravá-los, os estados de bem-estar social também devemadaptar-se aos princípios de organização impostos pela indus-trialização. O crescimento ocorre nos centros, a divisão de tra-balho se torna uma necessidade, as companhias de segurossubstituem os planos de assistência mútua, e as relações im-pessoais tornam-se cada vez mais importantes. Estes fatos vãoerodindo muitos dos princípios morais básicos do estado debem-estar social. Ao mesmo tempo, estas mudanças tambémestão entre as forças motrizes que impulsionam o crescimentoconstante do nÍlmero de crimes registrados pelas autoridades.E também estão por trás da redução dos registros de crimescontra a honra.

Tabela 4.4-1 Pressões sobre o bem.estar

Idade 16-49 1970 1975 1980 1985 1988 1990

Pensões 26.400 30.400 34.400 44.100 55.300 63.800por invalidez

Beneficiários da 21.500 33.200 45.900 87.500 121.800141.000assistência social

Desempregados 20.000 34.000 30.000 48.000 62.000 99.000

Segundo Breivik (1991)

Nesta nova situação, mesmo o mais estável dos estados debem-estar social enfrenta tentações. A tentação de se proteger,ou às agências de assistência social, mais do que às própriaspessoas necessitadas.

Foram levantadas algumas linhas de defesa. Uma está nopróprio sistema de bem-estar social. Alguns assistentes so-ciais criam uma distância maior entre eles e os que necessi-tam de benefícios. Funcionários dos centros de serviço so-cial municipal se protegem de seus clientes, mantendo oscentros abertos apenas alguns dias por semana e por algu-mas horas da manhâ, de forma que as pessoas necessitadas

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POR QUE HÁ TÃO POUCOS PRESOS?

precisam fazer fila desde as 5h da manhã para conseguiremser atendidas. Não se atendem os telefones, há polícia privadapatrulhando os edifícios, e se os funcionários se sentem ameaça-dos, como muito provavelmente ocorre, dada a distãncia cria-da em relação às pessoas que precisam de atendimento. cha-mam a polícia comum. Já existe este tipo de defesa, emboraainda seja uma exceçflo.

Outra linha de defesa é separar os potenciais causadores deprobíemas das pessoas comuns, rclegando-os a álcassegregadas. O exemplo mais extremo disto está para serconstruído na SuéCia. Na cidade dc 0rebro. as pessoas deba-teram-se por muito tempo com o problema de inquilinos su-jos e barulhentos nos prédios de apartamentos. Parecia injus-to que essas pessoas pudessem incomodar os outrosmoradores. Mas, agora, as autoridades municipais chegarama uma solUÇão. O maior jornal da Suécia, Dagens Nyheter, pu-blicou esta reportagem em 28 de setembro de 1991:

Em 0rebro se está planejando criar uma área separada para in-quilinos particularmcnte perturbados c perturbadores. Ela terápisos, paredcs c tetos à prova de rogo, portas extcrnas fcitas deaço, outras portas rcl'orçadas para resistir a chutes c Janelaspequcnas c altas.

o município trabalhou quase três anos nestes planos e deno.minou essas áreas de quarteir()es residenciais protegidos. Seuscriticas preferem chamá-los de bUf1kersdc aço. .

o piso dcve poder resistir a cigarros jogados no cháo, sem pc.gar fogo cm toda a casa. As parcdes têm que ser resistentcs. Osinquilinos trazem freqüentemente visitantes mais ou menos violen-tos. E ninguém que viva no mesmo edifício se arriscaria a rece-ber uma macbadada na sua porta de entrada como vingança poruma dívida de bebida da noite anterior, diz Torgny Larsson,assistente social da unidade de adultos do serviço social de0rebro.

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A INDUSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

Há dez anos, disse, isto teria sido impossível, porque provoca-ria uma onda de denúncias de que estavam sendo construídosguetos sociais. É claro que temos que mostrar solidariedade nanossa política habitacional. Mas há limites. Acho inaceitável queseja permitido a um baderneiro, em nome da solidariedade, que-brar um edifício inteiro habitado por pessoas comuns e decentes.

Com este tipo de edifícios, os estados de bem-estar social che-gam perto da criação de suas próprias prisões, Mas, é claro,há uma diferença. Os inquilinos de 0rebro ainda podem dor-mir debaixo das pontes, em vez de ficarem nas jaulas de açomunicipais, pelo menos se conseguirem fazê-lo sem serem vis-tos pelas autoridades locais ou pela polícia,

Outros problemas são criados pelo chamado movimento de"desinstitucionalização". Trata-se de um movimento destina-do a exercer pressão sobre o número de presos que estes esta-dos de bem-estar social terão no futuro. Aqui, a tendência,como em todos os outros países, é para a "normalização", Asinstituições para doentes mentais e as escolas especiais foramfechadas. O slogan é "voltar à normalidade". Isto pode ter duasconseqüências. Algumas pessoas excepcionais podem não con-seguir enfrentar a situação e acabar na prisão. Mas há outroaspecto importante. A desinstitucionalização não significa queas instituições desapareçam. Elas continuam existindo, vazias,e seu antigo corpo de funcionários continua lá, sem ter o quefazer, o que cria ao mesmo tempo uma pressão e uma tenta-çãO. Alguns dos edifícios podem ser facilmente convertidos emprisões e o corpo de funcionários em guardas. Neste momen-to, uma guerra está sendo travada na Noruega em torno dolocal para instalar uma "prisão de saúde" para "presos parti-cularmente perigosos".' Eles não são vistos como loucos, mas

6 DagbJadet, 11 e 15 de novembro, 1991.

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POR QUE HÁ T AO poucos PRESOS?

como pessoas com desvios tão grandes que exigem especialis-tas altamentc qualificados. Estes especialistas são raros, Elcsvivem em grandes cidadcs, ou perto delas, no sul do país. Masos edifícios vazios c o pessoal ocioso estão na costa ocidental.Qucr dizer que já foi criada uma nova espécie de depósito. Éuma reprodução do que conta Foucault (1967) sobre osleprosários dos tempos medievais, que se transformaram emhospícios.

Até o sistema cducacional quer hoje em dia vender scrviços àsprisões. Setores do sistema educacional têm necessidade de

"'-'-""'mais alunos, Isto ocorre sobretudo no caso dc algumas "Es>-colas Secundárias I'opulares",na sua maioria situadas no cam-po. Na Noruega, uma delas é controlada pelo DNT, um ramodos Bons Templários Internacionais, uma organização basea-da na total abstinência de álcool. Como os candidatos a umavaga nessa escola estão escasseando, os abstêmios estão ofe-recendo toda a escola - para venda ou aluguel- ao Ministérioda Justiça, para funcionar como uma prisão aberta. Para man-ter a tradição, eles querem que o lugar seja usado como prisãoespecial para aqucles que são presos por dirigir cmbriagados,e por ISSOsugerem que:

O Ministério da Justiça alugue o lugar e peça no DNT que odirija de acordo com orientações claramente ddinidas, usandoo atual pessoal da escola como funcionários da prisãO.

Sentimo-nos responsáveis pelas pessoas que trabalham no lu-gar, e garantimos que são responsáveis e bons funcionários,O DNT é uma organização humanitária. Durante 130 anos traba-Ibamos inforn]ilndo sobre os perigos das substâncias tóxicas, par-ticulamlcnte o álcool. Não representamosinteresseslucmtivosea nos-sa preocupação é fornecerum scJViçoútilã sociedade.

Alguns membros do DNT não-gostariam que Sunny Hill fossechamada de "prisão". Acreditamos nas prisões abertas ... Por

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

esta razão, propomos que o lugar seja chamado: Sunny Hill -centro de estudos e de expiaçao.

Gostamos do slogan:

Expiação com significado.

A Escandinávia não tem prisões privadas, nem empresáriosquerendo construí.las. Mas quando desaparecem estudantese verbas para a assistência social, os velhos instrumentos deassistência e de educação estarão prontos para serem usadospara outros fins. Os restos da assistência social, bem como dasorganizações humanitárias idealistas, se transformam numa es.pécie de alternativa funcional submetida aos interesses capi.talistas privados, que serão descritos no Capitulo 7. Com o de.créscimo das tensões internacionais, muitas instalaçõesmilitares também ficarã.o vazias e serão um convite a novosusuários. A indústria militar, particularmente a de eletrônica,procurará também, com muita ansiedade, novas áreas de apli.cação.

4.5 Quanto vai durar?

Nestes arquétipos de estados de bem-estar social, o baixo nú-mero de presos está ameaçado por váriasforças. U mas de ca-ráter geral. Têm a ver com os efeitos da industrialização, mer-cado de trabalho e conflitos nacionais e serão abordadas nospróximos capítulos. Mas outras estão especialmente relacio-nadas com a evolução do direito penal. Estas forças serão dis-cutidas em seguida.Minha primeira observação é de que a identidade de princípioséticos e morais responsáveis pela política penal nestes paísesestá sob severas pressões. A revolta estudantil de 1968 signifi-cou uma certa democratização. Foi responsável por uma aten-ção m~or aos direitos de certos grupos, entre os quais, os mais

. fracos e vulneráveis. Mas ao mesmo tempo, tamoém sigi\ifi-cou um aumento da influência de todos os níveis do sistema pe-

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POR QUE HÁ TÃO poucos PRESOS?

nal. Como parte da democratização geral, estes profissionaiscriaram suas próprias organizaçôes e grupos de pressão polí.tica. Os funcionários das prisões da Noruega bloquearam aspropostas de dois presos por cela, mas estão exigindo a cons.trução de mais prisôes. As organizações policiais também de.fendem a expansão do sistema carcerário. Há um século eleseram os instrumentos mudos dos políticos. As condiçôes me.lhoraram, e se deterioraram.

A internacionalização é outra pressão sobre o baixo nível dedistribuição da dor. Nos velhos tempos também havia políti.

= cos internacionais ativos: Lombroso e Ferri, na Itália, c maistarde Von Lizt, na Alemanha, foram figuras bem conhecidasnos debates nórdicos. Como documentaram Naucke (1982) eRadzinowiez (1991 b), os objetivos da Associação J nternacio.nal de Política Criminal, e as idéias de Von Lizt em particular,continham os germes do que ocorreu na Alemanha depois de1933. Não é claro o efeito que essas idéias tiveram naEscandinávia. O declínio geral do número de presos chega aofim na virada do século e poderia ter sido interrompido semajuda externa. Uma das principais conseqüências dos conta.tos internacionais foi a criação de vários tipos de "medidasespeciais" de educação e tratamento forçado, ou a internação delongo prazo daqueles que se supunha incorrigíveis. Foi precisoquase um século para acabar com a maioria destasmedidas.

Hoje, a internacionalização se aprofunda e chegou aos profis.sionais das prisões, do serviço dc proba/ioll, e à polícia. Estesprofissionais se relacionam cada vez mais com seus colegas noestrangeiro, adquirem informações sobre países com políticasmais duras, obtên. informações sobre a "realidade" do munodo, e podem mais facilmente rechaçar as críticas de "teóricos"que eles vêem como pessoas que vivem num mundo irreal, emtorres de marfim.

Outra pressãosobre os valores que- mantêmbaixo o núrnerode presos é a penetração da ideologia empresarial na adminis-

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

tração do estado. Os funcionários civis mais antigos conside-ravam que tinham obrigações maiores cm relação a um com-plexo conjunto de regras. Eles eram freqüentemente caricatu-rados como funcionários escondidos atrás de montanhas depapéis, lentos mas confiáveis. Com as novas orientações deadministração, vêm ganhando peso os objetivos simplificadosde resultados concretos e produtividade. Um grande Munerode pessoas "esperando a 'dor' " pode em alguns setores ser in-terpretado como um sinal claro de ineficiência. Também nointerior das burocracias escandinavas pode se observar o queFeeley (J 991b) chama "a nova penalogia", centrada na admi-nistração de populações agregadas. A ideologia empresarialtambém está invadindo as universidades. No topo, a adminis-tração da universidade exige planejamento, eficiência e relató-rios dos objetivos alcançados. E, na base, os estudantes exigemconhecimentos úteis, quer dizer, os conhecimentos que lhesserão exigidos pelos seus futuros chefes - os gerentes no esta-do ou na empresa privada. Isto significa que os velr.os padrõesuniversitários do pensamento crítico estão ameaçados. Os es-tudantes começam a se interessar mais pelas respostas que re-solvem os problemas administrativos, do que com questõescríticas que apenas complicam as tarefas dos que têm respon-sabilidades de administração. O poder moral dos que levan-tam questões fica assim diminuído.O futuro não é claro. Talvez os países com um número excep-cionalmente pequeno de presos aproximem-se do número apre-sentado pelos países industrializados. Tudo depende da evo-lução geral do mundo industrializado.

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Capítulo 5----------O controle das classes perigosas

Lugar: Uma grande cidade industrialem algum lugarda Europa.

Data: Um dia de setembro, agradável, ensolarado, nem quen-te nem frio, o ideal para se passear. Exatamente o que muitosfaziam quase todo o dia. Não iam a bares, apenas ficavam nasesquinas das ruas, perto de estacionamentos, ou se reuniam emterrenos de antigas casas demolidas.

Cor: Cinza. O sol havia saído, mas não era real. As pessoasestavam cinzentas. As casas estavam cinzentas. a poeira, o lixoe a miséria reinavam 110 lugar.

Muitos dos que vagueavam por ali estavam desempregados.Essa era a razão de sua presença.

Vindo de um desses cantos protegidos do continente, onde odesemprego ainda não chegara - isto foi há algum tempo - euprecisava controlar o que sabia ser um impulso ingênuo: com-prar mil grandes vassouras e organizar um festival pará lim-par o lugar e a atmosfera. Uma vassoura para cada homem-as mulheres estava.lll em casa cuidando das crianças - e pode-ríamos então varrer muito do cinza, da poeira, da sujeira, damiséria.

Mas, é claro que eu sabia que isso era ingenuidade, e não fiznada. Sabia que o desemprego nada tem a,ver com a falta detarefas urgentes. O desemprego não significa falta de trabalho,

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significa falta de trabalho assalariado. O desemprego é umproblema de organização, que tem conseqüências sociais gra-ves. É uma questão de distribuição de ingressos para aquilo quenestas culturas é visto como o principal símbolo da plena ci-dadania. Conseguir entrar é uma questão de poder, ou de so-lidariedade na distribuiçãO dos ingressos,

Esta competição para conseguir o Slalus de trabalhador as-salariado é atenuada por alguns mecanismos. O adiamento daentrada no mercado de trabalho, muitas vezes através da edu.

.~ .. cação compulsória, torna legítima a manutenção dajuventu-de no papel de consumidora. As idéias de aprendizado perma-nente também mantêm as pessoas fora da competição pelotrabalho assalariado. A aposentadoria antccipada ou o uso li-beral do critério de "doença" são outros meios honrados de sairda posição de trabalhadores assalariados. Todos estes meca-nismos podem prover meios de consumo sem colidir frontal-mente com as normas que estabelecem que o consumo tem queser o resultado da produção.

5.1 o excedente populacional

'1I.smãos vazias" têm sido um problema desde os primeirosestágios da industrialização. Os desocupados eram vistoscomo criadores de, pelo menos, dois tipos de problemas: porseu poder para causar distúrbios e o outro derivado dacontradição entre essa vida de desemprego forçado e a moral ofici-ai da dedicação ao trabalho. Poder-se-ia suspeitar que o de-sempregado gostasse de seu destino. As casas de "trabalhosforçados" representavam uma solução para os ~ois problemas.Mas esta solução era apenas temporária; os Estados eram pobres,as casas de trabalho precisavam de capital privado, e o lucro eramaior em o.Wo liR9-de inyegimentos. Na Europa, a emigração,para os Estados Unidos aliviava grande parte da pressãO.As ca-sas de trabalho foram abolidas. E, finalmente, duas guerras

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o CONTROLE DAS CLASSES PERIGOSAS

mundiais, com toda a sua brutalidadc, também proporcionaramum alívio temporário.

Mas o problema básico não desapareceu. Pelo contrário, no..vas categorias querem conseguir o que é visto como vida ple-na. As mulheres estão voltando ao mercado de trabalho assa-lariado - onde estavam no início ela induslrializaç,ão. Se aparcela da população que desejava trabalho assalariado em1992 fosse a mesma que o desejava em 1965, não haveria de-semprego em países como a Dinamarca ou a Noruega. Ser jus-to em relação às mulheres, em sociedades organizadas comoas nossas, cria complicações para os homens das classes maisbaixas,

Além disso, há também os novos acontecimentos da EuropaOrientai. Com todos os defeitos dos antigos regimes, eles ti-nham, apesar de tudo, a virtude de não aceitarem o desempre-go. Sob o antigo regime, considerava-se que a principal respon-sabilidade do Estado era garantir que o trabalho assalariadoestivesse disponível para todos. Provavelmente, uma idéia não-produtiva. lodos ouvimos histórias sobre as fábricas e escri-tórios do Leste com excesso de trabalhadores. No final dascontas, tratava-se de uma manobra para esconder o desempre-go. Significava garantir o direito de partilhar um dos mais im-portantes instrumentos para assegurar a dignidade dos sereshumanos. Ántieconômica, aberta ao desperdicio, a fraudes ecorrupção - mas, ainda assim, uma garantia; todos podiamparticipar do processo de trabalho. •

Com o fim deste velho sistema, a Europa Oriental está passan-do pelos problemas do Ocidente. Ganham hegemonia as cren-ç'i1socidentais mais extremadas relativas às vantagens da livrecompetição e à liberdade de decisão do mercado. Parece nãohaver alternativa. O trabalho era partilhado no Leste. Deu er-

~rad0, Trabalho partilhado poderia ser perigoso. Ficamõ$ com-o excesso de população, os que estão fora da produção. O quetrouxe o problema clássico: como controlar as classes perigo-

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o CONTROLE DAS CLASSES PERIGOSAS

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nistas do nada, não têm nem propriedades, talvez nem umarede social e, assim, não têm sequer honra, Isto é o queJongman (1991) denomina de teoria dos Vínculos, Jongmancita dados fascinantes sobre a cidade alemã de Groningen, Nosanos 30, o desemprego era a1lo, o que se repete atualmente, Emambas as épocas, a atividade da polícia aumentou, E, nos doisperíodos, os pesquisadores mostraram que o desemprego temimpo'rtância fundamental, e cada vez maior, O que acontece éque a legitimidade da desigualdade ficou enfraquecida, Nos pe-

,.~ríodos em que havia quase pleno emprego, os poucos que nãotrabalhavam podiam facilmente se considerar - c ser conside-rados pelos outros - como deficientes, Eram eles os culpadosde não ter emprego, Quando há desemprego em massa, o sen-timento de culpa se desvanece,' Passa a ser natural ver o de-sempregado como produto da sociedade e apontá-Ia conJO aculpada, Jock Young (J 989, p, 154) critica a maneira de entendera pobreza que havia em épocas anteriores:

O fracasso do consensó social-democrata dos anos 50, que di-zia que melhores condições reduziriam a criminalidade, se ba-seava em noç()es de redução da privação absoluta, Mas não é aprivação absoluta e sim a prívaçao relativa que causa acrimínalidade (Lea c Young 1984), Não é o nível absoluto eleriqueza, mas os recursos vistos como fruto dc uma elistribuiçaoinjusta que afetam o índice ele cnminalidade,

E Young continua com uma receita para a prevenção do crimeque soa como uma lista de passos que n<1o foram dados posmodernos estados de bem-estar social nos últimos anos:

Para reduzir a criminalielaelc, temos que reduzir a privação re-lativa, asseguran<'!o trabalho útil, com salários justos, proven-elo habitação decente, em que as pessoas tenham orgulho deviver, garantinelo instalações elc lazer, e insistindo que o po-

5.2 Acionistas do nada

Nos tempos em que se supunha que o olhar de Deus via tudo,havia!,ambém recompensas para o bom comportamento, Avida não terminava com a morte, depois viriam asrecompen-sas ou os castigos, Inclusive o estilo de vida podia contar, OEvangelho de Sào Mateus, capítulo 5, versículo 3, diz o se-guinte:

Abençoados são os pobres de espírito, porque deles é o Reinodos Céus,

Algumas traduções são ainda mais diretas:Abençoados são os pobres, porque deles é o Reino dos Céus,

Não há acordo entre os teólogos em relação a estas duas tra-duções, A primeira é, atualmente, a oficial. Mas a segunda éde longe a mais poderosa quando se trata de controle social.Segundo ela, todos os pobres recebem, finalmente, sua recom-pensa, Uma sociedade como esta não tem problemas neces-sariamente com seu excedente populacional. É possível mantê-lo esperando, pobre mas honesto,

Mas não é esta a nossa sociedade, Ela foi fundada sobre prin-cípios de igualdade durante a vida e na insatisfação quandose descobre que isso é conversa fiada, Assim, temos que recor-rer a outras formas de controle,

Um princípio bás~co de controle social é de que os que pos-, suem muito e osque nada têm são osdõTS extremos mais difí:'ceis de governar, Os que muito possuem, também têm muitopoder, e os que nada têm, também nada têm a perder, São acio-

A INDUSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

sas? Como controlar todos os que não são mais controlados, por capatazes, e que podem achar injusto ficar de fora da im-portante e digna atividade de produÇãO? Como controlar osque, além disso tud,o, também são forçados a viver em condi-ções materiais inferiores àquelas dos que têm trabalho?

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liciamento tem que ser igual c dentro da lei. tanto para os tra-halhadores quanto para a classe média, tanto para negros quan-to para hrancos.

Balving (1990. p. 25) considera que o problcma básico tem aver com a sensação de inutilidade. A mensagem do sistema éde que o estado de bem-estar social não garante trabalho para to-dos. A sociedade está mudando gradualmente, de umaracionalidade compartilhada para uma racionalidade individual.

5.3 o controle das drogas como controle de classe

Para a polícia, como para a maioria das pessoas. não há res-postas fáceis para enfrentar esta situação. O número de denún-cias à polícia está crescendo rapidamente nas sociedades in-dustrializadas. Alguns as chamam de crimes, outros apenas dequeixas. Num caso ou no outro, atrás dessas denúncias estãoatos que vão de pequenos incômodos a perigos sérios e sofri-mento de pessoas que não vêem outra solução que não seja darqueixa à polícia. Mas, na realidade, a polícia pouco pode fa-zer. A quantidade de bens que podem ser roubados cresce ra-pidamente. Há muito a roubar, muito para beber. Há muitopoucas pessoas durante o dia nos bairros residenciais e mui-tas nos locais de lazer à noite. As pessoas não se conhecem./\polícia não pode fazer mágica. Com exceção de casos gravesde violência, em que são mobilizados todos os recursos, a po-lícia pode, numa sociedade como esta, solucionar pouco maisdo que aquilo que se resolve sozinho. Isso cria uma crise nahegemonia do Estado, diz Philippe Robert (1989, 1'1'. 109-110):

De fala, como a vitima normalmente não pode identificar o cri-minoso, o que mais pode ele ou ela fazer a não ser apresentarqueixa? O recurso do sistema de justiça criminal não é mais umelemento de uma estratégia; se tornou um processo automáti-co para o qual não há alternativa....a ação da polícia é eada vez mais indiferente, já que não há sus-peitos na maioria das queixas e, como todos sabem, isto significaque a polícia tem muito poucas chances de resolver o caso.

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o CONTROLE DAS CLASSES PERIGOSAS

Foi nesta situação que a guerra contra as drogas surgiu e crioupossibilidades alternativas de controle das classes perigosas.Deixem-me porém acrescentar uma coisa: por trás desta visãonão há uma teoria conspirat6ria. Existcm alguns argumentosracionais que sustentam o desejo de que haja algum tipo dccontrole, tanto da importação. quanto do uso das drogas,mesmo que os meios utilizados sejam discutíveis. O fato de aguerra contra as drogas também dar oportunidades para ocontrole das classes perigosas cm gcral. náo dcseJcredita nemseus objetivos originais. nem os personagens centrais desSeJguerra. Conseqüências são diferentes de razões.

Receber um salário peJra não fazer nada está, até certo ponto,em dissonáncia com a nossa ética de trahalho habitual. Por quealguém u'ia querer fazer um trabalho desagradável se o salá-rio dcsemprcgo aproxima-se do nívcl dos salários mais baixos'!Se aqueles que são pagos para nada fazerem usam esse dinhei-ro para maus fins, particularmente para o que é visto como ob-jetivo hedonístico criminoso, cria-se uma dupla provocação.Em primeiro lugar, recebem o dinhciro sem antes terem tidoque trabalhar. Em segundo lugB[. obtêm prazcres ilegais semfazer qualqucr csforço.

!\Iém disso, muitos cios lüncladores do ell;lclo de hem-estar so-cial têm uma Visão negativa em lelação às drogas. No iníeioda guerra contra as drogas na Escandinávia, em particular,ainda nos considerávamos triunfantes. Tínhamos pleno empre-go, educação gratuita. serviços médicos gratuitos e uma cren-ça generalizada no progresso constante. Aqueles que quises-sem, podiam trabalhaf para alcançar uma vida boa e merecida.Mas então vieram as drogas. Chegaram os hippies e rejeita-ram alguns dos frutos da sociedade anuente. Depois dos hippieschegaram os inconfomlados de todos os tipos. Duas interpreta-ções eram possíveis. Talvez ainda houvesse imperfeições no siste-ma de bem-estar social. Talvez a industrialização - mesmo nosestados de bem-estar social- significasse perdas para algu-

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

mas pessoas, E talvez as antigas injustiças sociais tivessem per.manecido, e os inconformados representassem, de uma novaforma, os antigos perdedores. A interpretação alternativa erade que o perigo residia nas drogas, As drogas eram, na verda.de, tão perigosas que destruíam as pessoas mesmo no mais per.feito dos estados de bem-estar social.

É fácil perceber qual a resposta mais conveniente para osresponsáveis pela construção do estado de bem-estar. Foi

~ declarada uma guerra contra as drogas. E cssa guerra se--'~ha:rmonizava com o sistema. Um elemento do estado de bcm-

estar social é cuidar das pessoas - mesmo que isso se façacontra seus próprios desejos - e também proteger osvulneráveis contra os perigos da vida, A conseqüência desteraciocínio é que se adote um tratamento coercitivo em relaçãoaos vistos como necessitados e medidas penais duras contraos que são considerados um perigo para o resto da população.

Uma guerra contra as drogas também condizia com a acentua-da e antiga tradição abstêmia em vários países escandinavos.Mas a guerra contra as bebidas alcoólicas fora perdida. Esse foium motivo a mais para ser rigoroso em relação às outras dro-gas. Mas, neste ponto, a Noruega e a Holanda seguiram cami-nhos diferentes, A Holanda - que tem uma tradição em relaçãoao álcool bastante diferente da da Noruega - entrou na guerracontra as drogas de uma forma limitada - para grande irritaçáodos principais guerreiros em outros países da Europa,

A Noruega, pelo contrário, entrou na guerra, O país tem sidoum dos mais impiedosos inimigos das drogas ilegais. Estapolítica se baseou, sobretudo, em medidas penais. Até 1964, apena máxima para casos de d rogas era de seis meses de prisão.Depois de 1964, as sentenças podiam chegar ao que era entãoconsiderado um nível muito alto: dois anos.deprisão. Mas logo_a tendência se acelerou; em 1968, a pena máxima podia ser deseis anos; em 1972, dez anos; em 198 J, 15 anos; e em 1984, o

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leto foi colocado em 21 anos de prisão, quc l~a mais severapena possível na Norucga,

As guerras têm muilas vezes ganhos inesperados, assim COliJO

custos imprevistos, Um dos custos gerais da gncrra conlra asdrogas foi o de que as pessoas aceitarnm a soluÇão mais sim-ples: se não fossem as drogas, as condições sociais teriam sidomuito melhores, Quando a pobreza é explicada pclas drogas,não é nccess,írio elnpreender uma discussão mais séria sobreos fracassos das mcdidas dc bem-cslar social. Outro custo foia falta dc atcnção para os problcmas relacionados com o ál-

~ .. -coaI. Na so'ílíbra da guerra contra as drogas, o alcoolismo as-sumiu formas mais graves.

Os avanços inesperados - do ponto de vista dos que vêem oque se segue como um avanço - foram de outro tipo. A guerracontra as drogas se transformou, em grande medida, numa re-petição do que Gusfield (963) descreve sobre o período da LeiSeca, A cruzada desenvolvida Ilessa época não tinha apenas oálcool como alvo, mas também os novos candidatos i'lhegemonia moral nos Estados Unidos, Em todos os países in-dustrializados, a guerra conlra as drogas reforçou concreta-mente o controle do Estado sobre as classes potencialmenteperigosas. Elas não são desafiadoras, como descreveu Gusfield,mas seu estilo de vida é ofensivo, Não só se condena ohedonismo e se justifica os defeitos da sociedade, como tam-bém, muito concretamentc, se põe atrás das grades uma gran-dc parecia da população não-produtiva, O rápido crcscimen-lO da poiJulação carcerária nos Estados Unidos é, em grandeparte, conseqüência das leis rigorosas e da ação contra as dro-gas ilegais. Muitos des aspectos mais rigorosos das prisões eu-ropéias são conscqüência da mesma guerra contra as drogas,

Os cfeitos desta evolução na Noruega nos úllimos dez anosestáo~na Tabela53-I. Gque fiz aqui foi-simplesmente, (na~prática, menos simplesmentc), somar os anos de prisão dascondenações impostas pelos juízes, ano a ano, desdc J 979,

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il.Como podemos ver na tabela, eles dobraram nestes dez anos:de 1.620 para 3.022 anos. A coluna seguinte revela quantosdesses anos são de condenações relacionadas com drogas.Aqui, podemos ver que o aumento é de 219 pura 789 anos, oque significa um crescimento de quase quatro vezes em dez

I anos. E, finalmente, podemos ver que as drogas tiveram um,

Ipapel crescente no total das penas a partir de 1983. Um quar-to do total das penas relaciona-se, atualmente, com as drogas.

Tabela 5.3.1 Número anual de anos de prisão impostos pelos tribu-t~.. nais na Noruega de 1979 a 1990.Número total e número de anos deprisão por condenações relacionadas a drogas. '

! Ano Total Drogas Percentual de drogasi no total.'I 1979 1620 219 14

1980 1620 245 15I 1981 1792 326 18

\1982 2073 388 191983 2619 650 25

, 1984 2843 684 24!i 1985 2522 592 24

1986 2337 458 201987 2586 683 26 L1988 2688 756 29 ,1989 3022 832 281990 3199 789 25

A impressão geral é de que a ampliação do liSOda punição naNoruega nos últimos dez anos - em termos de número de sen-tenças e de severidade das mesmas - se relaciona principalmen-te com as drogas. Os crimes relacionados com drogas predo-minam entre as penas de prisãO mais longas. Isto é evidenteaté na forma como as estatísticas oficiais são apresentadas. Emanos anteriores, nossa tradiçãO era tal que trés anos de prisãoeram vistos.como períodoe~JI~mamente longo. Sentenças___ 0 __ - ." .~ _

. como essas eram raras. As estatísticas refletiam isto, ao espe-cificarem as sentenças em unidades menores de dias e meses.

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o CONTf10LE DAS CLASSES PERIGOSAS

Mas quando cilegou o momento dc tirar anos das vidas daspessoas, o Departamento Central de Estatíslicas acilou queuma divisão simples de 1 a:; anos scria suficiente, e criou en-tão uma catcgoria combinada para os poucos casos de maisde três anos. Isto foi suficiente até as estatísticas de 1986. Apartir desse ano, as categorias combinudas transbordaram eforam divididas em 3 a 4, 5 a 6, 7 a 8, 9 a 10, I1 a 12, Da 14anos e 15 anos ou mais. É particularmente nas áreas de 3 a 8anos que os crimes relacionados com drogas constituem o gros-so dos casos.

"Mas não é só por este extremo cJo--éontrole da crilllllíalidadequc as drogas entram no sistema penal. Elas também marcamprcscnça no lado mais suavc. A população Suposlamcnte pe-rigosa é atacada cm duas frcntcs. Alguns são vislos corno im-portadores de drogas, muitas vezes cilamados de profissionais.i\-las também são definidos - e muitas vezes trata-se das mes-mas pessoas - corno urna ameaça à ordem e, por esse motivo,submetidos a medidas coercitivas. Com a reeente tendénciapara a desaceleração cio crescimento econômico, as drogas setornam um convitc particularmente tentaclor para certas for-mas de controle penal. O desemprego crescente se renele emmaior número de pessoas nos bairros pobres. A pobreza vol-tou a tornar-se visível. Os sem-teto e os desempregados estãonas ruas. Estão por toda parte, sujos, ofensivos, provocantesna sua inutilidade. Repcte-se o que aconteceu nos anos 30, sóque em maiores proporçc)es, porque os centros das cid;\desforam reconstruídos dcsde entào. Os cortiços c as esquinasescuros foram substituídos por arcad;ls aquecidas que levamoos paraísos dos shoppings cintilantes. I~elaro que os senHetoe/ou os desempregados procuram estas alternativas públicasaos locais dc trabalho e às casas que eles não podem ter É clarotambém que logo surgem as exigências de que eles sejam afas-tados da-vista e até cios peflsamentos. De volta- aos anos :;O,"a 'soluçtio foi passar a ver essas pessoas como "doentes", ou ne-

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE 00 CRIME

cessitadas de tratamento. Uma prisão especial foi construída~para abrigar, por longos períodos, as pessoas presas na rua porembriaguez, sob o pretexto de tratamento para os problemasdo alcoolismo. Mecanismos semelhantes existiam tanto na Fin-lândia quanto na Suécia. Essas instituições foram abolidas nosanos 60 e 70. Hoje, os recém-chegados às fileiras dosIndesejados são de novo vistos como doentes ou, pelo menos,como pessoas que não tém força de vontade devido à supostanecessidade irresistível de se drogarem. E. agora, essas cate-gorias estão ainda mais sujeitas à ação penal. Nos anos 30, asua doença era vista como relacionada ao alcoolismo que. nofim das contas, era uma substância legal e usada peia maiu-ria. Só o abuso podia ser punido. não o uso. Iloje, todo o usoé abuso. 11 ilegalidade cria uma clara ruptura cntre "cles" e"nós".

Outros acontecimentos prepararam o terreno para o uso cres-ccnte de medidas coercitivas contra os usuários de drogas.

~'lesmo nos estados de bem-estar social governaelos pela soci-al-democracia. as direrenças entre as classes cstão se amplian-do vlsivelmentc. O número dos extremamenle ricos está cres-cendo. enquanto os padrões de vida da população em geraldeslizam montanha abaixo. Isso cria a necessidade de mantera distância em rclaç:io aos de baixo. Nos anos 30, os que esta-vam na base ela pirflmide também representavam os estratosmaiS baiXOS da classe trahalhadora. I laje, eles CS1~io,cm certosenlldo. ainda mais abaixo, e parece razoável mudar a teI'Jni-nologia de classe para casta. O H IV e a Aids cslüo sobre-re-presentados entre os usuários de drogas pesadas. Esse fato émuito conhecido e cria. ao mesmo tempo, repulsa e ansieda-de. Estas pessoas estão adquirindo o "status" de intocáveis. Emdebates públicos foi sugerido que todos os portadores de H IVtivessem uma tatuagem no corpo, revelando a verdade. Nostempos antigos, os leprosos carregavam sinos, para avisar que

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o CONTnou:: DAS CLASSES PEnlGOSAS

estavam chegando. No terrcno do controle socíal, raramcntcsurgcm invcnções novas.'

Mas não é muito correto dizer que estes intocáveis passaramdo status de classe ao dc casta. 11 situação é pior. Nas tradi-cionaiS sociedades de castas, os membros das castas mais h:li-xas enfrentam forl11:ls extrcmas de clilcrimil@,',lo. S:'\o rllrça-dos a manter dist:inci" cm relnç,í[l nos prrVIIcc,lados. Mas nsdesvanlngens témlimiles. Os mcmhros das castas mais haixasSãll úteis para o resto do SlSlema. redli/.ando Irab31hos neces-sários mas extremamcnte mal-vistos. '\través de 'cus aiOS, elcsperulltenJ qu~ as castas puras contl!lllCm puras. Isto Implicacm certa proleção. Os drogados estflo abaixo desle tipo de uti-lidade. e por isso também não lêm a proteção dé serem neces-sários. Sua principal utilidaele é serem exemplo de condiçõesindesejadas e também a matéria-primá para a indCislria cio controle. Ao estarem socialmente distantes e crian:m repulsa emedo, cles ficam numa posiç~lo allamentc vu!nerável

Na prática, a guerra contra as clrogas abriu camlllho para aguerra conlra as pessoas tielas como menos útCIS c potelicialmente mais pcrigosas da populaç.üo, aquelas que Spitzer (I 977jchama de lixo SOCial,mas que na vcrdade são vistas como maisperigosas que o lixo. Elas mostram que ncm tlido cstá comodevia no teeicio social, e ao mesm(' tempo sflo uma fonll' po-tencial cie perturhação. Na terminologia de Splt/cr, elas se lar,l1am ao mesmo tempo liv) I' d 11I,1111ite. Alr:!"é., da guerra 1'l'11-Ira as drogas. elas s:io cercacl~IS por UIllIliOVliIlC!1I0em f01'111ade rede. Por algul1S de seus aios, essas pcssoas s:io vistas comocl'lminosos pGrigo~os. São cha rmelas de "tu ba rõcs eIas drogas"e presas por períodos excepcionalmGntc longos se importaremou vencicremmais do que mínimas quautidades de drogas. Na

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realidade, muitos dos assim punidos são também usuários,situados a uma considerável distáncia do topo da sociedade(B0dal1982). Existem grandes traficantes nas classes média ealta, mesmo nas prisões, mas são exceções raras. Do outro ladoda rede estão as iniciativas para estabelecer tratamentos coer-civos. Nesta conexão, as mesmas pessoas são vistas como po-bres desajustados. Entre os dois lados da rede, elas ficam fir-memente presas.

5.4 Europa fortificada, Ocidente dividido

Este livro eSlá sendo cscrito num dos mais conturbados perío-dos da história da Europa moderna. Enquanto escrevo, a URSSe a cortina dc ferro estão chegando ao fim. No extremo nortedo meu país, temos uma fronteira com o que agora é a Rússia.Sem cortina de ferro, lemos que enfrentar as novas realidadesdessa vizinhança.

Não gostamos de tudo o que vcmos.

É particularmente desconfortável ter uma imagem tão clara dapobreza. Os que vivem perto da fronteira reagem como bons vizi-nhos. Convidam as pessoas famintas a entrar, ou recolhem comi-da para distribuir. Mas a nivel do Estado, parece diferente. A Rússiaé tão grande: e sc todas cssas pessoas. ou mesmo uma parte delas.tiverem a idéia de 1'11' para o Ocideme? Esscs vizinhos famintos ccr-tamente wmeriarn tudo e nos deixariam scmnada. Dois milhões emeio de adultos j:l dccidiram ir para o Oeste, segundo um estucloda Comunidade Econõmlca Européia de janeiro de 1992. Outros10,5 milhões dizem que provavelmente decidirjo fazer o mesl1lo.'

O problema é semelhante em países mais abaixo no mapa. Éo mesmo em toda a Europa Ocidental. Estamos rodeados porvizinhos famintos. E a solução é clara: a velha cerca criada por

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o CONTROLE DAS Cll.l,SSES PERIGOSAS

Stalin e outro, precisa ser levantada uma vez mais e agora tam.bém estendida ao sul. A África também está faminta. E a ,\siatambém. A Europa Fortificada começa a tomar forma: Euro-pa Fortificada, Ocidente dividido.

