A INTERVENÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL EM GRUPOS … · 1 a intervenÇÃo do serviÇo social em grupos...
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A INTERVENÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL EM GRUPOS MULTIFAMILIARES
COM FOCO NO ABUSO SEXUAL: DESAFIOS E POSSIBILIDADES
Camila Gabriel Meireles Amorim1 –
Camilla Rezende de Mello Mendonça2 –
Karina Aparecida Figueiredo3 –
RESUMO
Esse artigo tem como objetivo identificar a possibilidade de intervenção do assistente social
em grupos multifamiliar com foco no abuso sexual. Para tanto, foram utilizadas como base de
análise o trabalho realizado por assistentes sociais em grupos multifamiliares, em dois
Centros de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS de Brazlândia e
Taguatinga, regiões administrativas do Distrito Federal – DF. Com base nas informações
sobre os encontros grupais, bem como, a intervenção do assistente social em cada encontro,
observou-se a possibilidade de intervenção do profissional, asseguradas a garantia da
efetivação da competência profissional.
Palavra – Chave: grupo multifamiliar, abuso sexual, CREAS, intervenção profissional.
1 Assistente Social lotada na Secretaria Adjunta de Desenvolvimento Social do Distrito Federal, Mestre em Psicologia pela
Universidade Católica de Brasília – UCB; 2 Assistente Social lotada na Secretaria Adjunta de Desenvolvimento Social do Distrito Federal, Especialista em Trabalho
Social com Famílias pelo Instituto Aleixo; 3 Assistente Social lotada na Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, Mestre em Política Social pela Universidade
de Brasília – UnB, Docente no curso de Serviço Social da Universidade Católica de Brasília – UCB;
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Introdução
A presente proposta de estudo surgiu a partir da intervenção das autoras como
assistente social no Centro Referência Especializado de Assistência Social – CREAS, sendo
que, em lotações diferentes: uma na região administrativa de Brazlândia e a outra na região
administrativa de Taguatinga – DF.
Por se tratar de equipamento que atua no enfrentamento a situações de violência,
e, considerando a complexidade do fenômeno da violência e os impactos na vida das famílias
e seus indivíduos, a atuação dos profissionais do CREAS ocorre por instrumentos de
intervenção diferenciados, como entrevistas de acolhida/atendimento, acompanhamento
individuais e familiares e atendimentos grupais específicos para cada situação de violência ou
não.
As intervenções desses profissionais estão em consonância com a Política
Nacional de Assistência Social de 2004, que define que as ações nos equipamentos da
Assistência Social devem priorizar a matricialidade familiar, ou seja, a família no centro das
ações, definida ainda “um espaço privilegiado e insubstituível de proteção e socialização
primárias, provedora de cuidados aos seus membros, mas que precisa também ser cuidada e
protegida” (PNAS, 2004, p.41).
A perspectiva do atendimento grupal por meio do grupo multifamiliar foi trazida
por uma equipe de psicólogos lotados em 2009 juntamente com outros profissionais, entre
eles assistentes sociais, na Secretaria Adjunta de Desenvolvimento Social, órgão que executa
a Política Pública de Assistência Social no Distrito Federal.
As primeiras experiências de grupo multifamiliar foram executadas no Centro de
Referência Especializado de Assistência Social – CREAS da Ceilândia - DF. A experiência
desse tipo de atendimento foi considerada exitosa no que tange a otimização do alcance que
os profissionais na compreensão dos impactos para a proteção e desproteção desse tipo de
violência no arcabouço das relações familiares e seus indivíduos. Desse modo, a experiência
foi experimentada em outros equipamentos de CREAS no Distrito Federal, dentre eles:
Brazlândia e Taguatinga.
Na execução dos grupos multifamiliares nesses diferentes equipamentos havia não
só intervenção de profissionais da Psicologia, mas também de profissionais do Serviço Social.
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Conseqüentemente surgiam os questionamentos sobre qual o papel do assistente social nesses
grupos de acompanhamento?
