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¹ Acadêmica do 10º período do Curso de Direito da Universidade de Rio Verde- FESURV

² Professora da Universidade de Rio Verde – FESURV, Mestre em Direito pela UFG.

A INTERRUPÇÃO DA GESTAÇÃO DE FETOS ANENCÉFALOS: O

POSICIONAMENTO CONSTITUCIONAL DO

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Gilson Lima Costa¹

Alexandre Ernesto²

RESUMO

Nos casos de fetos anencéfalos, a

discussão sobre a interrupção da gravidez

ultrapassa as questões políticas e sociais

para alcançar um debate jurídico sem

precedentes na jurisdição nacional, no qual

o Supremo Tribunal Federal posicionou o

mais importante julgamento sobre o

tamanho da própria vida, sopesando a

dignidade da mulher e a dignidade do

nascituro. O presente texto tem por

finalidade o reconhecimento da posição

jurídica adotada pelo Corte Suprema

brasileira quando da aferição do Arguição

de Descumprimento de Preceito

Fundamental n.º 54, com a identificação

dos principais tópicos lá discutidos,

temperados pelo direito comparado, com a

distinção entre as votos vencidos e

vencedores.

PALAVRAS-CHAVE: anencefalia,

interrupção de gestação, aborto, arguição

de descumprimento de preceito

fundamental.

1 INTRODUÇÃO

Sem necessitar de dilação

estatística ou probatória, a interrupção de

gravidez é uma prática conhecida no

mundo inteiro, com os mais variados e

rudimentares métodos que ilegitimam a

vida em qualquer sociedade civilizada. No

Brasil, essa questão vem sendo

amplamente discutida nos fóruns sociais,

ao ponto de se exigir das autoridades

constituídas uma política de saúde pública

para o tema. Vale salientar, que a

dogmática brasileira entendeu por proibir a

prática do aborto somente em dois casos,

considerando-o um crime contra à vida, no

que toca aos dispositivos próprios dos

artigos 124 a 127, do Código Penal, com à

exceção de punibilidade quando houver

risco de vida para a mãe, ou quando a

gravidez for resultado de estupro1, como

bem atestam os incisos I e II, do artigo

128, da Lei Criminal.

1 Segundo a lei material, o estupro é crime

hediondo e consiste em constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça a ter

conjunção carnal ou praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.

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Inobstante a proibição de lei,

percebe-se com fácil averiguação que o

aborto é feito constantemente sem a menor

preocupação com a saúde física e mental

da mulher, sem contar as latentes

discussões filosóficas e dogmáticas que

intentam a proteção do nascituro. Nesse

contexto, o tema proposto é tratado de

forma diferenciada na doutrina

internacional, com países que

irrestritamente proíbem o aborto; outros,

que abriram precedentes nos casos de

anencefalia ou incapacidade de

desenvolvimento ou de sobrevivência

socioeconômica do feto e; alguns, nos

quais não há quaisquer restrições à

interrupção da gravidez.

No evento de feto anencéfalo, a

discussão sobre a interrupção da gravidez

ultrapassa as questões políticas e sociais

para alcançar um debate jurídico sem

precedentes na jurisdição nacional, no qual

o Supremo Tribunal Federal posicionou o

mais importante julgamento sobre o

tamanho da própria vida, sopesando a

dignidade da mulher e a dignidade do

nascituro. O presente texto tem por

finalidade o reconhecimento da posição

jurídica adotada pelo Corte Suprema

brasileira quando da aferição do Arguição

de Descumprimento de Preceito

Fundamental n.º 54, com a identificação

dos principais tópicos lá discutidos,

temperados pelo direito comparado, com a

distinção entre as votos vencidos e

vencedores.

2 ABORTO COMO CASO DE SAÚDE

PÚBLICA

A interrupção de gestação

clandestina vem sendo praticada no Brasil

há muitos anos, constantemente, seja feto

anencéfalo ou não, ceifando vidas e

construindo indignidades, em muitos

casos. Segundo o Instituto de Bioética,

Direitos Humanos e Gênero da

Universidade de Brasília, após a oitiva de

2.002 mulheres nas capitais do país, todas

elas alfabetizadas e com idades entre 18 e

39 anos, diferente do censo comum,

constatou-se que a maioria das mulheres

que abortam não são jovens solteiras, têm

um companheiro e quase 60% delas têm

filhos. Averiguou-se que, em relação ao

grau de escolaridade, quanto maior o nível

estudantil, menor o número de mulheres

que fizeram aborto. Na aferição

demográfica, a região nordeste registrou o

maior número de casos e a região sul

anotou, ao contrário, o menor nível de

cessações de gestação.