O terreno já fora preparado antes da dissoluçjo da URSS. /\1-guns passos haviam sido dado,. O primeiro é simholizado pelasigla TREVI. li'ata-se de um fórum inlergovernamental paraminislros do Interior e de Relaçôes Exteriores dos países daComunidade Enropéia. O grupo também concedeu o s/a/II.I' deobservadores a alguns outros países. como Estados Unidos,Canadá, Marrocos e os países nórdicos. TREVI signifrca 'Ierm-rismo, Radicalismo, Extremismo e Violência. O grupo foi criadoem 1976, pl'incipalmenle para combater o terrorismo. mas o man-dato original foi ampliado para grupo, especiais relativos a "Co-operação Policial" , "Crimes Graves e lI-áfico de Drogas". e porúltimo, mas não o menos importante, "Implicações na política desegurança do Mercado Unico Europeu".

A referência legal para estas operações foi em grande parte cria-da pelo Acordo de Schengt'JI. Sehengen é uma cidade dr:Luxemburgo. onde a França. a /\lemanha Ocidental. a Bélgrc'lc a Holanda assinaram, em 1985.um acordo formal para abolirseus controles Internos de fronteiras. antes de) reste; dos P:Ií.\l'Sda Com!lnida,k I:uropéia. Isto fOI visto corno um projcto ..pi-loto para a nO\'a comunidade. DepOIS de muito., desacordos ecrítica~ sohre a extrema rcscrV(l que 1.'J)VOIVCli () ,lCnrclo, Ul1laCon\'cnç:lo dClalhada foi a,sin<Jli:J CI1ljunho ele I9')(). N~'.\e;lno, a It:llia, a Espanha e Portugal tiímbl'm sc associaram ;10

acordo. Nas pala na;, dc Abcl c/ aI. (1991. p. 4):

/\rl')~r de não ler sido ;Jind~!r.tllfíc.:1do, suas dispOS1Ç'ÜCS sobreCOOP(T<.lÇ,-IO policlJI c il1[Cr:Crlll1bio de inrOnml~'()c_'i s:io a m;lisdcl;t1lll1c1avi:-,;io que dispomos til' que CSI:í por VII.

I.:O que eSlá por vir é a defesa ria Europa Fortificada.JllilllCllO. a pl)lícia podcrj atravessar ~IS rrOJl1cins CJl!rc ()~P.:lÍ5iC\. 'lcrú au(ol'lzaçJo de porlJr '.;uns prüpn:1~ ~ll"lllas, l1la.~a

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enlrada em residências c lugares não acessíveis ao público seráproibida.

Segundo. um sistema conjunto de informações será estabele-cido (Convenção, art. 92):

O Sistema de lnformaçãn Schengen permltir{\ às autlll'idadcsdcslgmdas pel"s Partes Cnntratantes, através de proccdimentos dePcs4uisa autolll<ltll.al!a, ter acesso a relatórios sobre ressoas i..' ob-.Ietos para fills de controle de fronteiras c outras aç(lCspoliciaIS 011

de Cllntrolc alfandegário levados a cabo dentro do pais ...

Novas ferramentas técnicas estarão em breve disponíveis paraeste eontrole. Num novo boletim sobre Justiça criminal deno-minado Europa (vaI. I. número I, p. 3) ficamos sabendo que:

Pesquisadores (13 Universidade de Essex. na Inglaterra, cstão tesotando um sistcma de eontrole através ele impressões digilais quepode ser associado a um cartão de crédito para reduzir as frau-eles. Um modelo deste SIstema está sendo l('st~ldopor lima com-panhia de propfledade da Universid"e1e. a Essex E!cetronicConsllltants, para res()lvcr problemas associados ao mesmo.

Um sC<lllllcrscria usado cmlojas para comparar as impressõesdignais do pllft"dor elo cartão ele crédito com a Imagem conti-ela na faixa magnética do cartão. Além de cvitar fraudes, acredi-ta-se que a técnica terú outras al'licaçOes, inclullldo eaixas ele-trOnieos, eartClfas de motorisla, passaportes c idcntiflcaçõespessoais.

E, terceiro, foi criado um rígido sistema de controle de estran-geiros. As fronleiras cxternas sõ podem ser atravessadas cmpontos autorizados. Os Estaclos tcrão uma política comum emrelaçãO a pessOJs de fora ela l:uropa Fortificada. Eles v~ío har-monizar as políticas em relação a vistos e pedidos de asilo etrocar informações sobre as pessoas tidas como indesejáveis.A entrada pode ser negada se outro "país de Schengen" tiverinformação negativa sobre a mesma. "Um não de um país. éum não de \2 países. Um sim de um. é um sim de somente um"

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o CONTflOLE DAS CLASSES PERICH'SAS

(Morén 1991, p. 43). A empresa qlle transportar qualquer pes-soa alravés da frontcira pode ser multada se o pa"ageiro esti-ver sem documentos válidos. A Grã-Bretanha já aplica estaregra há dois anos. o que causou um custo às empresas detransporte de 11 milhões de libras esterlinas.

Aonde leva tudo isso"

A uma espécie de cerco. As I'rolllclr<lS internas eSlão sendocnfraquecídas. mas isso é compensado pelo fortalecimento doscontroles internos: uma polícia armada com autoridade paraatravessm as fronteiras e com um Slstcma de informações com-partilhadas: e, como elemento central, um sistema muito maiseficiente de controle das fronteiras externas. A cortina de ferrocaiu, está subindo a cortina do Visto.

'I11lvez a Europa Ocidental. pelo menos por alguill tempo. con-siga ter um nellTlerO relativamente baixo de presos. mantendoos que serão vistos COIllO os elementos mais perigosos foradesta assembléia de sociedades prósperas. Talvez a EuropaOmlental consiga. por algum tempo, preservar se como urnailha de prosperidade, impedindo ,\ entrada cios pobres, em vezde trancá-los nas prisões da Fortaleza. Desencadeando nmaguerra contra os estrangeiros talvez possamos nos preocuparmenos com o combate aos que são tradicionalmentc viSloscorno os inimigos intcrnos.;\ quest~o é saber se o preç.o distoserú mnlto alto. Deixem que estas últimas rellexoes nos protejamcontra a vaidade européia quando. nos próximos capítulm, ana-[i5al'1nos o que estú acontecendo rio ('utro lado do Allantico.

•5.5 Dinheiro em escravos

Possuir escravos foi, cm ccrtos períodos. um bom negócio. Esteséculo viu vários exemplos bem succdidos. Os campos de tra-balho de Slalin e os campos de concentraçáo de Hitler cum-priram numerosas tarefas. Quando deixaram de scr usados.nao foi por nao cumprirem seus objetivos. Mesmo nos cstúgios

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finais dos antigos regimes da Europa Oriental, alguns dos sis-temas carcerários davam lucro. A moral do trabalho cra baixatanto dentro quanto fora da prisão, mas muito mais fácil decontrolar dentro dos muros. Lembro-me de uma visita a umaprisão modelo da Polônia antes da democratização. Olhandodo último andar, só se viam fábricas a perder dc vista. Todaselas estavam dentro de um alto muro e pertenciam à prisão.De acordo com o vicc-diretor da administração carcerária detodo o país, o sistema no seu conjunto dava um lucro consi-derável. Hoje, esse lucro provavelmente não cxiste mais. Masnão em todos os países. O Helsinki Watch (\991, p. 36)', de- ~..pois de um extenso e detalhado estudo sobre as condiçôes dasprisôes na União Soviética, relatou o seguintc:

Os presos reccbem um salário do qual é deduzido um valorpara pagar a sua manutenção. Eles podem realizar serviçospara a colônia, como limpeza, cozinha, manutenção dos ser-viços médicos, (se tiverem qualificações para isso), ou aindapodcm trabalhar nas instalações de produçãO do campo. Mar-cenaria, manufatura de móveis, metalurgia e eletrõnica sim-ples são algumas das indústrias existentes nas colõnias. A pro-dUÇãOdas prisões é vendida ao público em geral e era até hápouco tempo exportada para os "países socialistas irmãos".Não está claro como a exportação dos produtos das prisõesroi aretada pela queda da maioria dos governos comunistas naEuropa Oriental e pela reorientação das relações comerciaiSsoviéticas para as transações em moeda rorte, mas um relato daimprensa apontou para um esrorço das prisões para tentarjoinl venlurescom empresas da Europa Ocidental. A produ-ção das prisões é uma parte vital da economia soviética, res-ponsávcl por uma renda de 8,5 bilhões de rublos por ano. Em1989, os lucros da produçfto das prisões chegaram a 1,14 bi-lhõ':.s. As pristies têm o monopólio da produç:iO em algumascíreas, como a de maquinário agrícola.

4O Hdsinki \Vawh faz parte doHlllllrtn Rights Watch. t um:l organizaçãocolllposla de .cinco comilês de observaç50: /\frita Walch, Americas Wa1ch, Asia W:nch, I-klsinki W:ltch. e Midd\c Easl \Vütch c o Fundo p3ra:.l Liberdade de Exprcss3o. No capítlllo 6.4. citare-mos seu rclalóno sobre us wndiç6cs das pri:iõcs dos Estados Unidos.

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III

o CONTROLE DAS CLASSES PERIGOSAS

A China tem uma situação semelhante. Domenach estimanuma entrevista' que a China exporta bens no valor de cercade 100 milhões de dólares por ano de seus Gulags. Ele acha ascondições chinesas menos deploráveis do que outras relacio-nadas com os Gulags. Para que o trabalho seja feito é precisotratar os presos com um mínimo de dignidade e também ga-rantir que as condições materiais não se deteriorem demasia-do. Com esta observação, estamos ele volta as nossas renexClessobre as diferenças entre casta e classe. Sendo importantes paraa economia, os presos sobem ligeiramente na hierarquia. Ad-quirem pelo menos alguma importãíiCia. Isso também signifi-ca um grau de poder, o que pode representar no futuro pro-blemas para as autoridades.

5.6 Traços de um futuro

As perspectivas para o futuro distante serão tema dos Capitu-las I I e 12. Mas pode ser útil já tentar sugerir algumas p6ssí-veis linhas de evoluçãO ..Não se trata de sugestões finais. Elasapenas servem para pôr alguma ordem na casa antes de em-barcarmos numa descrição mais extensa da industrialização emgeral e ela situação dos Estados Unidos em particular.

Uma sugestão preliminar está relacionada com o modelo fin-landés-holandês-norueguês. Trata-se de estados de bem-estarsocial em crise, pelas razões que já descrevemos. Não se sabese conseguirão preservar seu perfil. Mas há sinais de que estesmodelos podem ser resgatados, e mesmo fortalecidos, se vir-mos a evolução dos acontecimentos em outras nações euro-péias. O número de presos tanto na Alemanha quanto na Grã-Bretanha está em ~ueda. Isto expressa, por vezes, lima políticapreventiva consciente, freqüentemente por motivos econômi-cos, já que as prisões estão ficando muito caras. E há porta-

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I ...Isto niro nega que haja Olllros tipos de acontecimentos infeli.zes, perturbaçõcs mais oumcnos sérias ou eonnilOs que poclemdar origem a sofrimento) dor 011 prejuízo em maior ou menorgrau. Est"s perturbações têm quc scr iev"das " sério, é claro,mas não C0l110 ':crimcs" c, de qualquer forma, c1ns não deveri-am scr trat"das por meio do direito penal (p. 208).

Mas há t<1mbém indicadores que apontamnil direr;ão oposta.A cvolu,ão dos aeontecimcntos na I:uropa Oriental é de grandeimportánela. O efeito imediato da Glasnosl c lUelo o quc se liJeseguiu foi a forte reduçãO elo ntímero ele presos que observa.mos no Capítulo .1. Mas a Glasnost também trouxe a

_criminal idade para os meios de comunicação. Antes um tematabu tornou.se motivo ele entretenimento no Ocidentc, masnuma situação social cm quc !l;j toelos os motivos para se tc.mel' o descontentamento, c ondc o sistema carcerário tcm umpapel cconômico fundamcntal para o Estado. Como se podcperccher ilO rclatório elo Helsinki Watch (1991, p. 36):

Dada a importância que o trab"lho nas colõnias penais tem paraa ~conol11ia soviética. é grande a prcssüo contn.l LIma reforma im-portante do sistema p'enal. lJnto o cleeréseimo cionúmero de prc.sos condenados ãs colônias de trabalho, quanto a redução de suassentenças, o aumento de seu p'lgamento ou a ênfase na reabilita.ção dentro do sistema de trabalho vão contra os obJetivos dn pro.dução c do lucro. l'erturb'lI' a economia das colõnias de trabalhosignifica perturbar toda a economia, 8crcsccntando tensões a umaeconomia que cstú em cOlltraçfJoc ,I beim da hiperinl1aç:lo. Are.fonna do sistema de 1rabalho, assim, requer um empenho políl icosério c de alto nível.

Não há sinais ele que exista este empcnho. Pelo contrário, aSpressôes sobre a abalada estrutura de governo são por maislei c ordem. O controle da criminalidade pode ser visto comouma arena de gralide utilidade para mostrar força, particular.mente se o show pode ser exibido com lucro. Os últimos nú'meros oficiais publicados, sobre o número de pessoas conele.

-~o_~nadasà-prisãona URSS, não são promissores, A T.?bela 5.6./mostra a esperada reelução entre 1986 e 1988, mas logo depois

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o abolicionismo (como é freqüentemcme chamada esta tradi.ção de pensamento), se baseia na convicção moral de quc a vidasocial não deveria c, de fato, não pode ser regulada efetivamen.te pelo direito penal e que, por isso, o papei do sistema dejusti.ça criminal deveria ser drasticamente reduzido ... (p. 203)

A meta de redução para o iníCIOdos anos 90 não devcria ser decerca de 52.000, como planejado pelo Ministério da Justi,:a, masde 22.000 ou, em termos de índice de populaçãO carecrilria porcem mil habitantes, não 110, mas cerca de 35.

Numlivro recente, Drowing OutofCnine, Rutherford (1992)doeun~el;ta o decré'sc~rr;~'ctr~stico doúsÚ'diCclélenção para osinfratores muito jovens na Inglaterra e no País de Gales.

A descrença na função das prisões na Europa também foi es.timulada pelo livro de Mathiesen Prison on 7ha/: A Crilic,?/Assessmcnl (1990). Os argumentos trad icionais a favor dadetenção são analisados e refutados, e somos postos diante dealternativas radicais à detenção. Os livros de Rutherford eMathiesen, e nào são os únicos, são exemplo de visões cultu.rais que ainda são válidas na Europa Ocidental. A alternativamais radical à legislaçáo penal foi o trabalho - e ainda maisas aulas - de Louk Hulsman, de Roterdã. Seu tema principalsão as tentativas de trazer os atos indesejados do domínio dodireito penal para o do civil. Em harmonia com esla proposta,ele descreve o direito penal não como uma solução, mas comoum problema social em si mesmo, Assim, o ohjetivo não é sólimitar o uso da detenção, mas abolir também a legislaçãopenal. Ou, nas palavras de outro holandês, Willem de Haan(1991) :

A INDUSTRIA DO CONTROLE 00 CRIME

vozes desta tendência. Na Grã.Bretanha, Rutherford (1984) éum importante advogado do que ele chama de agendareducionista. Uma de suas mais importantes propostas é a deredução substancial da capacidade física do sistema carcerário- um corte de 50%:

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

• Coleção Estatística: Crimes e outros delitos na URSS 1990, Moscou 1991.

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Uma equipe do jornal dinamarquês PolilJken' confirma o re-latório sobre a penitenciária Kresty de São Petershurgo. Krcslysignifica cruz, o que parece uma boa metáfora para uma prisãoque chega a ter 14 presos por celas de oito mctros quadrados.

'R)do o meu corpo dói porque nunca estico as pernas ou as cosotas, disse um rnpaz alIo. Ele era um dos recém.chegados, c ti-nha, por ISSO, quc dormir perto da porta c do vaso sanitário.

Ou de novo nas palavras do Helsinki Watch:

Os internos scntam.se ou deitam.se nas suas camas, muitasvezes curvados, principalmente no beliche de baixo. As Janelasficam fechadas ou, se abertas, têm lantas barrns de ferro ou ante.paros, que não entra luz nem ar. As portas são maciças, comapenas uma fresta para observação ou às vezes uma fenda poronde passa a eomida.,A ventilaç,lo virtualmcnte incxistc; as ce.las são quentes no verão, frias no inverno e muito pouco ilumi-nadas.

HII

de S<ioPetersburgo, tem capacidade para 3.300 prisionetros masuma populaçno de 6.000 a 6.500' "Os excedentes vêm de Mos-cou", disse-nos um funcionário, "as piores coisas sempre vêmde UI. II

o CONTnOLE DAS CLASSES PERIGOSAS

As autoridades carcerárias estão desesperadas, mas vêem pou-cas possibilidades de reforma ... "Eu sei corno deveria ser umaprisão", disse o diretor aos jornalistas. "Fiz uma viagem deestudo à Finlândia. Mas para nós, essas condições não pas-sam de um sonho."

7 Po/ilikcn, Copenhague, la de m:lio de 1992,

A questão é saber por quanto tempo o diretor e os funcion~riosconseguirâo manter o controle. Houve vários casos de violên-cia contra os guardas em Kresty. Em fevereiro de 1992, doisguardas foram tom~dos como reféns e um morto. O HelsinkiWatch (1991, p. 22) relata que as rebeliões e tomadas de re.féns se tornaram mais ou menos comuns. Eis a sua lista:

458.729305.495231.767244.785292.992

6Corn'o 10 a 15%das celas estâo normalmente sofrendo reparos ou são usadas paraoutros fins. a capacidade real é de cerca de 3.000.

Mas também existe neste caso potencial para mudanças. Coma Perestroika e a Glasnost, vieram idéias de protesto. As casasde detenção na Rússia e em outros estados da antiga URSS sãohorríveis. O Helsinki Watch (1991) diz o seguinte sobre as con-dições de vida nesses centros (pp. 14.15):

As condiçCes de vida nas casas de detenção são apavorantes.Todas as que visitamos estavam superlotadas, scm ar, quentesno verão, frias no inverno e normalmcnte malcheirosas. O cen-tro de Butyrslaia, em Moscou, construído há centenas de anospara ser uma fortaleza, tem capacidade para 3.500 pessoas.' Em11 de junho de 1991, quando o visitamos, tinha 4, 100 internos,dos quais cerca de 250 a 300 já tinham sido condenados e es-peravam pelo resultado de apelaçCes. O centro deKrasnopresneskaia, com capacidade para 2,000 detentos, sem.pre tem de 2.200 a 2.300; quando o visitamos tinha 2.264. "Du-zentos e sessenta e quatro nao lêm'lugar para dormir", disseo diretor da prisão, "e têm que dividir uma cama ou dormirno chão." O famigerado centro de detenção Kresty, o maiordos dois que servem os cinco milhCes de habitantes da área

19861987198819891990

os números sobem de novo em 1989 e 1990. Esse foi o ano dofim da URSS, mas colegas russos pensam que o aumento con-tinuou em seu país em 1991 e também em 1992. Gilinsky (I 992)mostra que o número de pessoas condenadas e internadas nas pri-sões cresceu, de forma uniforme, desde 1987.

Tabela 5.6-1 Número de pessoas condenadas à prisão na URSS 1986-1990'

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

• Outuhro de 19YI - centro de prisclo preventiva de Grozn)'--rcheMo de 600 presos. fluas mortes depois da rehelião. Quei-xas dos detentos: desconhecidas.

• Julho de 1991 - casa de detenção de Novokuznetskii - 400detentos em greve de fome. Queixas dos detentos: venti1açüoruim, assistência médica inadequada, provisões de comida es-cassas, maus-tratos dos guardas.

• Agosto de 1990 - casa de detenção nO2 de Armavirskii.Krasnodarskii - 200 fazem greve de fome. Queixas dos detentos:comida ruim, falta de cigarros, assistência médica ruim, celassuperlotadas.• Junho de 1990 - casa de detençüo de Dnepropetrovskaia-rebeliüo de mais de 2.000 presos - saques, incêndios. Rehcliüodominada por forças especiais que invadiram o edifício. Cin-co presos morreram; há versões diferentes sohre a responsa-hilidade das tropas em relnçao üs mortes. Queixas dosdetentos: superloLaç3o, assistência médica e condições dc vidaruins.

As casas de detenção süo as piores e, por esse motivo, particu-larmente atingidas pelas rebeliões. As colõnias são, em geral,melhores. Mas também aqui poderão ocorrer problemas nofuturo. Os presos sabem que são importantes para o sistema,como produtores. Aos poucos cxigirüo mclhores condições devida e uma parcela do lucro. Os escravos se aproximarüo dacondição de trabalhadores. E uma nova situação surgirá,jã queele certa forma o sistema está mais aberto às idéias ocidentais.Isso provavelmente aumentará seu poder de barganha.

Mesmo nos Gulags chineses parece estar ocorrendo mudan-ças. Domenaeh fez algumas observações interessantes. Eledescreve o sistema de controle dentro elas prisôcs chinesascomo sendo detalhado ao extrcmo. O menor desvio. um sus-piro no momento ou no lugar errado, e alguém pode registrarque a pessoa está no mau caminho. O prisioneiro perreito é oquc sabe a ideologia oficial de cor, e também adivinha os de-

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o CONTr1OLE DAS CLA~~.st:SPETIIGOSAS

sejos elas autol'ldaeles antes ele eles serem fo 1'I11l1l3e1os_I'araatingir este objetivo, fOIeonstruído 11msistema sofisticado. comcontroles mútuos extremamente detalhados deJ1lro de peque-nos grupos de presos. Também aqui não há necessidade doolhar de Deus. Os membros do grupo vêem tudo, ouvem tudo,sentem tudo e podem corrigir tudo. Mas na perfeição residetambém o perigo do regime. E DomenJch acrescenta, na mi-nha tradução do dinamarquês":

Um:l leitura atenta da l1istl)ria dos (julags chineses permitecompreender os paradoxos do conLrole tOLal,t:íno. ['sL" Lcnta-t!va cle controlnr a populaçflo é ao mesmo ICJllI1() ambiCIosa eperigosa. Parn ter Sucesso neste eonLrole clcgrupos e indivídu-os, a vontade de governar precisa ser completa c pCrl11(lllclltC.

A h,stcíria do Gulag é a históri" das conscqliêuct:lS quc l1eor-rem quando esta vontade declina ... emLal sttuaçüo. o controlerígido desaparece. Os pequenos grupos que antes lúnclonavamC0ll10 instrumentos de controle ricam isolados. Desellvolvem.gradu<limcntc, uma experiência de intcrcsscs c cicslino cOllluns ...O SISLcmadc controle se volta cont"" os que OII1l'cntaram. Estaé n razão que explica porque o sIStema chinês. quase pcrfcíto.pareça se despedaçar ainda mais raritianH:nlc, que outros sis-tcrn~lS semelhantes.

Até agora, nos concentramos principalmenLe na Furora Oci-dental c Oriental, com algumas incursões adicionais à Chinacontinental, A principal impressão até aqui é a dc uma situa-ção bastante instável. Os arquélipos dos estados ele bem-estarsocial i'oram capazes de manter os padrões ele lima popula-ção carcerária relativamcnte pequcna. Mas eslüo submetidosa grnllclcs pressoes. Os dois grRndcs im périos dc Gulags re-eluziram dramatic<'tmcnte scu número de pre;os mas. pelo me-110.1na Rlíssia. essa redução parece ter bases sólidas. Por ou-tro lado, " difícil entender como. a longo prazo. serã possível

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Page 49: A Indústria do Controle do Crime - Nils Christie

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

manter um grande segmento da população em Gulags, se es-tas nações admitirem idéias geralmente encontradas em paí-ses ocidentais. Mas esta é ainda uma conclusão preliminar,antes de nos envolvermos numa análise do que acontece namaior potência industrial do mundo.

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III

Capítulo 6

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6.1 A quem se ama, se castiga

Há poucos países tão agradáveis de visitar quanto os EstadosUnidos. Como norueguês, me sinto perto de casa, efreqüentemente melhor do que em casa. Dizemos muitas ve-zes que há tantos noruegueses nos Estados Unidos quanto naNoruega. Deixando seu velho país, eles fazem um bom negó-eio do ponto de vista material e, talvez, até social. A atmos-fera calorosa em muitos encontros, a preocupação com osnovos vizinhos, as fascinantes variações dentro das grandescidades.

Escrevo estas palavras numa tentativa de desfazer interpreta-ções completamente erradas do que se segue. Minha intençãoé fazer o impossível. O que estou tentando dizer é que tenhoorgulho do país e de seu povo, que me sinto próximo dele, atémesmo por tradição nacional. Mas, ao mesmo tempo, susten-tarei que existe algo extraordinariamente alarmante no tecidosocial dos Estados Unidos, precisamente por me sentir próxi-mo, por sentir o pafs como parte de mim mesmo, é difícil si-lenciar-me e não expressar minhas preocupações.O mais difícil é encontrar-me com colegas dos Estados Uni-dos. A criminologia americana domina grande parte do mun-do, suas teorias sobre o crime e o controle do crime exercemuma enorme influência. Os criminólogos americanos são pesso-as simpáticas e conscienciosas, calorosas para com os visitantes,

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A INDUSTRIA DO CONTROLE 00 CRIME

conscientes de seus padr6es de atividade científica. Seus pa-dr6es se tornam nossos padr6es, e suas soluções tendem a sercopiadas no exterior.

Talvez sejam estas as raz6es que me levam a pensar na Alema-nha, a partir dos anos 20. A Alemanha, país de cultura ediscernimento, país de ciência, de pensamentos racionais e decoraç6es românticos. A Noruega sempre se orientou mais pelaInglaterra e pelos Estados Unidos do que pela Europa conti-nental. Os oceanos são um melhor meio de transporte do queas estradas de montanha. Mas o respeito pela Alemanha sem-pre foi grande. Seus estudiosos de assuntos penais sempre fo-rammuito respeitados, assim como sua política de lei e ordem.Os acadêmicos viajavam para lá. Autoridades policiais e pro-motores iam para a Alemanha. Foi um modelo influente, tal-vez por demasiado tempo.

Hoje vamos para os Estados Unidos.

6.2 O grande confinamento

Quando Michel Foucault (1967) escreveu seu livro A Históriada Loucura, incluiu um capítulo sobre o "GrandeConfinamento", pensando na França. Ele descreveu os esfor-ços para manter sob controle as classes e categorias que nãose comportavam denlro dos padrões de normalidade. Foramconstruídos hospitais. os velhos leprosários foram convertidospara esse fim e Paris se transformou numa cidade segura paraa burguesia. Foucault também dá números: no ponto máximo,I% da população estava confinada em instituições. E ele dá ra-zões para este grande confinamento:

Antes de ter o significado médico que lhe damos hoje, ou pelomenos que gostamos de supor que tem, o confinamenlo era exi-gido por algo muito diferente do que a preocupação com a curados doentes. O que o tornava necessário era um imperativo detrabalho ... Desde o início, a instituição se propôs prevenír "amendieãneia e a doença como as fontes de todas as desordens".

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o MODELO

Dt: 1'(110. esta era a Cl1lima elas grandes tllcdid:1S que' haviam sicl0;l(!oladas dc.sdc a RCn:lSCcll\a p;lnl pl)r flln ,1(1desemprego nu,pelllmelllls. ilmelldie<íllcia (1'1'..11>.,(7).

Como demonstramos na Seç.103.4 sobre as 7él1dêl1à7s MIII1-diais, a população carcerária dos Estados Unidos estará embreve a meio caminho do exemplo central de Foucault soble ogrande confinamento. E os dados dos Estados Unidos se apli-cam a todo o país, incluindo estados e mUllicípios com pequenaquantidade de presos, enquanto os nluneros de Fouleault sereferiam npenas a Paris e por isso prqletavam números demasia-do altos para tocla a França. Além disso, os números dos Esta-dos Unidos não incluem instituições para doentes mentais.Os números mostram lambémum crescimento explosivo.Em junho de 1983. a COlTlxllOllal Mag:wlicdizia o seguinte so-bre o crescimento da população carcerária dos Estados Unidos:

"Fantástica ... enorme,,, atcrrorizndora", foram ns palavras es-colhidas por Norval Morris. da Faculdade de Dlreíto da Um-versidade de Chíeago, para descrever o aumenlo da populaçãocarccrãria dos Estados Unidos nos últimos anos."É um aumento surpreendente", diz Alfred B1umstein, da Uni-versidade Carnegie-Melloll, de Pillshurgh."Estou realmente surpreendído: é um ereseimenlo assomhro-50", diz Franklin Zimring. diretor do Ccnlro de Estudos de Jus.tiça Criminal da Universidade [i<; Chicago.''(: ainda pior do que cu esperava", e1i!.KenneLhCnrlson, elaAhtAssociados de Camhridge. Massaeh\ISells. "Caela vez é maisassustador. ,.

Isto é o que estes especialistas dizem sobre o crescimento da po-pulação carcerária a(t 1983. Eu também fiquei assustado e sepa-rei o artigo para escrever sobre ele. Mas logo os números c os co-men tános ficaram desatualizados. A partir de 1983, em menos dedez anos. os dados sobre o número de presos quase duplicaram.

Uma idéia mais detalhada sobre o controle formal dacriminalidade nos Estados Unidos é apresentada na 7iJbe/a

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de pessoas sob algum tipo de controle Icgal. Quatro milhões emeio significa 1.794 pessoas por cem mil habitantes .

Para se ter uma idéia do crescimento que estes nluncros repre-- sentam, podemos observar o período de 1989 a 1990, quando

houve um crescimento de 8,6%. Isso significou 58,808 novospresos nas instituições federais c estaduais. De acordo com odiretor Steven 13. Dillingham (CorrectiOlJs Digest, maio de1991, p. I), isto equivale a uma necessidade de cerca de 1.100novos leitos em penitenciárias - esta é a unidade que eles cos-tumam usar nos Estados Unidos c,por,semana. O crescimen-to 11as caCfúas foi de 5,5%, ou 21.230 presos, o que provavel-mente significou que a necessidade de novos leitos nas prisõeschegou a lADO ou 1.500 por semana,

Nesta perspectiva, o grande confinamento da antiga Paris deFoucaultjá nao parece tao grande. Mais de 1,2 milhao de pre-sos. Um número (ao grande que fica difícil entender, É maisdo que a popula,:ao de Praga e também mais do que a popu-laça0 total de Copenhague. Se também incluirmos todos os queestao sob probatiOIJ e em liberdade condicional nos EstadosUnidos, superaremos o total da populaçao da Noruega.

Poder-se-ia, é claro, argumentar que probatiolJe liberdade con-dicionai sao apenas formalidades sem conteúdo, ou apenas for-mas relativamente suaves de controle, Isto pode ser verdade emalgumas áreas, mas nao sempre, como vamos demonstrar nocapítulo seguinte,

Visto numa perspectiva histórica mais ampla, este crescimen-to da populaçao carcerária foi bastante singular, O G,:1fico 6.2.2 (de Austin e McVey'1989, p. 2) mostra a evoluçao de 1850 a1989. Como vemos no gráfico, a evoluçao do número de presosnos Estados Unidos se caracteriza por três grandes aumentos: o

- ~jJrimeiro e1el 850 a j 870, o segundo de 1920 a 1940, e finalmente _o

de 1970 até os dias de hoje. Nos primeiros dois períodos, o cres-cimento se deteve depois de 20 anos, mas, desta vez, prosse-

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823.414

1.252.719

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751,806

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1,252.719

2.670.234

531.407

1991

1991

1991Penitenciárias federais

Penitenciárias estaduais

A impressao geral que se retira da Tabela é a grandeza dos núme-ros. Com um total de mais de 1,2 milhào de presos, os EstadosUnidos têm agora nas penitenciárias e cadeias mais de 504 pre-sõspor cem riiilhaoitantes. Se acrescentarmos os que estão sobprábatiolJ e em liberdade condicional, chegaremos a 4,5 milhões

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Cadeias municipais

População carcerária total 1-3

Por 100.000 habitantes

Sob probation 1990

Em liberdade condicional 1990

Total da população sob controle penal

Por 100.000 habitantes

* Bureau of Justice Statistics, Presos em 1991 (NCJ-134729). Os dados sobre as cadeiasmunicipais são estimados. Os dados de probation e liberdade condicional são de 1990,

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mais segura no corredor da morte". ele descreve um projetopara o corredor da morte onde os presos não têm contalo vi-sualuns com os outros, não podendo se comunicar entre si.As únicas pessoas com quem os condenados terão contato se-rão os funcionários da prisão responsáveis pelo andar. Estesfuncionários vão se familiarizar com os padrões de eompor-tamenlo de cada preso, diz Stimson, e "eles poclelJo detectarqualquer coisa que saia do normal" .. o que quer que possa scr.

6.3 De estado em estado

Mas estes Estados Unidos não são muito parecidos entre elesquando se trata de punição. Isto pode ser visto na Tabela eGráfico 6.J- I. A impressão principal é a de uma extrema va-riação entre os eSlados. Enquanto Dakota do Norte.Minnesota e West Virgínia estão na base do gráfico, eomnt"l-meros bem abaixo dos 100 por cem mil habitantes, Idahotem acima de 200. Nova York acima de 300 por cem mil ha-hitantes. Oklahoma ultrapassa os 400. Nevada esUi pJ'{l\imodos 500 c a própria capital, o Distrito de Coiúmbia, lidera anação com o número inacreditável de : .186 presos. condcua-dos a um ano ou mais. por cem mil habitantes. Este n(lmerCJ éprovavclmente injusto com a capital. Como é lima pcquenaárea geográfica, muitos vêm ck áreas vizinhas. Sãll presos e C()J)-

denados na capital, e contam nas suas cstatísticas.

Mas avaliando cstas variaçõcs devcmos levar cm conta qucem todos cstes dados apenas incluímos as sentenças ~laisscveras de mais dc um ano. e também apcnas os quc cum-prcm pcna em instituições federaís c cstaduais. Isto signifi-ca que mais de 460-rnil presos, ou }7%, ficaram fora da ta.bela. Ilakota do Norte tem 66 presos por cem mil habitantesna tabela. Se estimarmos que a omissão aqui também é dc37% - o que é provavelmente um proeedimcnto duvido-so - Dakota do Norte chegaria a 93 presos por cem milhabitantes. ISlo significa que esse estado se equipara à Europa

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A maioria dos que entraram em instituiçõcs estaduais ou fe-derais ficará lá por um longo período. A média de estadia dosque foram libertados cm 1990 cra de cerca de 24 meses. Masnem todos são libertados. 11.759 presos estavam cumprindopenas que os americanos chamam de "condenações por todaa vida natural"'. É difícil enxergar algo de natural nas suas con-dições. Por trás desta formulação está a dccisão dc mantê-losna prisão para scmpre. Além disso, havia 44.451 cumprindopenas "comuns" dc prisão perpétua. 105.881 cumpriam pcnasde 20 anos ou mais, 2.424 csperavam a cxecução (TIJeCorrec(ions Year-book, 199\). As condições dc vida dos con-denados à morte foram descritas por Stimson (1991), que deveconhecê-Ias. Ele é o "sócio principal de uma empresa de ar-qu itetura/planejamen to/cngen haria cs pecial izad a cm projctarambientes de qualidade para instalações da justiça criminal".Num artigo intitulado "Um projeto melhor para uma detenção

gue continuamente. Austin e McVey tamb6m fizeram uma pro-jeção da população carcerária para os próximos cinco anos.Eles esperam um crescimento de 65% até 1994, o que parecesubestimado (conversa com James Austin).Gráfico 6.2-2 Presos nos EUA de 1850 a 1989, por cem mil habitantes

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A INDÚSTRIA 00 CONTROLE DO CRIME

Grático6.3-1 Número de presos por cem mil habitantes em 1991 nos EUA,condenados a mais de um ano nas instituições federais e estaduais1}

1) Fonte Bureau 01Justice Statistics: Presos em 1991.

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Oriental quanto ao nível de detenção. Mas Minnesota eWest Virgínia já ultrapassam o nível da Inglaterra e País deGales com 108 e J 12 respectivo mente; se <1creseentarmos os

37%, daí em diante acabam as semelhanças co 11I os padrõesdo Leste europeu. LUisiana, Nevada e Carolina do Sul che-gariam, mantendo a cstimativa, a mais de 600 presos porcem mil habitantes. Como as mulheres são muito raras nasprisões, isto signifiea que pelo menos I % da populaçãomasculina destes estados está na prisão.

o MODELO

6.4 O estado das prisões

De todos os estados, a Califól'Ilia é provavelmcnte o de quemais gosto. Ali há sol, há lazer, ali fica Berkeley e Stanford e oparaíso da vida acadêmica, ali há negócios, expansão e traba-lho, ali fica a fábrica de sonhos do mundo: Hollywoocl.

E ali ficam também algUlnas das mais famosas penitenciárias ciosEstados Unidos. Alcatraz n,iO existe mais, mas San Quentin man-tém uma fama que ultrapassa as fronteiras dos Estados Unidos.E há também Folsom, com 7.000 presos, 500 dos quais provavel-mente nunca scrão libenados. E, nos últimos anos, novas estru ..turas vêm se juntar à grande tradição calilomiana.

A Califól'Ilia tem 101.808 presos cm instituições estaduais efederais. Sc levarmos cm consideração os condenados a umano ou mais, chegarcmos a 320 presos por ccm mil habita,!-tcs. Se acrescentarmos os eSlimados 37% de presos com CO".

denaçôes mcnorcs e os inlcl'Ilados nas cadeias, chegaremos a438 presos por ccm mil habitantcs em J 991. Mas a Califól'Iliaincentiva o crcscimentó e se prepara para 800 presos por ccmmil habitantes na virada cio século. E não fica apenas no planeja-mcnto. clàmbém constrói. Uma das penitenciárias em construção

- Iºiassim descrita pelo LoslJngcles limcs em 1° de maio de J 990:

A penitenciária ele !'clican Bay é inteiramente aUlonwlizada eplalll;jacla para que os internos não tcnh8J1l virtualmenle qtwl-

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Distrito de Columbia 1 186

Nevada 477Carolina do Sul 473

Luisiana 466Oklahoma 414Alabama 392Arizona 388

Michigan 387Maryland 366FI6rida 346Alaska 344

Geórgia 342Oelaware 342Mississipl 335

---"-Ohio 323,-Ca1il6tnia 320NovaYork 319Arkansas 314

Nova Jérsey 300Virgínia 297Texas 297

Míssouri 294Connecticul 282

Carolina do Norte 270Kentucky 261Colorado 247

IlIinois 246Kansas 230Oregon 229

lennassea 227Indiana 226

Wyoming 225Idaho 2\2

Pensllvânia 192NoV'OMéxico 191

Dakota do Sul 190Washington 183

Monlllna 182Rhode lsland 172

Havei 172Wisconsin 156

Massachuseus 150Utah 149

Nebraska 146IOWll 144

New Hampshire 132Maine 127

Vermonl 125West Virgínia 82

Minnosola 78Dakola do Norte 66

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Page 54: A Indústria do Controle do Crime - Nils Christie

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

quer contato com os guardas ou os outros internos. Durante 221/2 horas por dia, os presos firam confi1l3(\OS !lélS suas celas sem

janelas. construidas com sólidos blocos de concreto e aço Ino-xidável de forma a n;10 terem acesso a materiais que possam Serusados como armas, Eles não trabalhZ!lll em inclüstrinsprisionais, nem têm acesso a lazer e nào se misluram com osoutros presos. Eles n:io podem scqucr 1'1IIuar, porquc os I'()sl'o.ros sao eonsidcrados um risco de segurança.