Assim, com base nos diversos questionamentos sobre a atuação do assistente
social em GM, buscou-se aprofundar tal análise sendo objetivo desse trabalho é identificara
possibilidade de intervenção do assistente social em grupos multifamiliar com foco no abuso
sexual.
1. Aparato Crítico
Diante da proposta desse trabalho faz-se necessário, ainda que maneira aparente
evidenciar que a metodologia do grupo multifamiliar encontra-se como uma das
possibilidades de instrumento técnico operativo do Serviço Social.
Apesar de a abordagem com grupo pelo Serviço Social ser reconhecida pelo
CFESS, através da resolução n.569/2010, o estudo realizado por Amorim (2013) na
Universidade de Brasília – UnB apresenta um dado relevante: na busca por artigos científicos
que trabalhassem especificamente a abordagem de grupo pelo Serviço Social, num universo
de 129 artigos, nenhum trazia essa técnica, como tema central. Tal dado em certa medida
pode suscitar a ausência de estudo desse instrumental e suas especificidades e também uma
desqualificação deste pela categoria.
Mioto (2009) problematiza em seu artigo que os textos produzidos por assistentes
sociais sobre as questões técnico-operativas têm, de maneira geral, se concentrado na
discussão das bases do projeto ético-político e na necessidade de transformação da
intervenção profissional, mencionando apenas nas suas últimas páginas os processos de
construção das ações profissionais. Essa postura, ao privilegiar a sua adesão às
transformações estruturais, à discussão da garantia dos direitos e à luta pelo acesso aos
serviços, não tem abordado em profundidade o conjunto de conhecimentos específicos que
circundam o “fazer profissional” e que poderiam qualificar as ações dos assistentes sociais.
Em termos de norma legal, o CFESS não faz nenhuma associação entre as práticas
terapêuticas com a abordagem com grupo. Ao contrário, a resolução 569/2010 preconiza e
valida intervenções profissionais que atendam a mais de um usuário simultaneamente:
Art. 2º. Para fins dessa Resolução consideram-se como terapias individuais, grupais
e/ou comunitárias:
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a. Intervenção profissional que visa a tratar problemas somáticos, psíquicos ou
psicossomáticos, suas causas e seus sintomas;
b. Atividades profissionais e/ou clínicas com fins medicinais, curativos, psicológicos
e/ou psicanalíticos que atuem sobre a psique.
Art. 3º. Fica vedado ao Assistente Social vincular ou associar ao título de assistente
social e/ou ao exercício profissional as atividades definidas no artigo 2º desta
Resolução;
Parágrafo primeiro – O Assistente Social, em seu trabalho profissional com
indivíduos, grupos e/ou famílias, inclusive em equipe multidisciplinar ou
interdisciplinar, deverá ater-se às suas habilidades, competências e atribuições
privativas previstas na Lei 8662/93, que regulamenta a profissão de assistente social.
Parágrafo segundo – A presente Resolução assegura a atuação profissional com
indivíduos, grupos, famílias e/ou comunidade, fundamentada nas competências e
atribuições estabelecidas na Lei 8662/93, nos princípios do Código de Ética do
Assistente Social e nos fundamentos históricos, teóricos e metodológicos do
Serviço Social previstos na Resolução CNE/CES/MEC nº 15, de 13 de março de
2002, garantindo o pluralismo no exercício profissional. (BRASIL, CFESS,
Resolução nº 569, de 25 de março de 2010)
No trabalho social com famílias, no âmbito da Assistência social,
dispõe-se de várias ações que podem ser realizadas em particularizadas ou em grupos. As
ações particularizadas são aquelas prestadas pelos técnicos (assistentes sociais, psicólogos,
outros profissionais, conforme NOB/RH) ao indivíduo ou à família, podendo ser considerada
o todo ou apenas um representante.
As ações em grupo são aquelas onde formam-se pequenos grupos com
interesses e características comuns e que visam a troca de experiências, bem como propiciam
a problematização reflexão crítica sobre as vulnerabilidades sociais vivenciadas.
