A INTER-RELAÇÃO ENTRE O PROCESSAMENTO AUDITIVO E...

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  • A INTER-RELAO ENTRE O PROCESSAMENTO

    AUDITIVO E A COMPETNCIA LEITORA

    Dissertao apresentada Escola Superior de Educao de Paula Frassinetti

    para a obteno do grau de mestre em Cincias da Educao, especializao

    em Educao Especial.

    Por

    Snia Maria Martins Neves Costa

    Setembro de 2011

  • A INTER-RELAO ENTRE O PROCESSAMENTO

    AUDITIVO E A COMPETNCIA LEITORA

    Dissertao apresentada Escola Superior de Educao de Paula Frassinetti

    para a obteno do grau de mestre em Cincias da Educao, especializao

    em Educao Especial.

    Por

    Snia Maria Martins Neves Costa

    Sob a orientao de

    Professora Doutora Helena dos Anjos Serra Diogo Fernandes

    Setembro de 2011

  • Dedicatria

    Ao meu sobrinho Ivo

  • RESUMO

    Este estudo tem por finalidade indagar acerca de um conjunto de

    capacidades que integram um bloco perceptivo - Processamento auditivo,

    Conscincia fonolgica - e da influncia do mesmo na competncia leitora. O

    que se sugere uma reflexo sobre prticas e estratgias que permitam uma

    melhoria atempada das capacidades de leitura em indivduos com dfices

    nessa competncia, por muitos autores, designados de indivduos com dislexia.

    O estudo ilustra o desempenho de sete indivduos, ao abrigo do Decreto

    - Lei n 3/2008, no domnio da Linguagem, em tarefas de processamento

    fonolgico, Processamento auditivo e em Leitura oral. Inicialmente, realizou-se

    uma prova de leitura oral para reforar o handicap j atestado em leitura e

    procedeu-se realizao de treze provas baseadas no PALPA-P elaborado por

    S. L. Castro, S. Cal & M. Coltheart a fim de se atestar dificuldades de

    Processamento auditivo e Conscincia fonolgica. A partir da anlise desses

    instrumentos, criou-se o perfil intra-individual de cada sujeito, tendo-se

    verificado maior comprometimento em termos de Conscincia fonmica,

    inclusive a nvel de reconstruo e segmentao fonmica e algumas

    dificuldades de Processamento auditivo, particularmente, na memria

    sequencial auditiva. Aps essa avaliao, delineou-se um plano de interveno

    composto por vrias actividades para treino das habilidades em que se

    verificara mais dificuldades, sobretudo com maior incidncia no nvel mais

    complexo de Conscincia fonolgica: a Conscincia fonmica. Aps a

    operacionalizao do mesmo, avaliou-se os progressos dos indivduos e

    realizou-se nova prova de leitura oral. Verificou-se uma evoluo concomitante

    em ambas as competncias e uma diminuio de processos fonolgicos,

    nomeadamente omisses, substituies, epnteses, metteses, inverses e

    dessonorizaes, nas duas realizaes.

    Constatou-se, assim, que a implementao de estratgias especficas

    de Processamento auditivo e de Conscincia fonolgica contribuem para

    melhorar significativamente a competncia leitora.

  • ABSTRACT

    The goal of this study is to understand the integrant capacities of the

    perceptive bloc- Auditory processing and Phonologic conscience and their

    influence in the reading competence. So it is suggested a reflection about

    practices and strategies that allow improving the reading capacities in certain

    individuals that by showing difficulties in this competence are, by many authors,

    designated by individuals with dyslexia.

    The study illustrates the performance of seven individuals, under the

    protection of the Decreto Lei n 3/2008, in the language domain, by analizing

    tasks of phonologic processing, Auditory processing and Oral reading. First, it

    was held an oral reading task to test the handicap diagnosed in the reading

    habilities and than, it was held the aplications of thirteen tests based in the

    PALPA-P created by S. L. Castro, S. Cal & M. Coltheart to attest dificulties in

    the auditive processing and phonologic conscience. From this point it was

    possible to create the inner individual profile from each subject, having been

    verified a larger disability in the Phonemic conscience, including at the

    phonemic reconstruction and segmentation and some difficulties in the Auditory

    processing, particulary in the auditory sequential memory. After this evaluation,

    was outlined an intervention plan, compound by various activities to train the

    capabilities that were in deficit, with major incidence in the more complex level

    of Phonological conscience, the Phonemic conscience. After the operations, the

    processes of the individuals were evaluated and it was held a new oral reading

    task. It was verified a concomitant evolution in both competences and a

    decrease in reading flaws, as phonologic processes with omissions,

    substitutions, methatesis, inversions and desonorization in both tasks.

    This process sustained the idea that the implementation of specific

    strategies of Auditory processing and Phonologic conscience contribute to

    develop the reading competence.

  • A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora

    i

    Agradecimentos

    Professora Doutora Helena Serra expresso os meus sinceros

    agradecimentos pela transmisso de conhecimentos, pela compreenso e pelo

    apoio na orientao deste estudo.

    A todos os amigos e colegas que me apoiaram nos momentos difceis e de

    maior ansiedade nesta fase da minha vida.

    Aos alunos e suas famlias que permitiram a realizao deste estudo.

    minha famlia que me acompanhou de perto neste meu rduo caminhar,

    especialmente aos meus pais que me deram a possibilidade de chegar at

    aqui.

    A todos, muito obrigada.

  • A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora

    ii

    NDICE GERAL INTRODUO Parte 1: ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL Captulo I

    O Acto de ler, Modelos e Tipos de leitura

    1. O Acto de ler

    2. Modelos de Leitura

    2.1 Modelo Ascendente

    2.2 Modelo Descendente

    2.3 Modelo Interactivo

    3. Tipos de leitura

    3.1 Leitura por varrimento (scanning)

    3.2 Leitura em diagonal (skimming)

    3.3 Leitura corrente (rauding)

    3.4 Leitura com objectivo o estudo (learning)

    3.5 Leitura com a inteno de memorizar (remember)

    Captulo II

    Actividade cerebral na Leitura

    4. Como funciona o crebro durante a actividade de Leitura

    5. Processamento auditivo

    6. Competncias inerentes Leitura

    6.1 Conscincia fonolgica

    7. Dificuldades de Aprendizagem Especficas (DAE)

    7.1 O conceito de Dificuldades de Aprendizagem Especficas

    7.2 Dificuldades de Aprendizagem Especficas centradas no

    dfice psiconeurolgico

    1

    3

    3

    4

    14

    14

    17

    19

    22

    22

    23

    23 23 24 29 30 34 37 37 45 45 51

  • A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora

    iii

    7.3 Principais Dificuldades de Aprendizagem Especficas

    Parte 2: INVESTIGAO EMPIRICA

    Captulo I

    Enquadramento Metodolgico

    1. Objecto e Objectivos de estudo

    2. Plano de Investigao

    3. Procedimento Metodolgico

    3.1 Metodologia de Estudo de Caso

    3.2 Procedimentos

    3.3 Definio e Caracterizao da Amostra

    Captulo II

    Recolha e Tratamento de dados

    1. Instrumentos de avaliao

    2. Procedimentos relativos Aplicao das Provas

    2.1 Perfil Intra- individual dos alunos

    2.2 Sntese

    3. Planificao da Interveno

    Parte 3: ANLISE E INTERPRETAO DOS RESULTADOS

    Captulo I

    Anlise de dados

    1. Apresentao e discusso dos resultados

    2. Consideraes finais

    54 63 63 64 71 73 73 75 77 79 80 92 94 105 111 119 119 121 134

  • A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora

    iv

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    ANEXOS

    138 145

  • A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora

    v

    NDICE DE FIGURAS Figura 1- Fluncia na leitura de textos (Sim-Sim, 2008:12)

    Figura2- Modelo de Gough (Samuels et al., 1984:193)

    Figura 3- Modelo de Goodman (Zagar, 1992:18)

    Figura 4- Modelo de Rumelhart (Samuels e tal., 1984:211)

    Figura 5- Modelo de Ellis (Ellis, 1989:44)

    Figura 6- Sistemas cerebrais responsveis pela leitura (adaptado de

    Shaywitz, 2008:89)

    Figura 7- Regies e funes mentais (Fonseca, 2008:208)

  • A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora

    vi

    NDICE DE GRFICOS

    Grfico 1- Perfil intra individual do indivduo A.

    Grfico 2- Perfil intra individual do indivduo B.

    Grfico 3- Perfil intra individual do indivduo G.

    Grfico 4- Perfil intra individual do indivduo I.

    Grfico 5- Perfil intra individual do indivduo L.

    Grfico 6- Perfil intra individual do indivduo P.

    Grfico 7- Perfil intra individual do indivduo T.

    Grfico 8- Avaliao da Prova de Reconstruo fonmica

    Grfico 9: Percentagem de Sucesso nas Provas Memria de

    Sequncia de Palavras e Frases e Memria auditiva de Nmeros e

    Slabas

    Grfico 10: Comparao entre a 1 e a 2 avaliao na Prova de

    Reconstruo fonmica

    Grfico 11: Comparao entre a 1 e a 2 avaliao na Prova de

    Julgamento de Rimas

    Grfico 12: Resultados (xitos) da 1 e 2 Provas de Memria auditiva

    de nmeros e slabas e Memria auditiva de sequncia de palavras e

    frase

  • A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora

    vii

    NDICE DE QUADROS

    Quadro 1- Tipos de ataques (Freitas, Alves e Costa, 2007:16)

    Quadro 2: Desenho de Investigao

    Quadro 3: Estrutura da Amostra

    Quadro 4: Sntese da 1 avaliao de Leitura oral

    Quadro 5: Processos fonolgicos produzidos nas das provas

    Julgamento de rimas; Discriminao de pares minmos em palavras;

    Repetio silbica; Manipulao por omisso; Leitura de Pseudo-

    palavras; Encerramento de palavras; Segmentao fontica de sons;

    Reconstruo fonmica; Associao Auditiva; Associao Auditivo-

    visual; Memria de Sequncia de Palavras e Frases; Memria Auditiva

    de Nmeros e Slabas (1 avaliao)

    Quadro 6: Smula dos resultados das Provas: Percentagem de

    acertos, Mdia, Mediana e Desvio Padro/* nmero de itens por prova

    Quadro 7: Guia de Interveno

    Quadro 8: Distribuio das crianas sujeitas a interveno

    Quadro 9: Comparao das tarefas de Conscincia Fonolgica e

    Processamento auditivo em ambas as avaliaes

    Quadro 10: Sntese da 2 Avaliao de leitura oral

    Quadro 11: Processos fonolgicos produzidos na prova de Leitura oral

    Quadro 12: Processos fonolgicos produzidos nas das provas

    Julgamento de rimas; Discriminao de pares mnimos em palavras;

    Repetio silbica; Manipulao por omisso; Leitura de

    pseudopalavras; Encerramento de palavras; Segmentao fontica de

    sons; Reconstruo fonmica; Associao Auditiva; Associao

    Auditivo-visual; Memria de Sequncia de Palavras e Frases;

    Memria Auditiva de Nmeros e Slabas (2 avaliao)

    Quadro 13: Smula dos resultados das Provas: Percentagem de

    acertos, Mdia, Mediana e Desvio Padro/* nmero de itens por prova

  • A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora

    viii

    NDICE DE ANEXOS

    Anexo 1- Texto da prova de leitura oral: A Pequena vendedeira de

    Fsforos, Hans Christian Andersen, Contos Imortais

    Anexo 2- Grelha de apreciao global das aptides e das dificuldades

    do aluno, Adaptada de SERRA, Helena; NUNES, Glria; SANTOS

    Clara (2005): Avaliao e diagnstico em Dificuldades Especficas de

    Aprendizagem; Edies ASA; 1. edio.