Os presos comem todas as rel'eiçücs nas suas ecl<ls e apcnassacm para breves hanhos ele chuveiro e 90 minutos ele exercicioclt:irio. Tanto os banhos quanto os c,ercícios só poelem ser fei-tos em pequenos pálios de cimento completamente vazios, cer-cados por muros de seis metros de altura, cobertos ele arameI'arpaelo. As portas para as celas s~o abertas e fechaelas eletro-nicamente por um guarda numa cabine de controle,

Nao há barras ele ferro nas instalações; as portas das celas s~oI'eitas de I'olhas perl'uraelas ele aço com frestas para a entr;rd"da comiela. Também nelO hú guardas com ehaves nos cintos an-danelo entre as l'i1as ele prcsos. Em vez disso, os guardas fieamfechaelos em cabines de controle envidraçadas e se comunicamcom os presos atrav0s de um sistema de alto-I'alallles.

...A SHU (Secure I-Iousing Unit -Unielade ele Alojamento Se_oguro) tem sua própria cnl'ermaria; sua própria lllbliotccajnrí-elica, (onde os presos sao mantidos em quartos seguros e reec-bem os ltvros atraves dc I'rcstas), e sua própria sala para asaudiências sobre eonccss:io ele ltberdaele condicional. Os pre-sos poelem passar anos sem sair ela Unidade.

o governador da Califórnia, George Deukmejian, inauguroua nova penitcllciária em 14 dc junho de 1990. De acordo COI11o CorreclJolls Digesr(27 clc junho de 1990, p. 9), dcclarou:

'A Call1'órnia possui agora a melhor priS:io e esta servirá demodelo para o resto da Naç~o ... Pclican Bay simboliza a nossafilosofia ele que a melhor forma ele reeluzir a criminalidade é póros criminosos atrás das graeles." O governador tamhém assina-lou que o custo anual de manter um criminoso preso é de US$20 mil, eomparaelo com os US$ 430 mil que cuslam ~ socleda-ele as atividaeles de um CrimInoso solto.

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Mas a Califórnia n;io estú sOlinlia. () .\lIlh!.':l' OI./;]/;(}11U de14 dc feverclro dc 1991 I'al CStc rciato do cllado:

"Os pr:.;:.;os,1Iojados na unidade de ":-;upcr"Ill;'i:-;illl;I' scgurallç;l\'!VCr~h123 1101";1.1.;porl1i;IIl<lS SlIas rd;I!>. c ler~() lJll1illwi"i! dt' l;vcI

IHIl1l:! pequei],] ;írca rociC;I(!;l de 111UI"ns de seis 1l11'lros. O \,:;11,1_\'() L'cuhcrln por um,] tela de lllclul. 'ICUI'IC;IHlt'llIC, lllll 1l1krno

puderia cnlr;lr 11:1nova PCllllcllCi:íri<l c 11lillc:! 111:I!Spôr um péfora. Os primCll'llS residenll''' da llllilLid~ Seri-Il)os 1/4 homcnsuo corredor da mortc. A pcnilcllci;lrilllamhêm cOlllêJllllll1a cü-m~lm de I..'xecuçflo".

A organização J-1uman RighlS Walch investigou <lScondiçõesdas prisões dos Estados Unidos. Este estudo foi frito parale-lamente ao do Ilclsinki Watch sobre as conellçõc.1 elas pri~Clcsda União Soviética. Num rclatório delali'ado (I ')'i1J. o l'lum;lnI<ights Walch descrcve aI tenelC'llcial para o Isolamcnto totalnas prisões dos EstadOI Unidos. Chama isto'Marronizaçüo'.Uma penill'ncidria federal com essc liome implel1ll'nll1u umasérie de mcdidas extraordinárras ele segurança Cin 1981. segui-daI por 36 estados, que criaram suas própri:11 instiluiçücs deSupcr-máximJ segurança chamadal dc "Máxi-Mã,i". no jar-gão carcerário .

O confinamcnto Cm .'mi.Íxi-lTI;íxl~;"(' adlllllliqradn por fllllCio.n:'lrins sem SIJPCl\'lsflo Indepcndcllic c leva ;( !Im:1 Siltlaç;itl cmque o~ pn'sos pndem dc f:no "cr cOlllkt1:1dos dU:l'" \t.'i'l'S: Ulllílpelo tribul1al. ,I um dcll'rl11il1l1do pcrioc!u de pns,il): L' :1scglrn.da \ c/ pela dumínistra<;:H) da pns;lu, a condi{,i'll'S p.lrtlcul:lnncll-I,: dur",.

As condiçôcs el11 fvlmioll são muito 111,1ISclurí.ls dl'lllllC em qu.ll.quer oulra pcnilenciúna fcderal. inclulnelo o confinamento dO.lpresos por (I !C 23 horas por dia em SIJ<-lScelas, e a proíbJç;10 dequaisquer visit"s rI'. 4),

As pcnitenciúrias estaduais apresentam condições lellH'lhan-leso [Slê rclalo é ela Flárida:

"Um exemplo partlcul"nnenlc chnc)nte e o d;l "I" Q da pCl1i-lcnriííria cqaduíll da FJ(lI'ida em Slarkc. onde 0.(, pr('sn" 1l1l1lC:i

S<.H.:m(' {)J1(k alguJls dcJesj:í C:',;IO 11;\ sele ;lllOS" (p, 4)

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de 300 presos. Na épocá elenossa vlslla em, 1990, !1I111"mais ele800 internos e inrorm~ram-nos que pouco antes chegara a 1.100.Por mais de seis mcses, elisse-nos lll11funcionário, o ginásio foiusado para abrigar algumas centenas de presos, I h\\'ia dOISha-nheiros c dois chllvciro~ no gin~sio, No mornento de m,liorsuperlotação. o espaço elo túnel subtcrrrtnco que leva ao tnbu-nal foi usado para abrigar 200 presos. Não bavia cbuveiros ncmbanheiros nessa Mea....Em Rikers lsland, na cidade de Nova York, de 1.516 internosno momento da nossa visita, cerca de 300 cstavam alojados cmcelas (a m~ioria em isolamento), enquanto o resto vivia em elor-mitórios c bons conveses de fcrry bOi/(s aneoraelos na costa dailha. Cada dormitório alojava até 57 prcsos ...Na prisãO de Sybil Brand, cm Los Angeles, as mulhercs dormi.am em dormitórios de 130 a 1S6 pessoas, supcrlntados "e quenão ofereci~m qualqucr privacidade".

As queixas dcstes presos eram flagrantemente scmclhantcs 'lS

dos presos russos citados antes (Capí/lllo 5.6):"Os dormitórios tinbam sido pl~nejados para 50, mas abri-gavam cerca de 90 internos no dia de nossa viSlla. Os presosse qucixaram da superlotaçãO c de não poderem escolher oscompanheiros cle cela. Uma mulher muito obesa, reveloupcsar mais de 130 qudos. disse que quando cl;) e a compa-nheira estavam no cuhículo. elas li\cralmel1lC 1180 podiam semexer (p. 34).Uma interna ... descreveu a SU~1Cc\il (ell1 outr3 prisfio): 'Pinturadescascada llílS paredes, Cri nos com goteiras, vic1rnsquehradosnas janelas, pouca luz, baralas, raioS, formigas, mosquitos,Iravesseiros c colchões morados, cohcrtos de imundícies. semforros plásticos, calor il1suportúvc1 no verão. frio 1l1tenso noinverno''', •

o MODELO

Mas os Estaclos Unidos são, também, sob outros aspectos, um paísele contrastes. Amda de acareio com o Iluman Rights Watch (p. 6 \):

Entre as II1stltulçoes I'islt~d"s pelo lluman Righls Watch. ape-nas as II1stalaç"es de Bedford Hills permitiam 1I"" ,lI dctcnt'lsque d;W:llll [llllZ durante () pClín<1o de prisãO 1lI;1111ivc~scll1 os

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A INDÚSTRIA DOCONTROLE DO CRIME

A imemaçãonossas i! nesselugarpodeser indefinid~ e durar, segundopara to n armações,maisde 15anos. O preso tem alltorizaçrto

manrés ba h . . I'vre po n ose fazerduas horas de exerclcloao ar I.r semana . . dcela. Ele ' e esseé o umco tempo que ele passa fora a

na e lem~ode comprar umnúmero limitado de bens na canti-bhoteca ( lIellOaoempréstimo de um livro por semana da bi-tra medi~e nao estiverna listade suspensrto da biblioteca, ou-vipilãn' a dJsClplinar de Starke). Os internos sob estntao c/apode b'e prOibidos d m ,tam em ser privados do exercício fora da ccla

da Fldrida afi~ sa" ao a;. livred~rante anos. Os regulamentosdlsciPlin mam que a VlgJianeJaEstnta naD é de natureza

PUJJidOS,~(re os presos sob essas condições não estão sendoO P.44).

Confinamento d' . .Presosque ISc/pl/nar é ainda mais sério e dirigido aosdilSrCstriçõecometeminfrilções dentro da penitenciária. Alémtem s ilssOclildas à . '/-" . -ilUtorizil _ vlg/ ancla estnta, estes mternos nao

legilis. Mas il ~ao paril qualquer leitura que não seja de textosum I/dil pode f' . d' "á 'a illa Q Icar aIO a PIor. Esta pemtencl na tem

eSt pilril os q .aYam num d ue cometeram mais infrações quando Já

de 2 X 25/11 ta as Condições descritas acima. As celas aqui sãop . . eras. .r}Yada Na- I . com um beliche de cimento uma pia e umac . o Já . ,

V:lor na cela é Janela nem móveis. A porta é de metal. OatCh (p. 45) sufocante, de acordo com o Human Rights

Mas Os E .me St<ldos lJn'd

nto tOtal e- 1 os São uma terra dc contrastes. O isola-to j uma fo'bé' gU<llmente una de crueldade. Mas o extremo 0pos-m deScreve ,tem seus custos. O Human Rights Watch tam

estas co d' -';<\s c. n 1~'OCS (pp. 19 e 20):

n aele/as su .lenorcs qu POs!amenlc mantêm os internos por penados

ra fíSica ela e as pcnitenciárias, e essc f~lO se refletc na estrutu-das ma/on-, cJ. ' . , .e vezes, instai ' <lS instItuições. Elas têm, na maIor parte

clemcelas semJ<ln~(L.ÕCS de la/c r muito limitadas, al(jjam presosaos detentos s c permitem pouca ou nenhuma privaclua

Por e~> ' •

7,,/ - CTnplo. o Clnessee (o' entro de Jus tlça Criminal de Nashvtllé.

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

bebês com elas, Segundo a lei estadual de Nova YllI'k,as prcsaspodem matê-Ios durante um ano,

Além das instalações para os bebês, Bedlord Hills, onde 75%das presas são mãcs, ajuda-as a manter contato com os filhosmais velhos, No verão, a penitenciária oferece programas deuma semana para os filhos das internas, que são alojados comfamílias na cidade c passíllll () dia com as mães l1uma grandesala de visitas cheia de hrinquedos, também podendo partici-par de um sem-número de alJvidades orgamzadas, Além disso,também podem usar o p!.?ygroulJdextel'l1o, Durante todo °ano,segundo ° diretor da prisão. õnibus contratados !razem os fi-lhos das presas uma vez por mês da cidade de Nova York e deAlban)', de forma a que as crianças possam visitar as mãcs semter quc vir acompanhadas por parentes,

6,5 As explicações para o crime

As explicações convencionais para o crescimento do númerode presos costumam entendê-lo como um renexo do crescimen-to da criminalidade, Quem começa tudo é o criminoso e a so-ciedade tem que reagir, Este é o pensamento reativo, Como jácomentamos no Capllulo .I..)~este pensamento n:io é válidopara a Europa, E não tem melhor sorte nos Estados LJnidos,

A populaçãO carcerária duplicou nos últimos dez anos, Maseis o que diz o Bureau oI' Justiee Statisties (Natiollal Upc/(]tciallu(}ry 1992, p, 5) sobre o nÚlllero de vítimas nesse período:

As taxas ele \'itinllZaç:to continuam mostrl1l1do a tendência de-crescente que começou hú uma década.

Houve aproximadamente 34,4 milhõcs de CfllllCScontra a pes,soa e contra a propriedade em t990, comparados com 4 t,4milhões em 1981,

De 1973 a 1990, o índice ele crimes contra a pessoa (estupro,roubo, assalto, furto) caiu 24,5% e o índice de crimes contra apropriedade (arrombamento, furtos em reSidênCias, rouho decarros) caiu 26, I%,

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o MODELO

Como a NCVS (National Crimc VielinllZalíon SUlve)'_ Pesquisanacional ela vitimizaçfto). apenas COlltJ os crimes em qlle as ví-lilllílS podem ser cntrcvislncla.s, os homicídios nüo foramcolltahilizados, Mas sua exclusão não aliera suhstancialmente(IS estimativas globais.

O número de vítimas caiu, Além disso, e contral'lamente àscrenças populares sobre a crimin~llidade nos Estados [Inidos,o número dc delitos graves relatados ü polícia também mostraum pcqueno decréscimo, As estatísticas do FBI sobre delitosgraves começaram com 5, I milhões em 1980 e terminaram com4,8 milhões em 1989, Mas a severidadc das sanções para estescrimes aumentou, Em 1980, cm cada mil detençC}es por crimesgravcs, 196 delinqücntes foram condenados ü pris:io, Em 1990.o númcro de condenações por estcs crimes aumentou para 332,de acordo com o Bureau of .Iustice Statistics sobre prcsos de1990,

Mauer (1991, p, 7) comenta:

Apesar de haver poucas dÚVidasdc que os [stados Unidos têmum índice de criminalldade alto, I"í muitas provas ele que o ali-mento cio IlLllllCro ele pcssons :ltds elas gr,lcics em nllOS rCCCll.lc~é () rcsllll~ldode 110líllcns penais 11l:1isdor,l.'" 11:1t't!ltrlLl dêf';i-da. maIs do que um;! cOJ]\cqiiL'IH:i;) direI:] dtl :Illlllcnt{\ tldL'lllll inalilliH.k.

;\uqin e Ir\\'in (1990, p, I) dizem:

As c.'.la(jslica~nacionais Illoslram quI.' a ll1ainri<l\(1)~:,)dos CrI-1111110.'OSé condenada ;\ prisrlo pnr ui1llcS conlr;l H propncd~l-ue, pnl drogas, l' pur desordens PLlhlll'<IS. Um número 5:l!gliif"i-cati\'l) (15%1dl' todas as admissões nas pns()es l' de pessoas queIÜO foram condenadas por qualquer cnme ln:lS que voltarampara a prisãO por lrioJarerll as "col1diçücs" da condicional (IS!né.llllr,irio de rccnlllcrcm.sc, n;-lo-panicipaç;1o em progr:lmas (krcabilit:H;ao, cvidéncl3 dL' uso de drogas. ele,)

De sua prélpna pesqulsa- um estudo haseltdo cm amoslrasaleatórias em penitenciárias ele três estados - também concl"i-ram que 11 grandc maioria dos intc]']JOS é conc1cnada por cri-

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

mes insignificantes que envolvem pouco perigo à segurançapública, ou perdas econômicas pouco significativas para as

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A explosão do número de presos nos Estados Unidos não podeser explicada como tendo sido "causada pela criminalidade".Temos que procurar outras explicações. Elas estão nos próxi-mos capítulos.

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-- - __ Capítulo 7O controle do crime como produto

7.1 o mercado do controle do crime

Diz-se que tudo nos Estados Unidos é maior do que em qual-quer outro lugar. Para um estrangeiro, porém, é uma experiên-cia incrível folhear a publicação oficial da AmericanCorrectional Association. Seu título é Correcrions Today, umarevista em papel muito caro, impressa em cores e contendomuitos anúncios que são provavelmente uma fonte considerá-vel de renda para a Associação.

No número de junho de 1991, houve I J I anúncios. Três cate-gorias principais estavam representadas:

I. Construção de prisões, inteiras ou em partes. Havia 16 anún-cios desses. Você telefona, nós construímos. Seis meses depoisde sua'chamada, a prisão está pronta. Uma dessas empresasé a Besteel. Num anúncio de página inteira, somos informa-dos que:

Penitenciária e ca~eia do condado de Albany. 64 dormitórios"estilo cadeia" ... construída em seis meses.

A BeIl Construction também tem uma página inteira sob o título:

" 9s prós e os contras '.'~ .. _ _ __'" -'-o,-'~.

Construímos há mais de 20 anos. Construímos uma reputa-ção. Construímos uma lista de clientes e construímos instala-çCes correcionais. É só o que fazemos, construir. E fazemos

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A INDÚSTRIA DO CONTnOlE 00 CRIME

muito hem. Vinte c cinco Illstalações pcnitcllciünéls. ao custoUS$ 300 milhües. nos deram cxpcriência, c agom nossos c1icntesnos chamam de profissionais.

Você está construindo ou rcrormando uma instalação peniten-ciária? Você está interessado em um projeto de instala,ão a pre-ço garantidoO Se você quer saber mais sobrc a nossa experiên-cia, chame Don Estes, vice-presidente sên;or em ...

Algumas autoridades podem precisar de um lugar para suasprisões. O Grupo Bibby Line tem a solução, de acorelo com aantiga tradição da nave dos loucos:

Instalações penitenciárias marítimas

Os tempos mudam ... Bibby OFERECE alternativas às instala-ções em terrenos.A Bibby ENTREGA:- ')\poio de emergência": entre 9 e 12 meses.- Mais de 650 leitos em 9 a 12 meses.

2. Equipamentos para prisões. Nesta área, a edição de junhocontinha 43 anúncios de todos os tipos. Entre eles estavam trêsde telefones especialmente feitos para prisões, 20 de sistemasde vigiláncia eletrõnica de todos os tipos, três de armas e setede outros equipamentos de segurança.

Telefones sob controle

é um anúncio de página inteira da USWEST Communication:

Este telerone só raz o que vacé quer que ele raça. Controla otempo gasto nas chamadas. Bloqueia certos números. Podemonitorar e registrar toda a atividade Ielefônica, de acordo comsua programação ... Mantenha os privilégios telerõnicos dos pre-sos rirmemente sob seu controle ...

Ou:Especial para Prorissionais da Justiça Criminal: viciado em dro-gas? Sim ou não em três minutos ... Resultados rápidos não dãotempo para álibis ... ONTRAK não dá tempo para desculpas cdá a você completo controle do testc.

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o CONrROt E DO CRIME COMO PRODUTQ

"PULSEIRA DE PRESO"

Idcntiriquc os presos com uma pulseira a prova de água. Doisfcchos de metal garantcm um sistema de idenllricaç;lo n:1o-transferível e durável. N:1o S'1O necessárias ferramentas cspeci-ais para fechar nossos rechos metálicos. Disponíveis sistemasde escrita na supcrfície ou de inscrç;]o de cartões. SECUR-BAND, a soluça0 para a idcntiricaçao do preso.

A edição de junho ele Com:ctlclIls lód(/y publicou um númc-ro enorme de anúncios, mas rapidamcntc tornou-sc insignifi-cantc. Em julho, o número de páginas aumentou ele 160 para256. Os anúncios aumentaram de I1I para [30. Em parte wlmos mesmos ele junho, como o ele gás lacrimejante:

() sislema de TG GUARD, usado nas principais prisões, é umdispositivo estratégico de depósitos de gás lacrimejantc ins-talados ao nível do teto. Eles podem ser acionados, por con-trole remoto, por pessoal protegido. O acionamento pode serreito num padr:1o determinado c com vários níveis de con-centração para rorçar os presos a evacuarem uma área quevocê determinar.

Se o gás lacrimejante não for suficiente, pode-se usar a arma-dura Point Blank:

Alguns presos ,1domn;711/ apunhalar, retalhar, espancar, esmurrarc queimar você. Mas não vão conseguir alravcssar sua roupaSTAR Special Taclieal Anti-Riot (Tática EspCClalAntimotim).

Além dos anúncios normais, a eelição de julho continha tam-bém 60 páginas amarelas chamadas: •

Guia de Compras de Produtos e Serviços Penitenciários.

Aqui havia uma lista de 269 empresas, com a especificação deseus produtos, de à - sistemas de controle de Acesso, a P _celas portáteis, até o X para raios X e equipamentosradiográficos de segurança. A lista mostra as últimas desco-bertas em cletrõnica, mas também segue as tradições, como a:

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

Primeira qualidade em correias de couro. Manufaturada nosEUA desde 1876. Liguc ou escreva c peça um folheto grátis.

A publicação oficial da American Correctional Association nãocontém apenas publicidade paga. Também publica artigos, es-premidos entre a propaganda. Mas alguns deles são escritospor empregados das mesmas empresas que anunciam na re-vista. A edição de julho tem um artigo de Ostroski e Rohn,ambos da Precision Dynamies Corporation, fabricante c1esis-temas de identificação. Eis o que nos dizem de Los Angeles,onde, nas suas próprias palavras, está a maior unidadeprisional "do mundo livre". Neste extraordinário lugar, elesconfiam nas pulseiras de identificação de prisioneiros há 14anos. Mas a Geórgia tem um sistema mais sofisticado:

A superlotada prisão do condado de DeKalb, perto de Atlanta,Geórgia, abriga mais de 1.200 presos. No inverno de 1989, asautoridades decidiram começar a colocar nos presos pulseirasde código de barras com a mesma base tecnológica do códigode barras usado nas lojas de roupas e nos supermercados.

Para criar uma atmosfera de reabilitação - mantendo um altopadrãO de segurança - as autoridades carcerárias instalaram umsistema de dados portátil com detecção a laser para identificare monitorar os internos.

Usando as unidades portáteis que identificam as pulseiras, osfuncionários entram com os dados num pequeno computador.Este método de recolher informação elimina toda a papeladana monitoração dos movimentos dos internos.

A tecnologia está sendo agora adaptada para permitir que fo-tos dos internos apareçam na mesma pulseira, como informa-Çaodo código de barras ... Os internos não podem trocar as pul-seiras, o que evita líberaçoes erradas (pp. 142-145).

Duas fotos ilustram este artigo. As duas mostram braços denegros - apenas eles - com pulseiras sendo controladas por

19

o CONTROLE DO CRIME COMO PRODUTO

braços brancos numa das fotos, e na outra por uma pessoabranca. É difícil imaginar lima situação mais parecida a deseres humanos sendo tratados como mercadorias, com basenuma tecnologia tão bem conhecida pelos supermercados.

3. A gesl,10 das prisões também ocupa uma parie proeminen-ie, COI11 20 anúncios na edição de junho:

Quando a moral depende dc cada refeição, conte conosco ..A Servicc Amcrica trabalha alr'lS das grades em todo o pais,com um sólido histórico de bom comport;lI11ento ... Se fazpartc de seu trabalho alimcntar detentos, fale com os cspe-cialistas em serviços alimentares quc sabem como fazer jus-tiça. Liguc ...

Outra condição para a paz é ter armas eficazes. Empresas cfi-cientes fornecem tanto armas não-letais quanto armas letais.Entre as não-letais:

Cap-Stun II

Usada pelo FBI e 1.100 agências de repressão

Nunca houve um processo legal envolvendo Cap-Stun em 14anos ele uso

Comprovadamcntc eficaz contra viciados em drogas c psic6ticosDisponíveis modelos para amigos e parentcs

Entre os 11 anúncios de junho, havia também alguns de pro-dutos comuns, para pessoas comuns, sem relação direta como mercado das prisões.

A edição de julho contém também dois outros itens especiais.O primeiro é uma seção de várias páginas de agradecimentosa patrocinadores do banquete a ser realizado no 1210 Congres-so Penitenciário em Minneapolis, em agosto de 1991. De com-panhias telefõnicas a fabricantes de vidro à prova de balas. elespagam as comemorações das autoridades carcerárias. Umaatração adicional da estadia em Minneapolis é que se podevoltar dirigindo "um lindo, esportivo Dodge Daytona ES zero

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quilômetro, completamente equipado com os acessôriosmais inimagináveis'" A única condição é visitar o ExhibitI-lall onde a indústria expôe seus produtos e deixar uma pro-va de que se esteve lá. Quando você se registra no I-Iall, con-corre automaticamente ao sorteio do carro.

Uma nota pessoal, sobre a adaptabilidade do homem: naprimeira leitura de Corrections Today, eu quase não acre-ditei no que meus olhos viam. A imagem dos presos queemergiam dos anúncios era quase inacreditável. Como tam-.bém.a .exposição franca.da,reiaçãoentre .a .+nstitu içãoprisional e os interesses da indústria. Revistas médicas têmhábitos semelhantes, e as empresas farmacêuticas são es-pecialistas em subornar médicos através de patrocínios acongressos, seminários, viagens ao I-lavaí com tudo pago,incluindo a estadia dos cônjuges, e tudo o mais. Mas supôe-se que os médicos beneficiem seus pacientes. A AmericanCorrectional Association é diferente. É a organização como mandato para administrar o poder supremo da socieda-de. É a:organização que administra a dor, aqui patrocinadapelos que fazem as ferramentas.

Continuando meu comentário pessoal: o choque seguinteveio algumas semanas depois, quando reli as revistas. Osanúncios já não me causaram o mesmo efeito. Vi anúnciosde depósitos de gás no teto das prisões sem relacionar ime-diatamente a foto ou o texto a velhas imagens de camposde extermínio, e li sem grande emoçào sobre presos quegostariam de apunhalar, retalhar, espancar, esmurrar e quei-mar a mim e a outros leitores. Tinha me acostumado, mehabituado a uma perspectiva muito peculiar sobre outros- seres, e também adquirira novos (reduzidos) critérios parao tipo de ambientes onde,-segunâ6-à~dêcísàôdé algumaspessoas, outras pessoas têm que viver.

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o CONTROLE DO CRIME COMO pnODUTO

7.2 o estimulo do dinheiro

i\eSlsl alturajá devo estar sendo óbvio, por isso vou ser breve:"'prisões significam dinheiro. Muito dinheiro. Em construções,em equipamcntos e em administraçJo. Isto é :lssim, indepcn-dentcmcntc e1c sc tratar e1cprisões privaelas ou públicns. Âsemprcsas privaelas cstJo cnvolvielns e1cuma OlJoutra forma cmtodos os sistcmas ocidentais.

Mesmo o sistema can::crúrio federal elos Estados Unidos exibc nll-meros enormes. Para 1992, o orçamento é ele mais dc US$ 2, t bi-lhão, oque significa lImallf1ü:líto'dé24% em Telação ao anoanterior (7he 11{7shinglolJPost, 25 de abril de 1991). De acor-do com Knepper e Lilly (1991):

Com a explOSãodas populações carcerárias, a puniçao se trans-formou num grande negócio. Se a população carcerária conti-nuar a crcscer nos mesmos índices de 1980, a construç:;o denovas prrs()es vai custar pelo menos US$ 100 milhões por se-mana. Em 1990, os gastos dos sistemas correcionais dos con-elados, elos eSlados e do governo fedcral foram eSlimados emmais ele US$ 25 bilhões.

Os serviços ele assistência médica e ele alimentação são doisdos setores que mais têm crescielo na indústria prisional, eli-zem Knepper e Lilly. Em junho, a Campbell Soup Companyinformou que o sistema penitenciário era o mercado de servi-ços alimentares ele mais rápido crescimento. Mas os maio-res lucros são conseguidos com a construção e o finaJ)cia-menta (p. 5):

o CUSIO médio de uma vaga de uma prisao americana em 1991-1992é US$ 53.IBO, mais que os US$ 42.000 de 19S7-1988.Nãoé ele surpreender que mais de uma centena ele empresas se es-pecialize exclusivamente em arquitetura de penitenciárias, e querecebam agora enlre US$ 4 bilhões e US$ 6 bilhões por ano nonegócio de construção de'pris'ões.-~ ~_..

Feeley (1991, pp. 1-2) descreve assim algumas delas:

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Page 61: A Indústria do Controle do Crime - Nils Christie

o CONTROLE 00 CRIME COMO PRODUTO

lares como Aplicação de Pena IAda.? Responsabilidade Lim i-ta da - limitada a quê? E quanto ao equipamento ne~~ss_áÜo,

. , 'cadeiras,agulhas, veneno? Será que elas mesmas ofonieccm,ou subcontratam outras empresas? E o treinamento, e o pes-soal- será que elas usam o klJow-liow disponível? Joseph Ingle(comunicação pessoal, mas ver também seu livro de 1990) medescreveu o fenômeno do homem da perna esquerda - aqucleqtle, numa equipe de seis, se especializa em apenar a correiaem lorno da perna esquerda do cOlI(lenado; hú também o es-pecialista da perna direita. No total são seis especialistas, re-duzindo o condenado à morte a seis parle-s de lÍma coisa.

Porque reagir assim a empresas privadas da execução? Os quevão ser executados foram sem dúvida condenados por tribu-nais comuns. Tudo segue regras básicas e as autoridades cer-tamente velarão para que tudo seja feito tal como o estado de-cidiu. làda a execução pode aliás ser melhor cumprida se oestado não atrapalhar A última releição pode ser melhor pre-parada, os psiquiatras e o padre podem ser profissionais de pri-meira, cobrando salários muito além do que o estado poderiapagar, e a própria execução pode ocorrer sem as constrange-doras tentativas fracassadas que por vezes acontecem. Os quevão morrer provavelmente apreciariam a qualidade do selviçoprivado.

Esta é a linha de raciocínio desenvolvida no livro de Logan, aúnica diferença é que ele escreve sobre as prisões privadas, nãosobre as execuções privadas. Sua eonclusão sobre as pri~õesprivadas é clara. Tudo o que o estado faz, a empresa privadapode fazer melhor, ou igualmente bem:

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Em outubro de 1988, mais de 25 empresas privadas, muitasapoiadas em capital de risco, competiam pelo direito de cons-truir, possuiLeoperar cadeias e penitenciárias em todos os Es-tados Unidos (Private Vendors in Corrections, 1988). Aprivatização das instituições juvenis cresceu a um ritmo aindamais rápido. Nos últimos 30 anos, tornou-se mais comum aabertura de empregos em programas privados (isto é, centrosde treinamento, tratamento residencial e programas de consul-ta, nutrição e lazer) do que em instalações estatais. Atualmentenos Estados Unidos uma parte substancial dos jovens sob su-pervisãO dos tribunais é custodiada por programas privados. E,nos últimos anos, cadeias, penitenciárias e instalações juvenistambém se.voltaram para-os'forneeedores privados para suprir. ,uma multidão de serviços, incluindo alimentação, saúde,aconselhamento, treinamento vocacional, educação ...

Além disso, em anos recentes, o setor privado também alterouradicalmente a forma de financiamento e construção das ins-tituições prisionais. Acordos de leasing com opção de compraestão substituindo cada vez mais os títulos do governo.

O dinheiro das empresas privadas está por toda a parte. Maso exemplo mais flagrante, é claro, são as próprias penitenciá-rias privadas. Vejamos este caso.

7.3 Penitenciárias privadas

Atualmente nos Estados Unidos, até mesmo a pena capital é porvezes administrada por empresas privadas.

Encontrei esta frase no mais importante livro sobre prisõesprivadas (Logan 1990, p. 59). Esta é a única frase sobre a penacapital, perdida entre exemplos de todas as outras funções ad.ministradas por agentes privados.

Assim, quanto ao resto, podemos usar livremente nossa ima-ginação. O que me leva ã questão: empresas privadas para apena capital- quem são elas nos tempos modernos, e COmo

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petir (e cooperar) com as agências governamentais para que pos-samos descobrir como melhor gcrir prisões que sejam mais se-guras, humanas, eFicientes e justas (p, 5),

Ainda não estou convencido e fico um pouco preocupado, Porque o que é tão claro para Logan é tão obscuro para mim? Seulivro bem ordenado contém um capítulo inteiro sobre a con-veniéncia das prisões privadas (pp, 49-75), E ele consiciera seufuncionamento mais adequado:

Nossos representantes exercem pouco poder dirctamente; elesprescrevem instruções e diretivas que sào executadas por su-b9fÇlinados", Contudo, é Falsoassumir que a integridade dos ser-vidorcs civis é necessariamente superior a de pessoas contratadas,

Por trás deste raciocínio eSlá John Locke e particularmenteRobert Nozick nos seus primeiros escritos (isto é, 1974), Eleslevam Logan a esta declaração:

Na clássica tradição liberal (ou, em termos modernos, libcrtária),na qual está Fundado o sistema americano de governo, todos osdireitos sào individuais, nào coletivos, O estado é artiFiciale nàotem autoridade, poder legítimo, ou direitos próprios a não ser osque sào transFeridos para ele pelos indivíduos,

A partir deste ponto de vista, posso entender o desejo de Loganpara que se façam execuções privadas e se construam prisõesprivadas em geral. Mas é ao mesmo tempo um mecanismo quepode facilmente desenvolver um monstro, um monstro comuma aparéncia dócil. Robert P.Weiss (I 989, p. 38) descreve essaaparéncIa:

As empresas de prisões privadas". dispensaram os uniFormesparamilitares e as hierarquias; o vocabulário marcial e o regi-mento, que caracterizavam o serviço penitenciáriO desde o iní-cio, não sào mais utilizados. As empresas que administram pri-sões ainda pretendem criar a ilusão de autoridade legítima, masem vez de uma imagem pseudo-oficial, é pr()jetada uma oulra

_ _~gue renetea empresa. Nas instalações g,rjdas peJa CCA, porexemplo, o, presos nao são cbamados de "internos", mas de"residentes", e os guardas s1io cbamados de "supervisores de

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o CONTROLE DO CRIME COMO PRODUTO

residentes". Vestindo camisas amarelas com uma discreta insíg-nia da empresa, os guardas privados representam o que pode-ríamos chamar ele ".técnicos dese-gurança corporativa:';:""

O estado de Logan é um estado contratual. Os particulares clc-gem representantes, Os representantes contratam firmas paraaplicar as punições. Se a empresa é ruim, contraIa-se uma nova.Os guardas privados representam sua firma. Não há mais nadaa representar, o cstado é um arle!'ato, Mas isto significa que aguarda é pouco controlada.

No caso oposto, onde os estados existeDl, aguarda da prisã.o--"é o Jiieü homem. 'Eu podel~ia aJu'dá-'lo a traJicar a cela, ou'a

acionar o interruptor da cadeira elétrica. Ele também poderiaser um mau guarda, E eu poderia ser ruim. Juntos, formaría-mos um sistema ruim, tão conhecido na história das punições.Mas eu saberia que era parte responsável do mecanismo. Eseria provável que algumas pessoas no sistema não fossem llioruins. Elas seriam mais facilmente mobilizáveis. O guarda se-ria seu guarda, sua responsabilidade, não um empregado dasucursal da General Motors, ou da Volvo, O caráter comuni-tário da punição desaparece nas propostas de prisões privadas.Como as modernas prisões privadas são em grande parle umainvenção amcricana, é tentador pergllntar se esqueceram seuvelho professor Charles I-Iorlon Coolc)' (/864-1929) que tão cla-ramente viu a comunidade como a base da individualidade,

Há muito tempo, costumávamos zombar - carinhosamente _dos funcionários públicos, como sencio aqueles quc tinllamdois vidros de tinta em suas mesas, um para cartas oficiais eoutro para as pessoais. Esses dias acabaram, mas não com-pletamente. Ainda h<\funcionários pliblicos que são condena-

j- dos p.or certos tipos de delitos, como apresentar duas vezes aconta da mesma viagem de avião. Estes delitos são habitual-mente vistos como assuntos mais sérios do que se fossem co- _

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

a mim. O funcionário do estado tem maior responsabilidade eestá sob maior controle do que os que trabalham cm empre-sas privadas. Isto nos leva de volta à questáo da honra, Se vi-vemos sob "condições comunitárias", os políticos são parte demim. Mas também são os que tém a tarefa e a qualidadc sim-bólica de serem os servidores do estado, com mandato de de-sempenhar funções essenciais. O fracasso deles é a minha ver-gonha. seu sucesso e decéncia são motivo de orgulho para mim,

Talvez esta visão seja mais estranha para um leitor dos Esta-dos Unidos, onde os interesses privados e o estado contratualtém uma base sólida, do que para um leitor europeu, onde oestado sempre existiu. Dahrendorf (1985) descreve aqueles in-críveis dias de Berlim em 1945, durante o intervalo entre doisregimes quando o estado nazista entrou em colapso e a URSStomou o poder. Transcorreram alguns dias sem poder estatale o regresso às condições normais onde um estado, apesar dediferente, estava no comando. Talvez Flemming Balvig (em co-mentários ao meu manuscrito) tenha razão quando diz que oseuropeus, em grande parte, olham tanto os estados nacionaisquanto as culturas nacionais como algo que sempre existiu,algo dado, enquanto, para os americanos, são algo criado poreles, enquanto indivíduos. É possível que o estado contratualde Logan se harmonize com a idiosincrasia americana. Masestas diferenças não parecem estar bem definidas. JessicaMiltford termina assim seu livro (1974, p. 297):

Nós que estamos do lado de fora não gostamos de pensar emdiretores de penitenciárias e guardas como nossos representan-tes. Mas eles são, e estão intimamente unidos, num abraçomortal, com seus cativos humanos atrás dos muros das prisCes.Nós também, por extensão.

Um significado duplo terrível é assim conferido à questão ori-ginai da ética humana: sou eu o carcereiro do meu irmão?

Talvez o respeito pelo funcionário público esteja em declínionos dois lados do Atlântico. Historicamente, o servidor civil era

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o CONTROLE DO CRIME COMO PRODUTO

o homem do Rei, civil apenas CI:l contraste com o servidor mi-litar. C01Jl a reduçüo do poder real ele se torna - em teuria _ oservidor do estado. Nessa condiçCJo, este servidor representa oconjunto de valores de uma sociedade particular, valores ex-pressados pelos políticos, pelo púhlico em geral, ou por lodoo tipo de especialistas. Mas com o imenso crescimento das ad.ministraç(ies dos eslados modernos, outro perigo se torna imi-nente: os servidores civis podem acabar por se tornar servido-res de scu grupo. em vez de servidores públicos cm gera!. Ahistória dos apparatchiks na antiga URSS é o melhorcxemplodesta tendéncia.

7.4 Polícia privada

Uma linha c1e raciocínio semelhante a das prisões privadaspode ser formulada em relaçüo à polícia privada. É o que fa-zem Rosenthal e Hoogenboom num relatório do Conselho daEuropa (1990, p. 39):

Imagine que os policiais privados desempenhassem suas fun-ções mais eficientemente de que as forças poliCiaisgovernamen-tais, Imagine, para ir mais adiantc, que a polícia privada tam-bém tralasse as pessoas Com igualdade, e de aeorelo COmlodosos padrõcs de cqüidade, Ainda assim, o fato de preencherem salisfatoriamente todas as condiçOcs extrínsecas, nào scria argu.mento soficicnte a favor da polícia privada. Num ambiente con-tinental, as pessoas podem se sentir methor sabendo que é oestado que está no eontrolc dessas tarefas - independentemen-te da qualidade relativa de seu desempenho. .

Mas os acontecimentos na maioria das nações industrializa-das revelam pouca ~ensibilidade em relação a este prohlema.Pelo contrário, há definitivamente, uma tendéneia para a ex-pansão da polícia privada. As penitenciárias privadas discuti-das acima ainda tém importância menor se comparada às pú-blicas. Mesmo nos Estados Unidos, sua parcela no mercadoda punição provavelmente nüo ultrapassa os 10% ou 12%.Mas a segurança privada está ~e expandindo, tanto nos

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A INDUSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

Estados Unidos quanto na Europa. Num relat6rio doNationallnstitute oI' Justice em Washington, Cunningham ela/.(1991, 1'1'.1-5) afinnam:

A segurança privada é hoje claramente o principal meio de prote-ção da Nação, superando a segurança pública em 73%e empre-gando uma força de trabalho 21/2 vezes maior, segundo um novoeSludo do National Institute ofJustiee sobre a indústna da segu-rança privada. O gasto anual em segurança privada é de US$ 52bilhões e as agéneias de segurança privada empregam 1,5milhãode pessoas. A segurança pública gasta US$ 30 bilhões por ano etem uma força de trabalho de aproximadamente 600 mil pessoas.

