A Intolerância Travestida de Libertação

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A intolerância travestida de libertação – O caso da proibição do véu islâmico na França O véu islâmico, elemento tradicional da cultura muçulmana, tornou-se ponto central de um caloroso debate na sociedade francesa com extensão em todo o mundo, após a aprovação da lei 1192, publicada em outubro de 2010, que proíbe o uso de signos religiosos nas escolas e repartições públicas daquele país. Segundo o Parlamento Francês, a laicidade, ou seja, a separação entre Estado e religião, é "a pedra fundamental da República, o conjunto de nossos valores comuns de respeito, tolerância e diálogo". E a decisão foi tomada com base no relatório Stasi - nome do presidente de uma comissão que analisou durante cinco meses a aplicação do princípio da laicidade na França - que defende a proibição de símbolos religiosos ostensivos (como véus islâmicos, quipás e grandes crucifixos) nas escolas, hospitais e edifícios da administração pública. A comissão consultou vários setores da opinião pública, entre eles, professores, líderes religiosos, sociólogos e políticos, antes de entregar as recomendações ao presidente francês. Mas estariam as leis da França acima da Declaração Universal dos Direitos Humanos, paradoxalmente, introduzida após a Revolução Francesa? Esta Declaração em seu artigo 18 diz o seguinte “Todo homem tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença pelo ensino, pela

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A intolerância travestida de libertação – O caso da proibição do véu islâmico na

França

O véu islâmico, elemento tradicional da cultura muçulmana, tornou-se ponto

central de um caloroso debate na sociedade francesa com extensão em todo o mundo,

após a aprovação da lei 1192, publicada em outubro de 2010, que proíbe o uso de signos

religiosos nas escolas e repartições públicas daquele país.

Segundo o Parlamento Francês, a laicidade, ou seja, a separação entre Estado e

religião, é "a pedra fundamental da República, o conjunto de nossos valores comuns de

respeito, tolerância e diálogo". E a decisão foi tomada com base no relatório Stasi -

nome do presidente de uma comissão que analisou durante cinco meses a aplicação do

princípio da laicidade na França - que defende a proibição de símbolos religiosos

ostensivos (como véus islâmicos, quipás e grandes crucifixos) nas escolas, hospitais e

edifícios da administração pública. A comissão consultou vários setores da opinião

pública, entre eles, professores, líderes religiosos, sociólogos e políticos, antes de

entregar as recomendações ao presidente francês.

Mas estariam as leis da França acima da Declaração Universal dos Direitos

Humanos, paradoxalmente, introduzida após a Revolução Francesa? Esta Declaração

em seu artigo 18 diz o seguinte “Todo homem tem direito à liberdade de pensamento,

consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a

liberdade de manifestar essa religião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto e

pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular". Como resta

evidente após a leitura do dispositivo, a liberdade de religião se caracteriza por ser um

direito humano universal e tem essa prerrogativa todo e qualquer indivíduo que deseje

manifestar a sua crença, em público ou particularmente.

O Estado francês não pode se eximir em relação ao cumprimento de disposições

consagradas universalmente, devendo evitar, a todo custo, qualquer expressão de

intolerância, racismo ou xenofobia, sob pena de caminhar contra os avanços normativos

alcançados. A lei 1192, aprovada no Parlamento e referendada pelo Presidente é uma

lição de intolerância travestida de “libertação”. Afinal, o país apenas jogou para o

âmbito do privado a suposta opressão das mulheres islâmicas. Apesar do aparente

conflito principiológico, não podem incorrer em uma postura paradoxal. Afinal, a

liberdade em todas as suas expressões e, sobretudo, a fraternidade - assim como o

laicismo – são alicerces sobre os quais, teoricamente, erigiu-se a Revolução Francesa.