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A influência do toyotismo na reestruturação do sistema capitalista: uma análise gramsciana João Paulo Santos Araujo 1 Resumo Este artigo tem como preocupação a análise do modelo produtivo Toyotista no mundo pós-Fordista. A intenção é provar que o modelo, desde a sua origem, tem características semelhantes às que deram origem ao Fordismo nos Estados Unidos e foi fundamental na substituição deste em sua decadência pelo modelo pós-Fordista. O estudo retrata a influência de tal modelo sobre aspectos sociocul- turais, políticos e econômicos na sociedade japonesa e, posteriormente, a replica- ção de seus elementos além das fronteiras do Japão. Além disso, o Toyotismo é aqui apresentado como o modelo que reestruturou o sistema capitalista e o manteve como sistema de acumulação vigente e a base da flexibilização da era pós-Fordista. Para isso, serão utilizadas as ideias de Gramsci como base teórica para a discus- são por acreditar que sua preocupação com a extensão das transformações dentro do ambiente de trabalho se estende às esferas sociais, políticas e econômicas da sociedade. A análise feita pelo autor sobre o Fordismo estadunidense servirá de alicerce para a abordagem do Toyotismo e suas consequências nessas esferas. O es- crutínio aborda elementos produtivos, mudanças e características do trabalhador e a influência dessas mudanças nas políticas de governo. O ponto de partida para a análise é o Fordismo nos Estados Unidos e o nascimento de um novo sistema de acumulação por esse modelo ser o predecessor e a base do Toyotismo japonês. Em seguida, o declínio do modelo e a crise de rigidez serão postos em foco para, por fim, apresentar o Toyotismo, a flexibilização da produção e as mudanças que o modelo trouxe ao sistema produtivo e social no mundo. Palavras-chave: Toyotismo. Fordismo. Modo de produção. Flexibilização da pro- dução. 1 Mestre em Relações Internacionais pela University of Kent, Canterbury, Reino Unido.

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  • A influncia do toyotismo na reestruturao do sistema capitalista:

    uma anlise gramscianaJoo Paulo Santos Araujo1

    Resumo

    Este artigo tem como preocupao a anlise do modelo produtivo Toyotista no mundo ps-Fordista. A inteno provar que o modelo, desde a sua origem, tem caractersticas semelhantes s que deram origem ao Fordismo nos Estados Unidos e foi fundamental na substituio deste em sua decadncia pelo modelo ps-Fordista. O estudo retrata a influncia de tal modelo sobre aspectos sociocul-turais, polticos e econmicos na sociedade japonesa e, posteriormente, a replica-o de seus elementos alm das fronteiras do Japo. Alm disso, o Toyotismo aqui apresentado como o modelo que reestruturou o sistema capitalista e o manteve como sistema de acumulao vigente e a base da flexibilizao da era ps-Fordista. Para isso, sero utilizadas as ideias de Gramsci como base terica para a discus-so por acreditar que sua preocupao com a extenso das transformaes dentro do ambiente de trabalho se estende s esferas sociais, polticas e econmicas da sociedade. A anlise feita pelo autor sobre o Fordismo estadunidense servir de alicerce para a abordagem do Toyotismo e suas consequncias nessas esferas. O es-crutnio aborda elementos produtivos, mudanas e caractersticas do trabalhador e a influncia dessas mudanas nas polticas de governo. O ponto de partida para a anlise o Fordismo nos Estados Unidos e o nascimento de um novo sistema de acumulao por esse modelo ser o predecessor e a base do Toyotismo japons. Em seguida, o declnio do modelo e a crise de rigidez sero postos em foco para, por fim, apresentar o Toyotismo, a flexibilizao da produo e as mudanas que o modelo trouxe ao sistema produtivo e social no mundo.

    Palavras-chave: Toyotismo. Fordismo. Modo de produo. Flexibilizao da pro-duo.

    1 Mestre em Relaes Internacionais pela University of Kent, Canterbury, Reino Unido.

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    1 Fordismo

    A anlise da importncia da produo automobilstica no mundo capitalis-ta pode esclarecer muitas dvidas sobre a permanncia desse ltimo como prin-cipal modelo econmico vigente. Desde a substituio da produo artesanal na qual os automveis eram artigos para a camada social de maior poder aquisitivo at o incio da popularizao do uso do automvel e a produo em grande es-cala, os modos de acumulao e a produo tiveram que conviver com crises. Por conseguinte, para manter o sistema em harmonia com as necessidades impostas pelas novas demandas dos consumidores e tambm para uma melhor aplicao dos recursos disponveis no processo produtivo, essas crises tiveram de ser contor-nadas. Grande parte das mudanas do setor industrial foi proporcionada pela evo-luo tecnolgica e pelos meios utilizados na produo automobilstica, j que os modelos produtivos e gerenciais foram sendo replicados em vrios outros setores. Tal indstria foi uma das pioneiras no desenvolvimento dos meios de produo, organizao e diviso do trabalho.

    As mudanas procedimentais no so o cerne desta anlise, mas carregam em si uma importncia mpar no tocante ao surgimento de novas estruturas so-ciais, econmicas e polticas para o sistema produtivo e de acumulao atual. A transio de um modelo artesanal de produo para um modelo Fordista e, poste-riormente, para um modelo ps-Fordista, marca no s uma era tecnolgica, mas tambm uma variao comportamental em termos sociopolticos. A sociedade reage de acordo com a situao socioeconmica e, de certa forma, sucumbe aos novos modelos produtivos por necessidades temporais. J os governos, com seus interesses desenvolvimentistas, investem no crescimento das indstrias nacionais por meio de polticas pblicas.

    Em termos tericos, podemos afirmar que o capitalismo passa sempre por um ciclo de conjuntura. Esse conceito, segundo Paul Singer (1987) em sua anlise, caracteriza o capitalismo como capaz de passar por mudanas constantemente, dependendo da necessidade que enfrenta.

    As supramencionadas transies ocorrem sempre em um perodo em que o sistema capitalista sofre crises estruturais, com a ameaa socialista durante o ps-Primeira Guerra (no caso do Fordismo) e com a Guerra Fria (ps-Fordismo).

