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A “invenção maravilhosa” – sobre

a qual escrevia o astrofísico de Módena,

Ottavio Finetti, sob o pseudônimo

de Geminiano Montanari, tratando

da moeda, que ele já entrevia como

um meio pelo qual cada homem, estando

em sua casa, podia prover-se de “todas

as mercadorias” e desfrutar delas, uma

vez que “todo o globo terrestre” havia

se tornado quase como “uma única

cidade” – se não tivesse sido descoberta

por ele há mais de trezentos anos,

poderia ser a melhor descrição possível

das atuais transações eletrônicas

(comércio e moeda), efetuadas através

da rede de internet.

Pelo contrário, o dinheiro era ainda

metal sonante, e as mercadorias eram

transportadas pelos navios das grandes

companhias do capital comercial,

o qual apenas incubava o capitalismo

propriamente industrial.

Uma tal circunstância deve fazer refletir.

Ainda que homem de inteligência sutil

e observador atento de tudo o que

podia divisar em volta dele – assim que

ele deve sua fama à notável descoberta

da variabilidade da estrela Algol – mas,

talvez, exatamente por essas razões,

Finetti não fez senão observar

as potencialidades universais do dinheiro

que se estava rapidamente transformando

em capital em escala mundial.

Por isso, excluindo que ele quisesse

formular profecias, só resta constatar

como o conceito da dimensão e alçada

mundial do dinheiro e do capital

já estivesse plenamente perceptível

a uma mente aguda.

Gianfranco Pala

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TRATADO MERCANTIL SOBRE A MOEDA(1683)

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RAÍZES DO PENSAMENTO ECONÔMICOVolume 7

ISBN 85-89075-05-2

Montanari, Geminiano, 1633-1687Tratado mercantil sobre a moeda (1683) /

Geminiano Montanari ; tradução de Marzia TerenziVicentini. – Curitiba : Segesta, 2006.

p. 223 ; 23cm

Tradução de : Della moneta : Trattado mercantile.

1. Moeda – História. I. Vicentini, Marzia Terenzi.II. Título.

CDD ( 21ª ed.)332.4

Dados internacionais de catalogação na publicaçãoBibliotecária responsável: MARA REJANE VICENTE TEIXEIRA

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GEMINIANO MONTANARI

TRATADO MERCANTILSOBRE A MOEDA

(1683)

Tradução de Marzia Terenzi Vicentini

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Título original: Della moneta – Trattato mercantile

© MARZIA TERENZI VICENTINI, 2006

Capa: DANIELA VICENTINI, sobre Entalhe em micra. Arte mississipiana, séc. IV.Ohio, Ross County.

Editoração eletrônica e finalização: RODRIGO MICHEL FERREIRA

Revisão: SILVANA SEFFRIN

Obra publicada com a contribuição do MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES DA ITÁLIA

Al. Princesa Isabel, 256 / ap. 24Curitiba / PR80410-110Tel.: (41) 3233-8783E-mail: [email protected]: www.segestaeditora.com.br

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SUMÁRIO

NOTA DO EDITOR .................................................................... 9

PROÊMIO ..................................................................................... 15

CAPÍTULO IO QUE É MOEDA. OS MATERIAIS COM QUE É FABRICADA.A GRANDE IMPORTÂNCIA DO SEU USO NA SOCIEDADE HUMANA ......... 19

CAPÍTULO IIDA PROPORÇÃO ENTRE AS MOEDAS E AS COISAS PASSÍVEIS

DE SER VENDIDAS, CONSIDERADA DE UM MODO GERAL ....................... 34

CAPÍTULO IIIDA ALTERAÇÃO QUE SOFREM OS PREÇOS DAS COISAS

EM VIRTUDE DE SUA ABUNDÂNCIA OU RARIDADE,DADA A MESMA QUANTIDADE DE MOEDAS NO MUNDO ......................... 47

CAPÍTULO IVSOBRE O OURO E A PRATA E SUAS PROPORÇÕES

DE VALOR NAS MAIS DIFERENTES ÉPOCAS ............................................ 53

CAPÍTULO VDO VERDADEIRO PREÇO DO OURO E DA PRATA

E COMO CADA UM DELES É PREÇO DO OUTRO ................................... 62

CAPÍTULO VIAS VÁRIAS CAUSAS QUE PODEM ALTERAR A PROPORÇÃO

DE VALOR ENTRE O OURO E A PRATA ................................................ 70

CAPÍTULO VIIDAS MOEDAS DE COBRE E OUTRAS DE PRATA DE LIGA DE POUCO

VALOR E SUA PROPORÇÃO COM AS DE OURO E DE PRATA ................... 74

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CAPÍTULO VIIIDO VALOR DAS MOEDAS EM COMPARAÇÃO COM AS LIRAS

E OS ESCUDOS DE CADA PAÍS, QUE, NO MAIS DAS VEZES,SÃO IMAGINÁRIOS................................................................................ 87

CAPÍTULO IXAO SE DIZER QUE AS MOEDAS AUMENTAM DE VALOR,JÁ QUE VALEM MAIS LIRAS OU SOLDOS IMAGINÁRIOS,DEVE-SE ENTENDER MAIS PROPRIAMENTE QUE AS LIRAS,SOLDOS E ESCUDOS IMAGINÁRIOS DIMINUEM DE VALOR ...................... 97

CAPÍTULO XO EFEITO QUE A MÁ OBSERVAÇÃO DA PROPORÇÃO ENTRE

O OURO E A PRATA PRODUZ NA AVALIAÇÃO DAS MOEDAS ................. 103

CAPÍTULO XITAMBÉM O ABUSO DE DEIXAR CIRCULAR COMO BOAS MOEDAS

COM PESO MENOR CAUSA PREJUÍZO AO PRÍNCIPE E AOS SÚDITOS,FAZENDO ELEVAR DE PREÇO AS BOAS ............................................... 114

CAPÍTULO XIIPREJUÍZOS QUE A ELEVAÇÃO DE VALOR DAS MOEDAS CAUSA

AO ERÁRIO DO PRÍNCIPE E AOS BOLSOS DOS PARTICULARES .............. 120

CAPÍTULO XIIIA INTRODUÇÃO DE MOEDAS DE OURO E DE PRATA ESTRANGEIRAS

COM UM VALOR MAIOR DO QUE SEU VALOR INTRÍNSECO

PRODUZ A ELEVAÇÃO DO VALOR DAS MOEDAS LOCAIS ....................... 137

CAPÍTULO XIVA INTRODUÇÃO DE MOEDAS ESTRANGEIRAS DE POUCO VALOR

COM UM VALOR MAIOR DO QUE SEU VALOR INTRÍNSECO

PREJUDICA E FAZ ELEVAR O VALOR DAS MOEDAS ............................... 148

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CAPÍTULO XVALGUMAS RAZÕES QUE PRODUZEM A ELEVAÇÃO

DE VALOR DAS MOEDAS E OS DANOS JÁ DESCRITOS ............................ 156

CAPÍTULO XVISOBRE ALGUNS BANQUEIROS QUE, NAS PROPOSTAS QUE FAZEM

AOS PRÍNCIPES DE FABRICAR MOEDA, PENSAM EM SEUS PRÓPRIOS

INTERESSES E FAZEM PARECER, FALSAMENTE, QUE DE SUAS

SUGESTÕES RESULTE UM GANHO NÃO SÓ PARA O PRÍNCIPE

COMO TAMBÉM PARA O POVO........................................................... 167

CAPÍTULO XVIIPOR QUE RAZÃO EM TODOS OS ESTADOS SE VÊEM AS MOEDAS

AUMENTAREM E NUNCA DIMINUÍREM DE VALOR ................................ 174

CAPÍTULO XVIIIREGRAS GERAIS PARA AS CASAS DA MOEDA, A PRIMEIRA

DAS QUAIS É QUE OBSERVEM A PROPORÇÃO MAIS COMUM

ENTRE O OURO E A PRATA ............................................................... 183

CAPÍTULO XIXSEGUNDA REGRA: CUNHAR METAL O MAIS FINO POSSÍVEL ................. 196

TÁBUAS DE MOEDAS, PESOS E MEDIDAS .................. 213

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NOTA DO EDITOR

Eça de Queirós, numa carta escrita em Paris no fimdo século XIX, declara com firmeza que, já naquele tem-po, todos tinham sido enganados pela ciência econômica.Ele escreve que, “embrulhados pelas sutilezas balofasda economia política”, chegamos a esquecer o pobre numagrande ilusão de deslumbramento do progresso.

Com efeito, a excêntrica família dos escritores depolítica econômica, no seu conjunto, pode ser divididaem dois grupos: o dos economistas doces e o dos econo-mistas amargos.

Os dois grupos, que têm em comum uma linguagemestranha e pouco compreensível às pessoas que não per-tencem à família, divergem, no entanto, no que diz res-peito à profundidade com que analisam a sociedade.

De fato, os economistas doces são aqueles preocu-pados apenas com o movimento superficial dos aconteci-mentos e tentam tirar proveito rápido e imediato de tudoo que encontram no caminho. Estão prontos para agradaros espíritos ávidos de lucros que vivem com intensidadea banal questão do custo–benefício e que se alimentam devantagens imediatas e particulares. A “balofice” da ciênciados economistas doces tem argumentos que persuadem,maravilham e obcecam a imensa maioria das pessoas. Sãoaqueles que nos enganam, como diz Eça de Queirós, aque-les que enaltecem a riqueza do tempo presente e esque-cem a miséria que a produz. Se fizermos uma compara-ção com o mundo agrícola, seriam os lavradores que sepreocupam prevalentemente com a colheita.

De outro lado, os economistas que chamo de amar-gos seriam os lavradores preocupados sobretudo com a

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GEMINIANO MONTANARI

semeadura, isto é, aqueles que sofrem pela conseqüênciade uma análise feita na profundidade da realidade, costu-ram ligações entre passado e presente, fazem compara-ções, examinam a produção numa escala global. Preparamo terreno para uma colheita futura e constatam com an-gústias e dilaceramentos as pesadas contradições entre asforças produtivas encontradas no presente e as mudançasintuídas e necessárias para desenvolvê-las no futuro. Éuma raça pronta a sacrificar os negócios do dia seguintepara um sucesso a longo prazo. Tais economistas não escre-vem textos amenos abrigados à sombra de esperançasimpossíveis. São textos duros para adestrar o leitor a olhara fortuna de olhos bem abertos, para enfrentar a força doimprevisto.

Geminiano Montanari, aliás Ottavio Finetti, pode,sem dúvida, ser definido como um economista amargo. Aamargura de suas idéias sobre a moeda germina no terre-no das atividades econômicas já globalizadas que se de-fronta com o obstáculo de um sistema monetário ultra-passado e bem complicado. Montanari não cogita aindado papel moeda que já tinha visto a primeira emissão emEstocolmo em 1661, quando foram substituídas moedasque eram grandes placas retangulares de cobre com pesode até uma arroba. E seu pensamento precede, de poucosanos, as emissões de papel-moeda do Banco da Ingla-terra, do Banco da Escócia, do Banco da Dinamarca e aaventura malsucedida do genial John Law, em 1716, naousada tentativa da adoção na França de uma moeda depapel própria para representar a economia moderna.

Matemático e astrônomo, ele escreve sobre moedas,em 1683, quase seguindo os passos de outros brilhantesastrônomos como Nicole Oresme e Nicolau Copérnico.

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NOTA DO EDITOR

Nascido em Módena em 1633, Montanari é contempo-râneo de Isaac Newton, que, além de dirigir na Inglaterraa Casa da Moeda, escreverá, numa linguagem ríspida epenosa, alguns ensaios sobre o valor do ouro, da prata edo guinéu. Observamos esta singular ligação entre econo-mia e astronomia no vocabulário econômico, no qual seencontram várias palavras que são próprias do movimentocíclico dos astros.

Foi na leitura dos Grundrisse de Marx que encon-trei pela primeira vez as idéias de Geminiano Montanari.Surgiu, assim, uma forte curiosidade de saber quem é otal de Montanari que escrevia tão bem sobre a “maravi-lhosa invenção da moeda” para a atividade econômica jáglobalizada. E se é comum deparar com a passagem deMontanari, citada por Marx, em vários textos de econo-mia, observo que poucos puderam chegar a conhecer aobra inteira.

Com esta primeira tradução do texto integral do Tra-tado mercantil sobre a moeda, a Segesta lança certo desafio aosleitores e estudiosos para que realizem, neste texto “amar-go”, uma minuciosa garimpagem de idéias seguindo o ras-tro deixado por Marx. Alguns afirmarão depois que terãoencontrado mais uma obra de idéias inúteis; outros, talvezmais sagazes, poderão fazer uma oportuna reflexão sobreo morbus nummaricus que Montanari compara às doençasda pele, seguindo o pensamento de Antonio Serra, quefazia um paralelo entre a arte de governar e a complexi-dade e incerteza da medicina. Outros ainda poderão serseduzidos por encontrar neste texto a possibilidade depoder prever que uma moeda representante de uma eco-nomia de um pequeno Estado tem condições de enfren-tar e vencer uma luta contra a moeda do império, como

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aconteceu com a moeda da pequena Holanda e a moedado Império espanhol.

Em tempo como este em que vivemos será desejá-vel que alguns pensadores encontrem idéias, na garimpa-gem da velha e amarga obra de Montanari, apropriadaspara organizar defesas contra as impiedosas tempestadesmonetárias que ameaçam no horizonte. Os confusos eintricados cálculos que Montanari faz no seu texto erambaseados ainda na moeda imaginária, não cunhada, queera referência fundamental do sistema monetário euro-peu. Montanari escreve no fim de uma época. Ele esbarracom os problemas mas não constrói soluções.

A “balofa” ciência econômica do nosso tempo, aquelados economistas que chamamos doces, criou com o dólaramericano uma nova espécie de moeda imaginária; algu-ma coisa fora do real, quase uma entidade divina insubsti-tuível e imortal. Mas o dólar hoje aparece como um limãoespremido, uma casca da velha moeda que, apesar deestar protegida até agora por um gigantesco aparato mi-litar, não consegue mais esconder sua estrutura frágil derepresentante das imensas e impagáveis dívidas de umImpério que alguns pensadores consideram já em vias defalência.

O dólar está ainda de pé, talvez por inércia, comono tempo do Montanari estava forte a moeda imaginária.Será uma tarefa difícil tentar encontrar uma soluçãocom a criação de uma nova moeda que não seja vincu-lada a nenhum governo nacional. Parece que a civiliza-ção, doente e perplexa, se encontra numa encruzilhadahistórica. É preciso um remédio e para descobri-lo é opor-tuno, mais uma vez, voltar às origens, à história da moeda.

O EDITOR

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TRATADO MERCANTIL SOBRE A MOEDA

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PROÊMIO

A elevação de valor das moedas que os povos vêmefetuando pouco a pouco, contra toda proibição de seuspríncipes, é uma enfermidade política dos estados queBodin,1 em seu livro Da República, chama de morbus num-maricus. Se tivesse que explicar à qual entre as moléstiasdo corpo ela mais se assemelha, diria àquelas doenças dapele que, com incômodo permanente, não só corroem apele e nos mantêm em contínua agitação, mas, penetran-do às vezes mais adentro, infetam o sangue até nas vísce-ras, afrouxam e impedem as outras funções do corpo,pondo, assim, em perigo a nossa vida. E, realmente, essasenfermidades, tanto no corpo humano como no corpopolítico, dependem de causas tão recônditas, tão difíceisde ser entendidas que se torna muito complicado e extre-mamente arriscado curá-las. Muito mais, diria, em se tra-tando de um corpo político, porque aqueles poucos queentendem a origem delas e aos quais os príncipes, semoutra saída, recorrem para encontrar remédio são, no maisdas vezes, aqueles mesmos cujo interesse particular é queo mal público perdure.

Mas se os príncipes, seus ministros e magistradosentendessem bem desses assuntos, difíceis nem tanto porsua natureza quanto por serem poucos os autores que ostêm explicado com ordem e clareza, não precisariam pe-dir auxílio a pessoas interessadas em prejudicar o pú-blico, pessoas que, por serem más conselheiras, causam

1 Jean Bodin (Angers, 1530 – Laon, 1596), magistrado, economista e pensador polí-tico famoso, defensor da necessidade do Estado absolutista, mas com o poder domonarca limitado pelos Estados Gerais. Sua obra mais importante é Six livres de laRépublique, de 1576, divulgada depois em latim (1586).

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GEMINIANO MONTANARI

aqueles erros de tratamento dos quais descendem os hu-mores mais contumazes desta enfermidade, a qual, infe-lizmente, causando danos e sofrimento ao povo, teminfestado nestes últimos tempos, e continua infestandoainda hoje, não apenas os felicíssimos estados do Vêneto,mas ainda os da Igreja, a Toscana, a Lombardia, o reinode Nápoles e grande parte da Alemanha, sendo própriodesse mal que quando se deixa crescer e enraizar, nãocuidando prontamente dos remédios, não pode depoisser vencido sem que fiquem grandes cicatrizes, tanto noerário do príncipe quanto nos bolsos dos particulares.Entretanto, se se adotarem boas medidas de prevenção,raramente ou quase nunca esse mal poderá acometer oscorpos políticos, ou, ainda que possa surgir, se se minis-trarem prontamente os remédios apropriados, logo podeser debelado.

E são esses remédios que espero indicar, muito bre-vemente e não sem clareza, neste tratado que tencionoescrever, se Deus permitir, desejando fazer com issocoisa que agrade aos contemporâneos e à posteridade emrazão do benefício público que dela possa resultar, e queé o único fim dos meus estudos e da minha dedicação.

Reconheço e confesso estar empreendendo uma obradifícil, laboriosa, e sei muito bem que haverá muitos,entre os membros de órgãos e conselhos administrati-vos políticos especialmente encarregados de discutir esteassunto de interesse público, que dirão – como já tiveocasião de ouvir de mais de um – ser impossível encon-trar uma regra que baste para frear tal prática correnteentre os povos; mas eu não posso perder tão facilmente aesperança de que haja remédio.

Quem reparar que no Grão-ducado da Toscana du-rante um período de sessenta e mais anos, a moeda não

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TRATADO MERCANTIL SOBRE A MOEDA

sofreu nenhuma alteração, mantendo a dobra de ouro sem-pre o valor de 20 liras florentinas, o escudo de prata, de20, os húngaros, de 11,34, os cequins vênetos e os florins,de 12 liras, e que apenas há pouco tempo foram feitasalgumas alterações, ainda não aprovadas pelo príncipe,que eu, em certos escritos meus sobre tal assunto, dis-tribuídos entre muitos amigos meus desde 1680, previtivessem que ocorrer; se reparar também que no EstadoVêneto o cequim, que em 1605 valia 10 liras, de lá paracá, aos poucos, tem dobrado de valor, sendo estimadoatualmente em 20 liras, e tem arrastado consigo o valordas outras moedas na mesma proporção; e se observar,então, que desordem semelhante, aliás, maior, seguiu nosestados ducais da Lombardia, e uma muito maior naPolônia no tempo de Casimiro, quando em apenas doisou três anos o húngaro passou do valor de 6 ao de 12florins, não poderá deixar de perceber, no entanto, quepara esta doença existem meios de prevenção, caso con-trário a Toscana não poderia ter-se conservado sadiapor tão longo tempo, já que não está nas Índias e sim nomeio da Itália, e comercia ininterruptamente com asoutras províncias, afetadas, infelizmente, por tal doença;aliás, ela estaria ainda na mesma boa condição anterior se,limitando-se a mudar a dose, não tivesse descuidado deministrar os verdadeiros remédios aos seus escudos.

Quem, então, atentar para tudo isso, verá quão pou-co fundamento têm os discursos daqueles que, desco-nhecendo tais assuntos, não encontrando onde pisar fir-me por falta de clareza nas noções fundamentais, deses-perando dos remédios, proclamam com absoluta firmezatratar-se de uma doença incurável; e tanto mais se fixamnesta opinião quanto mais vêem ter sido tratada em seuspaíses constantemente, mas inutilmente, com um número

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infindável de editais e proclamações que não surtiramnenhum efeito. Que se refletissem como algum outroestado pôde se esquivar disso por um período de tempotão longo, não teriam razão para se desesperar dessamaneira.

Baste ter-lhe dito isso, leitor, ao iniciar sua leituradeste livro, do qual não deves exigir aquela polidez deestilo nem aquela eloqüência que não professo e nãote prometo. As matérias doutrinárias correspondem, naarquitetura, à ordem toscana, que acaba se deturpandocom ornamentos excessivamente elegantes. Cuidarei,antes, da consistência dos princípios enunciados e daordem na distribuição das coisas a serem ditas, das quaisresulta a clareza.

No entanto, nos primeiros capítulos irei expor algu-mas informações a respeito do antigo valor dos metais edas moedas, e outras noções eruditas que, se fores sôfre-go de entender logo os fundamentos das minhas opiniõesacerca do estado atual das coisas, talvez cheguem a teparecer um tanto distantes do propósito principal; masleias e prossigas com ordem, pois assim verás que delas aluz se irradiará aos poucos e, como ocorre com aquelesque, tendo ficado muito tempo nas trevas, não suporta-riam de súbito uma luz forte, tu também, tendo-te detidoinicialmente na penumbra dessas coisas antigas, chegaráspor fim a ver claro mesmo frente ao sol.

Quanto ao resto, supra as falhas com sua bondade eindulgência, e viva feliz.

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CAPÍTULO I

O QUE É MOEDA. OS MATERIAIS COM QUE É FABRICADA.A GRANDE IMPORTÂNCIA DO SEU USO NA SOCIEDADE HUMANA.

A criatividade humana, que é filha primogênita dointelecto e da necessidade que lhe incutiu a natureza quan-do, totalmente nua e desprotegida, nos expôs ao mundo,tem engendrado posteriormente tantas e tão maravilhosasinvenções, multiplicadas em cada século, que não só temaplacado, mas também, infelizmente, enchido a nossa pró-pria mente de delícias, de mil novos gêneros de desejos eprazeres. No entanto, entre todos os achados que ela temproduzido até agora para benefício universal, eu tenderiafacilmente a conceder o primeiro lugar à moeda, uma vezque o ouro e a prata, em si tão menos resistentes que oferro, mesmo que não ficassem de todo inutilizados, po-deriam ser destinados apenas a poucos usos necessários.E é graças a esta invenção que se tem tornado o instru-mento mais necessário da sociedade humana, e tem adqui-rido tamanha força e valor que podem chegar a revirarde ponta-cabeça todos os bens mundanos. E se fossemeles usados apenas em conformidade com as leis do queé honesto e justo, não ouviríamos Boécio se queixar,dizendo:

Ai de mim! Quem foi o primeiro quecavou veios do ouro enterradoe as gemas que amam ficarescondidas – preciosos perigos?

Tampouco ouviríamos as invectivas que muitosoutros pronunciam contra os metais que, entretanto, emsi e pelo uso primitivo da moeda, são tão inocentes que

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mesmo Nosso Senhor não desdenhou valer-se deles aquina Terra e nomear um tesoureiro entre seus apóstolos.

Neste ponto, facilmente poderia estender-me tecen-do longos encômios a esta sábia e utilíssima invenção eenumerando largamente as vantagens que dela tiraram oshomens, tanto nas artes e nas ciências, cujo incrementodepende totalmente da comunicação com outros povosmesmo distantes, quanto nas próprias comodidades quenos tornam a vida menos infeliz e que agora nos advêmdo comércio da terra inteira. Mas não quero entrar nestepélago, uma vez que para fazer com que qualquer umentenda a utilidade desta invenção é suficiente fazer comque imagine o mundo de novo sem ela e considere osinconvenientes que surgiriam se cada um de nós tivesseque ir procurando aqueles a quem sobra o que nos falta,e, mediante uma simples permuta, acertar o ajuste comoutras coisas nossas de que esses tais precisassem.

Também não é fácil determinar qual o metal que foicunhado pela primeira vez. O erudito Davanzati2 deu, defato, a primazia ao cobre, pois, numa sua Lição sobre asmoedas, afirma: “O cobre foi usado desde a Antigüidade, efoi elevado a tão alto ofício mediante uma lei concordadaentre todos os povos.” É opinião dele, então, que asmoedas mais antigas fossem de cobre e que, em seguida,se começasse a empregar o ouro e a prata em pedaços,que depois, necessariamente, passaram a ser pesados e,posteriormente, marcados e amoedados. Sei ao certo queassim foi em Roma, onde se pode verificar claramente

2 Bernardo Bostichi Davanzati (Florença, 1529–1606). A Lezione delle monete (1582),um claro e inteligente compêndio das teorias monetárias da época, é a sua obra maisimportante.

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TRATADO MERCANTIL SOBRE A MOEDA

que, antes de qualquer outro metal, foi amoedado ocobre, por Sérvio Túlio, com a efígie de uma ovelha, esó muito depois a prata, e, por fim, o ouro. Por isso, seantes dos romanos não tivesse existido o uso da moeda,eu concordaria com esse autor. Mas ele também leu nosacro Gênesis que Abraão, que “era muito rico em ouroe prata”, comprou de Efron o terreno para sepultar amulher, pagando-o “400 siclos de prata de moeda públicaboa”, diz a Vulgata, ou, então, “corrente no mercado”,segundo o texto hebraico. Ao próprio Abraão foramdadas mil moedas de prata por Abimelec, além de muitasovelhas e bois. José foi vendido a mercadores madianitaspor seus irmãos por 20 moedas de prata.

Assim sendo, temos certeza de que naqueles tem-pos o mundo, pelo menos nas partes orientais, usava amoeda de ouro e de prata; quanto ao cobre, no entanto,não sei de qual autor Davanzati possa ter tirado a in-formação do seu uso como moeda anterior a estas deouro e prata, de maneira que seja possível afirmar comabsoluta certeza ter sido usado o cobre como moedaantes dos outros metais. Na verdade, Willebrord Snell3levanta dúvidas sobre aquele “pesou a moeda”,4 como senão se tratasse de prata amoedada e o siclo não fosse,naqueles tempos, propriamente uma peça monetária, masum peso determinado, de modo que a afirmação “pesou400 siclos de moeda” equivaleria a “pesou 400 onças deprata”. E realmente o siclo não era apenas a denominaçãode um tipo de moeda, mas também de um determinadopeso, como na Grécia dracma era nome quer de peso,

3 Matemático holandês (Leyden, 1580–1626).

4 Refere-se ao episódio antes mencionado, de Abraão, que pesa a prata para pagarEfron.

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que era a oitava parte de uma onça, quer de moeda, e daíresultou que outras moedas de duas e quatro dracmas sechamassem de didracma e tetradracma. Entre nós a onçanão é só nome de peso, que é a duodécima parte da libra,mas também de comprimento, que é a duodécima partede um pé.

Eu, porém, nem mesmo com esta asserção de Snell,deixaria de crer que o siclo era, de fato, moeda cunhadacom algum selo da autoridade pública, uma vez que otexto bíblico a chama de “moeda pública boa” ou, então,“prata corrente no mercado”. Em Veneza também seusam as dobras e outras moedas de ouro por peso, e,com o marco como unidade de peso, chega-se a dizer,por exemplo, 200 dobras por 197,5 marcos, caso se revelepelo peso que sejam falhas; mas nem por isso as dobrasdeixam de ser moedas públicas, aceitas e correntes entreos mercadores.

Seja o que for, no entanto, é coisa certa que denenhuma outra moeda mais antiga foi feita menção poralgum escritor, de modo que fica evidente que todosaqueles que quiseram dizer-nos quem fossem os primeirosinventores que puseram em uso a moeda se baseiam emconjecturas frágeis, e que a conjectura muito mais segurade todas é dizer que não o sabemos, mesmo que Plíniodiga que o primeiro a ter introduzido o uso de vender ecomprar fosse Basso; que Estrabão conte que as primeirasmoedas foram fabricadas em Egina; Heródoto, na Lídia;Lucano, na Tessália; outros, em Naxos; outros ainda, naÁtica. Todas afirmações vãs, porque, com exceção dahistória hebraica, infelizmente, as notícias das históriasmais antigas que chegaram até nós são muito escassas; e,fora as histórias gregas, não sem suspeitas de mendacidade,e fora as latinas, muito mais certas do que as dos outros

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povos, é vão querer ter conhecimentos certos de épocasanteriores.

Aliás, na própria Grécia, acho eu, é muito difícilchegar a discernir a verdade. Dizem que Teseu, rei deAtenas – que viveu na mesma época em que Fauno rei-nava no Lácio, Laomedonte em Tróia e os Juízes emIsrael –, cunhou moeda e mandou gravar nela a efígie deum touro, fazendo isso quer em memória do Minotauropor ele vencido, quer porque quisesse, também com esterecurso, incitar seus cidadãos a cultivar os campos; mas,por outro lado, muitos anos depois sabemos de Homero,se um poeta pode ser considerado fonte fidedigna, queGlauco trocou suas armas de ouro, que valiam 100 bois,pelas de Diomedes, que eram de ferro e valiam 9. Parece,então, que naqueles países se costumasse mencionar osbois nas contratações como se faz agora com as moedas,sendo comum dizer que uma armadura valia 100 bois euma outra, 9. Do mesmo modo, nos primeiros tempos deRoma, as penas impostas pelas leis em caso de deter-minados crimes eram prescritas em ovelhas: tanto umacomo outra certamente era moeda muito grande e pesada,se, porém, não se tratasse de interpretação equívoca emambos os lugares, e a denominação de bois em Homerofosse, antes, o nome das próprias moedas de Teseu quelevavam impressa a efígie dos bois, e, da mesma forma,em Roma, se aludisse à efígie de uma ovelha impressanas moedas. Quando, então, as leis impunham a pena deum certo número de ovelhas, queriam dizer umas tantasmoedas com a efígie da ovelha, assim como, hoje em dia,denominamos de cavallotti certas moedas lombardas coma efígie de um cavalo e, com designação mais nobre, vá-rias moedas chamam-se luíses, filipes, carlinos, júlios, pau-los, mocenigos etc. do nome de seus príncipes; costume

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que existia também entre os gregos e os asiáticos, que, donome de Filipe da Macedônia e de Dario, rei da Pérsia,denominaram de filipes e darios algumas moedas.