Nove categorias são identificadas como parte da indústria desegurança privada:

Segurança de propriedades (domésticas).Serviços de vigilância.Sistemas de alarme.Investigações privadas.Serviço de carros blindados.Fabricantes ue equipamcntos de segurança.Serralbeiros.Engenheiros e consultores de segurança."Outros", o que inclui categorias como cães de guarda, lestes ucconsumo de drogas, análises forenses, e detectores de mcntira.

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Os Gráficos 7.4-1 e 7.4-2 [oram elaborados a partir desse re-lat6rio. O primeiro mostra uma estimativa do número de pes-soas que trabalham na segurança privada, comparado o como de pessoas trabalhando na segurança pública. O segundomostra os gastos em bilhões de d6lares. O "ponto de cruza-mento" em 1977 significa que esse foi o ano em que foi gastomais dinheiro na segurança privada do que na pública. E, naspalavras dos autores:

Apesar de se prever que os gastos públicos com segurança alin-girão US$ 44 billiões no ano 2000, eles serão largamente supe-rados pelos gastos com segurança privada, que atingirão US$104bilhões. A média anual de crescimento da segurança priva-da será de 8%, ou o dobro do da segurança pública.

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE 00 CRIME

Este crescimento não ocorre de forma isolada da polícia co-mum. Antes, havia poucos esforços de colaboração entre apolícia e os grupos de segurança privada, mas isso mudou:

Em 1980, porém, a Associação lnternaeional de Chefes de Po-Iíeia, a Associação Nacional de Xerifes e a Associação Ameri-cana para a Segurança Industrial começaram a rcalizar reuni-ões conjuntas para fomentar uma maior cooperação entre ossetores público e privado. Em 1986, eom fundos do National[nstitute of Justice, estas organizações criaram o Conselho Con-junto das Associações de Segurança Pública e Privada. Umgrande número de grupos locais e regionais também criouprogramas de colaboração envolvendo a polícia e a seguran-ça privada.

A Grã-Bretanha mostra a mesma evolução, que parece ser de-finitiva, de acordo com South (1989, p. 97):

No futuro é improvável, para dizer o mínimo, que o sctor desegurança privada se reduza. O mesmo tem-se mostrado umaindústria viva e 'resistente à recessao' na maioria das economi-as ocidentais desde, pelo menos, os anos 60, e tudo indica quevai continuar a crescer.

A França está na mesma situação. Ocqueteau (1990, p. 57)descreve como os operadores privados tomaram ou estão to-mando conta dos organismos estatais nos Estados Unidos cno Canadá:

... Ainda não é esse o caso do continente europeu. Apesar dis-so, estima-se que na França, país ondc se pensava que exis-tia a maior força policial por habitante da Europa, há trêsagentes privados para cada cinco mcmbros da força ele polí-cia estatal.

Esta evolução levanta sérios problemas. Mas a semelhançacom o que acontece com as prisões não é total, como revela-ram os interessantes trabalhos de Shearing e Stenning (I 987),e também um importante artigo de Philipe Robert (1989). Elescomeçam por considerar três pontos principais. Primeiro, his-toricamente, a polícia passou de organismo privado para se

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o CONTROLE DO CRIME COMO PRODUTO

tornar um instrumento do estado. Assim, a polícia privada nãoé nada de novo. Segundo, com o desenvolvimento da riquezamaterial nas sociedades de grande escala, a polícia comum nãotem qualquer chance de resolver mais do que uma pequenaparcela dos problemas que são trazidos a ela. Isto aumenta aspressões por soluções alternativas. E aqui vem o terceiro pon-to: a polícia privada é, sob circunstâncias normais, tambémforçada a se comportar da mesma forma que as pessoas ou orga-nizações privadas. Ela não tem o aparato penal ã sua disposiç.ão.Por isso, não está particularmente orientada para a punição.

... a lógica do sistema de segurança privada é escandalosamcn-te empresarial, preocupada com a administração de riscos, re-duzindo o investimento ao mínimo possível. A repressão estálonge de ser a prioridade: é contraproducente em relação aosobjetivos da empresa, além de cara, já que normalmente en-volve o uso de agências públicas. A prevenção, a racionali-zação e a responsabilidade recebem assim prioridade.(Robert, p. 111).

Isto abre, de novo, a possibilidade para mais soluções cíveispara conflitos em relação aos quais a lei penal seria vista comoa única alternativa - e ruim.

A polícia privada depende da existência da polícia pLlblica _como último recurso. Mas o rato ele ter quc lançar mão dapolícia pública reduz a autoridade da agência privada. E é umaestratégia perigosa. A eficiência da polícia privada depende eleque a população acreditc que a polícia COmum vai dar plenoapoio à polícia privada, se for necessário. E talvez não dê.

Enquanto as prisões privadas aumentam a capacidade deencarceramento, a poiícia privada poderia reduzir o uso dadetenção. Mas os acontecimentos recentes não confirmam estaperspectiva. Na opinião de Shearing e Stenning, as políciasprivadas contemporâneas são a prova do ressurgimento dasautoridades privadas que por vczes efctivamenlc desariam omonopólio do estado sobre a definição da ordem (1987, p. 13):

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

o que se sabc hoje sobre o policiamento privado prova ... qucestamos assistindo. com o crescimcnto da poliCia privada, n"oa uma simples remodelação da responsabilidade pela ordcmpública. mas à emergência dc ordcns definidas privadamcnte,policiadas por agentes privados que em alguns casos são incom-patíveIS, ou entram mesmo em conflito com a ordcm públicaproclamada pclo estado.

Mas o possível ganho de retirar-se do domínio da lei penal opoder de controle - situação sonhada pelos pcnsadoresabolicionistas - tem que scr avaliado levando em conta os doisprincipais defeitos da polícia privada: a discriminação social c apossibilidade de abuso em situações de conflitos políticos sérios.

A discriminação social tem dois aspectos. O menos problemá-tico é o fato óbvio de que as pessoas das classes altas terão fa-cilidades de pagar para se verem livres de situações embara-çosas. Isto já acontece também no sistema penal comum. Équase óbvio que todo o sistema formal de controle concentraa atenção nos estratos da população que estão a uma distãn-cia segura dos detentores do poder. Casos excepcionais de fi-guras poderosas que foram levadas aos tribunais são apenasisso: excepcionais. Um efeito muito mais problemático da po-lícia privada é que ela deixa desprotegidos os interesses e asáreas das classes mais baixas. Esta é a mensagem central dosNew Realists na Grã-Bretanha - que têm em Young e Matthews(1992), Young (I989) e Lea e Young (I984) alguns de seusmaiores expoentes. Eles têm razão quando dizem que a classetrabalhadora, e os que estão abaixo dela, são particularmenteameaçados pelo banditismo comum, a violência e o vandalis-mo. Uma polícia privada, que cuide só dos que podem e que-rem pagar, pode reduzir o interesse das classes altas em teremuma polícia pública de boa qualidade e assim deixar as outrasclasses e as cidades do interior numa situação ainda pior.

Além disso, há também o problema do controle doscontroladores. Como impedir a polícia privada de se tornar um

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o CONTHOlE no CRIME COMO PRODUTO

poder ainda mais difícil de controlar do que a polícia públicaatual? Como garantir que a polícia pública não conlrate, for-mai ou informalmente, alguns policiais privados para fazeremo que cla está impedida de fazcr? Como evitar que o poder doestado receba ajuda dos grupos privados que não querem serimportunados porjuízes e advogados?

Se a Gestapo ou a KGB tivessem sido sucursais de empresasprivadas, contratadas por ditadores, poderiam tcr sido igual-mente eficientes e terríveis em scus métodos, mas não teriamintimidado na mesma medida o próprio estado. Quando par-tes do sistema de controle da criminalidade pertencem ao es-tado, há pelo menos alguma esperança de que essas partes se-jam destruídas quando o estado o for. Esperança, mas nãosegurança absoluta, como mostraram os acontecimentos re-centes em alguns Estados da Europa Oriental. Mas se foremprivados, ficarão ainda mais protegidos quando o regime cair.Os interesses transnacionais c nacionais cuidarJo para que essetipo de organização continue a existir. i\ Gestapo e as SS fo-ram eliminadas depois da Segunda Guerra Mundial, mas asempresas que forneciam os equipamentos para os campos deconcentração, e as que recebiam os prisioneiros como traba-lhadores escravos, continuam muito vivas na i\lcmanlla con-temporãnea. É o caso também das universidades que recebe-ram material de pesquisa dos eampos de concentração.

7,5 O estímulo privado

As características essenciais da modernidade, no que se refereao controle da crim~nalidade, são exemplificadas no movimen-to de privatização, e particularmente na reinvenção das prisõesprivadas, Este tipo de prisões não é - em volume de presos - oque predomina no mundo industrializado. Mas isto começa aacontecer, particularmente nos Estados Unidos e em algunspaíses europeus. E tem imporlãncia, já que representa as ten-dências recentes.

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A INDÚSTRIA 00 CONTROLE DO CRIME

A prisão privada não é uma continuação da antiga idéia dasgalés ou dos campos de trabalhos forçados. O modelo é o daassistência municipal aos pobres. Esse serviço era muitas ve-zes licitado. Os que ganhavam a licitação vendiam a mercado-ria - o auxilio aos pobres. A possibilidade de obter lucro na ges-tão de casas para pobres é um assunto polêmico. Mas com ocrescimento das organizações de larga escala, já não restamdúvidas. Há muito dinheiro em jogo. E o que é mais impor-tante: com a quantidade de vínculos com os interesses priva-dos, até no nível das pris6es privadas, estamos possibilitandoo crescimento de todo o sistema.

O debate geral sobre a "privatização" das prisões, e tambémda polícia, tem-se voltado para a questão ética: devem as em-presas privadas ter o direito de exercer tamanho poder? Tam-bém se discute o aspecto econômico: poderão as empresas pri-vadas fazer o sistema funcionar de forma mais barata do queo Estado? Mas é também importante conhecer o mecanismode expansão criado por um sistema baseado na privatização.A questão central é, como foi dito por Feeley (1990, p. 2), atéque ponto a privatizaç<1oexpande e transforma a capacidadede punir do estado.

O ponto de vista de Logan é de que a privatização não conduznecessariamente a um aumento da capacidade das prisôes:

De maneira geral, contudo, o negócio tem succsso, não por es-timular uma demanda espúria, mas por antecipar adequadamen-te tanto a natureza quanto o nível da demanda rcal (p. 159).

E como eles decidem então qual é a "demanda real"?O fluxo de presos devcria corresponder ao índice decriminalidade, que cstá em grande medida além do controle doestado; por isso, a capacidade das prisaes precisa ser llexível (p.170).

Atualmente, existe - de acordo com Logan - uma necessidadegenuína de encarceramento que não é satisfeita (p. 161). E istoé pior do que haver excesso de oferta:

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o CONTROLE DO CRIME COMO PRODUTO

Sc é verdade que tanto o excesso de oferta quanto a escassezpodem conduzir a situaçaes de inJustiça, deveríamos, em prin-cípio, optar pclo excesso de oferta, apesar dc não ser provávclque ela venha a ocorrer proximamente (pp. 151-152).

Sua crença se baseia nos seus próprios dados, apresentadosduas páginas adiante:

O percentual das pessoas que disscram que os trihunais nãoeram suficientementc rigorosos aUl1lentou dc 48,9% em 196.\para 84,9% em 1978 .... de 1980 a 1986,82% a 86% dos ameri-canos defenderam penas mais duras para os mfralores.

Vemos assim os perigos deste tipo de visão que encara acriminalidade como uma fonte ilimitada de recursos para aindústria do controle do crime. Os interesses econômicos daindústria, confirmados por Logan, serão sempre favoráveis aoexcesso de oferta, lanto da capacidade carcerária quanto daforça policial, o que cria um estímulo extraordinário para aexpansão do sistema.

Além disso, há também o fato de que a privatização facilitatanto construir quanto gerir penitenciárias. Os defensores dasprisôes privadas preocupam-se com isso. Fica difícil defendera velocidade, flexibilidade e economia das penitenciáriasgeridas pela iniciativa privada c ao mesmo tempo afirmar quelodas essas vantagens não vão conduzir a um excesso de ofer-ta. Logan descreve as vantagens (p. 79):

As cmpresas privadas dcmonstraram freqüentemente que'po-dem instalar, financiar, plancjar e construir prisaes mais rapi-damente do que o governo. A Corrections Corporation ofAmerica informa.que seus CllStOSde construção são cerca de80% menores do que aqueles do governo. A CCA nota que nãosó pode construir mais rapidamente, poupando assim os cus-tos inllacionários, mas também a um custo imediato mais bai-xo, já que as empreiteiras cobram mais do governo.

O financiamento privado também torna a vida mais simplespara o governo, já que não precisa pedir permissão aos eleito-

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

res para construir novas prisões. Nas palavras de Logan,". __evita os custos de um referendo" Cp. 79). -Iàmbém tornamais simples a gestão das penitenciárias, já que as greves dosfuncionários podem ser evitadas mais facilmente:

Como uma greve pode permitir que o governo cancele o con-trato, o medo do desemprego será uma grande ameaça para osfuncionários privados. Ameaças como esta não consegucmimpedir greves no setor público.

Como sugestão, também para o setor público, Logan sugere:padronizar a legislaçao que exige que todos os funcionários dasprisões - públicas e privadas - recebam autorização espccialpara exercer suas funções e prevê que todo o agente que parti-cipc de greves seja automaticamcnte demitido.

Com as prisões privadas como exemplo extremo, mas tambémcom o sistema econâmico/industrial como fornecedor de ser-viços para as prisões geridas pelo poder público, introduz-seum fator de crescimento altamente eficiente. A CorrecliollsToday é um exemplo disso: os vendedores se exibem, apresen-tando suas ferramentas para a aplicaçãO do sofrimento e ospossíveis compradores são subornados para ir vê-Ias. Quan-do o governo também recebe ajuda para evitar o controle deseus eleitores e as greves dos funcionários, estão criados me-canismos de expansão altamente eficientes.

Um fator adicional de crescimento é a "adaptação mental"criada pelas muitas previsões que existem nesta área. Como disseFlemming Balvig, em comentários escritos ao meu manuscrito:

As previsões silOuma ferramcnta de gestão. Elas evitam os cho-ques no futuro. Não pode ser de outra forma. 200 mil presosna Califórnia do ano 2000' Já sabíamos há muito tempo. E tal-vez acabemos tendo 190 mil - então as condições não ficaramtão ruins quanto se previa.

Assim, o interesse passa a se concentrar na precisão das pre-visões, não no horror do que possa acontecer, não em comoevitar que as previsões se tornem realidade.

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o CONTROLE DO CRIME COMO PHODUTO

7.6 O estímulo tecnológico

O cxtraordinário crescimento do número de presos naCalifórnia entre 1980 e 1990 foi quase um mistério. Esses fo-ram anos de prosperidade na Califórnia. franK Zimring (1991.Jl. 22) fez um gráfico elo período. mOSlrando que o desemprc-go caiu dramaticamcntc, cnquanto o número dc dClcnçiics su-bia aos céus. Messinger c Berccochea ta mbém têm dados con-fusos. Eles mostram que o tempo dc pena cumprida na pns~lJaté o primciro livramento caiu consistentemente nos llltimo,la a 15 anos. Durantc algum tempo. a média para os homenscra superior a 36 mescs, mas nos anos reccntes caiu para per-to ele 12 meses. A conseqüência disso deveria ser prisões semi-vazias no estado. Mas não foi, e Mcssinger e l3erecochea têmuma explicação para isso: o tempo de permanência na pri-são é mais curto, mas o tempo fora da prisão é tambêm umacspécie de prisão, pelo menos para os liberados condicio-nalmente. Os presos são soltos sob prob"lioll. E a pmb:Jliollmudou o seu caráter. O Gr,1/i'co 7.6-/ é ele Messinger eBerecochea. e mostra a evoluç~o ele 1975 a 1987. Nele semostra que o livramento é apenas temporário. Nas palavrasdos autores:

... cada vez mais o livramcnto n;lo é o rim da eslória. Até Ins.a primeira liberação da pns;lo, era. para a maioria dos presos,quase certamente a última - pelo menos em rclaç;'to a essa con-denaç'lO: os presos ficavam livres d" concienaç'lo quando CI;U-

zavam os porllies da pcnitenciMia. Depois dessa data. a pri-meira libcraçno passou a ser, para a maioria dos presos, um;lponte para um período de liberdade condicional sob super-visão. Mas, Illcsmc1'cntão, até um passado relativamente recen-te, a primeira lihcração continuava sendo a líltima durante operíodo da pcna: a maioria ficava livre depois do período de li-vramento condicional. Atualmente. 1130 é assim: o regresso ;)pris;lo deixou de ser uma randade c snll a experiência mais co-mum para os presos. As scntenças de pns'in est;1o sendo ap1l-caJas à prcstaç;)o.

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIMEo CONTROLE 00 CRIME COMO PI100UTO

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ponto de vista da punição do que da reabilitaçflO. Houve maistarde uma tentativa de abolir o livramento eondicional. Tomou,se "clúo -qllc se ele sohr~vivcsSC, teria que ter um carMcr mais

_agressivo.

Assim, os probfltion o!liCel~,conscguiram suas armas. De acor.do com Smith Cp. 124):

Selecionamos o rcvólvcr modelo Slllitil & Wesson (,4, calibre 38.É relativamcnte leve, de aço inoxid:lvel, com um cano de duaspolegadas, Usa seis balas e é fácil de esconder sob as roupas.Escolhemos uma muni,ao com o m:"tximoPQcjc, de detençãosem-sefragmelllar' .. ' --;.'--' . . . .-

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Gráfico 7.6,1 Regresso à prisão dentro do período de dois anos. Poranos de livramento condicional

A Flórida está fazendo o mesmo. Seu Departamento Peniten-ciário anunciou que os probatione paro!e ollicersestão auto-rizados a portar armas de fogo a partir de 10 de julhoCComxt/OlJa! D/gest, 10 de janeiro, p. 10, 1992).

A outra razão para que grande número de presos emliberda-de condicional volte às penitenciárias é a ajuda prestada pelaCiênCia e tecnologia aos probation olficers. De acordo com

Por que isto é assim? Messinger, na sua apresentação oral Cp. 36);

Por duas razões. A primeira ê que a probation estava come. No ano passacio, cerca de 400 mil presos sob liberdade condi-çando a perder terreno - e empregos. Para sobreviver, os clonal foram submctidos a testes pam dctCClarveslígios de dro.probation officers, encarregados de supervisionar o período de ga. Acho que é um bocado de urina a ser recolhida.livramento, tiveram que optar entre serem trabalhadores de- O que acontece é que a soltura antecipada está sendo seguidasempregados ou controladores do crime com empregos e por. de um controle rígido, e, já que a tecnologia está disponível,te de arma. Escolheram a última alternativa, numa ação que passou a ser usaela com muita freqüência. De vez em qual\do,ilustra muita bem o que Stan Cohen (1985) descreveu como os presos soltos são forçados a urinar. Eles pertencem a lImuma confusão de papéiS. SmIth (1991, p. 114) descreveu o r segmento da população no qual o uso das drogas faz parte deque aconteceu: ~ y seu estilo de Vida, Ari,les, quando o período de livramento con.

(- dicional ainda era acompanhado por assl'ste t INo fll1aldos anos 70 houve uma mudança no papel do Iivra- - n es SOCiaiS,e es

menta condiCionai: e;n vez de ser encarado como uma forma recebiam advertênCias suaves, e possivelmente alguma ajudade reabilitação, passou a ser ViStocomo forma de controle e ul.Ii ~_ para sua sobrevlvê~cla_. Ag.:'r~1 com as.~~c:.mcasele contrQLe, elespumção. ~s causas dessa mudança foram as alterações na pos- - V; voltam para a pnsao. E um hndo exemplo de controle das elas,turado publico e na defll1lç:lo d? lei sobre o papel da pnsão e ses perIgosas. Agora não é mais necessarIamente o crimc 011-

do livramento condlelonal que passaram a ser Vistos mais do ginal que os traz ele volta à pl'l'sa-o ló 1 I' j- " . "a go que az pane ( o seu

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A INDUSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

estilo de vida. O controle do consumo de drogas ,igmfiea ocontrole das classes baixas.

Além dos que voltam para as prisões por causa do uso de dro-gas durante o período de livramento condiciollal, ha tambémos condenados diretamente por uso de drogas. Juntas, estasduas categorias totalizam a maioria da população carcerária.Em 1986 eram 30%, em 1988 35%, em 1991 5:1% da popula-ção carcerária. Em 1995, de acordo com o diretor de uma pe-nitenciária federal. Michael J. Quinian, os condenados pordelitos relacionados com drogas chegarão a 69% da popula-ção carcerária (TlJe WaslllIJgtoll Post, abril de 1991). Austin(1991) documenta uma evolução semelhante, a nível estadual,na Flórida. Mas esta tendência também é claramente visível nosestados de bem-estar social europeus. como foi mostrado noCapítulo 5.5. Em todos os estados modernos, as drogas se tor-naram a princJijãnõrma de delito usada como instrumento

- ara controlar os mais pobres do sociedade. Com uma peque-na ajuda da indústna de testes de consumo de drogas, estaspossibilidades são ilimitadas.

O único elo fraco neste sistema é a falta de vagas nas prisões.Mas aqui também a indústria oferece sua ajuda. As prisões do-miciliares, controladas eletronicamente, deram recentementeum passo de gigante. Os princípios deste tipo de prisão são hámuito conhecidos e aplicados. O condenado recebe uma pul-seira eletrõnica em torno do pulso ou tornozelo, ligada a umtelefone. Se o condenado sai de casa, a conexão com o telefo-ne é rompida e um alarme soa na delegacia de polícia ou noescritório dos probatioll of!icers. Há um florescente mercadopara este aparelho, particularmente nos Estados Unidos, mastambém em outros países. Em uma só transação, Cingapura com-prou, recentemente, equipamentos no valor de US$ 7 milhões(Lacotte 1991).

'\\. Mas o sistema tem suas fr~~:: não se pode saber, exata-,mente, o que os condeliãaõs fazem em casa. Eles não têm auto-•Im

o CONTROLE 00 CRIME COMO PRODUTO

rizaç:io, cVldentcmcnte, para lucar elll bebidas alcoólicas emcasa - suas prisões. Mas lail'ez o façam.

A Mitsubishi resolveu eSle problema c trouxe a lei c a ordemàs prisões domiciliares norte-americanas. Num antíncio de pa-llina inteira da edição de junho de 1991 de Corrccttólls 7ódi(Vé apresentado todo um pacote de controle que inclui a habitu-ai pulseira eletrônica, mas também um telefone combinadoCOIII um transmissor de televisao e Ulll aparclho para testar onível de álcool no sangue. Em breve, certamente, o ato de uri-nar televisionado também será incluído. Eis um extrato da des-crição da Mitsubislii:

Para responder às crescentes necessidades de detecção domi-ciliar, um sistema de monitoramento precisa ser versátil,confiável e capaz de detectar o uso do :Hcool. O risco é muitogrande para deixar por menos.

o sistema automaticamenle liga para () cliente Únai,,, de ljualmao mesmo tempo), requer alguma ação (em qualquer idioma),c grava a imagcm com hora, data c nome. (podendo ser utiliza-do como prova).

Quando se trata de Teste de Álcool por Ilafómetro, só o MEMSfornece uma prova visual positiva, remOIa c sem necessidade ueassistência. do nível de {dcool do cliente e de sua identidade. Etudo é feito automaticamenle na estação-basecom putadorizad a.

7.7 Matéria-prima para o controle

A prisão resolve, assiJl;l, alguns problemas dos países altamenteindustrializados. Nos estados de bem-estar social, reduz a con-tradição entre a idéia de assistência aos desempregados e aidéia de que o prazer do consumo deveria ser resultado da pro-dução. Também coloca sob controle direto parte da popula-Ção desocupada e cria novas funções para a inclústria e seusproprietários. Em última análise, os presos adquirem uma nova

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o CONTROLE 00 CRIME COMO PRODUTO

7.8 A grande tradição norte-americana

O sistema penal dos Estados Unidos mudou consideravelmen_te nos últimos dez anos. Mas, visto na pcrspectiva de séculos,não há nada de realmente novo. Pelo contrário, foi o períodoposterior à Segunda Guerra Mundial que constituiu a exceção.Agora, os Estados Unidos estão de novo voltando à nonnali-dade, apenas com mais força. Dois termos-chave caracterizama situação:~rivalização c escravidão. /

A privati'zação não é urna coisa nova. Foi com a privatizaçãoque começou tudo, primeiro na Inglaterra e depois nos Es-tados Unidos. A Promotoria era privada, a polícia era pri-vada, as prisões municipais eram privadas - geridas portaberneiras. O transporte foi o praduto da iniciativa priva-da e do instinto para os negócios. O resultado foi o enviode cerca de 50 mil condenados através do Atlântico. Naspalavras de Feeley (1991 a, p. 3):

Pouco depois de os primeiros colonos chegarem à Virgínia em1607, foram scguidos por um punhado dc condenados, levadospara lá com a promcssa do pcrd;lo, desdc que fosscm fazer tra.balhos forçados. Assim começou a operar um novo sistema pc.nal, um sistema quc funCionou com sucesso por cerca de 250ano~,..

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." as deportações para o Novo Mundo foram uma união da efi-ciência e da competência. A maioria dos seus custos foi cober-ta por comerciantes que lucravam com a venda de sua carga hu.mana para os plantadores. Foi muito eficiente pois puniamilhares de criminosos que de outra forma teriam ficado sempunição.

... as deportações fórnm uma inovação promovida por interessesmen;antis, relutantemenle adotada peJasautoridades que lentamen.te vieram a apreciar sua eficãcia em função dos custos.

". A política das deportações multiplicou a capaCidade pe-nai do estado a baixos custos. Expandiu o alcance e cficiên.CIa d:ls sanç()cs penais sem a necessidade de uma burocra-cia centralizada.

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

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'Mas o artigo da Business ~11:ek~vobteve destaque no China. "O notici:.1rio llacioll::llda tclevis:l.o e a maioria dos principais jornais, lodos controlados pelo governo co-munista, deram import.:30te cobertura a uma rcp0rlJgcrn sobre o tr<1balho nas pc-nitcnci:.'lrias ao estilo americ~l.Ilo, publicada na edição de J 7 de fevereiro da 8usinessWeek~0.0 As reportagens chinesas sugeriam que o governo americano, que acusa <)China de exportar para os Estodos Unidos hens fo.hricJdos por presos, ell1 violaçnoà leglsl:lção americana, deveria praticar o que ele mesmo prega ou mudar o serl11~(l,"Cvm:Cfiuna/ Digcst, 19 de fevereiro, p. 10, 1992.

e importante função. Eles se transformam na matéria-primapara o controle. É um mecanismo engenhoso. Os chegues dose uro desem reo dão o dinheiro que poderia ser usado paraJlIDpósitos gHestiolláveis-,.Para evitar esse pro ema, os ene-fícios sociais são por vezes fornecidos em bens, ou em requisi-ções para comprar determinado, produtos. Mas alguns bene-ficiados ainda poderiam trapacear c trocar produtos por drogasou bebidas. A prisão resolve este problem,!!..i\s condiçõcs ma-teriais de algumas penitenciárias modernas são incrivclmcnteboas. Mas o consumo está sob completo controle, urna solu-ção definitiva para o velho problema da industrialização. A po-pulação potencialmente perigosa é afastada e colocada sobcompleto controle, como matéria-prima para uma parte dopróprio complexo industrial que os tornou supérfluos e ocio-sos fora dos muros da prisão. Matéria-prima para o controledo crime ou, se quiserem, consumidores cativos dos serviçosda indústria do controle.

Seria ainda melhor se estes presos combinassem o fato de se-rem matéria-prima para o controle com uma produção eficiente.Assim, eles proveriam tanto o emprego dos guardas quanto asmercadorias para a sociedade em geral. Mas esta combinaçãoparece extraordinariamente difícil de ser obtida em sociedadesindustrializadas do tipo ocidental. A Business I#ek(yrelata quecerca de 5.000 presos já trabalham para a indústria carcerária.Cinco mil em 1,2 milhão. Os presos são importantes para a eco-nomia americana, mas porcausa de suas necessidades de manu-tenção e alimentação, e não pelo que produzem.'

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

E a tradição da privatização foi diretamente aplicada na áreacarcerária. Quando as deportações chegaram ao fim, algunsdos navios que sobraram foram ancorados na baía de SãoFrancisco. As instalações correcionais marítimas, anunciadaspelo grupo Bibby Line, têm uma longa histõria. Na baía de SãoFrancisco, elas abrigaram condenados enquanto eraconstruída a penitenciária de San Quentin. Muitas das primei-ras famosas penitenciárias construídas nos Estados Unidos daAmérica também dependeram do dinheiro de empresas priva-das que usavam trabalho de presos. Algumas grandes peniten-ciárias foram arrendadas a empresas privadas.

O tamanho da população carcerária não foi determinado pelonível de criminalidade ou pelas ncccssidades de controle soci-al, ou ainda pela ericlência da polícia. mas pelo desejo de tor-nar O crime compensador para empre~ados do governo e em-pregados privados.

Quem disse isto foi Novak (J 982), citado por Ericson,McMahon e Evans (I987, p. 358), num artigo com o signifi-cativo título "Punição e Lucro". Estes últimos acrescentam que

o sistema carcerário do Mississipi comemorou o fato de terobtido lucros todos os anos até à Segunda Guerra Mundial. Foiapenas no final dos anos 20 e nos anos 30 que a legislação ex-tinguiu o sistema de arrendamento de condenados, aparente-mente em resposta às pressões dos produtores rurais e dos sin-dicatos de trabalhadores que não suportavam a competição,especialmente com a chegada da Depressão.

A prõpria concepção central do projeto arquitetõnico das peni-tenciárias foi formulada por pessoas que queriam criar prisóeslucrativas. É bem conhecido o fato de que Jeremy Benthamdesenhou o Panopticom, o edifício que, por assim dizer, sim-boliza o controle total. 'Pan opticom' significa visão total. Ainvenção de Bentham foi construir um grande edifício em cir-culo com uma torre alta no meio. No circulo externo estão ascelas. Elas têm janelas que dão para fora e para dentro. Na

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o CONTHOLE DO CRIME COMO PROOUTO

torrc do meio estão os guardas. De sua posiÇão. cles podemver cada cela e observar tudo sem serem vistos. Este tipo deconstrução permitia excrcer o máximo de vigilãncia a custosmínimos . .kremy Bcntham também planejou construir canospara que os sons de cada cela pudesscm Sé!" monitorados.

l3cntham desenhou e descnvolven prole tos para que empresasprivad:ls administrassem sua institIJlç;io. Mais ainda, de aeor-do com Feeley (1991 a. pp. 4-5), Ilcntham dcsenvolveu "umacampanha incansável para obter este conlr,IIO para ele mes-mo, acreditando que poderia ennqutccr ... De 1780 até 1800,ele ficou obcecado por esta idéia. Investiu milhares de librasde seu próprio bolso para adquirir um terreno c desenvolverum protótipo de Panopticom".

Pcrdeu o investimento. Mas seu desenho básico se tornou in-fluente, tanto do ponto de vista arquitetônico quanto econó-mico.

A conclusão de Feele)' sobre a história da privatização é que:

... quando o estado é colocado diante dc exigências às quais nãopode responder, os empresários podem ajudar - c ajudam _ adesenvolver uma solUÇão, ampliando em últim;l 1I1slflnciaa ca-pacídade do eslado. 'till como acollleecu na qucstrlo das dcpor-tações, os prlmciros cmprcs;írios dc prísõcs privadas foram aresposta a uma erise bem conheCida. Eles desenvolveram solu-ções novas c rapidamente as implemenlaram. O falo de suasinvenç(ics lercm sído modificadas ou ,[bsolvidas pcl" cstado nrlOindica fracasso, mas sucesso.

A outra parte da grande tradição norte-americana veio da im-portação de escravo~da África. Não existe qualquer registrooficial do comércio de escravos. Gunnar Myrdal (1964, pp. 118-119) calcula que, provavelmente, o número total de escravosque chegou aos Estados Unidos antes de 1860 foi inferior a ummilhão. Uma lei federal proibiu o comércio de escravos em1808. Naquele momento, tinham chegado entre ]00 mil e 400mil escravos. Mas mais escravos foram para os Estados Uni-

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

Fonte: Mauer (1992), Tabela 2

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o CONTllOLE DO CRIME C()MO PRODUTO

AFRO-AMERICANOS. UMI1 E'lP£C1E EM PERIGO?E Mauer prossegue:

Os afro-americanos, que têm rendimentos despropor-clonalmente haixos. enfrentam uma variedade de problemas,incluindo: a decadência SOCIUIc econômica de nossas cidadesdo mterior c as reduzidas OpOrtunidades para os jovens; a Con-tínua dcgradaçào de nossas escolas, sistemas de assistência mé-dica c "outros apoios institucionais para preparar os jovens ne-gros a excrcer funçõcs legítimas na sociedade; a pohrezaconstante c a dislribuiç.10 de riqueza cada vcz maiS desigualentre os ricos c os Jlobres nos Úllimos 20 anos.

'. se ob~crvarl1l()s tllWllílS () grupo dt.: mais íl!tO riSCO homensnegros na faixa dos 20 atl()~ - o índice de cllcarCCrJl11cnto é elecerca de 4.200, ou cerca de 4,2% do grupo. ISlo signilica quequase um em cada 20 homens negros de cerca cle 20 anos cs/(íhOjl'numa penitenei<iria federal ou estadual. Se acrescentarmosas cadeias municipais, que compreendem oulros 50%, chega-mos a mais de CJJ%, que é ,1 fra((;lO de homens negros na cusacios 20 anos nos ESlacios Unidos ([lle csUí nas pcnitcncitírias fe-derais, csladuai's, ou nas C:ll!ei;ls !ocuis. Mas como o nCllllcrode pessoas nas pris()cs represcnta cerca dc um sexto do mime-ro 10lal de pessoas que esl{,Osob o controle do sistema de jus-tiça criminal (incluindo a pro/Jalláll c a liberdade condiciona/),temos quc multiplicar o número anlerior (4.270) por seiS, o quenos dã 25%.

Vintc c cinco por cento, o quc significa um em cada quatrohomcns na faixa dos 20 anos. Lembremos porém quc este cál-culo é para todo o pais. Se nos concentrarmos na juventudedas cidades do interior, é muito provável que, de acordo comas estimativas de Blumstem, concluamos que mais do que es-tes 25% dc população masculina negra cstejam sob o controlcdo sistcma de justiça criminal em algum momento.

Com tudo isto em mcnte, é fácil compreender que Mare Mauer(1991, p. 9) formule um dos subtítulos de seu relatório destaforma:

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Estados Unidos África doSul

14.625.000 15.050.642

454.724 109.739

3.109 729

499.871 107.202

3.370 681

População Masculina Negra 1989

Presos negros 1989

Taxa de encarceramento

por cem mil habitantes 1989

Presos negros 1990

Taxa de encarceramento

por cem mil habitantes 1990

Tabela 7.8-1 Taxa de encarceramento de homens negros nos EUA ena África do Sul, 1989 e 1990

dos através das anexações de território, e muitos foram leva-dos pelo contrabando. Uma boa parcela dos escravos negrosliberados depois da Guerra Civil havia nascido na África. Hojehá 15 milhóes de homens negros nos Estados Unidos.

Cerca de metade da população carcerária dos Estados Unidosé negra. Marc Mauer calculou em dois relatórios (1991 e 1992)o número de presos negros e os comparou com a situação daÁfrica do Sul. Seus números estão na Tabela 7.8-1. Meio mi-lhão de homens negros estão hoje nas penitenciárias ou cadeias.Isto significa que há 3.400 para cada cem mil habitantes - ou3,4% da população negra masculina está na prisão atualmen-te. A seriedade da situação pode ser entendida se comparar-mos os dados com os da África do Sul, onde 681 para cada cemmil homens negros - ou 0,7% - estão presos.

Se 3,4% estão na prisão, uma vez e meia estão provavelmente sobprobationou em liberdade condicional, o que significa que entre7% a 8% dos homens negros estão sob algum tipo de controle legal.

Mas esta estimativa ainda é conservadora. Blumstein (1991, p.53) diz o seguinte:

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A INDUSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

Esta sobre-representação dos negros tem aumentado constan-temente. Para Austin e McVey (1989, p. 5) a guerra contra asdrogas é uma causa importante deste fenômeno:

A repressão ao consumo de drogas foi muito conccl1tr<lda 110crack, a droga mais usada pelas classes baixas, que também têmuma proporção muito grande de negros e hispánicos. Conse-qüentemcnte, a proporção de pessoas condcnadas à prisão quenão são brancas está aumentando muito.

Mauer aponta o mesmo fenômeno:

De 1984 a 1988, o percentual dc negros em todas as prisões li-gadas às drogas, em termos nacionais, aumentou de 30% para38%. Em Michigan, as prisões por crimes relacionados comdrogas duplicaram desde 1985, e triplicaram entre os negros.Como a "guerra contra as drogas" é travada principalmenteatravés elo sistema de justIça criminal e volta-sedesproporcional mente para os usuários da periferia das cida-des, o resultado final ê um aumcnto elo número elepresos e \Imaparcela ainda maior de presos negros nestas cidades.

Sob este ponto de vista, a Flórida é provavelmente o caso maisextremo entre os estados: em 198211983, houve 299 delitos re-lacionados com drogas entre jovens do sexo masculino. Hou-ve 54 casos entre jovens negros. Em 1985, o número para bran-cos era 336, enquanto que os negros já tinham passado à frentecom 371 delitos. Em 1989/90, o número entre negros tinha cres-cido para 3.415, enquanto que entre brancos ficara bem atrás,apenas 526.' O arquiteto que está por trás deste eres-cimento,o governador Marinez, não foi reeleito mas, em contrapartida,se tornou o czar das drogas para todo o pais.

Parece razoável pensar que a combinação negro e pobre sejatambém um fator negativo no tribunal, apesar de isto seralvo de debate (cf. a discussão entre Wilbanks e Mann em

IDa Comíss~o de Preconceito Racial da Suprema Corte da Flórida.

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o CONTrlOlE DO cnlME COMO PRODUTO

1987). Pessoalmente, nunca fui capaz de esquecer os resul.tados de um pequeno estudo de Wolfgang, Kellye Nolde de1962, Eles compararam presos que haviam ingressado 110 cor-redor da morte. Havia todas as probabilidades de que os ne-gros entrassem mais facilmente na fila - ou seja, por crimesmcnos graves do que os brancos. Poder-se-ia esperar que, comoconseqüência, uma parcela menor de negros acabasse sendoexecutada depois de passar pelos vários procedimentos de ape-lação. Mas o resultado foi contrário, Relativamente, mais ne-gros foram executados do que brancos. O último relatório deMauer (1992, pp, 11-12) dã alguns exemplos de mecanismosgerais que atuam contra os negros nos processos legais,

Mas deixem-me acrescentar: as prisôes européIas também fi-caram mais negras. E se a pobreza tivesse cor, elas teriam es-curecido ainda mais. Não há razões para o chauvinismo euro-peu em relação aos Estados Unidos, lànto as classes quantoas raças estão refletidas nos números sobre presos negros nosEstados Unidos, E tanto na Austrália quanto no Canadá asminorias étnicas estão sobre-representadas na prisão,

7,9 o modelo

Não há "limites naturais" para a percepç<io do que é uma gran-de população carcerária, Com o crescimento dos Estados Uni-UOS, os critérios mudam. Num mundo tão influenciado peloque acontece nos Estados Unidos, isto pode ter um impactoem todos os países industrializados, Talvez sejamos excessiva-mente indulgentes na Europa,já que os Estados Unidos pare-cem estar bem c~m dez vezes mais presos? As idéias deprivatização também atravessaram o Atlãntico, Sir EdwardGardner (1989) era o presidente do Comitê Multipartidário doParlamento para Assuntos Internos. Ele levou o Comitê aosEstados Unidos, e disse o seguinte ao voltar:

.... todos nós, que fomos à América para obscrvar cstes novosestabelecimentos, nos perguntávamos se 11:10 estávamos ali

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

perdcndo nosso tempo; no meu diário. escrevi que esla proposlaparecia mais absurda que real. Mas. como membros do Comi-té visitamos CSlas insülulções cm lugares como Memphis. Pa-namá c Nashville. e posso apenas dizer que começamos a mu-dar radiealmel1le de opinião. Ficamos espantados com o quevimos - a qualidade da administração e o sucesso da idéia dasprisões privadas.