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    Alm disso, outros fatores marcantes dessas crises sero aqui apresentados, como a crise de superproduo do incio do sculo e as crises do petrleo da dcada de 1970, que colocaram em dvida a continuidade do mesmo no sculo XX. Uma constante reformulao nos moldes da produo proporcionou o triunfo do siste-ma e, como visto atualmente, sua maior influncia na economia mundial.

    justamente a capacidade de reformulao do capitalismo que define a ter-minologia adotada por Singer. O autor destaca que a regulamentao na criao de polticas criadas junto s necessidades temporais de determinado perodo so-cioeconmico que mantm a harmonia entre as esferas sociais, econmicas e po-lticas (SINGER, 1987). Assim, como ser explicitado no decorrer desta pesquisa, os processos produtivos contribuem de maneira decisiva para a conservao do sistema. Eles foram, na minha interpretao, cruciais para a adequao s novas demandas e problemas desenvolvidos com o passar dos anos. O argumento que segue para, alm de comprovar o carter cclico da restaurao do sistema capita-lista no ps-guerra, explicitar a importncia do sistema Toyota de produo depois das crises da dcada de 1970. Para cumprir com esse objetivo, o pensamento Gra-msciano sobre o Fordismo nos Estados Unidos e a busca pela racionalizao sero os pontos de partida para a anlise.

    O incio da era Fordista, ao fim da primeira Guerra Mundial, teve a seu fa-vor a mudana na tecnologia industrial da poca. A inteno de produzir veculos em srie, de uma forma mais sucinta e menos dispendiosa, findou por criar a racio-nalizao do processo de produo. Essa observao no nova, j que em outros perodos histricos, principalmente desde a Revoluo Industrial, a inteno do crescimento do volume da produo e a diminuio dos custos eram aparentes. No entanto, as consequncias diretas ao desenvolvimento do Fordismo resultaram num novo sistema de acumulao de propores mundiais em um curto espao de tempo.

    A partir dos bons resultados alcanados pela Ford Motors, a busca pela ra-cionalidade na produo comea a ser prioridade para os engenheiros de produo e empresrios. Cria-se, portanto, um pacto social onde a sociedade interage com o um determinado sistema produtivo de modo a faz-lo funcionar e triunfar sobre outros. Tal pacto nem sempre tcito e depende, em grande parte, da aceitao so-cial das medidas impostas pelas empresas e, em alguns casos, polticas de governo.

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    Tal interpretao nos remete ideia de racionalidade tecnolgica contida nas ideias de Max Weber, e desenvolvida por Habermas. O conceito foi proposto, segundo Habermas, com a inteno de estabelecer uma relao entre sociedade e desenvolvimento tecnolgico. Para ele, a racionalidade tecnolgica a forma de le-gitimar a dominao dos indivduos pela dependncia social das tecnologias cria-das (HABERMAS, 2001). Primeiramente, o foco se d apenas nos meios em que a cientificidade da administrao colocou em voga a forma de produo dentro da indstria. Isso porque o modelo anterior revoluo industrial nos remete a um tipo de sociedade que no h a priori inteno de se montar modelos indus-triais. Nesse processo de mudana, importante ressaltar que, fundamentalmente, a transformao e o maior conhecimento dos recursos naturais fazem parte da proposta, j que tais fatores correspondem s fontes para o desenvolvimento de novas tecnologias e proporciona a subordinao dos indivduos no tocante s pra-ticidades cotidianas desde os primrdios.

    A racionalizao das tecnologias que na sua essncia se relaciona com a comodidade e o incio da dependncia tecnolgica e a sujeio ao modelo de administrao cientfica de Frederick Taylor levaram Henry Ford concluso de seu modelo de automvel e ao processo produtivo do mesmo. A decomposio do trabalho na fbrica e a fragmentao da produo mostravam, em um curto perodo de tempo, que a produo automobilstica de Ford estava um patamar aci-ma das demais empresas, fator esse que causou uma revoluo no ramo industrial ao qual pertence. Pode-se afirmar, portanto, que o Fordismo e o Taylorismo, em conjunto, foram os marcos da racionalidade corporativa do trabalho na produo automobilstica da poca (GOUNET, 1999).

    No entanto, e esse o objetivo deste escrutnio, a racionalizao da pro-duo acarretou consequncias muito alm daquelas mudanas vistas dentro das premissas fabris. Por tal motivo, o termo Fordismo aqui mencionado se trata de um sistema mais amplo e inclui os mecanismos de produo e consumo em massa baseado no desenvolvimento de uma populao economicamente apta a consumir as mercadorias que produz. O Taylorismo/Fordismo - modelo ligado ao processo administrativo fortemente influenciado pelos Princpios de Administrao Cient-fica, de F. W. Taylor (HARVEY, 1993) aqui deixado de lado para que o foco seja dado ao Fordismo como modelo de produo e forma de acumulao.

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    A transformao dos elementos do trabalho e da produo mudou o pano-rama mundial. A verticalizao da produo monopolizao de todas as etapas do processo pelos industriais criou grandes corporaes, sendo que a grande maioria era lotada nos Estados Unidos. Esse tipo de produo tinha por base a grande especializao dos trabalhadores e tarefas montonas de carter puramente fsico. O fator relevante nesse aspecto que as funes realizadas requeriam mui-to pouco dos empregados, o que os condicionava a uma baixa (ou praticamente inexistente) qualificao para o tipo de funo designada. Somado a esse fator, temos as mquinas que, mesmo modernas na poca, representavam um maquin-rio altamente limitado a desempenhar funes especficas, ou seja, assim como os trabalhadores, possuam pouca versatilidade.

