A INTER-RELAÇÃO ENTRE O PROCESSAMENTO AUDITIVO E...
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A INTER-RELAO ENTRE O PROCESSAMENTO
AUDITIVO E A COMPETNCIA LEITORA
Dissertao apresentada Escola Superior de Educao de Paula Frassinetti
para a obteno do grau de mestre em Cincias da Educao, especializao
em Educao Especial.
Por
Snia Maria Martins Neves Costa
Setembro de 2011
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A INTER-RELAO ENTRE O PROCESSAMENTO
AUDITIVO E A COMPETNCIA LEITORA
Dissertao apresentada Escola Superior de Educao de Paula Frassinetti
para a obteno do grau de mestre em Cincias da Educao, especializao
em Educao Especial.
Por
Snia Maria Martins Neves Costa
Sob a orientao de
Professora Doutora Helena dos Anjos Serra Diogo Fernandes
Setembro de 2011
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Dedicatria
Ao meu sobrinho Ivo
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RESUMO
Este estudo tem por finalidade indagar acerca de um conjunto de
capacidades que integram um bloco perceptivo - Processamento auditivo,
Conscincia fonolgica - e da influncia do mesmo na competncia leitora. O
que se sugere uma reflexo sobre prticas e estratgias que permitam uma
melhoria atempada das capacidades de leitura em indivduos com dfices
nessa competncia, por muitos autores, designados de indivduos com dislexia.
O estudo ilustra o desempenho de sete indivduos, ao abrigo do Decreto
- Lei n 3/2008, no domnio da Linguagem, em tarefas de processamento
fonolgico, Processamento auditivo e em Leitura oral. Inicialmente, realizou-se
uma prova de leitura oral para reforar o handicap j atestado em leitura e
procedeu-se realizao de treze provas baseadas no PALPA-P elaborado por
S. L. Castro, S. Cal & M. Coltheart a fim de se atestar dificuldades de
Processamento auditivo e Conscincia fonolgica. A partir da anlise desses
instrumentos, criou-se o perfil intra-individual de cada sujeito, tendo-se
verificado maior comprometimento em termos de Conscincia fonmica,
inclusive a nvel de reconstruo e segmentao fonmica e algumas
dificuldades de Processamento auditivo, particularmente, na memria
sequencial auditiva. Aps essa avaliao, delineou-se um plano de interveno
composto por vrias actividades para treino das habilidades em que se
verificara mais dificuldades, sobretudo com maior incidncia no nvel mais
complexo de Conscincia fonolgica: a Conscincia fonmica. Aps a
operacionalizao do mesmo, avaliou-se os progressos dos indivduos e
realizou-se nova prova de leitura oral. Verificou-se uma evoluo concomitante
em ambas as competncias e uma diminuio de processos fonolgicos,
nomeadamente omisses, substituies, epnteses, metteses, inverses e
dessonorizaes, nas duas realizaes.
Constatou-se, assim, que a implementao de estratgias especficas
de Processamento auditivo e de Conscincia fonolgica contribuem para
melhorar significativamente a competncia leitora.
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ABSTRACT
The goal of this study is to understand the integrant capacities of the
perceptive bloc- Auditory processing and Phonologic conscience and their
influence in the reading competence. So it is suggested a reflection about
practices and strategies that allow improving the reading capacities in certain
individuals that by showing difficulties in this competence are, by many authors,
designated by individuals with dyslexia.
The study illustrates the performance of seven individuals, under the
protection of the Decreto Lei n 3/2008, in the language domain, by analizing
tasks of phonologic processing, Auditory processing and Oral reading. First, it
was held an oral reading task to test the handicap diagnosed in the reading
habilities and than, it was held the aplications of thirteen tests based in the
PALPA-P created by S. L. Castro, S. Cal & M. Coltheart to attest dificulties in
the auditive processing and phonologic conscience. From this point it was
possible to create the inner individual profile from each subject, having been
verified a larger disability in the Phonemic conscience, including at the
phonemic reconstruction and segmentation and some difficulties in the Auditory
processing, particulary in the auditory sequential memory. After this evaluation,
was outlined an intervention plan, compound by various activities to train the
capabilities that were in deficit, with major incidence in the more complex level
of Phonological conscience, the Phonemic conscience. After the operations, the
processes of the individuals were evaluated and it was held a new oral reading
task. It was verified a concomitant evolution in both competences and a
decrease in reading flaws, as phonologic processes with omissions,
substitutions, methatesis, inversions and desonorization in both tasks.
This process sustained the idea that the implementation of specific
strategies of Auditory processing and Phonologic conscience contribute to
develop the reading competence.
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A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora
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Agradecimentos
Professora Doutora Helena Serra expresso os meus sinceros
agradecimentos pela transmisso de conhecimentos, pela compreenso e pelo
apoio na orientao deste estudo.
A todos os amigos e colegas que me apoiaram nos momentos difceis e de
maior ansiedade nesta fase da minha vida.
Aos alunos e suas famlias que permitiram a realizao deste estudo.
minha famlia que me acompanhou de perto neste meu rduo caminhar,
especialmente aos meus pais que me deram a possibilidade de chegar at
aqui.
A todos, muito obrigada.
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A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora
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NDICE GERAL INTRODUO Parte 1: ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL Captulo I
O Acto de ler, Modelos e Tipos de leitura
1. O Acto de ler
2. Modelos de Leitura
2.1 Modelo Ascendente
2.2 Modelo Descendente
2.3 Modelo Interactivo
3. Tipos de leitura
3.1 Leitura por varrimento (scanning)
3.2 Leitura em diagonal (skimming)
3.3 Leitura corrente (rauding)
3.4 Leitura com objectivo o estudo (learning)
3.5 Leitura com a inteno de memorizar (remember)
Captulo II
Actividade cerebral na Leitura
4. Como funciona o crebro durante a actividade de Leitura
5. Processamento auditivo
6. Competncias inerentes Leitura
6.1 Conscincia fonolgica
7. Dificuldades de Aprendizagem Especficas (DAE)
7.1 O conceito de Dificuldades de Aprendizagem Especficas
7.2 Dificuldades de Aprendizagem Especficas centradas no
dfice psiconeurolgico
1
3
3
4
14
14
17
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22
22
23
23 23 24 29 30 34 37 37 45 45 51
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7.3 Principais Dificuldades de Aprendizagem Especficas
Parte 2: INVESTIGAO EMPIRICA
Captulo I
Enquadramento Metodolgico
1. Objecto e Objectivos de estudo
2. Plano de Investigao
3. Procedimento Metodolgico
3.1 Metodologia de Estudo de Caso
3.2 Procedimentos
3.3 Definio e Caracterizao da Amostra
Captulo II
Recolha e Tratamento de dados
1. Instrumentos de avaliao
2. Procedimentos relativos Aplicao das Provas
2.1 Perfil Intra- individual dos alunos
2.2 Sntese
3. Planificao da Interveno
Parte 3: ANLISE E INTERPRETAO DOS RESULTADOS
Captulo I
Anlise de dados
1. Apresentao e discusso dos resultados
2. Consideraes finais
54 63 63 64 71 73 73 75 77 79 80 92 94 105 111 119 119 121 134
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REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
ANEXOS
138 145
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NDICE DE FIGURAS Figura 1- Fluncia na leitura de textos (Sim-Sim, 2008:12)
Figura2- Modelo de Gough (Samuels et al., 1984:193)
Figura 3- Modelo de Goodman (Zagar, 1992:18)
Figura 4- Modelo de Rumelhart (Samuels e tal., 1984:211)
Figura 5- Modelo de Ellis (Ellis, 1989:44)
Figura 6- Sistemas cerebrais responsveis pela leitura (adaptado de
Shaywitz, 2008:89)
Figura 7- Regies e funes mentais (Fonseca, 2008:208)
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NDICE DE GRFICOS
Grfico 1- Perfil intra individual do indivduo A.
Grfico 2- Perfil intra individual do indivduo B.
Grfico 3- Perfil intra individual do indivduo G.
Grfico 4- Perfil intra individual do indivduo I.
Grfico 5- Perfil intra individual do indivduo L.
Grfico 6- Perfil intra individual do indivduo P.
Grfico 7- Perfil intra individual do indivduo T.
Grfico 8- Avaliao da Prova de Reconstruo fonmica
Grfico 9: Percentagem de Sucesso nas Provas Memria de
Sequncia de Palavras e Frases e Memria auditiva de Nmeros e
Slabas
Grfico 10: Comparao entre a 1 e a 2 avaliao na Prova de
Reconstruo fonmica
Grfico 11: Comparao entre a 1 e a 2 avaliao na Prova de
Julgamento de Rimas
Grfico 12: Resultados (xitos) da 1 e 2 Provas de Memria auditiva
de nmeros e slabas e Memria auditiva de sequncia de palavras e
frase
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NDICE DE QUADROS
Quadro 1- Tipos de ataques (Freitas, Alves e Costa, 2007:16)
Quadro 2: Desenho de Investigao
Quadro 3: Estrutura da Amostra
Quadro 4: Sntese da 1 avaliao de Leitura oral
Quadro 5: Processos fonolgicos produzidos nas das provas
Julgamento de rimas; Discriminao de pares minmos em palavras;
Repetio silbica; Manipulao por omisso; Leitura de Pseudo-
palavras; Encerramento de palavras; Segmentao fontica de sons;
Reconstruo fonmica; Associao Auditiva; Associao Auditivo-
visual; Memria de Sequncia de Palavras e Frases; Memria Auditiva
de Nmeros e Slabas (1 avaliao)
Quadro 6: Smula dos resultados das Provas: Percentagem de
acertos, Mdia, Mediana e Desvio Padro/* nmero de itens por prova
Quadro 7: Guia de Interveno
Quadro 8: Distribuio das crianas sujeitas a interveno
Quadro 9: Comparao das tarefas de Conscincia Fonolgica e
Processamento auditivo em ambas as avaliaes
Quadro 10: Sntese da 2 Avaliao de leitura oral
Quadro 11: Processos fonolgicos produzidos na prova de Leitura oral
Quadro 12: Processos fonolgicos produzidos nas das provas
Julgamento de rimas; Discriminao de pares mnimos em palavras;
Repetio silbica; Manipulao por omisso; Leitura de
pseudopalavras; Encerramento de palavras; Segmentao fontica de
sons; Reconstruo fonmica; Associao Auditiva; Associao
Auditivo-visual; Memria de Sequncia de Palavras e Frases;
Memria Auditiva de Nmeros e Slabas (2 avaliao)
Quadro 13: Smula dos resultados das Provas: Percentagem de
acertos, Mdia, Mediana e Desvio Padro/* nmero de itens por prova
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NDICE DE ANEXOS
Anexo 1- Texto da prova de leitura oral: A Pequena vendedeira de
Fsforos, Hans Christian Andersen, Contos Imortais
Anexo 2- Grelha de apreciao global das aptides e das dificuldades
do aluno, Adaptada de SERRA, Helena; NUNES, Glria; SANTOS
Clara (2005): Avaliao e diagnstico em Dificuldades Especficas de
Aprendizagem; Edies ASA; 1. edio.