Nesse sentido, o acompanhamento familiar em grupo pode ser
apropriado para criar espaço de convivência e troca entre as famílias que tenham em comum
as situações de vulnerabilidade às quais se deseja responder. Portanto, é importante que o
grupo seja constituído de famílias que tenham afinidades e características semelhantes, de
modo a facilitar o processo de compartilhamento de experiências e ideias e de reflexão sobre a
realidade social.
Nessa perspectiva, metodologia do grupo multifamiliar que surgiu no
início da década de 50, a partir do atendimento às famílias de pacientes psicóticos,
denominada terapia familiar múltipla (Laquer, 1976; 1983 apud Costa, Almeida, Ribeiro,
Penso, 2009), tem como principal vantagem, a partir desse formato de intervenção, a
probabilidade das famílias terem maiores possibilidades de comportamento pela pressão ou
aprovação do grupo. Essas mudanças se dão por semelhança, quando as famílias presenciam
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em outras seus conflitos, e por identificação, quando os pais e mães aprendem com outros as
soluções já encontradas (COSTA, ALMEIDA, RIBEIRO, PENSO, 2009).
Outra vantagem apontada pelos autores é que o grupo é aberto e as famílias vão
nele ingressando ou deixando-os conforme acharem conveniente. Além disso, a seleção das
famílias é feita de modo a reunir aquelas que vivenciam situações semelhantes (COSTA,
ALMEIDA, RIBEIRO, PENSO, 2009).
2. METODOLOGIA DA PESQUISA
2.1 Contexto da realização dos encontros familiares
O GM para famílias que vivenciam situações de abuso sexual ocorreu no CREAS
de Brazlândia e no CREAS Taguatinga com 05 encontros. Os participantes eram famílias e
seus indivíduos que estavam em acompanhamento nesses equipamentos.
Os grupos ocorreram durante os meses de abril e maio de 2014, por 05 semanas
seguidas (coincidentemente os grupos realizados no CREAS Brazlândia e no CREAS
Taguatinga ocorreram no mesmo período e com a mesma quantidade de encontros), sendo
que cada semana acontecia um encontro. Os temas de cada encontro são pré-determinados
(COSTA, ALMEIDA, RIBEIRO, PENSO, 2009) para o trabalho específico com famílias que
vivenciaram situações de abuso sexual, quais sejam:
A) Proteção; B) União para Proteção; C) Auto Proteção; D) Transgeracionalidade; E)
Projeto de Vida;
Participaram do grupo em Brazlândia 04 famílias, totalizando 08 pessoas, sendo 1
idosa, 02 adultos de 20 a 50 anos, 02 adolescentes de 12 a 17 anos, 03 acrianças de 04 a 12
anos. A renda das famílias variava de rendimentos de benefícios de transferência de renda a
famílias com renda proveniente do mercado informal de trabalho, através do trabalho de
diarista e famílias cuja renda é advinda de aposentadoria e pensão alimentícia. Em
Taguatinga, foram 11 famílias, totalizando 38 pessoas, 11 adultos de 20 a 50 anos, 19
adolescentes de 12 a 17 anos, 08 crianças de 04 a 12 anos. Sendo a renda em sua maioria
proveniente da informalidade no mercado de trabalho.
A escolaridade dos responsáveis variava de nenhuma a Ensino Fundamental
Incompleto, enquanto que os adolescentes, em sua grande maioria, frequentavam o Ensino
Fundamental. Já as crianças estavam divididas entre Educação Infantil e Ensino Fundamental
inicial.
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Compuseram a equipe de execução do grupo em Brazlândia de 01 assistente
social, 01 psicólogo e 01 agente social. No CREAS Taguatinga participaram no total 02
assistentes sociais, 03 psicólogas e 05 agentes sociais. Durante a realização das atividades do
grupo, as atividades dos CREAS funcionavam apenas para serviço de orientação aos serviços,
realizado por um agente social designado pela coordenação do equipamento para a acolhida
de demandas espontâneas que porventura poderia surgir.
2.1.1. Resultados
As atividades planejadas e executadas no GM estão todas descritas na tabela
abaixo – CREAS Brazlândia e CREAS Taguatinga seguido da descrição de cada encontro,
dando ênfase ao papel desempenhado pelo assistente social.