    Anexo 3- Grelha de registo de observao das intervenes

    Anexo 4- Grelhas de registo de observao da primeira e segunda

    avaliaes nas provas de Processamento auditivo e de Conscincia

    fonolgica do sujeito A.

    Anexo 5- Grelhas de registo de observao da primeira e segunda

    avaliaes nas provas de Processamento auditivo e Conscincia

    fonolgica do indivduo B.

    Anexo 6- Grelhas de registo de observao da primeira e segunda

    avaliaes nas provas de Processamento auditivo e Conscincia

    fonolgica do indivduo G.

    Anexo 7- Grelhas de registo de observao da primeira e segunda

    avaliaes nas provas de Processamento auditivo e Conscincia

    fonolgica do indivduo I.

    Anexo 8- Grelhas de registo de observao da primeira e segunda

    avaliaes nas provas de Processamento auditivo e Conscincia

    fonolgica do indivduo L.

    Anexo 9- Grelhas de registo de observao da primeira e segunda

    avaliaes nas provas de Processamento auditivo e Conscincia

    fonolgica do indivduo P.

    Anexo 10- Grelhas de registo de observao da primeira e segunda

    avaliaes nas provas de Processamento auditivo e Conscincia

    fonolgica do T. indivduo.

  • A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora

    1

    Introduo

    Este estudo tem como intuito efectuar uma pesquisa em torno das

    dificuldades em leitura, causadas pelo dfice fonolgico e a confirmao da

    tese de que um plano de treino em actividades especficas permite o

    desenvolvimento de habilidades de Processamento auditivo e de Conscincia

    fonolgica e a consequente melhoria da competncia leitora.

    A necessidade de interveno surgiu durante a mediao com crianas

    ao abrigo do Decreto Lei n 3/2008, no domnio da Linguagem e a partir da

    verificao de que estas manifestavam um distrbio especfico baseado na

    linguagem, de origem constitucional, caracterizado por dificuldades na

    descodificao de palavras isoladas, que geralmente reflectem habilidades

    insuficientes de processamento fonolgico (Snowling, 2004:24-25).

    Partimos do princpio de que o dfice fonolgico dificulta a discriminao

    e o processamento dos sons da linguagem e que, por isso os dislxicos tm

    dificuldades em automatizar a descodificao das palavras. Este distrbio

    revelava-se, principalmente, em dificuldades de leitura nas suas componentes

    de descodificao e compreenso e ia ao encontro de uma reviso metdica

    da literatura relevante para o contexto do ensino-aprendizagem da leitura,

    realizada pelo National Reading Panel (2000), que identificou, entre outros

    aspectos, a Conscincia fonmica e o Princpio alfabtico ou a

    correspondncia grafema-fonema como competncias decisivas no ensino da

    leitura. Lyon (2003), citado por Cruz (2007:199), aponta, tambm, como causas

    das dificuldades em leitura os dfices na conscincia fonmica e

    desenvolvimento do princpio alfabtico (e aplicao precisa e fluente destas

    habilidades na leitura); dfices na aquisio de estratgias de compreenso da

    leitura e sua aplicao na leitura de um texto; dfices no desenvolvimento e

    manuteno da motivao para aprender a ler () .

  • A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora

    2

    A partir destes pressupostos e, perante os erros cometidos pelos alunos,

    sentimos a urgncia de intervir para a obteno do sucesso educativo dos

    mesmos. Sentimo-nos conscientes de que cabe escola formar leitores

    proficientes, uma vez que a leitura a par da escrita, uma aquisio essencial

    para realizar posteriores aprendizagens. No um fim em si mesmo, mas um

    meio para alcanar saberes. Por vezes, o sucesso acadmico destes alunos

    via-se comprometido devido s dificuldades em leitura. , pois, nosso intuito

    realizar um trabalho de pesquisa e reflexo em benefcio destes alunos.

    Para tal, e partindo da premissa de que o dfice em leitura era devido a

    um dfice fonolgico, definiremos o campo de estudo do nosso trabalho,

    partindo de uma abordagem terica. Fundamentados nos diversos autores,

    realizaremos algumas provas, inclusive de Leitura oral de um texto e provas de

    Processamento auditivo e de Conscincia fonolgica, por ns elaboradas com

    base no PALPA-P elaborado por S. L. Castro, S. Cal & M. Coltheart, a fim de

    comprovarmos o que teoricamente vem sendo afirmado.

    Posteriormente, e, de acordo com os resultados que se obtero na

    avaliao, estabeleceremos um plano de treino com tarefas especficas para

    desenvolver as reas mais comprometidas. Para tal, uma vez mais, apoiar-nos-

    emos numa reviso da literatura na rea de interesse.

    A nossa escolha, em termos de metodologias incide sobre a metodologia

    do tipo qualitativo, mais especificamente, pelo estudo de caso qualitativo.

    Durante a investigao, optamos pela estratgia de recolha de dados atravs

    da observao directa e participante e pela aplicao de provas.

    Face aos resultados obtidos, seleccionaremos estratgias e actividades

    consideradas eficazes para o desenvolvimento das competncias por ventura

    deficitrias.

    Aplicamos essas estratgias durante 24 sesses, procedendo ao estudo

    comparativo dos resultados. A partir da anlise desses dados tiraremos

    algumas concluses e elaboraremos algumas consideraes finais.

  • A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora

    3

    PARTE 1

    ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL

    Captulo I

    O Acto de ler, modelos e tipos de leitura

    Neste captulo, comeamos por definir e caracterizar o acto de ler sob a perspectiva de

    alguns autores, nomeadamente Lobrot (1980), Citoler e Sanz (1997), Viana (2002), Serra

    (2004), Lopes (2005), Sim-Sim (2006) (2008), Cruz (2007). Abordamos, ainda, os processos

    implicados no acto de ler. Os processos inerentes leitura so a descodificao (processos de

    nvel inferior) e a compreenso (processos de nvel superior, sendo o segundo nvel de leitura).

    Apresentamos, tambm, uma abordagem dos factores determinantes na compreenso,

    segundo Ins Sim-Sim e mencionamos os mdulos perceptivo e lxico implicados na

    descodificao e os mdulos sintctico e semntico implicados na compreenso. Vemos os

    processos de aprendizagem de leitura de acordo com as trs fases que envolve e numa

    perspectiva metacognitiva, do ponto de vista de Viana. Estas fases so a fase cognitiva, a fase

    de aquisio e a fase de automatizao. De seguida, caracterizamos os Modelos de leitura,

    segundo alguns investigadores. Comeamos pelos Modelos ascendentes (Botton-up) que so

    o Modelo de Gough, (1972) e o Modelo de LaBerge & Samuels (1974); passamos para os

    Modelos descendentes (Top-Down) com o exemplo do Modelo de Goodman (1970) e do

    Modelo de Smith, (1971); e terminamos com o Modelo Interactivo, ou seja, com o Modelo de

    Rumelhart (1977) e com o Modelo de Stanovich (1980). Posteriormente, fazemos uma

    caracterizao dos tipos de leitura. Por fim, abordamos o dfice de automatizao, interligando-

    o com a dislexia, a qual abordamos, mais detalhadamente, enquanto Dificuldade de

    Aprendizagem Especfica de leitura, no captulo II.

  • A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora

    4

    1. O acto de ler

    Ensinar a ler , acima de tudo, ensinar explicitamente a extrair

    informao contida num texto escrito, ou seja, dar s crianas as ferramentas

    de que precisam para estratgica e eficazmente abordarem os textos,

    compreenderem o que est escrito e assim se tornarem leitores fluentes (Sim-

    Sim, 2007:8). Esta autora (2006:19) afirma, ainda, que ler com fluncia implica

    possuir uma rpida capacidade de descodificao e um domnio das estruturas

    semntico-sintcticas que possibilitem a compreenso do texto escrito.

    Nesta linha de pensamento, por vezes, os professores questionam-se sobre: O

    que ler?

    Vrios autores, ao longo dos tempos, confrontaram-se com esta

    temtica no intuito de perceber em que momento que uma criana sabe ler.

    O acto de ler pode ser entendido como a competncia de reconstruir sentido,

    apoiando-se em estratgias tais como saber completar um enunciado com

    espaos; ter conscincia da estrutura da lngua (palavra, frase); possuir um

    leque de palavras; analisar e realizar snteses de grupos de fonemas ou de

    grafemas; distinguir diferentes tipos de escrita e saber adaptar-se enquanto

    leitor que questiona o texto; possuir conhecimentos sobre o tema que l e

    conseguir integrar ou relacionar informaes diversificadas. Garcia (1991:99)

    define acto de ler igualando-o a () una situation tpica de resolutin de

    problemas () y tomando como referencia (...) modelo computacional input;

    processamento central; output. O input representa a informao obtida pelo

    olhar, sobre o texto escrito. A informao processada atravs da seleco de

    mensagens contidas no texto e que se coadunam a outras existentes na

    memria de curto prazo para, posteriormente, serem levada at ao crebro e

    associarem-se a conhecimentos e informaes j existentes. Naquilo a que

    designaramos de processamento central, essa informao visual transformar-

  • A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora

    5

    se-ia em compreenso ou saberes graas memria de trabalho ou memria

    sensorial, tendo, no entanto, como mediador o sistema fonolgico.