Anexo 3- Grelha de registo de observao das intervenes
Anexo 4- Grelhas de registo de observao da primeira e segunda
avaliaes nas provas de Processamento auditivo e de Conscincia
fonolgica do sujeito A.
Anexo 5- Grelhas de registo de observao da primeira e segunda
avaliaes nas provas de Processamento auditivo e Conscincia
fonolgica do indivduo B.
Anexo 6- Grelhas de registo de observao da primeira e segunda
avaliaes nas provas de Processamento auditivo e Conscincia
fonolgica do indivduo G.
Anexo 7- Grelhas de registo de observao da primeira e segunda
avaliaes nas provas de Processamento auditivo e Conscincia
fonolgica do indivduo I.
Anexo 8- Grelhas de registo de observao da primeira e segunda
avaliaes nas provas de Processamento auditivo e Conscincia
fonolgica do indivduo L.
Anexo 9- Grelhas de registo de observao da primeira e segunda
avaliaes nas provas de Processamento auditivo e Conscincia
fonolgica do indivduo P.
Anexo 10- Grelhas de registo de observao da primeira e segunda
avaliaes nas provas de Processamento auditivo e Conscincia
fonolgica do T. indivduo.
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Introduo
Este estudo tem como intuito efectuar uma pesquisa em torno das
dificuldades em leitura, causadas pelo dfice fonolgico e a confirmao da
tese de que um plano de treino em actividades especficas permite o
desenvolvimento de habilidades de Processamento auditivo e de Conscincia
fonolgica e a consequente melhoria da competncia leitora.
A necessidade de interveno surgiu durante a mediao com crianas
ao abrigo do Decreto Lei n 3/2008, no domnio da Linguagem e a partir da
verificao de que estas manifestavam um distrbio especfico baseado na
linguagem, de origem constitucional, caracterizado por dificuldades na
descodificao de palavras isoladas, que geralmente reflectem habilidades
insuficientes de processamento fonolgico (Snowling, 2004:24-25).
Partimos do princpio de que o dfice fonolgico dificulta a discriminao
e o processamento dos sons da linguagem e que, por isso os dislxicos tm
dificuldades em automatizar a descodificao das palavras. Este distrbio
revelava-se, principalmente, em dificuldades de leitura nas suas componentes
de descodificao e compreenso e ia ao encontro de uma reviso metdica
da literatura relevante para o contexto do ensino-aprendizagem da leitura,
realizada pelo National Reading Panel (2000), que identificou, entre outros
aspectos, a Conscincia fonmica e o Princpio alfabtico ou a
correspondncia grafema-fonema como competncias decisivas no ensino da
leitura. Lyon (2003), citado por Cruz (2007:199), aponta, tambm, como causas
das dificuldades em leitura os dfices na conscincia fonmica e
desenvolvimento do princpio alfabtico (e aplicao precisa e fluente destas
habilidades na leitura); dfices na aquisio de estratgias de compreenso da
leitura e sua aplicao na leitura de um texto; dfices no desenvolvimento e
manuteno da motivao para aprender a ler () .
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A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora
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A partir destes pressupostos e, perante os erros cometidos pelos alunos,
sentimos a urgncia de intervir para a obteno do sucesso educativo dos
mesmos. Sentimo-nos conscientes de que cabe escola formar leitores
proficientes, uma vez que a leitura a par da escrita, uma aquisio essencial
para realizar posteriores aprendizagens. No um fim em si mesmo, mas um
meio para alcanar saberes. Por vezes, o sucesso acadmico destes alunos
via-se comprometido devido s dificuldades em leitura. , pois, nosso intuito
realizar um trabalho de pesquisa e reflexo em benefcio destes alunos.
Para tal, e partindo da premissa de que o dfice em leitura era devido a
um dfice fonolgico, definiremos o campo de estudo do nosso trabalho,
partindo de uma abordagem terica. Fundamentados nos diversos autores,
realizaremos algumas provas, inclusive de Leitura oral de um texto e provas de
Processamento auditivo e de Conscincia fonolgica, por ns elaboradas com
base no PALPA-P elaborado por S. L. Castro, S. Cal & M. Coltheart, a fim de
comprovarmos o que teoricamente vem sendo afirmado.
Posteriormente, e, de acordo com os resultados que se obtero na
avaliao, estabeleceremos um plano de treino com tarefas especficas para
desenvolver as reas mais comprometidas. Para tal, uma vez mais, apoiar-nos-
emos numa reviso da literatura na rea de interesse.
A nossa escolha, em termos de metodologias incide sobre a metodologia
do tipo qualitativo, mais especificamente, pelo estudo de caso qualitativo.
Durante a investigao, optamos pela estratgia de recolha de dados atravs
da observao directa e participante e pela aplicao de provas.
Face aos resultados obtidos, seleccionaremos estratgias e actividades
consideradas eficazes para o desenvolvimento das competncias por ventura
deficitrias.
Aplicamos essas estratgias durante 24 sesses, procedendo ao estudo
comparativo dos resultados. A partir da anlise desses dados tiraremos
algumas concluses e elaboraremos algumas consideraes finais.
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A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora
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PARTE 1
ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL
Captulo I
O Acto de ler, modelos e tipos de leitura
Neste captulo, comeamos por definir e caracterizar o acto de ler sob a perspectiva de
alguns autores, nomeadamente Lobrot (1980), Citoler e Sanz (1997), Viana (2002), Serra
(2004), Lopes (2005), Sim-Sim (2006) (2008), Cruz (2007). Abordamos, ainda, os processos
implicados no acto de ler. Os processos inerentes leitura so a descodificao (processos de
nvel inferior) e a compreenso (processos de nvel superior, sendo o segundo nvel de leitura).
Apresentamos, tambm, uma abordagem dos factores determinantes na compreenso,
segundo Ins Sim-Sim e mencionamos os mdulos perceptivo e lxico implicados na
descodificao e os mdulos sintctico e semntico implicados na compreenso. Vemos os
processos de aprendizagem de leitura de acordo com as trs fases que envolve e numa
perspectiva metacognitiva, do ponto de vista de Viana. Estas fases so a fase cognitiva, a fase
de aquisio e a fase de automatizao. De seguida, caracterizamos os Modelos de leitura,
segundo alguns investigadores. Comeamos pelos Modelos ascendentes (Botton-up) que so
o Modelo de Gough, (1972) e o Modelo de LaBerge & Samuels (1974); passamos para os
Modelos descendentes (Top-Down) com o exemplo do Modelo de Goodman (1970) e do
Modelo de Smith, (1971); e terminamos com o Modelo Interactivo, ou seja, com o Modelo de
Rumelhart (1977) e com o Modelo de Stanovich (1980). Posteriormente, fazemos uma
caracterizao dos tipos de leitura. Por fim, abordamos o dfice de automatizao, interligando-
o com a dislexia, a qual abordamos, mais detalhadamente, enquanto Dificuldade de
Aprendizagem Especfica de leitura, no captulo II.
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A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora
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1. O acto de ler
Ensinar a ler , acima de tudo, ensinar explicitamente a extrair
informao contida num texto escrito, ou seja, dar s crianas as ferramentas
de que precisam para estratgica e eficazmente abordarem os textos,
compreenderem o que est escrito e assim se tornarem leitores fluentes (Sim-
Sim, 2007:8). Esta autora (2006:19) afirma, ainda, que ler com fluncia implica
possuir uma rpida capacidade de descodificao e um domnio das estruturas
semntico-sintcticas que possibilitem a compreenso do texto escrito.
Nesta linha de pensamento, por vezes, os professores questionam-se sobre: O
que ler?
Vrios autores, ao longo dos tempos, confrontaram-se com esta
temtica no intuito de perceber em que momento que uma criana sabe ler.
O acto de ler pode ser entendido como a competncia de reconstruir sentido,
apoiando-se em estratgias tais como saber completar um enunciado com
espaos; ter conscincia da estrutura da lngua (palavra, frase); possuir um
leque de palavras; analisar e realizar snteses de grupos de fonemas ou de
grafemas; distinguir diferentes tipos de escrita e saber adaptar-se enquanto
leitor que questiona o texto; possuir conhecimentos sobre o tema que l e
conseguir integrar ou relacionar informaes diversificadas. Garcia (1991:99)
define acto de ler igualando-o a () una situation tpica de resolutin de
problemas () y tomando como referencia (...) modelo computacional input;
processamento central; output. O input representa a informao obtida pelo
olhar, sobre o texto escrito. A informao processada atravs da seleco de
mensagens contidas no texto e que se coadunam a outras existentes na
memria de curto prazo para, posteriormente, serem levada at ao crebro e
associarem-se a conhecimentos e informaes j existentes. Naquilo a que
designaramos de processamento central, essa informao visual transformar-
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A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora
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se-ia em compreenso ou saberes graas memria de trabalho ou memria
sensorial, tendo, no entanto, como mediador o sistema fonolgico.
