A INTERPRETAÇÃO DE TEXTOS E A COMPREENSÃO...
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II Seminário Nacional em Estudos da Linguagem: 06 a 08 de outubro de 2010
Diversidade, Ensino e Linguagem UNIOESTE - Cascavel / PR
ISSN 2178-8200
A INTERPRETAÇÃO DE TEXTOS E A COMPREENSÃO DO USO DA
PALAVRA: UMA BREVE DISCUSSÃO PARA O LETRAMENTO
PORFIRIO, Lucielen (PG- DINTER UFBA/UNIOESTE)
RESUMO: Uma das principais preocupações dos professores de línguas na atualidade
está em mostrar ao aluno como compreender as diferentes manifestações linguísticas de forma crítica e concisa - de forma especial o texto escrito. Foca-se, nesse trabalho,
algumas maneiras pelas quais as práticas de letramento devem ser construídas na sala de aula para levar o aluno a construir reais significados na interação com o autor por meio de um texto (KLEIMAN, 2002) e capacitá-lo ao diálogo e reflexão com o conhecimento
apreendido. Para tanto, parte-se do pressuposto de que há no texto sentidos que devem ser observados e compreendidos (OLIVEIRA, 2008). Ao mesmo tempo tais sentidos se
inserem em contextos culturais e sociais os quais devem ser igualmente entendidos, o que dá sentido ao letramento. No entanto, ao falar-se em contextos sociais, não se pode deixar de mencionar que ali existem ideologias que são cotidianamente repassadas para
todos os leitores, o que materializa-se por meio das palavras (BAKHTIN, 2009). Sendo assim, as palavras - dos mais variados textos - não são neutras, e sim carregadas de
valores e intencionalidades. Ao ter acesso a essa compreensão, o leitor torna-se portador de habilidade linguística necessária para compreender a sociedade, a sua própria cultura e também a si mesmo. Pretende-se então com este trabalho discutir algumas possíveis
bases de construção de conhecimento interpretativo do leitor, que o habilite a fazer uso da língua de forma crítica e responsável originando a sua própria inserção em uma
sociedade globalizada (KUMARADIVELU, 2006) na qual o uso da linguagem torna-se veículo de emancipação.
PALAVRAS-CHAVE: Interpretação textual, Compreensão, Formação do leitor, letramento crítico.
1-Introdução
Compreender um texto significa identificar e produzir sentidos a partir de um
código linguístico, perceber e formular as ideias ali expostas. Para que o leitor consiga
interpretar um texto adequadamente, é necessário que desenvolva um trabalho cognitivo
que abranja aspectos linguísticos, textuais, extralinguísticos, entre outros. Ainda, para
que o leitor seja realmente ativo no processo da leitura, ele precisa confrontar os
conhecimentos trazidos no texto com os conhecimentos já adquiridos, e ser capacitado a
questionar e refletir sobre quais são as intenções trazidas pela palavra. Em outros
termos, numa perspectiva de letramento crítico, o leitor encontra sentidos textuais, não
para aceitá-los simplesmente, mas para refleti- los, questioná- los e com eles dialogar.
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Pode-se dizer que o letramento envolve assim basicamente o desenvolvimento
de pelos menos dois aspectos: um com relação ao conhecimento do código linguístico e
os sentidos que ele traz a partir das relações semânticas ali mantidas e outro que envolve
a compreensão do posicionamento pessoal, social e cultural trazido pelo autor.
Sabe-se que o processo de interpretação depende de uma intensa interação entre
leitor, autor e texto (KLEIMAN, 2002). No que diz respeito ao leitor, é da sua
competência decodificar o texto, localizar as pistas deixadas pelo autor e formular
representações mentais sobre quais as informações ali contidas. Nesse processo, o leitor
levanta hipóteses, faz inferências, ativa seus conhecimentos prévios e os aplica sobre a
manifestação textual, na tentativa de compreendê-la. Por meio da identificação das
escolhas lexicais do autor, o leitor deve reconhecer quais são as ideias ali reveladas, e
assim ser capaz de fazer uso delas para formar o seu próprio conhecimento e inserir-se
em um mundo social e cultural.