    J Conquet (1966; cit. por Garcia, 1991:23) refere que uma criana sabe

    ler se () percibir correctamente los signos grficos, comprender lo ledo;

    reaccionar ante los contenidos ledos e quando capaz de integrar () el

    pensamiento del autor, lo cual conlleva la posibilidade de servirse del mismo

    com inteligncia y de forma autnoma.

    So variados os factores que influenciam o processo de leitura. Desde

    os factores intra-pessoais como as capacidades cognitivas, a personalidade, a

    motivao, as estratgias de aprendizagem, os factores interpessoais, ou seja,

    os estilos de ensino, a inter-aco aluno - professor /aluno - aluno aos factores

    contextuais que dizem respeito ao contexto educativo e familiar. No entanto,

    neste trabalho centrar-nos-emos, sobretudo, numa perspectiva cognitiva, tendo

    em conta que quando se fala em processos cognitivos faz-se () referencia a

    todos los procesos mediante los cuales la informacin que llega al crebro es

    transformada, almacenada, y recobrada posteriormente para la resolucion de

    culaquier tarea problemtica (Garcia, 1991:98).

    Nesta perspectiva, (Citoler e Sanz, 1997:116) definem a leitura ()

    como uma actividade complexa composta por uma srie de processos

    psicolgicos de diferentes nveis que, comeando por um estmulo visual,

    permitem, atravs de uma actuao global e coordenada, a compreenso do

    texto.

    Serra, (2004:47) refere que so mltiplas as competncias que o acto

    de ler implica: reconhecimento e discriminao de smbolos grficos

    grafemas; a sua associao aos correspondentes smbolos auditivos

    fonemas; a anlise e sntese auditiva e visual dos vrios elementos

    constitutivos da palavra, bem como da palavra como um todo; a constante

    combinao de ambas anlise e sntese; a compreenso atribuio de

    significado s palavras, referida a experincia anterior.

  • A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora

    6

    Ao longo dos tempos, tem-se verificado um crescente interesse por parte

    da psicologia experimental em reas de investigao ligadas leitura. Nas

    investigaes desenvolvidas sobre a aprendizagem da leitura e, numa vertente

    lingustica identifica-se o desenvolvimento da linguagem oral como varivel

    nesta aprendizagem. O percurso de leitura inicia-se, ento, aquando do

    desenvolvimento e da estimulao da linguagem oral e, tambm, no contacto

    com os primeiros escritos. Pode dizer-se que a leitura ao integrar o sistema de

    comunicao humana apresenta-se como parte da linguagem. Normalmente,

    aparece associada linguagem falada e, por isso, () afigura-se impossvel

    conceptualizar a leitura dissociando-a da linguagem oral qual se encontra

    ancorado o sistema de escrita que o suporta (Sim-Sim, 2006:36).

    sabido que, ao falar, a criana, reflecte sobre a sua lngua, usa a

    linguagem oral e desenvolve essa base lingustica inerente aprendizagem da

    leitura. Alis, um fraco domnio do oral implica um no domnio das sub -

    competncias da leitura, isto , do conhecimento lexical, sintctico e semntico.

    A linguagem apresenta as mesmas componentes que a leitura: fonologia,

    morfologia, semntica, sintaxe e pragmtica. H uma relao estreita entre

    falar e compreender o oral e a leitura. O que se compreende da leitura depende

    do conhecimento da linguagem oral. De acordo com Cruz (2007), a leitura

    uma competncia cultural especfica que se baseia no conhecimento da

    linguagem oral, porm uma competncia com um grau de dificuldade muito

    superior da linguagem oral.

    Na leitura, existem, como j referido, mdulos implicados na

    descodificao os mdulos perceptivos e lxico, e os mdulos envolvidos na

    compreenso - mdulos sintctico e semntico. Ins Sim-Sim (2006:19) refora

    esta ideia referindo que ler com fluncia implica possuir uma rpida

    capacidade de descodificao e um domnio das estruturas semntico-

    sintcticas que possibilitem a compreenso do texto escrito.

    Segundo Velluto (1987) referido por Fernanda Viana (2002:34) () a

    qualidade da base lingustica sobre a qual se vo apoiar a percepo visual e

    auditiva, a memria e a integrao dos estmulos visuo-espaciais em

  • A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora

    7

    sequncias temporais vai ditar o modo como a informao lingustica

    processada. O mesmo autor acrescenta, ainda, que () os maus leitores

    apresentam dfices de linguagem, essencialmente ao nvel da organizao

    sintctica e do vocabulrio.

    Tem-se verificado que cada vez h mais piores leitores e que,

    consequentemente, segundo Lopes, estes (2005:71) tm que realizar um

    esforo considervel para ler praticamente qualquer tipo de material e no

    retiram qualquer prazer da leitura. Allington (1983) estima que os bons leitores

    lem dez vezes mais palavras por dia que os leitores fracos. Estes, na escola,

    lem apenas aquilo a que os obrigam. Fora dela, nem isso.

    Segundo Viana (2002a) citada por Fernanda Leopoldina Viana (2006:2-

    4) existem trs grupos de variveis que distinguem bons e maus leitores:

    - O desenvolvimento lingustico que apresentam sendo que este engloba

    a decifrao e a correspondncia grafema-fonema; o domnio a nvel de

    competncias ao nvel morfosintactico para a realizao de combinao

    possveis na lngua; um bom conhecimento vocabular; a Memria auditiva para

    material verbal que retm a informao veiculada nas frases at ao seu

    processamento para extrair sentido da leitura; competncias metalingusticas

    fundamentais para o reconhecimento da conscincia da estrutura segmental da

    lngua. Esta conscincia segmental prende-se com a Conscincia fonolgica.

    Compreende o reconhecimento de que as frases so constitudas por palavras,

    que se dividem em slabas e que estas so constitudas por pedacinhos ainda

    menores, os fonemas.

    - O que j pensaram/o que j sabem sobre o funcionamento da lngua

    escrita. Para a autora trata-se de resolver alguns conflitos cognitivos: O que

    ler? Para que serve? Para escrever so precisos uns desenhos, mas uns

    desenhos especiais que se chamam letras? E qual a relao destes desenhos

    com as coisas? So os nomes das coisas? So as prprias coisas? Registam

    propriedades das coisas? Escrever alinhar estes desenhos... da esquerda

  • A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora

    8

    para a direita? Muitos desenhos? Poucos desenhos? Quaisquer desenhos?.

    importante que as crianas.

    - A motivao para ler. A criana precisa de sentir a utilidade da leitura.

    Devemos dar-lhes a oportunidade de contactar com os livros, proporcionando-

    lhes experincias agradveis.

    Segundo Baker, Dreher & Gutherie, (2000) citados por Lopes (2005:119)

    75% dos alunos com 10-12 anos encontram-se desmotivados para a leitura.

    Se, por um lado, se tornou () evidente que, para aprender a ler, a

    criana precisa de compreender que a linguagem constituda por palavras e

    que estas, por sua vez, se decompem em unidades menores, (Viana,

    2002:38), por outro lado, a criana deve ter a noo de que o discurso oral

    pode ser segmentado em pedaos e que estes pedaos podem ser

    representados por letras. Esta aquisio facilita a aprendizagem das relaes

    sistemticas grafema/fonema, ou seja da conscincia fonolgica e da

    descodificao de que falaremos adiante. Alm de associar smbolos grficos a

    smbolos sonoros (correspondncia grafo-fonmica), o leitor deve assumir um

    papel activo. Deve compreender, julgar e criar sentido. Este sentido

    alcanado, aplicando o mtodo global atravs do qual a criana passa da forma

    da palavra ao sentido da mesma para, num nvel superior, e pelo mtodo

    sinttico proceder decomposio e associao at chegar decifrao.

    Como referido anteriormente, saber ler pressupe descodificar. Esta

    descodificao implica dominar um conjunto de conceitos, de competncias e

    atitudes. Aps o conhecimento destes comportamentos emergentes de leitura,

    o indivduo capaz de identificar palavras para obter significado. Recorre

    quilo a que Citoler e Sanz, (1997:116) designam de lxicom, isto , lxico

    interno ou conjunto de todas as palavras que o indivduo conhece. Ao

    compreender as palavras, as frases e os pargrafos, o leitor, facilmente

    compreende o texto e da retira sentido. Todavia esta compreenso da

    informao lingustica depende do desenvolvimento das capacidades

    cognitivas para seleccionar, processar e (re)organizar informaes que

  • A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora

    9

    dependem, igualmente, do nvel dos conhecimentos prvios em relao

    lngua e aos contedos abordados no texto. Por outras palavras dir-se-ia que,

    num processo contnuo, a criana deve apropriar-se de estratgias que utilizar

    nos dois principais processos cognitivos para uma leitura eficiente. Entenda-se

    ento, por estes processos, a identificao dos signos que compem a

    linguagem escrita e a pressuposta correspondncia grafema-fonema, e a

    compreenso do significado da linguagem escrita como interpretao por parte

    do leitor na sua interaco com o autor e com o texto. Quer isto dizer que

    qualquer acto de ler implica uma anlise sensria/perceptiva dos estmulos

    visuais se o relacionarmos com a capacidade de fazer corresponder ao

    grafema um fonema e com a anlise da palavra. Alm disso, envolve tambm

    operaes mentais como descodificar, compreender e atitudes. No nvel mais

    elementar de leitura, ou seja, o da descodificao, a ateno, a memria e a

    percepo desempenham um papel relevante. Sempre que o leitor faz uma

    anlise visual e capta o significado da palavra recorre a uma rota lexical no

    reconhecimento de palavras. J quando converte os estmulos visuais num

    cdigo fonolgico como o caso das pseudopalavras, utiliza uma rota no

    lexical ou seja, chega ao significado da palavra por uma via indirecta, neste

    caso a via fonolgica. Daqui pode-se inferir a importncia da capacidade de

    processamento fonolgico na aquisio da leitura e o interesse em entender de

    que forma o processamento auditivo influencia a competncia leitora.

    Numa perspectiva metacognitiva, o processo de aprendizagem da leitura

    envolve trs fases. A primeira que ser a fase cognitiva em que o indivduo

    desenvolve conscincia da tarefa a realizar e, segundo Fernanda Viana

    (2002:85), pressupe () o desenvolvimento da compreenso de conceitos

    tais como palavra, fonema, letra, nmero, leitura, escrita entre outros.