J Conquet (1966; cit. por Garcia, 1991:23) refere que uma criana sabe
ler se () percibir correctamente los signos grficos, comprender lo ledo;
reaccionar ante los contenidos ledos e quando capaz de integrar () el
pensamiento del autor, lo cual conlleva la posibilidade de servirse del mismo
com inteligncia y de forma autnoma.
So variados os factores que influenciam o processo de leitura. Desde
os factores intra-pessoais como as capacidades cognitivas, a personalidade, a
motivao, as estratgias de aprendizagem, os factores interpessoais, ou seja,
os estilos de ensino, a inter-aco aluno - professor /aluno - aluno aos factores
contextuais que dizem respeito ao contexto educativo e familiar. No entanto,
neste trabalho centrar-nos-emos, sobretudo, numa perspectiva cognitiva, tendo
em conta que quando se fala em processos cognitivos faz-se () referencia a
todos los procesos mediante los cuales la informacin que llega al crebro es
transformada, almacenada, y recobrada posteriormente para la resolucion de
culaquier tarea problemtica (Garcia, 1991:98).
Nesta perspectiva, (Citoler e Sanz, 1997:116) definem a leitura ()
como uma actividade complexa composta por uma srie de processos
psicolgicos de diferentes nveis que, comeando por um estmulo visual,
permitem, atravs de uma actuao global e coordenada, a compreenso do
texto.
Serra, (2004:47) refere que so mltiplas as competncias que o acto
de ler implica: reconhecimento e discriminao de smbolos grficos
grafemas; a sua associao aos correspondentes smbolos auditivos
fonemas; a anlise e sntese auditiva e visual dos vrios elementos
constitutivos da palavra, bem como da palavra como um todo; a constante
combinao de ambas anlise e sntese; a compreenso atribuio de
significado s palavras, referida a experincia anterior.
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A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora
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Ao longo dos tempos, tem-se verificado um crescente interesse por parte
da psicologia experimental em reas de investigao ligadas leitura. Nas
investigaes desenvolvidas sobre a aprendizagem da leitura e, numa vertente
lingustica identifica-se o desenvolvimento da linguagem oral como varivel
nesta aprendizagem. O percurso de leitura inicia-se, ento, aquando do
desenvolvimento e da estimulao da linguagem oral e, tambm, no contacto
com os primeiros escritos. Pode dizer-se que a leitura ao integrar o sistema de
comunicao humana apresenta-se como parte da linguagem. Normalmente,
aparece associada linguagem falada e, por isso, () afigura-se impossvel
conceptualizar a leitura dissociando-a da linguagem oral qual se encontra
ancorado o sistema de escrita que o suporta (Sim-Sim, 2006:36).
sabido que, ao falar, a criana, reflecte sobre a sua lngua, usa a
linguagem oral e desenvolve essa base lingustica inerente aprendizagem da
leitura. Alis, um fraco domnio do oral implica um no domnio das sub -
competncias da leitura, isto , do conhecimento lexical, sintctico e semntico.
A linguagem apresenta as mesmas componentes que a leitura: fonologia,
morfologia, semntica, sintaxe e pragmtica. H uma relao estreita entre
falar e compreender o oral e a leitura. O que se compreende da leitura depende
do conhecimento da linguagem oral. De acordo com Cruz (2007), a leitura
uma competncia cultural especfica que se baseia no conhecimento da
linguagem oral, porm uma competncia com um grau de dificuldade muito
superior da linguagem oral.
Na leitura, existem, como j referido, mdulos implicados na
descodificao os mdulos perceptivos e lxico, e os mdulos envolvidos na
compreenso - mdulos sintctico e semntico. Ins Sim-Sim (2006:19) refora
esta ideia referindo que ler com fluncia implica possuir uma rpida
capacidade de descodificao e um domnio das estruturas semntico-
sintcticas que possibilitem a compreenso do texto escrito.
Segundo Velluto (1987) referido por Fernanda Viana (2002:34) () a
qualidade da base lingustica sobre a qual se vo apoiar a percepo visual e
auditiva, a memria e a integrao dos estmulos visuo-espaciais em
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A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora
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sequncias temporais vai ditar o modo como a informao lingustica
processada. O mesmo autor acrescenta, ainda, que () os maus leitores
apresentam dfices de linguagem, essencialmente ao nvel da organizao
sintctica e do vocabulrio.
Tem-se verificado que cada vez h mais piores leitores e que,
consequentemente, segundo Lopes, estes (2005:71) tm que realizar um
esforo considervel para ler praticamente qualquer tipo de material e no
retiram qualquer prazer da leitura. Allington (1983) estima que os bons leitores
lem dez vezes mais palavras por dia que os leitores fracos. Estes, na escola,
lem apenas aquilo a que os obrigam. Fora dela, nem isso.
Segundo Viana (2002a) citada por Fernanda Leopoldina Viana (2006:2-
4) existem trs grupos de variveis que distinguem bons e maus leitores:
- O desenvolvimento lingustico que apresentam sendo que este engloba
a decifrao e a correspondncia grafema-fonema; o domnio a nvel de
competncias ao nvel morfosintactico para a realizao de combinao
possveis na lngua; um bom conhecimento vocabular; a Memria auditiva para
material verbal que retm a informao veiculada nas frases at ao seu
processamento para extrair sentido da leitura; competncias metalingusticas
fundamentais para o reconhecimento da conscincia da estrutura segmental da
lngua. Esta conscincia segmental prende-se com a Conscincia fonolgica.
Compreende o reconhecimento de que as frases so constitudas por palavras,
que se dividem em slabas e que estas so constitudas por pedacinhos ainda
menores, os fonemas.
- O que j pensaram/o que j sabem sobre o funcionamento da lngua
escrita. Para a autora trata-se de resolver alguns conflitos cognitivos: O que
ler? Para que serve? Para escrever so precisos uns desenhos, mas uns
desenhos especiais que se chamam letras? E qual a relao destes desenhos
com as coisas? So os nomes das coisas? So as prprias coisas? Registam
propriedades das coisas? Escrever alinhar estes desenhos... da esquerda
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A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora
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para a direita? Muitos desenhos? Poucos desenhos? Quaisquer desenhos?.
importante que as crianas.
- A motivao para ler. A criana precisa de sentir a utilidade da leitura.
Devemos dar-lhes a oportunidade de contactar com os livros, proporcionando-
lhes experincias agradveis.
Segundo Baker, Dreher & Gutherie, (2000) citados por Lopes (2005:119)
75% dos alunos com 10-12 anos encontram-se desmotivados para a leitura.
Se, por um lado, se tornou () evidente que, para aprender a ler, a
criana precisa de compreender que a linguagem constituda por palavras e
que estas, por sua vez, se decompem em unidades menores, (Viana,
2002:38), por outro lado, a criana deve ter a noo de que o discurso oral
pode ser segmentado em pedaos e que estes pedaos podem ser
representados por letras. Esta aquisio facilita a aprendizagem das relaes
sistemticas grafema/fonema, ou seja da conscincia fonolgica e da
descodificao de que falaremos adiante. Alm de associar smbolos grficos a
smbolos sonoros (correspondncia grafo-fonmica), o leitor deve assumir um
papel activo. Deve compreender, julgar e criar sentido. Este sentido
alcanado, aplicando o mtodo global atravs do qual a criana passa da forma
da palavra ao sentido da mesma para, num nvel superior, e pelo mtodo
sinttico proceder decomposio e associao at chegar decifrao.
Como referido anteriormente, saber ler pressupe descodificar. Esta
descodificao implica dominar um conjunto de conceitos, de competncias e
atitudes. Aps o conhecimento destes comportamentos emergentes de leitura,
o indivduo capaz de identificar palavras para obter significado. Recorre
quilo a que Citoler e Sanz, (1997:116) designam de lxicom, isto , lxico
interno ou conjunto de todas as palavras que o indivduo conhece. Ao
compreender as palavras, as frases e os pargrafos, o leitor, facilmente
compreende o texto e da retira sentido. Todavia esta compreenso da
informao lingustica depende do desenvolvimento das capacidades
cognitivas para seleccionar, processar e (re)organizar informaes que
-
A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora
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dependem, igualmente, do nvel dos conhecimentos prvios em relao
lngua e aos contedos abordados no texto. Por outras palavras dir-se-ia que,
num processo contnuo, a criana deve apropriar-se de estratgias que utilizar
nos dois principais processos cognitivos para uma leitura eficiente. Entenda-se
ento, por estes processos, a identificao dos signos que compem a
linguagem escrita e a pressuposta correspondncia grafema-fonema, e a
compreenso do significado da linguagem escrita como interpretao por parte
do leitor na sua interaco com o autor e com o texto. Quer isto dizer que
qualquer acto de ler implica uma anlise sensria/perceptiva dos estmulos
visuais se o relacionarmos com a capacidade de fazer corresponder ao
grafema um fonema e com a anlise da palavra. Alm disso, envolve tambm
operaes mentais como descodificar, compreender e atitudes. No nvel mais
elementar de leitura, ou seja, o da descodificao, a ateno, a memria e a
percepo desempenham um papel relevante. Sempre que o leitor faz uma
anlise visual e capta o significado da palavra recorre a uma rota lexical no
reconhecimento de palavras. J quando converte os estmulos visuais num
cdigo fonolgico como o caso das pseudopalavras, utiliza uma rota no
lexical ou seja, chega ao significado da palavra por uma via indirecta, neste
caso a via fonolgica. Daqui pode-se inferir a importncia da capacidade de
processamento fonolgico na aquisio da leitura e o interesse em entender de
que forma o processamento auditivo influencia a competncia leitora.
Numa perspectiva metacognitiva, o processo de aprendizagem da leitura
envolve trs fases. A primeira que ser a fase cognitiva em que o indivduo
desenvolve conscincia da tarefa a realizar e, segundo Fernanda Viana
(2002:85), pressupe () o desenvolvimento da compreenso de conceitos
tais como palavra, fonema, letra, nmero, leitura, escrita entre outros.