Identificar e analisar as funções das palavras selecionadas pelo autor dentro do
texto se constitui como elemento importante tanto para o processo interpretativo, quanto
para a formação de um leitor crítico. Isso porque as palavras contribuem, por meio de
suas propriedades intrínsecas, para o significado das unidades mais complexas, e.g. as
sentenças (CRUSE, 1987). E ainda, tais sentenças não acontecem aleatoriamente, mas
estão inseridas em uma realidade sócio-política-cultural que deve ser compreendida.
O objetivo do presente trabalho é discutir algumas possíveis bases teóricas do
processo de interpretação textual e a interatividade do leitor frente ao texto. Assim,
discute-se a princípio o conceito de texto – enquanto manifestação linguística motivada
socialmente por objetivos específicos. Na sequência, fala-se sobre o funcionamento do
processo de interpretação textual e, por fim, faz-se uma breve discussão voltada para a
habilitação do leitor à sua formação crítica por meio da compreensão do uso da palavra.
2-O texto como manifestação linguística
O ser humano, enquanto ser basicamente social, tem a necessidade de se
comunicar com seus pares para transmitir informações, convencer, persuadir, informar.
Essa necessidade é satisfeita pela utilização da língua enquanto manifestação verbal, e
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pode se realizar de diferentes formas, tais como por meio oral, imagético, gestual ou
excrito.
No caso dos textos escritos, estes caracterizam-se como uma forma de atividade
verbal humana que se utiliza de signos linguísticos para demonstrar ações individuais
com objetivos e motivados por alguma coisa. Ou seja, para concretizar um determinado
texto, parte-se de uma motivação psico-social que concretiza-se numa manifestação
linguística (KOCH, 2009). Esta autora procura demonstrar ainda que o texto
concretiza-se a partir das intenções do falante em uma determinada situação
comunicativa que seleciona estritamente o que e como vai dizer naquela determinada
situação. Nas suas palavras:
[...] existe em primeiro lugar a necessidade social, para cuja realização se elabora um texto, cujo conteúdo se fixa de acordo com a situação comunicativa e a intenção do falante, passo a passo chega-se ao nível superficial do texto em forma de elementos linguísticos sucessivos [...] (KOCH, 2009, p. 17).
Ou seja, para atingir seus objetivos – geralmente sociais – o autor faz uso de
elementos de cunho linguístico, com a intenção de atingir seus interlocutores. Para
tanto, ele precisa planejar, escolher o léxico mais adequado e considerar os aspectos de
conhecimentos compartilhados com o leitor. Isto quer dizer que há sempre um
determinado objetivo para a produção textual, e esta caracteriza-se como meio principal
para o alcance das intenções do autor.
Pode-se dizer que para que um texto constitua-se como tal, é necessário
estabelecer para ele um sentido. Do contrário poderia ser caracterizado somente como
um amontoado de palavras que não transmite informação alguma.
As informações são construídas a partir da relação entre as palavras formando
um sentido global. Beaugrande e Dressler (1997, apud Oliveira, 2010) elencam dois
grupos de elementos que fazem com que a manifestação textual seja concretizada: os
elementos linguísticos (ex. coesão e coerência) e os elementos pragmáticos (ex. a
intencionalidade, a aceitabilidade, a situacionalidade, entre outros).
Os elementos linguÍsticos auxiliam no sentido da construção semântica à medida
que possibilita a criação de um determinado retrato para o texto em termos superficiais.
A coerência, p. ex., é aquela que permite que os sentidos sejam construídos pela
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interação dos conhecimentos prévios do leitor com a manifestação textual e a coesão é o
que permite que as partes textuais se articulem com base na sua organização interna.
