A Inserçao Do Jovem No Mercado de Trabalho Aula 09-02-2015

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1 Título: Alguns aspectos da inserção de jovens no mercado de trabalho no Brasil: concepções, dados estatísticos, legislação, mecanismos de inserção e políticas públicas. Some aspects of the youngsters’ insertion in the labor market in Brazil: conceptions, statistical data, legislation, insertion mechanisms and government policies. Título abreviado: Alguns aspectos da inserção de jovens no mercado de trabalho no Brasil Autor: Joari Aparecido Soares de Carvalho Endereço: Rua Joel José de Carvalho, 62 - Jardim Educandário - São Paulo - SP - CEP 05563-100 correio eletrônico: [email protected] Psicólogo e educomunicador, mestrando em Psicologia Social e especializando em Orientação Profissional pelo Instituto de Psicologia da Univesidade de São Paulo. Artigo produzido enquanto era aluno do curso de Formação Política da Escola de Governo de São Paulo, em 2004.

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A Inserçao Do Jovem No Mercado de Trabalho Aula 09-02-2015

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  • 1Ttulo:

    Alguns aspectos da insero de jovens no mercado de trabalho no Brasil:

    concepes, dados estatsticos, legislao, mecanismos de insero e polticas pblicas.

    Some aspects of the youngsters insertion in the labor market in Brazil:

    conceptions, statistical data, legislation, insertion mechanisms and government policies.

    Ttulo abreviado:

    Alguns aspectos da insero de jovens no mercado de trabalho no Brasil

    Autor:

    Joari Aparecido Soares de Carvalho

    Endereo:

    Rua Joel Jos de Carvalho, 62 - Jardim Educandrio - So Paulo - SP - CEP 05563-100

    correio eletrnico: [email protected]

    Psiclogo e educomunicador, mestrando em Psicologia Social e especializando em

    Orientao Profissional pelo Instituto de Psicologia da Univesidade de So Paulo.

    Artigo produzido enquanto era aluno do curso de Formao Poltica da Escola de Governo de

    So Paulo, em 2004.

  • 2A gente no quer s comida,A gente quer comida, diverso e arte.

    A gente no quer s comida, A gente quer sada para qualquer parte.

    A gente no quer s comida,A gente quer bebida, diverso, bal.

    A gente no quer s comida, A gente quer a vida como a vida quer.

    Tits, Comida (1987)

    Introduo

    As questes da e sobre a juventude vm adquirindo um novo status no marco social e

    institucional. H um nmero cada vez mais elevado de movimentos e de iniciativas para que

    os jovens organizem-se e se tornem no s objetos, mas tambm sujeitos criativos de sua

    cidadania. Organizaes no-governamentais (ONGs), iniciativas empresariais e, sobretudo,

    os Poderes Pblicos tm sido convocados a se posicionar e propor respostas a esse eminente

    movimento de transformao.

    O mercado de trabalho tem sido alvo de inmeras reflexes que vo desde os impactos

    de novas tecnologias ao seu anacronismo como critrio de incluso social e de poder poltico

    nas relaes sociais. As recentes reviravoltas do mundo do trabalho atravessam a vida da

    populao, produzindo formas especficas de vnculos que no tm correspondido a uma

    ampliao do acesso dignidade humana por intermdio do direito a trabalho e renda. Todos

    os segmentos, inclusive o de jovens, sofrem tais efeitos, respeitadas suas particularidades que

    no atenuam e sim incrementam a problemtica atual do trabalho.

    Este trabalho rene informaes a respeito de alguns aspectos da insero dos jovens

    brasileiros no mercado de trabalho. Essa questo vem recebendo uma ateno renovada em

    estudos e em recentes propostas de organizao sociais, os quais tm em comum a idia de h

    especificidades dos jovens em relao ao mercado de trabalho, em termos econmicos, e ao

    mundo do trabalho, de forma mais ampla na cultura. O objetivo desse trabalho apresentar e

    comentar um panorama de algumas das reflexes e das prticas aplicadas principalmente

    sobre as polticas pblicas de promoo da insero do jovem no mercado de trabalho.

    Nesse texto, assim, optou-se por oferecer ao leitor um levantamento sinttico sobre as

    discusses dos conceitos de jovem e de trabalho, sobre alguns dados demogrficos que

    destacam generalidades e particularidades do segmento, sobre o que se constitui como o

    principal marco legal que rege, ou deveria reger, a relao entre o jovem e o mercado de

  • 3trabalho, e, por ltimo, sobre as iniciativas pblicas e privadas de promoo da insero do

    jovem no mercado de trabalho. Comumente, essas informaes no so apresentadas em

    conjunto, so amide discutidas e circuladas no mbito de suas prprias reas de origem. A

    reunio de reflexes psicossociais, dados estatsticos, legislao, conhecimento da estrutura

    poltica e propostas de princpios a respeito da insero do jovem no trabalho pretende-se

    como a caracterstica marcante deste texto. Por isso, abdicou-se, pelo momento, da imerso

    nas controvrsias acadmicas a respeito de assuntos aqui tratados. Esses aprofundamentos,

    para ser minimamente justo, merecem os recursos e a densidade de pesquisas de campo,

    dissertaes, teses e publicaes especficas para cada um.

    Boa parte das idias apresentadas no texto oriunda de um trabalho coletivo de

    concluso do curso de Formao Poltica da Escola de Governo de So Paulo1, em 2004, cujo

    tema era A insero do jovem no mercado de trabalho. Esse trabalho de formao foi

    focalizado na constituio de um conhecimento que fosse comprometido com a execuo de

    polticas pblicas2. Para a confeco do presente texto, o levantamento de informaes do

    trabalho para a Escola de Governo foi adaptada e foram adicionados algumas reflexes

    autorais e alguns referenciais do correspondente debate acadmico. Esse texto no encerra a

    discusso a respeito da insero de jovens no mercado de trabalho, mas sim tangencia alguns

    dos marcos referenciais. A principal motivao de redao do texto foi contribuir como

    instrumento de reflexo sinttico e amplo para agentes de polticas pblicas, ativistas, pessoas

    ou instituies interessadas em agir na e pela implementao de direitos sociais ou mesmo

    despertar o aprofundamento bem-vindo de pesquisas sobre o assunto.

    Acerca de Jovem

    Definir o que seja jovem ou juventude um exerccio complexo, pois corresponde a

    construes sociais nem sempre presentes nas sociedades nem manifestadas da mesma forma

    ao longo da histria de uma dada sociedade. Cada idia a respeito enraizada nas tradies e

    na cultura localizada em lugar e em tempo especficos, como se pode verificar nos destaques

    de Aris (1981) a respeito da construo do sentido da infncia na famlia moderna, por um

    1 Ver mais informaes sobre a Escola de Governo de So Paulo em: www.escoladegoverno.com.br. 2 Os membros do grupo que realizaram o trabalho na Escola de Governo foram Alcides do Valle Camargo Filho, Anbal Castro de Sousa, Edson Maurcio Cabral, Francisco Jos de Sousa, Jaime Soares, Joo Carlos Gonalves, Joari Aparecido Soares de Carvalho, Lourdes Fussae Matsuoka Matsudo, Michelle Uema, Marlia Alves Barbour e Roberto Heitor Ferreira Lima.

  • 4lado, e de Postman (1999) a respeito de uma desconstruo cultural contempornea da

    infncia promovida pelas novas tecnologias de comunicao, por outro lado.

    Considerar-se-, pelo texto, que onde e quando est presente a idia de juventude, h a

    inteno de designar uma etapa de passagem da vida humana em que so dedicados cuidados

    dos adultos para que os membros mais novos da comunidade possam passar da condio de

    dependncia para uma relativa independncia e, assim, possam tambm colaborar com a

    sustentao da vida coletiva. Bohoslavsky (1998), um dos autores referenciais da Orientao

    Vocacional no Brasil, designa essa etapa como uma moratria social, pois os jovens seriam

    poupados do esforo exaustivo pela sobrevivncia, a que os adultos esto submetidos.