    Por tal motivo, Henry Ford encontrou dificuldades em contratar funcion-rios e se viu obrigado a trazer mo de obra imigrante para as linhas de montagem. Isso porque os trabalhadores que possuam oportunidade de escolher entendiam o processo artesanal como sendo mais qualificado e menos constrangedor, levando-se em considerao que os trabalhadores atuantes no ramo possuam status de mo de obra qualificada. A soluo encontrada foi de dobrar os honorrios recebidos pelos trabalhadores, passando a receber cinco dlares por cada jornada de oito ho-ras de trabalho, com o objetivo nico de trazer para a Ford a quantidade necessria de trabalhadores para suprir as necessidades de produo. Foi inevitvel que as empresas concorrentes principalmente as menores perdessem espao, inclusive entre os trabalhadores, e tiveram que se adequar tambm ao novo salrio pago aos seus funcionrios (GOUNET, 1999).

    A partir desse momento, surge nos Estados Unidos uma classe traba-lhadora com grande poder aquisitivo. Com o aumento na produo de ve-culos e os baixos preos cobrados, ocasionou um maior acesso compra de automveis por parte dos estadunidenses. O crescimento do poder de compra do trabalhador resultou na insero de uma nova populao consumidora de automveis nos planos de venda. O precursor do modelo tinha conscincia que seus trabalhadores eram potenciais consumidores de seus automveis e trabalhava com a produo estrategicamente montada com trabalho em apenas cinco dias semanais. Os outros dois dias restantes serviriam para o descanso de seus funcionrios e para que eles tivessem tempo de desfrutar de seus bons sa-

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    lrios, de preferncia dentro de um carro produzido na Ford Motors. A trans-formao do trabalhador seguia e foi alvo de comentrios de Antonio Gramsci, em uma sesso exclusiva intitulada Americanismo e Fordismo, que considerou a racionalizao da produo como a aliana entre a fora (destruio do sin-dicalismo operrio de base territorial) com persuaso (altos salrios, diversos benefcios sociais, habilssima propaganda ideolgica e poltica) e conseguindo centrar toda a vida do pas na produo (GRAMSCI, 2001, p. 247). Em outra passagem, Gramsci acrescenta que:

    Na Amrica, a racionalizao do trabalho e o proibicionismo esto indubitavelmente ligados: as investigaes dos industriais sobre a vida ntima dos operrios, os servios de inspeo criados por algumas empresas para controlar a moralidade dos operrios so necessidades do novo mtodo de trabalho. (GRAMSCI, 2001, p. 266)

    Tais medidas foram tomadas pela Ford Motor Company para um maior controle extrafbrica dos trabalhadores, pois alm de receberem altos salrios, os operrios eram responsveis por grande parte do consumo da empresa. Portanto, as medidas denominadas por Gramsci como proibitivas sempre visavam o melho-ramento do desempenho do trabalhador dentro da linha de montagem, transfor-mao do trabalhador em um indivduo social modelo e torn-lo um consumidor em massa. Acontece, portanto, a formatao do funcionrio alm dos muros da fbrica.

    Chamo a ateno para o fato de que Gramsci no presenciou a ascenso do Fordismo ao topo. Publicado em 1934, a obra em que ele apresenta dados rela-cionados ao Fordismo mostra ainda um sistema em desenvolvimento. A previso feita por uma mundializao do modelo era feita em meio grande expanso dele, principalmente no continente europeu. Porm, em sua anlise, Gramsci aponta o xito de Ford apenas pela disposio cultural estadunidense no que se refere aos meios de produo e de vida na Amrica do Norte. Para ele, a Europa passaria por grandes dificuldades na adoo de tal forma de produzir veculos por possuir uma classe parasitria2 em sua formao social.

    2 Gramsci utiliza esse termo em Cadernos do Crcere: temas de cultura, ao catlica, ame-ricanismo e fordismo para caracterizar a classe burguesa europeia. Para ele, essa classe a responsvel pelo atraso e a dificuldade de implantao do Fordismo nos pases europeus.

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    A diferena existente, quando comparamos os europeus aos estaduni-denses, na posio do autor, foi devido s razes histricas dos ltimos e a uma composio demogrfica racional afastada de tradies que colocassem alguma classe sem nenhuma funo essencial na produo. Para ele, essa seria a tnica do desenvolvimento de um consumo em massa e a transformao do trabalhador. Na opinio de Harvey, em uma das interpretaes do pensamento de Gramsci, esse autor utiliza-se de uma citao do prprio para caracterizar o modelo fordista como sendo maior esforo coletivo at para criar, com velocidade sem preceden-tes, e com uma conscincia de propsito sem igual na histria, um novo tipo de trabalhador e um novo tipo de homem (HARVEY, 1993, p. 121). Podemos, nesse aspecto, concluir que a produo do novo homem para Gramsci, e no entendimen-to de Harvey, seria o fato de tais medidas proibitivas causarem impactos sociais e individuais numa sociedade pr-disposta s mudanas.

    Com a crise financeira e de superproduo de 1929, surgiram estratgias po-lticas e econmicas as quais fizeram com que os norte-americanos retomassem o crescimento econmico para, logo a seguir, dominar a produo industrial mundial. As polticas do New Deal e a aplicao do pensamento Keynesiano tiveram o apoio de vrias camadas da sociedade estadunidense incluindo intelectuais, empresrios e donos de indstrias e sindicatos (ROBINSON, 2004, p. 42). Foi desse modo que o Estado agiu em conjunto com as aspiraes das companhias e foi o rgo regulamen-tador que proporcionou polticas fiscais e monetrias no setor pblico.

    Primeiramente, o Estado, nesse caso, impulsiona o sistema produtivo a fun-cionar sozinho e, com uma infraestrutura favorvel, torna prtica e necessria a utilizao de um automvel no cotidiano. Essa suposta dominao criada pela co-modidade e a facilidade em se obter um automvel3 agiu como uma estrutura para uma ajuda mtua entre a venda de automveis, os grandes lucros das empresas e a existncia de um sistema que buscava o pleno emprego e tinha por base o consumo em massa. O crescimento da produo colocou mais empregos disposio da po-pulao, assim como o desenvolvimento infraestrutural tambm demandou muita mo de obra em diversos setores da economia (ROBINSON, 2004).

    3 Neste caso, podemos relacionar essa dominao como sendo um exemplo prtico da inter-pretao de Habermas sobre a racionalidade tecnolgica de Weber, onde a legitimao se d pelos fatores comodidade e facilidade em se obter um automvel.