Etapas 1º Encontro 2º Encontro 3º Encontro 4º Encontro 5ºº Encontro
Aquecimento Dinâmica de apresentação/
Integração – “Dinâmica da
bola”
Dinâmica de aquecimento –
“o gato e o rato”
Dinâmica de
aquecimento – falar das
suas próprias qualidades
Dinâmica de
aquecimento: falar sobre
histórias das gerações
passadas
Dinâmica de aquecimento:
O que aquelas famílias
pensavam para o futuro?
Discussão Responsá
veis
Divisão de dois grupos
(crianças/adolescente e
adultos)
Divisão de dois grupos
(crianças/adolescente e
adultos) – encenação de
teatro
Divisão de dois grupos –
trabalhar a autoproteção
por meio do cuidado
com o corpo.
Divisão das famílias:
cada família constrói seu
genograma
Cada família foi convidada
a construir seu projeto de
futuro na “amarelinha do
tempo”. Crianças
Adolesce
ntes
Conclusão
Apresentação dos cartazes
com imagens que
representariam proteção
para cada um dos grupos
Os dos grupos reuniram-se
novamente para encenar a
peça de teatro.
Apresentação dos
grupos: o que cada um
aprendeu sobre si?
Apresentação de cada
genograma para todo o
grupo
Reunião de todas as família
e apresentação de seus
projetos de futuro escritos
na amarelinha do tempo.
Ritual
Os pais falaram como
poderiam proteger seus
filhos
Roda em que os pais
garantiam proteção aos
seus filhos.
Entrega da caixinha com
espelho com a
mensagem de que era
muito importante para o
mundo
Cada pai ou responsável
deveria repassar algo de
bom para seu filho,
através da fala: “eu
desejo para meu filho”.
Os pais coroavam os filhos
e lhes colocavam um faixa
escrita: “protegido” e os
pais recebiam o certificado
de pai “protetor”.
Fonte: CREAS Brazlândia/2014
Etapas 1º Encontro 2º Encontro 3º Encontro 4º Encontro 5ºº Encontro
Aquecimento Dinâmica de apresentação/
Integração – “Um apresenta
o outro:
Objetivo estabelecer uma
identificação inicial entre
as participantes.
Dinâmica de aquecimento –
“o gato e o rato”.
Objetivo:
Identificar a rede (Família;
Vizinho; Conselho tutelar;
CREAS; IGREJA...)
Dinâmica de
aquecimento – Filme
“Vida Maria
Corre cutia, crianças no
círculo do meio, correm
com saco de pedras nas
mãos; grupão assiste;
breve discussão sobre o
que viram e link com as
repetições na família.
(elemento surpresa da
repetição, circularidade,
não tem inicio meio e
fim);
Dinâmica de
aquecimento:Se eu fosse um
animal, seria um...,
porque...”
Objetivo: Instigar o
participante a elucidar suas
características pessoais
Discussão Responsá
veis
Divisão de dois grupos
(crianças/adolescente e
adultos)
Divisão de dois grupos
(crianças/adolescente e
adultos) – Resolução de
uma situação problema.
Genograma - auxilia no
resgate da transmissão
geracional da violência.
Subgrupos: adultos .Como fizeram/cuidaram
de vc?
Subgrupo crianças:
Jornal falado – mande
um recado para sua mãe:
o que quero que minha
mãe faça para cuidar de
mim?
Subgrupo adolescentes: idem
-Distribuição de frases que
podem ter impacto diferente
na autoestima (efeitos
positivos e efeitos
negativos). Os participantes
leem e comentam a
importância daquela
situação na vida deles.
(como se sentiriam naquela
situação?);
Crianças
Adolesce
ntes
Conclusão
Apresentação dos cartazes
com imagens que
representariam proteção
para cada um dos grupos
Os dos grupos reuniram-se
novamente para dizerem
como resolveriam as
situações problemas, quem
são as pessoas/instituições
que podemos contar para
resolver a situação
apresentada. Reflexão
sobre a importância da rede
de proteção e apoio
familiar.
