A INTERNET E AS ELEIÇÕES MUNICIPAIS EM 2008 · pelos eleitores, na eleição municipal de 2008 em...

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115 RESUMO Marcelo Coutinho A INTERNET E AS ELEIÇÕES MUNICIPAIS EM 2008 O USO DOS SÍTIOS ELETRÔNICOS DE COMUNIDADES NA ELEIÇÃO PAULISTANA 1 Vladimir Safatle O artigo aborda a relação entre a esfera pública e a internet, mais especificamente, busca investigar se a internet é utilizada como meio de mediação política e, caso afirmativo, a maneira em que esfera pública. Os autores analisam o uso de blogs e do mais popular sítio eletrônico de relacionamentos do Brasil, o Orkut, pelos eleitores, na eleição municipal de 2008 em São Paulo. Além da análise dos sítios, foram utilizadas duas pesquisas sobre as principais fontes de informação para os eleitores, realizadas pelo IBOPE Inteligên- cia. Os resultados mostram que, no Brasil, a internet é um canal de comunicação com alcance limitado em termos quantitativos, principalmente se comparada com a última eleição americana, mas que apresenta importantes possibilidades em termos de mobilização e engajamento dos eleitores mais envolvidos com a política, notadamente os mais jovens. A utilização crescente da rede, para além dos sítios de organizações midiáticas e políticas tradicionais, indica um processo (ainda incipiente no Brasil) de formação de novos espaços complementares à esfera pública tradicional. Embora ainda restrito aos mais jovens e escolarizados, esse fenômeno ocorre independente da vontade dos meios de comunicação tradicionais e dos partidos políticos, e não depende de sua aprovação para acontecer. Entretanto, apesar da diversidade de fontes de informação oferecidas pela Rede, as comunidades tendem a conectar-se apenas com sítios e comunidades de opiniões similares e a reprimir manifestações dissonantes, o que pode gerar uma menor pluralidade de opiniões entre os eleitores que usam apenas os sítios de comunidades e blogs como fonte de informação sobre a campanha. PALAVRAS-CHAVE: internet; análise eleitoral; análise de blogs; sítios de relacionamento. I. INTRODUÇÃO As relações entre a internet e a esfera pública são objeto de intenso debate antes mesmo da popularização da rede, em meados dos anos 1990. No seu famoso relatório para o governo francês, em 1978, que levou a decisão de implantar o Minitel naquele país, Simon Nora e Alain Minc já avalia- vam o impacto que a “telemática” poderia causar nas relações sociais e instituições públicas – tanto para aumentar o controle do governo sobre a so- ciedade ou vice-versa (NORA & MINC, 1980). Especificamente em relação às campanhas elei- torais, o uso da internet despertou a atenção dos especialistas em 1998, quando Jesse Ventura, um ex-praticante de luta livre, foi eleito Governador do estado americano de Minnesota. Concorrendo pelo desconhecido Partido da Reforma, Ventura iniciou a campanha sem nenhuma estrutura exceto uma lista de e-mails e um site amador, gerando uma grande mobilização entre os jovens (ele obte- ve cerca de 50% dos votos entre os eleitores me- nores de 30 anos) e obtendo cerca de 60% dos seus recursos por meio de doações on-line (PLISSNER, 1999). O tema ganhou relevância nos últimos anos em função do aumento da importância da rede como fonte de informação em geral (RAINE & SMITH, 2008), o volume crescente de doações realizadas pela internet aos partidos políticos nos EUA 2 e seu uso para criar mobilizações em torno de temas ou candidatos específicos, como foi o 1 Os autores agradecem ao Centro de Altos Estudos de Propaganda e Marketing da Escola Superior de Propagan- da e Marketing (Caepm-ESPM) pelo apoio a esta pesquisa e ao IBOPE Inteligência e à Pepper Comunicação pelo fornecimento de dados complementares ao trabalho. 2 Segundo dados da Federal Election Comission dos EUA, em 2000, a campanha de Al Gore captou mais de US$ 22 milhões pela internet, contra US$ 14 milhões de Bush. Em Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 17, n. 34, p. 115-128, out. 2009 Recebido em 2 de fevereiro de 2009. Aprovado em 25 de fevereiro de 2009.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 17, Nº 34 : 115-128 OUT. 2009

RESUMO

Marcelo Coutinho

A INTERNET E AS ELEIÇÕES MUNICIPAIS EM 2008O USO DOS SÍTIOS ELETRÔNICOS DE COMUNIDADES NA

ELEIÇÃO PAULISTANA1

Vladimir Safatle

O artigo aborda a relação entre a esfera pública e a internet, mais especificamente, busca investigar se ainternet é utilizada como meio de mediação política e, caso afirmativo, a maneira em que esfera pública. Osautores analisam o uso de blogs e do mais popular sítio eletrônico de relacionamentos do Brasil, o Orkut,pelos eleitores, na eleição municipal de 2008 em São Paulo. Além da análise dos sítios, foram utilizadasduas pesquisas sobre as principais fontes de informação para os eleitores, realizadas pelo IBOPE Inteligên-cia. Os resultados mostram que, no Brasil, a internet é um canal de comunicação com alcance limitado emtermos quantitativos, principalmente se comparada com a última eleição americana, mas que apresentaimportantes possibilidades em termos de mobilização e engajamento dos eleitores mais envolvidos com apolítica, notadamente os mais jovens. A utilização crescente da rede, para além dos sítios de organizaçõesmidiáticas e políticas tradicionais, indica um processo (ainda incipiente no Brasil) de formação de novosespaços complementares à esfera pública tradicional. Embora ainda restrito aos mais jovens e escolarizados,esse fenômeno ocorre independente da vontade dos meios de comunicação tradicionais e dos partidospolíticos, e não depende de sua aprovação para acontecer. Entretanto, apesar da diversidade de fontes deinformação oferecidas pela Rede, as comunidades tendem a conectar-se apenas com sítios e comunidades deopiniões similares e a reprimir manifestações dissonantes, o que pode gerar uma menor pluralidade deopiniões entre os eleitores que usam apenas os sítios de comunidades e blogs como fonte de informaçãosobre a campanha.