Mas já haviam passado vários séculos depois deTeseu quando Licurgo proibiu aos espartanos qualqueroutra moeda a não ser o ferro bem pesado, a fim de que,com o incômodo das negociações, diminuíssem os de-sejos e fosse posto um freio ao luxo. Se, então, Plutarconos conta que Temístocles, que viveu quatrocentos anosdepois de Licurgo, persuadiu os atenienses a condenarà infâmia Ártmio de Zelea com seus descendentes porter trazido da Média para a Grécia o uso do ouro, nãodeduzo disso de que só então fosse introduzido pela pri-meira vez o uso das moedas na Grécia, porque tal coisa éimpugnada por outras informações do mesmo autor, esim que, depois de o ouro ter sido banido muito tempoantes, este, contrariando as leis da pátria, tivesse procura-do introduzi-lo de novo. Assim, tendo Lisandro mandadode volta para Esparta Filipe, homem, aliás, grande em suapátria e benemérito, confiando-lhe muitos saquinhos deouro cuidadosamente fechados, ganhos na expedição daTrácia, o infeliz, tomado pela avareza, tendo descosidoos fundos dos saquinhos, tirou de cada um não pequenaparte de ouro e, após ter voltado a cosê-los, os entregouaos éforos. E como estes encontraram na boca de cadasaquinho um número escrito que não correspondia aototal contado, ele foi descoberto e obrigado a fugir. Masdiante do fato de um homem eminente ter-se deixadocorromper pelo ouro e ser levado a uma ação tão indigna,os éforos ficaram tão desgostosos que quiseram renovara lei antiga, e, com isso, toda a moeda, exceto a de ferro,ficou banida.

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Isto é tudo quanto pude encontrar relativamente àprimeira introdução das moedas na Grécia. Em Roma, noentanto, é verdade histórica incontroversa que antes deSérvio Túlio não se fabricavam moedas e que ele foi oprimeiro a cunhá-las com a efígie de uma ovelha, sendoque, pelo que sei, ninguém desmentiu tal coisa, atestadapor Lívio, Plínio, Plutarco e outros. É verdade que antesde Sérvio Túlio, nas contratações, se valiam de deter-minados pedaços de metal não marcados, mas apenaspesados, de maneira que aquele rei não fez outra coisasenão cunhá-los, para impedir, com a autoridade pública,as fraudes. Provém, então, de “ovelha” o primeiro nome damoeda entre os latinos, pecunia, enquanto pelos gregos foidita nómisma de nómos, que quer dizer lei ou determinaçãopública, e desta, depois, os latinos derivaram a palavranummus. Chamou-se também de peculium o patrimônio decada um, quer em moeda quer em outras coisas avaliá-veis, e com tão maior razão porquanto, naqueles tempos,as riquezas dos romanos consistiam quase que exclusiva-mente em rebanhos de ovelhas e de bois. A prata, então,não foi amoedada antes de Pirro, rei dos epirotas, ter sidovencido e derrotado no ano de 185 da edificação de Romae 62 anos depois que foi amoedado o ouro.

Entretanto, não são apenas estes três materiais quese têm usado e ainda hoje se usam como moeda em algu-mas partes do mundo, uma vez que para esse fim a criati-vidade humana se serviu e se serve ainda do ferro, doestanho e de outros materiais que não são metais. Nagrande ilha de Sumatra – que muitos estimam ser, e comrazão, creio eu, a antiga Taprobana de Ptolomeu – cunha-se, ainda em nossos séculos, ouro, prata e estanho, e 25moedas de estanho valem um ducado de ouro. Nos tem-pos antigos a Grã-Bretanha – como atesta César em seus

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Comentários – costumava servir-se de moeda de ferro, fei-ta em forma de argolas de determinado peso, talvez pelacomodidade de enfiá-las, assim como, hoje, fazem os chi-neses que fabricam certas moedas, ditas pícis, furadas nomeio, também pela comodidade de enfiá-las e pô-las nopescoço e no ombro sobre paus, estando à mostra detodos, não sem certa ostentação. Dionísio, tirano de Sira-cusa, e os próprios romanos fabricaram moedas de chum-bo e estanho, que depois foram proibidas.

Marco Polo diz que no Catai, naquela época, se usa-va moeda de porcelana, e em Cambaya, folhas de amorei-ra branca; mas acredito que as porcelanas a que ele serefere não sejam aqueles vasos de barro que se fabricamna China e em outros reinos da Ásia e sim aquelas peque-nas conchas brancas que na Itália se costuma chamar deporcellette, das quais estamos certos, por outros testemu-nhos, haver grande uso como moeda em vários lugares daÁsia. Quanto às folhas de amoreira a que ele faz menção,não posso entender como elas, enquanto tais, serviriampara isso; deve tratar-se, antes, de bilhetes de papel feitocom a casca das amoreiras, os quais, como ele mesmoconta em outros lugares, subscritos pelo rei ou ministros,têm valor de moeda, como veremos mais adiante.

Este mesmo autor conta que os tártaros do reino doTibet usam corais como moeda. Na Etiópia alguns povosusam o sal, embora ainda troquem coisa por coisa emsuas feiras. Na ilha de São Tomé, perto da África, abaixoda linha do Equador, têm grande saída as conchas, queantes dissemos ser chamadas em italiano de porcellette eque os portugueses chamam de búzios, uma vez que maisadentro, na Etiópia, circulam como moeda, e, de modoparticular, no reino de Timbuctu, onde, como conta Leão

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Africano,5 tais conchas eram avaliadas em 400 o ducado, e6,75 ducados correspondem a uma onça de ouro, ao pesode Roma. É certo que no país dos azenegues – de quemfala Alvise Cadamosto,6 nobre vêneto – e em outros rei-nos da África usam esses moluscos como moeda miúda.Da mesma forma, na Ásia, por todo o reino e na costa deMalaca, na costa de Bengala no Pegu e em muitos outrosreinos circunvizinhos, conchas semelhantes têm grandecirculação como moeda, e são aceitas nas ilhas de Bor-néu, Bantam, Maldivas e outras, onde, porém, valem tãopouco que uma galinha é vendida por 400 desses molus-cos. Deve-se observar, no entanto, que entre as conchasda Ásia e as da África há esta diferença, que as africanassão todas brancas e as asiáticas têm uma linha amarela nomeio, e apenas estas são aceitas.

No reino de Senegal, Alvise Cadamosto, já men-cionado, conta que aqueles mouros não usavam nenhumtipo de moeda, mas trocavam coisa por coisa. NiccolòConti,7 vêneto, num de seus relatos publicado por Ramu-sio,8 afirma que, em certas partes da Índia, no lugar damoeda se usam uns papéis sobre os quais está escrito onome do rei, que talvez sejam os mesmos a que, comodissemos antes, faz menção Marco Polo, e acrescenta que

5 Geógrafo árabe (Granada, 1485 – Tunis, após 1554). Sua obra, Descrição da África,composta inicialmente em italiano e depois traduzida para o latim, o francês e oinglês, constituiu a fonte primária para o conhecimento do continente negro até oséculo XVIII.

6 Navegador italiano (Veneza, 1432–1488), que, tendo chegado até Cabo Verde porencargo do Infante Henrique de Portugal, deixou interessantes relações de viagem.

7 Viajante e mercador vêneto, fez uma longa viagem até as Índias Orientais entre1414 e 1439, chegando até Sumatra.

8 Giovanbattista Ramusio (1485–1557), humanista italiano, secretário do Senadovêneto, reuniu os relatos das viagens mais famosas com o título Das navegações eviagens, em três volumes.

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tais papéis, no Catai, todos os anos são levados para acasa da moeda para serem renovados, mediante um paga-mento de 2%, e os velhos são atirados imediatamente aofogo. Na Nova Espanha, na América, usavam como moe-da sementes de cacau, que é o ingrediente principal dochocolate, bebida que, trazida daqueles países pelos espa-nhóis, tem-se tornado comum nos dias de hoje tambémna Itália. E Diego Godoy,9 num seu relato, informa quenaquele tempo tal semente valia, cada grão, meio mar-queto, o que me parece um preço bastante alto em setratando de moeda que, semeada, se multiplica.

De qualquer forma, não há dúvida de que os metaisusados mais comumente no mundo são o ouro, a pratae o cobre; aliás, nos reinos onde se usam sementes econchas, estas são utilizadas apenas como moeda miúdado país, usando-se, por outro lado, em quase todos aque-les lugares, a moeda de ouro e de prata.

Tendo visto, então, quais são os materiais que nasvárias nações têm a prerrogativa de ser utilizados comomoeda, pareceu-me conveniente passar à definição da pró-pria moeda, e, ainda que o nome moeda – que no latimprovém de monendo, como se fosse a sua efígie a nosadvertir do valor – sugira que se pode considerar moedaapenas se for cunhada, mesmo assim tomarei esse nomenum sentido mais genérico, compreendendo cada coisaque tenha sido ou seja destinada e empregada para talofício. Parece-me, então, que se possa considerar moedaqualquer metal ou outra coisa que, cunhada ou autenti-cada de outra forma pela autoridade pública, serve como

9 Autor de um relato a Hernan Cortez, em que trata do descobrimento de diversascidades e províncias do México (1528).

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preço e medida das coisas passíveis de ser vendidas, parafacilitar o comércio.

Nesta definição afastei-me bastante da que deuDavanzati, que estatuiu ser moeda apenas a que é compostade ouro, prata ou cobre, uma vez que às outras faltariaaquela universalidade de aceitação que é necessária àessência da moeda. Mas se devêssemos nos ater a isso,por que não excluir também a moeda de cobre, que,normalmente, não tem valor fora dos estados onde éfabricada? Por que negar o nome àquela coisa que cumpreo mesmo ofício e serve, em tudo e por tudo, aos usos aque são destinadas as outras que se prezam de tal nome?De minha parte, ponho a essência da moeda, ou a suarazão formal, como se diz, no fato de ela ser destinada eautorizada a tal ofício pelo príncipe, de modo que tenhacirculação pelo menos nos lugares onde ele governa, e,como tal, sirva de preço e medida de valor das coisaspassíveis de ser vendidas. Quem, pois, poderia negar onome de moeda àquela de estanho que se fabrica emSumatra, ainda mais que, além dos povos daquela grandeilha, os holandeses, e também os ingleses e os portuguesesque comerciam naquelas partes a aceitam e a empregam?Além disso, quem irá contestar tal prerrogativa àquelesbúzios ou conchinhas marinhas que disse terem cursocomo tais não só em vários reinos no interior da África,com os quais os europeus não mantêm senão raro oupouco comércio, mas também nos grandes reinos deBengala, Pegu, Sião, Malaca e em muitos outros, que nãosão parte tão pequena do mundo e mantêm grandíssimocomércio com os europeus?

Bem que gostaria de saber qual o nome que Davan-zati daria às moedas de couro, de papel e de outros mate-riais selados que tantos príncipes, em várias ocasiões de

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escassez de dinheiro, têm fabricado para pagar os solda-dos, com a promessa de substituí-las por outras melhoresquando se tornasse possível, se no tempo em que elastinham validade nada lhes faltou do que se exige de umaverdadeira moeda, e, graças à autoridade e à ordem dopríncipe, ninguém as recusou como preço de qualquercoisa que se contratasse.

Eu, particularmente, não sei de nenhum outro a quemviesse em mente tal expediente e que o levasse a efeitoantes do famosíssimo Domênico Michiel, doge da Repú-blica Vêneta, o qual, em 1122, durante o cerco da cidadede Tiro, na Síria, faltando-lhe dinheiro para pagar assuas milícias, dizem ter fabricado moedas de couro, comque saldou os estipêndios, prometendo a seus soldadosdevolver-lhes moeda boa no lugar daquela tão logo che-gasse auxílio de Veneza; o que foi cumprido pontualmente.Desse modo ele salvou o exército, venceu os inimigos,conquistou a cidade e promoveu a grandeza e a glória dapátria, para a qual voltou triunfante; e, em memória de talfato, ele e seus pósteros introduziram os besantes, ouseja, moedas assim chamadas em razão da antiga empresade seus antepassados, carregando nas barras azuis e deprata que já havia nelas. Em seguida, o imperador Frede-rico II imitou seu exemplo em 1241, na Lombardia, fabri-cando também moedas de couro seladas no meio com umpequeno cravo de prata; e por ocasião de muitos outroscercos mais famosos, entre os quais o de Viena cercadapor Solimão no ano de 1529, foi praticado o mesmo expe-diente, ainda que com moedas todas de prata, de modoque, com razão, se pode considerar a autoridade do prín-cipe a única e verdadeira forma que dá existência à moe-da, seja qual for o material com que é confeccionada.

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Desde seus primórdios a moeda foi tida em contade coisa sacra no mundo, e os erários públicos, assimcomo as casas da moeda, foram guardados nos templosmais venerados ou, pelo menos, se tornaram eles mes-mos lugares de veneração, tendo todas as nações reser-vado unicamente à autoridade de seus príncipes ou sena-dos a faculdade de cunhar moeda. Fazem exceção a issoalgumas coisas que serviram de moeda de pouco valor,tais como os búzios e as sementes de cacau já mencio-nados, que, no entanto, recebiam da aprovação pública senão o selo, pelo menos o valor certo. Por outro lado, nãosei se alguma vez, em algum lugar, tenha sido lícito aosparticulares, ou o seja ainda, fabricar moeda, salvo emMoscou, onde Sigismundo, barão de Herbestein, que foiembaixador naqueles reinos para o imperador, conta serlícito a qualquer ourives converter em moeda a prata quelhe foi trazida, cobrando apenas o pagamento da feitura.Entretanto, o ourives podia fabricá-la tão-somente com aimpressão usada pelo rei, com o mesmo peso e boa quali-dade que prescrevem as leis do príncipe, do contrário iriapagar os erros com sua própria vida. Tal coisa existia quandoaqueles povos eram menos civilizados e entre eles nãomoravam ainda outras populações européias, às quais étão difícil impedir fabricar moedas falsas; por isso, atual-mente, os moscovitas devem se dar conta imediatamentede quão importante é o príncipe ter sua própria casa damoeda, munida de boas e duras leis, e governada porbons ministros fiéis.

Os romanos – embora permitissem, de várias manei-ras, que os príncipes tributários e as cidades confedera-das cunhassem suas próprias moedas –, em seu territóriomais próximo, aliás em toda a Itália, possuíam uma única

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casa da moeda, que guardavam no templo de Juno, emRoma, como coisa sacra, sob a superintendência de trêsimportantíssimos senadores, chamados de triúnviros damoeda. Aquele grande rei de Taprobana, ao ouvir os rela-tos do liberto Ânio Proclamo, tesoureiro dos impostos doMar Vermelho no tempo do imperador Cláudio, que che-gou a ele por um naufrágio, diante da descrição da gran-deza de Roma, não ficou admirado senão quando viu eexaminou as moedas de Roma, reparando que eram todasde uma mesma boa qualidade e peso, ainda que com im-pressões diferentes e, conseqüentemente, feitas por maisde um príncipe ou magistrado. Tendo deduzido disso ajustiça de tão grandes monarcas e movido, então, pelodesejo de ter a amizade deles, mandou a Roma aquelaembaixada solene da qual Plínio nos dá um amplo relato.

Carlos Magno quis apenas uma casa da moeda paratodo o seu império e quis que fosse em seu próprio palá-cio, tão importante considerava preservar as leis e regu-lamentações de suas moedas, sobre as quais se apóia a fépública de todo o comércio. Os turcos também, nos diasde hoje, conquanto em muitas cidades e reinos fabriquemmoedas de prata, isto é, os aspres e pacasos, que são suasmoedas miúdas, para cunhar o ouro têm apenas umacasa da moeda, no Cairo, onde fabricam os xerifes ousultânis, um pouco inferiores ao cequim de Veneza, masnormalmente iguais ou até melhores do que os húngarosda Alemanha. E se tivessem muitas casas da moeda, ocor-reria com os xerifes o que se dá com os aspres, que,cunhados em vários lugares, são falsificados ou reduzi-dos a uma liga pior, não sendo fácil saber qual paxá ostenha fabricado, uma vez que têm todos a mesma impres-são. Ao contrário, caso se encontrassem sultânis de umaqualidade não totalmente boa, pode-se exigir satisfações

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diretamente do paxá do Cairo, uma vez que só ele cunhao ouro.

Em conclusão, são tão importantes estas cautelaspara o bem público e tão grandes os prejuízos que decor-rem das desordens das moedas, que os romanos, que expe-rimentaram tais prejuízos em muitas ocasiões, não sóedificaram um templo à Deusa Moeda, concebida comodivindade tutelar do comércio público, mas prezaram detal forma a reforma feita por Mário Gratidiano – um dostriúnviros das moedas que instituiu a oficina dos que veri-ficam a qualidade dos metais e propôs muitas leis bené-ficas nesta matéria, particularmente por estabelecer ovalor dos victoriati, moeda romana então muito em uso –que o povo, não satisfeito de ter-lhe erguido estátuas emquase todas as ruas, acendia diante delas tochas de cerae queimava incenso como se fosse um deus, pelo queCícero chegou a dizer: “Nunca ninguém unicamente porisso foi mais amado pela multidão.” Não é de admirar,então, que se encontre tão grande número de moedascom a inscrição Sacra Moneta Augg.10

Mas para que procurar entre fatos e costumes antigosos argumentos para persuadir da importância e do apreçoem que se devem ter as moedas, e de quão grande sempretem sido a atenção pública para impedir e corrigir asdesordens delas, quando em toda esta obra as razõesresultarão tão evidentes que qualquer um que queira sedar o trabalho de lê-la não poderá senão ficar persuadido?

10 Sacra Moneta Augusti et Caesari.

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CAPÍTULO II

DA PROPORÇÃO ENTRE AS MOEDAS E AS COISAS PASSÍVEIS DE SER

VENDIDAS, CONSIDERADA DE UM MODO GERAL

Todas as vezes que penso na necessidade que oshomens tinham do comércio e nas comodidades que deleresultaram para suas vidas, não posso deixar de admirar asabedoria e a bondade divina que infundiu à inteligênciahumana as sementes, entre outras, de tão fecunda inven-ção como foi a da moeda, mediante a qual a comunicaçãoentre os povos se tem expandido em todo o globo terres-tre em tal grau que se pode dizer ter-se tornado o mun-do inteiro uma única cidade, onde há uma feira perma-nente de todas as mercadorias e onde cada homem pode,mediante o dinheiro, estando em sua casa, prover-se edesfrutar de tudo o que a terra, os animais e o trabalhohumano têm produzido em outras partes. Invenção mara-vilhosa! Pois, como as coisas foram constituídas por seucriador em número, peso e medida, entre todos os instru-mentos encontrados como medida da quantidade, sejaela dividida ou contínua, seja ela considerada nas coisasenquanto peso ou movimento, tempo necessário para per-correr a distância, volume ou de qualquer outra maneira,nenhum instrumento se pode dizer mais universal do quea moeda, cujo uso chega a medir até os nossos desejos epaixões. Aquele preço, então, que, para satisfazer umavontade, boa ou ruim, nós pagamos de bom grado, é exa-tamente a medida do desejo com que queremos tal coisaa partir do momento em que resolvemos em nós mesmosnão gastar mais do que tanto para obtê-la.

E apenas porque não chega a medir o desejo insaciá-vel dos avarentos é que alguém poderia achar a moeda

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instrumento imperfeito para tanto. Mas a quem a julgasseimperfeita por causa disso, responderia ser próprio dasmedidas medir as coisas finitas, não as infinitas. E ainda,como é próprio das medidas ter uma relação com as coi-sas que elas medem, tal que, de certo modo, a coisa medi-da se torna medida daquela que serve para medi-la, assimocorre que, como o movimento é medida do tempo e otempo é medida do próprio movimento, da mesma forma,as moedas não só são as medidas dos nossos desejos,mas, por sua vez, os desejos são a medida das própriasmoedas e do valor. Por conseguinte, o ouro e a prata nãoseriam tão raros neste mundo se os homens nutrissemmenor quantidade de desejos de comprar, para cuja satis-fação são necessários tais metais.

Aqueles índios que viviam na América, meio nus, compouco luxo e com alimentação muito simples, supriama todas as suas necessidades com pouca moeda; se nósvivêssemos assim, o ouro e a prata nos pareceriam aindamais vis do que eles são, e, sendo empregados em pequenaquantidade na fabricação de moeda, o restante se destina-ria a outros usos, como fazemos com o cobre. Daí advémque Aristóteles, após ter afirmado decididamente que “amoeda mede todos os bens” e que “todos os bens estãosubmetidas ao dinheiro”, acrescenta pouco depois quepara o comércio humano era necessário que “todos osbens fossem pesados e avaliados por uma única determi-nada medida, e certamente tal medida é a necessidade,que regula todas as coisas”. E explica claramente a razãodisso: “Com efeito, se os homens não tivessem necessi-dade de nada, por certo não existiriam contratos ou acor-dos, ou, então, não seriam os mesmos ou nos mesmostermos.”

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Se os homens não tivessem necessidade de nada, senada desejassem, que comércios seriam feitos? E se nãoexistisse o comércio, para que serviria a moeda? São,então, os desejos dos homens medida do valor das coisas.E como a moeda deve corresponder a tal medida, segueque os desejos ou as necessidades são medida do valordas moedas tanto quanto do valor das coisas, e, por suavez, são as moedas medida da necessidade e do desejotanto quanto do valor das coisas, não sendo outra coisa,se pensarmos bem, o valor das coisas senão a estima quefazemos delas em conformidade com as nossas necessi-dades e desejos.

E que alguém não queira mal interpretar a esse res-peito a necessidade de que fala Aristóteles entendendo-anum sentido menos abrangente do que é preciso, semincluir todos os desejos de coisas passíveis de ser vendi-das e conseguidas mediante pagamento, ainda que nemtodas sejam necessárias e sim, a maior parte, voluptuárias.É verdade que o termo necessidade parece referir-se estri-tamente apenas à falta das coisas indispensáveis, de modoque o desejo que eu poderia ter de possuir um quadro deTiciano não poderia dizer-se, própria e rigorosamente,necessidade. Mas quem pretendesse dar à necessidadedas coisas, mencionada em tal texto, limites tão estreitos,teria dificuldade, então, quer em salvar as afirmações dofilósofo, quer em determinar os próprios limites de taisnecessidades, devendo indicar até onde se estende a puranecessidade dos homens e a partir de quando seus dese-jos começariam a ser voluptuários, ao passo que estamosacostumados, infelizmente, a considerar necessidade tudoo que, por não o possuirmos, desejamos. E as mesmascoisas podem ser, para um, voluptuárias e supérfluas; paraoutro, necessárias e oportunas.

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Aliás, quem condena a opulência e o luxo, talvezporque desestabilize algumas famílias que não sabemmedir os desejos segundo suas próprias forças, nem sem-pre vê o prejuízo que a falta de comércio daquelas coisasbanidas causa a tantos artífices e mercadores, pois, se paraum determinado senhor a despesa para manter tão grandenúmero de cavalos, de criados ou para vestir roupas combordados suntuosos pode ser supérflua, esta mesma des-pesa, pelo contrário, pode-se dizer necessária àquelesmuitos artífices e gente pobre que com tal despesa semantêm, e àqueles mercadores que de tal comércio vi-vem e dão do que viver a muitos. Diógenes considerousupérfluas muitas coisas, a ponto de querer que lhe bas-tasse uma pipa para morar e a concavidade da mão parabeber; ele, no entanto, vivia à custa de outros que retira-vam do comércio sustento para si e para ele, e se todos otivessem imitado, talvez não lhe teria agradado nem umpouco ir apanhar bolotas com suas próprias mãos.

Nesse ponto, então, Aristóteles não entendeu refe-rir-se apenas à necessidade de coisas indispensáveis, masa qualquer desejo que nos induz a dar valor às coisas emedir tal valor com o dinheiro; e eu, estando convencidodisso, não tive dificuldade em subscrever a opinião deBernardo Davanzati, que, na obra acima citada, procurouprovar que todos os bens dos homens que estão no co-mércio valem tanto quanto o ouro, a prata e o cobre amoe-dados que também circulam no comércio.

Com efeito, qualquer um pode entender que seuma cidade fosse cercada por inimigos ou bloqueada poroutra razão, e lhe fosse impedido o comércio com gentede fora por um longo período, o preço de todos os bensque nela se encontrassem mudaria; e se possuísse muitoouro e prata e poucos sortimentos, seus cidadãos seriam

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obrigados a comprar a alto preço aquilo de que tivessemnecessidade. E supondo que das coisas necessárias à vidahumana a quantidade fosse sempre a mesma, o preço tam-bém continuaria sempre o mesmo enquanto permanecesseno comércio a mesma quantidade de moeda. É verdadetambém que muitas coisas voluptuárias, muito apreciadasem tempos mais felizes, faltando as coisas simplesmentede primeira necessidade, se reduziriam a um preço muitobaixo, ou nem preço teriam, pois, faltando pão durante oscercos, ele será comprado a um preço bem alto, enquantoas pinturas e outras delícias terão pouquíssimo valor.

Lembro-me ter lido que durante um cerco (e foi ode Casilino, onde agora está a Cápua moderna, cercadopor Aníbal) um indivíduo, tendo capturado um rato paracomer, se deixou levar pela avareza e o vendeu por 200florins a outro faminto, esperando talvez encontrar outrorato para si em pouco tempo. Mas ele morreu de fomebem antes de conseguir encontrar outro, o que não acon-teceu ao comprador, que com aqueles 200 florins salvousua vida. Mas em casos como esses, todo o ouro e outramoeda que circula durante tais cercos valem tanto quantotodos os bens que estão no comércio, e na mesma medidaem que as coisas menos necessárias diminuem de preçosobem aquelas que são mais importantes para sobreviver.Se, então, como ocorre efetivamente durante os cercos,aos poucos ficam faltando os alimentos, enquanto a quan-tidade de moeda que está no comércio continua a mesma,não é de admirar que se precise de uma porção maiordesta para pagar aqueles poucos alimentos, já que a ne-cessidade deles se torna maior em proporção à necessi-dade da moeda que possuímos. E se, ao contrário, che-gasse um novo reforço de mantimentos, de modo que

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houvesse maior abundância do que antes, de novo todasas coisas baixariam de preço, não por outra razão senãoporque a valoração que fazemos dos bens é medida pelaquantidade de moeda que possuímos, e sempre todos osbens que se encontram no comércio, juntos, valem tantoquanto todo o ouro e a outra moeda que circulam nestemesmo comércio com a finalidade de comprá-los.

E se de uma única cidade passamos a consideraruma província, pressupondo que esteja desvinculada dequalquer outra comunicação com gente de fora, que exerçasuas trocas e seus negócios em seu próprio território,como uma ilha do Oceano desconhecida dos navegantes,ou, então, como os povos chineses, que durante muitosséculos impediram outros povos de se comunicarem comeles, logo resulta evidente que, quanto maior for a quan-tidade de moeda que circula no comércio dentro da áreadaquela província proporcionalmente às coisas passíveisde ser vendidas aí existentes, tanto mais caras serão estas– se se pode dizer cara uma coisa porque vale muito ouronum país onde o ouro existe em grande abundância, ouantes, pelo contrário, se deva dizer vil o próprio ouro, doqual uma grande porção vale tanto quanto outra coisaque em outro lugar é considerada mais vil.

Assim, os mexicanos e outros povos da América,que tinham grande abundância de ouro e prata, mas eramquase totalmente desprovidos de ferro (metal que, dada asua abundância, tornou-se mais vil do que o ouro, já queé tão mais adequado aos usos humanos imediatos), com-pravam de bom grado aos espanhóis um machado a pesode ouro, e zombavam dos vendedores como se fossemuns loucos, dizendo: “Agora quero ver você cortar umaárvore com esse ouro como farei eu com este ferroque você me deu!” Aliás, entre os próprios espanhóis,

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o comércio naqueles países não pôde não sofrer umaalteração de preços altíssima, pois no Peru, onde encon-traram uma quantidade enorme dos metais mais preciosose os habitantes andavam quase que completamente nus,onde não nasciam videiras, não havia cavalos e faltavammuitas outras comodidades existentes na Europa, um parde meias valia entre eles 500 ducados, uma capa ou man-to, mil, um bom cavalo, 4 mil ou 5 mil ducados, e osgulosos chegavam a pagar um jarro de vinho até 200 du-cados; e consideravam mais econômico calçar os cascosdos cavalos com ferraduras de prata em vez de ferradurasde ferro, porque o ferro valia tanto quanto o ouro.