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    O crescimento norte-americano causou impacto na estrutura econmica mundial. Assim, ganhou fora a ideologia produtivista proposta por Rupert, que defende a atuao dos governos para criar um ambiente favorvel produo para manter altos nveis de produtividade atravs do consumo em massa (RUPERT, 1995, p. 29). Nasce a o compromisso da classe Fordista que Lipietz e Robinson mencionam em seus estudos. Esse compromisso baseado em incentivos s com-panhias, arrecadao e redistribuio de renda alm da autorregulao da econo-mia para assegurar um crescimento em longo prazo por meio do pleno emprego (ROBINSON, 2004, p. 42; LIPIETZ, 1987). Mesmo com diferentes impactos nas diferentes economias e sociedades em que o modelo foi aplicado a utilizao quase que universal e nesse caso importante mencionar que at mesmo a Unio Sovi-tica e suas diretrizes socialistas foi adepta deu ao Fordismo o status de modo de acumulao universal. No entanto, cabe ressaltar, foi no ambiente de livre mercado e na criao de mtodos para a compra de matria-prima de baixo custo e venda de produtos industrializados que o sistema se desenvolveu. Aos poucos os merca-dos internacionais foram sucumbindo s mudanas e aceitando as novas normas impostas para tambm desenvolverem sua capacidade comercial e produtiva. A implicao disso foi a notria liderana estadunidense na produo industrial que ajudou o pas a sobrepor a crise de superproduo da dcada de 1920.

    Nesse ponto, o pensamento Gramsciano e a importncia dada por ele s mudanas produtivas mostram a caracterstica mundial da produo industrial e os nveis por ela atingidos. Do perodo entre guerras at o fim da dcada de 1970 a produo e o consumo em massa ditaram as relaes de produo e recaracteri-zaram o capitalismo, com o modo Fordista de produo e acumulao. a influ-ncia das mudanas dentro do ambiente de trabalho no contexto sociopoltico e econmico.

    1.1 Declnio

    De fato, a preponderncia do modelo Fordista veio abaixo com a sequncia de crises na dcada de 1970. Para Harvey, j em 1960 o Fordismo apresentava problemas em seu cerne, os Estados Unidos. Segundo o autor, a rigidez, os altos custos com estoques e a mudana na demanda dos consumidores expuseram

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    as fragilidades produtivas do sistema. certo que nesse perodo houve grandes avanos na rea de transportes e a exportao continuava alimentando grande parte das corporaes, assim como as suas subsidirias continuavam obtendo bons lucros. Mas, o fato relevante do perodo que, mesmo com o aumento da produo no mundo inteiro, as empresas estadunidenses concorriam com um crescente mercado internacional cada vez mais preparado para a competio nas exportaes de insumos industrializados. Harvey destaca ainda que, com o fim das reconstrues europeia e japonesa planos Marshall e Colombo, respectivamente o mundo passou a ter novamente uma multipolaridade na produo fabril. Acrescentou-se a isso a transnacionalizao da produo poltica de substituio das exportaes dos pases em desenvolvimento, a criao do mercado dos eurodlares em todo o mundo, e o crescimento da inflao nos Estados Unidos devido emisso de moeda em excesso para pagar as dvidas das polticas sociais de Kennedy e a Guerra do Vietn (HARVEY,1993). O Fordismo ganhava outro vilo s suas aspiraes quando, no perodo de 1968-72, uma srie de greves dos trabalhadores parecia tornar o sindicalismo imbatvel nos pases industrializados. As concesses trabalhistas estavam trazendo cada vez mais prejuzos s empresas e esse fator evidenciava a fragilidade do sistema de acumulao vigente j que muitas das grandes corporaes mostravam sade financeira complicada.

    A situao do modelo Fordista ainda se agravaria com a resoluo imposta pelos membros da OPEP em 1973. A deciso de dobrar o preo do barril do pe-trleo combustvel da produo industrial e dos automveis , alm de iniciar embargos exportao do produto aos pases do ocidente em represlia ao apoio de tais pases a Israel no conflito rabe-isralense de Yom Kippur; foi mais um fator decisivo em uma crise que se estendia por alguns anos (HARVEY, 1993).

    Assim sendo, as fbricas passaram a ter problemas de abastecimento e se queixavam de um consequente aumento dos preos dos produtos finais, e, no caso especfico da produo automobilstica, um aumento no custo do combustvel dos automveis. Diante de tais dificuldades, o sistema de produo e acumulao entra em colapso e, para se sustentar, o capitalismo sofreu mais uma mudana.

    O resultado disso foi o desenvolvimento de novas tecnologias e um modelo menos rgido quele proposto pelo Fordismo. O chamado ps-Fordismo, portan-to, caracteriza-se principalmente pela flexibilizao das relaes de produo e

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    da produo em si , novos meios de fluxo de mercadorias e capital e, sobretudo, inovaes organizacionais (HARVEY, 1993, p. 147). Ainda que autores como Do-hse, Jrgens e Malsch (1985, p. 115-146) usem de argumentos contrrios ao fim do modelo Fordista e ao surgimento de um modelo ps-Fordista, as mudanas no sistema levam a crer que a produo e o consumo em massa claramente perderam espao com o passar dos anos. Nesse aspecto, importante ressaltar que, ao definir o Fordismo como um modelo de acumulao, as referidas transformaes indicam que um novo modelo sobreps o antigo. O modelo antigo era rgido e ultrapassa-do e pouco conseguia lidar com as novas demandas tecnolgicas, de mercado e financeiras. Portanto, o Fordismo, a partir da dcada de 1980, foi cedendo espao a outros modelos de acumulao.