PALAVRAS-CHAVE: internet; análise eleitoral; análise de blogs; sítios de relacionamento.

I. INTRODUÇÃO

As relações entre a internet e a esfera públicasão objeto de intenso debate antes mesmo dapopularização da rede, em meados dos anos 1990.No seu famoso relatório para o governo francês,em 1978, que levou a decisão de implantar o Minitelnaquele país, Simon Nora e Alain Minc já avalia-vam o impacto que a “telemática” poderia causarnas relações sociais e instituições públicas – tantopara aumentar o controle do governo sobre a so-ciedade ou vice-versa (NORA & MINC, 1980).

Especificamente em relação às campanhas elei-torais, o uso da internet despertou a atenção dosespecialistas em 1998, quando Jesse Ventura, um

ex-praticante de luta livre, foi eleito Governadordo estado americano de Minnesota. Concorrendopelo desconhecido Partido da Reforma, Venturainiciou a campanha sem nenhuma estrutura excetouma lista de e-mails e um site amador, gerandouma grande mobilização entre os jovens (ele obte-ve cerca de 50% dos votos entre os eleitores me-nores de 30 anos) e obtendo cerca de 60% dosseus recursos por meio de doações on-line(PLISSNER, 1999).

O tema ganhou relevância nos últimos anosem função do aumento da importância da redecomo fonte de informação em geral (RAINE &SMITH, 2008), o volume crescente de doaçõesrealizadas pela internet aos partidos políticos nosEUA2 e seu uso para criar mobilizações em tornode temas ou candidatos específicos, como foi o

1 Os autores agradecem ao Centro de Altos Estudos dePropaganda e Marketing da Escola Superior de Propagan-da e Marketing (Caepm-ESPM) pelo apoio a esta pesquisae ao IBOPE Inteligência e à Pepper Comunicação pelofornecimento de dados complementares ao trabalho.

2 Segundo dados da Federal Election Comission dos EUA,em 2000, a campanha de Al Gore captou mais de US$ 22milhões pela internet, contra US$ 14 milhões de Bush. Em

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 17, n. 34, p. 115-128, out. 2009Recebido em 2 de fevereiro de 2009.Aprovado em 25 de fevereiro de 2009.

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caso de Barack Obama no ano passado (TALBOT,2008). Diversos analistas também apontam parao papel preponderante da internet (combinada coma telefonia celular) em outras mobilizações de ca-ráter popular, como a contestação da versão go-vernamental sobre os atentados em Madrid em2004, fato considerado fundamental para assegu-rar a vitória de Zapatero nas eleições espanholasdaquele ano (SUAREZ, 2006).

De maneira geral, os estudos sobre o impactoda internet nas eleições tendem a focar o uso darede como fonte de informação e sua influênciana decisão final do eleitor, na cobertura da mídiatradicional ou na maneira como os partidosestruturam seus sítios para essa interação(D’ALESSIO, 2001; DAHLGREN, 2005; PARK& PERRY, 2008; VACCARI, 2008). Mais recen-temente, com o desenvolvimento de diversastecnologias de software e hardware que facilitama produção e a publicação de conteúdo na redepor parte de indivíduos, verificamos o apareci-mento de uma nova modalidade de uso da internet,a chamada Web 2.03. O crescimento da utilizaçãodas chamadas “redes sociais digitais” e da “mídiacolaborativa” representa um importante campo deinvestigação para a comunicação política; apre-sentar seu uso nas últimas eleições municipaisbrasileiras e discutir alguns dos possíveis desdo-bramentos para nosso sistema democrático sãoos objetivos deste artigo.

II. INTERNET E ELEIÇÕES

Diversos estudos realizados nos EUA e Euro-pa mostram que a influência da internet no com-portamento eleitoral ainda é restrita, mas que elajá possui um impacto importante em alguns seg-mentos e interage com a cobertura que os meiosde comunicação de massa tradicionais fazem do

processo eleitoral (DAVIS, 1999; BIMBER, 2000;KAID, 2002; LUSOLI, 2005). Esse movimentonão passou despercebido por partidos e candida-tos4.

O mais sistemático acompanhamento da utili-zação da internet nas campanhas eleitorais é de-senvolvido nos EUA, pelo Pew Research Center(doravante Pew). Por meio do seu projeto PewInternet and American Life, o instituto começou aacompanhar o uso da rede nas eleições a partir de1996. Naquele ano, 4% dos eleitores afirmaramutilizar a rede para obter informações políticas. Apopularização e a sofisticação da internet aumen-taram esse número para 46% no ano passado,sendo que um quinto do eleitorado considerou arede como sua principal fonte de informação so-bre as eleições (RAINIE, CORNFIELD &HORRIGAN, 2005; RAINE & SMITH, 2008)5.Entre esses, cerca de 11 milhões utilizaram ainternet para engajar-se diretamente na campanha,por meio da doação de recursos e/ou trabalhovoluntário (campanha de rua, organização de co-mícios e reuniões etc). Outros seis milhões parti-ciparam de fóruns de discussão e comunidadesque discutiam temas de campanha e 19 milhõesassistiram a pelo menos um vídeo sobre os candi-datos.