    Uma das convenes da concepo de jovem mais correntes no Brasil a da

    Organizao das Naes Unidas (ONU), pois est presente em muitas das aes e em estudos

    relacionados ao segmento. O jovem a pessoa entre 15 e 24 anos nessa conveno, pois seria

    nesse perodo de vida que se alcana a maturao biolgica, psicolgica e social que permite

    uma completa condio de compartilhar das relaes sociais do mundo adulto. Por outro lado,

    apesar da necessidade de trabalhar com uma definio ampla, e por que no universal do

    segmento, alguns estudos e aes indicam que h a necessidade de entender as contradies

    presentes no segmento. Por isso, a fim de poder compreender suas especificidades e

    desigualdades reproduzidas por razes histricas, sociais e culturais, em vez de uma nica

    juventude homognea, segundo uma sua faixa etria, pensa-se numa concepo de

    juventudes, em variaes produzidas de formas e condies diferentes de ser e se sentir

    como jovem (Cf. ORGANIZAO DAS NAES UNIDAS PARA A EDUCAO, A

    CINCIA E A CULTURA (UNESCO), 2005; FRIGOTTO, 2004; POCHMANN, 2000).

    A integrao de signos de cultura na formao do jovem vem recebendo cada vez mais

    influncia dos meios de comunicao de massa, agregando e ampliando novos elementos de

    tenso e de transformao no imaginrio social. Em um recente trabalho, o Projeto

    Juventude3, do Instituto da Cidadania (2004a), por exemplo, os prprios jovens questionam a

    forma de serem retratados na televiso, pois so apresentados de modo maniquesta como o

    rico e admirado, o desejado, ou como o podre e desprestigiado, o indesejado. Essa

    questo adquire grande relevncia porque quase a totalidade dos jovens atingida por esses

    signos e, em geral, eles no tm espaos e prticas sociais consolidados para os elaborar.

    3 O Projeto Juventude do Instituto da Cidadania um amplo programa de estudos pesquisas, discusses e seminrios realizados em vrios estados brasileiros entre agosto de 2003 e maio de 2004 para a constituio de um documento com diagnsticos e planos em vrias reas relacionadas aos jovens. O documento foi encaminhado aos poderes pblicos para orientar novas polticas pblicas. Ver mais informaes sobre o Projeto Juventude em : www.projetojuventude.org.br.

  • 5Uma pesquisa nacional sobre a opinio pblica de jovens constante no Projeto

    Juventude demonstrou que o segmento no pode ser acusado inadvertidamente de alienado e

    desligado de questes pblicas, pois educao, com 38%, e trabalho, com 37%, foram os

    temas que receberam um maior interesse espontneo por informao e discusso

    (INSTITUTO DA CIDADANIA, 2004b). Entretanto, a opinio pblica dos jovens merece

    uma anlise mais ampla para o seu entendimento. Isso pode ser destacado por nmeros

    emblematicamente contrastantes de outra pesquisa de opinio, apresentada por Venturi e

    Abramo (2000), pois apontaram que 88% dos jovens tinham uma expectativa positiva em

    relao ao xito pessoal no futuro, mas somente aproximadamente 30% acreditavam em

    mudanas sociais no Brasil e no mundo.

    A juventude brasileira apontada como o segmento mais vulnervel e mais afetado

    pelo incremento da violncia na sociedade. Segundo Adorno (2002), j na dcada de 1980 foi

    percebido um aumento alarmante da proporo do nmero de homicdios de jovens, que

    passou a constituirem o segmento mais vulnervel, entre todas as faixas etrias. Atualmente,

    observando a comparao demogrfica entre jovens homens e mulheres de regies

    metropolitanas como as de So Paulo e Rio de Janeiro, notvel uma significativa ausncia

    de jovens homens e de um nmero elevado de jovens mulheres vivas, muito em decorrncia

    principalmente de bito dos rapazes em situaes de violncia urbana. Isso coloca em

    suspenso uma viso pejorativa a respeito dos jovens que lhes atribui um carter delinqente

    e os culpa pela violncia e por uma desagregao familiar e social. Afinal, como indica o

    prprio Adordo, segundo tais dados, os jovens so de fato as maiores vtimas do estado de

    violncia.

    O jovem brasileiro est adquirindo um status poltico e social cada vez mais

    considervel, ainda que esteja em processo de consolidao. A organizao de jovens em

    torno de reivindicaes sobre si mesmos e sobre a sociedade em geral tem avolumado-se. A

    marca desse processo que eles no tm se acomodado em ser apenas o objeto das aes

    sociais e das polticas pblicas, pois em muitas situaes tentam se colocar e se colocam

    como sujeitos da formulao das prprias solues para os problemas levantados, como se

    pode observar com grande destaque no decorrer do Projeto Juventude (INSTITUTO DA

    CIDADANIA, 2004a). Assim, mesmo pouco afeita de uma imagem revolucionria que

    permanece de um passado no to remoto e que marca o segmento de forma quase

    naturalizada, pode-se dizer que a juventude da dcada de 2000 continua to idealista quanto

  • 6no passado, mas prima, a sua maneira mais pragmtica, por uma construo e por uma

    efetivao de direitos sociais e de cidadania mais democrticos.

    Acerca de trabalho

    A prtica tipicamente humana do trabalho adquiriu um papel central tanto na insero

    social de cada indivduo e na decorrente formao de sua identidade quanto na constituio e

    na sustentao da sociedade, principalmente nos Estados nacionais modernos fundados na

    concepo do contrato social (Cf. CASTEL, 1998). O ser humano promove a transformao

    da natureza para garantir a sua sobrevivncia, bem como cria conhecimento e cultura

    transformando a sua prpria natureza pelo trabalho; mas, ao longo da histria humana, essa

    condio no foi compartilhada livre e igualmente (Cf. GORZ, 2003). O prprio termo

    mantm viva a sua semntica herdada do nome de um instrumento latino de sacrifcio, o

    tripaliu4.

    Atualmente, no sem grandes questionamentos e conflitos, a noo de trabalho figura

    simultaneamente como uma forma de distribuio de renda da sociedade e, sobretudo, de

    garantia de dignidade humana e de direitos, tal como figura na Declarao Universal dos

    Direitos Humanos5. Hobsbawm (2000) destaca que a luta de trabalhadores operrios por

    direitos trabalhistas promoveu a extenso da reivindicao para a luta por Direitos Humanos

    mais amplos. No Brasil, essa noo dos direitos de trabalho constituiu-se principalmente

    relacionada com sua modalidade de emprego, regida por uma relao especfica de contrato

    que atribuiu direitos e deveres a empregados e a empregadores, o que ainda mantm

    relativamente margem modalidades de prestao de servios, trabalhos informais e

    ocupaes precrias (Cf. ESTEVES, 2002; CACCIAMALI, 1999; ANTUNES, 1999).

    Em consonncia, o pleno emprego, grosso modo, que a ocupao relativamente total

    da mo-de-obra de trabalhadores disponvel no mercado de trabalho, ao longo do sculo XX,

    no Brasil, constituiu-se como uma meta do desenvolvimento econmico nacional, inclusive,

    4 O trabalho organizado e assalariado na forma de relaes de mercado relativamente recente na histria, pois sua expanso est intimamente relacionada com o avano do capitalismo e com a produo industrializada. Cabe destacar que outras formas de organizao so reconhecidas anteriormente, como a escravido, a servido e a corporao de ofcio, e algumas at os dias atuais, como o cooperativismo (Cf. GORZ, 2003).5 A redao do documento : 1 - Toda pessoa tem direito ao trabalho; livre escolha de emprego, a condies justas e favorveis de trabalho e proteo contra o desemprego. 2 - Toda pessoa, sem qualquer distino, tem direito a igual remunerao por igual trabalho. 3 - toda pessoa que trabalha tem direito a uma remunerao justa e satisfatria, que lhe assegure, assim como sua famlia, uma existncia compatvel com a dignidade humana, e a que se acrescentaro, se necessrio, outros meios de proteo social. 4 - Toda pessoa tem direito a organizar sindicatos e a nesses ingressar para a proteo de seus interesses. (in Declarao Universal dos Direitos Humanos, Artigo XXIII).