Da mesma forma, Roma, antes de se ter enriquecidocom os espólios do mundo inteiro e ter chegado a espa-lhar limalha de ouro sob os pés dos imperadores quandoeles passavam, por muito tempo teve pouquíssimo ouro,já que Plínio conta que quando Roma foi tomada pelosgauleses e os romanos tiveram que comprar a paz a di-nheiro, esta foi estipulada em apenas mil libras de ouro.E, no entanto, Roma já tinha 152 mil pessoas livres, sema multidão de escravos; aliás, a pobreza dos primeirossenadores – ou, poderíamos dizer, a escassez de ouro eprata em Roma naqueles tempos, naqueles primeiros emais felizes séculos – era tamanha que, tendo Cipião pe-dido ao Senado licença para regressar à pátria, porque afilha que tinha já estava em idade de casar e ele precisavapensar no dote, o Senado, para não se privar daquelegrande capitão na Espanha, tomou para si a obrigação dedar-lhe o dote e casá-la: “A importância do dote, de fato,foi de 40 mil asses”, diz Valério, e isso, segundo Budé11,

11 Guillaume Budé (Paris, 1467–1540), autor do célebre tratado De asse et partibuseius, no qual explica o sistema das moedas romanas.

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não ascende a mais de 400 escudos. Da mesma formafoi considerado grande dote o de Túlia, filha de Cícero,que levou ao marido 10 mil asses, correspondentes a 100escudos; Megália, então, acabou sendo antonomásia pormulher que tem dote, porque levou 500 mil asses, quecorrespondem a 5 mil escudos. Ainda, quando FúrioCamilo fez não sei qual voto para vencer os inimigos,depois, pela importância altíssima que o cumprimentodo voto exigia, não ousava revelá-la ao Senado, e nemchegava a 8 talentos de ouro; revelou-a, no entanto, e,para juntar tal quantia, foi preciso que as matronas roma-nas se privassem de seus ornamentos e anéis. Por tal coi-sa, em reconhecimento de sua generosidade, o Senadoconcedeu-lhes que, após a morte, lhes fosse pronunciadauma oração fúnebre, que antes era concedida só aoshomens: deferência que me torna suspeita a afirmaçãode Plínio de que Tarquínio, durante a entrada triunfal,portava uma veste de ouro.

Com efeito, nesses primeiros tempos, o comércioentre os homens era tão pouco extenso que quase todasas províncias viviam para si, ignoradas até pelas provín-cias vizinhas, de modo que não é de admirar se Roma e oLácio tivessem tão pouco ouro e a Toscana grande quan-tidade, pois o comércio e tráfego entre tais povos eramtão escassos que uns podiam juntar exércitos e, numaguerra improvisada, lançar-se sobre os outros antes queestes que sofriam o ataque pudessem ter algum indíciodos movimentos e das atividades dos inimigos.

Não acontece o mesmo hoje em dia, quando conhe-cemos, à grande distância, não apenas os movimentos dosexércitos como também suas deliberações, graças à amplacomunicação que mantêm entre si as nações, principal-mente em virtude do comércio, mediante o qual o preço

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das coisas, em todos os lugares, se torna tão regular quenão se encontra diferença muito maior do que aquela queas despesas pelo transporte, o perigo das viagens, as taxase outros gastos acrescentam ao preço corrente dessas coi-sas em seus próprios países.

Na Itália, a Toscana, a Úmbria e os Abruzos têmabundância de azeite, o Estado Vêneto e a Lombardia,escassez; a diferença de preço em Veneza e Milão com-parativamente ao dos Abruzos e da Apúlia é tão-somenteigual ou um pouco mais do que a despesa com o trans-porte e com os impostos, mais um ganho dos mercadores,tão moderado que não deixa margem que outros o ven-dam por menos. Que se, fora essas despesas, o azeite nosAbruzos fosse muito mais barato do que em Veneza, osmercadores, para ganhar mais, o transportariam para estacidade em quantidade muito maior, com a conseqüênciade que, nos Abruzos, restando uma quantidade menor, opreço subiria, e em Veneza, encontrando-se uma quanti-dade maior, diminuiria.

Ao falar em várias ocasiões deste assunto, lembro-me de ter conseguido um bom grau de clareza empre-gando a comparação com os corpos fluidos, sustentandoque os preços das mercadorias do mundo se nivelam en-tre si da mesma maneira que as águas estagnadas, que,seja qual for a agitação que sofram, no fim acabam voltan-do a um mesmo nível. Assim como o mar, que não podeter níveis mais altos no Adriático do que no Tirreno, ouno Mar Negro ou no próprio Oceano, com exceção da-quela variação de poucos pés que suas várias correntes,ou as perturbações do fluxo e refluxo e as diferentesconfigurações das enseadas, chegam a ocasionar entreos litorais mais distantes: isso porque as águas do mar,

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não diferentemente do que as mercadorias, têm entre siuma comunicação constante em todo o globo e, por talfato, são obrigadas pelo próprio peso a nivelar-se a igualdistância do centro para o qual são atraídas.

Que se em algum lugar houver um mar separadodos outros, como o Cáspio na Ásia ou o Mar de Parime12

na Guiana, na América (se estes já não têm sua comunica-ção com outros mares por canais subterrâneos, como soupropenso a crer), tampouco terá necessidade de nivelar-se com eles, como não têm tal necessidade as mercado-rias daqueles países que vivem segregados de todo co-mércio, quais sejam, acredito, muitos tártaros da Ásia e ospovos do interior da Armênia e da África, aos quais certa-mente não é de nenhuma serventia a abundância de ouroou de bens que se encontra em outros países, uma vezque não mantêm com estes nenhum contato, nem mesmomediado pelo comércio. E se um dia se abrisse para eleso caminho do nosso comércio, como ocorreu, de doisséculos para cá, com o México, com o Brasil, com o Perue com tantos outros países, veríamos, sim, por algum tem-po, os preços das coisas flutuarem, mas, no fim, tendovindo para nós o a mais que eles têm dos bens que a nósnos faltam, e indo para eles o excedente dos nossos, opreço das coisas nivelar-se-ia de novo, e seria um preçonovo, proporcional não só às coisas que estavam antes nocomércio, mas a estas com mais as outras que se têmacrescentado.

Assim, as quantidades enormes de ouro e prata quedas Índias foram para a Espanha, de Carlos V, ou melhor,do reinado de Fernando e Isabel para cá, e a grande saída

12 Mencionado por Walter Raleigh e Laurence Keymis após suas viagens à Guiana,respectivamente em 1595 e 1596, em suas míticas Relações sobre a terra do Eldorado.

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que as mercadorias da Europa tiveram naquelas naçõesdurante muito tempo, aliás, ainda têm em parte, fizeramcom que todas as coisas da Europa ficassem muito maisraras do que antes e os preços flutuassem por tanto tem-po. Mas agora estão nivelados de tal sorte que quem vaipara as Índias para fazer negócios não consegue maisenriquecer em tão pouco tempo como ocorria antes. JeanBodin escrevia em 1568, num dos seus tratados sobreas moedas, que naquela altura já tinham chegado dasÍndias para a Espanha mais de 500 milhões de ouro e 200milhões de prata, e que todo ano a frota regular chega-va com uma riqueza de mais de 18 milhões, soma que,espalhando-se por toda a Europa em razão da necessida-de que têm os espanhóis dos bens dos outros países (sendoa Espanha muito estéril em algumas regiões e a popu-lação altiva demais, desdenhando tanto o trabalho quantoo comércio), fez com que, tanto na Espanha quanto emquase toda a Europa, onde se gasta o ouro e a prata dela,Espanha, subisse o preço não só das terras, mas tambémdos seus produtos e dos próprios trabalhos manuais. Issoporque todas essas coisas em seu conjunto se igualamsempre em valor à totalidade da moeda que está circu-lando no comércio, e agora que a cristandade possui umaquantidade de ouro muito maior do que antes, uma quan-tidade maior deste toca a cada coisa a título do seu preçoe valor.

O próprio Bodin observou naqueles anos, vendo oslivros das receitas régias, que a França, em 53 anos, de1515 a 1568, rendeu ao seu rei mais do que lhe haviaproporcionado durante os duzentos anos anteriores, ereparou que em apenas cinqüenta anos o preço das terrassubira de tal maneira que por elas se pagava, em peso de

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ouro, três vezes mais do que cinqüenta anos antes. Acres-centou ainda que a receita anual do condado de Avignonera o dobro daquilo que o contratador havia adiantadocomo capital, e que o mesmo, ou pouco menos, rendiamtodos os outros estados. Assim, não é de admirar que emnossos tempos as receitas régias da França montem a tan-tos milhões, enquanto nos tempos de São Luís eram tãoescassas que, tendo aquele santo príncipe ficado prisio-neiro de Saladino, sultão do Egito, teve que dar para aquelebárbaro a hóstia consagrada que levava consigo, comogarantia para poder voltar à França e solicitar pessoal-mente a soma de 200 mil besantes de ouro, que era ovalor do seu resgate. No entanto, 200 mil besantes nãoeram senão 500 mil liras torneses, segundo o cálculo quefaz o padre de Sonville, mencionado por Bodin em seu jácitado tratado sobre as moedas.

O mesmo, conta Plutarco, aconteceu nos tempos dePaulo Emílio em Roma, quando, logo que ele trouxe daMacedônia subjugada e dos tesouros de seu rei Perseuas grandes riquezas que já se encontravam acumuladasnaquele reino, os preços das terras e, por conseguinte, dasoutras coisas, ascenderam ao triplo do que eram antes;e nos tempos de Augusto, Suetônio conta que foi trazidado Epiro quantidade tão grande de prata e ouro que asterras subiram de preço e as usuras diminuíram.

Constatamos tal efeito também nos dias de hoje naItália, onde o povo genovês em particular, alguns anosatrás, não sabendo como empregar o muito dinheiro quepossuía, dava-o a outros países a 2% ou 3%, pelo quemuitas ordens religiosas e outras pessoas têm tomado essedinheiro mediante contratos de censos perpétuos, e comele têm extinto os censos que tinham com outros a 5%,

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6%, 7%, reduzindo-os a 2% e 3%. Entretanto, a causadisso não é tanto o aumento da quantidade de ouro eprata na Itália, mas a falta de comércio que, diminuindocada vez mais, faz com que os mercadores fiquem comdinheiro inútil em mãos.

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CAPÍTULO III

DA ALTERAÇÃO QUE SOFREM OS PREÇOS DAS COISAS

EM VIRTUDE DE SUA ABUNDÂNCIA OU RARIDADE,DADA A MESMA QUANTIDADE DE MOEDAS NO MUNDO

No capítulo anterior vimos suficientemente como aabundância ou a escassez do ouro ou da prata no mundoaltera os preços das coisas, de sorte que será fácil enten-der como nas cidades de grande comércio, onde mais doque em outras circulam ouro e prata, a alimentação é maiscara, não porque dela haja uma quantidade menor do queem outras, mas porque há mais dinheiro com que pagá-la.Resta agora considerar como, dada a mesma quantidadede ouro e prata no mundo ou numa determinada cidade, araridade ou abundância dos bens ou coisas passíveis deser vendidas aumente ou diminua seu valor. E ainda quetal assunto pareça ser coisa evidente e notória, contudo,não será inútil para uma melhor compreensão das coisas aserem tratadas debruçarmo-nos um pouco sobre ele.

Digo que uma coisa é abundante não quando, defato, há uma grande quantidade dela em termos absolu-tos, mas quando há grande quantidade relativamente ànecessidade, à estima e ao desejo que os homens têmdela.

A seda nos tempos de Aureliano César era tão raraque valia tanto quanto igual peso de ouro, pelo que Vo-pisco,13 na biografia daquele imperador, conta que “elemesmo não usava vestes de seda, nem permitiu que ou-tros as usassem: com efeito, naquele tempo uma libra de

13 Escritor latino do século III, de Siracusa.

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seda equivalia a uma libra de ouro”. Cerca de 250 anosdepois o imperador Justiniano reduziu a monopólio o co-mércio da seda, de modo que ninguém mais podia vendê-la afora seu tesoureiro, o qual, segundo narra Procópio,14

“vendeu uma onça de seda tingida com tinta comum por6 áureos e vendeu por mais de 24 áureos uma onça deseda tingida com aquela cor régia que chamam de holo-verus”. Eis, então, o que era aquele holoverus que algunsjulgaram querer dizer “pano de seda pura”, “veludo” etc.,e era, pelo testemunho de Procópio, uma cor muito cara,dita por isso cor régia ou púrpura, talvez como a nossacor de fogo, escarlate e semelhantes, que, de maneira maisgeral, chamamos de carmim. Não haviam chegado aindaao Império Romano os bichos-da-seda, nem as plantasdas amoreiras que agora estão espalhadas por toda aEuropa, uma vez que das Índias e da China, no cursode muitos séculos, passaram para a Pérsia, e da Pérsia,aos poucos, até nós, e, em seguida, se difundiram de talmaneira que o valor da seda, tendo passado neste século assementes e o cultivo também para a França e a Espanha,já se reduziu a pouco mais de um ducado de ouro a libra,e está para diminuir ainda mais se maior redução poderãosuportar os esforços e suores dos pobres camponesesque criam tais bichos, já que agora com grande dificulda-de se tira apenas o que é suficiente para pagar seu traba-lho ordinário.

14 Historiador grego (nascido em Cesaréia, na Palestina, no final do século V d.C.),conselheiro e secretário de Belisário, a quem acompanhou em suas expedições até540. Sua obra mais importante é a História das guerras, em oito volumes, dos quais ooitavo é um sumário, em tom laudatório, dos acontecimentos do reino de Justiniano.Completamente diferente é, no entanto, uma obra posterior, denominada comumenteHistória secreta – e a esta se refere aqui e mais adiante Montanari –, que é um libelo quecobre de infâmias Justiniano, a imperatriz Teodora, Belisário e sua mulher Antonina.

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Vemos, então, que a raridade torna preciosa todamercadoria, como podemos observar todos os dias nasjóias e nos próprios metais, e a abundância as deprecia. Aágua, que é um elemento da maior importância para a vidahumana, como é abundante em quase toda a Terra, nãovale coisa alguma, e os judeus com razão se queixavamdurante o cativeiro de Babilônia de ter que comprá-la.Uma única sopa de Esaú foi mais cara que a primogeni-tura, e assim argumentava o pobre faminto ao dizer a Jacó:“Se eu morrer, o que me valeram os direitos da primo-genitura?” O apreço ou conceito que fazemos das coisas,ao qual se acompanha o desejo delas, já dissemos sermedido pela moeda, pelo que, dada a mesma quantidadede moedas no comércio, ao mudar a estimativa que oshomens fazem de uma coisa, o preço muda: as coisastornam-se mais caras se aumentar o desejo delas, maisbaratas, se vierem a ser menosprezadas.

Não há poder maior para mudar de repente o preçode algumas coisas neste mundo do que a estima em queas têm os príncipes. Antonino Caracala conferiu umpreço altíssimo ao âmbar-amarelo em todo o ImpérioRomano, ao deleitar-se a usá-lo em seus adornos por serele da cor dos cabelos da sua amiga: “O que os pode-rosos fazem, parece prescreverem aos outros”, diziaQuintiliano. Adriano VI, de nacionalidade flamenga,gostava mais do que de todos os outros peixes da merlu-za salgada, dita Stocvisch, e à imitação dele toda a corte deRoma, depois toda a cidade, passou a comer esse peixeque, naqueles anos, se tornou o mais caro, pois a quanti-dade vinda à Itália era pouca em proporção ao grandenúmero de pessoas que o queriam.

Além disso, não vemos nós todos os dias, mudandoas modas da França, aumentar e diminuir de preço ora as

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pérolas, ora os diamantes, ora as turquesas e outras jóias?E por qual outra razão senão porque foi introduzida umamoda nova é que muitos querem ter uma determinadacoisa, poucos, outras, de sorte que elas se tornam oramuitas ora poucas relativamente à demanda? Em nossosdias, as jóias opacas eram muito valorizadas por sua rari-dade, e uma opala chegava, às vezes, a valer tanto quantouma esmeralda se era um pouco maior do que o normal.Alguns artífices de Murano, de grande engenhosidade,após várias tentativas para obter um cristal que apresen-tasse a pureza do da rocha, encontraram por acaso a ma-neira de produzir uma pasta muito semelhante à opala,que, trabalhada para fazer jóias, no princípio enganava ospróprios ourives, de modo que, ainda que se soubesseserem falsas, estas gemas se vendiam a alto preço. Mascomo se tratava sempre de vidro, que não custava paraseus fabricantes muito mais do que o vidro comum, osaltos ganhos induziram a fabricá-las em grande quantida-de, e tamanha quantidade, não encontrando pronta saídapor causa dos preços elevados, obrigou os artífices a bai-xar o preço; tempo depois, havendo grande produção epassando o segredo para outras mãos, o preço diminuiuem poucos anos de tal forma que, atualmente, os artíficesde Murano não obtêm um ganho maior do que conse-guem com a fabricação de outros esmaltes, nem chegam areceber a ducentésima parte do dinheiro que obtiveramcom a venda das primeiras. Por outro lado, as opalas ver-dadeiras, ainda que pedras preciosas, por sua grande se-melhança com as falsas, também têm diminuído de preço.

Toda nova invenção gera grandes ganhos e adquirenotável valor entre os homens apenas enquanto a rari-dade a torna mais desejável. Só há 25 anos ainda se acre-ditava não se encontrarem mais medalhas de cobre do

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imperador Oto, assim, as primeiras que foram descober-tas foram compradas por um preço de até 200 escudos deouro e eram mal conservadas e estavam em péssimas con-dições. O alto preço excitou o espírito empreendedor demuitos que chegaram a atravessar o mar para ir ao Egito,à Síria e a outros lugares onde tais raridades eram tidasem menor conta, e reuniram tão grande número delas queas mais perfeitas e melhor conservadas não valem umterço do que valiam as primeiras, e valeriam cada diamenos se o prazer de possuir este objeto nobre não setivesse difundido entre tantas pessoas, particularmenteentre príncipes e grandes senhores que fazem numerosase valiosas coleções delas.

Em conclusão, assim como daquelas coisas, cujaquantidade, geralmente, se mantém constante, como sãoas terras, os edifícios e cem outras mais, o preço muda àmedida que uma maior quantidade de moeda circulantese encontra no comércio, do mesmo modo, quando semantiver constante a mesma quantidade de moeda, as coisasvalerão mais ou menos em conformidade com sua rarida-de e o desejo que delas têm os homens. Torna-se, assim,de todo evidente que a moeda e os desejos se misturamreciprocamente, e ambos são a medida universal de todasas coisas passíveis de ser vendidas, como afirma Aristó-teles na opinião já citada.

A este ponto, não haveria mais nada a acrescentar anão ser tirar alguma pequena dúvida a quem, talvez, qui-sesse me dizer serem os desejos dos homens de longemuito mais numerosos do que a quantidade de moedaque circula no comércio, e que o mundo seria muito maisfeliz se as ambições humanas não se estendessem alémda possibilidade da moeda.

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Mas a estes respondo e pergunto se eles já tiveramguardadas no celeiro algumas sementes de trigo que de-pois, deitadas na terra, não chegaram a lançar raízes, nas-cer, crescer e amadurecer. E quem quer levar em consi-deração os desejos de pessoas tolas, pondo-os juntos comaqueles que podem vir a ser satisfeitos? A moeda mede aintensidade daqueles desejos que alcançam seu fim, nãomede os sonhos de imprudentes que devaneiam entresuas cobiças insensatas. Tudo o que se compra, de qual-quer maneira, se deseja, quer seja para conseguir por seumeio um bem, verdadeiro ou aparente, quer seja para evi-tar um mal ou para obedecer a uma necessidade impres-cindível. Tudo é desejar, tudo é ter necessidade, no sen-tido apontado pelo referido filósofo, e a intensidade dodesejo e da necessidade com que adquirimos uma coisaqualquer é medida pela moeda. As outras coisas que de-sejamos em vão, quer não consigamos obtê-las por impo-tência nossa, quer pela natureza delas, não podem serentendidas como necessidade, termo usado por Aristóte-les no texto já mencionado, mas como cobiças vãs, nãosujeitas a nenhuma medida: “Quem deseja muitas coisas,de muitas coisas sente a falta. Feliz aquele que recebe deDeus apenas o que é suficiente.”

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CAPÍTULO IV

SOBRE O OURO E A PRATA

E SUAS PROPORÇÕES DE VALOR NAS MAIS DIFERENTES ÉPOCAS

Conquanto se tenham encontrado muitas maneirasde fazer moedas e sob este nome circulem em váriosreinos coisas diferentes, como demonstramos amplamen-te no Capítulo I, apesar disso os materiais mais usados nomundo inteiro são o ouro e a prata. Entretanto, é questãobastante problemática se o valor desses dois metais é sem-pre proporcional à quantidade em que são encontrados,isto é, se o fato de o ouro ser avaliado, por exemplo, 14vezes mais do que a prata é sinal de que, de fato, nocomércio há maior quantidade de prata do que de ouro;ou, então, se o maior valor que atribuímos ao ouro sebaseie em outras suas qualidades ou prerrogativas. É ver-dade que nem sempre costumamos dar valor às coisasunicamente com base na raridade, quando a esta não sejuntam outras qualidades que as tornam recomendáveis; eno tocante às pedras preciosas e aos metais certamentetemos pelo menos duas razões para apreciá-los: uma, é ovalor que damos a eles por sua beleza ou por outras suasqualidades que nos agradam ou têm alguma utilidade; aoutra, é a pouca ou muita quantidade em que se encon-tram relativamente às nossas necessidades ou desejos.

Não vejo na nossa Itália, nem fora dela, nas provín-cias vizinhas, tamanha abundância de rubis como, nos diasde hoje, se vê de diamantes, e, no entanto, em caso deigualdade de tamanho, pureza e trabalho, o diamante valemais do que o rubi. Não é, portanto, unicamente a rarida-de que determina o valor do diamante. O mesmo podeser dito do ouro. Hoje em dia este metal circula na Itália

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com um preço tal que uma marca de ouro equivale a 14marcas e cerca de 6 onças de prata, mas, apesar disso, nãoarriscaria tirar a conclusão de que isso é sinal de que, paracada 14,5 marcas de prata na Itália, se encontre aproxi-madamente apenas uma marca de ouro. Tampouco ousa-ria afirmar que, se por acaso houvesse no mundo igualquantidade de um e de outro metal, eles teriam que ter omesmo valor, e se houvesse muito mais ouro do queprata, quando atualmente há mais prata do que ouro, oouro deveria valer tanto quanto vale hoje a prata. Estima-se o ouro pela maior pureza, por não diminuir no fogo,nem enferrujar pela ação do tempo, e por ter uma corsemelhante, diz Plínio, à das estrelas; embora, quanto aeste ponto, acredite como Plínio que não seria menosapreciado o branco se tocasse ao ouro ser branco e não àprata, já que enaltecemos o branco dos diamantes nãoporque sejam mais belos do que os rubis ou as esmeral-das, mas porque são mais raros e mais valorizados. Poroutro lado, preza-se o ouro também pelo peso, que, emcaso de igualdade de volume, é maior do que qualqueroutro composto, apesar de o próprio Plínio, acostumadoa escrever coisas conforme ouvia dizê-las, sem procurarse informar melhor ou fazer suas próprias experiên-cias, afirme que o chumbo pese mais do que o ouro.Entretanto, consta claramente (seja-me lícito fazer estabreve digressão) que entre um igual volume de chumbo,de argento-vivo e de ouro, o mais leve é o chumbo, pe-sando, segundo Francis Bacon, o ouro, 100, o argento-vivo, 75, o chumbo, 60; e, segundo Marino Ghetaldi,15 oouro, 100, o argento-vivo, 71,25, e o chumbo, 60,52.

15 Matemático siciliano (1566–1626). Em 1603 publicou os resultados de medidasde precisão dos pesos específicos de muito metais e líquidos.

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A esse respeito, deixo de referir aqui algumas expe-riências minhas sobre tal questão, que julgo serem bemmais exatas e que pretendo publicar em lugar mais apro-priado, bastando-me agora que fique bem claro o quantose enganou Plínio ao afirmar que o ouro, “nem pelo pesonem pela maleabilidade é superior aos outros metais, ain-da que em ambas as propriedades seja inferior ao chum-bo”. Em razão disso, não sei como, ao compará-lo com aprata, se possa atribuir razoavelmente ao ouro outra van-tagem fora o fato de ele não estar sujeito à ferrugem,como está, pelo contrário, a prata, mesmo a mais pura,podendo-se observar sinais de tal corrosão em muitasmedalhas antigas de prata e nenhum nas de ouro. Masmesmo que tais prerrogativas tenham dado ao ouro algu-ma vantagem sobre a prata, nem por isso se deve deixarde levar em conta que a maior quantidade de um metalrelativamente a outro tenha contribuído bastante para talavaliação, pois onde o ouro é mais abundante, aí se vêque tem menos valor e é trocado por uma quantidademenor de prata.

Lembro-me de ter lido uma vez (mas agora não seionde, mesmo que tenha feito investigações) que num dosreinos mediterrâneos da África há tão grande abundânciade ouro e escassez de prata que esta vale mais do que oouro.

Marco Polo diz, em seus relatos, que no reino deCaraian, nas Índias, nos dias dele, se davam 8 unidades deprata por uma unidade de ouro fino, e no Carazan, pro-víncia que agora pertence ao Mogol e é rica em minas,por uma única unidade de ouro, 6 de prata; nos reinos deMyanmar, por apenas 5 unidades de prata conseguia-seuma unidade de ouro. Assim, os mercadores chegavam depaíses distantes com prata para trocar por ouro, devido ao

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ganho que obtinham ao transferi-lo depois para seu pró-prio país. Em Bengala, nas Índias Orientais, o ouro valeum sexto a mais do que em Malaca, porque em Bengalahá mais abundância de ouro, proveniente dos reinos cen-trais da Índia, do que de prata.

Nos dias de hoje vemos, seja onde for, mudar opreço do ouro em comparação com o da prata à medidaque chega das Índias e de outros lugares maior quantida-de de um em proporção à do outro metal, pelo que meadmiro que Bodin, escritor inteligente e sutil, tenha insis-tido em afirmar ser a proporção entre o ouro e a prata,sempre e por toda a parte, durante 2 mil anos antes dele eainda em seu tempo, de 12 para 1. Heródoto, com efeito,escreve que em seu tempo se trocavam 13 unidades deprata por uma unidade de ouro e Willebrord Snell, emseu opúsculo De re nummaria, tira de vários autores a infor-mação de que quando os romanos cunharam pela primei-ra vez moedas de ouro observaram a proporção de 10para 1, deixando ao arbítrio dos próprios etólios pagar oimposto em ouro ou prata, conquanto se avaliasse cadalibra de ouro em 10 libras de prata.

O mesmo acontecia nos tempos de Estrabão, e an-tes nos tempos do poeta Menandro. No tempo de Plínio,segundo infere Budé no terceiro livro do De asse, entreouro e prata vigorava a proporção de 15 para 1, visto queum escrópulo de ouro valia 20 sestércios, enquanto umadracma ou denário valia 60 e, pelo contrário, uma dracmade prata, a peso igual, valia 4 sestércios. O ouro, no en-tanto, em igualdade de peso, valia 15 vezes mais do quea prata. Vemos, contudo, sob os imperadores Arcádio eHonório, que, por uma lei por eles promulgada e regis-trada no Código Lib. 10 tit. ult., a libra de prata foi igua-lada a 5 soldos de ouro. “Ordenamos”, diz aquela lei,

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“que quem trouxer para os nossos depósitos uma quan-tia de prata receba em troca o direito de pagamento emouro na proporção de uma libra de prata para 5 soldos”, ecomo a libra pesava 72 soldos pela Lei 5 C. de Suscepto-ribus, fica claro que 5 soldos de ouro valiam 72 de prata,ou seja, um soldo de ouro equivalia a 14,4 soldos deprata, que é quase a proporção dos nossos dias.

Plínio, porém, afirma ter visto em seu tempo tal pro-porção de 12 para 1, e Snell, antes mencionado, conta queno ano de 1512 era novamente de 12 para 1, mas nos diasdele, quer dizer, cem anos depois, vigorava a de 40 para3, ou seja, de 13,25 para 1. Entretanto, no curso daqueleséculo, ela devia ter voltado a diminuir, uma vez que naresolução do imperador Fernando I, emanada no anode 1559 na Dieta de Augusta, referente à qualidade e aovalor de todas as moedas do império, tanto de ouro comode prata, está prescrito que os ducados de ouro, ditoshúngaros, de 23,33 quilates e com um peso de 67 ducadosa marca de Colônia, na Alemanha valiam 104 carantanoscada um, que são 6.968 carantanos a marca de húngaro, e,portanto, uma marca de ouro fino de 24 quilates valia7.168 carantanos. Na mesma resolução define-se o preçoda prata fina de 12 onças em 10,20 florins, que são 612carantanos, pelo que se vê que o ouro valia 11,7 vezesmais do que a prata. Tal valor, embora se aproxime daproporção que queria estabelecer Bodin de 12 unidadesde prata para uma unidade de ouro, mostra, no entanto,que, de 1512 para cá, ela já havia diminuído.

Se Júlio Pólux16 calcula que na Grécia, no tempo emque as repúblicas estavam no apogeu, uma onça de ouro

16 Sofista e gramático grego do século II d.C.

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valia uma libra de prata, apesar disso, observando as gran-des variações que sofreu esta proporção em diversos tem-pos, não se pode não julgar mal fundada a afirmação nãoapenas de Bodin, que, como já disse, sustentava ter sidosempre durante 2 mil anos antes dele de 12 para 1, e terde se conservar inalterada no futuro, mas também a deGasparo Scaruffi,17 que, em seu Alitinonfo, pretendeu en-sinar a maneira de manter em toda a parte e para sempre amoeda ao mesmo preço, supondo, todavia, que nuncapudesse haver problema no mundo relativamente a essaproporção de 12 unidades de prata para uma unidade deouro, e não levando em consideração que se das Índiasou de outras minas começasse a vir uma quantidade mui-to maior de ouro do que antes e uma quantidade menorde prata, a prata começaria a ser trocada pelo ouro a umanova proporção, passando a 11, 10 e até menos para 1.