Na Europa, diversos estudos locais realizadosa partir do ano 2000 mostraram que a rede possuium impacto sobre o comportamento do eleitor,principalmente aqueles que já são mais politizados(BOOGERS & VOERMAN, 2003). O primeiroestudo de larga escala foi realizado durante as elei-ções para o Parlamento Europeu, em 2004, emostrou que a rede é particularmente eficaz paraatingir dois tipos de eleitores: os mais jovens e osque já possuem um grau de interesse acima damédia no resultado das eleições6. Mesmo assim,é necessário um conjunto específico de condi-

2004, John Kerry (candidato democrata) captou US$ 82milhões em doações pela rede (33% do total arrecadadopelo partido). Em 2008, a campanha de Obama arrecadouUS$ 656 milhões em contribuições individuais, das quaisse estima que pelo menos 50% foram feitas por meio dainternet.3 O “coração” desse sistema são conteúdos gerados emixados pelos internautas, utilizando diversos programase conectados por outros tipos de aparelhos que não so-mente computadores de mesa ou laptops. Suas aplicaçõesmais populares são blogs, Wikis (sítios nos quais diversaspessoas editam informações), sítios de fotografia/vídeo(como Flickr, YouTube) e de relacionamento (Orkut,Facebook, MySpace, entre outros).

4 “Activists of all partisan stripes were more active onlinethan non-activists. That’s not a tautology: the higher incidenceof activists on most indicators of political internet use inour survey indicates a positive embrace of the medium forcampaign learning and participation. If activists did notfind the internet rewarding to use, they would have stayedwith older media” (RAINIE & SMITH, 2008, p. 13).5 Entre os eleitores mais jovens (18 a 29 anos), essepercentual atingiu 42%, superando todos os outros meiosexceto a televisão.6 “Consistent with previous evidence, contributors agreethat the internet is a complementary tool for the already

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ções para a rede exercer algum grau de influêncianos resultados finais da eleição, sendo os maisimportantes a quantidade de eleitores com acessoà internet, o grau de interesse despertado pela elei-ção em geral e a intensidade com que partidos egrupos de pressão oferecem oportunidades de in-formação e engajamento no ciberespaço (LUSOLI,2005). Trabalhos mais recentes, focando resulta-dos de eleições na França, e Inglaterra, confir-mam essa visão (BLANCHARD, 2006).

No Brasil, os estudos desenvolvidos nessa áreacomeçaram a ganhar corpo a partir de 2004. Naseleições presidenciais de 1998 o número de brasi-leiros com acesso ainda era inferior a 3% do totalde eleitores e embora esse percentual tivesse cres-cido para 13% em 2002, a maior parte do acessoainda era feito via linha discada, em velocidadesque dificultavam uma maior interação on-line. Aeleição de 2006 foi a primeira na qual uma parcelasignificativa (25%) do eleitorado tinha contato coma rede, em condições de acesso (velocidade e so-fisticação dos sítios) próximas das verificadas nospaíses europeus e nos EUA no início do século7.Naquele ano, o Centro de Altos Estudos em Pro-paganda e Marketing da ESPM desenvolveu umdos primeiros trabalhos sistemáticos sobre o as-sunto, acompanhando o uso de blogs e sítios decomunidades (no caso, o Orkut, praticamente oúnico sítio de comunidades relevante no país na-quele momento) durante o período eleitoral. OIBOPE também incorporou o uso da internet emsuas perguntas sobre as fontes de informação uti-lizadas pelo eleitor, resultando em um conjunto deinformações e análises que já tivemos oportunida-de de expor em outros trabalhos (BARROS FI-LHO, COUTINHO & SAFATLE, 2007;CAVALLARI & COUTINHO, 2008).

Dando continuidade a esse esforçoinvestigativo, o Caepm e o IBOPE Inteligênciadesenvolveram um trabalho conjunto no ano pas-sado, visando coletar informações sobre o uso dainternet nas eleições de 2008 em nosso país8. Éimportante destacar que os pleitos municipais,embora apresentem desafios metodológicos mai-ores para seu estudo, em função do peso de fato-res locais, costumam gerar menor envolvimentodo eleitorado em relação às disputas presidenci-ais. Esse fenômeno também se repete na internet,de acordo com as séries históricas do Pew Center:anos de eleições presidenciais costumam mobili-zar mais do que o dobro de eleitores a buscarem arede para obter informações ou desempenhar al-gum papel na campanha. Esse cenário levou aodesenho de uma metodologia de pesquisa que com-bina análises localizadas sobre comunidades e blogsda internet em uma única disputa municipal (a domunicípio de São Paulo) com um levantamentode abrangência nacional sobre as fontes de infor-mação dos eleitores. Vamos analisar separadamentecada um desses levantamentos para apresentar naconclusão algumas possíveis implicações paraestudos futuros sobre o tema.

III. O USO DA INTERNET NAS ELEIÇÕESMUNICIPAIS: O CASO DE SÃO PAULO

Na terceira semana de setembro, pouco an-tes do primeiro turno da eleição municipal, oIBOPE Inteligência entrevistou 1 001 paulistanoscom 16 anos ou mais, para saber quais eram asprincipais fontes de informação sobre o pleito.Conforme seria de esperar-se, a televisão é ogrande meio de informação para mais da metadedos entrevistados, seguida de longe pelos demaismeios de comunicação como jornais, rádio einternet. Esta atinge seus melhores percentuaisentre as camadas mais jovens e mais escolarizadasda população, faixas em que supera o rádio eaproxima-se dos jornais como principal fonte deinformação para decisão do voto, situação simi-lar a verificada nos EUA em 2004, conforme osestudos do Pew.

engaged. Whilst even during low-key elections TV remainsthe staple of most Europeans media diet, the internet perhapsrequires a bit of drama to get going. In line with previousstudies, it is suggested here that the new media are a higher-intensity tool, apt to sustain momentum rather than togenerate it. The internet has yet to enter the European po-pular consciousness as a political conduit. There is, ofcourse, the obvious exception of young people, as they tendto use the internet for political information to a greaterextent” (LUSOLI, 2005, p. 158).7 Ainda assim, é preciso lembrar que, em termos relativos,nosso percentual de eleitores on-line é similar ao verificadonos EUA em 1996 e nos países europeus no início doséculo (NORRIS, 2001; RAINIE, CORNFIELD &HORRIGAN, 2005).