  • 7passou at a figurar atualmente como um dos princpios constitucionais6 da Econmica

    brasileira a serem buscados7. Mesmo assim, desde a dcada de 1970, o ento crescente

    mercado de trabalho brasileiro foi submetido a uma crise que tem comprometido a

    possibilidade de acesso da populao ao trabalho e, em decorrncia, renda, aos bens sociais

    e garantia dos direitos individuais e sociais bsicos.

    Em perodo mais recente, desde a dcada de 1990, como aponta Mattoso (1999),

    evidencia-se um grande aumento do desemprego, um rebaixamento da renda assalariada, um

    incremento do trabalho e da economia informal8 e uma grande dificuldade para os

    trabalhadores serem includos no sistema econmico. Esse mergulho na crise econmica

    chegou associado a reformas do Estado, ajustes econmicos neoliberais e crescimento

    exponencial da automao e da tecnologia nos sistemas de produo, tudo isso implicando a

    dispensa em massa de mo-de-obra humana. Nota-se que, nesse contexto, como em estudos

    de Pochmann (2000), os jovens enfrentam dificuldades adicionais para encontrar trabalho e

    nele se manterem, uma vez que alm de inexperientes, encontram poucas oportunidades. Isso

    fica significativamente mais grave entre jovens pobres, pois eles so impelidos a precipitar a

    ocupao de um posto de trabalho para obter uma renda a fim de sustentar as despesas

    familiares ou a prpria sobrevivncia, o que costuma comprometer a possibilidade de

    formao escolar e de maior qualificao profissional, as quais adiante provavelmente

    contribuiriam para a seqncia de sua carreira de trabalho.

    6 A redao do documento : A ordem econmica, fundada na valorizao do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existncia digna, conforme os ditames da justia social, observados os seguintes princpios: (...) Item VIII busca do pleno emprego (in Constituio Federal do Brasil, Ttulo VII Da Ordem Econmica e Financeira, Captulo I Dos Princpios Gerais da Atividade Econmica, Art. 170.). Embora esse princpio constitucional de pleno-emprego no seja autorealizvel, relevante o seu reconhecimento como horizonte das aes de polticas pblicas. Na Unio Europia, por exemplo, tem sido debatida uma formulao para reger o trabalho em uma possvel constituio comum dos pases europeus. Uma proposta que tem ganhado fora de que figure a idia de emprego possvel, em vez do ideal de pleno emprego, apesar de esta j figurar em algumas constituies nacionais europias.7 Para a compreenso do papel do emprego no Brasil, as medidas do Governo Federal de Getlio Vargas precisam ser lembradas; afinal, subordinavam-se a um projeto de desenvolvimento nacional baseado na industrializao que promoveu transformaes sociais significativas e que ainda persistem, como o fortalecimento do trabalho na modalidade de emprego em regies urbanas e, sobretudo, a organizao da Consolidao das Leis do Trabalho (CLT) que continua em vigor, apesar de algumas poucas mudanas. Nesse perodo de vigncia, o emprego formal adquiriu no s um poder de garantias de alguns direitos sociais, mas tambm se tornou um smbolo de distino social que, ora, permanece no imaginrio brasileiro (Cf. ESTEVES, 2002). Desde a dcada de 1990, principalmente, fortalecem-se propostas de reformas trabalhistas que, em geral, viso a diminuio desses direitos constitudos.8 Pesquisas da Comisso Econmica para a Amrica Latina (Cepal), da Organizao Internacional do Trabalho (OIT), sobre o mercado de trabalho em pases subdesenvolvidos como o Brasil tm desenvolvido o conceito de trabalho alegal, para entender a dinmica do setor no-estruturado da economia que compreende inmeras formas de trabalho no tipificadas na legislao (Cf. SECRETARIA DO DESENVOLVIMENTO, TRABALHO E SOLIDARIEDADE (SDTS). Prefeitura de So Paulo. Trabalho legal, ilegal e alegal: novidades da dinmica do mercado de trabalho no Brasil. Disponvel em: www.trabalhosp.prefeitura.sp.gov.br. Acesso em: 27 out. 2004.)

  • 8H questionamentos incessantes sobre a origem da crise do trabalho e sobre as

    possibilidades de superao do quadro presente. Discute-se se a crise um problema local de

    estrutura da econmica brasileira, incapaz de promover um desenvolvimento nacional

    abrangente, ou a uma baixa qualificao dos trabalhadores, que os condenaria a uma misria

    permanente e impossibilidade de promover o desenvolvimento nacional9. Em outra vertente,

    como se nota em Anderson (2002), discute-se se a crise um fenmeno global de organizao

    da economia mundial capitalista que submete as suas naes subordinadas a esse dilema

    insolvel de garantir a acumulao flexvel de capital em funo de desregulamentao de

    direitos trabalhistas e sociais em geral, alm do enfraquecimento do papel do Estado como

    agente de justia econmica, atribuindo ao mercado a funo de distribuir - ou concentrar? - a

    riqueza de acordo com a concorrncia.

    H reflexes, talvez otimistas, apontando que a crise momentnea e a soluo se

    encontra na prpria reacomodao dos setores da economia. Supe-se que haveria uma fonte

    de oportunidades de trabalho no setor da prestao de servios, uma vez que no estaria to

    submetido aos efeitos da automatizao da produo. Entretanto, essa mesma viso

    contestada por apontamentos que partem da concluso de que o modelo econmico capitalista

    incapaz de promover a incluso democrtica ou universal de trabalhadores.

    A respeito de possibilidades de superao desse dilema possvel destacar o que

    comenta Singer (2002) sobre a estruturao de uma economia cooperativa e solidria a fim de

    promover a distribuio de renda e a justia social na forma de um sistema econmico,

    intersticial ou alternativamente, fundamentado da solidariedade. Em mesmo sentido, Boneff

    (2004) apresenta uma ampla reportagem sobre avanos e obstculos de algumas iniciativas de

    jovens pobres em So Paulo e em Rio de Janeiro para constituir empreendimentos de

    cooperativas populares em setores no to saturados do mercado de trabalho, como de

    cinema, de instrumentos musicais e de joalheria.

    9 Estudos orientadores das aes do Ministrio do Trabalho e Emprego do Brasil, principalmente durante a gesto do Presidente Fernando Henrique Cardoso, adotavam essa viso como referencial. Esse pensamento tributrio de teorias do capital humano desenvolvidas na dcada de 1950, para justificar que a pobreza seria causada pela falta de educao, e pode ser reconhecido atualmente em propostas de desenvolvimento de empregabilidade do trabalhador ou do empreendedorismo, apenas promovem mudanas comportamentais e desenvolvem competncias profissionais formativa e continuadamente, ou seja, no atuando sobre a oferta restrita de trabalho (Cf. FRIGOTO, Gaudncio. Fazendo a cabea pelas mos a cabea do trabalhador: o trabalho como elemento pedaggico na formao profissional. Cadermos de Pesquisa, So Paulo, Fundao Carlos Chagas/Cortez, no. 47, p. 38-45, 1983.).

  • 9Nmeros da insero

    A populao brasileira chegou a 173.966.052 habitantes, em 2003, segundo a apurao

    do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE, 2003). Desse total, 33.853.095

    pessoas estavam na faixa etria entre 15 e 24 anos, ou seja, 21,5% da populao. Essa

    proporo confere ao Brasil a caracterstica de um pas de populao jovem. No entanto,

    como h um decrscimo significativo na taxa de natalidade brasileira, j emerge o debate

    sobre como ser a configurao de uma populao predominantemente adulta ou idosa e

    como a sociedade dever ser organizada, quando os jovens de hoje forem os idosos de

    amanh.