O fato é que não está em poder dos príncipes regu-lar a vontade dos súditos quanto a essa questão sem queas suas leis não acabem sendo infringidas logo depois depromulgadas, quando estas ultrapassem as proporçõesnaturais. Experimente um príncipe querer que se troquemas dobras por apenas 2 escudos, e verá se, com exceçãodaqueles poucos que não têm outro dinheiro para com-prar pão, os outros não as esconderão imediatamente, ese quem precisar de dobras não irá comprá-las às escon-didas de quem as possui mesmo por 3 escudos, que nor-malmente é seu preço corrente.

17 Comerciante, banqueiro e economista italiano (1519–1584). Escreveu seu Alitinonfopara o duque Alfonso II de Ferrara, escrito em que propõe a unificação monetáriainternacional com base bimetálica.

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Não é verdade, então, que a proporção de 12 para 1entre prata e ouro fosse sempre a mesma no passado e quecontinuaria tal no futuro, estando muito distantes daquele“quase sempre” que queria Bodin os exemplos aduzidos ea experiência atual de que, em cem anos, ela tem passadode menos de 12 a quase 15 para 1. Certamente, hoje, aproporção mais comum é de 14,8, ou 14,75, para 1, comomostraremos mais adiante, e a causa desta alteração nãofoi senão a quantidade de prata vinda da América, quetem despejado até agora na Europa grande profusãodesse metal das minas inesgotáveis de Potosí e de outroslugares, que continuam sendo escavados incessantemente.Em comparação com tamanha profusão de prata, o ouro,conquanto também tenha vindo em grande quantidadedaquelas mesmas regiões, vem, contudo, numa quanti-dade insuficiente para manter uma proporção com a pratade 12 para 1. Aliás, se o próprio Bodin tivesse reparadona proporção que resulta de suas próprias afirmações,quando disse, como vimos, que da América, até sua épo-ca, já tinham 100 milhões de ouro e mais de 200 milhõesde prata, teria achado tal proporção bem maior do que de12 para 1, sendo que um escudo de ouro não é senão aoitava parte de uma onça, ou seja, de uma peça de oito,donde 100 milhões de ouro são um milhão e 200 milonças; e um escudo de prata coroado daqueles tempos,que hoje se chama filipe ou peça de oito, é, aproximada-mente, uma onça, donde 200 milhões são, pelo menos,um igual número de onças; e, conseqüentemente, haviachegado, pelo menos, 16 vezes mais prata do que ouro.E se, apesar disso, a proporção era maior do que 12 para1, tal coisa ocorreu talvez porque grande parte daquelaprata foi empregada inicialmente não como moeda, masno vasilhame e nos utensílios dos ricos.

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Podia acontecer, no entanto, que a prata se depre-ciasse em referência ao ouro aos poucos, como parece terocorrido também na Judéia no tempo de Salomão, quandoas frotas que aquele rei enviava a cada três anos pelo MarVermelho com destino às Índias, a Ofir e a Társis haviamtrazido uma quantidade incrível de ouro e de prata, demodo que, conta o texto sacro, “em Jerusalém a prata eratão comum como as pedras”, e, como está dito poucoantes, “...nos dias de Salomão não se fazia nenhum casoda prata. É que o rei tinha no mar uma frota de Társisjunto com a frota de Hiram e de três em três anos a frotade Társis trazia um carregamento de ouro e prata, de mar-fim, macacos e pavões.”

Se, então, não fosse legítimo agora, como o é, con-siderar imaginárias certas histórias de Plínio que maisparecem fuxicos de velhinhas, teríamos razões de rir daresolução desarrazoada de Tibério mencionada por esseautor quando conta que, tendo-lhe sido trazido um vasode vidro de natureza tal que, como o cobre e o ouro, sepodia modelar com o martelo, de modo que, tendo caídono chão sem se quebrar, o bom mestre consertou diantedos olhos do imperador a amassadura causada pela bati-da, o monarca, temendo que quando tal invenção se tor-nasse de domínio público o ouro perdesse de valor, logomandou matar o inventor.

Se o vidro comum, que não pode ser modeladocom o martelo, era de pouco valor em comparação como ouro, alguém saberia dizer-me por acaso o porquê?Certamente, se ele é bem menos duro e muito menosbrilhante do que o diamante, o fato de poder ser empre-gado para fazer vasos para beber e para muitos outrosusos nobres é uma prerrogativa de todo digna de ser con-traposta à do diamante. Mas se no mundo houvesse tão

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grande quantidade de diamantes como há de vidro, elesteriam menos valor do que o vidro, uma vez que, haven-do igual abundância, seria mais prezado o que tivessemaior serventia, e a grande dureza do diamante seria con-siderada imperfeição e defeito. A raridade, portanto, é acircunstância que torna mais ou menos preciosas as coi-sas que são desejáveis por outras qualidades; e se assimfor, por que privar o mundo de uma invenção tão cômo-da como a de um vidro que pode ser modelado com omartelo, com o qual se poderiam obter vasos tanto maislimpos do que os de metal, mais transparentes e brilhan-tes, sem o perigo de que, a cada leve batida, quebremirremediavelmente? Por que recompensar o inventor, deforma tão ingrata, com a morte? Falta por acaso no mun-do aquela erva, dita barrilha, da qual se fazem cinzas parafabricar o vidro, se, além da Espanha e dos litorais daÁsia e da África banhados pelo Mediterrâneo, a Itália tam-bém a produz em vários lugares? Faltam por acaso, nosrios, as pedras com que se faz a mistura? E se há tamanhaquantidade de tais ingredientes, que razão havia de temerque o ouro perdesse valor?

Fica claro, então, que, ainda que alguma outra prerro-gativa do ouro sobre a prata possa influir na sua avaliaçãorelativamente a esta última, apesar disso a causa primei-ríssima da proporção segundo a qual tais metais são ava-liados depende de sua maior ou menor quantidade.18

18 Na edição italiana, vêm em seguida uns cálculos referentes às praças de Gênova eMilão, não presentes no manuscrito original e sim feitos pelos senhores Zanatta eLunati Ragionieri, intendentes gerais da Câmara Régia da Lombardia austríaca, porocasião da primeira publicação deste tratado (em De monetis Italiae, tomo VI. Argella-ti, 1759). Tais acréscimos, se podiam interessar os leitores italianos contemporâneosà mencionada edição, hoje perderam tal importância. Preferimos, assim, omiti-lospara não desviar a atenção do leitor do raciocínio principal do autor.

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CAPÍTULO V

DO VERDADEIRO PREÇO DO OURO E DA PRATA

E COMO CADA UM DELES É PREÇO DO OUTRO

Fica bastante evidente do que foi exposto no capí-tulo anterior que, sendo a diferente abundância ou escas-sez do ouro relativamente à prata causa da proporçãocom a qual um metal se troca pelo outro, necessaria-mente então um se deve dizer preço ou medida do outro;e, por serem tais metais os dois materiais mais usadoscomo moeda no mundo inteiro, com maior razão deve-sedizer que eles são a medida de valor das outras coisas.Por outro lado, como o conceito de valor intrínseco dosmetais várias vezes é tomado por alguns como algo fan-tasmagórico, que não se pode conhecer ao certo, parecedifícil entender como esses metais possam ser, recipro-camente, medida um do outro, e que não deva haver nomundo alguma coisa que, antes, seja medida comum deambos.

Se, com efeito, eu perguntar quanto vale uma librade ouro e me for respondido 14,75 libras de prata, e se euvoltar a perguntar quanto, então, vale uma libra de prata,parece ser impróprio responder que vale 0,0678 libras deouro, pois pareceria muito mais apropriado que houvesseuma outra medida comum do preço de ambos, à qual elespossam ser referidos. Mas eu pergunto: se fosse assim,esta tal coisa que fosse medida do valor do ouro e daprata, de onde receberia seu próprio valor? E seu valorseria certo, fixo e estável, ou incerto e mutável? Se incer-to e mutável, haverá necessidade, então, de uma quartacoisa certa e estável que meça o valor das três e assimpor diante, até ao infinito. Mas se for algo que tenha valor

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certo e estável, duas coisas gostaria de saber. Em primei-ro lugar, onde está tal coisa que tem um valor certo, fixoe imutável? Não se encontra neste mundo, segundo essemodo de entender. A segunda é: em que consiste o valordesta terceira coisa, tão imutável que pode ser regra dovalor de todas as outras? De minha parte, poderia assina-lar, sim, uma coisa que serve de regra a todos os valores,e a mencionei antes, mas nenhuma é mais instável e maissujeita a variações do que ela, pois é o desejo humano.

Reduza-se uma parte dos desejos mundanos, logo oouro e a prata terão menos valor, porque, não havendomais comércio das coisas que não se desejam mais, nomundo continua havendo a mesma quantidade de ouroque havia antes, e, uma vez que as coisas desejadas, pas-síveis de serem compradas, são em menor quantidade, sedá maior quantidade de ouro por elas. Assim, a abundân-cia de ouro em Roma depois da guerra com a Macedôniafez elevar o preço das trocas, e fez o mesmo em toda aEuropa depois da descoberta da América, de onde muitascentenas de milhões passaram para o mundo cristão.

Mas quão mutáveis são os desejos dos homens! Todamoda nova faz parecer mais belo o que de novo passa aser usado e o faz valer mais, desvalorizando o que estavasendo usado e comprado antes. A guerra faz valer maisdo que antes as armas, os cavalos e o vestuário. A pazeleva o preço dos ornamentos, dos bordados e dos de-leites; e o costume generalizado acrescenta ou diminuivalor às coisas, como se conta a respeito do traje de luto,usado em Paris durante um ano pela morte de HenriqueII, ocasião em que foram depreciadas em poucos mesesas vestes de seda, como se quem na corte não usasse otraje de luto fosse homem de baixa posição, e quem que-ria não passar por plebeu vestia panos de luto de lã e não

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de seda. Ora, como ficam então as coisas se este valordas coisas e dos metais com os quais as compramos é tãoincerto e inconstante?

Não posso dar uma explicação satisfatória a esserespeito se antes da solução não apontar um outro incon-veniente semelhante que há neste mundo. O tempo é amedida da duração das coisas e do seu movimento, e omovimento é a medida do tempo. Se quiser medir o tem-po, sirvo-me de um relógio, que pode ser de água, comoforam os primeiros, de pó, de rodas ou de sol, enfim deum qualquer instrumento que se mova de forma possi-velmente uniforme e de cujo movimento possa dizer quejá se passaram tantas horas e tantos minutos. Faço o con-trário se quiser medir o movimento de uma coisa, sirvo-me do tempo, e digo que um navio percorreu tantasmilhas porque se tem deslocado com tal vento, com talvelocidade, em tantas horas e tantos minutos; que aquelecorreio tem andado tão mais veloz do que o outro, por-que em tantas horas percorreu mais milhas. E se não su-pusesse o movimento uniforme não teria a medida dotempo. Ora, como ambos são incertos, pois não possosaber com toda a segurança que as horas são iguais, tam-pouco que o movimento tem sempre a mesma intensida-de, onde estará aquela terceira coisa que mede o tempo eo movimento e que possui em si medida tão certa quenão podemos duvidar dela?

Alguns dizem ser tal medida o movimento dos céus,aliás, não ser o próprio tempo senão o simples movimen-to dos céus. Aceitar que o movimento do céu seja a medi-da do tempo mais regular, até aí eu chego, mas que otempo não seja senão o movimento dos céus, de modoque, cessando os céus de rodar, o tempo deixaria de exis-tir, não tenho mecanismos em meu cérebro para entender

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tal coisa. Com efeito, não consigo entender como as coi-sas não possam continuar existindo mesmo que os céusparassem, pois está escrito que, para alongar o dia maisdo que o habitual, Deus parou os céus para atender aspreces de Josué. Mas mesmo que seja como eles quise-rem, ainda pergunto se este movimento dos céus é uni-forme ou não. A astronomia responde-me que os dias sãodesiguais entre si, mesmo pelo calendário solar, pois as24 horas de hoje, que é 14 de julho, são mais breves queas 24 horas de um dia qualquer de dezembro, conquantose calculem do meio-dia ao meio-dia, porque o movimen-to diurno do sol não é igual de um dia para outro, nem deuma estação para outra. Outros me lembram que o movi-mento do primeiro móvel é em tudo e por tudo igual, efarei um serviço a estas pessoas se admitir tal coisa, por-que se a negasse, eles não teriam outra prova para me dara não ser que até agora todos têm aceitado tal suposição,uma vez que neste mundo não temos nenhuma outramedida tão certa que baste para verificar as medidas domovimento e do tempo.

Deve-se concluir, então, que tudo permanece in-certo, que não podemos ter uma medida adequada paracoisas tão importantes? Respondo que não. E se procu-rarmos as medidas de outras coisas também, como oscomprimentos dos pés, braços e passos, das milhas e ou-tros, encontraremos as mesmas dificuldades, e o mesmose daria relativamente ao peso. Afinal, o que há de seestabelecer? Os filósofos nos ensinarão que as relaçõesrequerem, necessariamente, dois termos, faltando umdos quais vem a faltar a própria relação, como na rela-ção de pai e filho, morrendo o filho, o homem não podemais ser considerado pai, porquanto veio a faltar aqueletermo a que se referia a paternidade. Da mesma forma,

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toda quantidade, enquanto passa a ser medida, diz-semaior ou menor que tal ou tal outra grandeza, de acordocom o termo a que é referida, que é a coisa com que estásendo medida. E se este termo vier a faltar, a quantidadetambém deixará de ter aquela determinada relação de maiorou menor que tal ou tal outra grandeza.

Se, por outro lado, aquela medida, em vez de vir afaltar, sofrer uma alteração, altera-se na mesma propor-ção a relação do primeiro termo, de modo que, por exem-plo, aquele tecido que em Roma media 100 canas, emVeneza passa a medir 200 braços, pois se alterou ou mu-dou o termo ao qual se referia antes, que era a cana roma-na, sucedendo em seu lugar o braço veneziano. Aliás, atémesmo a cana romana, alterando-se aos poucos a suamedida, depois de um tempo irá alterar insensivelmentea relação que havia antes entre ela e as coisas que elamedia. Vemos, com efeito, que o pé romano moderno nãocorresponde mais ao antigo fixado por Vespasiano ou aopé dos séculos anteriores. Da mesma forma, o valor dasmoedas, particularmente do ouro e da prata, é uma re-lação que esses dois metais mantêm entre si de acordocom a quantidade deles que se encontra nas mãos doshomens, destinada ao comércio e à estima que os homensfazem deles ao trocá-los um pelo outro, ou ao trocar am-bos pelas coisas que desejam.

Ora, como esses dois metais já por todas as naçõesdeste mundo estão destinados a tal função, o que chama-mos de valor das moedas não é senão a relação que umtem com o outro de acordo com o valor que os homenslhes atribuem, e quando queremos definir o valor deuma libra de ouro, não temos mais uma certa medida paraexplicá-lo a não ser em referência à prata; por outro lado,quando ocorre de ter que indicar o valor da prata, logo o

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representamos com o seu correlato mais comum, dizen-do que uma libra de prata vale 0,0678 libras de ouro, ou,então, 468,6 grãos de ouro.

É verdade, no entanto, que o valor de ambos osmetais pode ser equiparado também a outras coisas dasquais ele é medida, como já vimos no caso de Diomedese Glauco, que trocaram as armaduras avaliando, a maisordinária, em 9 bois, e a outra, que era de ouro, em 100bois, como conta Homero. Nesse contrato, o número debois fez as vezes da moeda, servindo de medida do valorcomum das coisas tratadas; e, da mesma forma, se pode-ria expressar o valor de qualquer outra coisa com outracoisa qualquer.

Mas para entendermos ainda melhor o que querdizer esta palavra valor ou preço, avaliação etc., imaginemosque não se encontre no mundo outro metal ou materialadequado para tal função a não ser a prata. Como nuncapoderíamos considerar a prata cara ou barata a não ser emcomparação com as coisas pelas quais é trocada, ocorreque quando houver abundância de bens à venda e escas-sez de prata, cada um que tenha mercadorias procurarávendê-las para ter com que comprar outras das quais pre-cise, e não podendo obter muita prata em troca de doispares de bois, os dará por pouca. E, nesse caso, diremosque a prata é cara. Ao contrário, se se encontrasse nomundo maior quantidade de prata que de costume, quema possuísse não teria tantas cautelas como antes para abas-tecer-se do necessário, e a prata poderia ser consideradabarata, uma vez que por um par de bois se pode obtermais do que antes por dois pares: experiência que obser-vamos todos os dias nos mercados, nas feiras e nas praçasde mercadorias mais ricas, onde de uma semana para ou-tra, em conformidade com a abundância ou a escassez de

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dinheiro de que se pode dispor, se elevam ou baixam ocâmbio e os preços das coisas.

Em tal hipótese, não pareceria tão difícil a questãode saber qual é a verdadeira essência das moedas, por-que, não havendo outra moeda fora a prata, a prata valeriacoisas e as coisas valeriam prata: uma seria medida daoutra, de modo que não haveria mais nada para discutirsenão, talvez, questões postas pelos metafísicos, com osquais aqui não pretendo debater. Ora, é fato acidentalque o ouro e o cobre cumpram, eles também, a funçãoda prata, servindo de moeda, e, da mesma forma quepara medir uma distância posso valer-me do braço usa-do para medir a seda, do pé, dos passos, das canas e demuitas outras medidas diferentes entre elas, ocorre tam-bém que, para medir o valor das coisas ou a estima emque são tidas pelos nossos desejos, possamos nos valerora do ouro, ora da prata, ora do cobre ou de outro mate-rial que o uso e a autoridade do príncipe autorizam comomoeda. E assim como as diferentes medidas dos pés,passos, braços etc. têm também entre si uma proporçãoem conformidade com a qual se altera sua quantidade epodemos dizer, por exemplo, 5 pés serem equivalentesa um passo etc., da mesma forma, entre o ouro e a pratavigora aquela proporção que a quantidade deles e a ava-liação comum têm posto em uso, e dizemos que 14,75onças de prata valem tanto quanto uma onça de ouro, ouuma onça de ouro vale tanto quanto 14,75 onças de prata,uma vez que todas as coisas que posso comprar com14,75 onças de prata posso tê-las também com uma onçade ouro, e se quiser trocar a onça de ouro por prataencontro quem me dá 14,75 onças de prata.

Entretanto, tais comparações parece que falham ape-nas em uma coisa, e é que as proporções dos pés, braços

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etc. não variam entre si senão imperceptivelmente nodecorrer de muitos séculos, e as do ouro e da prata, àsvezes, se tornam perceptíveis em menos de um século,como ocorreu de 1578 para cá, quando, como atestamBodin e as disposições de muitas casas da moeda daqueletempo que cheguei a ver e estudar, a proporção do ourocom a prata passou de 12 para 1 a 14,75 para 1. Mas arazão de tal coisa é que, enquanto as medidas dos pés etc.dependem da regulamentação dos príncipes, que procu-ram manter o mais possível as mesmas em seu país, ovalor dos metais depende da quantidade que deles todasas nações têm no comércio, a qual naturalmente e inde-pendentemente da vontade de alguém varia ora de ummodo, ora de outro.

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CAPÍTULO VI

AS VÁRIAS CAUSAS QUE PODEM ALTERAR

A PROPORÇÃO DE VALOR ENTRE O OURO E A PRATA

Se o ouro e a prata não fossem empregados emoutras coisas a não ser na fabricação de moedas e estasestivessem sempre circulando no comércio, não vejo quasenenhuma razão pela qual se devesse alterar a proporçãodo seu valor fora a da quantidade que sai das minas, que,às vezes, varia. Mas como eles são empregados em mui-tos outros trabalhos, é mister que seu valor vá variando,não conforme a quantidade que se extrai das entranhas daterra, mas segundo a quantidade que sobra do luxo mun-dano. É certo, porém, que o primeiro impulso para a mu-dança de valor provém da abundância de um metal maisdo que do outro, e se num ano à Itália chegar da Espanhaou de outras províncias apenas prata e não ouro, este serámais caro, e por uma onça de ouro se darão mais onças deprata do que antes; e se chegasse tão-somente ouro e nãoprata, com uma onça de ouro se compraria menor quanti-dade de prata do que antes.

Mas também o diferente consumo que se faz dessesmetais influi não pouco nesta proporção. A quantidade devasilhas de prata que se faz para os guarda-louças e asmesas, não apenas dos príncipes, mas também de gentis-homens comuns e até de mercadores; a quantidade queé empregada nos serviços das igrejas, que excede de ummodo extraordinário, se bem que por motivos louváveis,a que se costumava usar antigamente; a quantidade quese desperdiça nas rendas, bordados e outras manufa-turas; se toda ela fosse empregada em moedas, de imedia-to a proporção mudaria. Da mesma forma, o ouro gasto

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atualmente para o luxo, não apenas em jóias, correntes eanéis, mas para dourar metais mais vis ou a própria madei-ra, que, entalhada de várias maneiras, orna os nossos te-tos, as nossas pinturas e até as carruagens (que cada um,até menos rico do que os mercadores, quer tão luxuosasquanto eram os carros triunfais antigos), todo esse ourotambém subtrai uma parte não pequena de toda a massade ouro que existe no mundo.

A primeira vez que os romanos douraram os tetos –e eram os do Capitólio – foi depois de ter destruído Car-tago. Depois do Capitólio, o luxo passou para as residên-cias dos grandes e dos césares, e narram-se coisas inaudi-tas a respeito do grande palácio de Nero e de outras osten-tações do fausto romano. Os naufrágios também, infe-lizmente bastante freqüentes, depositam no mar porçõesde um e de outro metal e podem chegar a alterar a propor-ção ora de um, ora do outro. Mas de todo o luxo, de todoo mau uso que se faça do ouro, muito maior é o consumoque fazem, com emprego sempre detestável, os avaren-tos, não apenas aqueles que o subtraem da circulação,condenando-o a ficar preso em seus cofres enquanto vi-vem, mas aqueles também que, ao escondê-lo de novoembaixo da terra em grande quantidade, ofendem a natu-reza e Deus que o criou, e que nos deu a inteligência e asnoções para desenterrá-lo do lugar onde foi produzido epara que dele nos servíssemos para nossos usos.

São poucos, contudo, em comparação com as outrasnações, os cristãos culpados de um sacrilégio tão vil esórdido, e particularmente em comparação com os tur-cos e os indianos mongóis, que, sabendo perfeitamen-te que seus filhos só por milagre poderiam herdar seusbens, indo cair todos, depois de sua morte, no fisco régio,

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escondem embaixo da terra tesouros imensos com o pro-pósito de revelá-los aos filhos antes da morte; e se talcoisa não sair segundo as previsões, aqueles metais ficamde novo no seio da terra que os produziu.

E, de fato, não saberia achar explicação melhor doque essa à pergunta daqueles a quem parece paradoxalque todos os anos se vê extrair das minas de todos ospaíses uma massa enorme de ouro e, no entanto, se obser-va que em nenhum lugar aumenta e alcança a propor-ção que se esperaria, mas há sempre a mesma quantida-de ou, até, menor. As sedas que, apesar de haver umagrande produção na Europa, nos chegam em tão grandequantidade da Pérsia, das Índias, do Mogol e até da pró-pria China; todas as especiarias que nos são trazidas dasÍndias Orientais; tantas outras drogas, tantas outras mer-cadorias que todos os anos nos trazem os navios portu-gueses, ingleses e holandeses; as gemas mais preciosas,diamantes, pérolas, safiras e outras que nos são trazidasdaqueles mesmos reinos, com que mais se compram se-não com dinheiro vivo? Quase nenhum daqueles vastíssi-mos impérios compra mercadorias da Europa a não serem troca de suas outras mercadorias, de modo que o ouroflui da Europa para aquelas regiões em quantidade muitomaior do que aquele que é trazido de lá. E, no entanto, háreinos que possuem minas riquíssimas.

Na própria Turquia, que, infelizmente, é a mais pró-xima de nós, quase não circula outra moeda fora os reaisda Espanha, os cequins vênetos e os húngaros da Alema-nha, mas, ao contrário – ainda que seja verdade que osreais espanhóis estejam sempre circulando no movimen-to de mercadorias e no comércio, pelo que freqüente-mente voltam para a cristandade grandes somas –, os sul-tânis são raríssimos. Onde ver um aspre de prata se não

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estiver por sorte nas mãos de quem o guarda unicamentepor curiosidade? Sinal evidente de que as nossas moedas,nossos ouros e pratas, vão todos parar naquelas regiõessem mais voltar. Assim sendo, se não fosse o costumebárbaro daqueles tiranos de se apropriar dos bens de cadaum que morre, subtraindo-os aos filhos do defunto, coma conseqüência de que fica enterrada tão grande quantidadedo ouro pertencente aos ricos que o escondem, o ouroseria tão abundante entre eles como entre nós o ferro.Aliás, há reinos na Ásia, perto da Tartária, onde os ricos,não para deixarem seu ouro aos filhos, mas por acredita-rem cegamente poder se servir dele no outro mundo, osepultam na maior quantidade que podem juntar.

Ora, cada uma dessas causas, ao sofrer alterações deuma maneira ou de outra, pode alterar os preços dessesmetais e fazer com que o ouro seja comprado ora porpreço mais alto, ora mais baixo. E talvez não se possaaduzir nenhuma outra causa de o ouro ter se tornadomais caro do que a prata, do tempo em que Bodin escre-via que valia 12 vezes mais do que a prata aos nossosdias, em que vale quase 15 vezes a mais, a não ser o fatode que o comércio com o Oriente – comércio que, estan-do nas mãos quase que exclusivamente dos venezianos egenoveses antes de Francisco I, foi aberto aos francesese espanhóis graças aos judeus que, expulsos da Espanhae refugiados na Turquia, começaram a vir de lá comerciarnos portos da cristandade – tenha subtraído sempre maisouro do que prata. Pois, ainda que a prata vá também paralá, no entanto ela fica na circulação do comércio, mas oouro, uma vez que tenha caído nas mãos dos grandes e nacasbá do grão-senhor, nunca mais volta a ver o sol, tam-pouco a pátria.

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CAPÍTULO VII

DAS MOEDAS DE COBRE E OUTRAS DE PRATA DE LIGA DE POUCO

VALOR E SUA PROPORÇÃO COM AS DE OURO E DE PRATA

Além das moedas de ouro e de prata fina, costuma-se usar outras de liga de baixo valor, isto é, de cobre eprata misturados em proporções variáveis, e algumas sim-plesmente de cobre, usadas principalmente para as des-pesas miúdas do povo, já que há muitas coisas que valemmenos do que a menor fração de prata passível de serusada comodamente. Jean Bodin conta que na Lorena jáforam fabricadas moedas de prata fina, chamadas de an-gevinos, tão pequenas que de uma marca se faziam 8 milpeças (mas acerca desta informação prefiro antes crer quese trate de erro de impressão ou de cálculo do que aceitarque houvesse moedas tão pequenas que pesassem menosde um grão cada uma, quando até de 6 ou 8 grãos seriampequenas demais). Os aspres dos turcos, que são moedasde prata muito miúdas, com um teor de 11,25 onças porlibra, pesam 12 grãos cada uma, e muitos, com efeito, asacham incômodas em razão do tamanho muito pequeno;e, certamente, introduzir moedas semelhantes na cristan-dade não seria muito bem aceito pelos pobres, pela faci-lidade de perdê-las e de se enganar ao contá-las. Entrenós, podemos observar quão pequenos são os quartos depaulo dos Estados Papais e da Toscana, embora atual-mente não circule senão um pequeno número, e aindaque pesem mais de dois aspres cada um são tambémconsiderados incômodos pela excessiva pequenez, nãomenos que os pequenos soldos de prata dos venezianos.Os pfennige da Áustria e de outras partes da Alemanha,conquanto não sejam de prata tão fina, mas de liga muito

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inferior, ainda assim são de um tamanho um pouco menordo que os aspres, e, portanto, pela facilidade com que sepode perder, também são mal aceitos pelo povo.

Ora, o aspre turco, em relação às nossas moedas, jávalia tanto quanto um baioco de Roma e dois soldos ve-nezianos, aproximadamente, já que 80 aspres valiam umapeça de oito da Espanha; mas depois que os paxás dasprovíncias distantes de Constantinopla começaram a fa-bricar tais moedas com uma liga inferior, entrando emacordo com banqueiros19 judeus para tirar proveito parti-cular para si, começaram a ser trocados até 120 aspres poruma peça de oito, que são 4 quatrins de Bolonha, ou seja,um soldo e meio de Veneza cada aspre. Mesmo assim,essas moedas de prata tão pequenas não são de um valortão pequeno que atenda à camada mais pobre da popula-ção e às suas despesas miúdas, e, com efeito, vemos quãofreqüente é o uso dos bezzi, 4 dos quais mal chegam avaler um aspre de boa prata. Com efeito, um homempobre, se com um aspre dividido em quatro partes podecomprar quatro coisas diferentes para seu uso, se tivertão-somente aspres inteiros pode comprar apenas uma,ou gastar 4 aspres para ter quatro coisas diferentes. Ossesinos de Milão e dos duques, na Lombardia, o quatrimem Roma, Bolonha e na Toscana, enfim, a moeda depouco valor em toda a cristandade (que, talvez por serde metal vil, de pouco valor, é chamada pelos franceses,pelos espanhóis e por outras nações de bilhão, e se divi-de em peças de valor muito inferior aos aspres de prata),é tão necessária que, conquanto na Turquia, onde não sefaz uso dela, os pobres vão levando a vida com paciência,

19 Partitante/i, em italiano. Termo antigo que designava um banqueiro que empresta-va seu próprio dinheiro ao Estado ou a um soberano.