8 Os autores são particularmente gratos a NelsomMarangoni e Marcia Cavallari, respectivamente CEO (ChiefExecutive Officer) e Diretora Executiva de Atendimento doIBOPE Inteligência, pelo estímulo e apoio a essa iniciativado Caepm.

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QUADRO 1 – PRINCIPAIS FONTES DE INFORMAÇÃO PARA DECISÃO DE VOTO (1º LUGAR) – MUNICÍPIODE SÃO PAULO

FONTE: IBOPE Inteligência

De maneira geral, o resultado encontrado nãochega a surpreender na medida em que reflete adistribuição do uso da rede no Brasil, concentradaentre os mais jovens de maior renda e escolarida-de. Ao mesmo tempo, confirmou algumas dasprincipais teorias sobre os processos de decisãoeleitoral: quanto mais alta a renda e a escolaridadedo eleitor, mais variados são seus mecanismos deinformação.

Mais interessante é o cruzamento resultantedo uso da internet de acordo com a avaliação queos eleitores fazem das principais esferas de go-verno. O uso da rede como principal fonte de in-formação para decisão do voto apresenta um pa-drão inverso em relação à avaliação dos governosmunicipal/estadual versus o federal: os eleitores

que avaliam melhor as administrações Kassab-Serratendem a utilizar mais a internet, padrão que serepete entre os que tendem a ser mais críticos emrelação ao governo Lula. Esse padrão confirmauma de nossas hipóteses ao final do estudo reali-zado em 2006: dada a distribuição do uso da redeno Brasil (concentrada nas classes A-B e de esco-laridade mais alta), os eleitores que tendem a teruma visão mais crítica do governo Lula utilizammais a internet9.

9 Em 2006 verificamos que as comunidades anti-Lula noOrkut superavam em grande número as favoráveis ao Pre-sidente e as contrárias ao seu principal adversário, GeraldoAlckmin.

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QUADRO 2 – PRINCIPAL FONTE DE INFORMAÇÃO PARA DECISÃO DO VOTO, DE ACORDO COM AAVALIAÇÃO DOS GOVERNANTES – MUNICÍPIO DE SÃO PAULO

FONTE: IBOPE Inteligência

Sob esse aspecto, é útil lembrar que a utiliza-ção da rede não ocorre de uma forma autônomaem relação a outras esferas da atividade política.Como mostrou Peter Burke na sua análise sobreos paralelos entre as transformações midiáticasdo século XIV (prensa) e XX (rádio, TV, internet),as inovações tecnológicas tendem a ser incorpo-radas dentro de um sistema de mídia que vai in-fluenciar e ser influenciado pela constituição daesfera pública (BURKE & BRIGGS, 2004). Esseparece ser o caso das comunidades on-line noBrasil. Agre reforça essa visão histórica: “Politicalactivities on the internet are embedded in largersocial processes, and the internet itself is only oneelement of an ecology of media. The internet doesnot create an entirely new political order; to thecontrary, to understand its role requires that weunderstand much else about the social processesthat surround it”10 (AGRE, 2002, p. 314-315).

Para os entrevistados que afirmaram ser ainternet uma de suas duas principais fontes de in-formação (11% do total dos entrevistados), o IBOPEInteligência apresentou uma questão adicional paraverificar a distribuição do uso da rede. No casopaulistano, os portais noticiosos (39%) e os sítiosde relacionamento (15%) lideraram as preferênci-as, seguidos pelos blogs (11%), superando os síti-os “oficiais” dos candidatos (7%) e partidos (4%).

10 “As atividades políticas na internet estão embutidasem amplos processos sociais, e a própria internet é apenasum elemento de uma ecologia de mídias. A internet não criauma política inteiramente nova; ao contrário, entender seupapel requer que entendamos muito mais sobre os proces-sos sociais que a envolvem” (tradução do revisor).

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QUADRO 3 – PRINCIPAIS CANAIS UTILIZADOS NA WEB (SOMENTE PARA QUEM RESPONDEU QUE AINTERNET FOI A 1ª OU 2ª FONTE MAIS IMPORTANTE NA DECISÃO DO VOTO) – MUNICÍPIODE SÃO PAULO

FONTE: IBOPE Inteligência

Confirma-se assim outra suposição teórica:mais do que ser simplesmente um canal adicionalde comunicação para essas instituições, a redeconfigura-se como um novo “campo de batalha”comunicativo, no qual mais do que o “discurso” épreciso levar em conta a dinâmica própria dosgrandes grupos midiáticos (que dominam o usoda rede para a busca de informações) e sua elabo-

ração/re-elaboração entre os diversos formatos de“mídia social”.

Uma análise dos resultados pela avaliação dosgovernos também mostra diferenças interessan-tes. Os que avaliam melhor os governos Kassab-Serra tendem a utilizar de forma mais intensa osportais de notícias, ao passo que a utilização dosblogs cresce entre os que avaliam de forma posi-tiva o governo Lula.

QUADRO 4 – PRINCIPAIS CANAIS UTILIZADOS NA REDE (SOMENTE PARA QUEM RESPONDEU QUE AINTERNET FOI A 1ª OU 2ª FONTE MAIS IMPORTANTE NA DECISÃO DO VOTO) – MUNICÍPIODE SÃO PAULO, POR AVALIAÇÃO DOS GOVERNANTES

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FONTE: IBOPE Inteligência

Esse mecanismo de “informação/contra-infor-mação” já fora detectado de forma empírica emnosso levantamento anterior, sugerindo que, pelomenos no âmbito paulistano, os canais digitais al-ternativos de manifestação de opinião são utiliza-dos pelos eleitores com maior simpatia pelo“Lulismo”, que não se “reconhecem” nos portaisligados aos grandes grupos de mídia.

IV. O USO DA INTERNET NAS ELEIÇÕESMUNICIPAIS: BRASIL

Logo após o primeiro turno das eleições muni-cipais, entre 16 e 20 de outubro, o IBOPE Inteli-gência foi novamente a campo para esse estudo,representativo da população acima de 16 anos,realizando 2 002 entrevistas em 141 municípiosbrasileiros. Do total de entrevistados, 1 741 (87%)votaram no primeiro turno das eleições munici-pais; grupo selecionado para responder um con-junto específico de questões sobre fontes de in-formação nas eleições.