Na verdade. Sir Edward mudou de tal maneira de opinião aoponto de - quando fez uma palestra no Instituto para o Estu-do e o Tratamento da Delinqüência - já ser o presidente daempresa privada "Contract Prisons PLC".

E não é o único. Taylor e Peace (1989) justificam o uso des-ta oportunidade para fazer reformas. A questão crucial. di-zem, não é se a prisão é administrada para dar lucro, masse são aplicados padrões aceitáveis. Entre estes, elcs espe-cificam que nenhum contrato privado deveria ser feito porum período superior a cinco anos, depois do qual seria fei-ta nova licitação. Além disso, as prisões privadas não deve-riam poder receber apenas os presos condenados a penasmais leves - ninguém condenado a penas inferiores a 18meses deveria ir para essas prisões. E mais importante: de-verá fazer parte dos objetivos implícitos que os presos, de-pois de soltos, passem por um período sem condenaçües, eesse objetivo será a base de parte do pagamento. Eles argu-mentam (p. 192) que se a privatização das prisões ocorrercomo uma cópia impensada do processo dos Estados Uni-dos, a situação da Grã-Bretanha ficará provavelmente pior.E concluem:

Em resumo, as vantagens potenciais que as prisões oferecem de-pendem de um estreito elenco de possíveis esquemas. Nossoapoio a esses esquemas é assim uma estratégia de alto risco. Setodos os elementos corretos nao estiverem em seus lugares, ...teremos aberto os portões para um Cavalo de Tróia particular-mente desagradável.

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o CONTROLE DO CRIME COMO PRODUTO

I? difícil discordar.

1\'1as csta perspectiva da influência dos Estados Unidos sobreo resto do mundo pode ser muito estreita. Não é apenas umaquestão de saber se o que acontece nos Estados Unidos hOJevai acontecer na Grã-Bretanha ou no Canad<í am~lnh,1. Segull-do Li"y e Knepper (1991), a privatizaçáo n,10 ê resultado dofiux(J unidirl'Ci01WI de políticas penais dos "stado\ IJnidos par,1a Grã-Brl'tauha:

", a rcl..1ÇrlO entre as duas naçocs nno se baseia na Iransl'crêllciade uma política correcional, assim como lalllb,;m não se baseiana propriedade conjunta das empresas ... '

A relaçao entre a Grá-Bretanba e os Estados Unidos envolveempresas unindo forças para comercialIzar produtos e serviçospenitenciános nos dois p<lfscs. [m vez de implementar apl'llaspolíticas penais americanas na Gr;í-Dn'l~nha. algumas cmprc-S;lSbrilflnicas apostaralll nu IllClcado pcnitcllcijrio ;llllCrlCano.Desenvolvam-se ou n{IO ou em larga cscn1;l ;lS l'ris()cs privadasna Grã-Bretanha. suas empresas V;IO continuar lucrando comas punições nos Estados UnIdos, o Illtliln lllCICHJo pCllllcnci;lrlo.

Alguns comentários finais sobre o estímulo industrial: se o ní-vel e a forma de controle da sociedade eslão determinados pelascaracterísticas da organização soctal. pode acontecer que es-tas características gerais se manifestcm em todo o mundo. Onúmero total de presos da Europa também cresceu nos últi-mos anos. O Gr;lfico 19-( ilustra o que aconteceu. Até. na

\ConsKkre-sc o merendo ele 1l10niloramcIllo cldrônico. () monitoramento eletrôni-co de condenados gerou um~n[cn'ssc cOl1lcrcinJ signifJC<ltivo. Em ! l)R7. [rés vende-dores :UIlCl'tC<lIlOS - BI rncorpor~Jlcd, Corrcclionai Servires lncoq)or:ltcd e iJigilJlProducls - dominav:lIll o rncrcJJo de aparelhos cktrónicos de control.::. Desde C/l.l.:io, dois vendedores nmericanos se jUlltnfnJ1l a elllrrcsa~ hriL:1nicas ram produ?i.n~m c comercializarem apart~lhos mais desellvolvidos ... E em 1lJ89 a CorrCetillrlServices Inc, de novo expandiu suns concxôes intcrnacionnis Junto;) cmprcs:l ,j:1Pl)'ilesa Milsubishi; em 1990. a CSI expandiu de novo sellS :lContos in[CrIlólC10n;tls jun

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Page 76: A Indústria do Controle do Crime - Nils Christie

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Capítulo 8A modernidade e as decisões

8.1 4.926 candidatos

Tive alguns pcquenos problemas OUlro dia, Faço parte de umcomitê de seleção de candidatos à Faculdade de Direito de mi.nha universidade, Uma vez por ano, decidimos sobrc a admis.são de novos alunos, Este verão, houve 4,926 candidatos, Sópoderiam ser admitidos 500, O desemprego juvenil exerce umapressão enorme sobre o sistcma de ensino superior, Mas, paranós, a tarefa era simplcs, A maioria das decis()cs sobre as ad-missões é feita com base nas notas obtidas no segundo gr<lu,Fazemos uma lista das notas e acrescentamos alguns pontosadicionais em função de vários tipos de experiêucia de traba.lho, Uma secretária conscienciosa e altamente eficiente preparatudo e faz uma lista dos candidatos, Ao comitê resta decidirqual o mínimo necessário, Todos os candidatos acima dessanota são admitidos,

Mas tivemos dois problemas extras, Alguns candidatos pedi-ram ingresso excep,Çional, com base em motivos de saúde ou so-ciais, Talvez tivessem tido uma doença grave ou a morte de umfamiliar durante os exames finais, ou fossem surdos ou cegos,confinados a uma cadeira de rodas, ou tivessem tido proble.mas graves com drogas, crimes ou instabilidade emocional.Discutimos cada caso e decidimos aprovar a maioria dos pe-didos, Os professores têm quc accitar a sua palcela de pessoas

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Números em lv de janeiro (em milhares)

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Gráfico 7,9.1 Evolução do número de presos nos Estados.membrosdo Conselho da Europa desde 1970, excluindo a Áustria, a Islândia, aHolanda, a Suíça e a Turquia,

230

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220

A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

Holanda a população carcerária cresceu, Como é descrito noCapíllJ/o 4, as soluções em países com pequeno número depresos sofrem atualmente fortes pressões, A evolução da polí-tica em relação às drogas é particularmente importante - e aquide novo os Estados Unidos são o modelo, Também são impor-tantes as recentes tendências nos meios de comunicação, Coma cobertura crescente dos crimes, é difícil manter a antiga ori-entação, Além disso, há dois outros falares: a capacidade damoderna sociedade industrial de internar em diferentes insti-tuições grandes segmentos da população, e também que estasolução condiz com Ol/tras orÍentaç6es ql/e se observilnl nes-tas naç6es, Este será o tema do próximo capítulo,

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A INDUSTRIA DO CONTROLE 00 CRIME

com problemas. Mas, ao mesmo tempo, e em miniatura, en-frentamos o problema geral dos estados de bem-estar social:é correto permitir aos que entram na universidade via prisão,ou clínica psiquiãtrica, um acesso tão fácil quanto os que sãoadmitidos depois de tanto trabalho e boas notas na escola? Namaioria das vezes, dissemos que sim. Por sorte, não houve tan-tos candidatos excepcionais.

Há uma outra categoria de candidatos que também cria pro-blemas, não por causa dos candidatos individualmente, maspelo tipo de escola de onde vêm. São escolas que teimam emnão querer aprovar seus alunos de acordo com o padrão ofi-ciaI. Insistem que os exames finais e as notas não nos dizem osuficiente sobre os alunos. Em vez disso, cada professor des-sas escolas escreve um pequeno texto sobre cada aluno, em re-lação a cada matéria, e acrescenta uma avaliação detalhada deum trabalho importante que este tenha feito; uma pintura, umaexposiçãO de fotografias, um ensaio sobre Sartre, a reconstru-ção de um antigo par de esquis ...

Para o comitê de seleção, isto toma a avaliação impossível. Esteano tivemos três candidatos dessas escolas. Lembro-me de to-dos eles, porque, inevitavelmente, passamos a conhecê-losmuito bem. São todos da chamada Waldorf Schools, ou esco-las Rudolf Steiner, como são chamadas na Escandinávia. Osalunos dessas escolas têm muitas vezes o mesmo professordurante 12 anos. Os professores os conhecem, talvez até bemdemais. Escrevem sobre os alunos com profundo conhecimen-to e muitas vezes com amor. Eles conhecem muito bem os alu-nos e trazem-nos esse conhecimento, o que torna impossívelnossa tarefa.

Três candidatos sem nota. E uns poucos "casos sociais". Es-tes foram os candidatos que conheci. Mas houve pelo menos4.400 outros candidatos que não foram admitidos. Jovens comtodo tipo de qualidades, querendo entrar na faculdade. Mas

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A MODERNIDADE E AS DEC1SÓES

suas qualidades tinham sido convertidas em Ill'lI11eíOS.c osnúmeros estavam errados.

Para tornar as coisas piores - c isto é importante para o meu temadas potencialidades da Modcrnidade, - eu sou, por questão deprincípio, contra os exames e notas para alunos. Fui um membroativo da Comissão Real que propôs a abolição das notas no nos-so sistema de ensino obrigatôrio. E, pior ainda. também sou con-tra limitar a admissão às universidades e votei contra isso váriasvezes. Mas fui derrotado c sinto-me obrigado a participar das ta-refas administrativas que me atribuem. Se não as fizesse, um ou-tro as faria. Talvez eu consiga salvar um ou dois que de outra for-ma não seriam admitidos na terra santa.

8.2 Gargalos

Como é do conhecimento geral, um dos motivos da lentidãoda Justiça é o fato de os tribunais estarem sobrecarregados detrabalho e mal equipados para enfrentá-lo. Parece que o tem-po não passou em muitos tribunais. As perucas desapareceram,mas não o ritmo lento. As máquinas de escrcver substituíramas pcnas de ganso, e alguns tribunais têm computadores, mas,em grande partc, continuam sendo gargalos, incapazes de seadaptarem às exigências. Além disso, sua produção não supor-ta controle de qualidade. Inúmeros estudos mostram grandes

_disparidades das sentenças. Os mesmos atos têm como con-seqüência meses de prisão num distrito e anos em outro~ o quedá origem a trabalho extra para os -Iribunais de Apelação, ouàs injustiças se não houver apelação.

•Nos Estados Unidos, tudo isto está para ser mudado c muitacoisa já sofreu mudanças.

Em 1984, o Congresso aprovou a Lei de Reforma do Sistemade Determinação das Penas. O objetivo básiC() da lei foi am-pliar a capacidade do sistema de justiça criminal através de umsistema de penas justo e eficiente. Justiça. neste caso, signifi-

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

8.3 Manuais de decisão sobre a dor

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Tabela 8.3-1 Tabela de deteminação das penas (em meses de prisão)Categoria do Histórico Criminal (Pontos do HistÓriCO Criminal)

nível Ido delito (O ou 1)

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22 41-5123 46-5724 51-6325 57.7126 3-7827 70-87

28 78.9729 87-10830 97-121

31 108.13532 108-13533 135-16834 151-18835 168.21036 188-23537 210-26238 235-29339 262.32740 292-36541 324-40542 360.'43

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dc um árgao indepcndclllc, pcrtencendo ao Judiciário, compos.to ,k sele mcmbros votantes c dOISnão votantes. ex offiClD. Scuobjetivo principal (. estabelecer politicas e práticas de determi-nação das penas para o sistema de justiça climinal federal, queassegurarão os ohjetivos da Justiça promulgando orientações de-talhadas para a prcscnç'10 das sentcnças apropriadas a deIJn-qüentcs condenados por crimes federais. (Orientações Geraisda Comissão de Sentenças dos Estados Unidos, 1990, pp. 11).

Uma decisão (Misretta v. Estados Unidos) da Corte Supremaconfirmou a constitucionalidade da Comissão de Sentenças,contra algumas contestações. Assim, a Comissão é atualmen-te um fator determinante no que diz respeito à legislação pe-nai em nível federal nos Estados Unidos.

Um dos principais resultados da Comissão de Sentenças estáreproduzido na Tabela 8.3-1. Trata-se da chamada Tabela deSentenças. O princípio básico do uso da tabela é muito sim-ples. Vamos primeiro ver alguns exemplos de nível dos delitos,a primeira coluna vertical da esquerda. Aqui, a tarefa do juiz édecidir o tipo de crime. O crime pode ser pirataria aérea, outentativa de pirataria aérea. O Manual, seção 2.14, é claro:

cou particularmente reduzir as disparidades. Os mesmos atosteriam que ser punidos pelas mesmas penas. Com esse propó-}J. \J' sito, a reforma deu ao mesmo tempo mais e menos poderes aos

(l tribunais. Deu mais poder ao abolir o anterior sistema ele pe-

nas indeterminadas e de conselhos de livramento condicional\j, que decidiam sobre os mesmos. O momento do livramentoO passou a ser decidido pelos tribunais. Mas também retirou

poderes, estabelecendo um detalhado sistema de instruçõessobre as penas em cada easo individual.

Com esse objetivo, o Congresso determinou a criação da Co-missão dc Sentenças dos Estados Unidos. Trata-se:

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A INDUSTRIA DO CONTROLE 00 CRIME

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(a) Nível Base de Delito: 38

(b) Em caso de mortc, aumentar eineo níveis

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Foi removido o gargalo .

(b) Acrescentar dOISpontos por cada sentença de pnsfto ante.nor de pelo menos Ió dias n;io contaeb em (aI.

A MODERNIDADE E AS DECISÕES

Com estas instruções, todos podemos fazer o trabalho,

(a) Acrescentar Ires ponto.s por cada sentença antenor de pri.S;-lO que exceda um ano c um mês.

o máximo na tabela de sentenças s;io 13 pOIllOS. Quatro con.denações anteriores excedendo 13 meses de pnsão. e lima con.denação menor, dão esse resultado.

(e) Aumentar dois ponlos se o réu cOllleter o delito menos dedois anos depois da saída da pris;io de uma condenaç;io eonta.da sob os itens (a) ou (b) ou enquanto estiver na prisão ou eon.siderado fugitivo por e5S;) condenação. Se tivercm Sido aeres.ccntados dois pontos pelo item (d), acrescentar apenas Ulllponto por csle item.

(el) Acresccntar dois pontos sc ° reu COlllelcll°delilo quandoj~ eslava sob qualquer condenaç"lo judiCial, incluindo pro/m/lim,libcrdade condicional, liberdade vigiada, pns"IO, pris;io semi.aberta, ou considerado fugitivo.

(c) Acrc~celltar lll1l ponto por CHia sentença <Interior n{lO I!leluídaem (a) ou (IJ),ate;um lotai de quatro ponlos para eSle lIem.

Ocorreu um assalto (nível 17), bem planejado (sobe para o nível19), c resultou num prejuízo de mais de $ 10.000 (sobe para onível 21), mas nem armas nem drogas foram roubadas, e nãoforam usadas armas de fogo; ficamos assim no nível de delito21 na escala vertical. O delinqüente foi sentenciado antes duasvezes a mais de I :.meses de prisão, logo sua Calegoria de His.tórieo Criminal na escala horizontal é 6. Descemos desse pontoaté encontrar a linha horizontal do nível 21, e o resultado éclaro: o juiz tem liberdade de escolher uma condenação entre46 e 57 meses.

Aumento do nível

não há aumentoaumentar 1aumentar 2aumentar 3aumentar 4aumentar 5aumentar 6aumentar 7aumentar 8

O) Se uma arma de fogo, aparelho destrutivo ou subslftnciacontrolada tiver sido roubada, ou se o roubo deste item for umobjeto de delito, aumenlar um nível.

(4) Se uma arma perigosa (ineluindo arma de fogo) for usada,aumentar dois níveis.

Se houver mortes, o delinqüente acaba em 38 + 5 = 43, o quesignifica "prisão perpétua" na tabela.

Um caso mais complexo seria roubo em domicílio. As instruoções sobre este caso são:

Roubo em domicilio

(a) Nível Base de Delito: 17(b) Características Especíl'icas do Crime

(I) Se o delito envolveu mais que um planejamento mínimo,aumentar dois níveis.

(2) Se as perdas excederem US$ 2.500, aumentar o nível dedelito da seguinte forma:

Perda (Aplicar a Maior)

(A) $2.500 ou menos(B) Mais de $2.500(C) Mais de $10.000(O) Mais de $50.000(E) Mais de $250.000(F) Mais de $800.000(G) Mais de $1.500.000(H) Mais de $2.500.000(I) Mais de $5,000.000

Como vemos, o nível mínimo de punição seria 17, No pior doscasos, o máximo é 30.

Com isto, metade do trabalho está feito, Resta determinar a Ca.tegoria do Histórico Criminal. A Seção 4.1 do Manual explica como:

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A INDUSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

8.4 Justiça purificada

A vantagem de um Manual como este é a sua honestidadc.Deixa claro o que inclui, mas também o que foi excluído. OCongresso foi bem específico, neste ponto, nas instruções àComissão:

requer-se à Comiss~o que garanta que as suas orientaç.(ies edecisOes polilleas reflitam a impropriedade de considerar a edu-caç~o do réu, sua profissão, seu registro de emprego, seus vín-culos c responsabilidades familiares c seus laços com a comu-nidade, ao determinar se deve ser imposta uma pena de prisãoou a sua dura<;~o. (O Manual, p. 5.35)

Devo confessar que tive que ler duas vezes: impropriedade? Deacordo com a minha formação, eu teria esperado um pedidopara que o Manual recomendasse a propriedade de se consi-derarem todos estes fatores. Mas não é isso que ele diz e a Co-missão segue ordens específicas para l1ãoconsiderar:

Idade.Educação e preparo profissional.CondiçOes psíquicas e emocionais.Condições físicas, incluindo dependência de drogas e de álcool.Registro de empregos anteriores.Vínculos e responsabilidades familiares.Laços comunitarios.Raça, sexo, origem, credo, religião e situação sócio-econômica.(O Manual, pp. 5.35-5.37).

Para alguém habituado à antiga tradição européia de políticacriminal, estas diretrizes são, para dizer o mínimo, surpreen-dentes. Numa interpretação amável, a decisão de excluir algunsdestes fatores pode ser encarada como uma tentativa de obteruma espécie diferente de justiça. Talvez o Congresso temesseque os que cumprissem certos requisitos recebessem simples-mente um tratamento preferencial por esse motivo. Crimino-sos de classe alta poderiam alegar os laços familiares e com acomunidade, assim como as importantes responsabilidades, e

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A MODERNIDADE E AS DECISÕES

assim escapar injustamente de punições dadas a pessoas quenão tivessem esses laços e essas responsabilidades.

A pessoa que é rica em dinheiro e relações sociais não deveriaescapar ao õnus completo da punição dcvido à sua condiçãoprivilegiada. Perfeito. Mas o que dizer da pessoa sem relaçõese responsabilidades, e de um extrato socral extremamente bai-xo? 1\0 impedir quc os tribunais considerem todos estes fato-res - para não dar vantagens extras aos ja privilegiados -, seanula ao mcsmo tempo a possibilidade dc mostrar mais indul-gência em relação aos menos favorecidos. Elimina-se toda aquestão da justiça social. E quanto ao delinqüente muito po-bre, que rouba por fome, ou à pessoa sozinha, sem quaisquerlaços sociais? Para impedir o abuso das (poucas) pessoas en-dinheiradas, os legisladores tornam ilegal levar em considera-Ção precisamente os fatores mais comuns entre a maioria dapopulação carcerária: pobreza e privação, nenhuma participa-ção em uma vida melhor, todos os atributos-chave de uma"classe perigosa" não-produtiva.

Se quisesse garantir que os favorecidos social e economlcamcn-te não obtivcssem vantagens, o Congresso teria como resolvero problema. Levar em conta fatores sociais não é mais com-plicado que trabalhar com atos interpretados como crimes.Deixem-me ajudar a Comissão com a seguinte proposta deescala de nível de delinqüéncia:

Primeiro, alguns pontos de agral'amel1toda pena:Dclinqüentes de nível superior (que, por isso, deveriam ter me-lhor conhecimento), aumentar dois pontos.Delinqüentes eom rendimentos anuais nos últimos dois anos su-periores a ~dólarcs, aumentar quatro pontos.Delinqüentes eom sólidos laços c responsahilidades sociais an-teriores, aumentar cinco pomos.

E logo as reduções:Delinqüentes sem o mínimo de edueaç~o ohrigatória, deduzirtrês pontos.

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A INDUSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

Delinqüentes que vivem abaixo do nível de robrezd. deduZIJquatro pontos,

Delinqüentes eom traumas na Infância e ambiente social defi ..ciente, de acordo eom uma mvestigação social. deduzir cincopontos,

A lista poderia ser maior e mais contundente. Que culpa temuma mulher agredida e vítima de assédio sexual pelo pai des-de a infância, vivendo na miséria, que, num momento de de-sespero, mata o pai? Ou. para nâo scr tâo óbvio: c um casoonde. além de tudo isso. a mãc saiba de tudo sem interferir?Qual o peso. como circunstância atenuante, que deveria serdado a tudo isto, acrcscentando-se talvez que cla tenha nasci-do numa favela? Nâo poderia acontccerque. com todas as cir-cunstâncias atenuantes, alguns acusados teriam que ser en-quadrados abaiXado Nível de Delinqüência 1. o que obrigariao juiz a condenar a sociedade a oferecer-lhes compensações?Aprofundar estes assuntos significaria destruir o controle docrime como um tema útil no debate político - para os que par-ticipam desse debate.

Radzinowicz e Hood (1981) dcscrevem como se chega a estasituação, Muitas reformas tiveram origem na vontade gcnuí-na de reduzir o uso do encarceramento. O innucnte Comitêpara o Estado do Encalccml17clJto (von Hirsch 1976) foi bas-tante explícito ao dcfender quc se impusesse mcnos. não maispunição, Abandonar o modelo da reabilitaçâo sem uma dimi-nuição simultânea do nível das condenações â prisão seria. deacordo com o Comitê. uma crueldade impensável e um ato pe-rigoso. Cinco anos. exceto no caso de assassinato, seria a maisalta pena. Radzinowicz e Hood também citam (p, 142) o mi-nistro do Supremo Tribunal (1978):

(Ele) está corretíssimo quando censura o projeto de lei do Se-nado que determma o estabelecimento de uma comissão.

, com o argumento de que sob a retórica da igualdade ela 'cn-cara o processo criminal como um vasto mecanismo de COIl-

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A MODERNIDADE E ..\8 DECISÕES

trole 'iocial'. Como o problema da cril11l1lalidadc csti1 vincu-lado às COndlç(lcS sociais de urna sociedade. lamhúm10s jul~gamcn!os devem ser feitos no contexto cio ambiente em queVtveo delinqüente'. fi tcntative; de 'automatizar' este delica-do processo 'pnva os parliciran1cs. e o próprio p'lblico, daillrOrlllllç[lO (jllC é essencial, de acordo com nossa concepçãodc justi,a criminal ....

As razões para nHo incluir os fatores sociais na tabela de con-denações estão solidamente I'unclamenladas na ideologia doscasligosjustos, O eonteúdo principal desta idéia é que o casti-go precisa renetir o que há ôe repreensível nos atos crimino-sos. E quanto menos os fatores sociais forem incluídos no cál-culo. mais clara se torna a relação entre o ato concreto e apuniçHo, Os fatores sociais ofuscam a punição clara e supos-tamente mcrecida que resulia de um mau ato. Do ponto de vistados castigos Justos, eles são vistos como nocivos, 11 cscalamoral- e a clareza da mensagem Ii população - se desvanece,Assim como a possibilidade de evitar as injustiças. no scntidodc aplicar diferentes punições ao mesmo ato, O objetivo é evi-lar a desigualdade. mas as conseqüências sociais nHo são con-sideradas no processo de decisHo./\ ideologia do castigo justose torna justa num aspecto. mas altamente injusta quando dt-versos valores contraditórios precisam ser avaliados, Como amaioria destes outros valores significa vantagens para osdesfavorecidos. as limitações dessa ideologia criam - na sua

)otalidade -um sistema extremamente injusto, Pela virtude daua simplicidade, ela se torna uma teoria litil através da gua

se aplica ao delinqücnte umajllst;ça rapida e imjl"ssoaLdur.anteo processo penal.

8.5 Cooperação do réu

De acordo com a Declaração de Direitos da Constituição dosEstados Unidos. todos os amcneanos acusados de crime têmdireito a ser julgados por um júri imparcial. No mundo real.

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A INOÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

são raros os acusados que usam este direito. Mais de 90% _em algumas jurisdições chegam a 99% - se declaram culpados .Se isso não ocorresse, se as declarações de culpa Fossem redu-zidas, mesmo num pequeno percentual, todo o sistema de jus-tiça criminal nos Estados Unidos Ficaria completamente para-lisado.

Mas por que eles se declaram culpados?

Porque não podem correr o risco de se declararem inocentes.

O mecanismo que garante a cooperação do réu se chama a/eabargaining. É muito simples. O promotor acredita que podeprovar que o suposto réu cometeu os atos A, B, C e D. Ele pro-mete então que s6 vai acusar o suposto delinqüente pelos atosA e B se o réu se decJararcu/pado destes atos. Desta forma, osamericanos não são condenados pelo que fizeram, mas peloque ficou acordado com o promotor.

A Comissão de Sentenças não gostou do sistema e tentouabolir o p/ea bargainingl

• Mas desistiu, entre outras coisasporque não:

. encontrou urna forma prática de conciliar a necessidade deum procedimento justo com a necessidade de um processorápido ... (p. 1.5)

Assim, quando o juiz usa a tabela de condenações, o ato a serclassificado não é o que comprovadamente foi cometido pelo

I Escreve a Comissâo (pp. 1.4.1.5):Uma das questões mais importantes que a Comiss:1o teve que decidir foi se as sentençasdeveriam ser baseadas na conduta ,:lIu.11do réu em relação às acusações pelas quais foiindiciado ou dec13rndo culpado (sentença do "delito real"), Oll na conduta que consti.tuiu os elementos do delito pelo qual o réu foi acusado c pelo qual foi declo.rado culpado(sentença pelo "delito de acusaçâo"). Um ladrão de banco, por exemplo, pode ler usadouma anna, assustado os clientes, levado US$ 50 mil, ferido um caixa, ignorado <l ordempara se deter e fugido, danificando propriedade duranle a fuga. Um sistema puro de delitoreal condena-lo-ia com base em toda a conduta identificável. Um sitema puro de delitoignoraria alguns danos que nao fossem elementos estruturais do delito.

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A MODERNIDADE E AS DECISOES

réu, mas aquele que réu e promotor concordaram dizer que oréu cometeu - se ele tiver a gentileza de confessar e assim ga-rantir uma simples e rápida sessão do tribunal.

Langbein CI978) aponta duas conseqüências deste sistema.Primeiro, concentra enormes poderes !lO lado da acusação (p. 18):

Nosso direito proeessu'll visa a uma divis,)" de respousabilidades. Esperamos que o promotor tome a decisão de acusar. queojuiz e espeeialmente Il.lLIrijulguem. e que o juiz de a sentença .1\ negnciaçflOjullta as fases acusalüria, deCIsória c condenatóriado processo nas mãos do promotor.

Radzinowicz e Hood concordam totalmente C1981, pp.142-143):

Uma reduçno drástica dos poderes discricionários do Judiciá-rio e sua supervisão por uma comissão irão reduzir o papel dojuiz no proccsso crimmal c aumentar o poJer dos promotorespúblicos.

Mas, para conseguir forçar o réu a confessar, algo terrível temque acontecer se ele nào quiser Fazê-lo. Nas ralavras dcLangbein Cp. 12):

Na América do século XX, repetimos a experiência central doprocesso pcnal da Europa da Idade Média: passamos ele umprocesso ele acusação para um processo dc confissão. Coa-gimos o acusado a confessar sua culpa. Certamente, nossosmeios são muito mais clelicados; não torturamos, não esma-gamos polegares. nem usamos botas espanholas para csma-gar suas pcrnas. Mas, tal como os curoreus dos séculDS pas.sados que nno cmprcgrlram C%.\S m;~lqLJinas. cobramos umpreço muito alio ao acusado quc usa o direito à salvaguarelaconstitucionaj dojulgamelllo. Ámeaçamo-Io dc aumcnt"r aspuniçües sc elc se faz valer de scu dlrcito e depois é co nele-JI,. nacl~.,A diferença de penas é o que faz () e/c:; b:I/;!;/lJll/I)j!co-

~ crcltlvo.

E numa nota de pé de página Cp. 17), ele questiona se o siste-ma dc p/ea bargaining ê responsável pela severidade das pe-nas nos Estados Unidos.

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A INDÚSTRIA 00 CONTROLE DO CRIME

Nos séculos XIX e XX, quando os europeus suavizavam suaspenas, nós não fazíamos o mesmo. É tentador nos perguntar-mos se os requisitos do sistema de piei! bargEIIIIIII,r; foram decerla forma responsáveis por isso.

8.6 Despersonalização

A decisão política de eliminar as preocupações em rclação aoambicnte social do réu envolve muito mais do que relevar es-tas características no momento de decidir a pena. Por esse prin-cípio, o réu é em grande parte excluído enquanto pessoa. Nãofaz sentido expor seu ambiente social, infãncia, sonhos, fracas-sos - talvez misturados com algum vislumbre de dias felizes-,vida social, todas as pequenas coisas que são essenciais parauma percepção do outro como ser humano completo. Com oManual de Sentenças e sua principal conseqüência, a Tabelade Sentenças, o crime é padronizado em Níveis de DeIiIO, a vidada pessoa em POntos de Histórico Criminal, e a decisão sobrea pena reduz-se a encontrar o ponto de connuência das duas li-nhas. A decisão correta se transforma num ponto no espaço enuma pena.

O processo penal assemelha-se, assim, à descrição da vidaeconõmica feita por George Sim mel (em 1950). Para ele, o di-nheiro se transforma na unidade condensada, anti-individua-lista, que torna possível a vida moderna. Sua preocupação éque a modernidade destrua a autonomia e a individualidade.

... a individualidade dos fen6menos náo correspondc ao princí-pio pecuniário.

". Estas características precisam também colorir os conteúdosda vida e favorecer a exclusão dos traços irracionais, instintivos,e dos impulsos que visam a delerminar o modo de vida interior,em vez de acother a forma geral e esquematizada da vida exte-rior (1'1'.409-413).

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A MODERNIDADE E AS DECISÔES

Para os efeitos da scntença, o réu também poderia não com-parecer ao tribunal. Tudo se relaciona com o ato c com os atosanteriores definidos como crimes. O réu tem oportunidadesmínimas de sc aprcsentar como um membro comum e, portan-to, peculiar do universo da humanidade.

Este sistema decisório tem também a conseqüência óbvia decriar uma distáncia em relação à pessoa a ser julgada. Quan-do os atributos sociais são eliminados, éria-se um sistemaaparentemcnte "objetivo" e impessoal. O dano é a unidademonetária - dano cujo prcço é a pena. É um sistema que seharmoniza com os padrões burocrálicos normais, c ao mes-mo tempo extraordinariamentc bcm ajustado aos dctento-res do poder.

A distáncia pode ser criada fisicamente, através de uma armade longo alcance, socialmcnte, através da classe social. pro-fissionalmente, pcla incapacidade de ver a pessoa no seutodo, como ela seria vista como vizinha, 3miga ou amante.Numa estrutura hierárquica, cna-se uma dlstáncia maioratravés da atuação de acordo com ordens. A làbela de Sen.tenças é esta ordem que vem de cima. O juiz pode ser me-nos rigoroso. Pode entender o que é uma vida na miséria.Mas a Tabela está lá.j,amento, mas O seI! nÍyel de conde-

•. nação é o 38. Nào é uma decisão pessoal minha, apcnastenho gue aplicá-Ia

Com cste sistcm~ de penas, as autoridades têm um controleconsideravelmente maior cio que antes. Foi desenvolvido umsistema de registro de lodas as condcnações. c ainda mais estápor vir O\elat6rio Anual da Comissão de Scntenças dos Esta-dos Unidos, 1989). Assim, se avança um passo mais, um pas-so que se afasta da possívcl identlficaçào com o réu, um passoquc se aproxima das autoridades ccntrais .

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

A Comissão de Sentenças não foi criada em alguns dos esta-..,- .•dos .dosEstad0s .UnidoséMinnesota, Oregon;Pensilvãnia-e '~~.'

Washington. Minnesota é visto de maneira geral como umexemplo de sucesso (e.g. Hirsch 1982), enquanto Tonsry (1991,p. 309) considera a comissão federal um desastre. Mas os prin-cípios básicos por trás de seus trabalhos parecem ser os mes-mos. Eles criaram suas tabelas simplistas, baseadas em tiposde crimes c números de condenações anteriores, c a rcspostaestá dada.'

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1 Num documento com o soturno título "Regressões Penais" J Ratizinowicz (1991 a)diz o seguinte: _. _

Considero que :lS Comissões-de- Sentenças fêm 'imperfeiçóes de um iipo ou ~_.-_.outro, Elas n~o deveriam ser vistas como uma solução para os problemasque enfrenta a politica contemporânea de dctcrminaçt'1O das penas ... Acon-selhar - sim, mas n:lo direcionar (p. 434).

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- . -- __ __,~~~C:;élpítulo9 ._Uma justiça empresarial?

--- -,~..•.- ....• _- ..•••.: ......•• --.- ---_ .. - -- "-As piadas da revista New lÍJrkersão por vezcs incompreensí-vcis para os europeus. Não compartilhamos do mesmo ambientecultural e nem scmprc comprcendemos seus símbolos comduplo significado. Os símbolos culturais sõ podem ser cntcn-didos no contcxto de uma expcriéncia compartilhada.

A maioria das pessoas de nossa época, e dos dois lados doAtlãntico, conhece o símbolo da Justiça, uma imagem de mu-Ihcr cheia de significado. Numa mão,ela segura uma balança.Na outra, urna espada. Na maioria das vez~, ela tem os olhosvcndados e veste roupa branca.

Mas este símbolo não tem importância para todo mundo. Tal-vcz possamos entcnder mclhor a Ici se olharmos para os siste-mas sociais onde ele não tcm qualquer importãncia c os com-pararmos com os sistemas ondc clc tem um significado quasesagrado. Vamos comparar três tipos de organização icgal: aJustiça da Aldeia, a Justiça Representativa e a Justiça Indcpen-dente. Vamos faz.er uma dcscriçâo Ideal-típica, numa tcntati-va de esclarecer algullS princípios gerais que estáo por trás ciossistemas jurídicos.

9,1 A Justiçádá aldeia

... scria um sistema onde o símbolo da Jlistiça não tivcssesignificado.

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UMA JUSTiÇA EMPRESARIAL?

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--.....riammuitas vezcs, mas não sempre, nessa posiÇão, Foi a Jus--_-" [içacie,uma éjíocague há omilo o('obOlI Mal .eus-;'CS.lig~-ãmda subSIstem, ,

làis vestígios podem ser encontrados no termo":juízes de paz",Quando a autoridade não era forte e nem distante, era neces-sário encontrar soluções aceitáveis para as partes,J\arantir a

'~ pa~ Quanto mais perto os que decidcm estiverem daqueles queparticipam do eonflito, mais importante isto sc torna, Com apaz, o pacificador assegura tanto a honra quanto lima vida

,_".melhor, Ele sabe, por isso, qual a importância de se chegar a.um acordo, Mas os pacificadores não podem ter os olhos vcn-dados, Pelo contrário: ele ou ela precisará de todo o bom sen-so para encontrar o que poderá ser um ponto de entendimen-to, onde as partes podem chegar a um acareio, E a espada seriaum equipamento absolutamente inaeimissível, porque simbo-liza o uso da força,

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9.2 Justiça representativa

~a aldeia, o símbolo da Justiça é irrelevante, Ele não pode serentendido, Mas os filhos da modernidade também podem terdificuldades com esta imagem, particularmente se forem con-victos defensores da democracia, De acordo com muitos va-Iares, é natural considerar-se como uma coisa boa que a insti-tuição da lei esteja próxima às pcssoas, Isto pode ser feito deduas formas:

a, os juízes e promotores são eleitos democraticamentc, ou

b, os legisladore~ témllma influência sobre o que acontece nostribunais,

Uma maneira de operacionalizar a primeira forma é apresen-. tar.a-J ustiça para uma eleiçãO direta, convertê-Ia em juiz elei.-to, Isto soa democrático, e ainda mais se o promotor do dis'trito e o chefe da polícia também forem eleitos. Se eles não'I

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A INDUSTRIA 00 CONTROLE 00 CRIME

Em primeiro lugar por que eSlaria G()PJ os olhos vendadm-n:l-aldeia? J magineuma.aldeia com,autonomia suficiente para ....decTiilr sobre seus conflitos internos, com uma longa história- pelo mcnos suficientcmcnte longa para ter estabelccido nor-mas para o ccrto e o errado - e com rclações relativamenteigualitárias cntre as pessoas, Num sistema eom.o...este,a lei se----- -~----..tiJl-da resl~sabilielade ele toelos os aldeãos adultos, Eles eo-

. nheceriam as regras através da participação, Mesmo se as de-cisões legais fosscm até certo ponto formais, a propriedade dosaber.legal não seria monopolizada . .Pelo fato de viver,na al-

- 'deia, to-dos eSiariillnap'aré serianlpartiêipantesll;iiurãisdas -decisões, Não seriam decisões simples, Como não haveria es-pecialistas, também não haveria uma pessoa com autoridadeclara para delimitar o volume ou tipo de argumentos, As dis-cussões poderiam demorar dias, Velhas histórias seriam reno-vadas, decisões antigas seriam passadas adiante. Num senti-do fundamental, um tribunal de aldeia como este iria operarmuito próximo aos aldeãos, Todos participam freqüentemente,todos têm conhecimento relevante, e todos têm que convivercom as conse-qüências de suas decisões, Mas esta deseriçãotambém torna claro porque o símbolo da Justiça não se bar-moniza com o estilo da aldeia, A Justiça está aeima de todos,.•..Vestida de branco, ela nunca fOl tocada e é intocável, não éparte do todo, E também está vendada e com uma espada,numa situação onde tudo é relevante - onde tudo deve ser vis-to - e onde uma espada é inadmissível, já que ela poderia provo-car conflitos, com risco de destruir a aldeia, Onde não há autori-dade, precisa haver consenso, A Justiça da aldeia, por isso, tendepara soluções civis: compensações e compromissos - em vez dedicotomias culpalinocência e castigo para o perdedor,

Estas são as características principais, Mas deixem-me acres-centar rapidamente: aJustiça da aldeia não é necessarjamen-~'''justa'', Em particular, ela daria pouca protecão aos que não,tivessem poderes e boas relações na aldeia, As mulheres esta-'-_-.:._---------- --------

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

atuarem de acordo com a vontade do eleitorado, podem serafastados do cargo na eleição seguinte.