    2 Toyotismo

    A existncia de mais de um modelo ps-Fordista, a meu ver, cria uma gama de interpretaes no tocante s estruturas econmicas e sociais num contexto onde a rigidez da produo e dos meios de acumulao nesse aspecto eu incluo pol-ticas de governo perdeu fora. Assim como no modelo Italiano Terceira Itlia e o Volvosmo sueco, o processo que culminou no Toyotismo teve caractersticas socioeconmicas preponderantes para sua consolidao. No entanto, os dois pri-meiros modelos se diferenciam do Toyotismo por tornarem-se apenas modelos produtivos e de pequeno impacto social. importante, portanto, seguir o racioc-nio anterior em relao ao Fordismo e caracterizar o Toyotismo no s como um modelo produtivo, mas tambm como uma mudana social, poltica e econ-mica do Japo. Sendo assim, o foco da anlise passa a ser a utilizao dos conceitos Gramscianos da anlise anterior para interpretar as mudanas e peculiaridades do modelo japons com relao propenso desse pas em criar um mtodo que atra-vessou as fronteiras de seu territrio.

    Historicamente, podemos atribuir o nascimento do Toyotismo s dificulda-des de se implantar o Fordismo no Japo. A demanda naquele perodo era diferen-ciada e o pas possua caractersticas muito distintas s das sociedades ocidentais. O incentivo do Estado mostrava uma tentativa de se manter uma indstria forte, mas o resultado da guerra e das bombas atmicas lanadas sobre seu territrio

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    colocaram o Japo merc de polticas outorgadas pelas naes vencedoras do conflito. O plano de reestruturao do pas intencionava, alm de outras coisas, ocidentalizar o padro de consumo do pas. Entretanto, essa ao no obteve xito, j que, a implantao de um modelo puramente ligado produo em massa exigia o complemento do consumo em massa, porm, uma populao que reagia a um conflito como a Segunda Guerra e, com os nus sofridos, no teria poder aquisitivo para responder de tal forma aos estmulos de consumo.

    Womack aponta que as necessidades territoriais foram de grande impor-tncia para a adaptao do modelo de Ford s necessidades japonesas. O autor destaca cinco dificuldades enfrentadas pelos japoneses na jornada da produo de automveis, iniciando pela limitao do mercado domstico e a variedade de demandas, fator que obrigava a fabricao de um automvel para cada tipo de consumidor:

    Carros de luxo para autoridades governamentais, caminhes grandes para transportar mercadorias, caminhes pequenos para os agricultores menores e carros pequenos adequados para as cidades populosas e para o alto custo do combustvel no Japo (WOMACK, 1992, p. 40).

    O terceiro ponto foram os empecilhos causados pela influncia dos Estados Unidos nas leis trabalhistas do pas. Para Womack, aps a aprovao das novas leis, os trabalhadores passaram a ter direitos mltiplos e seria dispendioso ao emprega-dor demitir funcionrios, garantindo-lhes um emprego quase vitalcio. Alm disso, os sindicatos passaram a ter uma maior proteo em termos legais e defendiam todas as esferas da empresa (os trabalhadores de cho de fbrica e os administra-tivos), garantindo, por exemplo, uma diviso dos lucros da empresa em forma de bnus peridicos. O ltimo argumento relacionado aos funcionrios era a dificul-dade em se encontrar o que Womack chama de trabalhadores-hspedes, ou seja, trabalhadores estrangeiros que estariam dispostos a oferecer mo de obra barata e se submeter s longas horas de trabalho dentro da fbrica, j que nos outros pases que adotaram o sistema esse tipo de trabalhador correspondia a uma parcela con-sidervel do total.

    As outras duas razes so relativas ao mercado exterior e competitivida-de. A economia japonesa foi devastada pela guerra e isso mostrava que o pas no teria condies de importar maquinrio de alta tecnologia para industrializar-se

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    nos moldes ocidentais. As empresas concorrentes eram grandes corporaes que, alm de terem a inteno de infiltrarem-se no mercado Japons, eram dotadas de muitos recursos para a defesa de seus mercados, dificultando assim o acesso dos produtos japoneses.

    A tentativa governamental de incentivar as indstrias japonesas naquele perodo era veemente. Cada vez mais, polticas desenvolvimentistas e intervenes estatais foram sendo tomadas. Assim como no ocidente, a anteriormente men-cionada ideologia produtivista, proposta por Rupert, foi a aposta japonesa para o desenvolvimento econmico.

    Em uma das medidas criadas para desenvolver empresas competitivas, o Estado japons, atravs do MITI (Ministrio do Comrcio Exterior e Indstria), props, nos anos 1950, a fuso das doze maiores empresas fabricantes de auto-mveis em uma ou duas empresas grandes para fazer frente s grandes de Detroit General Motors e Ford Motors , sendo que elas no deveriam competir umas com as outras. As grandes corporaes seguiriam os moldes das empresas norte-americanas e receberiam total apoio governamental para o crescimento interno e externo. Apesar disso, as empresas japonesas no seguiram as instrues do MITI e, segundo Womack, isso foi preponderante para o xito dessas companhias. Isso porque foi da individualidade e da relao entre pequenas, mdias e grandes em-presas que o processo de reestruturao seguiu. Porm, antes de discutir a relao entre tais empresas, me preocupo em apresentar as condies das relaes de tra-balho no Japo.

    O primeiro ponto a ser ressaltado para explicar o desenvolvimento indus-trial japons aqui ser defendido pela configurao geogrfica de seu territrio e das caractersticas da mo de obra, j que o pas possua, e ainda possui, grandes limitaes referentes s matrias-primas. De fato, o Japo no teria condies na-turais de manter uma indstria forte apenas com o que se extraa internamente, o que culminou na grande dependncia da importao de matria-prima externa. Max Derruau destaca:

    O Japo quase que s se basta a si mesmo no tocante a pequeno nmero de matrias-primas, como o enxofre, as piritas, os minerais de cromo, de chumbo, de zinco, de cobre, de prata e de ouro. Ele no assegura o seu prprio abastecimento em carvo seno na proporo de [...] A produo nacional

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    no fornece o suficiente, a no ser em quantidades vulgares. O pas carece, seriamente, de minrios de ferro e sucata, de todos os minrios no ferrosos, com exceo dos que foram citados atrs, principalmente de bauxita. Igual carncia se verifica no que tange ao petrleo, que no atende a 1% das necessidades nacionais, e s matrias-primas da indstria qumica mineral: nitrato, potassa, fosfato, sal. At mesmo as florestas, ocupando, embora, quase 70% da superfcie do territrio, somente abastecem o Japo na proporo de (DERRUAU, 1970, p. 139).