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não gastando menos de um aspre para qualquer coisa;aqui não seria tão fácil privar estes outros povos de taluso com o qual estão acostumados desde sempre, e osindigentes que vivem de esmola freqüentemente pode-riam ficar sem ela, porque aquela pessoa que doa debom grado um bezzo, um soldo, não podendo doar menosdo que uma moeda de prata de 4 bezzi, deixaria de dá-la.A rainha Elisabeth da Inglaterra uma vez quis tirar deseus súditos o bilhão, reduzindo o comércio a moedas deouro e prata, mas seu povo ressentiu-se tão duramentedo incômodo de não ter moedas daquele valor mínimode que precisava que, forçada pelas revoltas populares,ela precisou reintroduzi-lo.

Ora, se no caso das moedas de maior valor quasenão há nação que não tenha observado ou não observeuma proporção exata relativamente ao valor intrínseco, aponto de se poder dizer que elas contêm aquele tanto devalor do metal quanto é o valor que o príncipe estabele-ceu para elas, é uma questão muito importante e ao mes-mo tempo ainda não decidida se no caso das moedas detão baixo valor seja necessária ou não uma proporçãoexata. Toda moeda tem, como veremos melhor mais adi-ante, dois tipos de valor, o intrínseco e o extrínseco. Ointrínseco baseia-se na quantidade de metal fino que con-tém; o extrínseco, na autoridade do príncipe, que deter-mina que ela seja posta em circulação e não seja recusada.

Se um estado não tivesse nenhum comércio com osoutros e vivesse apenas dos bens que nele são produ-zidos, como fez durante muito tempo a China e algunsoutros povos, o príncipe poderia avaliar suas moedas aseu bel-prazer, e seria indiferente o material com oqual fossem feitas. Com efeito, aqueles tártaros do Ca-tai, que, como conta Marco Polo e depois dele muitos

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outros mais modernos, se serviam de moedas de papelseladas pelo rei e outros ministros, não tiveram com issonenhum inconveniente, uma vez que entre eles eramaceitas normalmente. E se bem que naqueles poucos con-tratos que fazem com gente de fora sejam obrigados afazer uso de moedas de ouro e de prata, que não lhesfaltam em tais ocorrências, entre eles, no entanto, as depapel são avaliadas, exatamente como as de metal, emconformidade com o valor estabelecido pelo rei. E quasenão há diferença entre o uso destas e o uso das apólicesdos mercadores, com as quais eles endossam os pa-gamentos entre si sem ter de usar, no mais das vezes,grande quantidade de moedas, servindo no lugar delas ocrédito daquele mercador que se tem tornado devedorsubscrevendo as apólices, ou, então, as transferências devalores entre contas do mesmo banco de giro20 nas cida-des onde há tais instituições.

Assim sendo, aquele príncipe cujos súditos não comer-ciam com outros países poderia atribuir às suas moedaso valor que quisesse sem prejudicá-los minimamente; epoderia afirmar possuir a verdadeira alquimia e a verda-deira pedra filosofal, uma vez que sua subscrição teria ovalor que ele próprio julgasse que devesse ter. Os espar-tanos, quando Licurgo proibiu o uso de qualquer moedaexceto a de ferro, agüentaram umas centenas de anos comesta, ainda que pesada e incômoda e que, para comprarum gorro, para pagá-lo, precisassem levar junto um carre-gador para transportar tal moeda. Mas as guerras exter-nas exigiam ouro e prata, porque em terras alheias, onde

20 Banco di giro em italiano. Na Idade Média e nos séculos XVI e XVII, chamou-seassim àquele banco particular que efetuava a transferência de dinheiro entre as contasde seus próprios depositantes.

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outros povos não aceitavam viver à espartana, os esparta-nos até podiam exibir sua moeda de ferro, mas, se nãopossuíssem outra, não podiam suprir suas necessidades.

Se, então, um príncipe quiser que suas moedas deprata e de ouro sejam aceitas por povos estrangeiros, demaneira que os súditos possam comerciar com eles, sópode avaliá-las segundo sua composição e seu real valorintrínseco, pois, de outro modo, os outros príncipes nãoaceitarão receber pelo mesmo preço prata fina e a de ligade baixo valor; e tampouco os mercadores estrangeirosaceitarão receber uma moeda que, ao gastá-la depois emoutros lugares, lhes causará prejuízo. Esta é a razão queimpõe peremptoriamente a todos os príncipes que ava-liem suas moedas em estrita conformidade com sua com-posição e seu valor intrínseco, sem nenhuma outra vanta-gem para seus bolsos afora aquela pequena senhoriagemque, além da despesa de fabricação, eles retiram. Em re-lação a isso, costuma haver entre eles um certo consenso,e os povos aceitam aquele pequeno prejuízo que lhesadvém do transporte daquelas moedas para outros países,pois, como as moedas estrangeiras normalmente adqui-rem o valor não do metal não amoedado, mas o das outrasmoedas cunhadas, aquela pequena diferença acaba ficandoinsignificante.

Entretanto, o príncipe pode obter um lucro maiorsobre as moedas de baixo valor do que sobre as de pratae de ouro por duas razões. Uma, é que elas normalmentesão usadas nos comércios de pequeno valor e nas despe-sas miúdas de seus próprios súditos, que entre si as rece-berão sempre por aquele valor que ele terá estabelecidoem seus editos. A outra, é que, seja qual for sua composi-ção, essas moedas de baixa liga são banidas e recusadaspelos príncipes vizinhos, não só porque talvez elas não

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contenham o valor pelo qual são gastas, mas porque estespríncipes também querem auferir a mesma vantagem emseus próprios estados com a fabricação de seu própriobilhão, ou seja, moeda miúda para uso de seu povo, e,portanto, proíbem o bilhão de outros países. Assim, quero bilhão seja bom ou ruim, os contratos de seus súditoscom os estrangeiros normalmente têm por base apenas amoeda de ouro e de prata.

Em tal ganho, contudo, o príncipe precisa medir ri-gorosamente as necessidades de seu povo e não fabricarmoedas de baixo valor em quantidade maior do que aque-le tanto que deve circular entre o povo para suas peque-nas necessidades, caso contrário qualquer excesso em queele incorra se reverte em prejuízo tanto para o povo quantopara si próprio. Com efeito, da mesma forma que a escas-sez de moedas de baixo valor cria inconvenientes a todoo comércio, pela dificuldade de trocar moedas de ouro ede prata em certas despesas miúdas ou em ajustes deoutros pagamentos maiores em que entram quebrados,assim a quantidade excessiva de moedas de pouco valorcria escassez de moedas de ouro e de prata, e os merca-dores menores que vendem mercadorias a varejo, nãorecebendo dos compradores senão tais moedas de poucovalor, para efetuar em seguida pagamentos aos atacadistase, muito mais, para enviar dinheiro para fora do estado,precisam de moedas de maior valor, e para obtê-las emtroca das miúdas, as pagam acima do seu valor. Dessemodo, o preço de tais moedas aumenta e seguem os incon-venientes que causam a elevação de valor das moedas, arespeito da qual falaremos largamente mais adiante.

Por tais razões, fica bem evidente não ser necessárioque o príncipe fabrique a moeda de pouco valor comuma qualidade correspondente ao seu valor intrínseco,

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contanto que não fabrique mais do que aquele tanto quebaste para o uso do seu povo, e de preferência para me-nos do que para mais. Assim, a autoridade desse príncipe– que em todas as outras moedas deve ater-se aos limitesfixados pela proporção entre o ouro e a prata, sem a qual,ao invés de obter vantagem para si causa prejuízos para sie para seus súditos –, neste tipo de moedas de poucovalor parece ter campo para ir além de tais limites, atri-buindo um valor às moedas miúdas, ainda que apenas desimples cobre, como se contivessem alguma parcela deprata, e tirando um proveito não desprezível em confor-midade com o número de súditos que ele governa e denegócios que faz. Mas ele não pode, sem prejuízo pró-prio e dos súditos, fazer circular uma quantia maior doque comportam suas necessidades usuais.

O banco de giro, que foi instituído em muitas cida-des mercantis e que presta um serviço aos mercadores –os quais, no lugar de dar dinheiro vivo a seus credores,lhes destinam, mediante uma escrituração naqueles livros,um tanto do crédito que eles possuem (de modo que sefaz circular repetidamente aquelas partidas sem o uso di-reto de dinheiro, que foi depositado por eles mesmoscom tal finalidade) –, tem também uma certa quantidadefixa de dinheiro vivo que, ficando aí depositado, se podedizer morto, uma vez que circula apenas pelas pontas dascanetas dos escriturários do banco que registram as trans-ferências. O próprio príncipe, então, pode entrar comodepositário daquela determinada soma e usá-la de acordocom suas necessidades.

Sei de uma cidade da Itália cujo príncipe, depois deter retirado cerca de 800 mil escudos sem que o bancotivesse algum transtorno, quando, para outra necessidade,retirou mais 400 mil, fez com que o banco começasse a

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ficar desacreditado, uma vez que não podia fornecer di-nheiro vivo a quem o pedia, e os mercadores que tinhamcrédito em tal banco, em razão da dificuldade de retirardinheiro, só podiam fechar os negócios concedendo umtanto por cento a mais. Diante dos evidentes prejuízosque tal situação criou para o comércio, o príncipe foiobrigado a depositar de novo o a mais que tinha retiradoda primeira quantia, visto que naquela cidade não circula-vam nas negociações dos mercadores mais do que 800mil escudos.

O mesmo ocorre com a moeda de baixo valor. Se opríncipe se limitar a fabricar apenas a quantidade que ésuficiente para o uso de seu povo, pode fabricá-la com ovalor intrínseco que quiser, uma vez que tais moedas sóservem dentro de seu estado, fora do qual não se aceitasenão ouro e prata; mas se fabricar mais do que é neces-sário, à maneira de um vaso cheio que deixa transbordar oexcesso com prejuízo de quem o enche, acaba causandopara si e seus estados um prejuízo maior do que o ganhoque quer auferir. Mas mesmo no que se refere a atribuirvalor a tais moedas a liberdade do príncipe não é tãoampla, pois a malícia dos homens restringiu tanto seupoder que nem mesmo com as moedas mais vis podeobter um ganho considerável, sob pena de vê-lo conver-tido numa perda muito maior, tanto própria quanto deseus súditos. Tal coisa deve-se aos falsários, a pior espé-cie de homens que vive prejudicando o bem público, por-que os próprios sicários e assassinos são nocivos a umnúmero pequeno de pessoas e é fácil descobri-los e cas-tigá-los, mas os falsários assassinam todo um povo ouuma nação de repente, com meios tão ocultos que, nomais das vezes, andam e freqüentam diariamente as pra-ças sem ser reconhecidos como tais e, portanto, sem ser

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punidos. Ocorre, assim, que, apesar do perigo de vida ede honra, de que são irremissivelmente privados se fo-rem descobertos, sempre há e sempre haverá tais indiví-duos enquanto existir interesse no mundo, e muito maisporque não faltarão pessoas que, abusando de suas pró-prias fortunas e autoridade, lhes prestarão favores secre-tos e lhes darão proteção.

Toda vez, então, que um príncipe fabrica moeda debaixo valor, de cobre puro ou de liga de baixo valor, e lheatribui um valor maior do que o intrínseco, de tal maneiraque o ganho que pode obter é grande, ele se expõe aoperigo de que os falsários fabriquem moeda do mesmotipo, sem mesmo alterar sua qualidade, e abasteçam, aospoucos, o estado, causando, dessa forma, a escassez e,portanto, a elevação do valor das outras moedas de pratae de ouro, com todos aqueles danos que se seguem. Enão é tão fácil descobrir quais são as moedas falsas quan-do têm a mesma composição das do príncipe, pois, rela-tivamente aos cunhos, da mesma forma que na casa damoeda se trocam várias vezes porque se consomem, e omestre faz outro imitando em tudo e por tudo o primeiro,sem que haja alguma diferença perceptível, também nascasas da moeda clandestinas há gente que, infelizmente,sabe imitá-los igualmente bem, e o povo não conseguedistinguir as moedas verdadeiras das falsas. Se, então,aqueles que, há dez ou doze anos, disseminaram grandequantidade de soldões falsos pelo Estado Vêneto nãotivessem querido obter vantagem também no peso e nacomposição, teria sido muito difícil remediar os danosque causaram. Mas justamente por causa da diferença dacor e da espessura mais fina bem cedo o povo aprendeua distingui-los e recusá-los, e grande quantidade dessasmoedas acabou indo para Ferrara e Bolonha, onde vi que

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ficaram circulando por muito tempo com o valor de umquatrim cada um, que não equivalia sequer a um terço dosoldo que haviam tentado falsificar no Estado Vêneto.

Da mesma forma, certas moedas de Bolonha cha-madas de mouraiolas, que valiam dois bolonhinos cadauma, há mais ou menos dezesseis anos foram imitadas detal maneira que as letras pareciam as mesmas a quem nãosoubesse ler, mas pelas letras em volta se podia perceberque eram diferentes e compunham o nome de outra legí-tima casa da moeda. Antes que se descobrisse a fraude,muitas dessas moedas falsas acabaram circulando mistu-radas com as boas, mas bem cedo a espessura reduzida ea cor que adquiriram especialmente com o desgaste fize-ram com que fossem reconhecidas, e foram banidas erecusadas pelo povo antes que os danos aumentassem.Não há dúvida, então, que mesmo em se tratando de moe-das de menor valor os príncipes não podem afastar-semuito do valor intrínseco para auferir vantagem sem peri-go de atrair para si e seus súditos um notável prejuízo.

A favor dessa afirmação há uma outra consideraçãoa ser feita, e é que o interesse dos falsários não coincidecom as normas das casas da moeda reais, e, assim, quandoo falsário não obtém um ganho grande, não ganha nada,pois suas despesas são muito maiores. Aquele cunho quea um príncipe não chega a custar um quarto de uma peçade oito, a um falsário muitas vezes custa 4 ou 6 dobras,pois quem presta serviço numa casa da moeda públicanão arrisca a vida, e recebe apenas aquela importânciaque é proporcional ao trabalho, mas se um artífice tem defabricar cunhos às escondidas, expondo-se a um riscode vida, não se deixa persuadir senão em troca de muitoouro. Eu mesmo vi alguns punções mestres encontradosna casa de um falsário, pelos quais num processo se

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constatou terem sido pagos 10 dobras cada um, e todoseles não valiam uma dobra se tivessem sido feitos na casada moeda do príncipe.

Da mesma forma, os operários, quer sejam mantidospelo falsário, quer este trabalhe por conta própria – muitoembora não possa fazer tudo sozinho –, custam muitomais que ao príncipe; conseqüentemente, o falsário nãose aventura de bom grado a fabricar moedas de poucovalor, porquanto a despesa para fazer um soldo ou umcequim é a mesma.

Quando, então, o príncipe sabe que não há grandeganho em falsificar seu bilhão, pode se sentir garantidode tais malefícios e gozar aquele lucro moderado que lhepode advir de uma pequena margem de vantagem, sempeso na consciência, uma vez que, com tal moderação,não causa nenhum prejuízo para seus súditos. É assimque a moeda de baixo valor de Bolonha tem tido sempreótimos resultados e não cause nenhum prejuízo, pois,embora seja toda de cobre, é grossa e pesada, e os falsá-rios não têm vantagem nenhuma em fabricá-la. Além dis-so, ainda que por sua espessura considerável tenha sidoaceita na Romanha e outras partes, não sai senão raramen-te e só por acidente, e uma pequena quantidade dessaspeças serve aos usos do povo por um longo período detempo. Dessa forma, se não deixasse entrar abusiva-mente, às vezes, algum bilhão de fora que se assemelhaao deles, ali nunca nasceria alguma desordem. Vemos, pelocontrário, que a quantidade excessiva dessas moedas quefabricam os príncipes da Lombardia, e o ganho exorbitan-te sobre o peso e a liga que têm proporcionado especial-mente aos banqueiros judeus, os quais com projetos espe-ciosos têm arrendado suas casas da moeda, manteve emantém as desordens que se manifestam nas moedas boas,

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podendo-se ver a alteração de seu valor a cada mês. Masa respeito disso falaremos devidamente mais adiante.

Caso, então, o príncipe renuncie a ter qualquer ganhocom as moedas de baixo valor, e as fabrique de uma liga evalor intrínseco correspondente ao valor extrínseco quequer atribuir-lhes, descontadas as despesas de fabricação,não queria que a alguém parecesse um paradoxo se disserque de tal coisa pode nascer um dia certo transtorno nasmoedas de maior valor. Mas a prova disso é tão fácil quenão quero deixar de expô-la.

Acontece freqüentemente que as moedas de menorvalor, quando sua qualidade é proporcional ao preço, se-jam introduzidas também em outros países, e, nesse caso,o príncipe que as tem fabricado é obrigado a fabricar maismoedas para suprir as necessidades de seu estado e vaiemitindo grande quantidade delas por um longo períodode tempo. Mas se os outros príncipes, em cujos estadosforam introduzidas, por alguma razão as proibirem, vol-tam todas para o estado em que foram fabricadas. Dessaforma, tendo-se tornado excessivas, os mercadores, espe-cialmente os que vendem a varejo, começam a receberapenas bilhão e não encontram uma soma suficiente demoedas de ouro e de prata de que precisam para enviarao exterior, quer porque os estrangeiros, ao mandar devolta as moedas de baixo valor, mesmo pagando algumágio, têm retirado as moedas melhores, quer porque mui-tos entre os mais ricos, vendo a desordem criada pelaabundância do bilhão, criam de propósito escassez demoedas de ouro e de prata para tirar proveito, pois quemdelas precisa lhes dá em troca uma quantidade maior debilhão. Cria-se, assim, a elevação de valor das moedasmelhores. Nesse caso, não há outro remédio senão que opríncipe que fabrica tal moeda volte a recolhê-la, dando

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em troca moedas de maior valor, e volte a recolhê-la paradistribuí-la depois de novo, aos poucos, segundo exija aconveniência, para manter sempre entre seus súditos ape-nas a quantidade de que precisam.

Fica claro, então, tanto pelos capítulos anterioresquanto por este, que, em se tratando de moedas de ouroe de prata, ou seja, de moedas que circulam no comérciogeral de um estado ou reino a outro, o príncipe não podeafastar-se daquelas proporções que são usadas universal-mente também pelos outros; e que, em se tratando debilhão ou moedas de baixo valor, não pode ultrapassar aquantidade de que precisa seu estado para o comérciomiúdo, mas dentro desta medida pode tirar proveito ho-nesto, sem prejuízo para os súditos. Parece, portanto, quese possa dizer que quem confere valor ao ouro e à prata éo jus das gentes, ou seja, o consenso comum das naçõessobre o qual um príncipe particular não tem poder; mas àmoeda de pouco valor o preço é dado pelo príncipe, quepode, a seu arbítrio, impor a lei a seus súditos, mas tal quenão cause prejuízo a eles e, tampouco, a si próprio.

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CAPÍTULO VIII

DO VALOR DAS MOEDAS EM COMPARAÇÃO COM AS LIRAS

E OS ESCUDOS DE CADA PAÍS, QUE, NO MAIS DAS VEZES,SÃO IMAGINÁRIOS

Os dois metais mais ricos são, então, a verdadeiramedida e preço das coisas passíveis de ser vendidas; e seo cobre, ou a moeda de baixo valor e de liga inferior, temcurso no comércio, tem a mesma serventia que têm asonças, as dracmas e os grãos quando se pesam as merca-dorias mais pesadas, uma vez que antes se indicam asquantidades em pesos maiores, libras, pesos, arráteis etc.,e só as sobras miúdas são especificadas em onças e drac-mas. Mas o verdadeiro preço ou valor de uma coisa nãoconsiste senão, conforme a doutrina exposta anteriormente,na igualdade de apreço que os homens têm por tal coisa euma determinada quantidade de ouro, ou, em seu lugar,uma quantidade proporcional de prata; e diz-se preço jus-to, então, aquele tanto de ouro e prata que os homens,num determinado país, dariam normalmente por tal coisase dela tivessem necessidade. E fica claro também o quequer dizer valor, preço caro e barato etc., já que essaspalavras não significam outra coisa senão a medida daestima que por tais coisas, sejam elas moedas ou merca-dorias, têm normalmente os homens naquele país.

E como a medida dessa estima dissemos ser a moe-da, e, entre as moedas, o ouro e a prata são os metaismais valorizados pelos homens e os mais aceitos nomundo inteiro, podendo-se marcá-los por meio de im-pressão como se quiser, quando, então, se fala em merca-dorias, o valor, preço etc. destas não pode ser expressomelhor do que em determinada quantidade de ouro e de

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prata. Mas ao falar em moedas, se forem de ouro, se expri-me seu valor em prata; se de prata, em ouro, porque ummetal é medida própria do outro. Desse modo, se eu per-guntar quanto vale na Espanha a dobra, e me for respon-dido, por exemplo, 750 maravedis, que é uma pequenamoeda de cobre usada naquele país, não chego a saberquanto vale, porque o metal daqueles maravedis não pos-sui um verdadeiro valor intrínseco, ou seja, uma medidauniversal do apreço que os homens têm por eles, e forada Espanha seriam aceitos apenas por peso, como cobrevelho, com grande prejuízo. Mas se me disserem que adobra vale 30 reais de prata, aí sim venho a saber quantovale, já que estes são moeda de prata e circulam no mundointeiro, e sua composição, peso e valor são conhecidospor todos.

Muito pior do que esta equiparação com as moedasinferiores é a que se pode fazer com uma outra moeda,que, no mais das vezes, é imaginária e se chama lira ouescudo de um determinado país, porque, neste caso, encon-traremos dificuldades enormes e incertezas que criam umagrande confusão para os que têm de lidar com tais maté-rias. Em razão disso, será preciso tratar também de taismoedas e, para maior clareza, fazer uma exposição maisdetalhada.

Este nome lira não é senão a figura ou vestígio queficou da antiga libra ou asse romano, que foi cunhada porSérvio Túlio inicialmente de cobre com o peso de umalibra, e, embora tenha sido subdividida em moedas meno-res chamadas sembelas, trientes, quadrantes, sextantes,onças, sêxtulos etc., em conformidade com o peso, houvetambém umas maiores que pesavam duas libras cada uma,chamadas dupôndios.

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Havia naqueles tempos este belo costume de fabri-car moedas incômodas de carregar, talvez a exemplo deLicurgo, de quem já falamos; e não faltam os que dizemque Sérvio Túlio também tenha fabricado moedas deferro, além das de cobre. Pólux diz o mesmo dos bizan-tinos. Não é de admirar, então, que a moeda tenha ganhotambém o nome de stips, do verbo stipare, que quer dizeramontoar ou acumular, porque quem possuía grandequantidade delas não as guardava em cofres, mas as jun-tava aos montes em quartos a isso destinados, e é assimque a paga dos soldados veio a ser chamada posterior-mente de stipendium, termo que, passado para a nossa lín-gua, serviu depois para designar qualquer tipo de remu-neração anual ou mensal que se dá por qualquer serviço.E como o antigo tesouro romano derivou o nome eráriodo cobre, da mesma forma as penas que as leis determi-navam para certos crimes eram expressas em libras decobre, ou asses de uma libra,21 como conta Lívio no livroV da 1.ª Década, quando diz a respeito de Aulo Virgínioe Quinto Pompônio, tribunos do povo, que “ainda que ino-centes foram condenados a pagar 10 mil asses de cobre,criando assim perigoso precedente”. E o mesmo autorconta que, no ano 549 da edificação de Roma, os senado-res, tendo estabelecido pela primeira vez a paga aos solda-dos e, portanto, tendo imposto um tributo ao povo contrao parecer e o consentimento dos tribunos, para incitar osoutros com o próprio exemplo, foram os primeiros a mandarsua parte ao erário, “e como”, continua, “naquele tempoainda não tinham sido cunhadas moedas de prata, alguns,que levavam ao erário asses de uma libra em carretas,tornavam a contribuição ainda mais vistosa”.

21 Aes grave, em latim, ou seja, o asse quando correspondia ao peso de uma libra.

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Mas na Primeira Guerra Púnica, estando o erário jáquase vazio, foi decretado que os asses fossem daí emdiante de apenas duas onças, de modo que, ganhando 5em cada 6, pagaram as dívidas e satisfizeram suas despe-sas, o que lhes foi fácil pelo pouco comércio que tinhamcom nações estrangeiras e por se contentarem, sendo osromanos tão sóbrios em sua maneira de viver, com o queoferecia a fertilidade de suas terras. Quem possuía assescom o peso de uma libra foi obrigado a levá-los à casa damoeda para ter de volta asses de duas onças cada um, e,desse modo, não sofreu nenhum prejuízo, já que os des-pendia pelo mesmo valor com o aval da autoridade públi-ca e nem havia de efetuar nenhum pagamento a quemlhes trouxesse telas da Holanda, tecidos da França, esto-fos da Itália e outras mercadorias de outros países. Nãoaconteceria o mesmo nos dias de hoje, porquanto são tãopoucos, e, ainda, segregados em claustros, os que se satis-fazem de viver espartanamente, por fins mais altos esantos. Se, pelo contrário, o povo romano tivesse tido denegociar com outros países, não podia não sofrer pre-juízo. Com efeito, aquela resolução, que representou na-quela época a salvação da República Romana, não pôdeser tomada em tempos muito posteriores, quando, nummomento de apuros urgentíssimos, o tribuno do povoLívio Druso propôs misturar à prata para fabricar moedasuma oitava parte de cobre e tal proposta foi rejeitada, nãosem descrédito do seu autor junto à plebe. E nos nossostempos a Polônia, que depois das guerras com os suecos,no ano de 1658, tinha muitíssimas dívidas com as milícias,sofreu perdas gravíssimas por ter usado este expediente;mas a respeito disso falaremos em outro momento.

O mesmo expediente foi praticado de novo pelos ro-manos durante a ditadura de Fábio Máximo, que reduziu

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os asses ao peso de uma onça, dobrando-lhes, assim, ovalor legal mais uma vez; e não muito tempo depois, pelalei papíria, foram fabricados asses de meia onça, e poste-riormente se deve presumir que tenham mudado de pesoaos poucos, segundo o alvitre de quem os mandava fabri-car, já que não se encontram mais, que eu saiba, aquelesasses de uma ou duas libras que se usavam nos temposmais antigos, mas muitos, maximamente da época dos pri-meiros imperadores, que mal pesam um quarto de onça,ou até um sexto. Entretanto, não se lê que dessas últimasreduções a república obtivesse algum benefício, mas, pelocontrário, deve-se pensar que deva ter sofrido um prejuí-zo não menor do que aquele que resultaria nos dias dehoje, pois, como vimos, o povo recusou tal expediente notempo de Lívio Druso, quando, tendo iniciado o comér-cio com outros países e tendo sido introduzidas as moe-das de prata, os particulares não podiam tolerar que opríncipe lhes desse uma moeda com um valor que de-pois, levada a outro país, diminuísse muito, causando-lhesgraves perdas.

Coisa certa é que a prata, desde a primeira vez quefoi amoedada em Roma, começou, não sei se devo dizerpor bem, a dar ou receber o valor do cobre, havendo-setornado um metal medida do outro. Inicialmente foramfabricados os denários, que foram assim denominados porvalerem 10 asses em libras de cobre, depois os quinários,de 5 libras, e os sestércios, de duas libras e meia, signifi-cando o S, na abreviatura LLS, semis; houve também alibra de prata que, por ser a décima parte de um denárioe, portanto, muito pequena, foi denominada de libela, evalia uma libra ou asse de cobre.

A partir de então se introduziu o costume de falarem sestércios, como hoje falamos em liras, reais, florins

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etc. Mas qual seria o ano em que foi amoedada pela pri-meira vez a prata? Plínio diz 585; Lívio, 484; e eu nãoquero rever esse cálculo, ainda que, talvez, estivesse maisinclinado a aceitar a indicação de Lívio, podendo ser aincorreção de Plínio, de 5 no lugar de 4, um erro no atode escrever ou um erro tipográfico.

Inicialmente, no denário de prata gravavam as bigasou quadrigas, isto é, carros puxados por dois ou quatrocavalos, com o sinal de X ou S, conforme se tratasse dedenários ou quinários, de modo que passaram a ser cha-mados de bigati e quadrigati; e os quinários, depois que àimitação de outros da Dalmácia, foram gravados com aefígie da deusa Vitória e chamados de victoriati, nomesdos quais Tito Lívio fez grande uso. Mais tarde, porém,foram fabricados com várias outras impressões, ao arbí-trio dos provedores da casa da moeda, ou, como diziam,triumviri monetali, triúnviros das moedas; e, finalmente,consolidou-se o costume de gravar em todos a efígie doimperador, decorrendo disso que quando Cristo pergun-tou aos fariseus maldosos de quem era a efígie impressana moeda do tributo, estes responderam que era de César.Desses denários, 84 equivaliam em peso a uma libra ro-mana, isto é, 7 equivaliam a uma onça, e desse mesmotipo foram fabricados também durante o consulado deCícero e até os tempos de Augusto e de Tibério, mas emseguida foram diminuídos aos poucos, assim que, numprimeiro momento, 8 equivaliam a uma onça, conforme ouso dos gregos, que os fabricavam de uma dracma cadaum, e posteriormente continuaram a diminuir à propor-ção que aumentava a avareza e se iam perdendo as boasleis do governo durante a decadência do império.