A suscitada pesquisa, ainda,

examinou que em cada 100 brasileiras, 15

delas já fizeram pelo menos um aborto e,

nas mulheres com idade superior a 35 anos

e inferior a 39 anos, de cada cinco, uma já

interrompeu a gestação. Quase metade das

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entrevistadas disseram que usaram

remédios para induzir o aborto e 55% delas

foram internadas logo depois.

Hodiernamente, por incrível que

pareça, nota-se o número crescente de

clínicas especializadas em aborto

clandestino, a maioria delas em “fundo de

quintal”, lugares sujos, sem as mínimas

condições de higiene e com profissionais

completamente despreparados. Segundo

dados ilustrados pelo Ministério da Saúde,

a realização de curetagens devido ao

aborto é o segundo procedimento

obstétrico mais praticado no país.

Por assim dizer, vê-se que a

interrupção de gestação é um caso de

política e saúde pública e não uma mera

questão ideológica ou de dogmas

religiosos, no qual um estado democrático

deve conscientizar e prestar a assistência às

mulheres e aos familiares que passam por

esses procedimentos indesejados, diante de

uma verdadeira carnificina que ocorre

dentro dessas “clínicas” de aborto secreto,

espalhadas por todo o país.

Não é possível tratar o aborto

somente do ponto de vista moral ou

religioso, mormente quando se tratar de

fetos inválidos, como os casos que

envolvam nascituros anencéfalos, já que a

celebração de uma nova vida poderia ser

substituída por um ritual de morte. Sim, os

problemas relativos ao aborto devem ser

tratados com políticas públicas que

reconheçam a problemática e intentem

soluções eficazes contra a indignidade

suportada por muitas mulheres.

3 ANENCEFALIA E A

INTERRUPÇÃO DA GESTAÇÃO NOS

DIREITOS NACIONAL E

COMPARADO

Em 1890, foi introduzido no

ordenamento jurídico brasileiro a punição

para a prática do crime de aborto e os

correlatos casos de exceção. Atualmente, a

sustação de gestação só é permitida em

dois eventos legais, no caso de estupro

com o consentimento da mãe ou, quando

incapaz, de seu representante legal e, no

outro caso, quando colocar a vida da

gestante em risco, ou seja, sem qualquer

previsão legislativa acerca dos fetos

anencefálicos.

Em linhas científicas, é

impossível que o feto anencéfalo venha a

sobreviver após o nascimento, pois o seu

desenvolvimento implica numa grave

malformação fetal que resulta da falha de

fechamento do tubo neural que dá origem

ao cérebro e à medula espinhal, levando à

ausência de cérebro, calota craniana e

couro cabeludo. A junção desses

problemas impede qualquer possibilidade

de o bebê sobreviver, mesmo se chegar a

nascer.

Estimativas médicas oferecidas

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pela Federação Brasileira das Associações

de Ginecologia e Obstetrícia apontam para

uma incidência de aproximadamente um

caso a cada mil nascidos vivos. Assinalam,

também, que cerca de 50% dos fetos

anencéfalos apresentam parada dos

batimentos cardíacos fetais antes mesmo

do parto, morrendo dentro do útero da

gestante e, em pouquíssimos passagens

apresentam batimentos cardíacos e

movimentos respiratórios fora do útero,

funções que podem persistir por algumas

horas e, em raras situações, por mais de um

dia. O diagnóstico pode ser dado com total

precisão pelo exame de ultrassom e pode

ser detectado em até três meses de

gestação.

Na lição do Professor Mirabete

(1998, p. 93) o produto da concepção

anencéfala “pode ser dissolvido,

reabsorvido pelo organismo da mulher ou

ate mumificado, ou pode a gestante morrer

antes da sua expulsão. Não deixara de

haver, no caso, o aborto”.