Apresentação dos
trabalhos e discussão
sobre o aprendizado das
violências de geração
em geração.
Apresentação de cada
genograma para todo o
grupo
-Espelho: “abra e veja a
pessoa mais importante”.
Ritual
“coelhinho sai da toca”, as
tocas vão tentar proteger o
coelhinho e este também
vai tentar se proteger.
O bebê”: O grupo ficará
em circulo e passará uma
boneca nas mãos de cada
participante.
Bênção dos pais para os
filhos (o que desejo para
meu filho?).
- O que eu não gostaria
de repetir com meu filho
(jogar a pedra na lixeira)
-Gostaria de
fazer...(isso) para cuidar
dos meus filhos
Os pais coroavam os filhos
e lhes colocavam um faixa
escrita: “protegido” e os
pais recebiam o certificado
de pai “protetor”.
Fonte: CREAS Taguatinga/2014
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1)Primeiro Encontro: o tema era “ proteção” e tinha como objetivo discutir com
as famílias o que é a proteção e como garanti-la aos seus membros. A temática proteção sob a
metodologia do grupo multifamiliar envolve também um espaço favorável para se trabalhar
com os participantes as formas de proteção existentes em seu meio familiar e extrafamiliar. É
importante ainda relacionar que é nesse encontro que o assistente social tem a oportunidade
de auxiliar os participantes sobre a importância de se compreender a família como um lugar
de exercitar a garantia de proteção de seus membros.
2)Segundo Encontro: cujo o tema era intitulado “união para proteção” era
discutido o papel de cada órgão de garantia de proteção, tais como o CREAS, o Conselho
Tutelar, o Ministério Público, as delegacias de direito das crianças e adolescentes etc. Através
de teatro encenado pelas famílias era possível verificar a percepção dos participantes sobre a
atuação desses órgãos. O assistente social tinha como importante papel corroborar sobre a
atuação de cada um desses órgãos, informando as famílias como de fato dava-se a atuação
desses equipamentos de proteção e como acioná-los como forma de garantir o direito e
proteção do seu núcleo familiar.
3)Terceiro Encontro: no terceiro encontro cujo tema denominado “autoproteção”
trabalhava-se separadamente os pais e responsáveis e as crianças. O objetivo era discutir
formas de autoproteção. Com os adultos a autoproteção era trabalhado no sentido de “me
conhecer” e assim garantir a autoproteção. Vale ressaltar que durante esse encontro, o
assistente social desenvolve a capacidade do sujeito de perceber no meio social onde vive, a
partir do autoconhecimento.
4)Quarto Encontro: No quarto encontro discutia-se a “transgeracionalidade” e por
meio da construção do genograma. Assim, era possível conhecer as relações estabelecidas
pelas gerações passadas das famílias; as situações de violência vividas de uma geração para
outra, tais como violência doméstica, violência sexual e os vícios tais como o uso abusivo de
álcool. Esse era o momento de discutir os demais temas, como garantia da proteção, os
motivos pelos quais as situações de violência ocorriam e tinha sequência nas gerações
posteriores e “se e como” os órgãos de proteção haviam sido acionados nos momentos
necessários.
5)Quinto Encontro: O último encontro, denominado “projeto de futuro” permitia
trabalhar com os participantes o que podia ser vislumbrado para o futuro da família. Na forma
da “amarelinha do tempo” os participantes tinham a possibilidade de planejar ano a ano. Era
discutida a importância de ter “pé no chão” quanto aos planejamentos, ou seja, o que era
possível de fato realizar de um ano para o outro. Assim, as famílias vislumbravam a
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possibilidade da casa própria, a possibilidade de voltar a estudar e com isso pleitear melhores
vagas no mercado formal de trabalho. Além disso, dentro de planejamento de melhora de
vida, era necessário planejar novas de formas de cuidado e proteção aos filhos.