Ora, para limitar-me às coisas que me propus apre-sentar, o denário de prata, que no princípio foi avaliado

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em 10 asses de cobre, ou seja, em 10 liras, nos tempos doditador Fábio Máximo foi avaliado em 16 asses, conser-vando o nome de denário; o quinário, porém, não valia 5,mas 8 liras; e o sestércio não tinha mais o valor de duasliras e meia, mas de 4 liras, ou seja, 4 asses de cobre. Eis,então, como o sestércio e os outros, aliás, as própriasliras, se tornaram imaginários, pois, embora mantivessemo mesmo nome, não continham, contudo, mais aquelevalor nem aquele peso que seu nome indicava. O asse decobre, que no princípio pesava uma lira, já se reduzira aapenas meia onça, e não obstante se chamava libra, e odenário de prata, que devia valer 10, passou a 16 liras.Reduzida, então, a lira a esta denominação imaginária, quempossuía uma das antigas liras de cobre, que quanto aopeso correspondia a 24 das modernas, evidentemente sópodia avaliá-la em 24 liras imaginárias, isto é, 24 das cor-rentes, que não eram mais verdadeiras liras, mas meiasonças. Aliás, quando mais tarde foram fabricados os assesquadrantais, isto é, de um quarto de onça cada um, umasse antigo, do peso real de uma libra, podia valer 48 dosnovos; e se os rumos do comércio tivessem feito comque muita prata saísse do Império Romano, visto que osestrangeiros não teriam avaliado seu cobre amoedado namesma proporção, os mercadores romanos teriam pago odenário de prata não só 16, mas 20 e mais libras de cobre,estimadas porém em um quarto de onça cada uma e,portanto, imaginárias.

Da mesma forma, poderia examinar as moedas deouro em comparação com as de cobre e de prata, e mos-trar como o sólido, hoje denominado soldo, foi tambémmoeda de ouro, 72 dos quais perfaziam uma libra romana,ou seja, cada um pesava cerca de 106 grãos, peso romano,no tempo dos imperadores Valente e Valentiniano, mas,

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aos poucos, passando por mil vicissitudes de leis, naçõese domínios, tornou-se moeda imaginária, ou melhor, puronome aplicado a várias moedas de pouco valor que circu-lam por quase toda a Itália e na França com tal denomi-nação, com valores entre si e relativamente à qualidadeintrínseca completamente desproporcionais, sendo dife-rente o soldo de Veneza do de Milão, de Florença, doPiemonte, de Gênova, Reggio, Parma, Mântua e de tantosoutros estados. Esses soldos variam todos entre si e valem,nos dias de hoje, o escudo de ouro da Espanha, ou seja,a sua meia-dobra; em Veneza, 300 soldos; em Milão,240; em Gênova, 188; em Florença, 207; em Reggio, 510;no Piemonte, 150; na França, 110: variações tão grandesque não permitem que se considere o soldo moeda real,ainda que em cada um desses lugares circulem moedasde baixo valor com o nome de soldos, e tanto mais quenum mesmo lugar, por um escudo de ouro, se dão oramais, ora menos soldos da mesma espécie, sendo infeliz-mente verdade que meia-dobra espanhola valia, em 1678,460 soldos efetivos, e agora, em 1683, vale 80 soldos amais. Os soldos de Mântua, então, têm mudado de valorde aproximadamente 22 a 23, e por isso os consideroimaginários, assim como o são as liras e certos escudosdaquela cidade.

Mas como, muitas vezes, são imaginárias mesmoaquelas moedas que têm existência real, dependendo seuvalor mais da imaginação e da opinião do povo do que dasua qualidade intrínseca, ao se elevar o valor das moedasde prata e de ouro, os soldos e as liras, em si, se mantêmconstantes, fundando-se tal propriedade na imaginaçãodo povo e na autoridade das leis do príncipe, enquantoque as moedas que circulavam com tal nome adquiriamnovos valores. Em Veneza, já havia tempo, fabricavam-se

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moedas de prata de baixo valor que, do nome do dogeentão vivo, foram chamadas de mocenigos, e valiam nor-malmente 20 soldos cada um. Foi-se elevando o valor dasmoedas aos poucos, e estas liras passaram a valer de 21 a22, e chegaram até 24, de modo que, para distingui-las dasliras, que o povo sempre pensava serem de 20 soldos,foram apelidadas de lirazze,22 e com tal denominação cir-culam no comércio ainda em grande número, avaliadasconforme o valor antigo, embora sejam de peso menor. Efoi assim que, nos dias de hoje, elevando-se o valor dasoutras moedas, o valor delas não aumenta mais.

Ocorreu o mesmo com o ducado vêneto, que, nocomeço, era equivalente ao escudo de ouro dito cequim,e valia 3 liras. Tendo passado a valer aos poucos até 6liras e 4 soldos,23 foi estabelecido que de então em diantepermanecesse com aquele mesmo valor, e tanto faziadizer 6 liras e 4 soldos quanto um ducado vêneto. Mas,pelas costumeiras perturbações advindas da elevaçãode valor das moedas, não foi possível contê-lo naquelevalor, e, no entanto, ficou o costume de pagar 6 liras e4 soldos no lugar de um ducado, das dívidas antigas; ecomo os contratos e as escrituras eram todos concebidosem ducados de 6 liras e 4 soldos, continuou-se a falar e afazer contratos em ducados de 6 liras e 4 soldos, de modoque tal ducado se tornou imaginário, enquanto o cequimpassava a outros valores, valendo, atualmente, mais de 3ducados.

Da mesma forma, o ducado de Santa Justina, que foifabricado outrora em memória da grande vitória contra os

22 Depreciativo de liras.

23 Talvez seja oportuno lembrar que as subdivisões da lira eram os soldos e osdenários, e que 20 soldos, assim como 12 denários, equivaliam a uma lira.

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turcos em Lepanto, e era de prata, avaliado em 6 liras e 4soldos, hoje em dia, ainda que tenha mantido o mesmovalor como ducado imaginário, atingiu um valor tão altoque não é mais chamado de ducado, mas de ducatão, eatualmente circula no comércio com um valor de até 9liras. E os novos ducados vênetos – que, fabricados apartir de 1665 para cá, juntamente com as liras também deprata, com um valor, aqueles, de 6 liras e 4 soldos, e estas,de uma lira –, para que tais nomes de lira e ducado não setornassem imaginários, mas se mantivessem em seu valorprimitivo, têm quebrado as amarras das leis públicas jun-tamente com as outras moedas. E assim, ainda que atéagora sem aprovação pública, se tem elevado os ducados,a 6 liras e 10 soldos, e as liras, quase a 21 soldos.

Do mesmo modo, circula em Pádua um escudo ima-ginário nas compras de cavalos, bois e outros animais,avaliado em 7 liras de moeda vêneta (embora os forastei-ros, para sua maior facilidade, prefiram falar em dobras deouro), e a avaliação desse escudo imaginário nunca seafasta daquelas 7 liras, elevem-se quanto quiser os valo-res das moedas de ouro e prata reais. Assim em Módena oescudo de 5 liras e 3 soldos, em Bolonha o escudo de 4liras, em Mântua o de 6 liras, e em muitos outros lugaresoutros escudos, são totalmente imaginários; donde nasceque quando os verdadeiros valores das moedas de ouro ede prata sofrem alterações, passando geralmente a valermais do que esta moeda imaginária, ficam confusos osvalores das mercadorias e dos contratos velhos e novos,com incômodo permanente, prejuízo público e dos parti-culares.

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CAPÍTULO IX

AO SE DIZER QUE AS MOEDAS AUMENTAM DE VALOR,JÁ QUE VALEM MAIS LIRAS OU SOLDOS IMAGINÁRIOS,

DEVE-SE ENTENDER MAIS PROPRIAMENTE QUE AS LIRAS,SOLDOS E ESCUDOS IMAGINÁRIOS DIMINUEM DE VALOR

A muitos tal proposição parece um paradoxo, masespero não só provar que é realmente verdadeira, mastambém servir-me dela proficuamente para esclarecer asverdadeiras razões da alteração das moedas.

Nos capítulos anteriores mostramos que o ouro e aprata são medida e valor um do outro, de modo que to-mando o ouro como mercadoria se diz que vale tanto deprata por onça, e tomando da mesma forma a prata comomercadoria se diz que vale tanto de ouro por libra; e nocaso de as moedas de um e do outro metal serem estima-das no justo valor, em conformidade com a proporçãomais comum vigente no comércio, trocam-se umas pelasoutras de acordo com sua avaliação; e já demonstramosque se deve inferir o verdadeiro preço e valor das coisasapenas destas moedas e não daquelas de cobre ou de ligade baixo valor, que não contêm em si, intrinsecamente, ovalor que lhes atribuiu a autoridade do príncipe.

Se, então, supusermos que seis anos atrás a dracmade ouro fino, ou, se preferirmos, o cequim de Veneza,valia 360 soldos e hoje vale 400, quais entre estes doismudou realmente de valor, o cequim ou o soldo? Se overdadeiro valor das coisas está no ouro ou na prata, eo cequim não valer mais quantidade de prata do quevalia antes, mas apenas estiver sendo avaliado em maissoldos ou mais liras imaginárias, conservando em si amesma qualidade e peso que possuía antes, ele não terá

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mudado de valor, mas, sim, terão mudado os soldos e asliras imaginárias, das quais se precisa de um número bemmaior do que antes para perfazer um cequim. Que talcoisa seja verdadeira percebe-se pelo fato de que, ao seelevar o valor de uma moeda, como foi o cequim, imedia-tamente se eleva o de todas as outras, tanto de ouro comode prata. Assim sendo, o escudo também passou de 192 a200 soldos, e o ducado efetivo, de 124 soldos, que eratambém o valor do ducado imaginário, passou a 130; e adobra da Espanha, que valia 28 liras, passou ao valor de30, e assim todas as outras moedas, até a liretta24 de prata,que valia 20 soldos e hoje vale quase 21 soldos, havendo4% e até 4,5% de ágio, de modo que por 100 liras efetivasse encontra quem dá 104, ou até 104,5 liras.

Mas para maior clareza façamos um cálculo entre oescudo e o ducado. Seis anos atrás, o escudo de prata emVeneza valia 192 soldos e o ducado efetivo, 124; hoje queo escudo vale 200 soldos, o ducado efetivo também pas-sou a valer 130 soldos, de maneira que com 100 escudos,que são 20 mil soldos, terei 153 ducados efetivos, commais 110 soldos. Ou seja, não há senão uma diferença de128 soldos a cada 100 escudos de 200 soldos cada um,que é pouco mais de 0,5%. Mas se levarmos em conta adiferença que ficou entre o escudo e a moeda de baixovalor, tendo o escudo passado de 192 a 200 soldos, adiferença é de 4%; e tão mais barata ficou a moeda debaixo valor, ou, para melhor dizer, diminuiu tanto depreço que, para ter escudos efetivos em troca de soldosefetivos, é preciso desembolsar uma quantidade de sol-dos 4% maior que antes.

24 Diminutivo de lira.

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TRATADO MERCANTIL SOBRE A MOEDA

A dobra da Espanha, com justo peso, valia 28 liras e10 soldos e com 100 dobras, que eram 2.850 liras, conse-guia-se 296,83 escudos de prata, com justo peso, com umvalor de 9 liras e 12 soldos cada um; agora que a dobrapassou a 30 e o escudo a 10 liras, com 100 dobras terei300 escudos justos, que é aproximadamente a diferençade 1%. Mas comparando a dobra com as liras imaginárias,com os soldos e as outras moedas de baixo valor, se cada28 liras e 10 soldos se torna 30 liras, cada 100 liras setorna aproximadamente 105,25 liras, vendo-se, então, queas liras imaginárias, os soldos e outras moedas de baixovalor têm se aviltado mais, visto que precisam até 4% e5% a mais do que de costume para perfazer o valor dasmesmas peças de ouro e de prata.

Aqui, no entanto, devemos observar que as moedasde ouro e de prata não têm entre si seu valor elevado namesma proporção, havendo, como vimos, numas 0,5%,em outras, 1% de diferença entre elas; mas tal coisa de-pende da mesma causa que fez com que todas fossemelevadas de valor, que é a desproporção com que tinhamsido avaliadas nas últimas regulamentações, segundo asquais a proporção entre o ouro e a prata ficou apenas deuma onça de ouro para 14,35 onças de prata, enquantosegundo as praças de Gênova e de Milão e outras deviaser, pelo menos, de 1 para 14,67. Mas como tal coisaacontece será amplamente demonstrado no próximo ca-pítulo.

O que, então, chamamos de elevação de valor dasmoedas não é, propriamente falando, senão um rebai-xamento do valor das moedas de pouco valor e da liraimaginária, e, da mesma forma, dos escudos e ducadosimaginários dos países, que, se bem que mantenham a

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mesma denominação de liras de 20 soldos cada uma, deescudos de 7 ou de 6 liras, de ducados de 6 liras e 4soldos e tais, no entanto, diminuem de valor relativamen-te ao verdadeiro valor e preço das coisas, que é o ouro ea prata. E podemos entender isso muito claramente seconsiderarmos que em 1605 o cequim em Veneza valia 10liras, de modo que, para dar um exemplo, se a um profes-sor da Universidade de Pádua se dava um ordenado de1.200 florins por ano (como, de fato, naqueles tempos sedava, entre outros, a Marcantonio Ottelio, jurisconsultoeminente e, de manhã, professor titular de Direito Roma-no), sendo o florim moeda imaginária de 6 liras venezia-nas, 1.200 florins montavam, então, a 7.200 liras, que eram720 cequins por ano. Considere-se agora que se dêem1.200 florins por ano a um professor nos dias de hoje;estes florins, avaliados em 6 liras cada um e valendo ocequim 20 liras, montam apenas a 360 cequins por ano.

Um florim imaginário, portanto, não vale agora se-não a metade do que valia oitenta anos atrás. Aliás, quemconsiderar atentamente o que é que, de fato, perde valor,e em razão de que se diz serem o ouro e a prata a seelevar de valor, verá não ser outra coisa senão o valorque o príncipe atribui às suas moedas de baixo valor, noqual consiste o ganho que ele pode auferir na fabricaçãodas moedas. Com efeito, não havendo nos soldos, nossesinos ou nas outras moedas de baixa liga dos príncipesaquela quantidade de metal que vale, relativamente àsmoedas de ouro e de prata, o tanto que aquele príncipeestabelece, e criando o comércio com sua circulação omesmo efeito que se cria nos corpos fluidos comunican-tes entre si, os quais, como já dissemos, no fim se nivelamnum mesmo plano, sempre que o príncipe não mantiver

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entre os limites de seu estado suas moedas de baixo va-lor, fabricando apenas a quantidade conveniente, e conti-nuar mantendo o ouro e a prata num nível justo em rela-ção às outras praças, elas mesmas, por si sós, depois demuitas oscilações, encontram seu próprio nível. Mas nãosem prejuízo do príncipe.

Quantas vezes, só para dar um exemplo, alguns es-tados da Lombardia por pouco não ficaram completamenteesvaziados de prata e de ouro por causa da abundânciaexcessiva de moedas de baixo valor fabricadas pelos prín-cipes daqueles estados, já que, não tendo curso tais moe-das senão em seus estados, os cidadãos e os mercadoreseram obrigados, quando precisavam enviar dinheiro parao exterior, mandar o ouro e a prata? Daí que quem nãotinha ouro e prata pagava a dobra, como outras vezestemos observado, com algum soldo ou lira a mais daquelamoeda de baixo valor, e se, para perfazer o valor de umadobra, era preciso muito mais de tal moeda de baixo va-lor, é claro que é ela que tem diminuído de valor.

A esse respeito não vejo o que mais se pode opor aesta afirmação senão o argumento de alguém que dis-sesse que o verdadeiro valor das moedas de ouro e deprata deve ser relacionado antes com as coisas que estãoà venda e não com as moedas de baixo valor e com osescudos e as liras imaginárias, de modo que, por exemplo,se com um cequim que valia 18 liras se podiam comprar18 coisas de uma lira cada uma, agora, com o mesmo quevale 20 liras, podem-se comprar duas a mais.

A tal objeção respondo que tal coisa, infelizmente,se verifica nas despesas miúdas com prejuízo para o prín-cipe, como mostrarei no capítulo seguinte, mas que nempor isso se deve dizer que o cequim vale mais do queantes, uma vez que, mantendo ele a mesma boa qualidade

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de ouro de antes, e não valendo mais do que antes nosoutros países, não há como dizer que seu valor tenhaaumentado. Com efeito, ainda que pareça num primeiromomento que, no tocante às coisas corriqueiras e, emparticular, aos alimentos, se possam comprar mais coisasquando o cequim vale mais liras imaginárias, nas mais va-liosas, no entanto, os mercadores sobem os preços dasmercadorias estrangeiras na mesma proporção, cientes deque, muito embora tenha aumentado o valor das moedasem seu próprio estado em comparação com as moedas debaixo valor e imaginárias, um mercador veneziano deverápagar em Milão uma dívida contraída para mercadoriasexatamente com a mesma quantidade das mesmas moedasde ouro e de prata que se exigiam antes. E o prejuízo ficaapenas para o povo e o erário do príncipe, que cobra suastaxas e outras receitas em determinada quantidade de sol-dos etc., como veremos adiante.

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CAPÍTULO X

O EFEITO QUE A MÁ OBSERVAÇÃO DA PROPORÇÃO ENTRE O OURO

E A PRATA PRODUZ NA AVALIAÇÃO DAS MOEDAS

Ainda que, a meu ver, no capítulo anterior se tenhamostrado suficientemente que o que chamamos de ele-vação de valor das moedas de ouro e de prata não épropriamente senão uma diminuição de valor das moedasde baixo valor e imaginárias, mesmo assim, para não criarconfusão, continuaremos a dizer elevação ou aumento devalor daquelas mesmas moedas. Assim, conquanto as cau-sas que fazem elevar de valor as moedas de ouro e deprata sejam muitas, como se irá mostrando especificamente,se deve dizer contudo que a proporção com a qual, àsvezes, por inadvertência ou por outros fins, elas são ava-liadas em algumas casas da moeda é, entre tais causas,uma das maiores e a que produz o efeito mais evidente.

As moedas, tanto de um como do outro metal, têmduas qualidades essenciais que dão a medida de seu justovalor. Uma é a boa qualidade e a pureza do metal de quesão compostas, que alguns chamam de valor ou boa qua-lidade “intrínseca”; a outra é o peso, que também é cha-mado de valor intrínseco por alguns, ainda que outros,com maior razão, chamem de valor o que se pode auferirvendendo-as não como moeda, mas como determinadopeso de prata de determinada pureza. É “extrínseco”,então, o valor que lhes atribui a autoridade do príncipe aofixar o preço pelo qual devem ser gastas, e neste sentidoo tomaremos nós também.

No tocante ao valor intrínseco, será bom saber quese diz ouro de 24 quilates o que não tem nenhuma impu-reza ou mistura com outro metal, mas que é totalmente

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verdadeiro ouro; e quando contém outra mistura, diz-seouro de 23 quilates o que em cada 24 partes da sua massatem uma parte de outro metal de menor valor misturada,seja ele prata ou cobre (pois ele só se mistura com estesdois metais); da mesma forma, será de 22 quilates aqueleouro que em cada 24 partes tem duas de outra mistura ede 18 quilates o que em cada 24 tem seis e em cada 4,uma de impureza, e assim por diante, segundo todas asproporções; aliás, para maior precisão, cada quilate é divi-dido em 24 grãos, de modo que se uma moeda ou umaquantidade de ouro fosse tal que nas 24 partes do todohouvesse uma parte e um quarto de impureza, diz-se ourode 22 quilates e 18 grãos, e assim por diante, segundocada proporção; e aquele material que se mistura com oouro chama-se liga, e fazer liga do ouro com cobre ouprata quer dizer misturá-los numa determinada propor-ção, de modo que se diz ouro de liga inferior o que temgrande porção de outro metal.

O mesmo ocorre com a prata, só que, relativamenteà sua pureza, se divide em apenas 12 partes chamadasonças, e as vigésimas quartas partes destas denominam-sedenários, donde se diz prata de 12 onças a que é total-mente pura, e é denominada também de prata de copela,sendo a copela um pequeno cadinho feito de certas cin-zas que, posto no fogo com prata e chumbo, e mantido aípor um certo tempo, absorve apenas o chumbo e juntocom este toda outra impureza contida na prata, deixando-a pura de 12 onças, isto é, totalmente pura. Mas se à pratafor misturado cobre ou outro metal, diz-se de uma quali-dade de tantas onças quantas há de prata fina em umalibra; assim que se diz prata de liga inferior a que contémmuita liga de outro metal, como se diz do ouro. Deve-seobservar, no entanto, que ao ouro costuma misturar-se

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normalmente uma liga de metade de prata e metade decobre, porque apenas com prata fica branco demais esimplesmente com cobre, por demais vermelho, mascom metade de cada um o composto fica melhor, maissemelhante ao verdadeiro ouro; e, por outro lado, à pra-ta mistura-se apenas o cobre, que contém não sei qualpropriedade afim que dá um bom composto, enquantoque o estanho e o chumbo a endurecem, tornando-a maissuscetível de quebrar do que de receber uma impressão.

Em Veneza, porém, em sua casa da moeda determi-na-se de outro modo a boa qualidade das moedas, partin-do do pressuposto de que uma marca de 8 onças, de ouroou de prata, contém 1.152 quilates, já que cada onça é 144quilates, cada um dos quais se divide em 24 grãos. Assim,definem a pureza desses metais qualificando o ouro eprata de pezo25 60, ou seja, pior 60, que quer dizer quecada marca contém 60 quilates de outro metal pior; pezo150 quer dizer que de cada 1.152 quilates 150 são de liga;e pezo nulla quer dizer ouro de 24 quilates ou prata finaetc. e assim por diante, de acordo com cada proporção.Entretanto, quando há ouro ou prata numa quantidademenor do que a metade da massa, neste caso, não tomamcomo base de cálculo o pezo, o pior, mas o “fino”, e assimdirão que os táleres ou grossos da Alemanha contêm 492de fino quando em cada marca que contém 1.152 quilatesapenas 492 são de prata fina etc.

Por pureza do metal das moedas entende-se, então,a quantidade de metal fino que elas contêm em propor-ção ao todo, e o valor intrínseco das moedas dependedesta e do justo peso; diz-se, portanto, que uma moeda

25 Em dialeto vêneto.

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não é de boa qualidade quando tem menos metal fino oumenos peso do que o estabelecido pela lei do príncipe. Apartir disso, há duas espécies de falsários, isto é, os que,subtraindo metal das moedas, cortando-as em volta ou deoutro modo, as diminuem de peso, e são ditos cerceado-res de moedas; e os que, fabricando moedas falsas àsescondidas e imitando o cunho público, as fazem de ma-terial inferior ou liga inferior, e são chamados falsificado-res de moedas.

A liga justa e a justa qualidade das moedas devem,então, ser reguladas pelos príncipes de tal forma que, aoestimar seu valor intrínseco, isto é, ao fixar a quantas lirasou soldos das moedas de baixo valor as moedas corres-pondem, que tal é seu valor intrínseco, não se afastem daproporção geral que vige comumente entre os mercado-res nos preços do ouro e da prata. Com efeito, se, porexemplo, um príncipe tem seus escudos de ouro, quecostumavam valer 15 liras cada um, e com uma marcadesses escudos se compram 14,5 marcas de prata em es-cudos de 8 liras cada um, se, digo, ele elevar o valor doescudo de ouro a 18 liras e estabelecer que também osescudos de prata cheguem a 9 liras e 12 soldos, volta amesma proporção de antes, pois também com esse preçopor uma marca de ouro terei 14,5 marcas de prata; e issosignifica manter a proporção, não manter o valor extrín-seco, já que se pode mudar o valor e manter a proporção.

Mas se o príncipe mudar tal proporção sem quetodas as outras praças estejam de acordo em mudá-la tam-bém, nascem grandes desordens nos estados daquelespríncipes que se afastam da medida comum. Pois, porexemplo, se em Gênova e nas outras praças vige o preçomais comum do ouro, de 14,75 onças de prata para uma

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onça de ouro, e uma outra casa da moeda da Itália, Vene-za por exemplo, avaliasse as moedas de ouro e de pratade modo que uma onça de ouro valesse tanto quanto14,25 onças de prata, todos os mercadores das outras pra-ças enviariam as moedas de prata a Veneza para ter igualvalor em ouro em troca; enquanto se em Veneza por cada14,25 onças de prata em moeda podem ter uma onça deouro, que em seu estado vale 14,75 onças, há uma sobrade meia onça de prata em cada 14,25, que seriam duasonças em cada 57, e quase 4 em cada 100. Assim sendo,deduzindo as despesas e a remuneração do seu corres-pondente, um mercador consegue de qualquer forma cercade 3% de ganho para si, auferidos não em um ano, masnaquelas poucas semanas que são necessárias para o trans-porte de uma e de outra moeda; e repetindo tais opera-ções, ao cabo de um ano, obtém com isso um ganho nãopequeno.

O mesmo é praticado pelos próprios mercadores dolugar, que, ao ver tais discrepâncias nas determinaçõesdo príncipe, logo se aproveitam disso enviando para forado estado todo o ouro que podem juntar, para receber omesmo valor em determinada quantidade de prata, pois,se com uma marca de ouro encontram nas outras praças14,75 marcas de prata, que em suas mãos valem uma onçade ouro e sobra meia onça de prata, ganham igualmente3% ou 4%. E como a eles basta até 1%, já que podemrepetir tal câmbio pelo menos duas vezes por mês, che-gam a comprar as dobras a um preço mais alto, e assimestas aumentam de valor; e isso tudo prejudica os súditosdaquele príncipe que tão mal regulou as suas moedas.Com efeito, sendo transferido o ouro para outro estado edevendo, então, outros mercadores enviar dinheiro parafora do estado para efetuar pagamentos, ao saber que em

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outros lugares o ouro tem mais valor, de maneira que háquase 4% de prejuízo a enviar prata, eles procuram asdobras e outras moedas de ouro, e quem já não as possuie não as encontra de outra maneira, compra tais moedascom um ágio de 1%, de 2% e até de 3%. Outros merca-dores, sabendo da escassez de ouro que a praça tem, jun-tam a maior quantidade de ouro que podem, para vendê-lo mais caro do que o que é avaliado pelo príncipe, e,dessa forma, sobe o preço da dobra.

O mesmo, ao contrário, ocorre com a prata quandoem algum estado é avaliada por um valor superior aodevido, e, infelizmente, há mercadores entre os mais ri-cos de toda a Itália que, se bem que aparentemente seocupem de outros negócios, é de moedas que fazem todoo grosso do seu comércio, com o qual enriquecem maisrapidamente e com mais segurança.

Ora, não sei se alguma vez foi suficientemente pon-derado o dano enorme que causa aos estados este comér-cio de moedas que fazem muitos dos mercadores maisricos; sei, no entanto, que, não sendo proibido, eles têmrazão em tirar a maior vantagem que puderem, visto que amoeda é uma mercadoria que, com exceção das mãos dosladrões, não está submetida a nenhuma das desgraças aque estão sujeitas as outras. Ademais, ela não sofre com aumidade dos armazéns, não se corrompe ou estraga com otempo, não está sujeita, senão em raríssimas vezes e tem-porariamente, a diminuir de valor, antes sempre aumentade valor, não se consome entre as mãos dos intermediá-rios, é sempre bela e vendida a dinheiro vivo, porque elaprópria é dinheiro vivo, e ocupa pouco lugar. E quemporventura deixará de fazer comércio com esse tipo demoedas, ou melhor, de mercadorias, para empregar seus

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capitais em sedas, especiarias, lã ou outros produtos, ou,o que é pior, na fabricação de manufaturas, sendo que oganho com elas vai quase todo para os trabalhadores?

De minha parte, louvo a esperteza daqueles que,não tendo obrigação de pensar senão em seu próprio pro-veito, escolhem o tipo de mercadoria que o ocasiona maisprontamente e da maneira a menos perigosa; e afirmo quenão fazem nada de errado em controlar de olhos bemabertos se em algum lugar se abrir uma brecha para man-dar moedas em troca de outras com ganho, tampouco emter contatos para serem informados imediatamente de al-gum decreto de algum príncipe ou qualquer outra resolu-ção pública em matéria de moeda, e logo sondarem comcálculos aritméticos apuradíssimos qual vantagem pode-riam tirar trocando este com aquele tipo de moeda. Aliás,não condeno sequer se para fazer tal coisa com muitomaior solicitude e presteza tomarem dinheiro de outros ajuros, nem mesmo se tiverem em mira especialmente aspraças que se encontram nas fronteiras, onde, pela proxi-midade, muitas vezes se torna necessário que um paíspermita a circulação das moedas de pouco valor de outropaís. Não condeno, digo, se ficarem atentos para ver sealguma moeda estrangeira gradativamente se introduz en-tre o povo com um valor ou preço maior do que o justo,e se, para dar-lhe crédito, se sujeitarem a perder um pou-co, aceitando-a inicialmente, eles também, a um preçoque ela não vale, para que o povo e os artesãos, vendoque os mercadores não a recusam, a aceitem mais facil-mente. Pois, logo que tenha começado a circular normal-mente, eles mandam vir grande número de caixas de talmoeda do país onde é fabricada, deixando certa margemde lucro ao despachante, e antes que os magistrados per-cebam o prejuízo e tomem providências, já terão lotado

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todo o país da referida moeda, e, ao mesmo tempo, man-dado a moeda melhor para fora do estado.