Esta seguida da fase de aquisio que corresponde prtica da tarefa de
leitura at a mesma estar dominada e, finalmente, a fase de automatizao em
que a leitura conseguida sem esforo consciente. Com efeito, em todo o
processo de aprendizagem de leitura importante que a criana saiba o que
significa ler, entenda para que serve a leitura, tenha conscincia da estrutura
segmental da fala, domine capacidades lexicais, semnticas, fonolgicas e
-
A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora
10
sintcticas. Quando estas capacidades esto automatizadas, desenvolve-se a
possibilidade de anlise textual, dominando mais assertivamente a leitura
enquanto actividade () complexa composta por uma srie de processos
psicolgicos de diferentes nveis que, comeando por um estmulo visual,
permitem, atravs de uma actuao global e coordenada, a compreenso do
texto (Citoler, 1997:113). A compreenso , desta forma, o segundo nvel de
leitura. Por compreenso da leitura entende-se a atribuio de significado ao
que se l, quer se trate de palavras, de frases ou de um texto () o importante
na leitura a apreenso do significado da mensagem, resultando o nvel de
compreenso da interaco do leitor com o texto. (Sim-Sim, 2008:9). , por
isso, vulgar que de um mesmo texto dois leitores retirem significados
diferentes, ou seja, atinjam diferentes nveis de compreenso. Assim, a
aprendizagem da leitura deve tornar-se num exerccio de linguagem e
conceptualizao, j que no se aprendem apenas palavras, mas conceitos
(Viana, 2002:17).
Em suma, ler implica descodificar, transformar a mensagem escrita em
mensagem oral. Segundo Lobrot (1980) referido por Fernanda Viana (2002:19)
() ler aprender a utilizar um cdigo que duplo () - o cdigo ideogrfico
o qual faz corresponder os grafemas s ideias e imagens mentais e o cdigo
grafo-fontico que faz corresponder os significados, as palavras aos
significantes enquanto fala. Desta forma, ler , tambm, recodificar. Alm disso,
implica ainda, compreender, isto , relacionar as informaes novas com as j
adquiridas e armazenadas na memria a longo prazo. Quando assim ocorre
significa que os processos de baixo nvel foram automatizados e os processos
de descodificao e compreenso ocorrem em simultneo, no havendo
perturbao da leitura. Atente-se que a compreenso conjuga a reproduo fiel
do significado explcito e o reconhecimento do significado implcito.
O significado explcito trabalha-se por exemplo com a reproduo de
factos, a construo de uma histria atravs de uma sequncia e o entender
instrues, ordens ou pedidos. O significado implcito abrange uma actividade
mental mais activa, desde a deduo construo de contedo e de
-
A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora
11
significado. Desenvolve-se trabalhando textos e encontrando a ideia principal
do mesmo, relacionando acontecimentos e factos da histria e/ou inventando
um final para a histria.
H autores que defendem que conversar antecipadamente com as
crianas sobre o tema do texto que elas iro ler e desenvolver intencionalmente
o lxico destas (Sim-Sim, 2008:10) melhora o nvel de compreenso do texto,
porque o conhecimento que o leitor j tem do assunto facilita a sua
compreenso. , tambm, importante alargar as suas vivncias e as suas
experincias sobre o mundo na perspectiva de uma leitura fluente, precisa e
expressiva. A rapidez de leitura envolve o reconhecimento instantneo de
palavras, libertando a ateno e a memria para a recuperao do significado
da frase (e do texto) e permitindo o treino da leitura expressiva. Um leitor
fluente reconhece as palavras automaticamente e sem esforo, agrupa-as,
acedendo rapidamente ao significado de frases e de expresses do texto (Sim-
Sim, 2008:11).
Ainda, debruando-nos sobre a compreenso de textos, apresentamos,
baseados em Ins Sim-Sim, a Figura 1 que mostra os quatro principais factores
determinantes nessa compreenso:
a) A automatizao na identificao de palavras
Sempre que um indivduo tem facilidade em reconhecer as palavras a partir
de um reconhecimento global ou pela transposio grafo-fonmica ou pelo
domnio da conscincia fonolgica, isto , analisando a cadeia sonora da fala
no que respeita s slabas, fonemas e as rimas, maior facilidade ter em
compreender o que l e mais fluente ser a sua leitura.
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A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora
12
b) O conhecimento da lngua, sobretudo o domnio lexical
O aspecto lingustico da lngua, ou seja, o conhecimento e o funcionamento
da estrutura da lngua e o domnio dos seus vocbulos na relao com o texto
revelam a anlise e a capacidade que o leitor tem de reflectir sobre o
funcionamento desta. Quanto melhor for esta habilidade intimamente
relacionada com o tratamento da escrita, maior ser o nvel de compreenso
textual. Assim sendo, e tendo em conta que os alunos devem conhecer cerca
de 90% do vocabulrio do texto a interpretar para o compreender, os
professores devem desenvolver intencional e explicitamente o lxico das
crianas.
c) A experincia individual de leitura
importante que a criana pense o texto e que o relacione com as suas
experincias, com as suas vivncias, com os seus valores e com as suas
opinies. Deve realizar aquilo a que Fayol (2000) citado por Fernanda Viana
(2009:32), designa de inferncias ou interpretaes que no so acessveis
literalmente, so o estabelecimento de relaes que no esto explcitas. Quer
isto dizer que o leitor deve relacionar dados explcitos com dados implcitos no
texto para conseguir compreender o texto com qualidade.
d) O conhecimento do Mundo por parte do leitor
O quarto factor implicado na tarefa de compreender o conhecimento do
mundo por parte do leitor. A reconstruo de sentido ou do significado ser
obtida a partir do conhecimento partilhado pelo autor e pelo leitor. Desta forma,
quanto mais alargado for o conhecimento do mundo por parte do leitor, mais
prxima ser a significao daquilo que o autor pretende transmitir.
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A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora
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Figura 1: Fluncia na leitura de textos (Sim-Sim, 2008:12)
Segundo a autora, (2007:9) por compreenso da leitura entende-se a
atribuio de significado ao que se l, quer se trate de palavras, de frases ou
de um texto. (...) O importante na leitura a apreenso do significado da
mensagem...
Em suma, ler com fluncia implica possuir uma rpida capacidade de
descodificao e um domnio das estruturas semntico-sintcticas que
possibilitem a compreenso do texto escrito Sim-Sim (2006:19), isto , saber
ler envolve operaes cognitivas de nvel inferior e operaes cognitivas de
nvel superior. As de nvel inferior so descodificar, conhecer o cdigo
lingustico, identificar palavras, frases, dominar a morfologia, o lxico, a
conscincia fonolgica, a sintaxe e a semntica. Quando o leitor acede ao
significado do texto, obtm informaes, relaciona textos entre si, experincias
est a pr em prtica operaes cognitivas de nvel superior. Estes factores,
em interaco, tornam-se os pilares da compreenso em leitura. Contudo, e
como veremos, a debilidade fonolgica interfere com a descodificao; as
aptides de nvel superior necessrias compreenso (vocabulrio, sintaxe,
discurso e raciocnio) mantm-se ilesas. No ponto que abordamos de seguida,
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A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora
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veremos de forma mais detalhada os processos implicados na leitura: a
descodificao enquanto processo de nvel inferior perceptivo e lxico e os
processos de nvel superior, ou seja, a compreenso de leitura a partir dos
modelos de processamento ascendente, descendente e interactivo.
1. Modelos de Leitura
Como vimos, o acto de ler envolve um papel activo por parte do leitor
desde a percepo do escrito e sua descodificao compreenso, isto ,
produo de sentido. Para isso, recorre a vivncias passadas e constri novos
significado quer de cada palavra quer do texto. Dependendo do objectivo ou da
finalidade do leitor perante determinada leitura, o mesmo recorre a esses
significados, organizando-os conforme o tipo de leitura que pretende. Para
explicar os mecanismos e estratgias cognitivas presentes no acto de ler,
alguns autores definem modelos de leitura. Os diferentes modelos explicam o
modo como os processos cognitivos implicados na leitura (descodificao e
compreenso) se relacionam entre si. Estes modelos de leitura correspondem
a diferentes vises de leitura, sendo eles: os modelos de processamento
ascendente ou de baixo para cima (bottom-up); os modelos de processamento
descendente ou de cima para baixo (top-down); e os modelos interactivos
(Cruz, 2007; Sim-Sim, 2007) e que passamos a descrever:
2.1 Modelo Ascendente (modelo de Gough, 1972; modelo de LaBerge & Samuels,
1974)
Segundo Fernanda Leopoldina Viana (2002: 94-100) este modelo
conceptualiza () a leitura como uma competncia que progride do estudo
dos elementos mais simples (grafemas e slabas) para as estruturas mais
complexas (frases e textos) . Assim, a leitura, nesta perspectiva, () parte de
operaes perceptivas sobre os grafemas e culmina em operaes semnticas.
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A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora
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As correspondncias grafo-fonolgicas so consideradas a nica via de acesso
ao significado. De acordo com este modelo, o processo de leitura inicia-se
com a aprendizagem das vogais e das consoantes para formao de slabas.
Aps o reconhecimento da slaba, a criana percebe que pode criar
novas palavras e que estas formam frases. Desta forma, transpe o que foi
aprendido implicitamente e, de uma forma intuitiva, para um conhecimento
explcito cada vez mais formal e abstracto. H, assim, um distanciamento cada
vez maior da linguagem. Posteriormente, a criana incentivada a interiorizar
que cada vocbulo, cada significante tem um significado. Apoiando-se nessa
compreenso passa-se para a leitura de pequenas frases. Quer isto dizer que,
baseando-se num mtodo sinttico o processo de leitura inicia-se, portanto,
pelo fonema, associando-se sua representao grfica. a partir da
informao visual - o grafema e da informao no-visual - o fonema que se
extrai significado.
Estes modelos () consideram que a leitura implica um percurso linear
e hierarquizado indo de processos psicolgicos primrios (juntar as letras) a
processos cognitivos de ordem superior (produo de sentido (Martins,
2000:27). Assim sendo, partir-se-ia da identificao da letra, dos grafemas, isto
de operaes perceptivas para chegar ao sentido, s operaes semnticas.