    Segundo dados organizados pelo Instituto da Cidadania (op. cit.), estima-se que a cada

    ano chegam aproximadamente 1,5 milho de jovens ao saturado mercado de trabalho

    brasileiro em busca da primeira ocupao. Sobre a Pesquisa Mensal de Emprego (PME), de

    abril de 2004, do IBGE (apud INSTITUTO DA CIDADANIA, op. cit.), aponta-se que, no

    total da populao, o desemprego afetava nove em cada cem brasileiros, no entanto, 26 jovens

    a cada cem estavam desempregados, isto , aproximadamente 3,7 milhes de pessoas. O

    mercado de trabalho no tem produzido a contento novos postos, sequer para reduzir o que se

    chama de estoque de desempregados, isto , a parcela da populao economicamente ativa

    que j procura trabalho e no encontra ocupao, contingente que varia de 8 a 11,5 milhes de

    brasileiros (o que varia de acordo com os critrios adotados nos clculos).

    Quanto ao nvel de escolaridade, segundo o IBGE (op. cit.), apenas 45% dos jovens

    estudavam em 2003. Destaca-se que na faixa etria entre 15 e 17 anos, 83% dos jovens

    estudavam, enquanto entre os de 20 a 24 anos, apenas 28%. Desse total de estudantes jovens,

    apenas 36% haviam concludo o Ensino Mdio e 4% freqentavam o Ensino Superior. Um

    dado importante que grande parte dos adolescentes que esto estudando concentra-se nas

    ltimas sries do Ensino Fundamental, devido ainda a uma grande defasagem entre idade e

    srie escolar, herdada e ainda no superada dos grandes ndices de repetncia e de evaso

    escolares at meados da dcada de 1990.

    A compreenso das antagnicas condies demogrficas da juventude brasileira

    requer o entendimento de suas especificidades, por meio de fatores que produziram sua

    desigualdade e que refletem a prpria condio da sociedade brasileira (FRIGOTTO, 2004).

    Para tanto, aqui seguem alguns apontamentos sobre as desigualdades em funo da renda

    familiar, da localizao geogrfica e da etnia-raa. Esses critrios certamente no do conta

    de todas as suas vertentes nem so derradeiros sobre a juventude brasileira, mas contribuem

  • 10

    como elementos de construo de uma metodologia de estudo que compreenda as suas

    vicissitudes, alm de, certamente, provocar a busca de outros critrios de estudo.

    A faixa de renda familiar per capita de aproximadamente 60% dos jovens era limitada

    a at um salrio mnimo, dos quais 12% at um quarto de um salrio mnimo,

    aproximadamente (IBGE, op. cit.). Ainda sobre a questo de renda, aumenta o nmero de

    estudos demonstrando que os jovens mais pobres tm enfrentado maior dificuldade do que

    aqueles mais ricos para se inserirem no mercado de trabalho, e maior ainda para ocuparem um

    posto de trabalho formal. Segundo dados do IBGE (2001, apud BONEFF, op.cit.), a mdia de

    desemprego aberto para a faixa etria de 15 a 24 anos era aproximadamente 18%, mas,

    considerando diferentes faixas de renda, a taxa era de 26,2% para os pobres e de 11,6% para

    os ricos. Entre jovens trabalhadores pobres, 41,4% eram assalariados, dos quais 74,3% sem

    registro formal em carteira de trabalho, enquanto entre ricos 77,1% eram assalariados, dos

    quais 49% com registro formal em carteira de trabalho. Em outras palavras, a proporo de

    jovens com renda regular e com carteira de trabalho assinada relativamente mais de 3,5

    vezes menor para os que so pobres.

    Os jovens brasileiros so predominantemente habitantes de regies urbanas. Segundo

    dados do IBGE (op. cit.), no meio rural residem 15,4% dos jovens, enquanto no meio urbano

    residem 84,6%. Essa enorme desproporo, que chega a 6 para 1, decorre do prprio processo

    de migrao acelerada no Brasil, que foi avolumada durante as dcadas de 1960 a 1980,

    quando muitas famlias do meio rural tiveram de abandonar as suas localidades em busca de

    oportunidades de trabalho em regies urbanas e, principalmente, metropolitanas. Embora seja

    uma parte relativamente menor do segmento, os jovens que vivem em localidades rurais

    representam aproximadamente mais de 5,2 milhes de pessoas, um significativo nmero

    absoluto. Esse contingente de jovens demanda polticas especficas para os promover em sua

    localidade, como a vontade de sua maioria, principalmente em relao ocupao e ao

    cultivo da terra, segundo um levantamento do Ministrio do Desenvolvimento Agrrio, de

    2003 (apud FRIGOTTO, op. cit.). Nesse caso, destaca-se a atuao do Movimento dos

    Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na formulao de aes que inserem e mantm as

    possibilidades educativas e produtivas dos jovens camponeses a se desenvolver e a

    permanecer dignamente no campo (op. cit.).

    Nas regies urbanas, h uma intensa reproduo da excluso, pois grande parte de sua

    crescente populao no foi e no incorporada no sistema de trabalho formal, como era a

    expectativa criada com a urbanizao e a decorrente migrao relacionada. Formaram-se

  • 11

    grandes bolses perifricos cuja populao, principalmente os jovens, no tm atualmente

    acesso nem a trabalho nem a inmeros outros direitos sociais. Um estudo da Coordenadoria

    da Juventude da Prefeitura de So Paulo (2003), o Mapa da Juventude de So Paulo,

    demonstrou que na cidade apenas 31,9% dos jovens das regies mais pobres e perifricas

    estavam inseridos no mercado de trabalho, enquanto 43,6% daqueles das regies mais ricas e

    centrais estavam inseridos. Esse estudo ainda demonstrou diferenas entre os pesos relativos

    de setores econmicos para a insero dos jovens no mercado de trabalho, pois, por exemplo,

    16% dos jovens da periferia trabalhavam na indstria, enquanto que, para os jovens das

    regies centrais, o setor representava apenas 4,4%; por outro lado, 45% dos jovens da

    periferia trabalhavam no setor de servios, enquanto que, para aqueles das regies centrais, o

    setor representava 51,5%10.

    Considerando o critrio tnico-racial, os nmeros a respeito dos jovens no so menos

    contrastantes. Pelo contrrio, esse critrio permite observar um complexo processo de

    excluso social indissociada de uma atitude preconceituosa da formao da cultura

    brasileira11. Estudos do Instituto Sindical Interamericano pela Igualdade Racial (Inspir), de

    1999, apontaram que a remunerao mdia dos trabalhadores da populao negra em vrias

    regies metropolitanas brasileiras era, em mdia, quase a metade da renda da populao no-

    negra. O mesmo estudo ainda apontou que o jovem negro tinha em mdia uma escolarizao

    menor que a do jovem no-negro. Uma das explicaes para isso seria que o jovem negro,

    bem como o pobre, precisa precocemente se inserir no mercado de trabalho, submetendo-se a

    trabalhos com menor remunerao porque mais difcil ser aceito em virtude do preconceito

    racial de que vtima. Assim, pode-se dizer que o jovem negro duplamente excludo12.

    10 Ver mais informaes sobre a Coordenadoria da Juventude da Prefeitura de So Paulo e o Mapa da Juventude de So Paulo na pgina virtual: www.prefeitura.sp.gov.br.11 O perodo republicano brasileiro vem sendo aquele em que o Estado mais se dedicou a regulamentar e promover a relao de trabalho organizado na forma de mercado de trabalho assalariado. Isso se v desde, por exemplo, a substituio da mo-de-obra escrava por assalariada, no fim do sculo XIX. O governo, nessa ocasio ainda monrquico, mas depois tambm no republicano, promoveu a imigrao estrangeira para ocupar os postos de trabalho assalariados, em detrimento da insero dos ex-escravos. Essa omisso do Estado e da sociedade culmina hoje ainda em um grave problema social, pois essa sentena misria a que foram submetidos os ex-escravos no foi objeto de uma ao digna e condizente para solucionar o grave problema social semeado ento.12 Segundo Frigotto (2004.), o problema da excluso da populao negra no Brasil se deve ao segmento ter sido condenado a fazer parte dos estratos mais pobres da nao, com a qual passou a compartilhar da quase impossibilidade de acesso a direitos sociais bsicos, como o trabalho digno para os jovens que adentram ao mundo adulto. Entretanto, o cada vez mais forte movimento de defesa dos direitos dos negros tambm afirma que sua condio de desigualdade consiste em um problema ainda maior do que o de classe social porque alm de serem excludos economicamente, ainda so vtimas do preconceito social, como membros de uma comunidade que excluda em funo do racismo, como debatido em estudos como o Raas e Classes Sociais no Brasil (IANNI, 2004).