Mas por que, então, manter de olhos vendados o símbolo daJustiça? Seria uma contradição trazê-Ia para perto do povo,mas cega aos seus argumentos. A idéia gue está por trás devendar a Justiça é. evjdentemCQle, tOf.JláJa.Q.Qjetiva, evitar gue

~vela e seja innuenciada pelo gue não deveria ver. Mas serdemocraticamente eleita significa que a Justiça pode ser des-tronada se não decidir de acordo com o pensamento do elei-torado. Chegamos a uma contradição. A Justiça próxima aopovo - mesmo a Justiça que idealmente representa o povo - éao mesmo tempo ajustiça sob o controle máximo do povo. Éa Justiça da aldeia, onde o símbolo da Justiça não tem lugar.Mas ela também fica deslocada participando de uma eleiçãomoderna. Para sobreviver às eleições, ela precisa ouvir e ver.Além disso, na realidade das sociedades modernas, ser demo-craticamente eleito não significa representar todo o mundo.Menos de 50% participam das eleições. Uma vitória significarepresentar a maioria dos que foram votar. Muitas vezes, issosignifica representar 1/3, mesmo '/4 da população, não a tota-lidade, e nem particularmente os pequenos grupos que podemser diferentes da maioria, no estilo de vida ou em alguns valo-res básicos. Estar próximo ao povo, nas nossas sociedades,significa, assim, estar apenas próximo de um segmento dessapopulação. Ao mesmo tempo, significa estar afastado em si-tuações em que cabe à Justiça decidir entre valores que sãoimportantes para o conjunto da sociedade. Isto acontece par-ticularmente nas sociedades onde os meios de comunicaçãoexercem grande innuência,junto com as pesquisas de opinião.Os meios de comunicação prosperam graças ao crime e dãouma imagem distorcida do que está acontecendo. E as pcsqui-sas refletem as opiniões superficiais que resultam dessadistorção, que por sua vez fortalecem as tendências dos meiosde comunicação.

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UMA JUSTiÇA EMPRESARIAl:i

Mas o símbolo da Justiça é também um anacronismo para ascgunda forma ondc o que acontece nos tnbunais é controla-do em detalhes milimétricos pelo poder legislativo. Aqui tam-bém esse controle parece estar muito correto, de acordo comos ideais delllocráticos. lodo o poder ao povo, ou seja: o po-der deve ser mais do legislativo do que dos juízes.

E, é claro, é tarefa do legislativo fazer as leis, e sempre foi as-sim nas sociedades que se vêem como democracias. O proble-ma real tem a ver com o nível de especificidade áessas leis. Umalei pode estabelecer:

o roubo é um crime que tem que ser punido,

ou

o roubo é um crime que tem que ser punido com pena de pri-são de até três anos,

ou

o roubo é um crime que tcm que ser punido com pena de pri-são de dois a três anos,

ou

o roubo do tipo 19 é um crime que tem que ser punido compena de prisão de 30 meses.

O decano do Direito Penal escandinavo, Professor Johs.Ademes, disse o seguinte num artigo recente (1991. p. 386, atradução é minha);

Pessoalmente, sou um crítico das mudanças nas relações entreo legislativo e o judiciário que signifiquem uma regulamentaçãodetalhada dá atuação dos tribunais ... Numa democracia políti-ca, nada pode serdito eontra o direitodc os legisladores dCCldircmsobre valores básicos, tanto no que se refere ao quê criminalizarquanto ao rigor da punição. Mas é difícil, ao nível doIcgislativo, criar uma concepção clara c realista dos fatos queos tribunais vão encontrar em casos individuais e concretos .Frcqüentemcnte, pessoas comuns reagem de forma diferente

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9.3 Justiça independente

As crianças aprendem as regras pela prática. Qs aldeãos nossistemas de pequena escala h~am os princípios básicos do _

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

quando conhccem um caso mdividual ou quando fazcm decla-rações gerais sobre crlmc c castigo. Não há motivo para acredi-tar que isto não seja tamhém verdade no caso cios parlamenta-res.

Adena:s provavelmente pensava nos juízes leigos ao fazer estaafirmação. Vemos muitas vezes, e isso é confirmado na litera-tura, que estes tendem a ser mais indulgentes em relação aoscriminosos do que os juízes com formação legal. Eles podemdefender uma política criminal severa, mas logo fazem exce-Ção quando encontram um réu de um caso especial. Há tantascircunstâncias particulares neste caso; basicamente, o réu erauma pessoa decente, não um "verdadeiro" criminoso; ele ouela sofreu tanto na vida, que uma punição severa seria muitoinjusta.

As Tabelas de Sentenças criadas pelas comissões de sentençasrepresentam o caso extremo da Justiça Representativa. As pe-nas são completamente controladas pelos políticos c o juiz é,em última instãncia, impotente quando se trata de decidi-Ias.O juiz não tem libcrdade para considerar o caráter particularde qualquer caso. Os tribunais podem decidir sobre fatos con-cretos: o réu cometeu ou não o crimery Mas toda a questão dosfatores atenuantes ou agravantes escapa ao seu domínio. Nestasituação. a Justiça não precisa ser vendada. Ela não tem nadapara ver, exceto a làbela. As autoridades centrais, na forma daComissão de Sentenças, já decidiram. E não há necessida-de também para a balança. A pesagem também é feita pelaTabela. A tarefa foi simplificada. Não admira que as coisasse acelerem, um avanço da modernidade. Mas a espada émais fácil de usar do que nunca. Uma espada guiada pela

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UMA JUSTiÇA EMPRESARIAL?

~istema legal c depois - num pr~cesso de participaç⣠geral-J;9llJimJ.am o jogo. ~uas discussões s[(o para esclarecimento dasnormas. Lentamente, traz-se à luz do dia um caw muito com-plicado. Os argumentos são apresentados. acolhidos ou rejei-tados, ganham pena ou são modificados. O processo é maisdo que uma simples pesagem na balança da Justiça. (~um pro-cesso que envolve penetrar nos fatos e compará-los com asnormas. O que ocorre é uma espécie de cristalizaçáo dos vaia-res, um esclarecimento para todos sobre os valores básicos dosistema.

-]ribunais tradicionais ainda têm raízes nesta tradição. Um juiznão é livre como uma criança para decidir as regms, nem livrecomo um aldeão. Esta espéCie de juiz é guiado pela lei c pdotreinamento, se ele for um Juiz profiSSIOnal. Mas há uma cel tamargem para o inesperado, para aquelas questões sobre asquais ninguém tinha pensado, antes de se tornarem óbvias aoserem formuladas.

Mas, basicamcnte, este processo l~antic!emocrático. '7es( cs e IPO nao estão próximos das pessoas, como na aldeia, oudirigidos pelo povo, como no caso da Justiça Representativa.li termo que usamos é juiz independente. Essa inc!epenclénciapode variar. A independência mais extrema ocorre quando osjuízes são selecionados por um corpo de outros juízes. quan-elo têm cargo vitalício. quando todo n processo de apelação ficaem suas maos, e quando são protegidos elo resto da sociedadepela Iiqueza ou pelo cargo.

l~ fácil entender ilS'críticas democráticas a este tipo de juiz. Asinstruçôes detalhadas do Parlamento ou ela Comissão de Sen-tenças são um tipo de resposta, uma tentativa de exercer con-trole sobre os Juízes. As pesquisas de opinião são outra tenta-tiva. Elas transmitem os pontos de vista da população. quepodem ser usados como criténo para definir a puniçào justa.Mas nas pesquisas as questões não são suficientemente

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Pode-se ver a adaptação nas mudanças físicas que ocorreramdentro das salas dos tribunais. Lentamente, estas salas loma-ram a lorma do escritório de um diretor de uma grande empre-sa. As togas sumiram, Os velhos quadros 11;15 parceles fbraiifsubstituídos por modernas litogralias, as expressões licarammais diretas, a disposiçno elas cadeiras mais ;HJequacla aos pro.

Como foi formulado em comentários sobre este livro escritospor Flemming Balvig:

I: fácil entender ~ impaciência do ~drninistr~dor. Comp~r~dos,CDJIIDSmecanismos de t()l1lacla de decisCles.da indústria mo-.dcrn~, os Iribunais parecem arcaicos. Nos tempos modernos,eles esino deslocados c rrecisam ser JIludados.

Isto é exatamente o que está acontecendo.

O sistema norte-americano dc J usti\'a vem passando por mu-danças revolucionárias nestes últimos anos. Mas o país pare-ce nüo tomar conhecimento de sua própria revoluçüo. ~jao éde se espantar. A primeLr~ revollJção)nduslrial chegou eOm o

"'barulhüc a fumaça dasliláqüinas; impossíveis 'deignor:li-, Mas--a característica da produção modern~ e do presente processorevolucionário é o seu silêncio. A maioria ocorrc no plano sim-bólico. O dinheiro é movimentado através de pequenos sinaiseletrônicos. Em grande medida DS produtos süo símbolos, pa-lavras, perspectivas, novas formas de conceber e organizar avida. A revolução recente tem uma aparênci:l suave, é pacíficae promete conforto para muita gente,

Na área legal, o sistema de lei e ordem se está adaptando deforma silenciosa mas eficiente à modernidade, preparando-separa ser um filho da industrialização, Agora os valores centraissão a definiçno dos objetivos, o controle da produçáo, a redu-ção de custos, a racionalizaçno e a divisão de trabalho, tudocombinado com a coordenação de todas as ações a um nívelsuperior de comando. Voltamos a Max Weber e a um sistemaaltamen te eficiente dc atingir esses objetivos claramente definidos,

UMA JUSTIÇA EMPRESARIAL?

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE 00 CRIME

9.4 A revolução silenciosa

Não admira que os administradores modernos saiam muitasvezes indignados das salas dos tribunais. Podem ter ido lá comotestemunhas, como vítimas, ou acusados de um crime. E en-contram as formalidades: togas, provavelmente todo mundotendo que se levantar quando o juiz entra, talvez juramentoscom a mão sobre a Bíblia. Depois, o ritmo lento, a documen-tação detalhada, as repetições infindáveis, até tudo acabar -ou.assim pensa o administrador-, até descobrir que se passamsemanas, ou mesmo meses até que um veredícto seja' dado.,

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aprofundadas; nos dias de hoje elas são apenas renexos páli-dQsd()s este[ç9ti)J2S sIiadg~ p~la m!ç1i~",ili ÇJ\!,estionários náo_são respondidos sob o fardo da responsabilidade. Os verda-deiros testes das opiniões são os atos, Atos concretos. É atra ..vés da participaçáo responsável das pessoas comuns cm deci-sões concretas sobre punições que podemos observar seusprincípios de Justiça. Só conseguimos conhecer as visões queemergem do processo de participação quando as pessoas têmque decidir sobre a pena, e de preferência quando têm queexecutá-Ia elas mesmas.

-T.llvez-devãnlüs'acêiiãrcjuenão háSãídã.llllvez aalltigã' idéia ~de haver alguma diS!âncja entre QS~QQsr@£ExeclJ'iYQ,Legislativo e Indiciário.dcya ser resgatada. E, nesta situação,a idéia do símbolo da Justiça ganha um significado. O juiz an-

;;;JJ tiquado é uma pessoa livre, mas há limites. Em princípio, aI-

o AIJu/J clsoes não estao à venda. E aquI que entra a venda da Justiça.1~ltlU' Ela não deve ser innuenciada por coisas irrelevantes - dinhei-ro, hgações, parentesco. Ela tem que se manter hmpa - bran-ca, e ela precisa da balança. Sua tarefa é complicada. A ques-tão central das lutas legais sempre foi sobre o que deve serposto nos pratos da balança. Primeiro, que tipo de argumen-tos são admissíveis e depois que peso deve ser dado a eles.

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UMA JUSTiÇA EMPRtSARIAI.7

E nas páginas 1-2:

O li'ibunal de Apelaç~o publicou lima oricntaç~o, acolhida peloGo.verno,para as sentençaspf()fer.idas em relaçãoa.alguns'dos ,

._,.,- ""(Iclitosmais-sÚiõSjll!g:idÔs no Triburlal da Coroa. A Associa-ção dos Magistrados P[Cparoll-GtiUl1..1ÇÕcSprovisórios p;l1=a-.as processos julgados RQS tribunais Contudo, ainda há muitaincerteza e poucas orientações sobre os princípios que deveriamorientar as sentenças. h1mbêm há muita incerteza em relaçãoao livramento condicional dos presos,

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,:i, - f O governo está, assim, propondo critérios legais novos e mais

Jf(:.,. coerentes par~ a determinaç~o das penas que se baseia nas£!i-

. i cntações do lrrbunal de Apelaçno,~--------------"d: r O objetivo das propostas do Governo é melhorar aJustiça atra-i j vês de uma abordagem mais consistente em rclaçãQ às penas,II de forma a que os criminosos recebam sua 'punição justa'. A11 severidade da sentença deve ter uma relação direta com a gra-i j vidade do delito,:~ .li! Mas ainda há limites para a interferência do Governo na In-I ' glaterra e no País de Gales (pp. 8-9):ii

,1 A legislação sorá expressa em lermos genéricos, Não é intenção1'1 do Governo que o Parlamento limite o tribunal com orientaçôcsI legislalivasestrilas, Os tribunais mostraram grande habilidade para!. decidir em casos excepcionais, Os lribunais continuarão tendo o~;c,_._.. ~- . amplo arbítrio que precisam ao terem que lidar de fonnajusta com11 uma grande variedade elecrimes, O Governo rejeita parâmetros~~ ~ legais rígidos, selMlhantes aos que foram introduzidos nos Es-H~1'I,fi

A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

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Repetimos: o que acontece nos Estados Unidos também ocorreem 'outros lugares, Mesmo a Inglaterra e o País de Gales estão

, caminhando em direção a um controle mais centralizado docessas de decisão. O computador ganha seu lugar naturaL A ; Judiciário. Recente documcnto oficial sobrc a Criminalidade,Imagem do poder~olene, d"asvclha~!radlções ~ ~~JustIÇ~ f(j;.. .....~~v'.,'~.Justiça e Proteção ao Público' (M inistério'ôcniiicrior,"1990),'ram sIibstituídas pelo conflito c pela eticiêncin. : aplaude o modelo da punição merecida, Ele vem como primei-

Pode.se observar a adaptação também na prodUÇão do siste. .: ro ponto no resumo das principais propostas do Governo:ma penal. Ela é mais rápida, mais pessoasyod:m serjulgadas í1; _ uma orientaçãolcgislativn coerente para o Julgamento, com acom menos esforço do que antes, As declsoes sao mais umfor- j' sevendade da punição correspondendo ~ senedade do cnme,mes, Atos semelhantes, vistos como crimes, são punidos mais I iigualitariamente, Para os que definem a Justiça como igualda- !ide, e a igualdade como algo que se obtém quando todas as I.!pessoas, com o mesmo registro criminal, e que ÇQmeterem o J

.---'--~--~ ----~-. -. --_._, .••-_.~._-_ ...•••.. ..,.ji.,mesmo ato,-recebem limesmo tipo de pena, o IlÍvel de justiça I,Jaumentou, A previsibilidade do sistema também aumentou, ;'1Qualquer criança pode ler a Tabela de Sentenças, encontrar o .nível de delito atribuído aos atos sendo julgados e decidir semerecem a pena,

Os maiores gargalos foram eliminados, O plea bargainingga-rante confissões rápidas e os manuais que determinam as sen-tenças garantem decisões rápidas sobre a punição, Isso criapossibilidades ilimitadas para as ações judiciais, Os manuaisdevem ser logo computadorizados, se é que isso já não foi fei-to, Com todos os fatores relevantes incluídos, um secretáriopode preparar tudo até o ponto de o juiz apertar um botão fi-nal estabelecendo os parãmetros da pena - e em breve, semdúvida, também a alternativa preferida dentro dos parãmetros,

'velocidade, responsabilidade, similaridade, mensagens clarasaos criminosos em potencial, um sistema que oferece um con-trole facilmente operado pelas autoridades centrais na formade uma Comissão de Sentenças que está sob o controle de re-presentantes eleitos pelo povo, tudo leva à perfeita adaptaçãoà modernidade,

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Page 90: A Indústria do Controle do Crime - Nils Christie

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UMA JUSTIÇA EMPRESARIAL?

cumprimento do dever. A vítima não é o personagem princi-pal da ação. O processo é dirigidº-por p.essoas q~~Alz~'-l1Ie:

-I)!~Scútar aspafles. A clistiírÍcia -;,iJ relaçjoà vítimâ pode serum dos motivos para a sua insatisfação e para as freqüentes afir-mações de que os el;minosos livram-se da cadeia muito facilmente.Os pedidos ele penas mais severas podem ser uma conseqüênciada falta de atenção ã necessidade que as vítimas sentem de darvazáo a suas emoções, mais que a desejos de vingança.

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Uma forma de corrigir isto seria dar à vítima uma posição mais_. __ , _ sel!t!'aJno processo e, ao mesmo tempo, reduziro aspectouti .. __

r _. Iitário de toda a operação. Em outros trabalhos, tentei com-parar cólera e dor (Christie 1987). A morte é uma ocorrênciaque provoca dor extrema. É legítimo expressá-ia nos funerais.Que eu saiba, ninguém ainda se atreveu a tentar alterar estasituação. Não há propaganda nas paredes do crematório: "Seele não tivesse fumado, não estaria hoje aqui." Os funeraispodem ser um dos poucos espaços q~e restam onde se podeter um comportamento expressivo.

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Durante muito tempo, 0â tribunais se adaptaram muito mal àexpressão de sentimentos. Com a modemidade, eles vão elemala pior. As instruções detalhadas para as sentenças, particular-mente as computadorizadas, podem ser tão estranhas ao pro-cesso de julgamento quanto o seriam na interação entre o pa-

I'., dre e o pecador. A vingança regulamentada por uma tabela, ou't pelo ato de pressionar um botão, representa mais um passo de\,1,~:/. afastamento em relação a uma situação em que a cólera e a(\' dor podem expressar-se legitimamente: O sistema passou de,( _ um ritualismo e~pressivo à eficiênCia adi11ll1lstratlva. Pa

\( explosão das estatísticas dos Estados Unidos pode estar rela-I cionada a uma espécie de incompreensão interinstituciona1. A_J-__._ÍIlstjtuição da lei chegou muito perto da política, ao nJeSn10 _ .I tempo que o pensamento utilitarista, emprestado da institui-,. Ção da produção, parece ter ganho um domínio absoluto.

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

9.5 Comportamento expressivo

@odernidade é racionalidacl~ Mas alguns aspectos do crimevão além da racionalidade. Para a vítima, o caso - se é sério-acontece uma só vez. É um assunto muito carregado de emo-ção. Se o crime é entendido como grave, a vítima pode ter sen-timentos de cólera ou mesmo de dor. Nenhum tribunal- excetoos da aldeia - é bom para lidar com estas emoções. Na sua -maioria são enfadonhos e orientados estritamente pa'ra o

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-v--""" 1.." '1.,.,. ..I~1 ,j""" lii tados Unidos, ou um sistema de pcnas mínimas ou compulsó-V ,i ! rias para ccrtos delitos.Isto tornaria mais dil'ícil.w:0l'rrir uma;'>. i~ -c sentença justa e_':l:.asos excepcionais. D~~,I.t.'1I~é,'nma:~enl ...::> ,'1 a que os Juns absolvessem mais réus, tendo como resultado mais.. ih; homens c mulheres culpados libcrtados injustamente.

;' ;. " Assim, dois passos para frente e um para trás na Inglaterra eno País de Gales. Mas o eargo de Procurador.Geral é novo

~, nestes países. Através de apelações sistemáticas, ele irá prova-O, velmente conseguir uma uaiformização maior das penas e -Q i pelo que se deduz da documentação oficial- representar uma~. _, press~~~~. direç~o_dem~terializar as idéias dajusta punição.~- ._,..._ ....-.-0 G vemo também-promete.tomar medldaspara.tretllar.os-:> ....juízes de forma a utilizarem as no s po mcas e condenação

~ e uma interpretação mais detalhada da legislação pelo Tnbu-:) nal de Apelação. E mais::> As novas providências legislativas, as penas máximas para cadaj delito, a orientação do Tribunal de Apelação e do novo poder

, atribuído ao Procurador-Geral, de submeter ao Tribunal de~ Apelação condenações demasiado indulgentes para delitos mui-~ to graves, tudo isso deveria contribuir para o desenvolvimento.

de uma prática homogênea de condenações, que pode ser dis-:) seminada nos tribunais pelo Departamcnto de Estudos Judici-=> ais. Com este (o itálico é meu) quadro, o Goyerno não vê::.> necessidade de um Conselho de Sentenças para desenvolver uma

JloUtica ou orientações para a detcrminaçjlO das pcnas...g Talvez o passo atrás tenha sido apenas um meio-passo.

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10,1 Um manual para decisões sobre distúrbios mentais

Na psiquiatria ocorre o mesmo que no Direito Penal. Tambémhá um manual, ncste caso o Manual para Decisões sobre Dis-túrbios Mentais (DDM-IlI-R, 1987).

O manual psiquiátrico em muito se parece com o da Comis-são de Sentenças. Eles são parecidos no fato de ambos seremgrandes: o psiquiátrico com 467 páginas, o de sentenças com687, Também são muito parecidoslpela forma como foram fei-tos. Ambos são produtos de longos e enfadonhos processos emgrandes organizações próximas ao poder político e profissio-nal. () manual de sentenças é o resultado da~hde políticado ~llates entre profiSSionais edo rocesso burocrático n' ró ria C ssão. manua edistúrbios mentais é resultadJul )olíticas pro issioha~., sorganizações por trás dos manuais são, em ambos os casos,hierarquizadas. As organizações mais importantes por trás domanual de distúrbios mentais são a Associação Americana dePsiquiatria em cooperação com o Instituto Nacional de Saú-de Mental e com a Organização Mundial de Saúde. Abaixodelas está o grupo de trabalho central e, mais abaixo, cerca de26 comitês consultivos com mais de 200 membros eleitos-combase fi'a sua experiência em áreas particulares .Nos dois casos foram feitos grandes esforços para que estives-sem representados amplos segmentos de especialistas. Desde

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Page 92: A Indústria do Controle do Crime - Nils Christie

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE 00 CRIME

o início, a Comissão de Sentenças investiu muita energia paradescobrir que tipos de penas eram normalmente dadas aosvários crimes, Listaram um número enorme de decisões legaise calcularam tendências nacionais. Essas tendências foramentão usadas como uma importante fonte para o manual. Anorma estatística se tornou a norma legal. Os psiquiatras, poroutro lado, se apoiaram mais no trabalho cios subcomitês. Elescleram grande importãncia ao consenso (p. XX):

Freqüentemente, as decisões tomadas por um comitê consulti-vo tiveram que ser reconsideradas, quando os detalhes das pro-postas foram trabalhados nestes pequenos grupos; em algunscasos, as decisões do comitê consultivo foram o resultado deum consenso que emergira entre seus membros. Contudo, al-gumas controvêrsias, particularmente nas áreas da infância,psicose, ansiedade e distúrbios do sono, só puderam ser resol-vidas por membros do comitê com direito a voto.

Assim, os dois manuais têm uma espécie de base empírica. AComissão de Sentenças usou as decisões legais como dados eestabeleceu, a partir dessa base, padrões gerais. Os psiquiatrasestabeleceram padrões de acordo com as decisões a que chega-ram numerosos comitês .•NãO é surpreendente que os dois manu-ais, produzidos nessas condições, não sejam teonco~. O manualpsiquiátrico considera as teorias pouco práticas (p. XXII!):

A principal justificativa para a abordagem não-teórica no DDM-l1l c no DDM-IJI-R com relação à etiologia é que a inclusão deteorias etiológicas seria um obstáculo ao uso do manual porclínicos de várias orientações teóricas, já que não seria possívelapresentar todas as teorias etiológieas razoáveis para cada dis-túrbio.

Mas acrescentam, delicadamente (p. XXIV):

Note-se que a abordagem nao-teórica geral do DDM-IlI-R,sobre as classificações e definiçOes dos distúrbios mentais, nàoquer dizer que as teorias sobre a etiologia dos vários distúrbiosmentais não tenham importância em outros contextos. Na for-mulação de planos de tratamento, muitos clínicos consideram

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LEI PENAL E PSIQUIATRA: IRMÃS NO CONTROLE

útil ser guiados por teorias etiolõgicas. Da mesma forma. mui-loS estudos de rc~qllisa sflo feitos para testar várias lConJS sohreclctiulogia dos distúrbios 1l1cn1<Us.

*Em seguida, o conteúdo: um ponto de particla natural é o cri-tério de diagnóstico, na página 55, para definir desordens cleconduta:

Unw pcrturbaç~o de condu la estcndendo.se pOr', pelo 1l1cnus,seis meses, dur ..ll1tc a qual se apresentaram, relo menos, I rês dosseguintes casus:(I) roubou, sem wnfronto com a vítima. e1l11l1aisde lima oca-sião (incluindo falsificaçflo);(2) fugiu de casa durante a noite pelo menos doas vezes, quan-do vivia na casa dos pais ou dos pais adotivos (ou uma vez semvoltar para casa);(3) mente freqüentemente (em ocasiões que não scjam para evi-tar abuso físico ou sexual):(4) começou deliberadamente um incêndio:(5) falta mUItoi1saulas (para pessoas mais vclhas. falta ao tra-balho);(6) invadiu uma casa, cdifício ou carro de outra pessoa;(7) deslruiu delibcradamente a propriedade- de outrem (pormeios distintos de incêndio);(8) tratou animais com cl'llcldade física;(9) forçou alguém a atividade sexual;(10) usou uma arma em mais de uma ocasião;(11) inicia freqüentemente lutas físicas;(12) roubou, com confronto com a vítima (por exemplo, assal-to, roubo de bolsa, extorsao, assalto à mao armada);(13) utilizou crueldade física com pessoas.

•Numa descrição mais geral, a dcsordem de conduta é descritacomo segue (pp. 53-54):

A característica essencial desta desordem é um padrãO persis-tente de conduta no qual sào violados os direitos b;isicos deoutros e as regras ou normas sociais próprias da idade. Este

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

padrão de comportamento se apresenta em casa, na cscola, comoutras pessoas e na comunidade, Os eroblcmus.ili; ~onduta s~omais sérios do que os observados-nas Desordens d;-ÜposíÇáoRebcJde.

Sào comuns as agressões físicas. Crianças ou adolescentes comesta desordem normalmente iniciam uma agressào, podem sercruéis fisicamente com outras pessoils ou animais e muitas ve-zes destroem deliberadamente a propriedade de outras pessoas(o que pode incluir incêndios). Podem envolver-se em rouhoscom confronto com a vítima, em assaltos, roubo de bolsas, ex-torsão ou assalto à mão armada. Em idades mais avançadas, aviolência físicil pode assumir a forma de estupro, assalto, ou, emcasos raros, homicídio.

Os furtos são comuns. Eles podem variar entre "pedir empres-tado" algo de outros até roubo de lojas, falsificaçãO e entrar nacasa, edifício ou carro de outras pessoas. Também são comunsa mentira e o roubo em jogos ou no trabalho escolar. Muitasvezes um jovem com este distúrbio falta ã escola e pode fugirde casa.

Características assoCiadas. São comuns no seu grupo social ouso regular de tabaco, álcool ou drogas proibidas e a atividadesexual começa anormalmente cedo entre o grupo de amigos dacriança. A criança pode nào se preocupar com os sentimentos,desejos e bem-estar dos outros, como transparece em compor-tamento insensível, e pode demonstrar ausência dos ~tim~-lOSapropriados de culpa ou remoljo. Üma criança assim podefacilmente delatar seus companheiros e jogar neles a culpa.

A auto-estima é normalmente baixa, apesar de a pessoa proje-tar uma imagem de "dureza". Pouca tolerância à frustraçào,irritabilidade, explosões de cólera e indiferença sào característi-cas freqüentes. Sintomas de ansiedade e de depressào são co-muns e podem justificar diagnósticos adicionais.

Mas algumas pessoas causam um incõmodo maior a elas mes-mas do que às outras. Deixem-me citar o critério de diagnósti-co para 301.50 Desordem de Personalidade Histriõnica;

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LEI PENAL E PSIQUIATRA: IRMÃS NO CONTROLE

Um padrão difuso de cxccssiva cmocionalidade e que procurachamar a atenç~o. começandu nu início da idadc adulta e quese apresenta numa variedade de contextos, como indieado por,pelo menos, quatro dos seguintes itens:(I) procura ou exigeeonSl<Jntementeapoio, aprovação ou 10111'01;

(2) é sedutor sexualmente. em apilrêneia ou comportamento, deforma despropositada;(3) é dcmasiadamcnte preocupado em ser fisicamente atraente;(4) expressa emoçãu com exagem desproposilado, por exem.pio abraçando conhCCldos casuais eom exccssivo ardor. soluçadcscontroladamente em ocasi()es sentimcntais de menor impor-tância, tem acessos de irn;(5) se sente desconfortável em situaç()cs em que ele ou ela nàué o centro das atenções;(6) exibe expressões de emoç~o frívolasc com mudanças rápidas;(7) é autocentrado, dirigindo suas aç()es a obter satisfação ime-diatil; não suportil a frustraçào de ter que ildiar a gratificaçâo;(8) tem um estilo de discurso cxcessivilmente impressionista ccom ausénciil de detalhes; por exemplo, quando requerido quedescreva a mãe, não consegue Ser mais espccil"ico cio que "[1<1era lima pessoa 1l1<lravill10sa'"

10.2 Um manual para a ação

Tinha ouvido falar que o Manual era uma ferramenta impor-tante e nova para a ciência, um grande passo à frente, mas devoconfessar certa desilusão com os avanços científicos. Quandovejo os detalhes, penso que nâo aumentei meu entendimentosobre pessoas classificadas de "histéricas" ou sofreadc! de "de-sordem de conduta".