Daqui pode-se concluir que a extraco de significado advm da
correspondncia grafema-fonema e as diferenas individuais na leitura situam-
se no maior ou menor domnio da descodificao. A estes modelos de leitura
correspondem mtodos de ensino de leitura designados de mtodos fnicos ou
sintticos. A Figura 2 baseada em Gough (Samuels et al., 1984:193) mostra
todo o processo de leitura tendo em conta o modelo ascendente.
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A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora
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Figura 2: Modelo de Gough (Samuels et al., 1984:193)
No entanto, este modelo levanta algumas questes devido falta de
flexibilidade. Por um lado apresenta como nica via de acesso leitura a
correspondncia grafema-fonema. Se assim fosse, os surdos no leriam e
tambm no se conseguiria compreender as palavras homfonas. Por outro
lado e, segundo Ellis (1989) (cit. Martins 2000:32), um indivduo com dislexia
fonolgica, isto , que no capaz de estabelecer relaes grafo-fonolgicas,
no seria capaz compreender palavras, facto que no se verifica, o que revela
a existncia de uma via psicolgica para alcanar significado, alm da via
fonolgica.
Alm disso, este modelo no valoriza o contexto no reconhecimento dos
vocbulos, quando na verdade se provou que as palavras em frases so mais
facilmente compreendidas e a velocidade de leitura superior em relao a
contexto isolado. Tambm no d importncia ao conhecimento semntico na
percepo de palavras. Todavia se duas palavras pertencem ao mesmo campo
semntico mais fcil o seu reconhecimento.
De uma forma sucinta podemos dizer que o acto de ler, segundo este
modelo, desenrola-se da seguinte forma:
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A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora
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Anlise perceptiva dos grafemas - transformao em fonema apreenso das
unidades lexicais - operaes e clculos sintctico-semnticos - tratamento do
significado.
2.2 Modelo Descendente (modelo de Goodman, 1970; modelo de Smith, 1971)
Este modelo, ao contrrio do anterior, parte de um () processo de
identificao directa e global de palavras (ou frases), de antecipao baseadas
em predies lxico-semnticas e sintcticas, e de verificao das hipteses
produzidas. (Viana, 2002:98-99). Quer isto dizer que os processos mentais
superiores: raciocnio, mobilizao dos conhecimentos, predies semnticas,
utilizao do contexto, formulao de hipteses, so determinantes.
Margarida Alves Martins (2000:32-33) define-o como um jogo de
adivinhas psicolingusticas, () um processo de identificao directa de
signos globais, de antecipaes baseadas em predies lxico-semnticas e
sintcticas e de verificaes das hipteses produzidas.
Para Goodman e Gollasch, (1980) cit. por Niza e Martins, (1998:121), de
acordo com este mtodo global, analtico, ler consiste em construir o
significado de um texto, com o mnimo de esforo e de tempo, seleccionando o
leitor os ndices mais produtivos para poder construir esse significado. Assim,
o leitor parte da frase para a palavra e da palavra para a frase, trabalhar a partir
de () antecipaes baseadas no contexto semntico e sintctico e de
verificaes das hipteses produzidas (Niza e Martins, 1998:122).
Segundo Goodman e conforme esquema da Figura 3, o processo de
leitura tem incio aquando da focalizao visual da pgina e da fixao no
material. O leitor, tendo em conta os seus conhecimentos vai seleccionar os
ndices grficos, formando uma imagem, que, vai, posteriormente, reter na
memria a curto prazo. De seguida, vai procurar na memria a longo prazo
ndices grfico-fonolgicos, sintcticos e semnticos relacionados com a
imagem que formou. Desta forma, obtm uma antecipao, uma predio. Se
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A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora
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for bem sucedido, envia essa informao memria a longo prazo. Quando
isso no acontece, porque no aceite a nvel sintctico ou semntico, o leitor
reanalisa os ndices e a imagem perceptiva que criou. Se mesmo assim no
obtiver uma leitura capaz, ento reformula a imagem perceptiva e d inicio a
todo o processo novamente.
Figura 3: Modelo de Goodman (Zagar, 1992:18)
No entanto, este modelo apresenta, algumas desvantagens:
- Segundo este modelo, o leitor faz antecipaes e reconhece sentido por
leitura visual, mas o mesmo no especifica se o faz atravs da via ortogrfica,
isto , ao nvel da palavra, da letra ou pelas vias lexical e semntica. Alm
disso, no explica de que forma que o leitor procede quando as antecipaes
no se verificam, apenas que recomea o processo.
- O privilgio dado ao reconhecimento de palavras sem realizar
correspondncia grafo-fonmica, tambm, parece pouco consistente na medida
em que o leitor consegue ler pseudo-palavras. Assim sendo, este est a
descodificar e s o faz se estabelecer a correspondncia entre grafema e
fonema.
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2.3 Modelo Interactivo (modelo de Rumelhart, 1977; modelo de Stanovich, 1980)
Trata-se de um modelo que abrange mtodos de ensino mistos ()
semi-globais e analtico-sintticos (Viana, 2002:99). Trata-se de um modelo
intermdio em que o leitor usa capacidades de ordem superior e de ordem
inferior, conjugando o modelo ascendente e o modelo descendente em
simultneo e em interaco paralela, em que essas capacidades se activam
umas s outras. Parte do modelo descendente, isto da identificao global da
palavra para a decompor em slabas e em letras (modelo ascendente),
favorecendo as operaes de anlise e de sntese. De acordo com este modelo
e, como se pode verificar na Figura 4, a criana identifica as palavras e atravs
de associaes atribui-lhes um significado. Tambm as analisa, dividindo-as
nos seus constituintes menores. Quando a criana se depara com uma palavra
nova, em primeiro lugar recorre ao sistema auditivo e via visual, ou seja a
operaes e estratgias cognitivas, procedendo transposio grafema-
fonema para tentar encontr-la nas suas referncias e, posteriormente procur-
las num outro contexto (ex. dicionrio). Este mtodo sinttico, segundo o qual a
criana sabe ler quando domina a decifrao, vale-se da letra, do fonema e da
slaba para a aprendizagem da leitura. Alm disso, implica que alm de
dominar o cdigo lingustico, o indivduo tenha conhecimento sobre o assunto
tratado no texto, podendo, assim escolher preferencialmente uma outra
estratgia que melhor lhes sirva nesse contexto (Niza e Martins, 1998:125).
Importa salientar que neste modelo fundamental dominar e manipular
o cdigo lingustico e possuir informaes e experincias sobre o tema
abordado pelo texto o que, partida, s um leitor experiente far. Por isso, os
mtodos interactivos no funcionam para leitores em iniciao.
Martins (2000: 36) refere que Mitchel (1982) apresentou algumas crticas
ao modelo de Rumelhart (Figura 4), nomeadamente o facto de no se entender
em que medida os aspectos ortogrfico, lexical, sintctico e semntico da
linguagem e mesmo a componente fonolgica, influenciam a leitura e at que
ponto cada uma destas fontes de conhecimento mais ou menos importante
na escolha das estratgias que o leitor utiliza.
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Figura 4: Modelo de Rumelhart (Samuels et al., 1984: 211)
Contudo o modelo de Stanovich (1980) para a leitura de textos, tambm
interactivo, apresenta alternativas compensatrias ao leitor, uma vez que este
pode recorrer a uma estratgia ou outra, sendo ela de cariz ascendente ou
descendente, tendo em conta o nvel de leitura em que o individuo se encontra
ou dependendo do contexto o que no acontecia com o modelo interactivo de
Rumelhart que privilegia os leitores eficientes. Segundo este modelo, pode
numa determinada leitura ser mais benfico para o leitor recorrer ao contexto
sintctico ou aos conhecimentos anteriores sobre o assunto ou, ento, se
pouco sabe sobre a temtica, recorrer a estratgias de teor ascendente.
Mais tarde, surge o modelo de Ellis (1989) (Figura 5) para a leitura e
reconhecimento de palavras que considera () a existncia de uma via
directa de acesso ao significado que seria activada cada vez que o leitor est
perante uma palavra familiar, e de uma via indirecta a que o leitor recorreria no
caso da palavra no lhe ser familiar. (Martins, 2000:41) Assim, a leitura seria
conseguida ou de uma forma visual ou de uma forma auditiva,
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respectivamente. Nesta ltima, o indivduo poderia pronunciar a palavra e por
analogia ou por correspondncia grafema-fonema, criar uma forma fonmica
que se aproximaria de alguma palavra conhecida.
Figura 5: Modelo de Ellis (Ellis, 1989:44)
Em sntese:
Cada modelo representa os diferentes processos cognitivos que esto
na base da leitura. Para o modelo de processamento ascendente ou fnico, o
domnio da leitura relaciona-se com o domnio da correspondncia grafema-
fonema, ou seja, com a automatizao da descodificao. Para o modelo de
processamento descendente ou global ler compreender e, por isso o
processo de leitura parte de processos cognitivos de ordem superior, hipteses
de significao que o leitor antecipa com base em predies semntico-
sintcticas, sendo o reconhecimento das palavras feito no por descodificao
fonolgica, mas por identificao directa dos signos globais (Martins, 2000, cit.
por Sim-Sim, 2006). O modelo de processamento interactivo ou estrutural
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A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora
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abrange os dois anteriores, sendo considerado de tripla via: via fonolgica, via
lexical e via semntica.
2. Tipos de leitura
No ponto anterior vimos a forma como os processos cognitivos implicados
na leitura: descodificao e compreenso se relacionam, concluindo-se que da
capacidade de anlise e de descodificao obtm-se uma melhor compreenso
e a consequente obteno de significado. Alm disso, atravs da
descodificao, das estratgias ascendentes e descendentes, do domnio do
princpio alfabtico e do tipo de material que o leitor l que este se torna um
leitor mais fluente. A fluncia de leitura, ou seja, a preciso e rapidez na
descodificao, constitui por sua vez um dos factores responsveis pela
compreenso daquilo que lido () (Sim-Sim, 2006:53). Se o leitor obtm da
leitura uma rpida compreenso tambm l com maior velocidade. A
velocidade de leitura influenciada pelo tipo de texto.