QUADRO 5 – FONTES DE INFORMAÇÃO MAIS IMPORTANTES NA DECISÃO DO VOTO (1º LUGAR) – BRASIL

FONTE: IBOPE Inteligência

Conforme podemos observar, considerando oconjunto dos municípios brasileiros, as fontes deinformação mais importantes para a decisão devoto são a televisão e as conversas com amigos,parentes e colegas de trabalho. Vale observar queesse resultado é ligeiramente diferente do verifi-cado para o município de São Paulo, onde os meiosde comunicação tendem a ter um peso maior. De

maneira geral, os resultados nacionais refletem umpadrão mais ou menos em linha com os pressu-postos da chamada “escola de Michigan” da soci-ologia eleitoral11.

11 Referimo-nos ao chamado “Modelo de Michigan”,exemplificado no clássico “The American Voter”.

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No que se refere ao uso da internet no conjun-to da população em geral verificamos que seu pesoainda é pequeno (apenas 2% dos votantes mencio-naram a rede como a fonte de informação maisimportante), mas com algumas variações expressi-vas, como no caso do grupo de renda acima de dezsalários mínimos, em que esse percentual atinge8%, superando o rádio e empatando com os jor-nais. Assim como no caso do município de SãoPaulo, os números tendem a refletir o perfil do usoda rede em nosso país: sua utilização é mais intensaentre os jovens adultos, com renda e escolaridadesuperior em relação à média da população.

Em termos nacionais, quando consideramosapenas os canais mais utilizados pelos eleitoresque responderam “internet” como principal fontede informação, os sítios de relacionamento (25%)praticamente empatam com os portais noticiosos(27%), seguidos pelos comunicadores instantâ-neos (15%) e blogs (12%), sendo que os canaisde comunicação “oficiais” (sítios de partidos/can-didatos) são mencionados por uma parcela ínfi-ma dos eleitores (2%).

Os números confirmam diversas suposiçõessobre a utilização da rede no processo eleitoral(utilização concentrada entre os eleitores mais jo-vens, com melhor renda e escolaridade) e sobre oimpacto diferenciado dos diversos formatos decomunicação digital entre os eleitores – baixa re-levância dos sítios de partidos/candidatos12, pre-domínio das empresas tradicionais de comunica-ção também no meio digital e a existência de umaparcela expressiva dos eleitores utilizando canaisalternativos, como blogs e sítios de comunidade.Lembremos ainda que a baixa relevância dos síti-os de partidos/candidatos pode ser creditada aofato deles não serem parte daquilo que podería-mos chamar de “batalha pela re-significação danotícia”. Pois uma das características diferenci-ais da internet em relação a meios como o jornal ea televisão é sua permeabilidade maior à interfe-rência na determinação da rede semântica queenvolve a notícia. A possibilidade que leitores têmde postar comentários, de chamar outros leitoresa complementar sua leitura por meio do acesso a

outros sítios são elementos motivadores no inte-rior de uma batalha eleitoral cuja arena de con-vencimento e militância tende a deslocar-se docontato direto nas ruas ao mundo virtual. Parainvestigar esse fenômeno específico realizamosuma análise sobre os principais sítios de comuni-dades da eleição municipal paulistana.

V. OS SÍTIOS DE COMUNIDADES E AS ELEI-ÇÕES PAULISTANAS DE 2008

A utilização dos chamados sítios Web 2.0 é umfenômeno mundial, mas que ganha relevância nocaso brasileiro. Segundo o IBOPE-NetRatings, osbrasileiros lideram o tempo de navegação domicili-ar desde meados de 2005 (já são cerca de 24 horasmensais), e pesquisa realizada no primeiro semes-tre de 2008 em 29 países pela Universal McCann,mostra que os brasileiros lideram em termos deleitura diária de blogs (52% contra 31% da médiamundial), atualização de páginas de redes sociais(57% contra 31% da média mundial) e uploads devídeos (68% dos internautas brasileiros já realiza-ram uploads, o número mais alto verificado na pes-quisa) (UNIVERSAL MCCANN, 2008). Outra pes-quisa, de autoria da ComScore Media Metrix, mos-tra que entre os países latino-americanos o Brasillidera na utilização desse tipo de sítio, com 85,3%dos usuários de internet no país, contra 80,1% noChile, 79,6% na Colômbia, 77,1% na Argentina e73% no México. Pesquisas internas da Google Inc.confirmam esses números. Segundo AlexandreHoagen, diretor geral da empresa para a AméricaLatina, “para muitas pessoas na região a internet jáse tornou parte do sistema de relacionamento soci-al. No Brasil, por exemplo, cerca de 80% dosinternautas utilizam esses sítios para trocar infor-mações com amigos, conhecer novas pessoas, tro-car música, vídeo e postar fotos” (WEB ANDSOCIAL NETWORKING, 2009). Em 2007, a aqui-sição de uma rede social baseada em imagens foitema de matéria do Wall Street Journal para “mos-trar a força do Brasil na internet”.

Diante desses números e do que pudemosacompanhar na eleição americana em 2008, vol-tamos examinar as maiores comunidades sobre aeleição paulistana, repetindo o que já havíamos feitoem 2006 para os principais candidatos presiden-ciais. Nosso foco, mais uma vez, foi o Orkut, omais popular sítio de redes sociais no Brasil se-gundo o IBOPE-NetRatings. Obviamente, visitardiariamente todos os sítios de comunidades sobretemas pertinentes a eleição exigiria um esforço

12 Sob esse aspecto, é importante destacar que os sítiosmais bem sucedidos nas campanhas americanas e européi-as funcionam não somente como um canal de comunicação,mas principalmente como um meio de “redução de custos”para o envolvimento dos eleitores “orgânicos”, facilitandoo acesso ao material de campanha, agenda do candidato etc.