Acredito que até eu agiria da mesma maneira se exer-cesse aquela profissão. E se fosse um rico mercador deVerona ou de Brescia, e observasse que, em razão dotrânsito freqüente dos alemães que vivem perto da fron-teira, se tivesse consolidado o abuso de gastar os grossose os carantanos alemães e os fünfzern a um preço maior doque seu valor intrínseco, para dar mais crédito a seu cur-so eu também aceitaria uns poucos deles por aquele pre-ço, de modo que, graças ao meu exemplo, outros merca-dores menores também se convencessem a aceitá-los. Eassim, uma vez que tal abuso estivesse constituído, man-daria vir em seguida, da maneira mais oportuna, em caixas,a maior quantidade possível dessas moedas, pagando-asna Alemanha segundo seu justo valor, ou até algo a mais,contanto que me sobrasse ainda certo ganho, e enviariapara a Alemanha aquelas moedas italianas que ali fossempagas com maior conveniência para mim. Desse modo,com estas voltas e transferências efetuadas várias vezesnum ano, o capital empregado poderia dobrar no final deum ano, o que não é lucro pequeno. Eu também, então,para cuidar de um comércio tão lucrativo, não teria escrú-pulos em deixar de fabricar meias de seda e tecidos, emque o ganho é tão menor e tão mais complicado.

Tais formas de comércio são engenhosas, e são líci-tas e o serão sempre até que sejam proibidas, e serãoexercidas mesmo depois da proibição se não forem impe-didas com mão forte e providências oportunas, porquan-to os contrabandos são fáceis e rendem lucros incríveis aquem sabe bem aproveitá-los. Nesse meio tempo, no en-tanto, as artes, que são o nervo verdadeiro e o sustento

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das repúblicas, definham, não se encontrando mercado-res que, podendo fazer comércio de moedas, queiram exer-cer outras atividades, preferindo ficar loucos com tece-lões, tintureiros e outros artesãos, e ainda, em razão damudança contínua das modas, juntar capitais mortos emarmazéns e pôr o restante em escriturações como dívidade quem não quer pagar, e, assim, terminar o negóciotodo com uma bancarrota vergonhosa.

As artes da seda ou da lã, e dos fios de ouro, que naItália tornaram ricas tantas cidades, tantos povos, e flores-ceram, ou melhor, fizeram florescer, Florença, Siena, Mi-lão, Bolonha, Nápoles e muitas outras, se não estiveremhoje em dia totalmente extintas, estarão definhando emtodos os lugares, com exceção de Veneza, onde o olharprevidente e sempre atento daqueles sábios senadoresnão recusa tomar providências para sustentá-las. E tudoocorreu principalmente porque a maior parte dos merca-dores italianos mais ricos, ocupando-se do comércio dasmoedas, se tem desinteressado dos aperfeiçoamentos queengrandeceram seus antepassados, deixando tais habilida-des passarem para a França, a Inglaterra, a Holanda e ou-tras partes, com imenso prejuízo e vergonha para a Itália.

E quem observar bem a situação da Itália e seu co-mércio, verá que em todas as cidades diminuiu tanto emcomparação com o que era nos tempos idos que bempouco resta da antiga pujança, já que se tem abandonadoaquele tipo de comércio que sustentava a metade do povocom trabalhos manuais e benefício geral para dar lugar aocomércio das moedas, útil tão-somente ao mercador queo exerce e aos carregadores que transportam da alfândegaou do porto para casa as caixas das pratas e os barris que,sob a declaração de pregos ou de outras mercadorias demetal de baixo valor, escondem as moedas, enquanto o

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povo, em conseqüência dessas moedas com um valor in-ferior ao justo, é despojado de boa parte de seus haveres.

Sei que com estas afirmações descontentarei muitosmercadores, que irão objetar mil coisas ao meu discurso,e me dizer que se há alguns entre eles que se têm ocupa-do deste comércio de moedas, no entanto, não são todos,e que mesmo eles não têm deixado de comerciar tambémem manufaturas e outros negócios; e, ainda, alegar que asverdadeiras causas da transferência das artes da Itália paraoutros países foram, por um lado, a traição dos própriosartesãos, que, atraídos por ganhos maiores, têm levado asartes para fora de sua pátria; por outro lado, os impostospesados que muitos príncipes têm criado sobre aquelasmercadorias, ao que podemos acrescentar os freqüentesmonopólios sobre várias delas, pois muitas vezes os prín-cipes, mal-avisados, pensando em aumentar suas própriasreceitas, não se dão conta de estar diminuindo-as ao co-brar impostos por demais pesados sobre as mercadorias,os quais são a causa de um mercador deixar de fabricarou passar a fabricar mercadorias mais simples e com me-nor perfeição, com a conseqüência de que a fábrica ficadesacreditada lá fora e o comércio arruinado, com danoirreparável das receitas públicas. E irão contar mil histori-nhas particulares sobre a maneira como várias mercado-rias italianas decaíram e continuam a perder-se ainda hoje;acrescentarão, ainda, que o fato de os nobres terem larga-do, em muitas cidades, o comércio nas mãos de genteinferior, investindo os capitais em condados e marquesa-dos para levar uma vida de senhores e príncipes, como sesentissem asco pelo exercício, apesar de nobre, do hon-rado comércio, deu, na maior parte das cidades, o empur-rão definitivo para a ruína também das artes, que anteseram sustentadas pelos ricos.

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De minha parte, mesmo não contestando tal coisa,nem incriminando os mercadores que não merecem talacusação, continuo sustentando que, entre as causas dodeclínio do comércio na Itália, o comércio das moedasnão é a menos importante, uma vez que os capitais in-vestidos nele, mesmo sendo em grande escala, são, exce-to para o próprio mercador que os maneja, mortos paratodos.

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CAPÍTULO XI

TAMBÉM O ABUSO DE DEIXAR CIRCULAR COMO BOAS MOEDAS

COM PESO MENOR CAUSA PREJUÍZO AO PRÍNCIPE E AOS

SÚDITOS, FAZENDO ELEVAR DE PREÇO AS BOAS

A causa da elevação de valor das moedas não éapenas o valor proporcional que se dá às moedas por seuvalor intrínseco, mas a diminuição de peso também, poiso abuso de muitas cidades da Itália de tolerar moedas deouro e prata com peso menor do que o devido, deixandoque circulem com o mesmo valor que o daquelas quetêm o peso justo, propiciou duas maneiras de cercearmoedas, das quais apenas uma é infame e sujeita à puni-ção; a outra, conquanto produza os mesmos efeitos, nãocomporta, no entanto, nem infâmia nem castigo.

Os cerceadores de moedas, que são cominados comum grande número de leis, todas as vezes que são desco-bertos e apanhados, pagam um vil lucro, ainda que nãopequeno, com a vida e com a honra. Mas nem por issodeixam de praticar tal atividade ignóbil, subtraindo dasmoedas, tanto das de ouro quanto das de prata, aquelaquantidade que acreditam poder surripiar sem que fiqueprejudicado o curso abusivo delas. Nos Estados Papais,anos atrás, este abuso tinha-se consolidado tão fortemen-te que só se decidiu tomar providências quando o prejuí-zo do tesouro público chegou a alguns milhões, porquantoos tostões, os paulos e os escudos de prata, se é verdadeque respondiam ao mesmo número, no entanto, relativa-mente ao peso, apresentavam diminuições exorbitantes.São notórios os desconcertos e os perigos de subleva-ções populares que nasceram de tal situação; e ter fabri-cado tostões e paulos novos com um peso menor do que

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o habitual, e proibido o curso dos cerceados, não foi se-não um paliativo, uma vez que logo em seguida se viu adobra da Itália, que naquele estado valia 30 paulos, passara 32,5, pelas razões que serão expostas no momento opor-tuno. Quem, então, com 30 paulos antes possuía o valorde uma dobra, com os novos passará a ter dois paulos emeio a menos.

A outra maneira de cercear de maneira não indeco-rosa é a que praticam alguns indivíduos, que juntam assi-duamente moedas, particularmente as de ouro com bompeso, e as enviam para aqueles países onde circulam porpeso, para receber em troca igual quantidade de ouro emmoedas com peso menor e, assim, uma vez que gastam ascom peso menor em seu próprio país pelo preço dasjustas, embolsar a diferença. Ou, também, mandam mer-cadorias para aqueles países onde o ouro circula por peso,e combinam de serem pagas em moedas cujo peso foidiminuído, precisando uma quantidade maior delas paraque seus pagamentos sejam solvidos, e, depois, tiram pro-veito no próprio país.

Lembro-me de ter recebido várias vezes, dos pró-prios cofres públicos de algumas cidades (culpa, no en-tanto, de algum secretário), certa quantidade de dobras, anenhuma das quais faltava, às simples, menos de 8 grãos,e aos dobrões de justo peso, menos de 16 e 18. Apesardisso, podia perfeitamente gastá-las por um valor igual àsde peso justo, porque o abuso era tão comum que a cida-de já o tinha tolerado. Nesse meio tempo, porém, 7% ou8% ficam nas mãos dos que fazem tal comércio, e se, porexemplo, na cidade se encontram 2 milhões de moedascerceadas, os cidadãos têm 6% e 7%, ou melhor, 8% amenos do valor verdadeiro. Os mercadores, então, quecomerciam em seda e outras mercadorias estrangeiras, e

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que fora do país são obrigados a gastar as moedas deouro pelo que pesam, perdem o tanto que tais moedastêm a menos de peso, e, assim, em suas lojas devem ven-der tais mercadorias mais caras na mesma medida, comprejuízo de todos os compradores. Além disso, como nospagamentos que se fazem fora do país se tem menor pre-juízo levando moedas de peso justo, ocorre que estas sãoprocuradas e compradas com ágio sobre o preço corren-te, de modo que, aos poucos, as moedas com peso justoaumentam de valor. E esta é a segunda das causas quegeram efeito tão pernicioso.

Não faz muito tempo que, passando por Bolonha eFerrara, pude ver, não sem surpresa, os novos tostõescom menos peso de antes e os velhos proibidos caso nãotivessem um peso pelo menos igual aos novos, e, ao con-trário, os paulos e os meios-paulos permitidos, apesar deterem sido cerceados demasiadamente; e pude ver aque-les mercadores e lojistas ocupados, para qualquer peque-na coisa que vendem, em pesar cuidadosamente os tos-tões de prata, mas, em se tratando de receber ouro, acei-tar, sem nem mesmo olhá-las, dobras e meias-dobras quetêm até 12 ou 15 grãos de peso a menos cada uma, e, àsvezes, até 20 ou mais.

A esta altura, bem que gostaria de calcular qual é aproporção entre ouro e prata naquelas cidades, mas nãosei o caminho, já que com tantas trapalhadas não encon-tro o fio da meada. Mesmo assim, vou tentar.

Os tostões contêm 11 onças de prata a libra, e pe-sam, pelo novo peso, 195 grãos, de acordo com o peso deBolonha, enquanto antes pesavam 204; logo, cada tostãoagora tem 178,75 grãos de prata fina. A libra de prata finacontém 7.680 grãos à razão de 640 grãos a onça; segundo

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aquele peso, portanto, com uma libra de prata fina se che-ga a fabricar 42,96 tostões, que, valendo 30 baiocos cadaum, valem 64,44 liras. Mas a dobra de Bolonha, de 21quilates e 21 grãos, pesa 140 grãos e contém apenas 127,62grãos de ouro fino; conseqüentemente, a uma libra deouro fino corresponderão 60,17 dobras, que, valendo adobra 15 liras, valem 902,55 liras. A libra de prata fina,portanto, vale, em tostões, 64,44 liras; a libra de ouro fino,em dobras, 902,55 liras, e a proporção entre o ouro e aprata destas moedas é de 14 para 1.

Vemos claramente, portanto, que fazem valer a pratamuito mais do que o valor que corre nas outras praças,particularmente em Gênova, onde, ao cunhar o ouro e aprata, observam a proporção de 14,75 para 1. Decorredisso que naqueles estados nunca terão dobras com opeso certo, e caso fabriquem muitas, logo serão leva-das para fora do território, pois, se fabricarem dobrasem outros estados, terão uma quantidade de moeda deprata muito maior do que teriam em Bolonha, tanto a maisquanto importa a diferença entre 14 e 14,75. E, com efei-to, embora tenha sido fabricado grande número de tos-tões, poucos, no entanto, são levados para outros estados,circulando em seu lugar dobras cujo peso foi bastantediminuído. Se supusermos, então, que tais dobras pesamapenas 8 grãos a menos cada uma, vejamos se este abusoé tolerável. Cada dobra com um peso tão menor terá ape-nas 120 grãos de ouro fino, e, portanto, a uma libra deouro fino corresponderão 64 dobras, por um valor de960 liras, de modo que a proporção entre o ouro fino e aprata seria de 14,89 para 1. Eis, portanto, que neste caso évantagem levar para Bolonha dobras da Itália que tenham8 e mais grãos a menos do que o justo peso cada uma, eaté trocá-las com tostões novos, ainda que de menor peso

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com relação aos antigos, porque, fora daquela cidade, sen-do avaliados em conformidade com o valor intrínseco,valerão mais do que tais dobras cujo peso foi diminuído,e muito mais se estas tiverem sofrido uma diminuiçãomaior do que os 8 grãos já mencionados.

Mas tal abuso de deixar circular moedas de ourocom um peso tão excessivamente menor, além de esti-mular os mercadores do lugar a mandá-las vir de fora eenviá-las a mercadores estrangeiros, já que em tal tráficohá vantagens para uns e para outros, ainda dá azo a outraspessoas com poucos escrúpulos de cercear as moedas depeso justo que caem em suas mãos, e guardar para si oouro subtraído, uma vez que tais moedas, de qualquermaneira, circulam normalmente.

Quem, então, calcular atentamente, desde o tempoem que foram instaurados tais abusos para cá, as possesdaqueles países, verá que, ao todo, elas têm diminuído5% ou 6%, e até mais, porque quem recebe em dinheirovivo recebe em moedas com um peso 5% ou 6% menor,enquanto que, caso precise comprar, as moedas circulamcom o mesmo valor, pois as mercadorias estrangeiras sãopagas em seus países por aquele tanto a mais. Assim, porexemplo, se chegarem telas de linho da Holanda e outrasde outros países para além dos Alpes, ferramenta de Bres-cia, estofos de Veneza ou da França, tecidos da Inglaterraou da Holanda, azeite da Toscana ou da Apúlia, especia-rias de Livorno ou de Veneza, ou ainda, como ocorre àsvezes, se precisarem até de cereais de outros estados, osmercadores que mandam vir tais mercadorias, e que parapagá-las remetem moedas de justo peso, revendem essasmercadorias em Bolonha por aquele tanto a mais, de modoque o prejuízo recai sobre quem tem de comprá-las. E,em se tratando de impostos, se forem pagos com moedas

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de menor peso, o prejuízo vai para o erário público; secom moeda de peso justo, terá prejuízo quem paga, oqual, depois, ao vender por moedas com peso menor,para se ressarcir, aumentará os preços. Quando, então,cabe a cobradores de impostos efetuar pagamentos a pes-soas que recebem dinheiro público, na forma de remune-ração ou de crédito, sabem eles também aproveitar-se detal diferença de valor pagando com moedas de menorpeso. Coisa que, por outro lado, ouvi muitas vezes serdefendida por pessoas honestas não só como coisa tole-rável, mas mesmo útil à cidade.

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CAPÍTULO XII

PREJUÍZOS QUE A ELEVAÇÃO DE VALOR DAS MOEDAS

CAUSA AO ERÁRIO DO PRÍNCIPE E AOS BOLSOS DOS PARTICULARES

Aqueles homens que, tendo sido acometidos porvezes por alguma indisposição de saúde, não podem tole-rar as regras que lhes prescreve o prudente médico, e,pelo contrário, consideram saudável tudo de que eles gos-tam, e, como dizia Tácito, vêem “no próprio perigo oremédio para perigos iminentes”, de modo que se deixammorrer aos poucos, ou, pelo menos, prolongam a enfer-midade indefinidamente, a meu ver, não são muito dife-rentes daqueles príncipes que, pensando em ganhar nafabricação das moedas, se deixam induzir pelas ofertasdos banqueiros ou pelas recomendações de conselheirosrealmente pouco entendidos neste assunto a lançar mãodaquele lucro de fácil alcance que se lhes apresenta comocerto e palpável, e permitir os maiores desmandos naspróprias casas da moeda e nas moedas, os quais fazemelevar de imediato o valor das moedas de ouro e de prata.E não percebem que o prejuízo que advém disso a seussúditos e ao próprio erário é muito maior do que o ganhoque incautamente obtiveram.

Para deixar bem clara esta asserção, que é a questãofundamental de toda esta obra, basta que apresente algunsdos exemplos mais recentes, dos quais ainda não se per-deu a memória.

Haviam terminado as guerras de 1658 dos suecos,brandemburgueses e transilvanos contra a Polônia, e Ca-simiro, tendo voltado ao trono que pouco antes quaseperdera, aplicava-se, em tempo de paz, a reparar dastempestades passadas o navio afundado daquele reino.

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O erário régio estava dilapidado; os bolsos dos nobres,esvaziados; grande parte dos mercadores havia debanda-do ou falido; os campos, não cultivados durante váriosanos, não rendiam nenhum tributo a seus senhores; o rei-no todo, enfim, entre os horrores das incursões passadase as campanhas militares, estava imerso numa desolaçãoespantosa. O pior dos males era a existência de um corponumeroso de soldados, credores de muitas dívidas passa-das e de não pouca, mas necessária, despesa do futuro,descontentes e inquietos.

Para fazer dinheiro a fim de satisfazê-los, pensou-seem recorrer à fabricação de novas moedas, e, nomeadospara isso novos superintendentes da casa da moeda, estese outros deram ao rei a má sugestão de fabricar moedacom os mesmos cunhos, mas de liga inferior, a fim de,com os ganhos da primeira fabricação, poder continuar acomprar prata, e assim, cunhando mais moedas, aumentaros lucros e fazer frente às necessidades do reino. A opor-tunidade de comprar prata estava pronta, pois os nobres,para voltar à corte e se apresentar com decoro, estandosem dinheiro, desenterravam suas pratarias, escondidasembaixo da terra antes da guerra para poupá-las da rapinados inimigos, e supriam com elas o estado de penúria emque os havia lançado a falta de colheitas e de receitas, demaneira que as levavam em grande quantidade para a casada moeda.

Muitos, no entanto, se opuseram a tal fabricação,e entre outros os habitantes de Dantzig, que, quer por-que sua cidade era o maior empório da Polônia, quer por-que estavam na fronteira e faziam negócios, portanto, deum lado, com os poloneses, e de outro, com os suecos,dinamarqueses, holandeses e outras nações estrangeiras,percebiam melhor que outros os prejuízos que podiam

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advir de tais medidas, já que os experimentavam antesdos outros; e com relatórios muito sensatos (alguns dosquais estão comigo) mostraram ao rei constituir esta umanova ruína para o reino. Mas Casimiro, ou porque nãoentendeu as razões, ou porque, forçado pela necessidade,tirana cruel também dos reis, acabou fabricando váriosmilhões dessas moedas, que inicialmente foram recebidase gastas normalmente, como se sua má qualidade nãoimportasse, já que circulavam com o valor determinadopela autoridade do rei. Tampouco se queixaram os solda-dos, pelo menos até que, depois de menos de um ano, asnovas moedas, tendo ficado mais avermelhadas, come-çaram a revelar sua qualidade inferior, e de repente se viuo reino quase sem nenhuma outra moeda boa, uma vezque, não sendo aceita a nova moeda no exterior senãopelo seu valor real, que era exatamente a metade de quantoera estimado na Polônia, quem precisava levar dinheiropara fora da Polônia procurava húngaros, táleres e ortjevelhos, que, portanto, acabaram sendo levados quase to-dos para fora do reino. Aliás, aqueles poucos que haviamficado acabavam sendo pagos por quem precisasse muitomais que seu valor e, desta forma, as moedas boas au-mentaram tanto de valor em tão pouco tempo que o hún-garo, que antes valia 6 florins, chegou a valer 12. Foientão que perceberam que não havia mais em todo o rei-no senão a metade da riqueza em dinheiro vivo que haviaantes, porque aqueles florins que antes tinham sido rece-bidos por um sexto de um ducado de ouro, ou seja, deum húngaro, se haviam tornado um duodécimo do mes-mo, e, portanto, possuíam apenas a metade do valor deantes.

Para a ruína das moedas e, por conseqüência, detodo o reino, contribuía ainda a malícia de muitos, mesmo

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estrangeiros, que, tendo visto o grande ganho que obti-nha inicialmente o príncipe com aquelas moedas, fabrica-ram às escondidas grande quantidade de moedas com osmesmos cunhos e a mesma liga, de maneira que não erapossível recusá-las como falsas, tampouco distingui-lasdas do próprio rei, já que eram da mesma qualidade. Poroutro lado, os suecos continuaram a enviar seus shillings,que é moeda de baixíssimo valor, a qual, embora tivesseo cunho sueco, tendo sido introduzida aos poucos desdeantes da guerra, já tinha tão grande circulação na Polôniaque não era possível bani-la sem causar um prejuízo enor-me à população mais pobre, que não teria suportado ficarsem ela.

Dessa forma, portanto, enviado para fora do reinoquase todo o metal bom, a Polônia e seus habitantes fica-ram com apenas a metade do valor em dinheiro, já que osflorins, outras moedas régias e os shillings não valiam maisdo que a metade de antes, e para obter um húngaro ou umtáler de prata boa era preciso o dobro daquela moedamais fraca.

Para se ter uma idéia de quão grande era o prejuízoe a confusão daqueles povos em tal circunstância anor-mal, basta apenas pensar no que aconteceria se de repen-te fosse tirada a metade dos bolsos e dos cofres de cadaum de nós. Os mercadores, particularmente os de Lucca,de Florença e outros, que moravam naquele lugar, co-merciando com tecidos italianos e outros artefatos, foramobrigados a subir os preços de suas mercadorias, masantes de subi-los o próprio comércio sofreu um alvoroçoincomum, uma vez que os nobres, acostumados a pagar 6florins pelo tecido de seda para se vestir, não podiamaceitar ter de pagar 12, ainda que equivalessem sempre,

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antes e depois, a um húngaro; e, por outro lado, os merca-dores não podiam vendê-lo por menos, de maneira quemuitos, sobretudo entre os mais pobres, deixavam de com-prar. Os próprios nobres, que recebiam suas rendas emflorins, encontravam-se com a metade do valor das re-ceitas anteriores, já que, para perfazer 1.000 húngarosdos contratos de arrendamento, antes eram suficientes 6mil florins, e agora precisavam não menos de 12 mil. Osimpostos públicos, que também eram calculados em flo-rins, não rendiam ao rei e ao estado senão a metade deantes, e querer aumentá-los, agravando mais aquelas po-pulações já tão afligidas pelas guerras passadas, não sepodia, temendo-se sublevações e tumultos. Os soldados,que viram sua paga, ainda que o número de florins ficasseo mesmo, reduzida pela metade do seu valor real, se re-voltaram e deram margem às graves discórdias intestinasdaquele reino, que tanto angustiaram o bom rei Casimiro.Aliás, nas propostas de ajustamentos entre eles e o sobe-rano, entre as satisfações pretendidas, pediam em primei-ro lugar as cabeças dos fabricantes de moeda italianos ede outros ministros considerados responsáveis por talmoeda ruim.

Do desdobramento daquelas turbulências não é pre-ciso fazer um relato, uma vez que é já bastante conhecidopelas narrações de vários autores, havendo-se misturadoao descontentamento das milícias pelas moedas a ambi-ção e os interesses das pessoas mais graúdas, com o peri-go de uma subversão total do governo. No final, o estadode fraqueza a que se reduziu aquela importante e grandemonarquia por causa dessas desordens, conquanto se te-nha iniciado com as guerras suecas, não acabou sem aperda da Polônia e da Ucrânia, conquistadas pelos turcos(mais por sorte do que por valor), já que se encontraram

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frente a um reino que, outrora sadio e unido, teria facil-mente derrubado os cornos de sua lua, mas que naqueleestado de enfermidade e desunião se viu obrigado a ce-der uma parte para não perder tudo.

Mas é coisa tão geralmente verdadeira que a eleva-ção de valor das moedas causa inumeráveis prejuízos aospríncipes e aos povos ao mesmo tempo, que, sem citaraqui mais exemplos (pois terei novas ocasiões para fazê-lo nos próximos capítulos), quero provar a minha propo-sição reduzindo-a apenas a um cálculo, ou, como se cos-tuma dizer, mostrando os efeitos na ponta dos dedos.

Os encargos, tributos, dízimas, taxas e todo outroimposto que em todo lugar os príncipes cobram de seussúditos são fixados em moeda miúda ou moeda imagináriado país. Se os campos pagam tributos segundo suas esti-mativas, devem pagar um determinado número de soldos,ou liras ou baiocos por campo, por stiolo, biolca ou torna-tura de terreno. Se o vinho e o trigo pagam impostos, esteé calculado à razão de tantos soldos ou quatrins a libra.Todas as mercadorias, quer sejam locais quer estrangei-ras, pagam certo número de soldos por libra ou tantasliras em cada centena. Se se paga um tanto por boca –taxa cobrada aos camponeses da região de Pádua que,denominada boccatico,26 tal estado destina à universidadepública –, aqueles camponeses pagam 28 soldos cada um,por ano. Se, então, se pagavam aquelas determinadas quan-tias quando o cequim valia 100 soldos, é evidente queagora que ele vale 400 soldos se obtém apenas um quartodo ouro que costumava ser conseguido antes, pois, afinal,as receitas do príncipe são calculadas sempre no mesmonúmero de moedas miúdas ou imaginárias.

26 Termo derivado de boca (bocca em italiano).

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Se, então, as moedas reais de prata e de ouro sãovalorizadas, tal coisa não é, como demonstramos no capí-tulo anterior, senão diminuir de valor as moedas imaginá-rias e inferiores, e, por conseqüência, diminuir as receitaspúblicas? Não é verdade, por acaso, que se muitos anosatrás, com um escudo de prata de 10 paulos paguei emMódena, minha cidade natal, a taxa de moedura de 4 sa-cos de trigo à razão, por exemplo, de 45 bolonhinos porsaco, numa época em que o escudo valia 9 liras, agora,que ele vale 11 liras e 5 bolonhinos, com o mesmo escu-do pagaria a taxa de 5 sacos? E se assim for, não perdeu opríncipe daquela cidade a quinta parte daquela receita porcausa da elevação de valor que tiveram em seu próprioestado as moedas de ouro e de prata, daquele tempo paracá, que nem é muito, já que lembro que em 1648 tal escu-do valia apenas 8 liras, e agora vale, como tenho dito,11,25 liras? E os outros impostos e todas as outras recei-tas de tal príncipe, daquele tempo para cá, não têm dimi-nuído na mesma proporção em que tem aumentado ovalor das moedas?

Apresentem-se agora os ministros e aqueles, em par-ticular, se estivessem ainda vivos, que já tantas vezes acon-selharam ceder aos banqueiros judeus ou a outros a fabri-cação de uma certa quantidade de moedas de liga inferiorà habitual, deixando-se o príncipe seduzir com a ofertaque fazia algum banqueiro de alguns milhares de dobraspara o erário; ou, então, aqueles que induziram o príncipea fabricar por sua própria conta as moedas, mostrando-lhe o ganho que podia obter com a liga do metal; e inda-guem bem se o lucro (pode-se dizer momentâneo) queretiraram numa única vez os príncipes que viviam naque-la época é comparável ao prejuízo que tiveram para sem-pre em suas receitas.

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O duque Francisco II, que reina atualmente, já nosprimeiros anos do seu feliz governo, soube que na passa-gem do rio Panaro, na fronteira entre Módena e Bolonha,que está sob a sua jurisdição, os barqueiros cobravam acada carruagem de aluguel um tostão, que naquela épocaequivalia a 3 liras e 3 bolonhinos; mas tal taxa ou pedágiotinha sido fixado pelos príncipes anteriores em apenas 45bolonhinos, e a mudança de 45 para 63 devia-se ao fatode o tostão, nos primeiros tempos, valer apenas 45 bolo-nhinos. Conquanto o tostão seja moeda de Bolonha e nãode Módena, aqueles barqueiros continuavam cobrandoum tostão e não 45 bolonhinos, assim, mesmo tendo co-brado sempre apenas um tostão e não mais, apesar disso,o pedágio, calculando-o em moeda miúda modenense,havia aumentado, passando de 45 a 63. Nenhuma adver-tência feita por algum ministro acerca da entrada que po-deria advir-lhe teve força para influenciar aquele ótimopríncipe, que, mesmo sendo então um jovenzinho de ape-nas quinze anos, ordenou que não se mandasse pagar maisdo que os 45 bolonhinos, seja qual fosse o dano do erá-rio. Príncipe justo e ao mesmo tempo magnânimo! Entre-tanto, se se tivesse mantido o valor antigo dos tostões edas outras moedas de prata, ele obteria ainda hoje, a cada10 carruagens que atravessam aquele rio, uma dobra deouro, enquanto, pagando cada uma um pedágio de 45 bo-lonhinos, não bastam 14 carruagens. Em conclusão, per-deu pouco menos de um terço daquela receita.

Ora, o mesmo que mostrei daquele estado pode-sedizer de todos os outros, nos quais também as receitaspúblicas diminuem sempre na mesma proporção em queaumenta o valor das moedas de ouro e de prata. E talaumento não constitui prejuízo apenas para o príncipe,

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mas ainda para a maior parte dos súditos; aliás, não sei sehá alguém entre todos que não sofra prejuízo fora aque-les mercadores que estão sempre prontos a açambarcarmoedas e a tirar vantagem, da maneira que será dita maisadiante. Conseqüência disso é que todos aqueles que pos-suem censos, pensões e outras rendas anuais, que lhessão pagas em dinheiro vivo, vão perdendo continuamentede suas receitas efetivas tanto quanto é o aumento dovalor das moedas.