2.1.1.1. Discussão
O GM apresenta-se como um importante instrumento de expressão do sujeito e da
sua interação com as redes, sejam elas familiares ou institucionais. Destaca-se que diante das
situações de violência sexual, a rede de proteção social, constituída por políticas públicas
garantidoras de serviços, dentre elas, saúde e assistência, devem estar devidamente preparadas
para atuar com esses indivíduos e seus núcleos familiares.
Diante disso, Mioto (2002) problematiza que a crise do Estado de Bem-Estar
Social implica na redução do papel do Estado no âmbito da proteção social, assim, os direitos
dos indivíduos conquistados anteriormente vão sendo reinterpretados. É nesse cenário que as
redes primárias, enfaticamente as famílias, são recolocadas em cena. Elas surgem como
possibilidade de substituição do sistema de direitos social. Nesse contexto é que desenvolve-
se o terceiro setor, em que a sociedade é convidada a participar da gestão do bem – estar.
O que pode-se apontar como mais crítico com essa transferência de
responsabilidade é o aumento do número de pessoas fragilizadas na gestão autônoma da
própria vida e da restrição do número de pessoas em condições de assegurar assistência
necessária para compensar ou fazer frente às dificuldades cotidianas (MIOTO,2002).
Com base no exposto, na contramão da transferência de responsabilização,
imputada pelo Estado, Faleiros (2010) conceitua que a rede como um paradigma de relações
entre os atores históricos, não apenas de partes num todo, ou seja, a rede não existe “para”
alguém ela se constrói e existe “com” alguém.
Distinguir as redes de proximidade é essencial para uni-las na estratégia e na
tática das ações. Desse modo, a rede primária, é constituída pela proximidade com a família,
que a instituição que presta apoio e suporte a pessoa que vivenciou a situação de violência.
A família é a rede mais próxima, articulada as amizades e ao companheirismo, e tem
um papel fundamental na promoção do protagonismo e do respeito ao ser humano,
considerado também as suas contradições nas formas de dominação, autoritarismo,
abuso e opressão. Assim, a pessoa idosa faz parte de uma história de afetos e
desafetos não é um ser a parte da família. O idoso é família. Por isso, na política da
família, é fundamental considerar sua intergeracionalidade e a multigeracionalidade
(Faleiros, 2010, p. 41).
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A rede secundária é a que presta serviços em nível de apoio e especialização. A
especialização é a busca do aprofundamento de uma dimensão do todo e não sua negação
(Faleiros, 2010).
“O olhar da rede” é um olhar para a multidimensionalidade, um olhar para as
relações constitutivas da própria multidimensionalidade enquanto direito à
educação, à saúde, à assistência, ao lazer, ao trabalho, à cultura, mas é na rede que
são articuladas com o foco na pessoa e no coletivo. Portanto, a integração das
dimensões não pode ser vista apenas como soma das partes, implica, em ruptura
também com o personalismo e a privatização do público. A construção da rede
pública de atenção supõe realmente a compreensão e a efetivação do sentido público
do trabalho em rede (Faleiros, 2010, p. 42).
Desse modo, a atuação no GM, articulado com a rede de proteção primária e
secundária, permite aos participantes a possibilidade de ver o grupo em interação, ao se
expressarem durante os encontros do GM. Os integrantes provocam uma instigação mútua
sobre postura de cada integrante, de forma a promover ao profissional de Serviço Social
possibilidade de fazer circular a compreensão das diferentes formas de convivência das
problemáticas e conflitos surgidos em torno da vivencia familiar e da violência sexual infanto
- juvenil.
Do ponto de vista da realização e articulação do grupo, fazia – se imperativo que
para cada encontro, os profissionais pudessem se reunir anteriormente e discutir a temática
com o intuito de aprofundar o assunto. Além disso, nesse planejamento cabia ainda a
discussão das dinâmicas a ser realizadas pelos profissionais. Esse planejamento é reconhecido
por Mioto (2011) como elementos estruturantes da prática profissional, pois eles dão
sustentabilidade a toda e qualquer ação, no caso do que se discute aqui nesse trabalho,
considera-se elemento estruturante primordial as formas de abordagens aos sujeitos a quem se
destina a ação. Uma forma de atuação atual com as metodologias atuais em que se propõe o
trabalho multidisciplinar no lidar com uma demanda.