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muito além dos nossos recursos de investigação.Apenas para que o leitor tenha uma idéia, a em-presa Pepper Comunicação, contratada por umdos candidatos para fazer o monitoramento da elei-ção nas redes sociais, identificou 129 comunida-des sobre temas locais (desde comunidades so-bre lotações específicas até escolas de samba) emais 84 sobre os principais candidatos (GilbertoKassab, Geraldo Alckmin, Marta Suplicy e PauloMaluf), totalizando 1,28 milhões de integrantes13.

Diante desses números, concentramo-nos nascomunidades voltadas exclusivamente para os trêscandidatos mais votados (Kassab, Marta eAlckmin) e que apresentavam mais de 300 inte-grantes14. Dessa forma, embora trabalhando comum número mais restrito de comunidades (25), ti-vemos a oportunidade de elaborar uma análise maisprofunda de conteúdo, visando testar hipótesessobre a circulação e concentração do fluxo de opi-niões em cada uma delas. Vale à pena lembrar que,em campanhas municipais, o uso de sítios de rela-cionamento parece ganhar importância em relação,por exemplo, a blogs. Pois, devido à própria carac-terística da internet, os principais blogs políticosdo país têm perfil nacional, e não local. Por isso, aquantidade de notícias sobre eleições municipais ficasubstancialmente pulverizada. Fato que fica aindamais evidente se levarmos em conta o peso dosblogs na eleição nacional de 2006 e na composiçãoorgânica do gerenciamento da notícia (BARROSFILHO, COUTINHO E SAFATLE, 2007).

Um primeiro fato que chamou nossa atençãofoi o de que as comunidades sobre as eleiçõesmunicipais paulistanas aproveitaram fatores pré-vios de mobilização digital para iniciar suas ativi-dades muito antes da definição oficial dos candi-datos. Pesou para tanto o fato de que dois dosprincipais candidatos (Geraldo Alckmin e Marta

Suplicy) já tinham diversas comunidades de fãs eopositores no Orkut em função de sua trajetóriapolítica. Ou seja, “carregaram” para a eleição atu-al comunidades que já tinham sido utilizadas emeleições anteriores, mostrando uma das grandesvantagens potenciais da rede como mecanismode mobilização. O melhor exemplo é o da campa-nha de Alckmin, que aproveitou mais de 85 milintegrantes da sua comunidade na campanha paraPresidente para fazerem parte da comunidade vol-tada para a eleição de Prefeito.

Além da evolução do número de integrantesde cada comunidade e do posicionamento em re-lação aos candidatos, incorporamos duas novasdimensões de avaliação: a “permeabilidade” emrelação a opiniões contrárias, indicada pelo núme-ro de links para comunidades com pontos de vis-ta diferentes sobre o candidato ou as eleições, e aatividade, ou seja, o volume de postagens diáriaspertinentes aos temas tratados nas comunidades(ou seja, desconsiderando mensagens de carátercomercial ou “spams” sem relação com a elei-ção), independente de terem natureza crítica oupositiva em relação ao candidato.

Esses aperfeiçoamentos são decorrentes nãoapenas do desenvolvimento metodológico, mastambém procuram incorporar outras dimensõesde debate sobre o fenômeno do uso de blogs esítios de comunidades na comunicação on-line. Aprimeira delas diz respeito ao fato de que em umaesfera pública “saudável”, os eleitores não apenasparticipam do debate político, mas também estãoexpostos a pontos de vista plurais e muitas vezescontraditórios (SUNSTEIN, 2007).

No segundo caso, nossa preocupação foi de-senvolver dimensões qualitativas de análise, incor-porando critérios que utilizamos para desenvolvertrabalhos no âmbito da publicidade comercial(COUTINHO, 2007). Essa preocupação surgiucomo fruto da investigação levada a cabo em 2006,na qual verificamos que não é possível medir aimportância de uma comunidade apenas pela quan-tidade de pessoas que nela estão “inscritas”, mastambém pela quantidade de opiniões que são emi-tidas na mesma.

Claro que realizamos apenas um primeiro cor-te, ainda no campo quantitativo, com o objetivode investigar maneiras de identificar “formadoresde opinião” dentro dessas comunidades on-line.Para tanto, diariamente eram contabilizadas e clas-sificadas as intervenções nessas comunidades (por

13 Os autores agradecem a Danielle Fonteles, da PepperComunicação, pelo fornecimento do levantamento inicialdo número de comunidades. A lista das que acompanhamosse encontra ao final deste artigo.14 O corte “arbitrário” teve que ser adotado em função dacomplexidade da análise que incorporou o acompanhamen-to do fluxo de atividades das comunidades, conforme des-creveremos adiante. Entretanto, os autores gostariam dedestacar o número de comunidades sobre Paulo Maluf e omalufismo (algumas atingindo mais de 10 mil integrantes),que certamente merece uma análise mais detalhada por par-te dos interessados na história eleitoral da cidade de SãoPaulo.

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meio dos tópicos abertos em cada uma), visandoverificar a intensidade da discussão e a concen-tração da mesma a partir de certos integrantes.

O que os resultados dessas análises indicam éque existe uma baixa “permeabilidade” a visõescontrárias. As 25 comunidades analisadas apre-sentavam links para outras 78 comunidades polí-tico-eleitorais. Desse total, apenas 11 eram decomunidades “neutras”, ou seja, que tratavam depolítica em geral. E nenhuma apontou links paraoutras comunidades que apresentassem visõesdiferentes sobre os candidatos. Ou seja, as co-munidades tendem a apresentar uma“permeabilidade” muito baixa em relação a visõespolíticas contrárias.