    Esta seguida da fase de aquisio que corresponde prtica da tarefa de

    leitura at a mesma estar dominada e, finalmente, a fase de automatizao em

    que a leitura conseguida sem esforo consciente. Com efeito, em todo o

    processo de aprendizagem de leitura importante que a criana saiba o que

    significa ler, entenda para que serve a leitura, tenha conscincia da estrutura

    segmental da fala, domine capacidades lexicais, semnticas, fonolgicas e

  • A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora

    10

    sintcticas. Quando estas capacidades esto automatizadas, desenvolve-se a

    possibilidade de anlise textual, dominando mais assertivamente a leitura

    enquanto actividade () complexa composta por uma srie de processos

    psicolgicos de diferentes nveis que, comeando por um estmulo visual,

    permitem, atravs de uma actuao global e coordenada, a compreenso do

    texto (Citoler, 1997:113). A compreenso , desta forma, o segundo nvel de

    leitura. Por compreenso da leitura entende-se a atribuio de significado ao

    que se l, quer se trate de palavras, de frases ou de um texto () o importante

    na leitura a apreenso do significado da mensagem, resultando o nvel de

    compreenso da interaco do leitor com o texto. (Sim-Sim, 2008:9). , por

    isso, vulgar que de um mesmo texto dois leitores retirem significados

    diferentes, ou seja, atinjam diferentes nveis de compreenso. Assim, a

    aprendizagem da leitura deve tornar-se num exerccio de linguagem e

    conceptualizao, j que no se aprendem apenas palavras, mas conceitos

    (Viana, 2002:17).

    Em suma, ler implica descodificar, transformar a mensagem escrita em

    mensagem oral. Segundo Lobrot (1980) referido por Fernanda Viana (2002:19)

    () ler aprender a utilizar um cdigo que duplo () - o cdigo ideogrfico

    o qual faz corresponder os grafemas s ideias e imagens mentais e o cdigo

    grafo-fontico que faz corresponder os significados, as palavras aos

    significantes enquanto fala. Desta forma, ler , tambm, recodificar. Alm disso,

    implica ainda, compreender, isto , relacionar as informaes novas com as j

    adquiridas e armazenadas na memria a longo prazo. Quando assim ocorre

    significa que os processos de baixo nvel foram automatizados e os processos

    de descodificao e compreenso ocorrem em simultneo, no havendo

    perturbao da leitura. Atente-se que a compreenso conjuga a reproduo fiel

    do significado explcito e o reconhecimento do significado implcito.

    O significado explcito trabalha-se por exemplo com a reproduo de

    factos, a construo de uma histria atravs de uma sequncia e o entender

    instrues, ordens ou pedidos. O significado implcito abrange uma actividade

    mental mais activa, desde a deduo construo de contedo e de

  • A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora

    11

    significado. Desenvolve-se trabalhando textos e encontrando a ideia principal

    do mesmo, relacionando acontecimentos e factos da histria e/ou inventando

    um final para a histria.

    H autores que defendem que conversar antecipadamente com as

    crianas sobre o tema do texto que elas iro ler e desenvolver intencionalmente

    o lxico destas (Sim-Sim, 2008:10) melhora o nvel de compreenso do texto,

    porque o conhecimento que o leitor j tem do assunto facilita a sua

    compreenso. , tambm, importante alargar as suas vivncias e as suas

    experincias sobre o mundo na perspectiva de uma leitura fluente, precisa e

    expressiva. A rapidez de leitura envolve o reconhecimento instantneo de

    palavras, libertando a ateno e a memria para a recuperao do significado

    da frase (e do texto) e permitindo o treino da leitura expressiva. Um leitor

    fluente reconhece as palavras automaticamente e sem esforo, agrupa-as,

    acedendo rapidamente ao significado de frases e de expresses do texto (Sim-

    Sim, 2008:11).

    Ainda, debruando-nos sobre a compreenso de textos, apresentamos,

    baseados em Ins Sim-Sim, a Figura 1 que mostra os quatro principais factores

    determinantes nessa compreenso:

    a) A automatizao na identificao de palavras

    Sempre que um indivduo tem facilidade em reconhecer as palavras a partir

    de um reconhecimento global ou pela transposio grafo-fonmica ou pelo

    domnio da conscincia fonolgica, isto , analisando a cadeia sonora da fala

    no que respeita s slabas, fonemas e as rimas, maior facilidade ter em

    compreender o que l e mais fluente ser a sua leitura.

  • A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora

    12

    b) O conhecimento da lngua, sobretudo o domnio lexical

    O aspecto lingustico da lngua, ou seja, o conhecimento e o funcionamento

    da estrutura da lngua e o domnio dos seus vocbulos na relao com o texto

    revelam a anlise e a capacidade que o leitor tem de reflectir sobre o

    funcionamento desta. Quanto melhor for esta habilidade intimamente

    relacionada com o tratamento da escrita, maior ser o nvel de compreenso

    textual. Assim sendo, e tendo em conta que os alunos devem conhecer cerca

    de 90% do vocabulrio do texto a interpretar para o compreender, os

    professores devem desenvolver intencional e explicitamente o lxico das

    crianas.

    c) A experincia individual de leitura

    importante que a criana pense o texto e que o relacione com as suas

    experincias, com as suas vivncias, com os seus valores e com as suas

    opinies. Deve realizar aquilo a que Fayol (2000) citado por Fernanda Viana

    (2009:32), designa de inferncias ou interpretaes que no so acessveis

    literalmente, so o estabelecimento de relaes que no esto explcitas. Quer

    isto dizer que o leitor deve relacionar dados explcitos com dados implcitos no

    texto para conseguir compreender o texto com qualidade.

    d) O conhecimento do Mundo por parte do leitor

    O quarto factor implicado na tarefa de compreender o conhecimento do

    mundo por parte do leitor. A reconstruo de sentido ou do significado ser

    obtida a partir do conhecimento partilhado pelo autor e pelo leitor. Desta forma,

    quanto mais alargado for o conhecimento do mundo por parte do leitor, mais

    prxima ser a significao daquilo que o autor pretende transmitir.

  • A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora

    13

    Figura 1: Fluncia na leitura de textos (Sim-Sim, 2008:12)

    Segundo a autora, (2007:9) por compreenso da leitura entende-se a

    atribuio de significado ao que se l, quer se trate de palavras, de frases ou

    de um texto. (...) O importante na leitura a apreenso do significado da

    mensagem...

    Em suma, ler com fluncia implica possuir uma rpida capacidade de

    descodificao e um domnio das estruturas semntico-sintcticas que

    possibilitem a compreenso do texto escrito Sim-Sim (2006:19), isto , saber

    ler envolve operaes cognitivas de nvel inferior e operaes cognitivas de

    nvel superior. As de nvel inferior so descodificar, conhecer o cdigo

    lingustico, identificar palavras, frases, dominar a morfologia, o lxico, a

    conscincia fonolgica, a sintaxe e a semntica. Quando o leitor acede ao

    significado do texto, obtm informaes, relaciona textos entre si, experincias

    est a pr em prtica operaes cognitivas de nvel superior. Estes factores,

    em interaco, tornam-se os pilares da compreenso em leitura. Contudo, e

    como veremos, a debilidade fonolgica interfere com a descodificao; as

    aptides de nvel superior necessrias compreenso (vocabulrio, sintaxe,

    discurso e raciocnio) mantm-se ilesas. No ponto que abordamos de seguida,

  • A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora

    14

    veremos de forma mais detalhada os processos implicados na leitura: a

    descodificao enquanto processo de nvel inferior perceptivo e lxico e os

    processos de nvel superior, ou seja, a compreenso de leitura a partir dos

    modelos de processamento ascendente, descendente e interactivo.

    1. Modelos de Leitura

    Como vimos, o acto de ler envolve um papel activo por parte do leitor

    desde a percepo do escrito e sua descodificao compreenso, isto ,

    produo de sentido. Para isso, recorre a vivncias passadas e constri novos

    significado quer de cada palavra quer do texto. Dependendo do objectivo ou da

    finalidade do leitor perante determinada leitura, o mesmo recorre a esses

    significados, organizando-os conforme o tipo de leitura que pretende. Para

    explicar os mecanismos e estratgias cognitivas presentes no acto de ler,

    alguns autores definem modelos de leitura. Os diferentes modelos explicam o

    modo como os processos cognitivos implicados na leitura (descodificao e

    compreenso) se relacionam entre si. Estes modelos de leitura correspondem

    a diferentes vises de leitura, sendo eles: os modelos de processamento

    ascendente ou de baixo para cima (bottom-up); os modelos de processamento

    descendente ou de cima para baixo (top-down); e os modelos interactivos

    (Cruz, 2007; Sim-Sim, 2007) e que passamos a descrever:

    2.1 Modelo Ascendente (modelo de Gough, 1972; modelo de LaBerge & Samuels,

    1974)

    Segundo Fernanda Leopoldina Viana (2002: 94-100) este modelo

    conceptualiza () a leitura como uma competncia que progride do estudo

    dos elementos mais simples (grafemas e slabas) para as estruturas mais

    complexas (frases e textos) . Assim, a leitura, nesta perspectiva, () parte de

    operaes perceptivas sobre os grafemas e culmina em operaes semnticas.

  • A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora

    15

    As correspondncias grafo-fonolgicas so consideradas a nica via de acesso

    ao significado. De acordo com este modelo, o processo de leitura inicia-se

    com a aprendizagem das vogais e das consoantes para formao de slabas.

    Aps o reconhecimento da slaba, a criana percebe que pode criar

    novas palavras e que estas formam frases. Desta forma, transpe o que foi

    aprendido implicitamente e, de uma forma intuitiva, para um conhecimento

    explcito cada vez mais formal e abstracto. H, assim, um distanciamento cada

    vez maior da linguagem. Posteriormente, a criana incentivada a interiorizar

    que cada vocbulo, cada significante tem um significado. Apoiando-se nessa

    compreenso passa-se para a leitura de pequenas frases. Quer isto dizer que,

    baseando-se num mtodo sinttico o processo de leitura inicia-se, portanto,

    pelo fonema, associando-se sua representao grfica. a partir da

    informao visual - o grafema e da informao no-visual - o fonema que se

    extrai significado.

    Estes modelos () consideram que a leitura implica um percurso linear

    e hierarquizado indo de processos psicolgicos primrios (juntar as letras) a

    processos cognitivos de ordem superior (produo de sentido (Martins,

    2000:27). Assim sendo, partir-se-ia da identificao da letra, dos grafemas, isto

    de operaes perceptivas para chegar ao sentido, s operaes semnticas.