Já os elementos pragmáticos se referem às atitudes dos usuários dos textos e ao
contexto de produção e recepção textual, ou seja, trata-se dos objetivos do autor ao
escrever, a forma como o leitor recebe essa concretização, às circunstâncias em que o
texto é construído, ao nível de informatividade e à interação com outros textos.
Vê-se assim, que o texto não é simplesmente uma junção de uma palavra com
outra respeitando normas ortográficas ou regras impostas pela gramática normativa.
Embora as regras e organizações influenciem, para que se torne de fato a concretização
de um determinado objetivo, ele precisa obedecer aos princípios de interação entre
falantes de uma mesma comunidade e expor um determinado posicionamento,
pensamento, ideia. É na manifestação das palavras dentro de um texto e na interação
entre elas que tais sentidos, posicionamentos e ideologias são revelados, e assim, é
função da escola e do professor expor esses pontos e aspectos textuais.
3-Aspectos envolvidos na leitura
Num aspecto mais geral, quando fala-se em leitura, logo vêm à mente a imagem
de um texto escrito que precisa ser decodificado e compreendido. No entanto, a leitura
compreende uma série de aspectos complexos que envolvem questões cognitivas – e,
portanto, individuais – linguísticas e extralinguísticas.
A leitura não pode ser vista como um processo passivo em que o autor deixa
uma informação “X” a qual o leitor recupera facilmente a partir do contato com o texto.
Há um processo interativo no ato de ler, isto é, há diferentes tipos de conhecimento do
leitor que interagem com o que vem da página para chegar à compreensão.
Ao longo da vida do leitor, vai-se formando conhecimentos, experiências, que
vão sendo armazenados no que chama-se conhecimento prévio. Estes seriam todos os
conhecimentos armazenados com o tempo e que compreendem os conhecimentos
linguístico, textual e de mundo (KATO, 1999; KLEIMAN, 2002; OLIVEIRA, 2010).
Por conhecimento linguístico, entende-se tudo o que sabemos sobre a utilização
da língua, tais como, o léxico, a organização das palavras, a pronúncia, a grafia, ou seja,
os conhecimentos sintáticos, morfológicos, fonológicos e ortográficos. Isso explicaria o
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porquê de uma pessoa analfabeta não conseguir ler: ela não tem conhecimentos
linguísticos suficientes sobre o código de acesso a ele. Isso significa que tais
conhecimentos são fundamentais para possibilitar a leitura, e que de acordo com um
maior ou menor nível desse conhecimento, o leitor ganha facilidade de processar o
código agrupando as unidades linguísticas em fatias de informação. Para Kleiman,
O conhecimento linguistico desempenha papel central no processamento do texto. Entende-se por processamento aquela atividade pela qual as palavras, unidades discretas, distintas, são agrupadas em unidades ou fatias maiores, também significativas, chamadas constituintes da frase. À medida que as palavras são percebidas, a nossa mente está ativa, ocupada em construir significados e um dos primeiros passos nessa atividade é o agrupamento em frases (...) com base no conhecimento gramatical de constituintes (KLEIMAN, 2002, p. 15).
Os conhecimentos linguísticos, então, possibilitam o acesso ao texto e o
agrupamento das informações ali presentes. Mas o que dizer de pessoas escolarizadas
que não conseguem entender um texto de medicina, por exemplo? Isso significa que
elas são analfabetas? O não conhecimento de um determinado conjunto lexical
prejudica - e às vezes até impede - a compreensão. Por exemplo, ao ler um manual de
funcionamento de uma ferramenta utilizada para a marcenaria, alguns elementos podem
não ser de conhecimento de alguns leitores o que dificulta sua compreensão. Mas isso
não quer dizer que eles não compreendam outros tipos de textos aos quais tendo acesso
ao sentido das palavras, conseguem estabelecer sentidos para a compreensão.