  • 12

    Como se pode concluir, ser jovem, pobre, negro, do meio rural ou da periferia de uma

    grande cidade constitui uma experincia de vida marcada pela mltipla dificuldade para se

    alcanar um espao digno no mundo do trabalho. Apesar disso, torna-se necessrio lembrar

    que esses so critrios possveis para estudar a situao dos jovens, mas no so os nicos.

    Observando-se a situao dos jovens segundo diferenas entre homens e mulheres, entre

    portadores e no-portadores de deficincias, entre jovens mais ou menos escolarizados, e at,

    como prope Pochmann (2002), entre aqueles includos e no-includos na era da tecnologia

    digital, essas contradies mantm-se ntidas, seno mais evidentes. Ento, a idia central que

    permanece o necessrio cuidado de identificar as contingncias de insero de jovens no

    mercado de trabalho e, por isso, poder estudar e agir mais precisamente sobre as suas questes

    efetivas e que podem no se reduzirem umas s outras.

    Legislao sobre o assunto

    Sobre a relao do jovem com o trabalho h leis, decretos, regulamentos, portarias;

    enfim, diversos instrumentos legais que normatizam a relao e que oferecem as diretrizes

    estruturais e orgnicas para seu exerccio de acordo com o interesse de constituio da

    sociedade. As referncias ao jovem e ao adolescente podem ser encontradas em instrumentos

    gerais da legislao, como a Constituio Federal do Brasil (BRASIL, 2005b), de 1988, ou

    em instrumentos especficos, como as leis que regulamentam iniciativas de polticas pblicas,

    como a Lei que normatiza as aes Programa Nacional do Primeiro Emprego (PNPE)

    (BRASIL, 2005g). Em geral, esses instrumentos constituem-se como contedos formais e

    programticos para serem executados pelo Estado e pela sociedade, embora no tenham

    capacidade de serem autorealizveis, pois carecem da iniciativa de personagens ou de

    instituies; tampouco, do conta de todo o universo que abrange a vida do cidado, seja do

    jovem ou de qualquer outro segmento reconhecido.

    Cabe destacar que no interior da Constituio o trabalho reconhecido no s como

    um valor tico-moral para a sociedade, mas tambm registrado como um inalienvel e

    necessrio direito individual pelo qual o cidado protegido, pode se emancipar e at

    fortalece o acesso aos demais direitos. Na sua idealizao, assim, a Constituio alinha-se

    com os princpios fundamentais da Declarao Universal dos Direitos Humanos

    (ORGANIZAO DAS NAES UNIDAS, 2005)13. Esse princpio fica mais claro como

    salienta Ferreira dos Santos (2004), quem indica que o acesso seguridade social e aos 13 Ver a nota 5.

  • 13

    demais direitos sociais (educao, sade, habitao, segurana, previdncia etc.) dependeria

    do acesso ao trabalho para serem atingidos de forma digna e sustentvel (Cf. Hobsbawm, op.

    cit.).

    Em relao especificamente insero do jovem no trabalho, o texto original da

    Constituio instituiu a idade de 14 anos como limite mnimo para qualquer trabalho. Mas, a

    Emenda Constitucional no. 20 (BRASIL, 2005c) estabeleceu uma redefinio desse limite,

    pois vedou o trabalho s pessoas com menos de 16 anos, exceto na condio de aprendiz,

    desde os 14 anos. Isto se deve inteno de alinhar as relaes de trabalho brasileiras aos

    desgnios de convenes internacionais do trabalho, como a Conveno 138 da Organizao

    Internacional do Trabalho (OIT) (2005), contra a explorao do trabalho infantil14.

    A Consolidao das Leis do Trabalho (CLT), Decreto-Lei 5.452/1943 (BRASIL,

    2005a), um instrumento de legislao geral em que tambm se encontram referncias aos

    jovens, em vrias passagens, principalmente no Artigo 403. A CLT reitera as indicaes da

    Constituio quanto idade mnima para o trabalho, restries a alguns tipos de trabalho e

    cita a modalidade de trabalho do aprendiz. Alm disso, h referncias a atendimentos

    diferenciados para trabalhadores pais ou mes de crianas e adolescentes, como a do salrio-

    famlia, licena maternidade, acesso creche em local de trabalho etc. A modalidade de

    aprendiz, porm, recebeu recentemente uma regulamentao mais detalhada pela Lei Federal

    10.097/2000 (BRASIL, 2005e), que ficou conhecida como Lei do Aprendiz e tem sido

    paulatinamente mais divulgada entre empresrios e jovens15.

    O Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA), Lei Federal 8.069/1990 (BRASIL,

    2005d), tambm um instrumento de legislao geral em que figuram referncias ao trabalho

    de jovens, crianas ou adolescentes. Constitui-se como um instrumento estratgico de

    promoo e proteo integral do segmento porque, alm de regulamentar as relaes, tambm

    atribui responsabilidades e tarefas com crianas e adolescentes para o Estado, a Sociedade e a

    Famlia cumprirem. No Captulo V16, esto designados direitos e deveres do jovem

    trabalhador, reiterando as indicaes da Constituio e da CLT. H um destaque sobre o

    Artigo 68, que estabelece o funcionamento de programas sociais governamentais ou no-

    governamentais baseados em aes educativas pelo trabalho.

    14 A atual redao do documento : proibio de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condio de aprendiz, a partir de quatorze anos; (Constituio Federal do Brasil de 1998, Ttulo II Dos Direitos e Garantias Fundamentais, Captulo II Dos Direitos Sociais, Art. 7o, Inciso XXIII).15 Ver comentrios sobre o Movimento Degrau na seo do texto sobre os mecanismos de insero.16 Estatuto da Criana e do Adolescente, Livro I, Captulo V - Do direito profissionalizao e proteo no trabalho, do Artigo 60 ao 69.

  • 14

    O jovem adolescente, assim, instrumentalizado e orientado, segundo essa legislao,

    poderia se ocupar como aprendiz na faixa etria entre 14 e 18 anos, quando deve receber uma

    ateno especial quanto regime de tempo limitado de trabalho e ao seu processo de

    aprendizagem profissional e escolar. Aps completar 16 anos e at os 18 anos, o jovem j

    pode ser trabalhador assalariado, mas ainda com restries a trabalhos penosos, insalubres ou

    perigosos. Depois de completar 18 anos, o trabalho do jovem regulado como o dos

    trabalhadores adultos. Em qualquer uma dessas condies, o trabalhador jovem goza de

    direitos trabalhistas, bem como os demais trabalhadores em geral. No entanto, esse ideal de

    formalizao do Estado de direito do trabalhador no atende a uma grande parte da juventude,

    isto devido principalmente permanncia da explorao do trabalho infantil, ao aumento

    geral do trabalho informal e do subemprego e, mais grave, cooptao por organizaes de

    crime organizado, todas essas situaes vividas margem do marco legal.