    O ambiente desfavorvel deu oportunidade ao desenvolvimento tecnol-gico. Assim, os recursos naturais eram cada vez mais bem aplicados e a utilizao eficaz tanto de matria-prima quanto de recursos humanos promoveu o sistema Toyotista ao estgio de paradigma da produo no Japo. Essa transio pode ser explicada com as ideias de Gramsci quanto racionalizao e moralidade. Foi uma nova transformao do trabalhador e do homem. A aluso feita realidade japonesa haja vista que, de uma maneira incisiva, os procedimentos desenvolvi-dos intrafbrica tiveram influncia direta no comportamento da populao fora do ambiente fabril. Esse ltimo, por conter um carter moral de uma tradicional sociedade como a japonesa, findou por criar e, posteriormente, legitimar as mu-danas sociais e o desenvolvimento da cultura industrial no pas.

    O processo de racionalizao ocorre, dentre outros motivos, pela deman-da diferenciada e pela busca de um maior custo-benefcio tanto para a produo quanto para o consumidor. Em tempos em que o preo do combustvel vivia gran-de turbulncia, disponibilizar produtos menos dispendiosos foi um diferencial na competio com as demais empresas. A preocupao com a diminuio do espao e o tempo da produo, a gradual diminuio do tamanho e do gasto com os es-toques produo just-in-time e o investimento na qualidade dos produtos por meio de um controle de qualidade exigente, baseados na inteno de reduzir os erros a zero, revigoraram o dispendioso e rgido Fordismo.

    A funo desempenhada pelos trabalhadores mudou. Isso porque, a esse ponto, os trabalhadores j no eram mais aqueles apertadores de parafuso das fbricas Fordistas e tornaram-se mo de obra qualificada. Assim sendo, a Toyota buscou o fim da especializao do trabalhador, o que culminou na polivalncia dos operrios e a melhor compreenso, por parte deles, das etapas da produo. Seria,

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    portanto, assim como no Fordismo, uma tentativa de criar um novo tipo de tra-balhadores, nem to talentosos e polivalentes como os artesos, e nem to braais quanto os trabalhadores ao modo Fordista.

    Uma mudana como essa no to drstica a ponto de confundir muitas cabeas. O trabalho realizado continuava no exigindo muito das capacidades intelectuais dos empregados e estes apenas operavam mquinas que obedeciam a comandos simples. Porm, a diminuio dos espaos e o domnio sobre as etapas da produo proporcionaram aos funcionrios a capacidade de fazer seu trabalho e, eventualmente, substituir algum outro funcionrio que no se fez presente. Sobre a polivalncia dos operrios, Hirata e Zarifian (2009) ex-puseram:

    A polivalncia das funes dos operrios [...] permite combinar competncias na fabricao, na manuteno, no controle de qualidade, na administrao dos fluxos. Essa combinao favorece curtos percursos de obteno de informao e de interveno dos trabalhadores da fbrica nos sistemas tcnicos, sem que se tenha necessidade de apelar a nveis hierrquicos superiores ou a servios conexos. O ganho de produtividade no apenas evidente, como tambm essas prticas de organizao criam, nos operrios, uma familiaridade com os problemas tcnicos e a busca de suas solues.

    As consequncias disso so sentidas em muitos aspectos. A presso psicol-gica sobre o trabalhador aumenta e cria-se um compromisso do indivduo perante os seus colegas de trabalho. Aos poucos, cada funcionrio passava a se identifi-car mais com a empresa e desenvolvia um sentimento de orgulho por representar a companhia. Os trabalhadores eram tratados com igualdade e mantinham uma relao muito prxima com todos os outros setores e trabalhadores da empresa. Alm disso, eram estimulados a conversar e contribuir com o melhoramento dos processos produtivos, j que eram muito familiarizados com os procedimentos. O ambiente dentro da fbrica incentivava a relao amistosa entre os funcionrios. Tais mudanas ocasionaram uma grande transformao no comportamento e per-fil da mo de obra dentro da fbrica.

    Durante a implementao do Toyotismo, os elementos fora e persuaso foram igualmente decisivos na mudana do perfil dos trabalhadores. Com relao ao primeiro elemento, no Japo, assim como nos Estados Unidos, a classe sindical

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    perdeu fora. Aos poucos as prprias empresas criavam as associaes de trabalha-dores e regulamentavam as relaes de trabalho. No caso japons, a situao eco-nmica do ps-guerra alta taxa de desemprego e dependncia de matria-prima e a reformulao das leis trabalhistas findaram por submeter os funcionrios das empresas a situaes de trabalho menos favorveis.

    O processo de persuaso utilizou o argumento das dificuldades financeiras e o corporativismo dos funcionrios dentro da fbrica. No caso especfico da Toyo-ta Motors, o acontecimento histrico que marcou essa mudana foi a deposio do ento presidente Kiichiro Toyoda por meio de uma greve dos trabalhadores. Aps a mudana de gesto e a demisso de grande parte de seu pessoal, Eiji Toyoda sobrinho e sucessor de Kiichiro na presidncia foi o responsvel por reformular a relao entre funcionrios e a alta cpula da empresa. Eiji teve em suas mos um material humano reduzido j que cerca de um quarto de seus trabalhadores foram demitidos mas garantiu aos remanescentes que eles seriam funcionrios Toyota por toda a vida. Tais trabalhadores passaram a ser parte da empresa e in-corporaram aos seus salrios parte dos lucros totais, alm de terem direito a acesso vitalcio aos benefcios oferecidos enquanto funcionrios da fbrica, sendo que o salrio era correspondente ao tempo de servio na empresa. Em pouco tempo e devido ao sucesso da medida, esta foi amplamente difundida sobre outros setores industriais japoneses.