No entanto, os conhecimentos linguísticos não são os únicos que entram em ação
durante o processo da leitura. O conhecimento relacionado aos tipos textuais, seus
gêneros, sua organização e seus elementos constitutivos também são armazenados na
mente ao longo da interação do leitor com o código escrito e são chamados de
conhecimentos textuais. Por exemplo, a organização dos elementos que compõem um
texto, como a relação de causa e efeito, ou a presença de introdução, desenvolvimento e
conclusão podem ser chamados de conhecimentos textuais.
Quando há a falta dos conhecimentos textuais por parte do leitor, ele pode,
provavelmente, ter maior dificuldade de encontrar uma determinada informação no
texto. Imagine-se, a título de exemplificação, uma lista de divulgação do local onde
candidatos a um concurso público deverão prestar a prova. Tais listas são geralmente
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divulgadas em ordem alfabética o que faz com que os candidatos tenham uma ideia de
como procurar seu nome no edital. Para que o candidato procure seu nome na lista, ele
precisa ter consciência de como o texto está organizado e da sequência da ordem
alfabética, para então verificar o local adequado da sua prova. Há nesse caso uma
interação do conhecimento linguístico – as letras do alfabeto – com os conhecimentos
textuais – a organização estrutural do texto.
Já o terceiro tipo de conhecimento prévio é o conhecimento de mundo (ou
enciclopédico) que trata-se daquilo trazemos armazenado sobre os fatos gerais da
comunidade da qual fazemos parte. São conhecimentos genéricos que permitem formar
estruturas de conhecimentos do que é possível ou não acontecer em determinadas
situações do nosso convívio cultural ou técnico.
Para que o conhecimento de mundo seja mais facilmente acessado pelo leitor,
alguns autores explicam que é necessário ativar o que chama-se esquemas1 (KOCH,
2009; KATO, 1999; OLIVEIRA, 2010; KLEIMAN, 2002). Esse conceito se relaciona a
entidades conceituais que correspondem a uma série de situações ou eventos típicos em
determinada ocorrência. Kato (1999) conceitua o termo como sendo
pacotes de conhecimento estruturados, acompanhados de instruções para seu uso. Tais esquemas ligam-se a subesquemas e a outros esquemas formando uma rede de interrelações que podem ser sucessivamente ativadas (KATO, 1999, p. 52).
Assim, vale reiterar aqui que os esquemas auxiliam a ativar na mente aquilo que
normalmente acontece ou é típico na comunidade linguística do leitor, e é a partir deles
que pode-se realizar inferências extralinguísticas. Assim, a vivência do leitor e sua
inserção em um determinado contexto social influem na sua forma de interpretar.
Todos os tipos de conhecimentos relatados acima interagem durante a leitura
para dar um significado ao texto. Ou seja, o acesso a somente um dos conhecimentos
não garante a compreensão do texto, muito embora influa nela. Nas palavras de
Kleiman:
1 Alguns autores se referem ao conceito com o termo em inglês: frames. (e.g.CAVALCANTI, 1989;
KOCH, 2009)
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A ativação do conhecimento prévio é, então essencial à compreensão, pois é o conhecimento que o leitor tem sobre o assunto que lhe permite fazer inferências necessárias para relacionar diferentes partes discretas do texto num todo coerente. Este tipo de inferência que se dá como recorrência do conhecimento de mundo e que é motivado pelos itens lexicais no texto é um processo inconsciente do leitor proficiente. (KLEIMAN, 2002, p. 25).
Vê-se assim que a leitura é um processo subjetivo em que o leitor traz toda a sua
carga de conhecimentos para uma relação interacional com o texto, na qual os sentidos
são construídos. Pode-se dizer que os conhecimentos prévios se tornam o princípio da
atividade de significação. Partindo-se, então, desse pressuposto, chega-se a um
apontamento importante para o letramento: é necessário compreender um texto a partir
de suas informações linguísticas e textuais, mas é preciso também ativar conhecimentos
anteriores (que incluem experiências culturais e sociais) para dialogar com ele e
produzir um conhecimento consciente e reflexivo sobre o que está presente ali.