    Daqui pode-se concluir que a extraco de significado advm da

    correspondncia grafema-fonema e as diferenas individuais na leitura situam-

    se no maior ou menor domnio da descodificao. A estes modelos de leitura

    correspondem mtodos de ensino de leitura designados de mtodos fnicos ou

    sintticos. A Figura 2 baseada em Gough (Samuels et al., 1984:193) mostra

    todo o processo de leitura tendo em conta o modelo ascendente.

  • A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora

    16

    Figura 2: Modelo de Gough (Samuels et al., 1984:193)

    No entanto, este modelo levanta algumas questes devido falta de

    flexibilidade. Por um lado apresenta como nica via de acesso leitura a

    correspondncia grafema-fonema. Se assim fosse, os surdos no leriam e

    tambm no se conseguiria compreender as palavras homfonas. Por outro

    lado e, segundo Ellis (1989) (cit. Martins 2000:32), um indivduo com dislexia

    fonolgica, isto , que no capaz de estabelecer relaes grafo-fonolgicas,

    no seria capaz compreender palavras, facto que no se verifica, o que revela

    a existncia de uma via psicolgica para alcanar significado, alm da via

    fonolgica.

    Alm disso, este modelo no valoriza o contexto no reconhecimento dos

    vocbulos, quando na verdade se provou que as palavras em frases so mais

    facilmente compreendidas e a velocidade de leitura superior em relao a

    contexto isolado. Tambm no d importncia ao conhecimento semntico na

    percepo de palavras. Todavia se duas palavras pertencem ao mesmo campo

    semntico mais fcil o seu reconhecimento.

    De uma forma sucinta podemos dizer que o acto de ler, segundo este

    modelo, desenrola-se da seguinte forma:

  • A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora

    17

    Anlise perceptiva dos grafemas - transformao em fonema apreenso das

    unidades lexicais - operaes e clculos sintctico-semnticos - tratamento do

    significado.

    2.2 Modelo Descendente (modelo de Goodman, 1970; modelo de Smith, 1971)

    Este modelo, ao contrrio do anterior, parte de um () processo de

    identificao directa e global de palavras (ou frases), de antecipao baseadas

    em predies lxico-semnticas e sintcticas, e de verificao das hipteses

    produzidas. (Viana, 2002:98-99). Quer isto dizer que os processos mentais

    superiores: raciocnio, mobilizao dos conhecimentos, predies semnticas,

    utilizao do contexto, formulao de hipteses, so determinantes.

    Margarida Alves Martins (2000:32-33) define-o como um jogo de

    adivinhas psicolingusticas, () um processo de identificao directa de

    signos globais, de antecipaes baseadas em predies lxico-semnticas e

    sintcticas e de verificaes das hipteses produzidas.

    Para Goodman e Gollasch, (1980) cit. por Niza e Martins, (1998:121), de

    acordo com este mtodo global, analtico, ler consiste em construir o

    significado de um texto, com o mnimo de esforo e de tempo, seleccionando o

    leitor os ndices mais produtivos para poder construir esse significado. Assim,

    o leitor parte da frase para a palavra e da palavra para a frase, trabalhar a partir

    de () antecipaes baseadas no contexto semntico e sintctico e de

    verificaes das hipteses produzidas (Niza e Martins, 1998:122).

    Segundo Goodman e conforme esquema da Figura 3, o processo de

    leitura tem incio aquando da focalizao visual da pgina e da fixao no

    material. O leitor, tendo em conta os seus conhecimentos vai seleccionar os

    ndices grficos, formando uma imagem, que, vai, posteriormente, reter na

    memria a curto prazo. De seguida, vai procurar na memria a longo prazo

    ndices grfico-fonolgicos, sintcticos e semnticos relacionados com a

    imagem que formou. Desta forma, obtm uma antecipao, uma predio. Se

  • A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora

    18

    for bem sucedido, envia essa informao memria a longo prazo. Quando

    isso no acontece, porque no aceite a nvel sintctico ou semntico, o leitor

    reanalisa os ndices e a imagem perceptiva que criou. Se mesmo assim no

    obtiver uma leitura capaz, ento reformula a imagem perceptiva e d inicio a

    todo o processo novamente.

    Figura 3: Modelo de Goodman (Zagar, 1992:18)

    No entanto, este modelo apresenta, algumas desvantagens:

    - Segundo este modelo, o leitor faz antecipaes e reconhece sentido por

    leitura visual, mas o mesmo no especifica se o faz atravs da via ortogrfica,

    isto , ao nvel da palavra, da letra ou pelas vias lexical e semntica. Alm

    disso, no explica de que forma que o leitor procede quando as antecipaes

    no se verificam, apenas que recomea o processo.

    - O privilgio dado ao reconhecimento de palavras sem realizar

    correspondncia grafo-fonmica, tambm, parece pouco consistente na medida

    em que o leitor consegue ler pseudo-palavras. Assim sendo, este est a

    descodificar e s o faz se estabelecer a correspondncia entre grafema e

    fonema.

  • A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora

    19

    2.3 Modelo Interactivo (modelo de Rumelhart, 1977; modelo de Stanovich, 1980)

    Trata-se de um modelo que abrange mtodos de ensino mistos ()

    semi-globais e analtico-sintticos (Viana, 2002:99). Trata-se de um modelo

    intermdio em que o leitor usa capacidades de ordem superior e de ordem

    inferior, conjugando o modelo ascendente e o modelo descendente em

    simultneo e em interaco paralela, em que essas capacidades se activam

    umas s outras. Parte do modelo descendente, isto da identificao global da

    palavra para a decompor em slabas e em letras (modelo ascendente),

    favorecendo as operaes de anlise e de sntese. De acordo com este modelo

    e, como se pode verificar na Figura 4, a criana identifica as palavras e atravs

    de associaes atribui-lhes um significado. Tambm as analisa, dividindo-as

    nos seus constituintes menores. Quando a criana se depara com uma palavra

    nova, em primeiro lugar recorre ao sistema auditivo e via visual, ou seja a

    operaes e estratgias cognitivas, procedendo transposio grafema-

    fonema para tentar encontr-la nas suas referncias e, posteriormente procur-

    las num outro contexto (ex. dicionrio). Este mtodo sinttico, segundo o qual a

    criana sabe ler quando domina a decifrao, vale-se da letra, do fonema e da

    slaba para a aprendizagem da leitura. Alm disso, implica que alm de

    dominar o cdigo lingustico, o indivduo tenha conhecimento sobre o assunto

    tratado no texto, podendo, assim escolher preferencialmente uma outra

    estratgia que melhor lhes sirva nesse contexto (Niza e Martins, 1998:125).

    Importa salientar que neste modelo fundamental dominar e manipular

    o cdigo lingustico e possuir informaes e experincias sobre o tema

    abordado pelo texto o que, partida, s um leitor experiente far. Por isso, os

    mtodos interactivos no funcionam para leitores em iniciao.

    Martins (2000: 36) refere que Mitchel (1982) apresentou algumas crticas

    ao modelo de Rumelhart (Figura 4), nomeadamente o facto de no se entender

    em que medida os aspectos ortogrfico, lexical, sintctico e semntico da

    linguagem e mesmo a componente fonolgica, influenciam a leitura e at que

    ponto cada uma destas fontes de conhecimento mais ou menos importante

    na escolha das estratgias que o leitor utiliza.

  • A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora

    20

    Figura 4: Modelo de Rumelhart (Samuels et al., 1984: 211)

    Contudo o modelo de Stanovich (1980) para a leitura de textos, tambm

    interactivo, apresenta alternativas compensatrias ao leitor, uma vez que este

    pode recorrer a uma estratgia ou outra, sendo ela de cariz ascendente ou

    descendente, tendo em conta o nvel de leitura em que o individuo se encontra

    ou dependendo do contexto o que no acontecia com o modelo interactivo de

    Rumelhart que privilegia os leitores eficientes. Segundo este modelo, pode

    numa determinada leitura ser mais benfico para o leitor recorrer ao contexto

    sintctico ou aos conhecimentos anteriores sobre o assunto ou, ento, se

    pouco sabe sobre a temtica, recorrer a estratgias de teor ascendente.

    Mais tarde, surge o modelo de Ellis (1989) (Figura 5) para a leitura e

    reconhecimento de palavras que considera () a existncia de uma via

    directa de acesso ao significado que seria activada cada vez que o leitor est

    perante uma palavra familiar, e de uma via indirecta a que o leitor recorreria no

    caso da palavra no lhe ser familiar. (Martins, 2000:41) Assim, a leitura seria

    conseguida ou de uma forma visual ou de uma forma auditiva,

  • A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora

    21

    respectivamente. Nesta ltima, o indivduo poderia pronunciar a palavra e por

    analogia ou por correspondncia grafema-fonema, criar uma forma fonmica

    que se aproximaria de alguma palavra conhecida.

    Figura 5: Modelo de Ellis (Ellis, 1989:44)

    Em sntese:

    Cada modelo representa os diferentes processos cognitivos que esto

    na base da leitura. Para o modelo de processamento ascendente ou fnico, o

    domnio da leitura relaciona-se com o domnio da correspondncia grafema-

    fonema, ou seja, com a automatizao da descodificao. Para o modelo de

    processamento descendente ou global ler compreender e, por isso o

    processo de leitura parte de processos cognitivos de ordem superior, hipteses

    de significao que o leitor antecipa com base em predies semntico-

    sintcticas, sendo o reconhecimento das palavras feito no por descodificao

    fonolgica, mas por identificao directa dos signos globais (Martins, 2000, cit.

    por Sim-Sim, 2006). O modelo de processamento interactivo ou estrutural

  • A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora

    22

    abrange os dois anteriores, sendo considerado de tripla via: via fonolgica, via

    lexical e via semntica.

    2. Tipos de leitura

    No ponto anterior vimos a forma como os processos cognitivos implicados

    na leitura: descodificao e compreenso se relacionam, concluindo-se que da

    capacidade de anlise e de descodificao obtm-se uma melhor compreenso

    e a consequente obteno de significado. Alm disso, atravs da

    descodificao, das estratgias ascendentes e descendentes, do domnio do

    princpio alfabtico e do tipo de material que o leitor l que este se torna um

    leitor mais fluente. A fluncia de leitura, ou seja, a preciso e rapidez na

    descodificao, constitui por sua vez um dos factores responsveis pela

    compreenso daquilo que lido () (Sim-Sim, 2006:53). Se o leitor obtm da

    leitura uma rpida compreenso tambm l com maior velocidade. A

    velocidade de leitura influenciada pelo tipo de texto.