Isso também pode ser verificado na dinâmicainterna de cada comunidade. Entre o início de ju-nho e o segundo turno (26 de outubro de 2006),acompanhamos 1 214 tópicos de discussão nascomunidades analisadas. Mais de 96% estavamem linha com a posição política da comunidade.Opiniões contrárias tendiam a ser rapidamente (eàs vezes violentamente) contestadas ou simples-mente ignoradas. Isso parece validar uma inter-pretação apresentada por nós na avaliação da elei-ção de 2006: a função eleitoral dos sítios de rela-

cionamento não está vinculada a constituição decampos de debate, mas ao fortalecimento damilitância e à unificação do discurso de eleitoresque, em larga medida, já fizeram suas escolhas.

Como parte dessas comunidades é mediada nãoé possível saber exatamente quantas opiniões outópicos contrários ao menos chegaram a ser sub-metidos aos moderadores, mas tudo leva-nos acrer que as comunidades tendem a apresentar umabaixa permeabilidade ao contraditório, ou seja,podem levar a uma homogeneização da opiniãopolítica dos seus freqüentadores, com conseqü-ências danosas para o debate democrático.

É interessante notar também que em 2008 ve-rificamos o surgimento de tentativas organizadasdos candidatos em criar e estimular comunidadespróprias. Referimo-nos especificamente ao casoda campanha do Prefeito Gilberto Kassab, quecriou a “Rede K25”, um sítio de comunidade fe-chado no qual os participantes (mais de 2 600),podiam participar de fóruns de discussões, criarblogs e grupos (“Verdão com Kassab”, “Timãocom Kassab” etc) e, principalmente, obter mate-rial de campanha em formato digital, como o“Kassabinho”, uma animação que podia ser utili-zada em outros sítios da rede.

FIGURA 1 – EXEMPLO DE COMUNIDADE CONTROLADA PELA COMUNICAÇÃO OFICIAL DA CAMPANHA

FONTE: Imagem retirada da internet.

Infelizmente, não foi possível obter maioresinformações sobre os resultados finais dessa ini-ciativa, mas é interessante registrar que o número

de inscritos na comunidade ultrapassava em mui-to os das maiores comunidades de Kassab noOrkut.

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FIGURA 2 – A CAUDA LONGA NA COMUNICAÇÃO POLÍTICO-ELEITORAL

VI. CONCLUSÕES E FUTURAS LINHAS DEPESQUISA

Os meios de comunicação de massa tradicio-nalmente apresentam-se como um “intermediário”entre o Estado e a Sociedade Civil na constituiçãoda esfera pública. Na visão dos integrantes des-sas organizações (jornalistas, editores epublicadores), elas atuariam como um “podermoderador” no debate político.

Entretanto, a utilização crescente da rede, paraalém dos sítios dessas organizações, indica umprocesso (ainda incipiente no Brasil) de novosespaços complementares à esfera pública tradici-onal. Embora ainda restrito aos mais jovens eescolarizados, esse fenômeno ocorre independenteda vontade dos meios de comunicação tradicio-nais e dos partidos políticos, e não depende desua aprovação para acontecer. No entanto, tal fe-nômeno é compensando por certa convergênciade conteúdo que afeta principalmente os blogspolíticos. Uma das grandes especificidades docenário brasileiro é que praticamente todos os prin-cipais blogs políticos são alimentados por jorna-listas ligados a grandes grupos de mídia ou aloja-dos em grandes portais. Isso traz conseqüênciaspara a possibilidade de circulação de versões einterpretações distintas de notícias e opiniões.

Um conceito interessante para ilustrar o fenô-meno pode ser a aplicação do princípio da “caudalonga” (ANDERSON, 2006) ao campo da comu-

nicação político-eleitoral. De acordo com essa te-oria, os mercados de massa, uma manifestaçãoda economia industrial que começou a consoli-dar-se a partir da metade do século XIX, depen-dem da produção de modelos que serão reprodu-zidos em larga escala para gerar lucro. O merca-do de massa assemelha-se a um cachorro: no seutopo (a cabeça) estão alguns poucos produtos,capazes de vender bilhões. À medida que as pre-ferências de um consumidor afastam-se dessa“cabeça”, ele tem de fazer grandes sacrifícios emtermos de tempo, deslocamento e dinheiro paraobter bens, serviços e informações voltados paraos “nichos” (até o final do corpo do cachorro:sua cauda). Segundo Anderson, os avanços dastecnologias de digitalização reduziram drasticamen-te os custos de produção, distribuição e controleda cadeia de uma vasta gama de bens e serviços.

Se aplicarmos os mesmos princípios à esferapública, fazendo da “informação” a principal ri-queza que nela circula, verificaremos que os par-tidos políticos dominantes, os grandes grupos decomunicação e os formadores tradicionais de opi-nião (cientistas políticos, jornalistas etc) continu-am a ser “a cabeça” do sistema democrático. Co-mandam alto volume de audiência. Mas não sãomais a única fonte de manifestação que pode serlevada em conta no debate. Sítios de comunida-des, blogs e outros de produção coletiva de con-teúdo (Wikis, fotologs etc.), representam uma“cauda longa” da esfera pública.

FONTE: Adaptado de Anderson (2006).

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A INTERNET E AS ELEIÇÕES MUNICIPAIS EM 2008

Em termos de quantidade de pessoas atingidaspela comunicação da eleição, os meios tradicio-nais ainda lideram, conforme pudemos verificarnos levantamentos realizados pelo IBOPE. Masnão deixa de ser sintomático que entre os que des-tacaram a internet como fonte de informação prin-cipal, blogs e sítios de comunidades tenham umainfluência maior que os sítios de partidos e candi-datos, e que em alguns grupos específicos de elei-tores (os mais alinhados com o governo Lula), onúmero de consultas a esse tipo de sítio tenhaaumentado em detrimento aos sítios de organiza-ções da mídia tradicional.