Aponta-se ainda para o fato de que os conhecimentos prévios devem ser usados
para fazer sentido na situação em que um texto se insere, culturalmente e socialmente. A
contextualização dos significados textuais possibilita a localização dos discursos a que
somos expostos diariamente e a recuperação das suas situações de produção, bem como
a reflexão sobre elas - Quem produziu e por quê? Com quais possíveis intenções? Pode-
se dizer que uma compreensão do que está linguisticamente exposto, e, ao mesmo
tempo, crítica, fornece as bases necessárias para que o leitor faça escolhas conscientes
sobre os discursos que circulam na sociedade, e assim saiba quais deles, complementam
a sua própria identidade cultural, pessoal e social.
4-A formação do leitor e o letramento crítico
Um dos aspectos importantes da formação do leitor é o ambiente escolar, que se
caracteriza como o espaço principal no qual os alunos conhecem as primeiras letras,
aprendem a ler, escrever, interpretar. Conforme discussão apresentada, antes de ler um
texto, os alunos precisam aprender e elaborar vários conhecimentos: o linguístico, o de
mundo (ou enciclopédico), e o textual (KLEIMAN, 2002; KATO, 1999; KOCH, 2009).
Falar em formação do leitor, então, é considerar vários aspectos envolvidos no
ato de leitura, os quais, em conjunto, levam a construir os conhecimentos a partir do
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contato com o código escrito. Em outras palavras, ao deparar-se com o texto, o leitor
coloca-se diante de uma manifestação linguística com objetivos, intenções, planos e é a
partir da observação e interação com esse conjunto textual que ele constrói sentidos.
A partir da argumentação da interatividade autor-leitor para construção de
significados textuais, menciona-se também o fato de que a construção de sentidos para
um determinado texto se dá com base nas escolhas lexicais do autor, no confronto do
leitor com o que está presente no texto, nas relações semântico-pragmáticas que devem
ser estabelecidas, e na (re)construção de conhecimentos por parte do leitor.
Oliveira (2008) assinala a questão de que há no texto significados que precisam
ser observados e construídos. Segundo o autor, “se um leitor interpreta um texto, isso
acontece porque possui conhecimentos prévios que o permitem interpretar esse algo”
(OLIVEIRA, 2008, p. 143). Ou seja, pode-se dizer que é necessário perceber os
significados ali presentes para então criar e construir sentidos, o que implica aumento ou
alteração daquilo que já conhecemos. A leitura, nesse sentido, não pode ser vista como
algo estanque, mas sim como algo que altera os chamados esquemas de conhecimento,
que muda aquilo que o leitor já conhece sobre a realidade, e que pode transformar a
visão de mundo que ele tem previamente elaborada.
Levando em consideração o argumento de que leitura não se trata apenas de
decodificação linguística, pode-se questionar o motivo pelo qual a escola se preocupa
tanto com a aprendizagem do código (com o conhecimento linguístico) e, por vezes,
deixa de lado a preocupação com a formação do conhecimento de mundo mais aguçado
do leitor. Isso porque o processo de leitura não é hermético, mas pode possibilitar o
diálogo a partir do encontro dos significados no texto e da reflexão sobre o discurso a
que estamos expostos, a situação de sua produção, os objetivos e intenções que
permeiam o uso de determinadas palavras. Há no texto, de fato sentidos que precisam
ser compreendidos, mas eles podem ser repensados, refletidos, analisados e respondidos
pelo leitor. É, também, assim que o leitor torna-se ativo perante um texto.
Ao falar-se em letramento leva-se em conta o fato de que este é um termo que
envolve práticas sociais de uso dos conhecimentos linguísticos nos mais diversos
contextos. De acordo com Rojo (2009):
[...]o letramento busca recobrir os usos e práticas sociais de linguagem que envolvem a escrita de uma ou de outra maneira, sejam eles
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valorizados ou não valorizados, locais ou globais, recobrindo contextos sociais diversos (família, igreja, trabalho, mídias, escola, etc), numa perspectiva sociológica, antropológica e sociocultural. (ROJO, 2009, p. 98).