    Assim sendo, importa, agora, tendo em conta a velocidade da leitura,

    segundo Ins Sim-Sim (2006:56), identificar cinco tipos de leitura (Carver,

    1990), aos quais podemos associar as funes de leitura que Margarida

    Martins (1998), distingue.

    3.1 Leitura por varrimento (scanning)

    De acordo com Ins Sim-Sim, este tipo de leitura apenas permite aceder ao

    lxico. Trata-se de uma leitura em que o objectivo o de compreender ou de

    comunicar as caractersticas principais de um tema, sem o aprofundar ()

    utilizamos geralmente o contexto (Martins, 1998:195). Acontece quando lemos

    um folheto publicitrio, quando nos valemos dos ttulos de uma notcia para

    tomar conhecimento da mesma, ou seja, ler para obter uma informao de

    carcter geral. A partir do hipertexto, o leitor identifica o tema. Trata-se de uma

    apreenso rpida da informao visual.

  • A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora

    23

    3.2 Leitura em diagonal (skimming)

    Quando uma leitura suscita interesse, o leitor vai procurar detalhes sobre a

    temtica comparando com as informaes que j possui sobre a mesma.

    Normalmente, realiza uma pr-leitura selectiva como por exemplo ler os ltimos

    perodos dos pargrafos, ler tabelas, de forma a obter uma ideia geral sobre o

    tema. Ao efectuar esta leitura, o leitor acede ao aspecto semntico do que l,

    logo a velocidade de leitura diminui relativamente leitura por varrimento. A ela

    podemos associar a funo de apreender ou obter instrues, por exemplo de

    um jogo ou de um electrodomstico. Margarida Martins fala do aspecto visual a

    ela associado, fomentando, assim () a compreenso das etapas de um

    processo temporal, pela identificao e utilizao de verbos de aco e pela

    utilizao de procedimentos de consulta da informao para controlo da prpria

    aco (Martins, 1998:198).

    3.3 Leitura corrente (rauding)

    Esta a leitura mais comum e a velocidade diminui ainda mais

    relativamente s duas anteriores. um tipo de leitura silenciosa () em que a

    forma de ler pessoal. (Martins, 1998:199) Sendo de cariz individual, suscita

    sentimentos e emoes, sendo uma leitura por prazer que desenvolve segundo

    a mesma autora a capacidade criativa e a sensibilidade esttica.

    3.4 Leitura com objectivo o estudo (learning)

    Quando o objectivo o estudo e implica recorrer a informaes obtidas e

    armazenadas na memria, a velocidade ainda menor. Trata-se de um tipo de

    leitura em que a finalidade explcita de compreender e transmitir novos

    conhecimentos a partir do estudo aprofundado de um determinado tema.

    (Martins, 1998:200) Normalmente, como j referido, uma leitura lenta e

  • A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora

    24

    repetida, exigindo maior esforo e concentrao devido necessidade de

    estabelecer relaes entre o que se l e os conhecimentos que se tem. Assim

    sendo, origina um auto questionamento e uma reflexo, medida que se vai

    lendo.

    3.5 Leitura com a inteno de memorizar (remember)

    Se o leitor tem a preocupao de memorizar e compreender o que est a ler

    para, mais tarde, transmitir a outrem, a velocidade reduz-se a menos de

    metade do que a que praticada na leitura corrente. Este tipo de leitura ocorre

    quando se consulta uma lista telefnica, um jornal para obter informao ou um

    dicionrio. Esta actividade de leitura muito selectiva na medida em que se

    passa rapidamente o olhar pela informao no relevante e se l atentamente

    a informao que se pretende obter (Martins, 1998:197).

    Os diferentes tipos de leitura correspondem a diferentes formas de ler

    enquanto estratgias para alcanar um determinado objectivo. Alm disso, o

    tipo de texto tambm influencia a velocidade de leitura.

    Concluindo:

    A leitura um instrumento fundamental para a aquisio e para o

    desenvolvimento de conhecimentos e competncias no meio escolar.

    Normalmente, as dificuldades de leitura surgem devido a deficincias

    especficas nas capacidades cognitivas relacionadas com a leitura e, por

    vezes, com aspectos genticos interligados com a experincia ambiental e

    institucional a que a criana exposta, embora segundo Vellutino et al. (2004),

    os factores ambientais tenham menor importncia. Enquanto processo

    complexo, a leitura depende do desenvolvimento da capacidade de identificar a

    palavra e da compreenso lingustica. De entre os factores que afectam o

    nvel de compreenso de leitura das crianas so de realar o conhecimento

    lingustico, particularmente a riqueza lexical e o domnio das estruturas

  • A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora

    25

    sintcticas complexas, a rapidez e a eficcia com que identificam palavras

    escritas, a capacidade para automatizar a compreenso, o conhecimento que

    tm sobre o Mundo e sobre a vida e, muito particularmente, sobre os assuntos

    abordados nos textos lidos (Sim-Sim, 2007:8).

    Quando as crianas tm dificuldades em soletrar, em pronunciar

    correctamente as palavras, em estabelecer a correspondncia grafo-fonmica,

    em decifrar, dificilmente conseguem compreender um texto e l-lo

    fluentemente. A no automatizao de todos os processos envolvidos no acto

    de ler, inibe, assim, a possibilidade de leitura. A Teoria do Dfice de

    Automatizao refere que a dislexia caracterizada por um dfice generalizado

    na capacidade de automatizao. Os dislxicos manifestam evidentes

    dificuldades em automatizar a descodificao das palavras, em realizar uma

    leitura fluente, correcta e compreensiva (Teles, 2004:4). Para uma leitura sem

    esforo necessrio que a criana desenvolva a noo de que as palavras que

    ouve se dividem em sons, ou seja, deve adquirir a conscincia fonmica (ver

    ponto 6). A partir da, vai associar ao grafema um fonema e, descodificadas

    em fonemas, as palavras so processadas automaticamente pelo sistema

    responsvel pela linguagem (Shaywitz, 2008:63).

    Por vezes, a criana no consegue converter os caracteres do alfabeto

    num cdigo lingustico, no consegue segmentar as palavras em fonemas e,

    por isso, tem dificuldades em descodificar o cdigo de leitura. No reconhece

    as letras, no lhes atribui um som e, por isso, no identifica a palavra.

    Consequentemente, no lhe vai atribuir um significado e no a vai

    compreender. Alm disso, no vai dominar as estruturas sintcticas nem

    realizar distines semnticas. Sem estas automatizaes no possvel ler,

    uma vez que ler identificar palavras escritas e compreender o seu significado

    quer como elemento isolado quer inserido em frases e compreender. Para

    compreender necessrio identificar, recorrendo memria e acedendo ao

    lxico mental, estabelecendo relaes entre as informaes lidas,

    relacionando-as com conhecimentos j adquiridos para aceder significao.

    Esta dificuldade em descodificar, em soletrar, em reconhecer fonemas e em

  • A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora

    26

    compreender textos traduz-se na dificuldade em ler. A no aquisio e no

    automatizao da leitura, frequentemente identificada como dislexia.

    A dificuldade especfica de leitura a mais conhecida e a mais

    estudada forma de dificuldade especfica de aprendizagem. Esta uma

    condio a qual muitos se referem como dislexia. (Selikowitz, 20021:47). A

    dislexia enquanto perturbao da aprendizagem prende-se com o

    funcionamento do cerebelo e com a sua capacidade de automatizao de

    hbitos sensrio-motores. Quando ocorrem perturbaes ao nvel da

    automatizao, nomeadamente alteraes na velocidade e na fluncia do

    processamento da informao torna-se impossvel a automatizao na leitura.

    Dentro das perturbaes da leitura pode-se distinguir entre leitores

    pouco eficientes e crianas com dislexia. Kamhi (1992) citado por Hennigh

    (2005: 18) defende uma definio inclusiva de dislexia, centrada na linguagem.

    A dislexia uma desordem a nvel de desenvolvimento da linguagem cuja principal caracterstica consiste numa dificuldade permanente em processar informao de ordem fonolgica. Esta dificuldade envolve codificar, recuperar e usar de memria cdigos fonolgicos e implica dfices de conscincia fonolgica e de produo do discurso. Esta desordem, com frequncia geneticamente transmitida, est por via de regra presente nascena e persiste ao longo de toda a vida. Uma caracterstica marcante desta desordem manifesta-se nas deficincias a nvel da oralidade e da escrita.

    A Associao Internacional da Dislexia adoptou, em 2003, a seguinte

    definio de dislexia:

    Dislexia uma incapacidade especfica de aprendizagem, de origem neurobiolgica e caracterizada por dificuldades na correco e /ou fluncia na leitura de palavras e por baixa competncia leitora e ortogrfica. Secundariamente, podem surgir dificuldades de compreenso leitora, pouca apetncia para a leitura recreativa, impedindo o desenvolvimento do vocabulrio e dos conhecimentos gerais.

    Segundo a American Psychiatric Association (1996) so dislxicos, os

    sujeitos que tm um rendimento de leitura abaixo do nvel esperado para a sua

  • A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora

    27

    idade cronolgica, embora com inteligncia e escolaridade adequadas idade

    e quando este rendimento interfere na vida quotidiana ou no aproveitamento

    escolar. Do mesmo modo e, em caso de haver dfice sensorial, as dificuldades

    sero ainda mais acentuadas. Ao conceito de dislexia, podemos atribuir um

    conjunto de perturbaes que se manifestam a nvel do processamento e da

    conscincia fonolgica e a nvel da nomeao verbal e que podem ter impacto

    na leitura.

    A conscincia fonolgica compreende todos os nveis da estrutura

    sonora das palavras e pode tambm referir-se conscincia dos segmentos

    que constituem as palavras, como a rima, a percepo da palavra e da slaba.

    Compreende, ento, a noo de conscincia fonmica e refere-se

    capacidade de identificar e manipular os fonemas. Trata-se da comparao de

    sons, segmentao e combinao de sons. Outro aspecto do processamento

    fonolgico o chamado acesso fonolgico ou a nomeao verbal em que o

    leitor tem de recorrer memria a longo prazo para recuperar os fonemas

    armazenados para conseguir nomear uma srie de letras ou nmeros. Alm

    das dificuldades que o indivduo dislxico tem em aprender e em descodificar

    os estmulos e em identificar palavras precisas e rpidas, podem ainda ocorrer

    dificuldades na repetio de pseudopalavras e limitaes na memria verbal a

    curto prazo.