Para Diniz (2001. p.281), o

anencéfalo

pode ser um embrião, feto ou recém-

nascido que, por malformação congênita,

não possui uma parte do sistema nervoso

central, ou melhor, faltam-lhe os

hemisférios cerebrais e tem uma parcela do

tronco encefálico (bulbo raquidiano, ponte

e pedúnculos cerebrais). Como os centros

de respiração e circulação sanguínea

situam-se no bulbo raquidiano, mantém

suas funções vitais, logo o anencéfalo

poderá nascer com vida, vindo a falecer

horas, dias ou semanas depois .

Em análise comparada, nos

Estados Unidos a interrupção da gestação

foi legalizada em 1973, realizado somente

com o consentimento da gestante e nas

primeiras vinte e quatro semanas de

gestação. Essa lei, porém sofreu mudanças,

sendo adequada por cada Estado-membro a

sua situação fática.

No extremo oriente, o aborto é

realizado gratuitamente para a mulher

chinesa que o solicitar, até o terceiro mês

de gestação, também utilizada como

controle demográfico. No Japão, o aborto é

considerado um método contraceptivo, só

autorizado nas primeiras vinte e quatro

semanas de gestação e em casos de riscos à

saúde da mãe, ou ainda por razões físicas e

econômicas. Os custos de todo este

procedimento são arcados pela interessada.

Ressalta-se, porém, que algumas empresas

comumente arcam com este ônus em favor

de suas operárias.

Na Europa, é permitido o

abortamento à mulher francesa

desamparada, cuja gravidez não ultrapasse

a décima semana de gestação, permitindo,

também, o aborto em qualquer fase da

gestação, quando apresentar riscos de vida

materna, com os custos parcialmente

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reembolsados pelo Estado. Na Dinamarca,

a interrupção da gestação é permitida

desde que praticada até a décima segunda

semana de gravidez, em casos de risco à

saúde física e mental da gestante. Na

Inglaterra, admite-se o aborto por um

período mais longo, de até vinte e oito

semanas de gestação, desde que possuísse

o aval de um médico e que fosse realizado

em um hospital, sem custos.

A legislação que vigora desde

1984, em Portugal, concede o direito de

praticar o aborto à gestante até a décima

segunda semana, se a gravidez for

resultado de estupro ou lhe trouxer riscos

de saúde; e até a décima sexta semana se o

feto apresentação má-formação genética.

Entretanto, recentemente, a Câmara dos

Deputados de Portugal aprovou um projeto

de lei, de autoria do Partido Socialista do

país, permitindo a realização de abortos em

hospitais públicos, com até dez semanas de

gestação2.

4 ANENCEFALIA E A POSIÇÃO DO

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Segundo a avaliação do próprio

presidente da Corte Maior, ministro César

Peluso, durante oito anos, a contar de

2 A deputada federal Martha Suplicy elogiou

publicamente a iniciativa portuguesa, letra por

letra: "Portugal é um país religioso, mas que segue a tendência internacional de delegar à mulher o direito de optar ou não pela

gestação".

2004, o Supremo Tribunal Federal se viu

responsável pelo julgamento mais

importante de sua história institucional que

remonta à proclamação da república.

Arguida pela Confederação Nacional dos

Trabalhadores na Saúde, a interposição da

Arguição de Descumprimento de Preceito

Fundamental n.º 54, subscrita pelo

advogado Luiz Roberto Barroso, exigiu da

Corte Máxima a avaliação sobre a

interrupção de fetos inviáveis pela

anencefalia, com a antecipação terapêutica

do parto, diante da comprovação científica

da má formação por defeito do fechamento

do tubo neural durante a gestação.

Numa temática densa e

instigante, uma grande discussão se

estabeleceu entre várias entidades

organizadas no país e posicionou os atores

jurídicos num conceito legal sobre a

promoção da vida, sobre a dignidade da

mulher e sobre a dignidade do nascituro.