Mas o que POSsll perceber é que este Manual é útil para finsde controle. Com este Manual na mão, eu teria poucas difi-

~~~jas d7d~àCfeCiUãâãS.tanlO para mim uanto para os que eslâo proxllno~

----------./ ---------- ----- -----.......-~d .ilcrroJlO que IStOse eva apenas a partlCl.llanUaues pcS'oaIS,ou ao fato de viver numa comunidade particular.

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

o Manual oferece muitas possibilidades de decisão devido àssuas categorias amplas e imprecisas e particularmente devidoà técnica de acrescentar este, critérios alternativos: se quatroem oito estiverem presentes, ele ou ela razem parte de um tipoparticular", Estas classificações ou categorias de diagnóstico,como diria a Associação Americana de Psiquiatria, são de pou-ca ajuda para se conseguir uma compreensão prorunda dascaracterísticas de uma determinada pessoa, Conseguir estacompreensão exigiria muita conversa, observação e empatia,As classiricações psiquiátricas baseadas no Manual são tão va-zias quanto as categorias derivadas da Tabela de Sentenças,Para objetivos de condenação, a classificação diz que a pes-soa merece 36 meses de prisão, Para objetivos psiquiátricos, aclassificação diz que a pessoa merece tratamento por distúr-bio de conduta,

~Para quem deve decidir, o Manual é também confortável de 011-

_ tra forma, De novo estamos diante de um sistema gradativo,que cria uma distância em relação à pessoa sobre quem se vaidecidir. E maIS uma vez encontramos um sistema adequadopara os computadores, Quando, numa rápida entrevista, apontuação de uma determinada norma é atingida, a conclu-são também está perto. O Manual não impressiona do pontode vista cientírico, Mas pode significar um instrumento admi-nistrativo eficiente,

De acordo com o Direito Penal, tal como na psiquiatria, mui-tos de nós cometemos atos que podem ser classificados de cri-minosos e a maioria atua de formas que podem levar a umdiagnóstico de algum tipo de distúrbio mental. Com a habi-tual cooperação entre o Direito Penal e a psiquiatria, a totali-dade do controle torna-se perreita.

Mas isto não pode acontecer aqui?

Esta é a descrição de Feeley (1991, p. 7):

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LEI PENAL E PSIQUIATRA: IHMÃS NO CONTROLE

Para caei;, infralor alojado numa cadeia ou prc,idio soh adnll-nistraçno privada, hó ccnlenas se suhmetendo a programas detralalllcllto fora dos IllUroS, administrados por C'mpresas priva-das que lêm contraIo com o eslado c os gl\l'crnos iocals, Ape-sardc seu número c imponúncia, estes programas privados sàolargamente ignorad(lS n;IS disclIssücs sohre pri\'atrz:l~'[I() (i<) sis-tema pcnitcl1ci3rio. lnlvcl por isto. estes prognmas sejam vis-t()<:.j meramente como pro\'cdores de SCr\'IÇOS.Ill:lis que progra-mas penais, Ou tail'ez porque scu p'lpd de ,lgênlc do controleeslalal fica ohscu["ecidl),j{: que {l parlicipaç:io é volllnlária. Masse ampliarmos nosso \.juac1ro de rcrcren(i~IS c CctlSicit:rarlllnsCSSt;Snovos programas de lratalllcnto como formas ele puniçflo.(ou substitutos do cncarc:eramcnto), podemos compreendcr queeles silo também pane inlegrante do sislema penal, ampliam oalcance das sl.lnçôcs penaIs c c'{panliclll a \'ancdadc ele pcnal\que () estado pode impnr. C0l110 tais. eles :-:f!oparte de 11m rc.pcnório muilo grande de puniçl'>(~_~:que podem "cr usadas S!i1l11l.

tanC:lmCnlC. Eles lambem constitucm uma CXI~.n:\ão lrTlprcssio.nantc do conlrolc elo est;.lclo c sftn muit:ls vezes isentos dosrequisitos exigidos das agências pühlic:ls, '

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Page 95: A Indústria do Controle do Crime - Nils Christie

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11.1 Filhos da modernidade

O título deste capítulo foi escolhido com cuidado. Sua inten-ção é estabelecer um vínculo com o importante livro deZygmunt Bauman sobre a !l1odemidadc c o Holocausto( 1989)

A segunda explicjçao passou de indivíduos dcsviantes para sis-temas sociais desviantes. As atrocidades tinham algo a ver comprofundos defeitos da nação alemã, talvez com grupos políti-cos particulares, todos dirigidos por pessoas do.tipo~descrito_.anteriormente, as más, ou loucas, ou profundamente autori-tárias. Pessoas normais cometem atos anormais quando as si-tuaçõcs se tornam anormais. Eu próprio escrevi, dentro dessa

Bauman representa atcrccira corrente de interpretação doscampos de extermínio da Segu,nda Guerra Mundial.

Primeiro surgiu a corrente que explica os campos como pro-duto de mentes anormais. De Hitler até os guardas, todos osque trabalhavam lá eram vistos como desviantes, loucos, e, cla-ro, maus, ou tinham personalidades autoritárias perturbadas(Adorno ct aI. 1950), ou pelo menos estavam sob o comandode gente desse tipo. Que outra forma haveria para explicar talhorror, como poder-se-ia compreender que o país de G!Jethe eSchiller, o mais avançado no campo científico, errasse dessaforma?

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Page 96: A Indústria do Controle do Crime - Nils Christie

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INorbcrt Elias (1978,' 982) é llluitas veles visto corno Ulll desses. Sua perspectivaotimista é esta: pelo falo de vivermos sob condiçóes que exigem uma conSl:\lllC dis-posição pnra Illl:Ir e com as nossas emoções em jogo para defender a vida e nossasposses dos ataques fisicos, chegamos numa sociednde complexa que exige civilida.de c COlllcclimcnlo pessoal. Mas a dedic!J16riü do J.ivro cp.ntrjlstn coro çilil-.mC.!lSllgCl1l::'lnlem6ria de seus pais, mortós e;n Brcslau em 1940 e AuschwilZ em 1941, O compor-tamento dos - ou para os - estados parece em grande p:1f1e estar [lllSCllle dos inleressesde Elins nestes livros. Para uma visão mais positiva de Elias, ver G3rJ3nd (1990).

Bauman adverte contra a tendência dos jndeus de monopoli-zara Holocausto, transformando-o num fenõmeno que lhes éparticular. Ivan lIlich segue a mesma linha e argumenta (co ..municação oral) que a atenção dada ao anti-semitismo nosimpediu de ver as raízes mais gerais do extermínio, Esta mo.nopolização também nos impede de ver todos os outros gru-pos - ciganos, homossexuais e comunistas em campos de c(m-centração - e os supostos opositores ao regime soviético nosGulags.

A parte central da explicação do Holocausto de Bauman é aprodução soc/ill da úldl!elt'nça moral nas sociedades,moder-

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MODERNIDADE E CONTROLE DE COMPORTAMENTO

Os otimistas felizes', todos os que acreditam nos progressosconstantes e infinitos da Humanidad~,I)ã9 ~c.smJir~9n1U.ilQ

' cciliforÚveis c()lil olivT() d<Q!a'umc0ExistclU;;,t ali~llça secrct,lentre os que acreditam cegamente no progresso e, mais ainda,acreditam no moderno "estado jardim", que vê a sociedadecomo um objeto para desenhar, cultivar c adubar. l3auman seopõe a tudo isso. Ele trabalha na tradição de Ivan IlIich e dogrupo que o cerca - que mais reccntemente se manifestou no"Dicionário do Progresso" (Sachs 1992). Para l3auman, oHolocausto é mais do que seus próprios horrores. É tambémumsitialde <ilerta.-Até âgora~é o mais claro indicador de-quea industrializaçáo não significa progresso, de que estamos nocaminho errado e de que a cura náo pode scr alcançada atra-vés do uso dos mesmos métodos.

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Proponho que a experiência do Holocausto, hoje minuciosamen-te estudada pelos historiadores, seja observada, por assim di-zer, como um "laboratório" sociológico. O Holocausto expôs cexaminou esses atributos da nossa sociedade que não haviamsido revelados, e não eram, assim, acessíveis em condições quenão fossem de laboratório. Por outras palavras, proponho Imlar o :

,.~- -Holocausto como úm lesle rdro~m;,ss;gnific,1Iívoe confiável, das" '..~~rIm possibilidades ocullas da sociedade modcnw. r

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A INDUSTRIA DO CONTROLE DO CAIME

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tradição, sobre os guardas dos campos de concentração(Christie 1951).

,,~o~~-"~A-ierceiia explicação'é radicahnerfte Bifereille: O extermíhio não "é mais visto como uma exceção, mas como uma extensão lógi-ca de nosso principal tipo de organização social. Nesta pers-pectiva, o Holocausto se torna um resultado natural de nossotipo de sociedade, não uma exceção.D extermínio passa a s;;:..

__ 11m filho da modernidade nÕo a yolta a um estágio anterior de'. _ barbárie. As condições para o Holocausto são precisamente asij que ajudaram a criar a sociedade industrial: a divisão de tra-'1: -'. - balho, a burocracia moderna, O espírito racional, a eficiéncia"h a mentalidade científica e, particularmente, o fato de se rele-~\,~ gar os valores de importantes setores da sociedade. Nesta pers .;1, pectiva, o Holocausto é um exemplo, mas apenas um, do que":1 pode acontecer quando importantes setores de atividade ficam!,'i isentos de avaliação por todo um conjunto de valores - de pa-~ drões comuns de decência. O comandante de Auschwitz pro-'li, \\1. vavelmente não convldana sua tia favonta para uma visita. Um, ~l dos médiCOS convidou a mulher- e depOIS sc arrependeulmen-f samente (Lifton 1986).t

I L, . l~ iOs campos de extermínio foram projetos de sociedades organi-\,,\f/. zadas racionalmente. Como mostrou Bauman (pp. I J .12):',t~V ...nenhuma das condições sociais que tornou Auschwitz possí-:1, vel desapareceu completamente e não foram tomadas medidas,1 ~ efetivas para evitar que princípios e possibilidades como esses,';'1 gerem catástrofes como a de Auschwitz.

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MODERNIDADE E CONTROLE DE COMPORTAMENTO

o •• o proccs,w civiliza/á/io f.-~ entre OUlrtls co':,<ls, UIl1f1forma dere/lmr dos c.1Jculos mor/U:~' o /ISO d.7 vio/c!rJClá c seus desdobm-mentos, c de emancip<7r é1aspimçHo de racionalidade das in/cf-fert'ncias {l.7s nOJ1nas t'liCas c (l.7s InibiçOcs lIlomiç.

... as condições para uma conduta racional nos negócios - comoa notória separação cnlrc a casa C a empresa, ou entre os 1{'I1-dimentos privados c o erário plíblico - I"uncionam ao mesmotcmpo como poderosos falares qlle isolam a ação racional, ori-en tada, do intercnmbio com proccssos regulamentados por ou-tras normas (por deflllição irracionais) c assim tornando-a imu-ne ao impacto restritivo dos postulados da assistência mútua,ela solidariedade, do respcito recíproco, etc., que são princípiospráticos dc formaçóes não-comerciais.

Para Bauman, o Holocausto não foi uma descarga irracionalde tendências s~lvagens, mas um legítimo residente do edifí-cio da modernidade. E quero acrescentar: o Holocausto é ape-nas a continuação de uma das principais tendências da histó-ria colonial européia.

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Estamos agora comemorando o centenário de algumas gran-(. des vitórias européias na África. Os fundamentos intelectuais

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

nas. Esta indiferença nasceu da autorização da rotina, e dadesumanização das vítimas através de doutrinas e definiçõesideolõgicas.~- - - ~- - ~ .. ~~ .. ~- c, , .•~.~~,~ -

A burocratização foi essencial neste processo. Como disseHilberg no seu monumental cstudo sobre A Destruiçélo dosJudeus Europeus (1985, 1'01. 111, pp. 10-11):

para os "problemas" sucessivos quc apareciam, dc acordo comas mudanças de circunstnnei"s. (Bauman pp. l6cI7).

- O Ilfoccssolúiüfoidirigido por n~onstr~~'. i~'(;i~rgal;i~ado pelaSeção de Administração e Economia. Foi administrado comprecisão e rapidez, de acordo com regras universalmenteeSlabelecidas. A "irracional idade" roi inteiramente excluída.

. . Pessoas suspeilas de goslarem de matar crammuito provavel.Nunca uma burocraCia oCIdental enfrentou tamanha ruptura mente excluídas.entre os preceitos morais c as ações administrativas; nunca uma C\máquina adl~inistrativa foi encarregada de uma tarefa tno d~áS- I >\ ' A~ ser tão racional, a operação hanllOniZOU-Se com os elementoslica. Num ccrto se~tldo,a tarefa de destrUIr os Judeus colocou . tv baslcos do processocIVlhzaJ6no. qJwetenzado rela Implaeáyel e11111l' _

- ...-- -" • a burocracia alema diante de um teste supremo. -~- - -- • - .<\;rio naçao da \~olêneia da vida social ~u, acresc~nta Bauman, um pro-E não se tratava de pessoas estranhas. Do topo à base, eram \ '. :~ cesso caractenzado pela concentraçao da vlolencla sob o controle doapenas pessoas comuns. Hilberg desenvolve este argumento: ~.- estado. -Iàmbêm aqui uma das principais preocupações é silenciar a

Qualquer membro da Polícia da Ordem podia scr um guarda ' moralidade. Bauman diz (os itálicos S80 dcle) (pp. 28-29):num gueto ou num trem. Qualquer advogado do Departamen-to Central de Segurança do Reich tinha que estar disponível paraliderar unidades móveis de matança; cada especialista em finan-ças do Dcpanamento Central Económico-Administrativo eraconsiderado como uma cscolha naturai para o serviço nos cam-pos da morte. Em outras palavras. todas as operações necessáriaseram cumpridas por quem quer que estivesse à mão.

O extermínio não foi decidido desde o início. Primeiro, o ob-jetivo era tornar a Alemanhajudenfrei-Iivre dos judeus. Maslogo a Áustria também tinha que se livrar dos judeus. Eles po-diam ser despejados nos territórios ocidentais, mas os admi-nistradores locais protestavam. Pensou-se na possibilidade deMadagascar; Eichmann passou um ano inteiro com esta idéia,mas a Grã- Bretanha ganhou o domínio dos mares e Eichmannrecebeu a ordem de mudar os planos para adotar o extermíniofísico:

O resto foi uma questão de cooperação entre vários departamen-tos da burocracia cstatal; planejando cuidadosamente, criandotecnologia própria e equipamentos técnicos, fazendo orçamen,los, calculando e mobilizando os recursos necessários ... a escolhafoi um efeito do esforço zeioso para encontrar soluções racionais

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MOPERNIDADE E CONTROLE DE COMPORTAMENTO

ferramentas técnicas, Minha alcgação é de que o sistemacarcerário dos Estados Unidos está avançando rapidamen-te na mesmadireção,;rambém é altamente provável que estatendência se espalhe por outros países industrializados, par-ticularmente pela Europa Oriental. Será mais surpreendentese isto não acontecer, do que se ocorrer efetivamente nestadécada.

I Para alguns, a própria idéia de que a política criminal nas so-I ciedades democráticas industriais poderia assemelhar-se à épo-i ca nazista e aos campos de extermínio soa como um absurdo.. I .•....•... _. - ." ,',',.,.",...,,, . • <.-, ," ,__o -,

- -'f- - -- A maioria de nossassociedades altamente industrializadas tem -i governos democráticos e seu objetivo é a proteção contra o

crime, n[[o o extermínio.

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

para as inacreditáveis atrocidades cometidas eram as teorias~""~~dodeseovQlviment9 ~ da_~ºQrevi~ncia dos!l1ais av..t()s~As fer-

ramentas para a sobrevivência dos mais aptOS er3ln armas defogo contra flechas. Historiadores e sociólogos alemães discu-tem se Hitler aprendeu os métodos de Stalin. Bobagem, dizLindqvist (1992, pp. 199-200). H itler conhecia-os desde crian.ça. O ar que o rodeava, e também a todos os europeus na épo-ca de sua juventude, estava saturado da convicção de que o im-perialismo era uma necessidade biológica que conduziria aoinevitável extermínio das raças inferiores. O Adolf Hitler de

- •••••• ;:;~ve anos -de idade n~o esíava no-Albert Hall-em4-de maio de. - -1898. Foi nesta grande ocasião - no auge das vitórias na Áfri-ca - que Lorde Salisbury, o primeiro-ministro britãnico, decla-rou que as nações do mundo podiam ser divididas eníre as queestavam morrendo e as vivas. Hitler não estava lá. Mas aindaassim, ele sabia, como todos os europeus sabiam. Eles sabiam oque a França fizera na África, o que a Grã-Bretanha fizera e,como a última a chegar, o que a Alemanha fizera há tão pou-co tem po - em 1914. As nações que estavam morrendo preci-savam de alguma ajuda para sobreviver.

Assim, o extermínio não tem nada de novo. Não deveríamosficar chocados. Os campos de Hitler e de Stalin eram apenasparte de uma velha tradição. Mas ocorreram na Europa. Issosignificou que eles ficaram mais próximos - e ao mesmo tem-po se tornaram mais incompreensíveis.

11.2 A máscara do diabo

Os pensamentos são impensáveis até serem formulados:

A idéia de Hitler era a teoria da Valk, da pureza da raça, e doespaço - Lebensraum- para o produto purificado. Ele tinha a

. '--~capacidade de concretizá-Ia. Os campos de extermínio foramum produto da industrialização, um produto, entre outros, dacombinação de modelos de pensamento, organização social e

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Isto é evidentemente verdadeiro, E nao crcio que as prisões 11,IS

sociedades industriais modernas acabem sendo uma cópia exa-ta dos campos, Mesmo se acontecer o pior, a maioria dos pre-sos não será intencionalmente morta nos sistemas carceri\riosmodernos. Haverá se'ntenças de morte concretizadas, mas amaioria dos presos será finalmente softa ou morrerá por sui-cídio, pela violência das penitenciárias' ou de causas naturais,O termo Gulag é, assim, mais adequado para o que pode estarpor vir do que campo de concentração. Minha melancólicaprevisão se limita ao fato de gue uma grande proporção dehomens das classes mais baixas acabe vivendo a maioria desuas vidas ativas em presídios. Não estou sequer dizendo gue,Isto vá acontecer com certeza, mas as chances sào grandes Qprogresso e a civilização industrial carecem de garantias intrín-secas que Impeçam esta evoluçãO,- .. -------......-.

1A Human Righls Watch (1992) informa (p. 3~)que o assassin,l1O por outros presos..foi a segunda olltcrceira_çau~a_dc morte nas penitenciárias estaduais nos ü]tinlOSdez anos, sendo que a primeira causa foram as docnç.:ls e outras causas naturais, c o sui-cídio ou homicldio. praticado pelos próplios presos se altcmaram como segunda causa,

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

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MODERNIDADE E CONTROLE DE COMPORTAMENTO

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11.3 Limites ao crescimento?

Mas o diabo tem seus truques. Ele lTIuda de roupa. Se quere-mos desmascará-lo, temos que vê-lo como uma categoria ge-

-,~.- ~ral e deste modo entender cOlii-oclcvaiap'àrec~rllá próxima vez.

Um primeiro passo para essa compreensão é procurar as ten-sOes de nossa estrutura atual e perguntar: como estes proble-mas se manifestam nas nossas naçOes industrializadas?

Hitler purificou a raça e viu a necessidade da Lebensraum. Osestados superindustrializados têm dois problemas que já apon-tamos: primeiro, encontrar uma Jebensraum para os seus pro-

. .•d_u,tos;segundo, encontraruma soluÇão para aqueles que não são _ .mais necessários quando aumenta a eficiência das máquinas.

Mas aqui entra a observação desagradável: vimos que as pri-sOes são muito úteis para os dois problemas. Nos estados debem-estar social mais estáveis, a ação penal estrita contra osque se recusam a contribUir, abre espaço para uma política de-bem-estar para os restantes. Em outras naçoes industrializa-

ê1as, o encarceramento significa o controle das classes perigo-sas. Mas, além diSSO, ainda temos que acrescentar, e cada vcz

-mais, que toda a instituição de controle do crimc é em si mes-ma uma parte do sistema produtivo. O sistcma é de grandeinteresse econOmico tanto para os proprietários, quanto paraos trabalhadores. É um sistcma de produção de importânciavital para as sociedades modernas. Produz controle. Desteponto de vista, o problema é o seguinte: quando será suficien-te? A industrialização tem uma tendência intrínseca para ex-pandir-se. O que acontecerá à política criminal se o desenvol-vimento industrial continuar?

, Não hj "limites naturais" ncsta área. Não há limites de maté-t~,_..!.ia-prima ollmovimentos ecológicos perturbandoaindlistria.Somos lodos pecadores diante dc Deus e a maioria de n6scometeu atos pelos quais poderia ser levada diante das auto-\.:

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As ferramentas para este empreendimento são "indicadores",tabelas de previSãO, esquemas de classificação nos quais odiagnóstico individualizado é substituído por sistemas de clas-sificação adicionais objetivando a vigilãncia, o confinamento eo controle.

Uma característica central da nova penologia é a substituiçãoda descrição moral e clínica do indivíduo por uma linguagemcarregada de cálculos probabilísticos e distribuiçóes estatísticasaplicadas às populaçóes.

Para Feeley, esta nova política penal não tem como objetivo apunição nem a reabilitação dos indivíduos culpados. Em vezdisso, o objetivo é identificar e gerir grupos rebeldes. Na pers-pectiva que apresentamos neste livro, é isso o necessário parao controle das classes perigosas. E com o enorme auxílio dadopela distância que cria a nova penologia; de indivíduos a cate-gorias, da moralidade ao gerenciamento e ao pensamentoorganizativo e matemático.

Se queremos controlar o diabo, precisamos conhecê-lo. Pre-cisamos entender os princípios que estão por trás do que acon-teceu na Alemanha - e de preferência também do que ocorreuna URSS - e depois teiltartfâdúzir esses princípios no que sejãre1e'vante para a compreensão de nossa situação aqui e agora.

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Ao contrário, podemos ver os primciros passos nas mudançasdo aparato legal, na ideologia da punição justa, no crescimen-

.. ~~to e eficiência das forças de controle, no crescente número de~-presos e tambêm nos pressupostos para lidar com estes pre-sos. Malcolm Feeley (l991b, pp. 66-67) fala sobre a "novapenologia". Com isto quer dizer uma penologia que não estáorientada para os indivíduos c espccialmente não tem a inten-ção de mudar estes indivíduos pela reabilitação ou punição, mas,em vez disso, se concentra na gestão de populaçoes segregadas.

A função é de gerenciamento, não de transformação .- --._--- . _. --- .-- ----- -_ - - .•.~_. ----.

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

ridades do estado, se houvesse interesse suficiente para nospenalizar. Seja como for, é bem claro que uma parte muitomaior da população poderia cair na rede, se esta fosse suficien-temente forte e tivesse uma malha mais fina.

Haveria razões suficientemente fortes para deter a expansão dosistema carcerário se o desenvolvimento industrial como umtodo se detivesse, o que destruiria o sonho da livre empresa.Muitos dos que nunca estiveram perto da pobreza descobri-riam quc o desemprego não é necessariamente o resultado dafalta de iniciativa, da ociosidade ou de um modo de vidahedonista. O tluxo de recursos para a indústria do controletambém acabaria. O dinheiro dos contribuintes - dos poucosque teriam algo a pagar - teria que ser reservado para necessi-dades ainda mais essenciais.

Contudo, numa recessáo profunda as prisões podem ser vis-tas como as mais essenciais de todas as necessidades. Numarecessão profunda. aumenta o tamanho das classes perigosas,que ficam mais perigosas do que nunca. Como vimos, as clas-ses mais baixas já estão super-representadas em todos os sis-temas carcerários que conhecemos.

Não há limites naturais. A indústria está ai. A capacidade estáai. Dois terços da população terão um padrão de vida muitosuperior ao que existe em qualquer outra parte do mundo. Osmeios de comunicação tlorescem graças aos relatos sobre osperigos dos crimes cometidos pelo terço restante da popula-çãO. Os governantes são eleitos com promessas de manter oterço perigoso atrás das grades. Por que este processo deveriaparar? Não há limites naturais para mentes racionais.

As forças que impulsionam o processo são esmagadoramentefortes. Os interesses que estão por trás delas harmonizam-secom os valores básicos. Têm uma base moral muito sólida. Porque não teriam completo sucesso num futuro próximo?

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MODERNIDADE E CONTROLE DE COMPORTAMENTO

A Alemanha foi capaz de fazê-lo para chegar à solUÇão finalno meio de uma guerra, apesar da necessidade urgente de usaras suas vias férreas e os seus guardas para outros fins. A URSSfoi capaz de desenvolver os Gulags no meio dos preparativospara a guerra e dc mantê-los funcionando durante e depoisdela. Não só conseguiram fazê-lo, como sc bcncficiaram do sis-tema. 1'01' que não teriam mais sucesso ainda as nações mo-dernas e industrializadas?

Hitler c seu povo estavam diante de uma tarefa quase Í1upos-sívcl. O mesmo acontecia COIl1os líderes da URSS. Quão maisfácil será controlar as novas classes perigosas?

O terreno já está preparado. A mídia prepara-o dia e noite. Ospolíticos cerram fileiras com a mídia. Politieamcnte, é impos-sívelnão cstareontra o pecado. Esta é uma eompetiç:io ganh:1por quem oferecer mais. Proteger as pessoas da criminJlidadeé uma causa mais justa do que qualquer outra. Ao mesmo tempo. os produtores do controle pressionam para receber pedicios. Eles têm capacidade. Não hú illl1ltes na!Jlrilis. Uma so.eiedade livre do crime é um objelivo l<1osagrado que nemmesmo o dinheiro COnTa.Quem se preocupa com custos nomcio dc uma guerra total? /',I/aflagemenl (gerência) vcm dapalavra llIénage. O modelo do gcrcnte é o homem COllJumchicote, conduzindo seus cavalos cm volta da arena. O succs-so da gerência está relacionado com sua habilidade para sim-plificar estruturas de valor. Esta condição parece estar ~endopreenchida na SOCiedadenlouerna.

..11.4 Matança industrializada

A indústria alemã foi muito útil para a concrctização da "so-lUÇão final". Para o extermínio, foi usado um gás chamadoZyklon. O gás tinha que ser comprado de empresas privadas.Segundo Hilberg (1985, p. 886), as empresas que o fornece-ram faziam parte da indústria química, especializadas cm de-

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Seu sentido de dever profissional encorajou,os a olhar. cadaquestão fír'llcipalmenle em lermos de suas competênCiaS espe-ciais e de suas responsabilidades - neste C:lSO. diante de seus

..Nesta situação, os empres!lrios da Farben escolheram compor-tar-se como homens de negócios, não como revolucion!lrios.

MODERNIDADE E CONTROLE DE COMPORTAMENTO

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Mas eles tinham que respirar quando visitavam as suas fábn-caso Urna delas ficava perto de Auschwilz. O campo fornecia

"os.lrabalhadGres-eseravos para0 trabalho'C'le construçáo. Mes" .mo os mais altos executivos n:lO podiam escapar do "fedorpenetrante que emanava dos fornos crematórios de i\uschwilze Birkenau". O fedor "simplesmente se sobrepunha à explica-ção oficial de que a luta contínua contra o tifo nos camposobrigava a queimar os cadáveres". Mais ainda, os trabalhado-res-escravos sabiam muito bem qual o destino que os espera-va. Os supervisores da I.G. Farben "não só falavam abertamen-

te da ação~os. g~, mas usavam isso COInQ.l!.Illin,<;entiw para_- ij'liCSe trabalhasse mais". Em algumas minas próximas, tam-

bém da I.G. Farben, as condições eram ainda piores. A comi-da era melhor, mas a expectativa de vida caía para algo entrequatro e seis semanas .

Cinco empresários da I.G. Farben foram condenados dcpoisda guerra por utilização de trabalho escravo. As punições fo-ram leves e os motivos apresentados pelos tribunais são impor-tantes para q discussão sobre as prisões privadas:

Não podemos dizer que um particular seja forçado :I dClenni-11m, no calor ela guerra, se o seu governo está certo ou errado,aLi, caso esteja inicialmente caneta, a parlir de quando passa '1errar (citado por Hayes, 1985, p. 332).

Em 1951, o último dos empresários da l.G. Farben saiu da pri-são. Depois disso, todos eles voltaram a ser pessoas importan-tes e prósperas, como consultores, ou altos funcionários, emmuitas empresas alemãs. E porque não, pergunta Hayes (1985,pp. 380 e 382):

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3"0 Zyk10n era produzido por duas companhias: a Dcss3ucr Wcrkc c ~ Kalíwerke,em Kolin. Uma fábrica da LO. Farbcn (em Uerdingcn) produziu o estabilizador parao Zyklon. A distribuiçt\o do gás era controlada pela DEGESCH, que em 1929 divi.dia o mercado mundial com uma empresa americana, a Cyanamid. Contudo, ti

DEGESCH nao vendia o Zyklon diretamente aos usuários. Duas outras empresascontrolavam a venda a varejo: a HELn--'fTESTA O território destas duas corporações:era dividido por uma linha ... (isIO) deu à IiEU a maioria dos clientes privados e aTES,TA principalmente o setor governamental, incluindo a Wchmtacht c as S5,"

A INDUSTRIA DO COfl.:TROlE 00 CRIME

A LG. Farben participava da produçâo de gás para Auschwitz.Mas não é certo que eles soubessem o que estavam fazendo.As vendas do Zyklon B duplicaram de 1938 a 1943. Mas o gástambém era usado para outros fins, particularmente para ex-terminar os piolhos nas instalações militares, como casernase submarinos. Uma tonelada de Zyklon era suficiente para ma-tar um milhão de pessoas. Em 1943,411 toneladas foram pro-duzidas (Hayes 1987, p. 362). Assim, os produtores podiamdesconhecer o uso de seus produtos no extermínio de sereshumanos. Nenhum dos empresários da LG. Farben foi maistarde responsabilizado por este aspecto das atrocidades.

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~;:) sinfetar edifícios, casernas e roupas, em câmaras de gás espe-::> . cialmente construídas. A companhia que desenvolveu o méto-:> 'é'- '.- = 'âõ'ôó -g~s fOia Detitsche Géséllscnliftfüi SchadlingsliekámpfiJ iig

- DEGESCH. A empresa era propnedade de trés corporações:~ I.G. Farben (42,5%), Deutsche Gold.und Silber-Scheideanstalt.:) (42,5%) e Goldsmit (15%). O lucro de 1942 foi de 760 mil:) reichmarks'. Os negócios prosseguiram, como de costume, até::>!. quase o final ela guerra. Uma fábrica foi bombardeada e mui- .;). to danificada em março de 1944. Nesta altura, as SS estavam IO.. _' fazendo prep~rati~os para enviar 750 miljudeus para I

~ _ , -.-_._,_Auschwltz, entao OUI1lCOcentro de. matança a1l1da eXlstente._ .• ,:' ..::>. Mas a TESTA conseguiu enviar 2.800 quilos de Zyklon para:>. Auschwitz. Segundo Hilberg (p. 891), a firma "perguntou::> apressadamente a quem enviaria a conta". O estoque foi manti-

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MODERNIDADE E CONTROLE DE COMPORTAMENTO

os homossexuais c - como casos que não estavam em discus-_.~.,__,~ são em todas eSJ?s.£~}~gº!,jªs~ill!alguer pessoa que fosse de

_origem racial crrada. Foram desenvolvidas ferramentas perfei-tas. O fuzilamento comum se demonstrou caro e provocavatensão nos executores. As injeções eram menos eficientes queos gases envenenados dos escapamentos de motores de auto-móveis. Mas os inseticidas na forma de gases se demonstra-ram os melhores e foram assim usados.

Os médicos foram essenciais. As analogias médicas eram usa-das o tempo todo. A nação ,alemã era ,vista como um corpo.....

-~:'ESseCÕijiõiinhãQue ser tratado Quando uma parte está do-ente, é preciso uma cirurgia. Os judeus eram o cãneer - a ne-cessidade de cortar a parte infectada do corpo social era ób-via. Não era assassinato, mas sim um tratamento. Os médicospassaram da teoria ã prática e relataram aos teóricos o qucaconteceu. Eles estavam em posição de agir pessoalmentc, sim-plesmente pelo fato de serem médicos. Lifton (] 986) chamoua isso matança médical Ele entrcvistou 39 homens dos altosescalões da medicina nazista. Cinco tinham trabalhado emcampos de concentração. Também entrevistou importantesantigos profissionais nazistas não ligados à medicina. Final-mente, entrevistou 80 ex-prisioneiros de Auschwitz que ha-viam trabalhado nas enfermarias. Mais da metade eram mé-dicos. A maior descoberta deste estudo é a importãncia doraciocínio médico. tanto na preparação de toda a operação,quanto nas ações concretas de extermínio. Mesmo nas plata-formas das ferrovias onde che avam os trens dos uetos osmédico stavam sempre presentes. Lá mesmo eles decidiamsobre os casos cpocretos de cirurgia do c0lP.0 nacionill.; umaceno para esquerda, extermínio imediato; um aceno para a

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V direita, campo de trabalhos forçados. Se não houvesse médi-cos disponíveis, serviam dentistas ou farmacêuticos, Era im-

I~'--portanle não abrir mão desse ponto: linha Que ser uma dw.

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sócios e acionistas, Ao obedecer a este mandato, eles se eximi-ram da obrigaçãOde fazer julgamentos morais ou sociais, ou

, de examinar.as conseqüências globais elesuas decisões"

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

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11.5 A matança médica

Não pode acontecer aqui. Vivemos em pafses democráticos.Sabemos mais. Nossa população tem níveis muito mais altosde educaçãO. Mais importante, nos transformamos em socie-dades que são muito influenciadas pelos mais altos padrõesprofissionais.

.-,.- __ o - -AinCla-assini~ aqueles-de'nós quejá trabalharam com proble- -- -mas relacionados com os campos de concentração continuamnão se convencendo ou, pior ainda, estão cheios da mais pro-funda desconfiança.

O que aconteceu nos tempos do extermfnio foi precisamenteque profissionais fizeram seu trabalho, cooperando muito bemcom a burocracia.

Os cientistas tiveram uma participação essencial. Sua princi-pal idéia era a purificação da raça. Os menos puros não deve-riam ter filhos, os puros deveriam ter muitos. Seguiu-se a es-terilização dos indesejados e um bõnus de produtividade aospuros. Não se tratava de teorias de pessoas loucas. Cientistasamericanos relataram em seu país, com inveja, como as idéiasda higiene da raça, que também seriam válidas nos EstadosUnidos, estavam sendo testadas na Alemanha.

Mas algumas pessoas indesejadas continuaram a nascer, como,os fisicamen te inca acitados. Eles eram vistos como tendo''y' s ue não valiam a ena er 'iv'da " e, num decreto se-creto, foi autorizada a eutanásia. Com a aproximação da guer-ra, o critério para os que deveriam morrer se ampliou, dos de-

_=._feitos físicos para os me.nt31is.Primeiro, a ação foi limitada às-' - - - - --' - ..-

pessoas seriamente afetadas por doenças mentais, depois osretardados foram incluídos, depois os loucos, os psicopatas,

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

o pior pesadelo nunca irá se materializar. As populações pe-rigosas nunca serão exterminadas. exceto os que forem execu-tados em Função da pena capital. Mas há grandes ,iscos de queos que Forem identiFicados como sendo a essência da popula-ção perigosa sejam confinados, armazenados, depositados eForçados a viver seus anos mais ativos como consumidores docontrole. Isso pode ser Feito democraticamente e sob o estrilOcontrole das instituições legais.

11.6 A matança legalizada

- se o Holocausto Foiproduto da sociedade industrializada,

- se os métodos racionais e burocráticos foram uma condiçãoessencial para se completar a operação,

- se as teorias científicas tiveram um papel importante,

- se o pensamento médico for outra condição essencial parafazer o impensável,

- então, há todos os motivos para se esperar que reapareçamfenômenos semelhantes, se chegar o momento certo e as con-dições essenciais existirem.As condições e o momento existem?

As sociedades industrializadas estão sofrendo mais pressõesdo que nunca. As regras da economia de mercado governam omundo, com a exigência "óbvia" da racionalidade, utilidade e,é claro, do lucro. As classes mais baixas. facilmente transfor-madas em classes peri~ogs, estão aí. Assim como as teoriascientíficas que podem passar à ação. Há teorias que dizem queo efeito de certas drogas - não as muito usadas, mas..£!gga,snovas - s.ãode tal natureza, que tornam legítimos os mais se- __veros métodos de iRvestigação e de luLa s8Rtra ela.s..j:, os teó-ricos da criminologia e do Direito estão aí para dar a sua ha-bituai ajuda. Ninguém mais acredita no tratamento mas a

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MODERNIDADE E CON1ROLF DE COMPORTAMENTO

incapacitação é um tcma favorito desde o nascimento das teoriaspositivistas sobre o controie da criminaitdade:'

E a legislaçáo se adapta maravilhosamente às .;xigências doslempos modernos. A idéia da punição justa torna o sistemamais fluido e permite particularmente ignorar lodos os oulrüsvalores que não sejam a gravidade do alo. O ideal de equipa-rar a gravidadc do crime com uma porção de dor traz comoconseqüência o fato de que todos os outros valores básicos, queos tribunais tradicionalmente têm que avaliar, sejam retiradosdos procedimentos. O que era um sistema de justiça se con-verteu num sistema de controle do crime. A distinção clássicaentre o Judiciário, o Executivo e o Legislativo se dissolveu emgrande parte. Os tribunais se transformaram em ferramentas-nas mãos dos políticos ou {lOS casos mais extremos os j'ú'(g, _

. _ assim como os promotores tamfH;j'H 8f:l tl"'H1sformam j'lll ...

--J.lolíticos. ludo isso, porém, está acima da crítica. Não apre-senta nenhuma das graves ilegalidades que mareari1lll ()

~AAssociação Internacional de Polftica CominaI (lnternatinn:lle KrilllinalisridlcVereinigung) foi fundada e/TI 1889. Sua figura central foi VOll Li~ZL que insistia emajudar a natureza a controlar as classes perigosas, particul:irmcllIe os 'incorrigíveis',que se contrapunham ti ordem sacia!' Repetidamente, von Liszt insistia que os quen:1o podiam ser reformados tinham que ser incapacitados. De acordo comRadzinowicz (1991 b), ele considerava o controle deste grupo como a tarefa cCiltrale mais urgente da polftica criminal:Cerca de 70% dos presos eram reincidentes e pelo menos metade deveriam ser designa-dos como 'delinqüentes habituais e incorrigíveis'. A sociedade precisa se proteger e," •• 0 como :11'10 queremos decapitar ou enforcJr e não podemos transportar .. ,". o que1I0S resta é a prisilo perpétua ou por tempo indeterminado (p. 39).

'u cada dclinqOenlCcondenado pela ten'cim vez dcveria sercnnsicki.ldo inconigivcl e,como tal. deveria se'recolhido a um tiro de segregação quase p.:.:ml;mcntc()l. ,lO)Era preciso IOfl13rOdelinqüenle h3bilUal inofensivo .1s SU.1SCI/J/as(os itálicos s~ode \lon Liszt), 'e nao às nossas', escreve Radzinowicz (p. 40), fazendo von I.iSltsoar muito moderno.

Naucke (1982, p. 557) diz o seguinte sobre o Programa de Marburgo, fonnubdo pCIrvonLiszt:

Esta teoria está à disposiçáo dos que controlam o Direito Pcn:l1.O Progranw deMarburgo não contém instmmentos que diferenciem entre os que deveriam re-ceber este serviço c os que não deverirlm.

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Trinta c sele órgãos de 14criminosos de llliwan, que foram exe.cUlados, foram doados para transplantes, disse em 30 de selem,bro um cspecialisJa j~lponês em transplantes) citando uml~cirurgiã de Talwan, Masami Kizaki, presidcille da Sociedade.Jq ..ponesa de 'Jfansplantes, disse que recebeu as informaç6es daprofessora Chun-Jan-Lee, da Universidade Naeionai de Taiwall,A Dra. Lec disse que os criminosos condenados concordaramem doar seus coraçücs: ri/ls c figados HpiLr;;"1 scrçm rcdimídos dopecado", Quando foralll fllzíiacios

los dn;ldorcs estavam liga-

dos a respiradores, para que sua circulaçào sangüínea c respi-raça o não parassem subitamente,

Taiwan aceita órgãos. Este era o título de um pequeno artigodo COlTectiol1SDigestde 27 de novembro de 1991, que prososeguia assim:

Porque iriam protestar? Alguns protestariam, mas lião neces-sariamente por serem médicos.

Mais uma vez não acredito no que os meus olhos vêem. Nãopode ser possível. Não pode ser' Mas é evidente que pode. Efoi. Olho em volta pensando: quem vai agir? Quem vai levan-tar barricadas dê protesto?

Os médicos?

_12.1.0 núcleo comiúri ...

A INDUSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

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Holocausto ou os Gulags. Agora, trata-se do controle democráti._ , cO.docrime apmvado m:lo voto da ,1l]ª!9ria.Para.isJ9,JlãO há li.

mites naturai~, desde que as ações não prejudiquem a maioria.

Não há razões particulares para ser otimista. Não há uma sardafácil, nem receitas para um futuro onde o pior não chegue ao",0 ainda pior. Trabalhando com as palavras, eu não tenho mais'f' _ do que palavras para oferecer palavras, tentativas de esclare-

, cer a situação em que nos encontramos, tentativas de tornarvisíveis alguns dos valores que estão sendo deixados de ladoemfecentes tentativas caóticas de se adaptar às exigências da

, - m~da~Yaml:Js~Íhar uma vez mai~pãrãá instituiçãO -ciãJ iisti:- - .'-";t,

j ça para ver se, no fim das contas, não pode haver algo de va-lor em algumas das antigas formas dessa instituição.

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

Os executados ficaram satisfeitos, pelo menos neste aspecto par-ticular.Os receptores dos 6rgãosJica,am ~H4es, Os médicos tam~..Dém-podemter ficado contentes ':que bom uso para o que de outraforma teria sido apenas desperdício, Pelo menos isto é melhor doque enganar trabalhadores turcos retirando-lhes um rim, como naInglaterra, ou comprá-los de pessoas pobres, como na índia, Al-gumas pessoas leigas podem ter dificuldades para compreendere aceitar,mas os médicos são treinados para pensar racionalmente,É quase um milagre, O cego pode recobrar a visão, o marido epai cardíaco podem, depois do transplante, viver uma vida longa..•. ..com suamiJlherefilhos,-.- - _.-,. - _ •. - -- - - ••

Alguns poderiam ainda não se convencer c creio que os juízesprotestariam, Pessoas com experiência legal permitiriam quea pena de morte fosse usada dessa forma?

Isso dependeria das leis, Poderia não haver leis contra isso, oupoderia haver leis que encorajassem tal prática, Se fuzilar pes-soas, depois de postas em respiradores, fosse a lei do país, osjuízes aceitá-la-iam, indiferentes aos vagos sentimentos dedesconforto, indiferentes às reações dos leigos, indiferentes àsurpresa das mulheres e filhos em casa, depois dos extenuan-tes dias nos tribunais,

Hitler teve o mesmo problema,

As pessoas comuns tiveram dificuldade para entender e acei-tar seu programa para a melhoria da nação alemã, Problemassérios apareceram nos primeiros estágios da operação, A pri-meira morte conhecida e oficialmente autorizada de uma cri-ança extremamente deficiente foi iniciada e aceita pelo pai.Mesmo assim, foi mantida secreta, Mas, com a ampliação doprograma e dos critérios para a ':vida Quenão valia a pena servivida" , houve desagradáveis explosões de protesto entre a po-,pulação alemJ, Pare.-ntespediram detalhes sobre como eporquêessas pessoas tinham morrido, Houve epis6dios desagradáveisde protestos de moradores perto dos campos de extermínio e

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A CULTUHA 00 CONTROLE DO CRIME