Assim sendo, importa, agora, tendo em conta a velocidade da leitura,
segundo Ins Sim-Sim (2006:56), identificar cinco tipos de leitura (Carver,
1990), aos quais podemos associar as funes de leitura que Margarida
Martins (1998), distingue.
3.1 Leitura por varrimento (scanning)
De acordo com Ins Sim-Sim, este tipo de leitura apenas permite aceder ao
lxico. Trata-se de uma leitura em que o objectivo o de compreender ou de
comunicar as caractersticas principais de um tema, sem o aprofundar ()
utilizamos geralmente o contexto (Martins, 1998:195). Acontece quando lemos
um folheto publicitrio, quando nos valemos dos ttulos de uma notcia para
tomar conhecimento da mesma, ou seja, ler para obter uma informao de
carcter geral. A partir do hipertexto, o leitor identifica o tema. Trata-se de uma
apreenso rpida da informao visual.
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A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora
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3.2 Leitura em diagonal (skimming)
Quando uma leitura suscita interesse, o leitor vai procurar detalhes sobre a
temtica comparando com as informaes que j possui sobre a mesma.
Normalmente, realiza uma pr-leitura selectiva como por exemplo ler os ltimos
perodos dos pargrafos, ler tabelas, de forma a obter uma ideia geral sobre o
tema. Ao efectuar esta leitura, o leitor acede ao aspecto semntico do que l,
logo a velocidade de leitura diminui relativamente leitura por varrimento. A ela
podemos associar a funo de apreender ou obter instrues, por exemplo de
um jogo ou de um electrodomstico. Margarida Martins fala do aspecto visual a
ela associado, fomentando, assim () a compreenso das etapas de um
processo temporal, pela identificao e utilizao de verbos de aco e pela
utilizao de procedimentos de consulta da informao para controlo da prpria
aco (Martins, 1998:198).
3.3 Leitura corrente (rauding)
Esta a leitura mais comum e a velocidade diminui ainda mais
relativamente s duas anteriores. um tipo de leitura silenciosa () em que a
forma de ler pessoal. (Martins, 1998:199) Sendo de cariz individual, suscita
sentimentos e emoes, sendo uma leitura por prazer que desenvolve segundo
a mesma autora a capacidade criativa e a sensibilidade esttica.
3.4 Leitura com objectivo o estudo (learning)
Quando o objectivo o estudo e implica recorrer a informaes obtidas e
armazenadas na memria, a velocidade ainda menor. Trata-se de um tipo de
leitura em que a finalidade explcita de compreender e transmitir novos
conhecimentos a partir do estudo aprofundado de um determinado tema.
(Martins, 1998:200) Normalmente, como j referido, uma leitura lenta e
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A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora
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repetida, exigindo maior esforo e concentrao devido necessidade de
estabelecer relaes entre o que se l e os conhecimentos que se tem. Assim
sendo, origina um auto questionamento e uma reflexo, medida que se vai
lendo.
3.5 Leitura com a inteno de memorizar (remember)
Se o leitor tem a preocupao de memorizar e compreender o que est a ler
para, mais tarde, transmitir a outrem, a velocidade reduz-se a menos de
metade do que a que praticada na leitura corrente. Este tipo de leitura ocorre
quando se consulta uma lista telefnica, um jornal para obter informao ou um
dicionrio. Esta actividade de leitura muito selectiva na medida em que se
passa rapidamente o olhar pela informao no relevante e se l atentamente
a informao que se pretende obter (Martins, 1998:197).
Os diferentes tipos de leitura correspondem a diferentes formas de ler
enquanto estratgias para alcanar um determinado objectivo. Alm disso, o
tipo de texto tambm influencia a velocidade de leitura.
Concluindo:
A leitura um instrumento fundamental para a aquisio e para o
desenvolvimento de conhecimentos e competncias no meio escolar.
Normalmente, as dificuldades de leitura surgem devido a deficincias
especficas nas capacidades cognitivas relacionadas com a leitura e, por
vezes, com aspectos genticos interligados com a experincia ambiental e
institucional a que a criana exposta, embora segundo Vellutino et al. (2004),
os factores ambientais tenham menor importncia. Enquanto processo
complexo, a leitura depende do desenvolvimento da capacidade de identificar a
palavra e da compreenso lingustica. De entre os factores que afectam o
nvel de compreenso de leitura das crianas so de realar o conhecimento
lingustico, particularmente a riqueza lexical e o domnio das estruturas
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sintcticas complexas, a rapidez e a eficcia com que identificam palavras
escritas, a capacidade para automatizar a compreenso, o conhecimento que
tm sobre o Mundo e sobre a vida e, muito particularmente, sobre os assuntos
abordados nos textos lidos (Sim-Sim, 2007:8).
Quando as crianas tm dificuldades em soletrar, em pronunciar
correctamente as palavras, em estabelecer a correspondncia grafo-fonmica,
em decifrar, dificilmente conseguem compreender um texto e l-lo
fluentemente. A no automatizao de todos os processos envolvidos no acto
de ler, inibe, assim, a possibilidade de leitura. A Teoria do Dfice de
Automatizao refere que a dislexia caracterizada por um dfice generalizado
na capacidade de automatizao. Os dislxicos manifestam evidentes
dificuldades em automatizar a descodificao das palavras, em realizar uma
leitura fluente, correcta e compreensiva (Teles, 2004:4). Para uma leitura sem
esforo necessrio que a criana desenvolva a noo de que as palavras que
ouve se dividem em sons, ou seja, deve adquirir a conscincia fonmica (ver
ponto 6). A partir da, vai associar ao grafema um fonema e, descodificadas
em fonemas, as palavras so processadas automaticamente pelo sistema
responsvel pela linguagem (Shaywitz, 2008:63).
Por vezes, a criana no consegue converter os caracteres do alfabeto
num cdigo lingustico, no consegue segmentar as palavras em fonemas e,
por isso, tem dificuldades em descodificar o cdigo de leitura. No reconhece
as letras, no lhes atribui um som e, por isso, no identifica a palavra.
Consequentemente, no lhe vai atribuir um significado e no a vai
compreender. Alm disso, no vai dominar as estruturas sintcticas nem
realizar distines semnticas. Sem estas automatizaes no possvel ler,
uma vez que ler identificar palavras escritas e compreender o seu significado
quer como elemento isolado quer inserido em frases e compreender. Para
compreender necessrio identificar, recorrendo memria e acedendo ao
lxico mental, estabelecendo relaes entre as informaes lidas,
relacionando-as com conhecimentos j adquiridos para aceder significao.
Esta dificuldade em descodificar, em soletrar, em reconhecer fonemas e em
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compreender textos traduz-se na dificuldade em ler. A no aquisio e no
automatizao da leitura, frequentemente identificada como dislexia.
A dificuldade especfica de leitura a mais conhecida e a mais
estudada forma de dificuldade especfica de aprendizagem. Esta uma
condio a qual muitos se referem como dislexia. (Selikowitz, 20021:47). A
dislexia enquanto perturbao da aprendizagem prende-se com o
funcionamento do cerebelo e com a sua capacidade de automatizao de
hbitos sensrio-motores. Quando ocorrem perturbaes ao nvel da
automatizao, nomeadamente alteraes na velocidade e na fluncia do
processamento da informao torna-se impossvel a automatizao na leitura.
Dentro das perturbaes da leitura pode-se distinguir entre leitores
pouco eficientes e crianas com dislexia. Kamhi (1992) citado por Hennigh
(2005: 18) defende uma definio inclusiva de dislexia, centrada na linguagem.
A dislexia uma desordem a nvel de desenvolvimento da linguagem cuja principal caracterstica consiste numa dificuldade permanente em processar informao de ordem fonolgica. Esta dificuldade envolve codificar, recuperar e usar de memria cdigos fonolgicos e implica dfices de conscincia fonolgica e de produo do discurso. Esta desordem, com frequncia geneticamente transmitida, est por via de regra presente nascena e persiste ao longo de toda a vida. Uma caracterstica marcante desta desordem manifesta-se nas deficincias a nvel da oralidade e da escrita.
A Associao Internacional da Dislexia adoptou, em 2003, a seguinte
definio de dislexia:
Dislexia uma incapacidade especfica de aprendizagem, de origem neurobiolgica e caracterizada por dificuldades na correco e /ou fluncia na leitura de palavras e por baixa competncia leitora e ortogrfica. Secundariamente, podem surgir dificuldades de compreenso leitora, pouca apetncia para a leitura recreativa, impedindo o desenvolvimento do vocabulrio e dos conhecimentos gerais.
Segundo a American Psychiatric Association (1996) so dislxicos, os
sujeitos que tm um rendimento de leitura abaixo do nvel esperado para a sua
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A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora
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idade cronolgica, embora com inteligncia e escolaridade adequadas idade
e quando este rendimento interfere na vida quotidiana ou no aproveitamento
escolar. Do mesmo modo e, em caso de haver dfice sensorial, as dificuldades
sero ainda mais acentuadas. Ao conceito de dislexia, podemos atribuir um
conjunto de perturbaes que se manifestam a nvel do processamento e da
conscincia fonolgica e a nvel da nomeao verbal e que podem ter impacto
na leitura.
A conscincia fonolgica compreende todos os nveis da estrutura
sonora das palavras e pode tambm referir-se conscincia dos segmentos
que constituem as palavras, como a rima, a percepo da palavra e da slaba.
Compreende, ento, a noo de conscincia fonmica e refere-se
capacidade de identificar e manipular os fonemas. Trata-se da comparao de
sons, segmentao e combinao de sons. Outro aspecto do processamento
fonolgico o chamado acesso fonolgico ou a nomeao verbal em que o
leitor tem de recorrer memria a longo prazo para recuperar os fonemas
armazenados para conseguir nomear uma srie de letras ou nmeros. Alm
das dificuldades que o indivduo dislxico tem em aprender e em descodificar
os estmulos e em identificar palavras precisas e rpidas, podem ainda ocorrer
dificuldades na repetio de pseudopalavras e limitaes na memria verbal a
curto prazo.