Nos argumentos da vestibular,

em síntese, a arguente defendeu que no

caso de anencefalia o cérebro sequer

começa a funcionar e, portanto, não há

vida em sentido técnico e jurídico, pois, de

aborto não se tratava. Como contexto,

pontuou a edição da Lei 9.434, de 3 de

fevereiro de 1997, conhecida como Lei dos

Transplantes, que dispõe sobre a remoção

de órgãos, tecidos, e partes do corpo

humano para fins de transplante e

tratamento, sempre precedida pelo

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diagnóstico de morte encefálica, constatada

e registrada por médicos, mediante a

utilização de critérios clínicos e

tecnológicos definidos pela resolução n.º

1480, do Conselho Federal de Medicina,

que considera a parada total e irreversível

das funções encefálicas equivalente à

morte, por consequência de processo

irreversível e de causa conhecida.

Apontou, por derradeiro, a proteção do

princípio da dignidade da mulher para não

dispor o seu útero ao juízo da sociedade.

No dia 12 de abril de 2012, após

dois dias de debate, o Supremo Tribunal

Federal decidiu que as mulheres grávidas

de fetos sem cérebro poderão optar por

interromper a gestação com assistência

médica. Em votação dividida, por 8 votos

favoráveis e 2 votos contrários, os

ministros definiram que o aborto em caso

de anencefalia não é crime. A decisão, no

entanto, não considerou a sugestão de

alguns ministros para que fosse

recomendado ao Ministério da Saúde e ao

Conselho Federal de Medicina que

adotassem medidas para viabilizar o aborto

nos casos de anencefalia. Também foram

desconsideradas as propostas de incluir, no

entendimento do Supremo, regras para a

implementação da decisão. Os magistrados

entenderam que não há vida em potencial,

baseados na convicção que o feto

anencéfalo é um natimorto biológico.

O voto do ministro Marco

Aurélio foi acompanhado pelos ministros

Ayres Britto, Luiz Fux, Joaquim Barbosa,

Rosa Weber, Gilmar Mendes, Carmen

Lúcia e Celso de Mello. Ricardo

Lewandowski e Cezar Peluso, presidente

da corte, votaram contra. O caso foi

julgado por 10 dos 11 ministros que

compõem a Corte, pois o ministro Dias

Toffoli não participou porque se declarou

impedido, já que, quando era advogado-

geral da União, se manifestou

publicamente sobre o tema, a favor do

aborto de fetos sem cérebro.

O acórdão prolatado entendeu

que o bebê anencéfalo é geralmente cego,

surdo, inconsciente e incapaz de sentir dor,

apesar de que alguns deles possam viver

por minutos, a falta de um cérebro descarta

complementarmente qualquer

possibilidade de haver consciência, e o

impedimento da interrupção da gravidez

sob ameaça penal equivaleria à tortura.

Disse a ministra Carmem Lúcia:

[...] faço questão de frisar que este

Supremo Tribunal Federal não está

decidindo permitir o aborto. [...] Não se

cuida aqui de obrigar. Estamos deliberando

sobre a possibilidade jurídica de um

médico ajudar uma pessoa que esteja

grávida de feto anencéfalo de ter a

liberdade de seguir o que achar o melhor

caminho”, disse Cármen Lúcia.

Por sua vez, o ministro Ayres

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Brito declarou que a interrupção da

gestação de feto anencéfalo

é um direito que tem a mulher de

interromper uma gravidez que trai até

mesmo a ideia-força que exprime a

locução „dar à luz‟. Dar à luz é dar à vida e

não dar à morte. É como se fosse uma

gravidez que impedisse o rio de ser

corrente”, afirmou o ministro Ayres Britto,

cujo voto definiu a maioria dos ministros a

favor do aborto de feto anencéfalo.

Celso de Melo destacou que a

gravidez de anencéfalo não pode ser taxada

de aborto, uma vez que o aborto pressupõe

gravidez em curso e que o feto esteja vivo

e, mais, a morte do feto vivo teria que ser

resultado direto e imediato das manobras

abortivas.