Pressupõe-se, portanto, que a função da escola vai muito além do ensino da
decodificação da língua e permeia práticas sociais de leitura, nas quais as palavras
precisam ser, além de aprendidas, questionadas, criticadas, elaboradas a fim de levarem
o(s) leitor(es) a construir(em) um conhecimento de mundo cada vez mais crítico e mais
pessoal. Kleiman (1995), de certa forma, corrobora com essa ideia ao afirmar que o
letramento deve ser visto como as práticas sociais que utilizam a escrita como sistema
de símbolos nas mais variadas situações sociais.
Retoma-se então alguns apontamentos feitos até o momento: há no texto
sentidos que devem ser observados e compreendidos a partir de uma atividade interativa
do leitor; ao mesmo tempo tais sentidos se inserem em contextos culturais e sociais os
quais devem ser igualmente entendidos, o que dá sentido ao letramento. No entanto, ao
falar-se em contextos sociais, não se pode deixar de mencionar que ali existem
ideologias que são cotidianamente repassadas para todos os leitores. Ideologia é algo
extremamente abstrato, que somente consegue materializar-se a partir das palavras
(BAKHTIN, 2009). Sendo assim, chega-se a um terceiro apontamento: as palavras - dos
mais variados textos - não são neutras, e sim carregadas de valores e intencionalidades.
Isto quer dizer que a palavra pode ser utilizada para a reprodução cultural e social,
promovendo a alienação ou a transformação. A partir do momento que se dispõe a
mostrar isso ao leitor, propõe-se a sua verdadeira formação enquanto ser atuante e ativo
na sociedade perante os significados mais gerais e complexos que ele pode encontrar.
Muitas vezes as intenções tidas a partir das escolhas lexicais do autor ou de uma
construção textual podem influenciar os leitores a uma determinada atitude. Não fosse
assim, o mercado publicitário não teria sucesso algum. A publicidade não só informa,
mas também provoca determinados tipos de comportamento, ou seja, influencia por
meio do uso da palavra (BRETON, 1999). E isso não acontece somente nessa
linguagem, mas em todos os gêneros discursivos, inclusive os textos escritos.
Num sentido geral, a palavra é o meio utilizado para um falante A comunicar
uma mensagem a seu interlocutor B num processo completamente interativo. No
entanto, ela também é utilizada como uma forma de A convencer B. Ou seja, o ser
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humano utiliza a língua para convencer seus pares de algo a ser realizado, de construir
alguns tipos de pensamento e de ter determinados comportamentos. Breton (1999), p.
ex. destaca o fato de que a palavra é usada para exercer um determinado tipo de
violência. Não a violência por meios físicos, mas a violência pela manipulação do
convencimento. De acordo com o autor: “a palavra manipulada é uma violência em
primeiro lugar, com relação àquele sobre o qual se exerce, em seguida, com referência à
própria palavra, na medida em que constitui ela o pilar central da nossa democracia”
(BRETON, 1999, p. 17)
Manipular, neste sentido, significa usar a palavra para convencer, dissuadir,
forjar a realidade. Pode-se, de fato, encontrar alguns estudos que demonstram a forma
como as relações de poder acontecem na sociedade por meio da comunicação (e.g.
VAN DIJK, 2008). Se há relações de poder, há a imposição da vontade de um sobre o
outro, há o convencimento e a palavra é o meio pelo qual isso acontece.
Toda essa discussão leva à reflexão sobre o uso da palavra no contexto do
letramento. Letrar não pode ser apenas visto como alfabetizar, mas fazer uso da palavra,
compreendê-la na sua essência e no seu contexto. Analisar como as palavras são
construídas na sociedade e como elas podem emitir convencimento e poder de uns sobre
outros é, assim, um ato de letramento. Um letramento que envolve a compreensão das
relações linguísticas de um determinado texto e para além disso, as intenções desse
sentido na(s) realidade(s) vivida(s) pelo leitor.