    Indiretamente relao do jovem com o trabalho, a Constituio tambm prev a

    qualificao para o trabalho como uma das finalidades da educao brasileira. Essa finalidade

    mais bem detalhada na Lei de Diretrizes e Bases (LDB), 9.349/1996 (BRASIL, 2005h), no

    Capitulo III - dos Nveis e das Modalidades de Educao e Ensino, que organiza e

    regulamenta a modalidade de Educao Profissional. Algumas reflexes questionam a

    orientao ideolgica e a efetividade desse instrumento, como Barbosa Filho (2001), que

    crtica a tendncia de essa regulamentao privilegiar a tecnificao da formao para atender

    prioritariamente as demandas do mercado e da produo, alm de dissociar e marginalizar a

    formao propedutica, a continuidade dos estudos, e poltica da formao profissional do

    trabalhador.

    H tambm outro instrumento indiretamente direcionado para a insero de jovens no

    trabalho. Reconhece-se no exerccio do estgio uma forma por que grande parte de jovens

    alcana a sua primeira oportunidade de trabalho ou passa a aplicar seus conhecimentos em

    formao. O estgio no Brasil regulamentado pela Lei Federal 6.494/1977 (BRASIL,

    2005f), que normatiza o seu exerccio, bem como deveres e direitos de estagirios e de seus

    contratantes. O destaque dessa Lei a necessidade de se preservar a formao jovem, por

    exemplo, no o submetendo a uma jornada que seja sobreposta ao horrio de aulas. No

    entanto, como no h a tradio de fiscalizao do cumprimento da legislao, alguns

    contratantes so acusados no s de abusar dos estgios, por exemplo, em jornada de trabalho

    prolongada, como tambm at so acusados de substituir empregados formais por estagirios

    temporrios, a fim de diminuir os custos com recursos humanos.

  • 15

    Alm da legislao geral, h instrumentos legais especficos que regulamentam

    polticas pblicas do Estado em nveis federal, estadual e municipal. A esse respeito,

    possvel destacar a legislao referente ao PNPE, Lei Federal 10.748/2003, que organiza,

    regulamenta e estabelece objetivos da atual poltica pblica do Governo Federal para oferecer

    capacitao profissional e promover a insero de parte dos jovens brasileiros mais pobres no

    mercado de trabalho. Embora seja o escopo imprescindvel para a execuo das aes das

    polticas pblicas, essas leis esto padecendo de uma vulnerabilidade gigantesca no contexto

    brasileiro, pois esto sendo alvo de constantes interrupes a cada eleio, ou mesmo a cada

    mudana administrativa, em uma mesma gesto de mandato. Essa descontinuidade tem

    contribudo para o esvaziamento da efetividade das iniciativas, bem como podem tambm

    estar sendo utilizadas apenas de forma a enfrentar problemas do presente, sem a perspectiva

    de um plano de ao para o futuro. Essa limitao das aes ser mais debatida na seo do

    texto sobre a organizao dos mecanismos de insero.

    Mecanismos de Insero17

    No contexto brasileiro, a insero do jovem no mercado de trabalho tem cada vez mais

    recebido apoio de iniciativas organizadas em forma de programas, de projetos e de polticas

    pblicas especficas, embora ainda no se constituam como um conjunto sinrgico de ao.

    Essa insero chega a at ser preconcebida pelo prisma do livre mercado, pelo qual o jovem

    concorre para assumir um posto de trabalho, mas as prprias condies desfavorveis da

    economia e a radical desigualdade social entre os jovens, colocam em xeque esse pressuposto

    liberal, alm de revelar a provvel responsabilidade desse princpio pela produo das

    desigualdades. Assim, mais do que justificvel, torna-se imprescindvel e relevante para a

    coeso social a criao de mecanismos de ao para se ampliar as oportunidades de trabalho

    decente para jovens.

    A idia de debater mecanismos de insero nesse texto trata apenas do carter

    pragmtico e funcional das aes, mas se reconhece que cabe tambm a reflexo aprofundada

    sobre o que produz ou reproduz tais aes em termos de mentalidades, ideologias e doutrinas.

    Os comentrios sobre esses mecanismos esto reunidos, adiante, de acordo com uma

    concepo de organizao da sociedade em trs setores, segundo uma identidade de interesse

    17 Um mecanismo entendido aqui como um sistema operacional dirigido e que composto por vrios elementos combinados cujas funes so especficas e interdependentes a fim de transformar um tipo de potencial em um determinado resultado esperado, de acordo com uma inteno.

  • 16

    recorrente em anlises sociais, embora no seja essa uma orientao consensual a respeito,

    como se pode observar em Souza (2003), que debate quem so os personagens e seus

    conflitos nas polticas pblicas, e Coelho (2000), que debate a natureza multifacetada e

    algumas implicaes da ascenso e do fortalecimento do papel social das ONGs.

    Quanto s iniciativas do primeiro setor, que compreende as iniciativas do aparato do

    Estado para implementar os direitos sociais por meio de polticas pblicas, Unio, Estados e

    Municpios brasileiros apresentam mecanismos rarefeitos para promover a insero dos

    jovens no trabalho. Elas costumam ser separadas do contexto econmico em que se do essas

    relaes, pois ainda se investem os parcos recursos principalmente em qualificao

    profissionalizante em reas de trabalho que j esto submetidas a uma incluso rotativa nos

    postos de trabalho, como a rea de servios que, em geral, no prev estabilidade no trabalho.

    Recentemente, entretanto, polticas pblicas como o PNPE, da Unio, e o extinto Bolsa

    Trabalho18, do Municpio de So Paulo, cogitaram a necessidade de se gerar novas e criativas

    formas de trabalho e renda, a exemplo, dos grupos de jovens artistas e da profissionalizao

    de ocupaes em ascenso como instrutores de esportes radicais, monitores de turismo,

    acompanhantes de idosos etc. (Cf. POCHMANN, 2003)..

    No h uma homogeneidade entre as polticas nem um eixo organizador. H

    programas sobrepostos e que nem atendem o pblico a que deveriam atender,

    contraditoriamente. Alm disso, considervel a dificuldade para se constituir qualquer

    cultura do direito do jovem ao trabalho graas descontinuidade dos programas, no que esse

    direito se assemelha dificuldades equivalentes de outros direitos, como educao, sade,

    comunicao etc. Recentemente, com as criaes da Secretaria Nacional da Juventude e do

    Conselho Nacional da Juventude, vrios movimentos e projetos sociais de e para os jovens

    esperam que haja uma maior organizao e continuidade das aes de poltica pblicas

    referentes ao segmento para alcanar melhores resultados do investimento pblico e,

    sobretudo, superar alguns dos problemas enfrentados, como o do desemprego dos jovens. A

    questo saber se essas novas instituies tornaro-se mais um instrumento de barganha

    poltica por poder governamental ou se conseguiro ser instrumentos de execuo do governo

    do Estado para atender ao interesse social. Mas, essa pgina da histria sendo escrita nesses

    instantes...19

    18 Programa de promoo social que ofereceu assistncia financeira e promoveu a emancipao social por meio da profissionalizao ou da organizao de emprendimentos particulares ou coletivos para jovens de 16 a 24 anos com baixa renda (Cf. POCHMAN. 2003).19 Ver mais informaes sobre a Secretaria Nacional da Juventude da Secretaria-Geral da Presidncia da Repblica e o Conselho Nacional da Juventude em: www.presidencia.gov.br/secgeral.