Durante a realização de cada encontro grupo cabia ao assistente social o papel de
informar o tema de cada reunião ao grupo, dando inicio as atividades com a dinâmica de
aquecimento. O profissional de Serviço Social, ao introduzir o tema, considera a historicidade
dos núcleos familiares, para que desde a abertura os participantes, possam ir refletindo sobre
os diferentes espaços sociais e a sua ação e vivência em espaços onde haja diferentes
perspectivas protetivas, construídas coletivamente.
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Faz-se imperativo dizer que, os processos de atenção à família fazem parte da
história do Serviço Social. Mioto (2002) cita Neder4 (1996) que defende que os assistentes
sociais são os únicos profissionais que têm a família como objeto privilegiado durante toda a
sua trajetória histórica, ao contrário de outros profissionais que a privilegiam em alguns
momentos.
Desse modo, atuação do assistente social no GM está também relacionada ao
papel de educador, já que em virtude da baixa escolaridade dos participantes, esse
profissional, nas atividades lúdicas, que exigem que a família se expresse, cabia ao
profissional auxiliá-los na reflexão sobre o seu contexto familiar e histórico, empoderando-os
sobre como vislumbrar novas possibilidades de encarar os desafios diários da vida.
Iamamoto (2014) discute sobre a função pedagógica do Serviço Social mediada
pelas políticas públicas, em especial assistência social. O pressuposto é que a função
pedagógica do assistente social:
[...] é determinada pelo vínculo que a profissão estabelece com as classes sociais e se materializa,
fundamentalmente, por meio dos efeitos da ação profissional na maneira de pensar e de agir dos
sujeitos envolvidos no processo da prática. Tal função é mediatizada pelas relações entre o Estado
e a sociedade civil no enfrentamento da questão social, integrada às estratégias de racionalização
da produção e reprodução das relações sociais e no controle social (ABREU apud IAMAMOTO,
2014).
A atuação do assistente social ainda ampliava-se após a execução de cada
encontro do grupo, quando os profissionais reuniam-se para discutir a atividade desenvolvida
no dia, a aceitação da família na participação, pois esse profissional avaliava com os demais
profissionais os direitos sociais da família que estavam sendo violados e a partir dessa
reflexão acionava novos atores da rede; bem como propunha novas formas intervenção;
procedia na solicitação de auxílios sociais em que família estava dentro dos critérios.
Além do mais, há que se considerar o perfil que o assistente social detém durante
o processo de condução das atividades em grupo, sobretudo, quando amplia o olhar dos
participantes para determinada situação e que envolve as outras várias famílias participantes
de forma simultânea.
Considera-se uma habilidade do assistente social, se relacionar com a rede
familiar, pois no GM se lida com todos os membros da família, e nesse processo é possível
que o objeto de discussão naquele encontro circule entre as demais famílias participantes,
convergindo assim à discussão temática em vários momentos do encontro para o
4 NEDER, G. Trajetórias Familiares. Florianópolis, Mimeo, 1996.
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esclarecimento direta e/ou indireto sobre os direitos violados e discutidos de forma ampla
naquele momento.
Acerca das consequências causadas pela violência, o assistente social, de uma
forma geral, durante os cinco encontros, tem a oportunidade de focar sua atuação na
percepção no impacto que essa violência causou a fragilização das relações de proteção entre
seus membros.
A partir desse ponto de vista, a atuação do profissional do Serviço Social, ganha
uma perspectiva totalizante, baseada na identificação dos determinantes socioeconômicos e
culturais das desigualdades sociais. O papel do profissional aglutina leitura critica da
realidade e capacidade critica das condições materiais de vida e a identificação das respostas
existentes no âmbito do Estado e da Sociedade (CFESS, 2011).