    Efectivamente, as crianas dislxicas tm dificuldades em descodificar a

    estrutura sonora de palavras, isto , tm dificuldades na conscincia de que a

    palavra pode ser decomposta em segmentos sonoros mais pequenos, sendo,

    por isso menos sensveis rima. Tm assim dificuldades em aceder ao fonema

    pretendido e manifestam dificuldades na linguagem expressiva, ou seja, em

    chegar palavra certa, no manifestando dificuldades de raciocnio. Shaywitz

    (2008:109) refere que a expresso verbal est semeada de hesitaes, por

    vezes registam-se muitas e longas pausas, ou pode haver recurso recorrente

    parfrase, usando muitas palavras relacionadas com a que pretende, em vez

    dessa nica que no parece conseguir produzir. Normalmente, a criana

    reconhece o significado da palavra, mas no consegue aceder a ele. O que

    acontece que o dislxico chega ao significado, muitas vezes, sem ter

  • A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora

    28

    descodificado a palavra, porque no h uma representao armazenada na

    sua memria. Esta debilidade fonolgica afecta a aprendizagem da leitura e a

    capacidade de se tornarem leitores proficientes, isto , capazes de uma leitura

    rpida, precisa e capazes de compreender o que lem. Todavia, quando se

    dedicam a um campo especfico de estudo, logo a um universo mais restrito de

    vocbulos, podem tornar-se leitores proficientes e muito competentes em reas

    de saber complexas, uma vez que a capacidade cognitiva e no a

    capacidade fonolgica que nos permite resolver problemas, raciocinar e

    analisar.

    Shaywitz (2003) refere que a dislexia enquanto dificuldade especfica de

    leitura manifesta-se a nvel da linguagem inclusive no mdulo fonolgico. A

    automatizao e os progressos em leitura so mais evidentes, quanto mais

    exercitada for a habilidade fonolgica.

  • A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora

    29

    Captulo II

    Actividade cerebral na leitura

    Neste captulo apresentamos, numa primeira parte, o funcionamento do

    crebro durante a leitura, abordando as competncias de leitura associadas s reas

    cerebrais. Referimos, ainda, as situaes em que ocorrem disfunes cerebrais e as

    consequncias que tal facto acarreta, nomeadamente, distrbios de aprendizagem, ou

    seja, Dificuldades de Aprendizagem Especficas, inclusive na leitura.

    De seguida, fazemos uma caracterizao de Processamento auditivo,

    referindo-nos s habilidades sensoriais fundamentais na leitura, mencionando

    possveis distrbios geradores de dificuldades de aprendizagem.

    Posteriormente, atendendo ao objectivo deste estudo, debruamo-nos sobre a

    capacidade metalingustica mais complexa - a Conscincia fonolgica que envolve a

    capacidade de reflectir sobre a estrutura fonolgica da linguagem oral. Aqui,

    abordamos os tipos ou nveis de Conscincia fonolgica, sendo a Conscincia da

    palavra, a Conscincia da slaba, a Conscincia intrasssilbica e a Conscincia

    fonmica.

    Numa parte final deste enquadramento terico, relacionado disfunes

    cerebrais e perturbaes de Processamento auditivo, fazemos uma reflexo acerca do

    conceito de Dificuldades de Aprendizagem Especficas. Abordamo-las, centrando-as no

    dfice psiconeurolgico e apresentamos as suas principais manifestaes: Dislexia, da

    qual fomos falando ao longo desta exposio terica; Disgrafia; Disortografia;

    Discalculia; Dispraxia; Problemas de percepo auditiva e Problemas de percepo

    visual; Problemas de memria (de curto e longo prazo). Por fim e, porque este estudo

    reflecte acerca da Leitura e sobre Dificuldades de Aprendizagem Especficas de cariz

    fonolgico, por isso associadas Conscincia fonolgica e ao Processamento auditivo,

    apresentamos a opinio de Snowling, Sim-Sim e Viana, que defendem uma corrente de

    opinio que situa na Conscincia fonolgica a raiz dos problemas de leitura.

  • A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora

    30

    1. Como funciona o crebro durante a actividade de leitura

    Uma vez abordada a leitura como actividade cognitiva e as dificuldades

    a ela inerentes sob esta condio, incontornvel que se aborde a mesma sob

    a perspectiva neurolgica, interligando as duas.

    Antes de aprender a ler, a criana deve ser capaz de identificar os

    fonemas que constituem a lngua, deve dominar a sua estrutura fonolgica e

    deve ter conscincia da existncia de uma relao entre a palavra e o seu

    significado. Estas capacidades dependem de estruturas implicadas na

    linguagem e que se situam, sobretudo, no lobo temporal do hemisfrio

    esquerdo, onde se localizam as reas de Brocca e de Wernicke.

    A leitura enquanto primeiro sistema auditivo simblico (Fonseca,

    2008:462) envolve um conjunto de reas cerebrais. Umas so mais sensveis

    aos aspectos fonolgicos, outras mais ligadas aos estmulos semnticos. As

    trs reas do crebro envolvidas no processo de leitura so a regio parieto-

    temporal, a regio occipital-temporal, relacionada com a converso ortografia-

    fonologia, e a regio inferior frontal, responsvel pela linguagem oral (Figura 6).

    Normalmente, esta regio activada quando se pede a anlise fonolgica na

    identificao de pseudo-palavras. Quando lem, os leitores proficientes

    activam sistemas neurais profundamente inter-relacionados que compreendem

    regies na zona posterior e anterior do lado esquerdo do crebro. () No

    entanto, a maior parte da rea cerebral dedicada leitura situa-se na zona

    posterior (Shaywitz, 2008:89-90). nesta zona que ocorrem dois percursos na

    leitura de palavras. Um, localizado na zona parieto-temporal e o outro prximo

    da base do crebro, na rea occipotemporal. Estes dois sistemas funcionam de

    forma diferente, conforme o nvel de leitura do indivduo. No incio do processo

    de aprendizagem da leitura, a rea parieto-temporal activada, perante a

    necessidade de analisar a palavra e de fazer a associao grafema-fonema. A

    ocorre, tambm, a segmentao e a fuso silbica e fonmica. O lobo parietal

  • A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora

    31

    inferior do lado esquerdo extremamente importante na apreenso de vrias

    caractersticas da palavra desde a forma visual ao seu significado.

    Se o leitor j l automaticamente, a rea occipital-temporal a

    responsvel por essa leitura rpida e imediata de acesso ao significado. Nesta

    forma de leitura, o indivduo, j possui um modelo neural da palavra, isto ,

    reconhece de imediato a forma ortogrfica da mesma e toda a informao

    acerca desta apresentada. Sally Shaywitz (2008:91) conclui que h, assim,

    uma forte relao entre competncias de leitura e dependncia da rea do

    crebro ligada forma da palavra (2008:92).

    Figura 6: Sistemas cerebrais responsveis pela leitura (adaptado de Shaywitz, 2008:89)

    Uma leso na regio occipotemporal esquerda, num adulto, torna-o

    incapaz de ler. Esta regio fundamental no processo de reconhecimento

    visual das palavras. Pode dizer-se que as perturbaes das reas pr-frontais

    do crtex ou as do sistema de linguagem do hemisfrio esquerdo, de evoluo

    mais recente que as restantes, so das mais frequentes. Entre estas contam-se

    naturalmente as perturbaes da fala, da leitura e da escrita (Lopes, 2005: 60).

    Os indivduos dislxicos no utilizam os mesmos circuitos cerebrais que outros

    leitores. Enquanto estes pem em funcionamento a rea occipital-temporal,

    onde chega a informao visual, isto , o seu aspecto e onde chega o som, o

    significado da palavra, visualizando-a como um todo, os indivduos dislxicos

  • A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora

    32

    tm dificuldades em transformar as letras em sons, devido menor activao

    da regio posterior do crebro. Assim, como este sistema est afectado e

    impossibilita o reconhecimento automtico da palavra, o dislxico ()

    depende de aptides cognitivas de ordem superior para inferir o significado da

    palavra desconhecida a partir do respectivo contexto (Shaywitz, 2008:176). Ele

    recorre a vias secundrias localizadas nas reas anterior e lateral do crebro.

    Como a autora refere, quando uma pessoa se torna uma leitora proficiente, os

    diferentes tipos de informao relevante a ortografia da palavra, a sua

    pronncia e o seu significado - esto mais intimamente associados enquanto

    parte do mesmo circuito neural situado na rea occipital-temporal (a rea

    associada forma da palavra). Quando a pessoa presta ateno palavra,

    todo o circuito entra em actividade e esta imediatamente reconhecida e

    compreendida (2008:116).

    Desta forma, a aprendizagem visual, ou seja, o reconhecimento visual

    das letras e das palavras constitui uma etapa importante na aprendizagem da

    leitura. Esta recepo das letras feita no crtex visual primrio para,

    posteriormente, na rea de Wernicke, se dar a correspondncia entre a palavra

    e o modelo auditivo, ou seja, o fonema. Quando isto no acontece, podemos

    estar perante a origem primria da dislexia. Alm disso, anomalias no

    tratamento fonolgico parecem estar na origem das dificuldades de leitura nas

    crianas com dislexia.

    A dislexia caracteriza-se por dfices relacionados com as respostas

    neurais em regies temporo-parietais, importantes para o processamento

    fonolgico, e nas regies occipitais, importantes para o processamento

    ortogrfico.

    Em Sntese:

    Um dos aspectos principais da leitura a fluncia. ela que faz a

    ligao entre os dois processos cognitivos responsveis pelo acto de ler: a

    descodificao e a compreenso. Para que haja compreenso tem de haver

  • A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora

    33

    descodificao do escrito. Contudo, a leitura exige a interveno de processos

    conscientes os quais necessitam da activao da memria de trabalho e de

    processos inconscientes. A descodificao e o acesso s palavras na sua

    forma ortogrfica e fontica realizam-se a partir de processos receptivos de

    descodificao auditiva, visual e tactiloquinestsica.