Como mostram os números expostos anteri-ormente, eles não possuem (ainda?) capacidadede influir nas decisões políticas e resultados elei-torais, mas o relacionamento entre seus compo-nentes e suas outras redes sociais pode, ao longodo tempo, produzir movimentos significativos naopinião pública, ao ponto de pressionar os agen-tes políticos ou mesmo (no caso brasileiro, emum futuro ainda não definido), influir nos resulta-dos eleitorais.

Por outro lado, a constituição de uma “esferapública” (assim mesmo, em minúsculas) focadaapenas nos interesses específicos dos seus inte-grantes e que unicamente reforce suas opiniões,como vimos no caso da eleição paulistana, estálonge de ser o substituto para o ideal habermasiano.

Em debate recente, Habermas procurou reto-mar certas elaborações referentes ao conceito de

“esfera pública” afirmando que “o preço do au-mento positivo do igualitarismo, com o qual ainternet nos brinda, é a descentralização dos aces-sos a contribuições não-redigidas” (HABERMAS,2006). Ao mesmo tempo em que fazia afirmaçõesdessa natureza, Habermas mostrava-se conscien-te do aumento exponencial do risco da constitui-ção de grandes conglomerados midiáticos sob agestão de grupos econômicos. Isso a ponto de tersugerido a intervenção estatal como modelo dedefesa da esfera pública. Talvez fosse mais cor-reto projetar tais tensões para o interior da própriaconstituição do campo do debate político nainternet, em vez de simplesmente contentar-secom chamadas edificantes sobre o aumento posi-tivo do igualitarismo.

Nesse sentido, não acreditamos que “novosatores” (‘blogueiros’ ou redes sociais digitais)desempenharão o papel dos meios de comunica-ção de massa tradicionais, em um processo de“reposição” pura e simples do papel do “interme-diário”. Muito mais provável é que o lento declíniodo sistema de comunicação “um para muitos”, váexigir o desenvolvimento de novas práticas (e te-orias) da mediação dos processos de comunica-ção entre Estado e Sociedade Civil. A julgar peloque estamos vendo em outros países, esse deveser mais um desafio para os grupos midiáticos epolíticos tradicionais nas próximas eleições brasi-leiras, além de um interessante objeto de investi-gação e reflexão para pesquisadores das áreas dacomunicação, sociologia e política.

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Vladimir Safatle ([email protected]) é Doutor em Filosofia pela Universidade de São Paulo e Pro-fessor de Filosofia da mesma instituição.

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A INTERNET E AS ELEIÇÕES MUNICIPAIS EM 2008

Geraldo Alckmin

Geraldo Alckmin humilha o Lula

Geraldo p Presidente 2010

Os Alckministas

São Paulo é Geraldo Alckmin

Geraldo Alckmin – o desafiante

Alckmin Nunca Mais

Eu odeio Geraldo Alckmin

Eu odeio o Geraldo Alckmin

Geraldo Alckmin é da Opus Dei!

Geraldo Alckmin nunca mais

Serra = Sr. Burns = Alckmin = Merda!

Eu amo a Marta Suplicy

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ANEXO

Marta de prefeita a presidente

Marta Suplicy (PT)

Marta Suplicy, Prefeita de SP!

Eu odeio a Marta Suplicy

Marta – de novo não!

Odeio a Marta Suplicy

E ai Marta Suplicy, gozou?

Gilberto Kassab

Fora Kassab

Gilberto Kassab, vagabundo é vc

Kassab, o prefeito xarope

Kassab, vagabundo é você

De Olho no Prefeito Kassab

Comunidades Analisadas

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 17, Nº 34: 347-354 OUT. 2009ABSTRACTS

INTERNET AND MUNICIPAL ELECTIONS IN 2008: USE OF ELECTRONIC COMMUNITYSITES IN SÃO PAULO

Marcelo Coutinho and Vladimir Safatle

The authors analyze voters’ use of blogs and Orkut, the most popular on-line social portal in Brazil,during the 2008 municipal elections in São Paulo. In addition to analysis of these sites, two researcheson voters’ main sources of information, carried out by Ibope Intelligence, are also used. Resultsshow that in Brazil the internet is a communication channel with limited outreach in quantitativeterms, particularly if we compare it to the last U.S. elections, yet it provides important possibilities formobilizing and engaging those voters who are most politically involved, particularly the younger ones.Nonetheless, in spite of the diversity of sources of information offered by the web, communities tendto connect up only to sites and communities holding similar opinions while rejecting those that manifestdivergent positions. This can create lesser access to plurality among voters who use only on-linecommunities and blogs as sources of campaign information.

Keywords: Internet; electoral analysis; blog analysis; social portals.

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 17, Nº 34: 357-365 OUT. 2009RÉSUMÉS

INTERNET ET LES ÉLECTIONS MUNICIPALES EN 2008 : L’UTILISATION DES SITESÉLECTRONIQUES DE COMMUNAUTÉS LORS DE L’ÉLECTION DE SÃO PAULO

Marcelo Coutinho et Vladimir Safatle

Les auteurs analysent l’utilisation de blogs et du site électronique relationnel le plus populaire auBrésil – Orkut – par les électeurs, pendant l’élection municipale de 2008, à São Paulo. Outre l’analysedes sites, deux recherches sur les principales sources d’information des électeurs, menées par IbopeInteligência, ont été utilisées dans l’article. Les résultats montrent qu’Internet est un canal decommunication au Brésil dont la portée en ce qui a trait à la quantité est limitée, surtout si l’oncompare avec la dernière élection américaine, mais elle offre des possibilités pour ce qui est de lamobilisation et l’engagement des électeurs très enclins à la politique, surtout chez les plus jeunes.Pourtant, malgré la diversité de sources d’information offertes par le réseau, les communautéstendent à ne se connecter qu’à des sites et communautés d’opinions similaires et à refouler lesmanifestations dissonantes, ce qui peut générer moins de pluralité d’opinions chez les électeurs quin’utilisent que des communautés et blogs comme source d’information sur la campagne.

MOTS-CLÉS : Internet ; analyse électorale ; analyse de blogs ; sites relationnels.