  • 17

    Os mecanismos do segundo setor, que compreende as iniciativas privadas com

    finalidade empresarial e egostica, especficos para a insero do jovem no mercado de

    trabalho tm sido bastante localizados, embora se avolume a quantidade de iniciativas sob a

    gide da responsabilidade social. Em geral, no Brasil, com raras excees, o empresariado

    no tem a cultura de se comprometer com a funo social de sua iniciativa privada, no

    bastasse como um dever tico, sequer como orientao da Constituio. Mesmo assim, alguns

    empresrios esto tomando a iniciativa de realizar aes em prol do bem comum, como a

    insero do jovem no mercado de trabalho, seja nas prprias empresas dos empresrios

    cidados, seja na qualificao de jovens para disputarem chances de xito em algum posto

    de trabalho no mercado. Nesse sentido, a Associao Comercial de So Paulo (ACSP) criou o

    Movimento Degrau para promover a divulgao de virtudes da Lei do Aprendiz para

    empresrios e jovens, alm de incentivar os seus associados e a sociedade a criarem vagas

    para aprendizes e a promoverem projetos de qualificao.20

    H questionamentos sobre as intenes empresariais para criar aes sociais, no

    entanto, pois a maior parte delas d-se em reas como educao, em que h retorno

    praticamente garantido de publicidade para o empreendimento. Isso coloca em xeque a idia

    de que a sociedade poderia depender dessas iniciativas para ter os direitos sociais

    universalizados e promovidos ampla e completamente, dispensando a existncia de um Estado

    republicano e democrtico, que seria redundante e dispendioso, j que os prprios indivduos

    encontrariam formas de promover a justia e o equilbrio social entre si mesmos. Alm disso,

    h casos de explorao abusiva de incentivos financeiros e de isenes fiscais em programas

    de parceria para a insero de jovens no trabalho, o que requer, assim, um controle efetivo e

    rigoroso para serem detectados sob a imagem de empresa socialmente responsvel.21

    Outro detalhe a respeito do segundo setor que muitos empresrios tm diminudo

    custos de produo reduzindo postos de trabalho ou contratando trabalhadores com salrios

    mais baixos do que os dos demitidos. Alm disso, o empresariado tem deixado de investir em

    capacitao e treinamento de novos e de antigos trabalhadores, o que implica maiores gastos

    do Estado e dos prprios trabalhadores com formao, o que aumenta a dificuldade para os

    trabalhadores sem poder aquisitivo inserirem-se no mercado de trabalho formal. Assim, ao

    20 Ver mais informaes sobre o Movimento Degrau em: www.degrau.org.br.21 Em visitas a empresas que promoviam a contratao de jovens por meio de programas governamentais, por ocasio de realizao da pesquisa do respectivo trabalho de concluso de curso da Escola de Governo, em 2004, houve contato com uma empresa de prestao de servios que ampliou seu quadro de trabalhadores em mais de trs vezes, chegando a 80% de jovens beneficirios de vrios programas pblicos de insero no trabalho, o que, em tese, irregular.

  • 18

    mesmo tempo, o segundo setor pode ser considerado responsvel por criar mecanismos de

    insero, como o Movimento Degrau, mas tambm pode ser responsvel pela excluso dos

    trabalhadores, jovens ou no, quando coage trabalhadores, contrata informalmente, paga

    pouco etc.

    Para completar o quadro, o terceiro setor, que rene iniciativas privadas com

    finalidade pblica, tem se configurado como um espao ubquo de insero do jovem. Muitas

    das iniciativas desse setor visam atender a jovens em educao, sade, preveno de violncia

    ou mesmo em qualificao para o trabalho ou em criao de novas formas de trabalho, como

    o incentivo s cooperativas de jovens (BONEFF, op. cit.). Com a ampliao das iniciativas e

    pela prpria dinmica flexvel que tem caracterizado o setor, um grande montante de jovens

    tem se incorporado em sua organizao e nos trabalhos realizados tanto voluntria como

    remuneradamente, s vezes, at profissionalmente, como trabalhadores em profisses que

    foram formadas no mbito do setor, como animadores culturais, multiplicadores de formao,

    agentes de direitos, organizadores de movimentos etc.

    O terceiro setor est se desenhando no s como um canal de vazo dos anseios dos

    jovens, mas tambm se consolida como uma rea estratgica da formao de pessoas e

    profissionais que articulam melhor as questes de interesse pblico e da experimentao de

    propostas de ao que, bem-sucedidas, podem ser transformadas em polticas pblicas

    (RIBEIRO, 2004). Muitos jovens no so s os beneficirios desse setor, pois tm se

    constitudo como uma fora de trabalho ativa a ponto de interferir politicamente nos rumos

    das iniciativas para atender outras demandas de outras faixas etrias e de movimentos de

    causas especficas (como o ecolgico), por exemplo. Esses jovens no se dedicam ao ativismo

    apenas em movimentos estudantis ou em outros movimentos sociais, pois as aes, como as

    de ONGs, Fundaes e Associaes etc. orientadas por temticas especficas, tm atrado no

    s a ateno e o apoio, mas tambm a dedicao e o compromisso profissional para o

    funcionamento das organizaes, sejam elas de jovens ou no.

    Mas, necessrio destacar que o aparente quadro colorido e agradvel do papel do

    terceiro setor na insero dos jovens no mercado de trabalho tambm compartilha de

    questionamentos similares aos atribudos ao segundo setor. H uma crena de que esse

    terceiro setor uma redeno, em funo de sua agilidade e de suas presumidas boas

    intenes, pode ser a soluo eficaz para os males da sociedade desigual. No entanto, esse

    setor no parece ter nem a capacidade nem a competncia de assumir o papel do mediador

    absoluto das relaes sociais. Alm disso, entre as iniciativas do prprio setor, h

  • 19

    discrepncias enormes de princpios, estratgias e objetivos que, no s reproduzem vises

    ideolgicas sobre a sociedade que permeiam os demais setores, como tambm as colocam em

    posies diametralmente opostas, antagnicas e, at, reciprocamente excludentes. Para

    ilustrar esse tipo de situao, j est se tornando comum a disputa entre ONGs pelos recursos

    pblicos para realizar determinados trabalhos, e mesmo a reproduo de mazelas e privilgios

    nas relaes com financiadores privados de iniciativas.

    Em visitas realizadas a algumas prticas pblicas ou privadas de insero, por ocasio

    do levantamento de dados do trabalho que deu origem a esse texto, foi possvel notar um

    permanente e repetido sisifismo22, pois, ou muitos jovens qualificados permanecem

    peregrinando por uma oportunidade, ou, mesmo assim, as iniciativas de insero no

    conseguem suprir nem a demanda de qualificao de muitos e muitos jovens. H experincias

    que destoam nesse contexto justamente porque se dedicam no s preparao profissional,

    mas tambm a uma ateno global ao jovem profissionalizando, incluindo o prprio

    encaminhamento para um posto de trabalho, por exemplo; mas, isso tudo custa de atender

    sempre a um nmero restrito de candidatos condizente com o nmero de oportunidades de

    trabalho que arregimentou23.

    Faz-se necessrio reunir esforos terico-prticos para conceber uma estratgia de

    insero mais abrangente, cujo foco no seja s a segmentada preparao para o trabalho, mas

    tambm a ocupao do posto e, sem dvida, as condies de permanncia ou at de

    recolocao. Diante do panorma difuso da instabilidade do trabalho, a prpria discusso

    contempornea em Orientao Profissional e de Carreira reconhece que no pode

    simplesmente evitar o esclarecimento sobre as estratgias de curto prazo e os ajustes

    sucessivos nas carreiras (GUICHARD, s/d).

    Para avanar sobre essa questo, aqui sugere-se o esse exerccio de pensamento pode

    ser denominado de insero de ciclo completo ou ecossistemtica, uma vez que compreende

    uma noo mais complexa de uma insero sustentvel no mundo do trabalho e da vida,

    aproximando-se relativamente de reflexes de Morin (2004) sobre os reforma paradigmtica

    de princpios do saber para enfrentar os desafios da vida humana contempornea, tais como a

    22 O termo sisifismo atribudo a atividades que jamais so concludas, apesar do trabalho realizado. A sua origem a lenda grega sobre um rei que escapou astuciosamente de Tnatos, enviado por Zeus para castig-lo; mas, Ssifo foi levado por Hrmes ao inferno, onde foi condenado ao sofrimento perptuo de empurrar uma rocha at o cume de uma montanha, onde ela rolava a baixo e ele tinha empurr-la devolta at o alto; ou seja, ele nunca poderia encerrar o seu trabalho. , decorre o termo sisifismo para denominar (Cf. Aurlio Buarque de HOLLANDA, Novo dicionrio da Lngua Portuguesa, 1986.23 Essa proposta seria equivalente a da Fundao Jovem Profissional (antiga Fundao Casa do Pequeno Trabalhador), de So Paulo. Ver mais informaes na pgina virtual: www.fundcpt.com.br.