    A leitura mobiliza, como vimos, dois mdulos importantes: o mdulo

    auditivo e o mdulo visual (Martins 2000). O mdulo auditivo responsvel

    pela conscincia fonmica que se desenvolve a partir da tomada de

    conscincia de que as palavras faladas so constitudas por pequenas

    unidades de som que podemos manipular para formar novas palavras. Com o

    referido, a informao auditiva processada nos lbulos temporais e a

    informao visual processa-se nos lbulos occipitais. O mdulo visual

    responsvel pela conscincia dos grafemas a qual se desenvolve logo que se

    aprende que as palavras so compostas por diferentes combinaes de letras.

    O processo de leitura decorre desde a percepo visual da palavra sua

    realizao enquanto som. Assim que o crebro assume estas habilidades ele

    est pronto para desenvolver circuitos de leitura, isto , operaes cognitivas

    complexas que sero, sobretudo, apreendidas explicitamente e, que se

    desenrolam entre estes dois mdulos, constituindo a base das competncias

    de cada leitor. Falamos, por exemplo da descodificao que, como vimos, d-

    se pela via lexical e pela via fonolgica. Porm, se uma desses mdulos/reas,

    alm dos outros subsistemas do funcionamento do crebro implicados na

    leitura (tactilo-quinestsicos e motores, lxicos, sublxicos, cognitivos e

    metacognitivos) est afectado haver desordem de leitura. Da mesma forma,

    quando h comprometimento fonolgico ou dfice fonolgico, a descodificao

    torna-se difcil. Sempre que ocorre uma disfuno do sistema neurolgico

    cerebral ao nvel do processamento fonolgico, podemos argumentar estar

    perante dislexia. A dislexia uma desordem de foro neurolgico, provocada por

    um mau funcionamento de determinadas reas do crebro ligadas

    linguagem, manifestando-se atravs de inverses de letras e de palavras e

    omisses. A dislexia, sendo umas das principais Dificuldades Especficas de

    Aprendizagem (DAE) - desordens neurolgicas interferem com a recepo,

  • A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora

    34

    integrao ou expresso de informao, reflectindo-se estas desordens numa

    discapacidade ou impedimento para a aprendizagem da leitura, da escrita ou

    do clculo ou para a aquisio de competncias sociais (Correia, 2008:19),

    uma forma especfica de perturbao da linguagem que afecta a forma como o

    crebro codifica as caractersticas fonolgicas das palavras faladas.

    2. Processamento Auditivo (PA)

    Uma vez compreendido como decorre o processo de leitura no crebro,

    fundamental perceber o caminho percorrido pelo estmulo desde a sua

    entrada at ao crtex. importante compreender o processamento da

    informao especfica do canal auditivo, ou seja, entender a actividade do

    Processamento Auditivo.

    Processamento Auditivo PA- definido pela American Speech-

    Language Hearing Association (ASHA), (1996:41) como sendo o conjunto de

    processos auditivos centrais os mecanismos e processos do sistema auditivo

    responsveis pelos seguintes fenmenos comportamentais: localizao e

    lateralizao sonora; discriminao auditiva; reconhecimento de padres

    auditivos; aspectos temporais da audio; desempenho auditivo na presena

    de sinais competitivos e desempenho auditivo com sinais acsticos

    degradados. Pode dizer-se que o processamento auditivo o responsvel

    pela forma como o sistema nervoso central usufrui da informao auditiva. a

    partir da recepo, anlise e organizao do processamento de informaes

    auditivas que se realiza a representao mental do estmulo lingustico e o

    armazenamento dessa representao na memria.

    Segundo Alvarez (2000) o processamento auditivo um conjunto de

    habilidades especficas das quais o indivduo depende para interpretar o que

    ouve. Tais habilidades so mediadas pelos centros auditivos localizados no

  • A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora

    35

    tronco enceflico e no crebro e, para o autor referido, estas habilidades

    dividem-se em ateno (fixar-se num determinado som durante algum tempo),

    deteco (identificar um som), sensao sonora (saber como era o som),

    discriminao (diferenciar sons), localizao sonora (determinar a origem da

    fonte sonora), associao (formar palavras a partir de fonemas),

    reconhecimento (saber o que provocou aquele som), integrao (reconhecer

    sons apresentados de forma simultnea ou alternados), compreenso

    (estabelecer relaes lingusticas estmulo e significado), memria

    (armazenar e reter o estmulo acstico) e organizao de sada (sequenciar,

    planear e organizar uma resposta a uma informao obtida por via auditiva).

    Acrescenta, ainda, que estas habilidades acontecem desde a entrada do

    estmulo auditivo at sua interpretao e ocorrem na sequncia:

    descodificao, organizao, codificao da informao auditiva. Se ocorrer um

    atraso ou uma perda numa destas etapas, o Processamento Auditivo fica

    comprometido. Segundo Queiroz (2004:8), as desordens de processamento

    auditivo so () decorrentes da ineficincia ou incapacidade funcional do

    sistema nervoso central, mais especificamente do sistema auditivo, em

    processar as informaes acsticas. A aquisio da linguagem e da leitura

    sero prejudicadas. No processamento auditivo, que crucial para a leitura,

    por exemplo, especialmente se ela oral, esto envolvidas funes de

    discriminao, identificao, sequencializao, memria, etc. () Luria (1963),

    por exemplo, demonstrou que os distrbios na funo fontica levam

    inevitavelmente a uma perturbao na capacidade de leitura () Zigmond

    (1966) demonstrou que crianas dislxicas apresentam mais dificuldades na

    aprendizagem auditiva (Fonseca, 2008:227). A integridade dos sistemas

    fisiolgicos auditivos fundamental para o processamento acstico rpido,

    durante a percepo da fala, na aprendizagem e compreenso da linguagem e,

    por isso, eles so um pr-requisito na aquisio da leitura. Em termos prticos,

    muitas vezes, o dfice no P.A. traduz-se em problemas na produo do /r/ e do

    /l/, dificuldades a nvel de funcionamento da lngua, dificuldades para aceder ao

    significado (dimenso semntica) das palavras, tendncia ao isolamento,

    hiperactividade, distraco e problemas de leitura e escrita.

  • A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora

    36

    Assim e, tendo em conta que a aprendizagem da leitura comea com a

    aquisio da linguagem auditiva, podemos afirmar que O mdulo fonolgico

    a fbrica da linguagem, envolve a parte funcional do crebro em que os sons

    da linguagem so processados para formar palavras e onde as palavras so

    decompostas nos seus sons elementares (Shaywitz, 2008:51). Desta forma,

    partindo do princpio que o sistema mental de linguagem est organizado em

    mdulos de processamento para o reconhecimento, compreenso e produo

    de palavras e frases faladas e escritas, podemos explicar, sumariamente, o

    processamento da linguagem e a leitura em voz alta, atravs de alguns

    procedimentos.

    O primeiro procedimento est relacionado com o reconhecimento de

    palavras escritas, centrando-se na sequncia das letras para verificar se a

    palavra existe ou no. No identifica pseudo-palavras, no compreende as

    palavras e nem as pronuncia e designa-se de Identificao Categorial de letras.

    A Identificao Categorial de letras complementada pelo reconhecimento

    visual e pela percepo da palavra. Trata-se como que de um dicionrio mental

    onde se encontram todas as palavras no seu aspecto ortogrfico. Este sistema

    - o Lxico Ortogrfico de Entrada - tambm no identifica significados nem

    pronncias, mas ser a via de acesso ao procedimento que permite

    compreender as palavras, ou seja, o Sistema Semntico. Aqui, esto

    guardados os significados que o falante vai escolher para se expressar. No

    entanto, para o poder fazer, ter de se valer do Lxico Fonolgico de Sada,

    uma vez que necessita de emitir sons, de pronunciar as palavras para que haja

    fala. Todavia, o Lxico Fonolgico de Sada por si s no suficiente para que

    haja leitura, porque no permite a realizao de pseudo-palavras. Para a leitura

    de pseudo-palavras necessrio proceder converso grafema-fonema.

    Em sntese:

    Existem duas vias possveis de leitura: uma via lexical, quando o

    indivduo l em voz alta a partir do reconhecimento da palavra sob a forma

  • A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora

    37

    ortogrfica e uma via no lexical, isto , quando o leitor converte letra em som.

    Para haver leitura, necessrio utilizar as duas vias. A primeira para a leitura

    de palavras irregulares e a segunda para a leitura de no palavras, ou seja, de

    palavras no reais.

    No Processamento auditivo, que crucial para a leitura, especialmente

    se ela oral, esto envolvidas competncias que operam desde a recepo do

    sinal acstico verbal at integrao desse sinal em complexos sistemas de

    significao. O Processamento auditivo considerado como a habilidade de

    escutar, de descodificar, de interpretar e de usar funcionalmente a informao

    sonora captada do meio ambiente.

    Vitor da Fonseca (2008:462-463) defende que a leitura um processo

    cognitivo com duplo reconhecimento: um auditivo e um semntico. O processo

    de leitura operacionaliza-se na juno do sistema visual com o sistema

    auditivo. Quer isto dizer que o sistema visual identifica a palavra, enquanto que

    o crebro procede a uma associao entre grafema e fonema durante a qual

    estabelece uma significao. Em funo deste processo, vrias competncias

    entram em actividade, nomeadamente relacionadas com o Processamento

    auditivo e com a Conscincia Fonolgica.

    6. Competncias inerentes Leitura

    6.1 Conscincia Fonolgica

    J vimos de que forma os sons so percepcionados at chegarem ao

    crebro e verificmos que os mesmos contm informaes. De seguida,

    abordaremos as unidades fonolgicas tendo em conta a sua identificao e a

    sua manipulao visto que um dos passos cruciais na iniciao leitura e

    escrita consiste na promoo da reflexo sobre a oralidade e no treino da

  • A inter-relao entre o Processamento auditivo e a Competncia leitora

    38

    capacidade de segmentao da cadeia de fala. (Freitas, Alves e Costa,

    2007:9)

    L acte de lire fait intervenir des comptences grapho-phonologiques et

    demande de pouvoir faire la synthse et lanalyse dun groupe de phonmes,

    de graphmes, de syllabes. (Estienne, 1998:11). Para ler parte-se da palavra

    enquanto forma abstracta e o trabalho de quem l converter as letras, ou

    grafemas, nos respectivos sons e ver que as palavras so compostas por

    segmentos mais pequenos ou fonemas (Shaywitz, 2008:54). Assim,

    necessrio saber que a lngua oral constituda por unidades lingusticas

    mnimas - os sons da fala - e que os caracteres do alfabeto representam, na

    escrita, esses sons. A aprendizagem do alfabeto envolve a transposio do oral

    para a escrita,