Efectivamente, as crianas dislxicas tm dificuldades em descodificar a
estrutura sonora de palavras, isto , tm dificuldades na conscincia de que a
palavra pode ser decomposta em segmentos sonoros mais pequenos, sendo,
por isso menos sensveis rima. Tm assim dificuldades em aceder ao fonema
pretendido e manifestam dificuldades na linguagem expressiva, ou seja, em
chegar palavra certa, no manifestando dificuldades de raciocnio. Shaywitz
(2008:109) refere que a expresso verbal est semeada de hesitaes, por
vezes registam-se muitas e longas pausas, ou pode haver recurso recorrente
parfrase, usando muitas palavras relacionadas com a que pretende, em vez
dessa nica que no parece conseguir produzir. Normalmente, a criana
reconhece o significado da palavra, mas no consegue aceder a ele. O que
acontece que o dislxico chega ao significado, muitas vezes, sem ter
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A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora
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descodificado a palavra, porque no h uma representao armazenada na
sua memria. Esta debilidade fonolgica afecta a aprendizagem da leitura e a
capacidade de se tornarem leitores proficientes, isto , capazes de uma leitura
rpida, precisa e capazes de compreender o que lem. Todavia, quando se
dedicam a um campo especfico de estudo, logo a um universo mais restrito de
vocbulos, podem tornar-se leitores proficientes e muito competentes em reas
de saber complexas, uma vez que a capacidade cognitiva e no a
capacidade fonolgica que nos permite resolver problemas, raciocinar e
analisar.
Shaywitz (2003) refere que a dislexia enquanto dificuldade especfica de
leitura manifesta-se a nvel da linguagem inclusive no mdulo fonolgico. A
automatizao e os progressos em leitura so mais evidentes, quanto mais
exercitada for a habilidade fonolgica.
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A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora
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Captulo II
Actividade cerebral na leitura
Neste captulo apresentamos, numa primeira parte, o funcionamento do
crebro durante a leitura, abordando as competncias de leitura associadas s reas
cerebrais. Referimos, ainda, as situaes em que ocorrem disfunes cerebrais e as
consequncias que tal facto acarreta, nomeadamente, distrbios de aprendizagem, ou
seja, Dificuldades de Aprendizagem Especficas, inclusive na leitura.
De seguida, fazemos uma caracterizao de Processamento auditivo,
referindo-nos s habilidades sensoriais fundamentais na leitura, mencionando
possveis distrbios geradores de dificuldades de aprendizagem.
Posteriormente, atendendo ao objectivo deste estudo, debruamo-nos sobre a
capacidade metalingustica mais complexa - a Conscincia fonolgica que envolve a
capacidade de reflectir sobre a estrutura fonolgica da linguagem oral. Aqui,
abordamos os tipos ou nveis de Conscincia fonolgica, sendo a Conscincia da
palavra, a Conscincia da slaba, a Conscincia intrasssilbica e a Conscincia
fonmica.
Numa parte final deste enquadramento terico, relacionado disfunes
cerebrais e perturbaes de Processamento auditivo, fazemos uma reflexo acerca do
conceito de Dificuldades de Aprendizagem Especficas. Abordamo-las, centrando-as no
dfice psiconeurolgico e apresentamos as suas principais manifestaes: Dislexia, da
qual fomos falando ao longo desta exposio terica; Disgrafia; Disortografia;
Discalculia; Dispraxia; Problemas de percepo auditiva e Problemas de percepo
visual; Problemas de memria (de curto e longo prazo). Por fim e, porque este estudo
reflecte acerca da Leitura e sobre Dificuldades de Aprendizagem Especficas de cariz
fonolgico, por isso associadas Conscincia fonolgica e ao Processamento auditivo,
apresentamos a opinio de Snowling, Sim-Sim e Viana, que defendem uma corrente de
opinio que situa na Conscincia fonolgica a raiz dos problemas de leitura.
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A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora
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1. Como funciona o crebro durante a actividade de leitura
Uma vez abordada a leitura como actividade cognitiva e as dificuldades
a ela inerentes sob esta condio, incontornvel que se aborde a mesma sob
a perspectiva neurolgica, interligando as duas.
Antes de aprender a ler, a criana deve ser capaz de identificar os
fonemas que constituem a lngua, deve dominar a sua estrutura fonolgica e
deve ter conscincia da existncia de uma relao entre a palavra e o seu
significado. Estas capacidades dependem de estruturas implicadas na
linguagem e que se situam, sobretudo, no lobo temporal do hemisfrio
esquerdo, onde se localizam as reas de Brocca e de Wernicke.
A leitura enquanto primeiro sistema auditivo simblico (Fonseca,
2008:462) envolve um conjunto de reas cerebrais. Umas so mais sensveis
aos aspectos fonolgicos, outras mais ligadas aos estmulos semnticos. As
trs reas do crebro envolvidas no processo de leitura so a regio parieto-
temporal, a regio occipital-temporal, relacionada com a converso ortografia-
fonologia, e a regio inferior frontal, responsvel pela linguagem oral (Figura 6).
Normalmente, esta regio activada quando se pede a anlise fonolgica na
identificao de pseudo-palavras. Quando lem, os leitores proficientes
activam sistemas neurais profundamente inter-relacionados que compreendem
regies na zona posterior e anterior do lado esquerdo do crebro. () No
entanto, a maior parte da rea cerebral dedicada leitura situa-se na zona
posterior (Shaywitz, 2008:89-90). nesta zona que ocorrem dois percursos na
leitura de palavras. Um, localizado na zona parieto-temporal e o outro prximo
da base do crebro, na rea occipotemporal. Estes dois sistemas funcionam de
forma diferente, conforme o nvel de leitura do indivduo. No incio do processo
de aprendizagem da leitura, a rea parieto-temporal activada, perante a
necessidade de analisar a palavra e de fazer a associao grafema-fonema. A
ocorre, tambm, a segmentao e a fuso silbica e fonmica. O lobo parietal
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A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora
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inferior do lado esquerdo extremamente importante na apreenso de vrias
caractersticas da palavra desde a forma visual ao seu significado.
Se o leitor j l automaticamente, a rea occipital-temporal a
responsvel por essa leitura rpida e imediata de acesso ao significado. Nesta
forma de leitura, o indivduo, j possui um modelo neural da palavra, isto ,
reconhece de imediato a forma ortogrfica da mesma e toda a informao
acerca desta apresentada. Sally Shaywitz (2008:91) conclui que h, assim,
uma forte relao entre competncias de leitura e dependncia da rea do
crebro ligada forma da palavra (2008:92).
Figura 6: Sistemas cerebrais responsveis pela leitura (adaptado de Shaywitz, 2008:89)
Uma leso na regio occipotemporal esquerda, num adulto, torna-o
incapaz de ler. Esta regio fundamental no processo de reconhecimento
visual das palavras. Pode dizer-se que as perturbaes das reas pr-frontais
do crtex ou as do sistema de linguagem do hemisfrio esquerdo, de evoluo
mais recente que as restantes, so das mais frequentes. Entre estas contam-se
naturalmente as perturbaes da fala, da leitura e da escrita (Lopes, 2005: 60).
Os indivduos dislxicos no utilizam os mesmos circuitos cerebrais que outros
leitores. Enquanto estes pem em funcionamento a rea occipital-temporal,
onde chega a informao visual, isto , o seu aspecto e onde chega o som, o
significado da palavra, visualizando-a como um todo, os indivduos dislxicos
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A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora
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tm dificuldades em transformar as letras em sons, devido menor activao
da regio posterior do crebro. Assim, como este sistema est afectado e
impossibilita o reconhecimento automtico da palavra, o dislxico ()
depende de aptides cognitivas de ordem superior para inferir o significado da
palavra desconhecida a partir do respectivo contexto (Shaywitz, 2008:176). Ele
recorre a vias secundrias localizadas nas reas anterior e lateral do crebro.
Como a autora refere, quando uma pessoa se torna uma leitora proficiente, os
diferentes tipos de informao relevante a ortografia da palavra, a sua
pronncia e o seu significado - esto mais intimamente associados enquanto
parte do mesmo circuito neural situado na rea occipital-temporal (a rea
associada forma da palavra). Quando a pessoa presta ateno palavra,
todo o circuito entra em actividade e esta imediatamente reconhecida e
compreendida (2008:116).
Desta forma, a aprendizagem visual, ou seja, o reconhecimento visual
das letras e das palavras constitui uma etapa importante na aprendizagem da
leitura. Esta recepo das letras feita no crtex visual primrio para,
posteriormente, na rea de Wernicke, se dar a correspondncia entre a palavra
e o modelo auditivo, ou seja, o fonema. Quando isto no acontece, podemos
estar perante a origem primria da dislexia. Alm disso, anomalias no
tratamento fonolgico parecem estar na origem das dificuldades de leitura nas
crianas com dislexia.
A dislexia caracteriza-se por dfices relacionados com as respostas
neurais em regies temporo-parietais, importantes para o processamento
fonolgico, e nas regies occipitais, importantes para o processamento
ortogrfico.
Em Sntese:
Um dos aspectos principais da leitura a fluncia. ela que faz a
ligao entre os dois processos cognitivos responsveis pelo acto de ler: a
descodificao e a compreenso. Para que haja compreenso tem de haver
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A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora
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descodificao do escrito. Contudo, a leitura exige a interveno de processos
conscientes os quais necessitam da activao da memria de trabalho e de
processos inconscientes. A descodificao e o acesso s palavras na sua
forma ortogrfica e fontica realizam-se a partir de processos receptivos de
descodificao auditiva, visual e tactiloquinestsica.