    De fato, tais particularidades podem ser eventualmente atribudas ao com-portamento sociocultural japons. No entanto, o que mais causou impacto no mo-delo de produo que se estendeu ao mundo se refere relao existente entre as companhias e as suas subsidirias. O tratamento preconizado pela Toyota com seus fornecedores se distanciou do modelo Fordista e foi, em parte, muito similar ao modelo italiano da Terceira Itlia no qual grandes pequenas empresas forne-ciam componentes s grandes corporaes. Diferentemente da produo em mas-sa, a obteno de componentes no se restringia somente matria-prima. Essa relao de afastamento da verticalizao, a explorao das vantagens comparativas principalmente no tocante s importaes de matria-prima e a formao de joint ventures aproximaram o modelo Toyotista s necessidades temporais e, em decorrncia disso, afastou a centralizao Fordista de uma reestruturao que re-meteria aos moldes antigos.

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    As empresas contratadas eram, e ainda so, produtoras de tecnologia e go-zam de uma grande importncia no processo de montagem. Isso significa que o fornecedor deve ser um contribuinte para o processo e deveria fazer parte de um sistema conjunto em que o interesse mtuo traria o melhor resultado. Comumente os acordos entre Toyota e as empresas contribuintes podemos chamar assim os fornecedores eram feitos por um longo prazo e previam uma srie de premissas. Ao contrrio das empresas norte-americanas que entregavam os projetos prontos para a simples execuo da construo das peas (medida que garantia um maior sigilo por motivos supracitados e mostrava a inteno de se manter grande parte dos componentes como sendo propriedade privada da empresa), a Toyota passou a estabelecer nveis de fornecedores que, de acordo com a importncia na produo, faziam parte dos processos de desenvolvimento dos carros (WOMACK, 1992).

    Ainda com relao aos fornecedores, a Toyota estimulou o intercmbio de informaes entre eles. Essa foi a forma encontrada de se criarem novos meca-nismos e tambm de disseminar a chamada produo enxuta4 para as empresas, uma vez que foi detectado um grande nmero de desperdcios na produo deles. Outro fator relevante que alguns dos fornecedores passaram a unir foras e for-necer peas entre eles. Assim, um fornecedor de nvel um poderia produzir uma pea, usando diversos componentes, sendo que alguns deles ele traria de outra empresa fornecedora de nvel dois. Nesse universo de ajuda mtua, todos passam a se beneficiar de alguma forma, inclusive em termos tecnolgicos, e a Toyota no precisa contratar diretamente especialistas em determinadas reas da produo, pois possua fornecedores que agregavam valores ao seu produto.

    De certo modo, essa mudana de relacionamento com as empresas subsi-dirias causou um grande impacto na relao produtiva. Isso porque os benefcios oferecidos aos funcionrios das grandes empresas acabaram por no atingir a ca-mada de trabalhadores das empresas terceirizadas. Cria-se, da, uma classe de tra-balhadores que, por no ter um contrato direto com as grandes corporaes, no goza de estabilidade nem tampouco acesso a regalias como, por exemplo, o bnus sobre o lucro da empresa.

    4 A denominao produo enxuta (lean production) utilizada por Womack em A Mquina que mudou o mundo aproximando as mudanas promovidas pela Toyota Motors Company na produo de seus automveis.

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    Poucas empresas no Japo oferecem a possibilidade de o funcionrio cres-cer internamente a ponto de ser efetivado em seu quadro de trabalhadores vital-cios. Muito pelo contrrio, menos de quarenta por cento dos funcionrios esto nessa situao, j que, custear um trabalhador de sua juventude muitos deles so recrutados assim que terminam a escola secundria ou a faculdade at a sua aposentadoria, aos 55 anos de idade, no seria vivel para muitas manufaturas, principalmente para aquelas de menor expresso (FUTATA, 2005).

    Mesmo com o pas vivendo um bom momento econmico nas dcadas de 1980 e 1990, as grandes empresas apostavam apenas em alguns operrios para sus-tentar os cargos vitalcios. Isto em parte se deve por alguns momentos de instabi-lidade e, em alguns casos, o fechamento de algumas delas e pela contratao de empresas que atuam como empreiteiras de trabalho. Estas ltimas lidam dire-tamente com o empregado, retirando toda a responsabilidade das fbricas e, em muitos casos, chegam a no respeitar os direitos trabalhistas. Essa relao entre as empresas, na poca, foi inovadora, assim como as transformaes de empregos e de tipos de trabalho foram preponderantes para o acontecimento. Alm da criao de novos setores, novas obrigaes e novos desafios eram impostos aos operrios, e, conviver com o exrcito de reserva ocasionou instabilidade dentro das empresas.

    A falta de interesse dos prprios japoneses em fazer parte de empresas me-nores causou uma crise na mo de obra no pas, j que os nacionais os quais tive-ram uma boa educao rechaavam as funes secundrias nas empresas subsidi-rias e pleiteavam vagas nas grandes corporaes. Tal fato impulsionou o governo do Japo a incentivar a imigrao e atrair os descendentes dos emigrantes japone-ses do incio do sculo principalmente os que tiveram como destino a Amrica do Sul para o pas.

    A partir do sucesso e desenvolvimento tecnolgico e econmico alcanado pelos nipnicos atingindo o posto de segunda maior economia no mundo , a replicao do Toyotismo e a busca pelo desenvolvimento tecnolgico foi bem aceita alm das fronteiras japonesas. A automao dos meios de produo passou a ser prioridade nas empresas, sendo comum o desenvolvimento e teste de novos equipamentos dentro das fbricas. Inovaes desse tipo culminavam numa maior variedade de produtos e servios, flexibilizando vrias camadas produtivas da extrao de matria-prima concluso do produto final.

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    No caso japons, Michiharu Sakurai (2009) destaca que a fase de expanso da produo japonesa passou por mudanas corporativas, ou seja, passou a ob-jetivar o aumento de volume de produo aps passar por um longo perodo de aumento na eficincia referente a uma maior rapidez na reduo do tempo do ciclo de fabricao, entrega, rotao do estoque e processamento (economia de ve-locidade) (SAKURAI, 2009). O resultado disso que, em seu cerne, o Toyotismo primou pela criao e aperfeioamento de tecnologias e a consequncia foi a ex-panso e a propagao delas para as outras empresas do segmento a qual pertence.