Outro aspecto importante na atuação do assistente social no grupo, é a capacidade
que esse profissional tem em identificar as alianças intra e extra familiares que se manifestam
durante as atividades grupais. É comum que as famílias formem alianças intra e extra
familiares, como forma de garantir a proteção e o cuidado do seu núcleo familiar. Dentre
essas uniões afiançadas pelas famílias, destaca-se principalmente, a aproximação com
vizinhos, familiares, conselho tutelar e o CRAS. A formação dessas alianças positivas serve
como base para a intervenção do profissional do Serviço Social, no que tange a continuidade
de intervenção e acompanhamento familiar.
Ao assistente social fica a condução permeada e fundada na habilidade de
correlacionar o papel das redes sociais formada pelas famílias, vizinhos e comunidade, bem
como, pelos atores dos equipamentos do estado e das ONG´s, com o contexto familiar, social
e econômico presentes nas falas das famílias durante a condução, como forma de empoderar a
família e seus membros durante as intervenções sobre como evitar situações de desproteção e
(des) cuidado.
3. Conclusão
A oportunidade de executar o grupo multifamiliar para famílias cujos membros
familiares vivenciaram situações de violência sexual é uma importante e efetiva ferramenta de
intervenção coletiva.
Tratar da atuação do assistente social à luz da proposta metodológica do GM
requer valer da autonomia afiançada pelo Código de Ética do Serviço Social. Autonomia essa
que possibilita refletir o agir profissional diária e continuamente. A proposta do GM à
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primeira vista, pode remeter a uma dificuldade de enxergar a possibilidade de atuação dos
assistentes sociais.
Todavia, a proposta desse artigo, que está lançado à crítica sobre esse instrumento
utilizado pelo assistente social, traz à tona de maneira contundente, a possibilidade que esse
profissional através do seu fazer profissional, tem de trabalhar as redes sociais e familiares, e,
por conseguinte, reflete na emancipação dos sujeitos, como algo totalmente possível, pois é
no grupo familiar que consegue-se encarar de forma objetiva as expressões subjetivas da
violência, na completude multidimensional dessa demanda. Trazendo a tona à tão necessária
dimensão técnico operativa sobre trabalho com famílias.
O espaço de atuação para o profissional do Serviço Social proporcionado pelo
GM é amplo e denso no que tange as variadas possibilidades de atuação com a rede de
proteção social, composta pela pelas políticas públicas setoriais e também, amplo, no que se
refere à atuação envolvendo o núcleo familiar, bem como as suas respectivas relações
familiares.
A partir da aplicação do GM, é possível visualizar, sob a perspectiva do olhar
profissional do Serviço Social, informações acerca da “temporalidade” em que o sujeito,
participante do grupo e seu núcleo familiar se encontram, quanto à vivência da situação de
violência.
Concomitante a isso, o GM é um espaço em que os participantes desempenham o
papel de troca de experiências mútuas, seja em virtude das situações de violências, seja sobre
as possibilidades de garantir proteção aos seus membros, ou até mesmo de como acessar a
rede de proteção social ou direitos sociais, tais como BPC, benefícios eventuais etc.
Esse amplo espaço de intervenção profissional permite uma atuação muito mais
eficiente do assistente social, pois, abre como possibilidade de desempenho desse profissional
sobre o empoderamento dos sujeitos participantes desse processo, isso aliado ao trabalho que
pode ser desenvolvido junto às políticas públicas setoriais, tais como saúde, educação,
habitação etc.
Os desafios da intervenção do assistente social no GM são: 1) é partilhar o espaço
de atuação com o psicólogo, contudo, garantindo que o seu saber e intervenção profissional
seja garantido e reconhecido, como diferente, mas complementar ao do profissional da
psicologia no grupo; 2) reconhecer que o espaço do GM pode ser espaço de atuação do
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Serviço Social, quando abre como possibilidade formas inovadoras de acompanhamento a
famílias açoitadas pela questão social; 3) compreender que indivíduos e famílias que
vivenciaram a violência sexual, seja no âmbito familiar ou extrafamiliar, é sim, espaço de
atuação e intervenção do Serviço Social, pois esses sujeitos não estão acometidos apenas
pelos traumas emocionais gerados pela violências, mas também pelo contexto de pobreza,
desproteção e descuidado do Estado; desemprego e falta de acesso aos direitos fundamentais
básicos.
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