Por outro lado, sem frutos, a tese

vencida tentou fazer prevalecer a

afirmativa na qual não se saberia definir ao

certo o que é um bebê anencéfalo,

postulando que a declaração legal do

aborto de tais bebês deveria ser rejeitada

pela simples indeterminação do objeto,

pois, um objeto indeterminado não poderia

ser apreciado. Asseverou que pela

imprecisão conceitual, por exemplo, não se

julgaria se as pessoas calvas têm direito à

vida, se os anões devem ser condenados à

morte, ou, se os feios devem ser

confinados em prisões. Nesse passo, a

simples imprecisão impediria o acesso ao

mérito da causa

Quanto à anencefalia, a tese

minoritária buscou esclarecer que é

impossível recorrer à genética para definir

um anencéfalo, já que os estudos médicos

não conheceriam precisamente o gene

responsável pela anencefalia. Ao que tudo

indica, ela seria uma má-formação

adquirida, e não congênita.

Na qualidade de amigo da corte, a

Confederação Nacional dos Bispos do

Brasil peticionou nos autos com a

finalidade de sopesar a tese de que apenas

o Congresso Nacional poderia legislar

sobre o tema, posto que não seria

atribuição da Suprema Corte modificar a

lei penal, legalizando o aborto. Para tanto,

valeu-se dos princípios da inviolabilidade

do direito à vida, da dignidade da pessoa

humana e da promoção do bem de todos,

sem qualquer forma de discriminação.

Alistou que a legalização do aborto de

fetos erroneamente diagnosticados com

anencefalia descartaria um ser humano

frágil e indefeso, já que a ética que proíbe

a eliminação de um ser humano inocente,

não aceita exceções. Os fetos

anencefálicos, como todos os seres

inocentes e frágeis, não poderiam ser

descartados e nem ter os seus direitos

fundamentais vilipendiados.

Em outras palavras, a

Confederação dos Bispos protestou pelo

pleno respeito à dignidade e à vida do ser

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humano, não importando o estágio de seu

desenvolvimento ou a condição em que ele

se encontra, ao ponto que a procedência da

arguição nada mais seria que um apelo à

cultura da morte, configurando-se num

menosprezo pela vida humana.

Como visto, foram vencidos os

votos proferidos pelos ministros Ricardo

Lewandowski e Cezar Peluso.

Lewandowski não entrou profundamente

no mérito do crime contra a vida de um

incapaz, mas, se ateve em dizer que a

demanda não deveria ser tratada pelo

Judiciário, e sim, pelo Legislativo, visto

que a competência de representação

legislativa popular representaria uma real

usurpação da teoria da tripartição dos

poderes. Peluso foi mais incisivo,

afirmando que a única diferença entre o

aborto e o homicídio seria o momento de

sua execução, letra por letra:

[...] todos esses casos retratam a „absurda

defesa em absolvição da superioridade de

alguns, em regra brancos de estirpe ariana,

homens e ser humanos, sobre outros,

negros, judeus, mulheres, e animais. No

caso de extermínio do anencéfalo encena-

se a atuação avassaladora do ser poderoso

superior que, detentor de toda força,

infringe a pena de morte a um incapaz de

prescindir à agressão e de esboçar-lhe

qualquer defesa.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a votação favorável pelo

aborto de fetos anencéfalos, cabe agora a

gestante decidir se deseja ou não dar

prosseguimento a gestação, porém, não

basta ser legalizado esse procedimento,

tem o Estado o dever de prestar a

assistência integral à mulher e dar a ela as

condições profissionais de saúde para que

se realize a interrupção da gestação

anencéfala com a máxima segurança

hospitalar.

Como visto, conquanto à

Arguição de Descumprimento de Preceito

Fundamental n.º 54, a temática discutida

no Supremo Tribunal Federal não

fortaleceu a morte em desfavor da vida em

potencial, ao contrário, sobrepujou a

democracia do estado livre de fato e de

direito sem intervenções na vida particular

de seus cidadãos, deixando para a própria

mulher a decisão sobre o que fazer com

seu próprio corpo, sem ingerências sociais.

Imortalizado pelas circunstâncias,

por fim, lembra-se para a temática proposta

a afirmativa por vezes repetida por Martin

Luther King: “[...] não somos o que

deveríamos ser, não somos o que iremos

ser, mas, graças a Deus, não somos o que

éramos”.

REFERÊNCIAS

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Federativa. 1988.

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-decide-por-8-2-que-aborto-de-feto-sem-cerebro-

nao-e-crime.html