    O alcance global do Toyotismo pode ser visto pela influncia na estrutura industrial estadunidense. Segundo Kenney e Florida, a flexibilidade estrutural (KENNEY; FLORIDA, 1990, p. 233-252) do modelo japons que aqui interpre-to como Toyotismo invadiu os Estados Unidos e depois o Ocidente. Elementos como o fim dos grandes estoques, controle de qualidade e o just-in-time encontra-ram grande aceitao nas grandes companhias. As grandes economias tanto o Estado quanto o capital privado passaram a investir em desenvolvimento tecno-lgico e disseminaram a produo em diversas partes do mundo, principalmente nos pases ditos do Terceiro Mundo. O grande aliado, nesse caso, foi a diminuio dos custos de transporte e a busca por mo de obra mais barata em economias nas quais o desemprego assolava e facilitava a terceirizao e subcontratao de funcio-nrios. Essa procura, principalmente aps as crises do petrleo na dcada de 1970, causou um aumento no desemprego nos pases desenvolvidos que viram os inves-timentos atravessarem as fronteiras, influenciados pelas facilidades na circulao de capital e a dificuldade em que os governos passaram a ter em regulamentar tais transaes (HARVEY, 1993, p. 136-47).

    O impacto das subcontraes e a mundializao da produo passou a ser uma caracterstica constante das grandes corporaes. A busca pela diminuio dos gastos da produo levou estas empresas a produes offshore, que replicaram cada vez mais o modelo japons alm das fronteiras de seus Estados. O fim do For-dismo e o inicio da era ps-Fordista foi a consagrao da flexibilizao e o marco do fim da rigidez. De certa forma, nas dcadas de 1970 e 1980, a liderana japonesa nos mtodos e nos meios de produo contribuiu para a reestruturao do modelo capitalista e fez com que as empresas japonesas tomassem, inclusive, o mercado estadunidense com a revoluo de alta tecnologia (KENNEY; FLORIDA, 1993, p.

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    50). O Toyotismo passou ento a ser a caracterstica que segregou as naes tecno-lgicas desenvolvidas das naes tecnologicamente atrasadas. Para as primeiras, as relaes de trabalho favorveis aos trabalhadores como estabilidade de emprego, bons salrios e participao efetiva nos lucros da empresa e uma estrutura social estvel. J as segundas so corriqueiramente alvo das grandes empresas para mon-tar suas subsidirias justamente pela sua estrutura social frgil e fonte de mo de obra barata.

    3 Concluso

    Parece-me adequado, guardando as devidas propores, aproximar o Toyo-tismo do Fordismo. Nessa anlise, considero o papel do Toyotismo como um mo-delo que, devido s novas demandas de mercado e a flexibilizao, atingiu pro-pores mundiais e que, mesmo no atingindo o mesmo xito do Fordismo, um modelo que se mostrou apropriado s novas necessidades. De fato, outros modelos tambm foram importantes para o feito, porm, a internacionalizao do modelo Toyotista e, principalmente o nascimento de empresas terceirizadas no processo produtivo, causaram um impacto socioeconmico muito grande nas economias em todo o mundo sejam elas desenvolvidas ou no.

    importante ressaltar que caractersticas como emprego vitalcio e salrios baseados pelo tempo de trabalho nas empresas no foram bem aceitos no ocidente. No entanto, a subcontratao, a descentralizao e a busca pelo desenvolvimento tecnolgico passaram a ser, assim como o Keynesianismo e a pleno emprego nos tempos de Fordismo, o objetivo das naes industrializadas com a inteno de aumentar o seu poderio econmico. Foi assim que, a meu ver, o Toyotismo se tor-nou o principal modelo de produo da era ps-Fordista. Alm das caractersticas produtivas, o modelo se mostrou flexvel e adequado s necessidades temporais do ps-crise na dcada de 1970.

    No tocante s origens do sistema, podemos afirmar que os elementos levan-tados por Gramsci na sua anlise do Fordismo se encaixam tambm no processo de estabelecimento do Toyotismo no Japo. No ps-guerra, o governo e a socie-dade japoneses encontraram uma forma de se sobressair em meios produtivos e atingiram sucesso j na dcada de 1980. A atribuio desse xito composio

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    social e econmica da sociedade foi aqui referida e, mesmo que por meios diver-sos, os resultados alcanados se assemelham quando se trata de desenvolvimento econmico, social, poltico, produtivo e tecnolgico. Tais afirmaes podem ser notadas nos processos de racionalizao e moralizao aqui descritos, assim como nos processos da utilizao da fora e da persuaso.

    The influence of toyotism in the restructuring of the capitalism: a gramscian analysis

    Abstract

    This article is concerned to analyse the Toyotist way of production in the post-Fordist era. The intention is to prove that the model, since its origins, has simi-lar characteristics to those that originated the Fordism in the United States and was fundamental in the substitution of the latter after its collapse to the post-Fordist model. The study presents the influence of the model in the socio-cultural, political and economical aspects on the Japanese society and, then, the replication of its ele-ments beyond the borders of Japan. Furthermore, the Toyotism is here presented as the model that restructured the capitalist system and kept it in the core and the basis of the flexibilisation in the post-Fordist era. For that, I am going to apply Gramscis theoretical framework in the discussion believing that the authors preoccupation with the extension of the transformation within the working environment influences also the social, political and economical spheres of the society. The analysis made by the author on the Fordism in the United States is going to be used as the framework to this study to interpret the Toyotism and its consequences in these spheres. The scrutiny contains productive elements, changes and characteristics of the workers and the influence of theses changes in governments policies. The starting point is the analysis of the Fordism in the United State and the birth of a new accumulation system since this model is the predecessor and the basis of the Japanese Toyotism. Then, the decline of the model and the rigidity crises will be in the focus in order to present the Toyotism, the flexibilisation of the production and the changes that this model brought to the worlds society and productive system.

    Keywords: Toyotism. Fordism. Way of production. Flexibilisation of the produc-tion

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