crcmaçJo, Grupos religiosos unir8m seus esfnrços. Ess"esrn9--~\'imellros-provoC"ar3nl ~(StjSiSl~ÚS~I-6do pr()g.i:ail1a(-f~llrO-(!l; Ale-manha, Mas quando a guerra cclodiu, o maquiu,írio queesla-Vil pronto foi levado da Alemanha para os territórios ocupados,ampliado e usado da forma que bem sabcmos,O que estou tentando dizer?Que Charles 1-1, Cooley (1909,1956) tinha razâo, Cooley, ogrande pai da sociologia dos Estados Unidos, atualmente qua-se esquecido, pensava que todos Os ~ereShumanos têm basescom uils :'làdos osse~e~ iiujj)anos sã() liãsicariiCíltêSciiíelli;; n-:"'tes, não pela sua biologia, mas por compartilharem uma ex-periência humana comum, Compartilham a experiência de seros mais vulncráveis de lodos os seres durante um longo pe-ríodo depois do nascimento c de estarem condenados a umamorte precoce, se não receberem cuidados, Nós todos, basi-camente, compartilhamos esta experiê.ncia humana, Se não,não seríamos seres humanos, Que outra explicaçâo poderiahaver, pergunta Cooley, para o fato de lermos os dramas gre-gos e os acharmos relevantes e importantes para nossas vidaspresentes e compreendermos seus temas? Segundo minha lei-tura, Cooley encontra nesta experiência compartilhada a basede valores comuns e regras de atuaç,Jo, Todos temos senlimen-(os comuns sobre o que é certo e é errado e uma base comumpara perceber quando surgem conflitos incontornáveis, làdosnós, leigos ou não, conhecemos as leis desde que nascemos econstruímos uma grande base de dados, muitas vezes c[leia deconflitos sobre questões morais, que permanecerá conosco portoda a vida, Um termo norueguês para este aprendizado seria"folkevell" ou o ~lais antigo "den folkelige fornuft", lima es-pécie de senlido intuitivo eomum partilhado por todos,

Esta visão é fundamentalmente olimislª, Os que sobreviveram,'iinfância'recei)et'Jm ajucla, PaSSaral1lpela experiência de pelomenos ulllmínimo de contalo social, de carinho c calor huma-no, e assim absorveram as regras b,ísicas da vida social. Senão,

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

não teriam crescido. Os problemas são os mesmos por todaparte. Assim como as experiências acumuladas.

Este núcleo comum é surpreendentemente resistente. Os sereshumanos têm a experiência de serem seres sociais. Ilá razõespara Durkheim ter escolhido o suicídio altruísta êOmo uma desuas principais categonas. Os seres humanos morrem uns pe-los outros. Isso é normal, quando são pessoas comuns, e o al-truísmo é necessário e as partes estejam suficientemente pertopara se reconhecerem como seres humanos. Mas esta questãoda proximidade é importante e relevante para todos nós. Mui-tos de nós têm também limites para as suas obrigações. E pre-ciso que haja esses limites para sobreviver. Todos estamosacuados pelo velho dilema ético: conio posso comer quandosei que há gente, neste exato momento, a menos de seis horasde võo, morrendo de fome? Eu como, e sobrevivo.

Assim fez, durante algum tempo, a polícia judia no gueto deLodz. Este era o maíor gueto nos territórios ocupados do LesteEuropeu. Lodz era uma cidade antiga altamente industrializa-da, uma espécie de Manchester da Polõnia. M.G. Rumkowski,o mais velho dos judeus, com absoluto poder dentro do gueto,achava que eles poderiam sobreviver tornando-se indispensá-veis à maquinaria bélica alemã. O gueto se transformou numagrande fábrica, extremamente bem organizada, com muita dis-ciplina e nenhum problema com os sindicatos. Algunsjovens tra-balhadores tentaram sMebelar, mas foram facilmente controla-dos. Mas os oficiais das SS nunca se sentiram completamentesatisfeitos. No interior da cerca de arame farpado, o gueto tinhaum autogoverno muito independente. Mas os alemães inspecio-navam. Eles viam pessoas muito velhas e crian 'as equenas, con-sumidores não-produtivos, e ordenavam que saíssem o gueto

~para 11m i'lugarmais confortável" na área rural. Alguns aceitavam,até que caminhões carregados de roupas usadas voltavam e oshabitantes compreendiam a realidade dos lugares supostamen-te confortáveis. A partir desse momento, ficou cada vez mais

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A CUl.TURA DO CONTROLE. DO CnlME

difícil cumpm a Cala crescente que as SS exigiam de Lodz. Aspessoas tentavam esconder-se entre os parentes e amigos. Osque se escondiam não recebiam comida. Depois de algumlem-po, a comida também era negada aos parentes. l'louve provasde um altruísmo extremo. Quando as pessoas eram descober-tas, outros membros da família - ainda capazes de trabalhar-rccusavam muitas vezes ° privilégio de ficar em I,odz e se jun-tavam às crianças, aos doentes ou pais, no que eles sabiam sersua última jornada. A polícia, a policia Judia, tinha cada vezmais dificuldades para detcctar, prender e deportar os que ten-tavam esconder-se, mas a tarefa tinha que ser feita se o guetoquisesse sobreviver. Como recompensa para os policiais, seusparentes próximos ficavam livres da deportaçiio até que, nofinal, todos foram deportados. O próprio Rurnkoll'ski e suajovemlllulher foram aparentemente deportJdos num dos [llli-mos trens que saíram de I.odz. Publicava-se um jornal diaria.mente no gueto, em quatro cópias, para circulação inínna.Uma cicias foi preservada e. enl grande partc, est;í dispo;1Ívelnuma edição inglesa (Dobroqckl 1984). Poucos documentosse publicaram com descrições mais claras da grandeza dosseres humanos. Nem devc haver muitos documentos mostran-do o OUlro lado da lIumanidade: a possibilidade da destrui-Ção tolal sob coação, quando a fome, a umidade, o frio e odesespero destroem tudo, ou quando pessoas decentes perdemtodas a.s suas inibiçOes Iwbitw\1s, na telílati\a ele salvar scusentes queridos da deporta,iio.

Assim, como aprendemos por e.\periêneia pe'5oal, esse núcleocomum, baseado na similaridade das primeira.; expcricncias.não implica em g<1l'nntias absolutas. MUitas vC/cs funciona, emrelação àqueles que nos siio próximos. Mas este núcleo podese tornar irrelevante devido à distância ou ao caráter extremodo ambiente em que se vive.Ou pode se tornar irrelevante clevido à fonnaçiio e à práticaprofissionais.

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Com a modernidade, tudo isto mudou. O Direito foi empur.raelo na direção da primeira classe geral de instituições, a daprodução. O Direito está se tomando um instrumento utilitá.rio, afastado das instituições culturais, Com esta mudança, oDireito perdeu qualidades fundamentais, particularmente suasraízes no núcleo básico da experiência humana.

A CUl TUR/\ DO CONTHOLE DO CRIME

sislência e serviços. Numa terc.c;r:1 calcgi,ri:l, c ncolltl'<lmos asul,sti!~ IÇr.)eSc.!a_polilicac ~!ºI'ndcr ic.II;llw:c.n:1 C~;t[(11"o imJi,tuiçOcs [IUe coordenam principias, valores c I'ormas ele pensa-mento. I~a esta (Jltima categoria que pertencem as instituiçüesculturais e cientil'icas, ondc o couhccilucnto é produzidn e re.produzido, onde OCOITemas discu.lsües infindávcis sobrc comoo mundo deve ser apreendido e sobrc as relaçües entrc a natu-reza c os seres humanos.

A classificação do elenco de instituições em quatro tipos bási-cos torna possível ver os problemas relativos à integração deelementos de um tipo principal de instituiçflo em instituiçõespertencendo a outras categorias b:1sicas. As soluçõcs para umtipode instituiçãv podem nflo ser adequadas a outros tipos. Asuniversidades não podem ser dirigidas C0l110fábricas (mesmoque alguns reitores tentem fazê-lo) sel11 alguma perda de ca-pacidade imaginativa~e crítica. Da mesma forma, os tribunaisnão podem funcionar 1'01110instrumentos dc controle sel11sa-crificar seu poder mais importante de protCÇão dos valores: ex-

E o Direito, pertence a qual delas? Hcelda Giersten (1991) dis.cute.t'~temoblema numemaio com o.titul0,':O Direito como"atividade humanistica." Sua rcsJlosta reflete.se no título. Maisdo que considerar o Direito como parte do poder e da políti.ca, ela aponta para os aspectos essencialmcnte humanísticosdo ato de tomar dccisões eml11atérias legais. O Direito tem aver com a conceitualização c a aV:lliação, trabalha com fenô-menos muitas vezes conflitantes e não se limita a lidar com pc..lOSexatos numa escala unidimensional.

12.2 Qual o lugar do Direito?

A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

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Não é cste o lugar para denunciar o profissionalismo. lO. umabênção receber serviços profissionais de alia qualiciarie,qup.ll-do esses serv~oscorrcspo';;"d~{l~õquc pe(li~lOS c ao qIJep;'-eisamos, Mas é inevitável que surja um dilema. -Ireinamentoprofissional significa longa especialização. Signilica o aperlei-çoamento de certas habilidades, mas também de certos valo-res. Uma longa especialização significa também uma longadistância da essência básica da experiência humana. Na maiorparte das vezes, a profissionalização significa a garantia de umbom emprego em determinada área, mas reduz as garantias de

.que seja dada ate liÇãO a'umalOtalidade de valores;ao sensocomum popular. Não é estranho o que aconteceu à medicinanos tempos do nazismo. Não há garantias intrínsecas.

Neste contexto, podemos de novo voltar a atenção para o Di-reito, Essa profissão trabalha com valores. Se não podemosconfiar nos advogados, em quem confiar'l

Isso depende do tipo de Justiça.

Depende, em primeiro lugar, de as leis estarem perto do âma-go da experiência humana eomum. Serão leis com raízes nes-tas áreas essenciais, ou serão leis alienadas dessas áreas c, emvez disso, completamente ancoradas nas .necessidades da na-ção, nas necessidades do governo ou na administração geraldo sistema econômico industrial? Ou, numa formulação maispróxima do que acredito ser o ideal: como se pode atingir osmais altos padrões legais nestas áreas especiais, sem perder devista as normas e os valores básicos extraídos da fonte da ex-periência humana comum?

Dag 0sterberg (1991) divide as principais instituições sociais" da sociedade em quatro categorias básicas, Uma é a da pro-

dução, onde predomina o cumprimento racional de objetivos.Outra é a das instituições reprodutivas, onde predominam a as-

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

plicando-os, avaliando-os, e também cuidando para que osobjetivos unilaterais de algumas meciiclas inslitueiolwis nüorecebam um peso indevicio na sua totalidade. O Direito, çomodisciplina humanística, mantém contato com as atividadespuramente humanas e, portanto, com a experiência comum.Ancorado desta forma, o Judiciário cstá preparado para en-frentar o inacreditável e reagir instintivamente corno se estivesseno círculo familiar, na mesa de jantar. Pode nüo haver leis con-tra execuções com respiradores, mas não soa bem, e tem queser evitado.

Lembro-me de um convidado da Polõnia que visitou o nossoinstituto há muitos anos, no período de pior opressão no Les-te Europeu. O número de presos estava crescendo muito, dei-xando para trás os nÍlmeros extremamcnte baixos que o paístinha durante a Segunda Guerra Mundial. As estatísticasainda não eram censuradas e pedimos a nosso convidado,o Dr. Jerzy J asinski, da Academia Polonesa de Ciência, que nosexplicasse os motivos dessa tendência. Ele disse que não ha-via nenhum mistério.' Os velhos juízes tinham se aposentado.Os novos vinham do partido. Mas não eram necessariamenteos partidos políticos que estavam por trás das sentenças maisseveras dos recém-chegados. Isto tinha mais a ver eom orien-tações culturais. Os velhos vinham da il1tc!ligclI/slá; eles per-tenciam, o que podia ser motivo de críticas justas, a uma espé-cie de elite cultural. Isso provavelmente significava uma grandedose de esnobismo - suponho que agora estou me afastando doque o Dr. Jasinski pode nos ter dito e entrando nas minhas pró-prias interpretações -, mas também significava um contato estreitocom os poloneses que trabalhavam Com problemas essenciais deseu tempo, abordados por autores desde Sófocles a Dostoievsky.

IM,as tarde, de forma mais cuid<tdosa, seus pontos de vista foram exposloS no Bole.tim Palom'.\' de: Sacio/agl;1 (Jas1llski 1976)

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A CULTURA DO CONTHOLE DO C!~IME

'ElIllhêm significava 11mconlato cstrcilo com as pcss(>as 'Iue,no scu estilo de vida, dCJI10mlravamlcndênclils c dilemas queteriam sido ocultados, se essas PCSSO:1S estivessem mais próxi-mas do celitm do pode r. Um ju iz com base cultu ral sólida, ta n-to de leituras quanto de vida, não se deixaria atingir tão facil-mente pela crença de que os que ele condenava eram de umaraça completamente diferenle.

I: possível estabelecer urna identidade entre todas as classessociais, através de um recrutamento feito em todas elas. E pos-sível conseguir que os juízes venham de todas as classes, comorigens étnicas variadas c representativas do país. O perigodeste processo é a perda das raízes. Os juízes das classes baI-xas podem se identificar mais com a classe alta do que os ori-ginários da mesma. i\ única alternativa viável palece ser a pre-servação da identidade comum, através de uma profundaintegração do Direito com a cultura. Isso significaria, tanto emtermos de treinamento quanto em termos de prática, uma gran-de ênfase nos princípios gerais do Direito, ao mesmo tempoque seria desencorajado todo o tipo de especiaiização. Issosignificaria também encorajar o trabalho com valores e nor-mas essenciais e ter uma maior capacidade para equilibrarmuitos valores, muitas preocupações e até muitas instituições,c não se deixar levar por soluções rápidas e simplistas.

Mas ações como estas exigem força e juízes fortemente prote-gidos. A arrogância é uma dcssas proteções. Essa é a ironia dasituação. O juiz recrutado mais democraticalllCllie, um igualentre os iguais, pode, numa sociedade desigual, estar mal pre-parado para mostrar r'espeito Independente pelos valores bá-sicos. Numa sociedade com grandes desigualdades, parece serparticularmente importante vincular o JUIZ o máximo possívela todos os outros trabalhadores, aos símbolos, aos significa-dos, à compreensão e ao futuro desenvolvimento do referidonerclco comum.

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As teorias utilitárias têm no Estado seu fundamento. A maio- r:ria das teorias não-utilitárias se baseia nos ensinaníentos de [':i I

oDeus, dos profetas oude outras autoridades;Sua'concepção ~'~f.ê a de que a verdade existe em algum lugar, dotada de absolu" t1

I"ta autoridade, e a tarefa do legislador é apenas traduzir a ver- LI idade para a linguagem moderna. Um representante desta teo- I"na é apenas um porta-voz de Deus, exatamente como o das '\teorias utilitárias é porta"voz do Estado. Mas mesmo umapers- !. Ipectiva cultural pode ser utilizada pelo Estado. O próprio Hitler : Idec.idia sobrc questões relacionadas com a arte, partícularmen- Ite a pintura e a música, Mas o,u.\[3s.expressõesculturais eram ;:

-rãrribéni';mportantes para ele. Elas expressavam o Estado e ti- . !nham que ser decididas pelo Estado, o que aueria dizer ele, ! iFranco e Stalin tinham tendências semelhantes. . !

U ma alternativa para ullla concepçiio da lei como algo já exis"tente, pronto, vindo de Deus ou da natureza, é a de que os prin-cípios básicos da Justiça estão aí, (l tempo todo, mas as for-mulações concretas têm que ser rccriadas a cada vez. De acordocom esta alternativa, a Justiça não consiste em princípios pron-tos para serem desenterrados usando os métodos aplicados noDireito ou nas Ciências Sociais; consiste no conhecimentocomum, que cada geração tem que formular através de princí-pios legais. Isto implica na conccpção de que cada ser huma.no é um agente moral e relacionando isto com o direito nalu"ral, de que cada um de nós é um profeta.

A puníção pode então servista como um reOexo da nDssa.com-preensão e dos nossos valores e é assim regulada pelas normasque as pessoas aplicam diaríamente ao avalíar o que é possí-vel e o que não é flC'lssível fazer aos outros. Estas normas sevêem na prática, não apenas em pesquisas de opinião, Maisdo que uma ferramenta para a engenharia social, o nível e Otipo de punição espelham normas que reinam na sociedade. As-

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sim, a questão para cada um de nós é: estaria de acordo como meu conjunto geral de valores viver num Estado que me

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

A adesão :10 núcleo comum também exige alguma liberdadeem relação às outras aUlOridades. Um juiz que fique reduzido

~"~",'oâ apertar um botãO para"produzir a resposta certa,"está muitolonge de ser livre,

O Direito Penal é uma área legal que precisa particularmentede um Judiciário independente baseado na cultura, Deixem"me ilustrar com um exemplo,

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I 12.3 Uma quantidade apropriada de dor'r I11' - --- - _. _Vimos que o nível de dor n~ soçie(l~e_llf!.0 é detf)nllil1ado pelo.. . número de del1tos cometidos, que o castigo não e apenas uma

simples reação a atos vis, que o nível de criminalidade não émuito afetado pelo nível de punição e que o Direito não é uminstrumento natural de controle. Isto também nos libci"ta dofardo do utilitarismo. Mesmo os que se al'crram à visão utili"tária da punição têm que reconhecer que há uma alternativa,Para nós, isso sempre esteve claro.

Mas esta liberdade coloca imediatamente novos problemas. Seo castigo não é criado pelo crime, como'deveríamos então de"terminar o nível de castigo adequado nuina sociedade particu-Eu? Somos livres, mas sem orientações claras. Por que nãodeveríamos ter mais gente nas prisões do que atualmente? Porque não um quinto da população masculina, ou um terço? Porque não voltar a usar o Oagelamento público? E por que nãofazer uso mais amplo da pena de morte?

É possível encontrar uma resposta. É possível, se tentarmospreservar a proximidade entre a instituição da lei e outras ins-tituições culturais. Encontrar o nível adequado de dor não éuma questão de utilidade, de controle da criminalidade, ou dever o que funciona. É uma questãO de padróes baseados emvalores. É uma questão cultural.

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. Há duas formas principais de abordar este problema. Uma écriar teorias penais baseadas em autoridades inquestionáveis.

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

representa desta forma particular') O Teatro Nacional de Oslome represcnta corno norueguês. assim como Hcnrik Ibsen eEdvard Grieg. Mas o mesmo vale para o fato de termos execu-tado 25 presos depois da Segunda Guerra Mundial. A e.xecu-ção de Quisling é parte de mim. Assim o tamanho de nossapopulação carcerária, que também no meu país pode ser ca-racterizada como "uma afronta à sociedade civilizada" (Stern1987. pp. 1-8). Mas, ao pertencer à cultura ocidental industriali-zada, eu também estou representado pelo que acontece nosEstados Unidos. Desta forma, também me afeta o fato de pa-rentes culturais acharem aceitável fazer semelhantes coisas atantos concidadãos.

Não é obrigatório se ter um Teatro Nacional ou dinheiro paraos artistas. Os argumentos favoráveis só podem ser baseadosem valores. Para mim, está certo tê-los; muito caro, mas cor-reto. O mesmo acontece, em última instãncia, com certas for-mas de punição. Já não parece certo usar a amputação de de-dos como punição. Achávamos essa punição aceitável até 1815,quando foi retirada do Código Penal. Para mim, também nãoparece certo ter 2.500 pessoas na prisãO. Somos livres para

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decidir qual o nível de punição que achamos aceitável. Não háregras, apenas valores. '--.....,~-----------Os que, como nós. trabalham junto aos sistemas penais, têmresponsabilidades especiais, mas não como especialistas.Como criminólogo. sinto cada vez mais que a minha função émuito semelhante à de um crítico de livros ou de arte. O rotei-ro não é consistente e nunca poderá ser. Os autores - o comitêde legislação do Storting, por exemplo - não estão em condi-ção de sempre poder dar uma descrição plausível, dentro dalei, da totalidade dos problemas que enfrentam. Um sistemalegal sem espaço para manobras cria roteiros e desempenhos.como os que se encontram nos regimes totalitários. Tudo estápredeterminado para o benefício dos governantes.

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li CUt:!I)f,l\ DO CDNTt=10LE 00 CHIME

Os governantes e os políticos d(\s Estados democráticos ten-tam invariavelmente dar a imprcsSiío de g,le suas tarefas sãoracionais. numa área onde o pensamento utilitário é de óbviaimportá nela. Nossa contraposição, como trabalhadores cultu-rais - ou membros da Ji]{c/ligcl)/slá, como se diria na EuropaOriental-, é destruireste mito c trazer toda a operação de voltaao campo da cultura. A aplicação de penas, para quem e porquê, contém uma lista infindável de questões morais profun-das. Se há especialistas nesta área. são os filósofos. Eles tam-bém são freqüentemente especialistas em dizer que os proble-mas são tão complexos que n<lO podemos atuar sobre eles.

. nos pensar. Essa pode não ser a pior alternativa, quan-do a outra é a distribuição da dor.

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Capítulo 13

Pós-escrito

Número de internos

"'!' ...•..~ _.--.- -- --13,1 Anos de crescimento

Prisão preventiva, 160 instituições:Condenados

14 Prisões

513 Colônias penais

59 Prisões para jovensInstituições para alcoólatras:

Colônias florestais: ..Número total de internos:

Tabela 13.1 Presos na Rússia 1993

Em outubro de 1993, realizou-se uma reunião sobre proble-,mas penais em Ryazan,' a algumas hol'3s de Moscou. Partici-param algumas centenas de russos, assim como quatrocriminólogos ela Europa Orientai. O destaque foi uma confc-rência de Y. r. Kalinin, diretor-gcral do sistema penitenciãriorusso. A TabelaUI se baseia nessa conferência.'

'-~ !Ryazan -~onde'o-Ministério do Interior rn3nt~m sua escol:! [iãT5afol'nluç:10 defUllcionnrios das prisões.J A conferéncia deverá ser publicada na NO/d/sk 7,dssJ,'f/f( (or Kriminalvidcflsk<7b,J 994, nO 4 .

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1 Os dados da Estônia e da Lituânia são de 19922 Os dados da Noruega, Suécia, Dinamarca e Finlândia são de 19803 Abríl de 1994

URSS/RússiaEUAPolôniaEstôniaLituâniaRepública ChecaCanadáEspanhaDinamarcaFinlândiaNocuegaSuéciaHolandaIslândia

miíxillloatingido em 1950, colllmais de 10400presos poreemmilhabItantes, os números da URSS caíram par~j660 em I cJ79 c 353em I 'j89. Ivlas agora a tendência mudou. O número de 573 para1993 indica que a Rússia está, atualmente. voltando à sua posi-çCIode país com uma população carcerária excepcionalmente alta.

Tabela 13.2 Númeco de presos em países selecionados 1979. 1989e 1993

Os Estados Unidos são o SeU único competidor nesta tabela.'Em contraste com a Rússia, encontramos aqui uma popula-ção carcerária que cresce constantemente, atingindo 532' pre-sos por cem mil habitantes em 199:\.

,;1\ China n~o foi inc!lfílfa. Como roi dito tiO C7pftu/o3.4, scus dados de 1992 el'amestimados em 400 a 550 presos por cem mil habitantes,7Os meus dados são da PRL Ncwslcllcl', Reforma Penllllntcnweion:l1. j),llios ele Austin(1994) Indicam cerca de 550 p3rJ os I:staclos Unidos, m3S aquI os números de presosel11cadeias s30de 1992. O llllmero de 532 é subestimado, compnrado com a forma comofoi fcito o cálculo p3ra a Rússia. Estatrsticas de Instiluiçôes para Jovens n.:io cSltioincluidns nos dados dos btados Unidos, como estão nos dn Rússia. Se mcluirrnos e"-tas cstatí~tíc3S, o número de pessOJs entJn:cr<ldJs por l<~mml! hât:it.1ntC:;;~ pm 564"

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

J As colônias precursoras foram os GULAGS, nome que veio de GI<1vnoyeUpmv/cnieLagcrc}; a Administraç;).o CCnlf;]\ dos Campos.4 Os dados das Colônias Florestais não foram incJuidos no relatório de Kalinin - estascolônias pencncem a outros ministérios - mas acho adequado inclui-los. As insli-tuições para alcoólatras devem ser abolidas em breve, mas provavelmente vt'io rea-parecer como colônias comuns.IA conferência foi organizada pelo Centro para a Refor:na Carcerária, uma organi.zação de ex-presos poHticos.

As pessoas que aguardam julgamento na Rússia são, na maiorparte, alojadas em prisões antiquadas, localizadas em áreas ur-banas. As condições nestas prisões superlotadas são extremamenteinsatisfatórias. Descrevi-as no Capítulo 5.6 King (1994) visitourecentemente algumas delas e confirmou csta impressão. De-pois de condenados, quase todos os presos são transferidospara colónias de trabalho corretivoJ Estas colõnias são dor-mitórios, ou casernas, construídos junto a fábricas. De acor-do com os padrões ocidentais, as condições nas colônias sãotambém difíceis, mas menos do que nas prisões destinadas àprisão preventiva.

Como podemos ver nesta tabela, o número total de presos é847.600. Numa população de cerca de 148 milhões, isso dá 573presos por cem mil habitantes. Pode haver erros nestes núme-ros, mas não tenho motivos para achar que a tabela esteja sis-tematicamente incorreta.' Durante a conferência de Moscoudo ano anterior,5 me apresentaram números próximos a um mi-lhão de presos, mas acredito que a diferença de dados está nainclusão de pessoas que os observadores ocidentais não con-siderariam como presos. Contudo, mesmo a estimativa maisbaixa representa uma população carcerária excepcionalmentegrande.

O tamanho da população carcerária russa pode facilmente sercomentado através de uma análise da Tabela 13.2.Aqui encon-tramos dados de países selecionados, a maioria de 1979, 1989e 1993. O liderem encarceramento era a antiga URSS. De um

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PÓS-ESCF-liTO

Em junho de 1994, aconteceu o que se previra. O presidenteBóris Yeltsin anunciou que estava preparando um decreto ur-gente que iria finalmente ajustar a conta com os poderososgãngsteres - "sórdidos criminosos"-, foi o termo que ele usou.Segundo o Ncw Ynrk TImes de 19 ele junho de 1994,'0 novodecreto:

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, 'com O crime organlzac o por até., las sem <lCllsaç[1oofmU ~sem direito à fiança, perrnite rastrearem-se as contas bancÚrias ~

-eie quaisquer suspeitos de envolvimento critlllnal scm ordcm fi~'--Judieial'c'pcrmite'quea políeia-Olilizeo qudelr'obtido'p"rcesteç- ~'~~..-.--~.;'

meios como prova nos tribunais. Há até uma autorizaçáo pawque as autoridades investiguem qualquer pessoa que tenha

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

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13.2 O que está por vir?

Em primeiro lugar, está o papel importante que as colôniaspenais desempenharam até hoje na economia da Rússia. Ascolônias estiveram entre as áreas com melhor desempenhonessa economia. Trata-se de uma força cativa, sóbria, bem or-ganizada, trabalhando em dois turnos, em fábricas dentro domesmo recinto. Como foi dito com orgulho numa colônia quevisitei: "Se não fossem os pesados impostos que pagamos parao Estado, esta colônia, mesmo com os pagamentos tanto aosguardas quanto aos presos, teria dado lucro." Olhando atra-vés das janelas do escritório do diretor, podia se avistar as ra-zões para este orgulho: o maquinário agrícola produzido nes-ta colõnia.

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Estes produtos são o orgulho da colônia, mas também o peri- rgo potencial para todo o sistenla. Ultimamente, eles não eon- --'

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I Assim, a Rússia enfrenta dois perigos. Construiu uma grandeI indústria prisional que tem sido de considerável importãncia

. . .. i. . .para ileçQnomia.MasSe ª_privatização.continuar, a indústria-"",,No,Cápftu/ó 56 - ,7raçÓ~'dê {jjjjlutuio ~ coiicluiq'ue,'pelo .~ .• _-[ ..•• ~ -.-,. carcerária"jJfovavelmeniCiiãõ tHá condiç6eS"de suportar a

menos na Rússia, a redução do número de presos de 660 por I competição. Só que é exatamentc nesta situação que vão au-cem mil habitantes em 1979 para 353 em 1989, não parecia i mentar as pressões para reprimir a parte indesejada da popu-estar consolidado. E a verdade é que o novo crescimento para ( lação. A Rússia adotou elementos do pcnsamento econõmico573 não dá motivos para otimismo. Pelo contrário, alguns ocidental e uma imprensa que ganha dinheiro escrevendo 50-

acontecimentos podem levar a um novo crescimento da popu- bre o crime, mas sem ter uma rede de proteção para os que sãolação carcerária. expulsos do sistcma, e também sem exercer nenhum conlrole so-

bre os novos empresátios. O perigo, nesta situação, é que o siste-ma carcerário na Rússia tcnha que assumir o lugar de sistema re-gulador e darcon!a da ausência dos elementos de bem-estar socialque gradualmente foram sendo criados nos países ocidentais.

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-~~-._-.!Oe_Leeps_(-L992) .-Ver-também-McM ahon-(-1-994).par:::t--uma-dcscriçao~in teressante-.~':. -----~-"""'--~-,dos, acontecimentos no Báltico.9 Jerzy Jasinsiki forneceu gentilmente estes dados.

làmbém há outros países com um número considerável de pre-sos em 1993. A Estônia e a Lituãnia estão enchendo suas pri-

';~~sõesLe~p rovavelm ente~tam bé m-a~cetôll ia:-kpopula'çã'o-,~e,'~ ,~".~.carcerária da Polônia' está crescendo de novo, A Holanda, an-

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tes um exemplo de moderação, duplicou sua populaçãocarcerária nesse período e a Espanha triplicou. A Finlândiaconseguiu manter o nível baixo atingido em 1989.

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

vivido com um suspeito por mais de cinco anos. O atual códigopenal da Rússia apenas admite ü uso de provas obtidas numainvestigaçao autorizada pelo tribunal.

Isto acontece no mesmo momento em que as colônias penaisjá não conseguem compelir com a indústria privada. Nesta si-tuação, as colônias vão perder sua capacidade produtiva e setransformar apenas em campos de inlernaçéla. Mesmo reco-nhecendo a existência de uma grande dose de idealismo e asboas intenções da administração e do pessoal que trabalha nosistema carcerário da Rússia, teme-se que as condições de vida dospresos nestes campos de internamento se tornem deploráveis.

Mas a situação nos Estados Unidos também mudou dramati-camente nos últimos dois anos. O crescimento do número depresos é inacreditável. E a indústria carcerária pressente asoportunidades. Durante os dias de maio de 1994, em que es-crevia este Pós-escrito, a American .lail Association organizouuma conferência de treinamento em lndianápolis. A indústriarecebeu este convite como preparação para a confcrência:

EXPO CARCERÁRIA 1994GANHE COM O MERCADO CARCERÁRIO LOCAL DE

US$ 65 BILHÕES

Os participantes da Expo Carcerária são os que têm poder dedecisao nas cadeias locais - xerifes, administradores, funcioná-rios eleitos, funcionários correcionais, diretores de assistênciamédica, diretores de serviços de nutriçao, pessoal de treinamen-to, arquitetos, engenheiros - pessoas de todos os estados, en-volvidas na administraçao de prisões, novas tendências, servi-ços e produ tos.

Há mais de 100 mil pessoas que trabalham nas cerca de 3.400cadeias locais nos Estados Unidos. Só no ano passado, mais deUS$ 65 bilhCes foram gastos nesta indústria. O mercado dascadeias locais é muito lucrativo! As cadeias sao um GRANDENEGÓCIO.(A énfase nao ê minha.)

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rÓS-ESCf\ITO

Para os que perderam a conferêncio de maio, junho oferecenovas oportunidades. U Nationallnstitule of.lusticc tem esteprograma:

TECNOLOGIA DE SEGURANÇA PÚBL1CA PARAO S(£ULO XXI

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Olljelivos da COfJfcrênc/~7:

"'Aumentares ConhcciJllcnto~ sobn.: os RequiSItos da Scguranç<JPública.,. Aumentar o COllhccllnenlo sobre: ti Valor d:l "kcnologia Apli-cada ,í Segurança Pública.'"Destacar as Oporlllnidadc~ de Transfcréncia de 'lCc.nologiapara a lndústriêl voltada para a Dciesa.* Enfatizar Oportunidadcs para a Indústria no Mercado da Se-gurança Pública.

Este crescimento extremo do nllmero de presos nos EstadosUnidos também é provavclmente apenas o início. Em vcz dcreconhecerem como estão perto de serem os lideres mundiaisde encarceramento, a percepção nacionol parece ser "somosmilito !elJientes em relaçélo aos cJimJ!lOsos". A crcnça quc pre-valece é que mal se toca nos criminosos. Se acabam por serpresos, eles saem demasiado cedo. para prosseguir com suasatividades violentas. Mas agora, pelo menos, a nação acordou.De agora em diante, a modcração vai acabar:

100.000 novos policiais,recursos federais para conslruir mais prisões,punições para aqueles cstados que não construírem mais prisões,"três golpes~ você eslil fora", lima cxprcss:\o tirada do heise-hol, mas que neste caso significa que a pessoa cstil forn ela vidaquotidiana para sempre se for condenada três vezes pclo quepodem ser, na prática, delltels menores,uso amplo de penas compulsórias e também da pena de morte.

A sociedade cumpridora das normas vai recuperar o controle.

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

13.3 Irmãos no encarceramento

Mas naquela época, como agora, os campos também eramdestinados a pessoas comuns que, em condições mais normais,seriam postas em prisões comuns, hospícios ou instituiçõespara jovens, Eram estas as pessoas que - se recebessem auto-rização para voltar para casa depois das anistias - iriam paraMoscou ou São Petersburgo e se juntariam àqueles situadosnos mais baixos estratos sociais,

Nos anos 50, cerca de 2,5 milhões de presos estavam nosGulags da URSS, Costumamos vê-los como presos políticos,Os Gulags eram para um Soljenitsin, para uma [rinaRatusjinskaja (I 988), au tora de Cinza é a cor da Esperança, epara pessoas semelhantes, Elas formavam, na verdade, umgrande contingente, o dos presos políticos, os "inimigos de clas-se", os que tinham opiniões erradas, famílias erradas e classesou vínculos de classe errados,

Deve ler sido o mesmo tipo de pessoas que hoje saem daspenitenciárias nos Estados Unidos e vão para suas casas em

- ~~Qu,a_ndovisiteJuaJ:id~d~ qllesedia uma d,as ,ma,i9rç~fª\Jrli:ªL _ ~' ~- ~, __--áreas ,pobres de eidades comoWashingtont l3aHimore;"Losde automóveis de seu país, o grande cantor russo - poeta e ser Angcles", Quase todas as famílias pobres de Moscou tinhamhumano - Vladimir Vysotskij, teve que atravessar uma rua com- membros com experiência de vida nos campos de trabalho,prida que ia da estação de trem atê o lugar onde pernoitaria i Entre aqueles das áreas pobres das cidades norte-americanas, a(Palmaer 1986, p, 10), Enquanto cammhava, as janelas foram- i situação deve ser idêntica, Nas duas naçôes, esse será um campose abrindo e os aparelhos de som das casas comcçaram a i fértil para uma outra cultura, Para Vysotskij e seus pares menostocar suas músicas em alto volume, Foi a recepção de um I' famosos na Rússia, Para ICr::l'c scus pares nos Estados Unidos,imperador. A - I V k" ê I I' d R - ' As cançoes c e ysots 'IJ cont 111 a me anca la a USSla, s

_2ysotskij deuyoz à experiência demil~ôes derussos,Ele cres:..-:._-~Il cançõcs dos ~stadosUnidüsnle soalÍi liüiisvibrantes, rápidas,ceu perto de uma das prinCipaiS estaçoes ferroViárias de Mos- agressivas, Nao estou sufiCientemente familiarizado com o rapcou, a Rizjskij Vokzal. A área tinha um extremo excesso de po- dos Estados Unidos para analisar semelhanças e diferençaspu!ação, Até 20 famílias dividiam um apartamento e um i entre a música de Moscou/São Petersburgo c a de Los Angeles/banheiro, Foi a época das anistias depois da morte de Stalin, Nova York, Uma impressão superficial é de que Vysotskij can-Os presos voltaram para casa, contando suas histórias e can- ta de forma mais triste, sem esperança, mas por vezes seus te-tando suas tristezas, Vysotskij ouviu e levou suas palavras para mas são fortes e rebeldes, como seu famoso '~\ caçada doo mundo, lobo", Estas mensagens poli'ticas parecem menos claras nas

cançôes americanas, Mas alguns dos temas são muito pareci-dos: desespero, saudades dos entes queridos, amizade, êxta-se, que têm como resultado inevitável a tragédia,

É certo que são canções masculinas, Nos dois países, a maioriados presos é de homens, Mais de 500 para cada cem mil habitan-tes nos dois países estão hoje presos - o que significa, peio me-nos, um por cento da população masculina, tanto da Rússia,quan-to dos Estados Unidos, E cstcs homens não são selecionadosaleatoriamente, A maioria dos cidadãos das duas nações nãodeseja associar-se a ex-presidiários, Mas, para os pobrcs das ci-dades, faz part"da vida ser preso ou estar rodeado de ex-pre-sidiários, particularmente se pertcncer a uma minoria étnica,Jeromc Miller (1994, p, 2) diz o seguinte sobre os Estados

i Unidos:t._;;::-= ..::o;,.:.=;:;N,,- .•••::......,..' -- '. - - ' '- - -- _..... .•. - .•.

i Em 1992, o National Center on Institutions anel AltcrnativeStndies fez uma pesquisa sobrejovcns afro-amcncanos do sexo

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._pouco a pouco, eles foramsendocntendidos def'ormacdiferen-te. Lentamcnte, um maior número de pessoas os viam dc for-ma diferentc e os Gulags passaram a ser vistos como camposde trabalho para os opositores do rcgime. No final, sc torna-ram os próprios símbolos da opress[\o política. Quando o re-gime político foi levemente abrandado depois de Stalin, e opróprio regime interno dos Gulags foi amenizado, todos os quelá viviam foram beneficiados. Aqueles que eram vistos como

. presos políticos "Ruros"[oram () m9\or c1iJ~.rcf9rmas que bc:--n;;néiaállll a maToria. As reformas poltlicas adquir'iram conse-qüências político-criminais.

Mas e hoje? O elemcnto político foi eliminado. Os homens semtrabalho assalariado passaram a ser vistos prcdominantemente. como criminosos, tantl) na Rússia como nos Estados Unidos.O sistema político na Rússia voltou stla atenção p<lra ° quesempre esteve no centro da política: a luta entre os grupos queestão no topo da sociedade. Os que estão na base não mere-cem qualquer atençãó, nem há recursos para as reformas so-ciais. A única alternativa que sobra é criminaíizar e levar paracolõnias penais.

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" NOS.Estados Unidos, a situaçüo é semelhantc. !:s árcas pobres• das Cidades estão~as de problemas - vlolencJa elomestl-

ca, comércio do sexo, comércio de cmck, assassinatos. Crimes.Alvos de guerra. Mais uma vez, estcs fenõmenos poderiam servistos sob um ponto de vista diferente Eles poderia~l, antesde tudo, ser vistos como indicadores de misêria, apontando anecessidade de construir instalações médicas, educacionais, deajuda econõmicll; numa escala comparável ao que é investidonas guerras exteriores às fronteiras nacionais. A questão fas-cinante, vista da perspectiva de quem está noexterior,ê por queas áreas pobres das cidades dos Estados Uuidos são v[staseomo alvos de uma gucrra, em vez ele alvos de drásticas refor-mas sociais .

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE DO CRIME

masculino, no sistema de justiça erinunal de Washington De.A pesquisa revelou que, em129.2. nwis dc qtmlro t'Il1cilda dezJlOmennfrooaniéricilnoi, conl/d,7des C//I/c IS c 35 ilnos, (rcsl~demes em Washinglon DO, eSI,7Vilmnuma penilenci,1rill, sobproba/íon, em ltberd,7de condicional, sollos sob liánÇ<7ou sen-do procurildos com nwndildos de priS!lo.No mínimo, 70% dos jovens negros, moraelores ela capital, sc-riam presos pelo menos uma vez, antes ele chegarem aos 35anos. Se consielerada a vielainteira, o índice de risco crescia de80% para 90% Cp.2).Uma pesquisa semclhantc sobre os ncgros elc Baltimorc,

. Mªrylanel ... mostrou ,q',!,£56')!, .dC.lodos (jj./tOJúc/i; ,ifreh7men- _ ..-" amos com Idades ciilre IS e 35anos que J(,sldiam /w cidade de

Oillli/llorc eslavilmlluma pCllilcnci,1n:7,sob probation e emli-berdade condicion.71, sollos sob ft:7IIça ou sendo procumdoscom mandados de prisllo.

13.4 O significado de atos indesejados

Compreender a vida social é em grande parte uma luta paraencontrar o significado dos fenômenos, e a razão de sua ocor-réncia. Os reis são filhos de Deus ou descendentes de crimi-nosos bem sucedidos? E os que brilham nos negócios ou nasartes, será que eles tém qualidades compatíveis com seu modode vida? Será que os pobres têm que ser scmpre bêbados inú-teis, ou vítimas de condições sociais que escapam a seu con-trole? Será que as áreas pobres das cidadcs não passam dclugares onde se reúnem os que não têm aspirações? Ou serãoos lugares de despejo dos que não obtêm sequer uma pequenaparcela dos benefícios das sociedades modernas? O significa-do atribuído a certos fenõmenos tem conseqüências sobre asações escolhidas, assim como as ações dão significado aos fe-nõmenos.

Os ex-prisioneiros dos GuJags tinham pelo menos um tipº de so[:~e:entre eles havia presos vistos como presos políticos. Não peloregime - os detentores do poder os viam como os mais crimino-sos de todos, tendo cometido crimes contra o regime. Mas,

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A INDÚSTRIA DO CONTROLE 00 CRIME

Alexis de Tocqueville já tinha observado que (I espírito demo-crático e a luta pela igualdade, que encontrou nas suas viagenspelos Estados Unidos de 1831 em diante, também ofereciamalguns aspectos potencialmente problemáticos. Ele temia parti-culannente o potencial de tirania desta igualdade C1990, p. 231):

Quanto a mim, se sentir a mão pesada do poder na minha fron-te, pouco me importo de saber quem está me oprimindo; tam-hém não vou querer suhmeter minha cabeça ü canga, só por-que um milhão de homens a seguram para mim.

E afirma, em relaçáo ao Judiciário Cp. 131):

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Minha maior queixa contra ° governo democrático, como or-~ ganizado nos Estados Unidos, não é, como entendem muitos

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v..,y europeus, sua fraqueza, mas sim seu irresistível poder. O que eu. . IIT considero mais repulsivo na América não é a extrema liberdade_

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0 reinante, mas a falta de garantias contra a tiral1la\ . .pft Quando um homem ou partido sofrem. uma injustiça nos ~sta-'$í . oJ dos Umdos, a quem podem recorrer? A OPinIãOpublica? E elaVI~ que molda a maioria. Ao Poder Legislativo? Ele representa a

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~\" maioria c a ela obedece cegamente. Ao Poder Executivo? Ele é)( nomeado pela malOna e a serve como seu Instrumento passIvo.

À Polícia? Ela não passa da maioria armada. A um júri? O júriri é a maioria investida do direito de julgar; até os juízes, em cer-tos estados, são eleitos pela maioria. Assim, por mais iníquaou absurda que seja a medida que vos atingir, tendes que vossubmeter.

Rússia e Estados Unidos. Duas grandes nações. Uma solução.

13.5 Os freios sumiram

Alguns dirão: isto não pode continuar. Vai sair muito caro e,por isso, terá que chegar ao fim.

Duvido. Quem pensa em dinheiro no meio de uma guerra? Aguerra contra as drogas, a guerra contra a violência, a guerracontra a pornografia, a necessidade urgente de garantir a se-gurança nas ruas e a propriedade - estas são situaçõesarquetípicas, onde não cabe preocupação com dinheiro.

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PÓS-EscnlTO

o perigo nesta área é de quc a situação dos Estados Unielospossa reforçar o que acontece na Rússia. Às críticas ao núme-ro crescente de presos na Rússia podem ser facilmente respon-didas comum "olhem para a América".

Esta situação também pode ter conseqüências para o rcstan tedo mundo industrializado. No momento em que os EstadosUnidos estão rompendo com toelos os padrões anteriores deconcluta cm relação a scgmcntos c1esua própria população, ea Rússia regressa a padrões anteriores, paira uma ameaça so-bre o que se concebe normalmente como número aceitável depresos na Europa Ocidental. Estabeleceu-se um novoparámetro. O resultado disso é que a Europa Ocidental podeencontrar dificuldades crescentes para preservar sua políticapenal relativamente humanitária. E os outros países da Euro-pa Oriental podem também se sentir encorajados a seguir oexemplo dos dois líderes em matéria de encarceramento.

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