A leitura mobiliza, como vimos, dois mdulos importantes: o mdulo
auditivo e o mdulo visual (Martins 2000). O mdulo auditivo responsvel
pela conscincia fonmica que se desenvolve a partir da tomada de
conscincia de que as palavras faladas so constitudas por pequenas
unidades de som que podemos manipular para formar novas palavras. Com o
referido, a informao auditiva processada nos lbulos temporais e a
informao visual processa-se nos lbulos occipitais. O mdulo visual
responsvel pela conscincia dos grafemas a qual se desenvolve logo que se
aprende que as palavras so compostas por diferentes combinaes de letras.
O processo de leitura decorre desde a percepo visual da palavra sua
realizao enquanto som. Assim que o crebro assume estas habilidades ele
est pronto para desenvolver circuitos de leitura, isto , operaes cognitivas
complexas que sero, sobretudo, apreendidas explicitamente e, que se
desenrolam entre estes dois mdulos, constituindo a base das competncias
de cada leitor. Falamos, por exemplo da descodificao que, como vimos, d-
se pela via lexical e pela via fonolgica. Porm, se uma desses mdulos/reas,
alm dos outros subsistemas do funcionamento do crebro implicados na
leitura (tactilo-quinestsicos e motores, lxicos, sublxicos, cognitivos e
metacognitivos) est afectado haver desordem de leitura. Da mesma forma,
quando h comprometimento fonolgico ou dfice fonolgico, a descodificao
torna-se difcil. Sempre que ocorre uma disfuno do sistema neurolgico
cerebral ao nvel do processamento fonolgico, podemos argumentar estar
perante dislexia. A dislexia uma desordem de foro neurolgico, provocada por
um mau funcionamento de determinadas reas do crebro ligadas
linguagem, manifestando-se atravs de inverses de letras e de palavras e
omisses. A dislexia, sendo umas das principais Dificuldades Especficas de
Aprendizagem (DAE) - desordens neurolgicas interferem com a recepo,
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A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora
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integrao ou expresso de informao, reflectindo-se estas desordens numa
discapacidade ou impedimento para a aprendizagem da leitura, da escrita ou
do clculo ou para a aquisio de competncias sociais (Correia, 2008:19),
uma forma especfica de perturbao da linguagem que afecta a forma como o
crebro codifica as caractersticas fonolgicas das palavras faladas.
2. Processamento Auditivo (PA)
Uma vez compreendido como decorre o processo de leitura no crebro,
fundamental perceber o caminho percorrido pelo estmulo desde a sua
entrada at ao crtex. importante compreender o processamento da
informao especfica do canal auditivo, ou seja, entender a actividade do
Processamento Auditivo.
Processamento Auditivo PA- definido pela American Speech-
Language Hearing Association (ASHA), (1996:41) como sendo o conjunto de
processos auditivos centrais os mecanismos e processos do sistema auditivo
responsveis pelos seguintes fenmenos comportamentais: localizao e
lateralizao sonora; discriminao auditiva; reconhecimento de padres
auditivos; aspectos temporais da audio; desempenho auditivo na presena
de sinais competitivos e desempenho auditivo com sinais acsticos
degradados. Pode dizer-se que o processamento auditivo o responsvel
pela forma como o sistema nervoso central usufrui da informao auditiva. a
partir da recepo, anlise e organizao do processamento de informaes
auditivas que se realiza a representao mental do estmulo lingustico e o
armazenamento dessa representao na memria.
Segundo Alvarez (2000) o processamento auditivo um conjunto de
habilidades especficas das quais o indivduo depende para interpretar o que
ouve. Tais habilidades so mediadas pelos centros auditivos localizados no
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A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora
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tronco enceflico e no crebro e, para o autor referido, estas habilidades
dividem-se em ateno (fixar-se num determinado som durante algum tempo),
deteco (identificar um som), sensao sonora (saber como era o som),
discriminao (diferenciar sons), localizao sonora (determinar a origem da
fonte sonora), associao (formar palavras a partir de fonemas),
reconhecimento (saber o que provocou aquele som), integrao (reconhecer
sons apresentados de forma simultnea ou alternados), compreenso
(estabelecer relaes lingusticas estmulo e significado), memria
(armazenar e reter o estmulo acstico) e organizao de sada (sequenciar,
planear e organizar uma resposta a uma informao obtida por via auditiva).
Acrescenta, ainda, que estas habilidades acontecem desde a entrada do
estmulo auditivo at sua interpretao e ocorrem na sequncia:
descodificao, organizao, codificao da informao auditiva. Se ocorrer um
atraso ou uma perda numa destas etapas, o Processamento Auditivo fica
comprometido. Segundo Queiroz (2004:8), as desordens de processamento
auditivo so () decorrentes da ineficincia ou incapacidade funcional do
sistema nervoso central, mais especificamente do sistema auditivo, em
processar as informaes acsticas. A aquisio da linguagem e da leitura
sero prejudicadas. No processamento auditivo, que crucial para a leitura,
por exemplo, especialmente se ela oral, esto envolvidas funes de
discriminao, identificao, sequencializao, memria, etc. () Luria (1963),
por exemplo, demonstrou que os distrbios na funo fontica levam
inevitavelmente a uma perturbao na capacidade de leitura () Zigmond
(1966) demonstrou que crianas dislxicas apresentam mais dificuldades na
aprendizagem auditiva (Fonseca, 2008:227). A integridade dos sistemas
fisiolgicos auditivos fundamental para o processamento acstico rpido,
durante a percepo da fala, na aprendizagem e compreenso da linguagem e,
por isso, eles so um pr-requisito na aquisio da leitura. Em termos prticos,
muitas vezes, o dfice no P.A. traduz-se em problemas na produo do /r/ e do
/l/, dificuldades a nvel de funcionamento da lngua, dificuldades para aceder ao
significado (dimenso semntica) das palavras, tendncia ao isolamento,
hiperactividade, distraco e problemas de leitura e escrita.
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A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora
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Assim e, tendo em conta que a aprendizagem da leitura comea com a
aquisio da linguagem auditiva, podemos afirmar que O mdulo fonolgico
a fbrica da linguagem, envolve a parte funcional do crebro em que os sons
da linguagem so processados para formar palavras e onde as palavras so
decompostas nos seus sons elementares (Shaywitz, 2008:51). Desta forma,
partindo do princpio que o sistema mental de linguagem est organizado em
mdulos de processamento para o reconhecimento, compreenso e produo
de palavras e frases faladas e escritas, podemos explicar, sumariamente, o
processamento da linguagem e a leitura em voz alta, atravs de alguns
procedimentos.
O primeiro procedimento est relacionado com o reconhecimento de
palavras escritas, centrando-se na sequncia das letras para verificar se a
palavra existe ou no. No identifica pseudo-palavras, no compreende as
palavras e nem as pronuncia e designa-se de Identificao Categorial de letras.
A Identificao Categorial de letras complementada pelo reconhecimento
visual e pela percepo da palavra. Trata-se como que de um dicionrio mental
onde se encontram todas as palavras no seu aspecto ortogrfico. Este sistema
- o Lxico Ortogrfico de Entrada - tambm no identifica significados nem
pronncias, mas ser a via de acesso ao procedimento que permite
compreender as palavras, ou seja, o Sistema Semntico. Aqui, esto
guardados os significados que o falante vai escolher para se expressar. No
entanto, para o poder fazer, ter de se valer do Lxico Fonolgico de Sada,
uma vez que necessita de emitir sons, de pronunciar as palavras para que haja
fala. Todavia, o Lxico Fonolgico de Sada por si s no suficiente para que
haja leitura, porque no permite a realizao de pseudo-palavras. Para a leitura
de pseudo-palavras necessrio proceder converso grafema-fonema.
Em sntese:
Existem duas vias possveis de leitura: uma via lexical, quando o
indivduo l em voz alta a partir do reconhecimento da palavra sob a forma
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A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora
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ortogrfica e uma via no lexical, isto , quando o leitor converte letra em som.
Para haver leitura, necessrio utilizar as duas vias. A primeira para a leitura
de palavras irregulares e a segunda para a leitura de no palavras, ou seja, de
palavras no reais.
No Processamento auditivo, que crucial para a leitura, especialmente
se ela oral, esto envolvidas competncias que operam desde a recepo do
sinal acstico verbal at integrao desse sinal em complexos sistemas de
significao. O Processamento auditivo considerado como a habilidade de
escutar, de descodificar, de interpretar e de usar funcionalmente a informao
sonora captada do meio ambiente.
Vitor da Fonseca (2008:462-463) defende que a leitura um processo
cognitivo com duplo reconhecimento: um auditivo e um semntico. O processo
de leitura operacionaliza-se na juno do sistema visual com o sistema
auditivo. Quer isto dizer que o sistema visual identifica a palavra, enquanto que
o crebro procede a uma associao entre grafema e fonema durante a qual
estabelece uma significao. Em funo deste processo, vrias competncias
entram em actividade, nomeadamente relacionadas com o Processamento
auditivo e com a Conscincia Fonolgica.
6. Competncias inerentes Leitura
6.1 Conscincia Fonolgica
J vimos de que forma os sons so percepcionados at chegarem ao
crebro e verificmos que os mesmos contm informaes. De seguida,
abordaremos as unidades fonolgicas tendo em conta a sua identificao e a
sua manipulao visto que um dos passos cruciais na iniciao leitura e
escrita consiste na promoo da reflexo sobre a oralidade e no treino da
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A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora
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capacidade de segmentao da cadeia de fala. (Freitas, Alves e Costa,
2007:9)
L acte de lire fait intervenir des comptences grapho-phonologiques et
demande de pouvoir faire la synthse et lanalyse dun groupe de phonmes,
de graphmes, de syllabes. (Estienne, 1998:11). Para ler parte-se da palavra
enquanto forma abstracta e o trabalho de quem l converter as letras, ou
grafemas, nos respectivos sons e ver que as palavras so compostas por
segmentos mais pequenos ou fonemas (Shaywitz, 2008:54). Assim,
necessrio saber que a lngua oral constituda por unidades lingusticas
mnimas - os sons da fala - e que os caracteres do alfabeto representam, na
escrita, esses sons. A aprendizagem do alfabeto envolve a transposio do oral
para a escrita,