Deve-se letrar para retirar das palavras a opacidade em que elas se encontram
quando são utilizadas para a manipulação, reprodução ou exercício de poder. Deixar a
palavra mais clara, mais transparente é, também, função da atividade de letramento. A
atitude mais coerente que pode-se ter com relação a isso é inserir as práticas de
letramento nos mais variados contextos sociais com a intenção de diminuir a opacidade
dos textos produzidos sob determinadas relações de poder.
Em suma, a formação do leitor vai, de fato, muito além da aprendizagem do
código. Para se formar o leitor, deve-se fazer com que ele entenda não somente a língua
escrita, mas seja capaz de questioná-la, encontrar ali as intencionalidades e imposições,
tornar o texto mais transparente e passível de real compreensão. Nos significados
textuais são trazidos fragmentos de mundo que precisam ser compreendidos a partir do
“modo como o poder político, a estrutura social, o domínio e a desigualdade são
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reproduzidos e contraditados no uso da linguagem” (KUMARADIVELU, 2006, p. 137).
Para questioná-los e analisá-los é necessário antes de tudo compreendê-los e confrontá-
los com as realidades particulares vividas pelos alunos aprendizes.
5-Considerações finais
Viu-se com a discussão apresentada que o processo de interpretação textual não
é simples, mas envolve a interação ativa do leitor a partir da ativação de vários tipos de
conhecimentos. Tais conhecimentos podem ser alterados, modificados e transformados
pela exposição aos conceitos e significados de um texto.
Neste sentido compreender o que o texto traz enquanto significado e integrar
isso com o que já se conhece e com a realidade, faz parte de um letramento
comprometido com a vivência do aprendiz. Mostrar aos leitores aprendizes como se
compreende o que está linguisticamente exposto no texto é função da escola, que
também deveria ter o papel de mostrar a esse aluno como dialogar com esse texto,
replicar os conhecimentos, posicionar-se, entender seu próprio contexto social. Rojo
(2009, p. 114) aponta para o fato de que “são cruciais os letramentos críticos que tratam
os textos, enunciados como materialidades de discursos, carregados de apreciações e
valores que buscam efeitos de sentido e ecos e ressonâncias ideológicas”. Isso nos
possibilita ver que há sim sentidos textuais que estão no texto, mas eles podem, de fato,
serem respondidos e pensados.
O desafio que se coloca para o letramento é justamente repensar os sentidos
textuais nas mais diversas formas de manifestação e tirar dali o que está opaco e é usado
para a reprodução e/ou manipulação. Isso só pode ser feito por meio de um trabalho da
compreensão dos sentidos textuais aliados à reflexão e consideração crítica. Pennycook
(1998) revela essa necessidade ao afirmar que precisa-se repensar o que leva a produzir
a linguagem e as circunstâncias em que é produzida para perceber como as práticas
sociais organizam a existência e a reprodução social.
Não se quer, com a discussão apresentada aqui, esgotar as possibilidades de
pensamento sobre como interpretar um texto e tirar deles conhecimentos para reflexão
crítica. O que se coloca é a necessidade de se pensar o trabalho interpretativo da sala de
aula como uma compreensão de conhecimentos textuais que possibilitam o uso da
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palavra para a contra-resposta, a argumentação, a interação. Ou seja, aponta-se para o
fato da construção de significados textuais para a emancipação do conhecimento
individual e social do leitor.
Referências bibliográficas
BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da linguagem. Tradução Michel Lahud, Yara
Frateschi Vieira, com a colaboração de Lúcia T. Wisnik e Carlos H. D. Chagas Cruz. 13. ed. São Paulo: Hucitec, 2009.
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KLEIMAN, A. Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita Campinas, SP: Mercado das letras, 1995.
__________. Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. 8. ed. Campinas, SP: Pontes, 2002.
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