  • 20

    complexidade e a multideterminao dos problemas humanos, a globalidade desses problemas

    decorrente da relao entre suas partes e o todo e, sobretudo, a expanso vertiginosa do saber

    que tem se convertido em formas hermticas e fragmentadas de expresso. Esses desafios,

    assim, implicam respostas estrategicamente orientados quanto ao que se quer como bem para

    a cultura humana, ao que se quer como bases sustentadoras da sociedade e de organizao e

    qual o sentido quer atribuir-se convivncia.

    (Re)consideraes

    A insero do jovem brasileiro no mercado de trabalho uma questo que merece e

    no dispensa receber ateno dedicada da nao, no s porque um dever constitucional,

    mas porque ao pensar o assunto seriamente tambm se assume posicionamentos sobre outras

    questes inerentes ao contexto da sociedade. No decorrer do texto, percebe-se que a questo

    da juventude, como segmento produzido pela sociedade, reproduz subjetiva e objetivamente

    dilemas sociais de forma grave. Mas, v-se o quadro sendo alterado, inclusive porque os

    prprios jovens esto sendo protagonistas das iniciativas de mudana.

    As polticas pblicas tm um dever fundamental de servir implementao das

    decises da sociedade sobre o que deve ser oferecido como direito pblico. Essas polticas

    podem alcanar a resultados significativos, como a reduo vitoriosa do trabalho infantil, que,

    embora ainda no tenha erradicado-o totalmente, diminuiu-o significativamente depois da

    instituio do ECA. Essa poltica pblica uma demonstrao inequvoca de que os objetivos

    so alcanveis, mas no sem reunir os instrumentos executivos e de fiscalizao, legais e,

    sobretudo, os recursos necessrios para tanto. Essa reunio, no entanto, no absolutamente

    auto-executvel. A sociedade e o exerccio da cidadania so os elementos imprescindveis

    para que essas aes realizadas estejam em consonncia com aquilo que se demanda.

    Entre as estratgias que se dirigem insero do jovem no mercado de trabalho, h

    uma questo complexa, polmica e interessante. Quando se pensa a insero do jovem no

    mercado de trabalho pressupe-se o trabalho como soluo unicamente positiva para jovens.

    No entanto, uma outra questo deve preceder a esse assunto. A questo sobre quando e por

    que seria melhor o jovem se inserir e o que lhe oferecer enquanto no estiver trabalhando.

    Estudos indicam, como os de Pochmann (2003, 2000), bem como algumas naes

    demonstraram, que a insero precoce dos jovens no trabalho prejudicial e custosa para o

    indivduo e para a prpria sociedade. Em contraste, consideram que o investimento em

  • 21

    maiores qualificao e escolarizao implica maior estabilidade pessoal e social. Considera-se

    que o indivduo pode exercer plenamente o que lhe facultado de direito, por um lado, o que

    se refletiria em desenvolvimento de melhores servios e produtos, alm do que poderia

    diminuir sensivelmente na presso imediata no mercado de trabalho, por outro lado. Esse

    debate ainda no acendeu completamente em terras brasileiras.

    A respeito da estruturao de polticas pblicas no contexto brasileiro, as esferas do

    Estado tm respondido a esse movimento dos jovens com a constituio de gabinetes ou com

    polticas especficas para as questes reivindicadas. As ONGs, em geral, e os movimentos

    sociais tm sido os espaos de continncia e vazo para a formao e a atividade desses

    jovens. Entretanto, nota-se que as iniciativas ainda mantm um problema grave de isolamento

    e de desarticulao que praticamente neutralizam os seus possveis efeitos massivos. Nesse

    caso, por exemplo, a Secretaria Nacional da Juventude, entre outras incipientes instituies,

    emerge como uma incgnita, pois no se sabe se ela poder contribuir para o fortalecimento

    sinrgico das iniciativas correspondentes ou se ser uma instituio a mais para a assistncia

    ao jovem.

    Apesar da dificuldade para definir um nico critrio para entender a situao dos

    jovens, pensar sobre as suas dificuldades, com suas particularidades, generalidades e

    singularidades requer posicionamentos slidos quanto ao desenvolvimento social e

    econmico da nao, afinal, renem uma populao de aproximadamente 35 milhes de

    brasileiros. Sem esse pensamento, as prprias iniciativas de insero continuaro repetindo o

    seu papel de Ssifo24, medida que a cada jovem inserido, outros tantos so excludos ou

    nem chegam a ter uma chance. possvel orientar as aes segundo uma formulao que

    compreenda um sentido amplo da insero no trabalho, o que nesse texto foi aventado como

    uma insero de ciclo completo ou insero ecossistmica, que certamente requerem um

    devido aprofundamento conceitual posterior para, qui, serem sugestes consistentes e

    executveis de fato na insero de jovens no simplesmente em um mercado de trabalho,

    posto que no deveriam ser tratados como mercadorias, mas sim, para que possam assumir

    um papel em um digno mundo do trabalho.

    24 Ver nota 22.

  • 22

    Referncias

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  • 25

    Autor:

    Joari Aparecido Soares de Carvalho

    Ttulo:

    Alguns aspectos da insero de jovens no mercado de trabalho no Brasil:

    concepes, dados estatsticos, legislao, mecanismos de insero e polticas pblicas.

    Resumo:

    O objetivo deste trabalho foi compreender algumas condies dos mecanismos de insero

    dos jovens no mercado de trabalho no Brasil. O texto foi adaptado da pesquisa de um trabalho

    de concluso do curso de 2004 da Escola de Governo de So Paulo. Na pesquisa, foram

    levantados e discutidos algumas concepes sobre o jovem e o trabalho, alguns dados

    demogrficos sobre as desigualdades sociais entre jovens e a principal legislao a respeito da

    relao entre o jovem e o trabalho. Os mecanismos estudados e as discusses a respeito foram

    organizados trs setores sociais: aes das polticas pblicas conduzidas preponderantemente

    pelo Estado; iniciativas privadas que visam o prprio benefcio; e, iniciativas privadas que

    visam o bem comum. Nesse texto, considera-se que a insero do jovem no mercado de

    trabalho reproduz as desigualdades sociais; alm disso, questiona-se se trabalhar deve ser a

    mais importante poltica pblica social para os jovens. Prope-se a constituio de um

    princpio orientador para as polticas de insero no trabalho que compreenda a insero, a

    permanncia ou a recolocao, aqui denominada de insero em ciclo completo ou

    ecossistmica.

    Palavras-chaves:

    polticas pblicas; juventude; trabalho; mecanismos de insero social.

  • 26

    Author:

    Joari Aparecido Soares de Carvalho

    Title:

    Some aspects of the youngsters insertion in the labor market in Brazil:

    conceptions, statistical data, legislation, insertion mechanisms and government policies.

    Abstract:

    The aim of this study was to comprehend some conditions of the insertion social mechanisms

    of youngsters in the labor market in Brazil. The text was adapted from a students research for

    concluding the course of Government School of So Paulo, at 2004. In the research, they

    were surveyed and discussioned some conceptions about the young and the work, some

    demographic data about the social inequalities among youngsters, and the main legislation

    concerning the relation between the youngster and the labor in Brazil. The studied

    mechanisms and the discussion about them were separated into three social sectors: the

    governments social policies realized by the State; the private initiatives with intention of

    benefit private; and, the private initiatives with intentions of common-welfare. In this job, it

    was considered that the insertion of youngsters in the labor market reproduces the social

    inequalities; moreover, it is questioned whether must be to work the most important

    governments social policy to youngsters. It is proposed the creation of a guidance principle

    for the policies of the insertion in the labor market, which comprehends the insertion, the

    permanence, and the replacement in the labor; here this principle is called of insertion in

    complete cycle or of ecosystematic insertion.

    Keywords:

    governments social policy; youth; labor; social insertion.