Um antepassado meu comprou um censo de Móde-na de 3 mil escudos, com o valor de 5 liras e 3 soldoscada um, numa época em que a dobra valia 22,5 liras damesma moeda, e foi estabelecido com o censuário quelhe pagaria um rendimento de 6% ao ano, o que corres-pondia a uma entrada de 180 escudos por ano, da moedaacima mencionada. Tal preço foi pago em dobras da Itáliae montou a 15.450 liras, que eram 686 dobras e 15 liras, eos rendimentos montavam a 927 liras por ano, que cor-respondiam a 41 dobras mais 4,5 liras. Se tal censo esti-vesse em minhas mãos hoje, obteria as mesmas 927 liraspor ano como antes, mas como as dobras atualmente va-lem 34 liras cada uma, seria pago com 27 dobras mais 9liras, ou seja, daquele censo teria quase 14 dobras a me-nos por ano de entrada; e se os censuários quisessemaforá-lo, poderiam fazê-lo com apenas 454 dobras mais14 liras, que perfariam, sim, a soma originária de 15.450liras com que foi pago em moeda imaginária, mas queseriam, de fato, cerca de 232 dobras a menos do que oprimeiro pagamento.

Eis, então, em que proporção diminuem as receitasque se recebem em pensões, arrendamentos, censos eoutros pagamentos semelhantes, ao passo que um fidalgo,

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que deve manter com tais receitas o decoro de sua ori-gem, gasta em roupa e vestes de cerimônia a mesma quan-tidade de ouro que gastava antes, e, por conseqüência,tantas liras a mais quantas a mais vale o próprio ouro, poiso mercador que manda vir de fora as suas mercadoriasnão pode dá-las, em ouro, a um preço menor do quevaliam antes.

Assim, a elevação de valor das moedas prejudica opríncipe, prejudica os súditos em suas receitas e em seushaveres; a nobreza empobrece e não pode gastar comode costume, e, portanto, de tal situação sofrem ainda to-das as ordens inferiores. Sofre graves prejuízos não ape-nas o comércio, mas as artes também; em suma, todo opovo, a ponto de, às vezes, se ver a ruína de todas asartes que constituem o sustento de uma cidade, uma vezque, aumentado o valor das moedas, os mercadores nãoaumentam o preço das jornadas ou das manufaturas dospobres artesãos que trabalham na fabricação de suasmercadorias. Aquele tecelão de seda, que para a feiturado veludo costumava ser pago 3 liras o braço quando oescudo de prata valia naquele país 9 liras, agora que vale,por exemplo, 12 liras, ele ainda recebe 3 liras o braço, e,assim, para ganhar um escudo deve tecer 4 braços, en-quanto antes o ganhava com apenas 3 braços. Ao mesmotempo, suas despesas para manter a família crescem cadadia, quer porque muitas mercadorias aumentam de preço,quer porque o príncipe, que vê suas receitas diminuíremcada vez mais, não perde nenhuma oportunidade para au-mentar os impostos, para poder suprir, ele também, assuas despesas. Conseqüência disso é que o tecelão, para semanter, deve descuidar da sua arte para fazer mais de-pressa, e o veludo passa a ser de uma qualidade inferior.

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O mercador evita quanto pode aumentar o saláriodo tecelão, já que os compradores, muito acostumadosa pagar sempre o mesmo preço, se recusam a pagarmais; assim, para poder vendê-lo ao mesmo preço semter prejuízo, fecha os olhos quanto pode diante da remu-neração dos operários, contanto que eles também sobre-vivam. Acontece porém que, por causa disso e pela lutaque travam entre si os mercadores, o produto, oferecidoao melhor preço para que tenha saída, aos poucos setorna de qualidade inferior e fica desacreditado fora dopaís. Dessa forma as vendas diminuem, as artes sãoabandonadas, os mercadores e toda a cidade sofrem.

Pode-se observar o mesmo entre os tintureiros que,se continuam a tingir com a cochonilha-do-carmim aospreços de antes e não obtêm um lucro adequado, dimi-nuem as doses nas tintas, piorando sua qualidade, o quenas cores vermelhas, infelizmente, é por demais eviden-te. Tampouco as outras mercadorias estão isentas dessemal. Quem lembrar o que eram os chapéus feitos todosde castor setenta anos atrás em Veneza, repare no quesão nos dias de hoje, em que valem uns poucos ducadosimaginários a menos do que antes, mas muito menos ouro,e perceberá que naqueles que agora são anunciados comode puro castor não há tanto pêlo de verdadeiro castorquanto havia naqueles que eram ditos de meio-castor.

Mas se quisesse enumerar uma por uma todas ascoisas em que esse aumento de valor das moedas causadesordens e danos, não acabaria nunca, já que os causaem todas, ainda que não negue que outras causas, e àsvezes até mais graves, concorram à ruína das artes. Masde tal coisa não é este o momento de falar. Assim, prosse-guindo, podemos ver que também as receitas provenien-tes dos próprios terrenos e das propriedades diminuem

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ao se elevar o valor das moedas, com igual prejuízo parao patrão e para o cultivador, uma vez que a uva, os fru-tos, os frangos e outros gêneros alimentícios que chegamao mercado não deixam de valer o mesmo número desoldos que valiam antes, mas precisam muito mais soldospara perfazer um escudo de ouro ou um escudo de prata.Os operários e os camponeses não sabem discernir tãosutilmente seus interesses como os mercadores, que, paraavaliar as mercadorias e os trabalhos proporcionalmenteao ouro e não à moeda de baixo valor, fazem os cálculosunicamente em moedas imaginárias, e tais receitas, verti-das depois do valor imaginário ao do ouro e da prata, queé o verdadeiro e mais essencial valor das coisas, valemmenos do que antes. O mesmo se deve dizer dos paga-mentos por dia dos trabalhadores mais pobres.

Mas aqui alguém poderia dizer-me que o grosso dasrendas agrícolas provém dos cereais e que estes não estãosubmetidos a tal mudança de preço, já que o comércio dotrigo se estende até os países limítrofes, e assim, quandonos países vizinhos o trigo vale mais ouro do que nonosso país, parte do nosso trigo logo vai para lá, e tal fatofaz com que suba o preço mesmo em nosso país, pois,da mesma maneira que as outras mercadorias estrangei-ras aumentam de preço ao aumentar de valor as moedas,aumentará também o valor dos cereais; mas nem o patrãonem o camponês terão algum prejuízo causado pela ele-vação de valor das moedas no tocante a esta parte.

A tal objeção respondo que mesmo sendo verda-de que o preço do trigo não cai sensivelmente pela ele-vação de valor das moedas, o camponês, no entanto, como dinheiro que obtém dos frangos, dos frutos, do seutrabalho jornaleiro, deverá, como freqüentemente deve,

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comprar pão, e como as moedas cujo valor foi elevadofizeram aumentar o trigo, tanto maior será seu prejuízo,uma vez que ganha menos e gasta mais.

Por fim, a maior objeção que encontro a este meudiscurso é a que diz respeito ao prejuízo dos príncipes, jáque, arrecadando eles seus impostos em escudos de ouroou em conformidade com outras moedas, mesmo sendoimaginárias como os ducados em Veneza, no entanto, acaixa do príncipe recebe as moedas apenas por aquelevalor que ele próprio estabeleceu em seus editais, sejaqual for o valor abusivo que o povo tenha acrescentado atais moedas. Daí parece não advir prejuízo algum à caixado príncipe. E se se retrucar que o contratador, porém,recebe os pagamentos em moeda miúda, respondem quenão, pois, pelo contrário, ele também cobra em conformi-dade com o valor estabelecido pelo príncipe e não deacordo com o valor abusivo do povo. E esta é a argumen-tação que, como a neblina, não deixa enxergar a verdade amuitos ministros, a magistrados e aos mesmos príncipes.Mas a verdade é que, além do fato de o empobrecimentodos súditos, os danos das artes e do comércio constituí-rem sempre um dano para o príncipe, enquanto duraremas conseqüências da elevação de valor das moedas, ascaixas dos príncipes também terão prejuízo; aliás, digoainda que, apesar das razões acima mencionadas, o têmimediatamente.

Para comprovar tal afirmação pergunto se não é ver-dade que o contratador, devendo receber somas peque-nas, não pode recusar as moedas miúdas, pelo menosem parte, ao passo que deve pagar o príncipe em moe-das de prata e de ouro. Ora, tais moedas de ouro e deprata ele deve procurá-las ou comprá-las de quem as

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possui, pagando-as ao preço abusivo corrente, e não aovalor dos editais, tendo, portanto, prejuízo, já que devedesembolsá-las depois ao valor dos editais. Assim sendo,quem não sabe que na licitação dos impostos os empresá-rios ou contratadores irão oferecer para a arremataçãodaquele imposto um tanto a menos quanto é o dano queadvém da elevação do valor das moedas? O príncipe,então, acaba sofrendo um prejuízo ele também, já quearrecada seus impostos a um preço menor. Mas tem mais.Os príncipes, toda vez que em seus estados as moedas seelevam de valor, certamente procuram mantê-las no va-lor primitivo por meio de novas proibições e editais rigo-rosos, mas como, no mais das vezes, não enxergam o fun-do das causas da desordem, não as atacam devidamente.A desordem continua e, às vezes, vai crescendo a despei-to, pode-se dizer, das leis, e por fim, se não quiseremexpor seus próprios estados a males maiores, lhes con-vém ceder e autorizar com novos editais aqueles aumen-tos abusivos.

Foi assim, por exemplo, que em Veneza, onde o ce-quim foi fabricado pela primeira vez em 1284 com umvalor de 3 liras, as leis públicas autorizaram tantas vezesseu aumento que em 1605 foi taxado em um valor de 10liras; sessenta anos depois, isto é, em 1665, passou para16 e hoje circula com um valor de até 20 liras, valor queaté agora é tacitamente tolerado pelos magistrados. Imagi-nemos agora que em Veneza o imposto sobre a carnefosse, em 1600, de dois soldos a libra, ou seja, cada 100libras de carne levadas para o matadouro rendessem aopríncipe um cequim, e em 1665 precisassem 160 libras decarne para obter um cequim de imposto. Esse imposto,então, em apenas sessenta anos, sem que houvesse umadiminuição da população, sem ser taxado em menos de

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dois soldos habituais por libra, unicamente pelo aumentode valor das moedas, diminuiu em quase 40%; e se forautorizado o abuso atual de deixar o cequim a 20 liras, emoitenta anos terá diminuído pela metade. Mas não se dá omesmo com os outros impostos e as outras receitas? Quaissão as rendas dos príncipes que não sejam cobradas emsoldos ou liras, ou em outras moedas imaginárias do país?Todas, então, têm diminuído na mesma proporção.

Ora, esta consideração é uma roupa que cai bem atodos os príncipes; que a vista cada um deles e verá comosimplesmente o aumento de valor das moedas tem dimi-nuído suas receitas, prejudicados seus nobres, arruinadoas artes, empobrecido os súditos e tornado mais infeliz,em toda a parte, a condição de seus estados. Entretanto,fica, senão impossível, certamente difícil e desagradávelpara ele remediar tal situação restabelecendo os justosvalores, pois sei muito bem que os próprios príncipes eseus ministros chegarão a admitir que, no mais das vezes,é de todo impossível. É verdade que esta não é a únicadoença que faz desmoronar os estados, mas das outrasfalará quem pretende discorrer sobre a política de ummodo geral, pois eu, tendo em mira nesta pequena obraapenas as moedas, não vou além do que depende delas eque com elas tenha uma forte conexão.

Nesta oportunidade, não se pode deixar de dizer queas desordens das moedas produzem, às vezes, segundoas circunstâncias dos tempos, conseqüências tão funestasque quase parecem incríveis. E foi bem lastimável o queescreve Charles Dumoulin27 em seu Tratado dos comércios,

27 Charles Dumoulin (Paris, 1500-1566), famoso jurista, conhecido também pelonome latinizado Molinaeus.

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que saiu em 1537 na Bretanha francesa, por ocasião daelevação de valor das moedas e da inoportuna proibiçãode algumas delas em que consistia o pecúlio da popula-ção mais humilde. No dizer dele, por esta única razão,antes que as desordens fossem remediadas, mais de dezmil pobres morreram de fome. Muitas vezes, por estaúnica razão, seguiram-se guerras funestas entre os prínci-pes, como a do rei de Aragão contra o rei de Maiorca, daqual faz menção Jean Bodin em seu tratado Da República.Da mesma forma Cedrenos28 conta que causou grandíssi-mo dano aos gregos o edito do imperador Nicéforo Fo-cas, que quis que as moedas com o seu cunho valessemmais do que as de seus predecessores, conquanto nãolhes fossem superiores em nada, nem na qualidade, nemno peso. E Procópio de Cesaréia, na História da vida doimperador Justiniano, reprova tal imperador (a seu ver muitocruel), além de tantas outras tiranias, por ter alterado ovalor das moedas em detrimento dos súditos: “Mas acho”– diz ele – “que não se deva absolutamente esquecer oque estes príncipes aprontaram com os soldos” (refere-se a Justiniano e a sua mulher Teodora, uma vez que umpouco antes demonstrou que o Império era governadomais por Teodora do que pelo próprio Justiniano). “Anti-gamente os agentes do câmbio pagavam aos cobradorespara cada estáter de ouro 210 óbolos, que eram deno-minados follis; os príncipes, entendendo que lhes seriavantajoso, decidem mudar o valor do estáter para 180,reduzindo assim em um sexto29 a moeda de ouro, com

28 Jorge Cedrenos, historiador bizantino que, entre o fim do século XI e o início doséculo XII, compilou uma crônica universal desde a criação de tal império até oadvento do imperador Isaac I Comênio, em 1057.

29 “Em um sétimo” dizem as edições atuais da História secreta, talvez corrigindo otexto original por ser lacunoso neste trecho.

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prejuízo geral.” Parece haver uma certa dificuldade paraentender este trecho de Procópio, quando diz que Justi-niano, tendo reduzido os estáteres de ouro a 180 óbolos,enquanto antes eram trocados por 210, reduziu em umsexto cada moeda de ouro de seus súditos. Não é que meincomoda o fato de 30 óbolos serem um sétimo e não umsexto de 210, uma vez que, pelo menos, são um sexto dos180 restantes; mas parece difícil entender como diminuirdessa maneira o valor das moedas fosse vantajoso paraJustiniano.

Mas quem tiver acompanhado na exposição anteriorcomo o fato de elevar de valor as moedas de ouro e deprata traz prejuízo aos príncipes nas receitas e nos im-postos, facilmente poderá entender também que diminuí-las de valor lhes trará vantagem. Com efeito, se com umestáter de ouro que pesava meia onça, isto é, duas didrac-mas, possuíam 210 óbolos, com os quais, por exemplo,pagavam o tributo sobre 21 jugadas de terra; havendo-setornado o estáter equivalente a apenas 180 óbolos, sóservia para pagar 18 jugadas e, por conseqüência, elesdeveriam acrescentar um sexto de um estáter para poderpagar aquele tributo que antes pagavam com apenas um.Pelo que é mesmo coisa certa que de cada estáter de ouroo súdito perdia a sexta parte.

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CAPÍTULO XIII

A INTRODUÇÃO DE MOEDAS DE OURO E DE PRATA ESTRANGEIRAS

COM UM VALOR MAIOR DO QUE SEU VALOR INTRÍNSECO

PRODUZ A ELEVAÇÃO DO VALOR DAS MOEDAS LOCAIS

Permutar mercadorias dando a que vale mais em trocada que vale menos é a maneira de negociar que maisfacilmente e pelo caminho mais breve e direto leva àfalência. Mas não faz o mesmo um príncipe ou um gover-no de um estado qualquer quando autoriza a circulaçãode moedas estrangeiras, ainda que de ouro ou de prata deboa liga, com um valor maior do que aquele que seriajusto se se tornasse proporcional seu valor intrínseco eseu peso aos das outras do país? Não faz outra coisa,pergunto, senão permutar suas moedas boas com as da-queles príncipes estrangeiros que são menos boas? Sefalarmos de modo geral da qualidade do metal, umas eoutras são boas, mas se, em comparação com o valor comque se fazem circular as próprias, tanto de ouro como deprata, relativamente ao metal fino que contêm, as estran-geiras forem estimadas mais, quem não vê que os merca-dores estrangeiros, aliás, os próprios príncipes que as fa-bricaram, enviarão a maior quantidade possível em trocadas do país que, por preço igual, contêm maior quantida-de de metal fino?

Os tesouros de Atahualpa e de Montezuma, e ascontínuas e riquíssimas cargas do Peru, do México e deoutros vastos reinos da América que foram transportadosposteriormente para a Espanha, não foram suficientes parasuprir as despesas generosas de Carlos V, o qual, nasmuitas e variadas guerras que empreendeu e enfrentou nasua vida, perdeu mais tesouros do que aqueles que lhe

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soube proporcionar a sorte, superando, ousaria dizer, asdespesas de qualquer outro imperador, uma vez que dei-xou o erário pouco menos que vazio quando cedeu aoutros as rédeas dos seus reinos. Eram tão grandes assuas despesas e tão vastos seus desígnios que, não lhebastando as rendas antigas e novas de tantos lugares quepossuía no mundo, pensou obter novos ganhos com asmoedas. E reduziu o escudo de ouro de 1540 de Castela,Valência e Aragão, que antes ele fabricava igual aos duca-dos de ouro venezianos, florentinos, senenses, húngarose outros, todos de 24 quilates ou pouco menos, a umaqualidade de 21 quilates e 18 soldos, que no cálculo vê-neto se diria pezo 108 por marca; e diminuiu também seupeso de 3 grãos, da maneira que vemos ainda hoje asmeias-dobras da Espanha, não designando outra coisa umadobra senão uma moeda de dois escudos de ouro, ouseja, um duplo escudo de ouro.

Mas os outros príncipes, tendo observado a dife-rença dessas novas moedas, e sabendo muito bem que seaceitassem as meias-dobras de Carlos V ao mesmo valordos cequins venezianos e florentinos iriam arranjar umdano irreparável, uma vez que os escudos de ouro bonsseriam levados para fora de seus estados, enquanto entra-riam os de menor peso e de pior qualidade, resolveramfabricar moedas semelhantes. E foi assim que o papa e osoutros soberanos de quase toda a Itália começaram a fa-bricar seus próprios escudos de ouro, dobras e dobrõesde uma qualidade inferior não só aos anteriores, mas atéàqueles de Carlos V, e a corte romana, para evitar a perdaque a diminuição do escudo de ouro causava em suasreceitas, adquiriu depois o costume de avaliar o escudode ouro de Câmara um paulo a mais do que o escudo deouro corrente, ou seja, do que a meia-dobra.

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Tudo isso é relatado por Jean Bodin em seu tratado,várias vezes mencionado, embora eu veja ainda circulardobras e meias-dobras de Fernando e Isabel, reis de Cas-tela, que são de liga pior e de menor peso que as comunsna Espanha, pelo que nutro a maior suspeita de que o malnão tenha começado com Carlos V, mas que este tenhacontinuado a repetir uma prática anterior. Em tal históriavale a pena ressaltar que, como os outros príncipes, aofabricar escudos de ouro eles também de uma qualidadeinferior, se defenderam em grande parte do dano quepodia advir-lhes se aceitassem os escudos de ouro deCastela a um valor igual aos seus escudos anteriores –pois neste caso os ministros do imperador podiam procu-rar adquirir em todo lugar os escudos de ouro dos outrose voltar a fabricá-los como escudos de ouro de Castela,com o ganho que proporciona a diferença entre a meia-dobra e o húngaro, ou seja, acima de 10% –, não restouum lugar onde não se elevasse o valor das moedas. Aopasso que, aceito nos estados do imperador e em maisuns outros pelo número de liras imaginárias que em cadapaís valia antes, o escudo de ouro veneziano, dito cequim,que foi sempre religiosamente preservado pela sabe-doria dos venezianos e mantido com a mesma boa qua-lidade e o mesmo peso, acabou sendo avaliado depoissempre em até 3 paulos a mais do que o escudo de ouro,ou seja a meia-dobra, de Castela, e o cequim de Floren-ça manteve honradamente por muito tempo depois umvalor igualmente vantajoso com respeito ao escudo deouro da Espanha, ainda que, aviltado pelas fabricaçõessucessivas, aos poucos tenha sido abolido. Mas o húnga-ro e o ducado da Alemanha e da Hungria, que em compa-ração com a qualidade primitiva foram bastante reduzidos

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de valor, têm ficado também abaixo do cequim, relativa-mente a seu valor intrínseco.

Assim o imperador teve de uma só vez um ganho decerca de 10% com toda a moeda de ouro que circulavaem seus reinos; mas se tivesse feito melhor suas contasteria percebido que aquele lucro tinha por contrapesouma perda de 10% para sempre em todas as suas receitas,pois com as mesmas moedas que ele gastou numa únicavez lhe eram pagas, cada ano, as contribuições de seussúditos.

Mas passemos a outros exemplos mais evidentes emais modernos. Não se pode descrever com palavras osenormes prejuízos que causou aos turcos o fato de teraceitado em seus países as moedas francesas de 5 soldos,denominadas na Turquia timins, por um preço superiorem 50% ao seu valor intrínseco, porque a esperteza dosmercadores franceses e italianos soube valer-se tão bemda ocasião que levaram da cristandade para a Turquia umaquantidade incrível de milhões de tais moedas, em detri-mento de todo o Levante.

Tavernier,30 no relato de suas viagens, conta estahistória relativa aos turcos e aos franceses. Vou referi-laeu também, acrescentando, no entanto, algumas notíciasconcernentes a outras casas da moeda italianas.

Tinha sido já introduzida na França a prática de fa-bricar moedas com a prensa com balança, que é um ins-trumento com o qual o cunho é impresso mediante umparafuso um pouco diferente do das prensas para livros,

30 Jean-Baptiste Tavernier, mercador e viajante francês (Paris, 1605 – Moscou,1689). De suas viagens, deixou a relação Viagens à Turquia, Pérsia e às Índias (1679).

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e que sustenta um ferro grande, colocado transversal-mente, empinado no meio e mantido em equilíbrio à ma-neira de uma balança, o qual, por 7 ou 8 pés ao longo desuas extremidades, é carregado por duas grandes bolasde chumbo do peso de mais de 150 libras cada uma,enfiadas e fixadas no mesmo ferro. O cunhador fica sen-tado abaixo da linha de rotação desta balança, pondo umapor uma as moedas debaixo do cunho, enquanto um ho-mem robusto está ao lado, fazendo rodar energicamenteaquela balança, de modo que, puxada com força, virandoo parafuso puxão após puxão, ela aperta vigorosamente amoeda entre dois cunhos. O resultado é uma impressãotão bela e nítida que, deixando polidos os fundos emvolta das figuras em relevo, faz com que pareçam maismedalhas bem trabalhadas que moedas comuns, o quese observa muito bem nas dobras da França, sobretudoquando são novas.

Com tal instrumento fabricavam-se na França, em1657, não apenas as moedas de ouro, mas também as deprata, e, entre outras, algumas moedas pequenas de 5 sol-dos cada uma, de uma qualidade um pouco inferior àpeça de oito da Espanha, mas com um peso tal que eramnecessárias 12 para perfazer uma peça de oito. Foi idéiade um mercador de Marselha tentar mandar para a Tur-quia esse tipo de moedas, e enviou, como prova, 200 ou300 escudos a um administrador seu em Smirna, o qualsoube valer-se tão bem da curiosidade dos turcos, logofascinados por tão belas moedas, que os fez acreditar tra-tar-se de reais de oito cada peça, ainda que, quanto aopeso, de fato precisassem de 12. E era bastante divertidover como, por serem tão redondos e tão bem feitos emcomparação com os pequenos reais da Espanha, mal cor-tados e pior impressos, os turcos recebiam de mais bom

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grado aqueles escudos do que estes, dizendo que nãoeram tão cerceados como aqueles da Espanha. Faltavambalanças! E ainda, tendo as mulheres do Levante, espe-cialmente da Ásia, o costume de enfeitar a cabeça fixandoàs suas toucas cequins novos pendentes em volta de seusrostos, as menos ricas começaram a enfeitar-se com estasmoedas de prata, e tal moda se difundiu de tal maneiraque já estava parecendo que em todo o Levante todaoutra moeda, salvo esta, fosse completamente desacre-ditada e pouco menos que banida. Pelo que Tavernier,antes citado, conta que, voltando a passar da Pérsia para aTurquia, não sei em qual lugar, certas mulheres lhe pedi-ram estes timins com tamanha insistência que não podiaarranjar o que comer com nenhuma outra espécie demoeda.

Os mercadores franceses tinham um ganho, então,de 50% com estas moedas, e por isso enviavam para lásomas incríveis, tendo em troca não mais seda ou outrasmercadorias, mas peças de oito que, convertidas de novoem timins, mandavam de volta para aquele país. Mas comoum comércio tão grande não podia ficar oculto, ime-diatamente foram imitados pelos ingleses, holandesese italianos. Na Itália, um dos primeiros foi um príncipeda Lombardia, do qual deixou testemunho um mercadorjudeu. Muitas caixas dessas moedas passaram por Li-vorno no nome dele, e uma, enfim, ali retida por não seiqual razão de contrabando, deu talvez ensejo ao grão-duque daquele lugar de fabricar tais moedas ele também.Naquela ocasião, eu estava fazendo várias consultas aofabricante de moedas para encontrar a maneira de cons-truir a prensa com balança que usavam na França, daqual, naquele momento, se tinha apenas umas notíciasvagas e confusas em Florença, e não era fácil conseguir

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desenhos ou modelos, já que mesmo na França se manti-nha segredo a esse respeito.

Assim, depois de muitas tentativas e superadas mui-tas dificuldades, chegou-se a fabricar os timins de umabeleza nada inferior aos da França; foi então que, fabri-cando a todo vapor tal tipo de moedas, se enviavam aLivorno de 50 mil a 60 mil, e, às vezes, até 100 mil peçasde oito por semana, e nada detinha aquele curso a nãoser, uma vez ou outra, a falta de prata, que, no entanto,logo se procurava obter de todas as maneiras. Muitasoutras casas da moeda chegaram a imitar totalmente ocunho da França, para que a diversidade não criasse ne-nhuma dificuldade para usar tais moedas na Turquia, masa casa da moeda de Florença quis cunhá-las com a im-pressão própria de seu príncipe e se assemelhavam às daFrança apenas pelo fato de, as francesas, de um lado,terem impressa a cabeça de seu rei cingida com a coroafrancesa, e estas, a cabeça do grão-duque com a coroa daToscana; de outro lado, aquelas, o escudo da França comtrês lírios, e estas, um escudete parecido, com a bola dosMédici na parte superior, ornada de três lírios, e em voltaa inscrição com o nome, verdadeiro, do príncipe.

Mas saturado por fim o Levante de tal moeda, demodo que não se encontravam mais peças de oito e simapenas timins, os outros mercadores da Europa, que nãopodiam receber como pagamento de suas mercadoriasmoedas com tamanho prejuízo, começaram a queixar-se.Em razão disso, ainda que, diante de alguma advertênciaque fez o paxá do Cairo, se conseguiu seu silêncio dan-do-lhe boas gratificações, não podendo tal coisa ficar en-coberta mais tempo, as queixas acabaram chegando aogrão-vizir, o qual ordenou imediatamente, mas já tarde,que tais moedas fossem recebidas e dadas tão-somente

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ao preço de 12 cada peça de oito, e, caso contrário, fos-sem proibidas. Com tal providência, as casas da moedamais importantes pararam de fabricá-las. Os franceses, noentanto, para continuar ganhando, encontraram logo umnovo expediente, e passaram a fabricá-las com uma ligade menor valor, no que tiveram a sorte de os turcos nãoperceberem a fraude, bastando-lhes ver cunho tão belo.Como, porém, os mercadores franceses não podiam fabri-car moedas tão alteradas na casa da moeda de seu rei,resolveram mandá-las fabricar em outras casas da moedade pequenos príncipes, os quais consentiram que fossefeito tal uso em troca de uma certa parte do lucro. Taver-nier faz menção da moeda da princesa de Dombes, da deOrange e da de Avignon, ainda que a cruz impressa sobrea moeda de Avignon não agradasse aos turcos; e na Itáliaele diz que tais moedas foram fabricadas em Mônaco,Massa e em outros lugares, pertencentes aos feudos im-periais que estão em volta da república de Gênova.

Mas a avidez pelo ganho fez com que a liga fosse,aos poucos, tão reduzida de valor que logo logo as moe-das, tornando-se vermelhas, revelaram a fraude aos tur-cos, e, uma vez que foi mostrada ao grão-vizir, sobretudopor mercadores italianos, com novas e justas queixas, taismoedas foram totalmente proibidas. Mesmo o grão-vizir,no entanto, teve um grande trabalho depois para conten-tar os soldados que combatiam em Candia, para os quaisnão servia nenhuma demonstração, embora verdadeira,do prejuízo que causavam aquelas moedas, de modo quefoi preciso açambarcá-las em Smirna e em outros lugaresapenas para efetuar os pagamentos que aqueles soldadosnão queriam que fossem em outra moeda.

Ora, a quantidade dessa moeda que da Cristandadefoi para a Turquia naqueles tempos, se for verdade, como

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creio, o que conta Tavernier, também é extraordinária,pois ele afirma que só dos registros das alfândegas dosturcos consta que foram trazidos não menos de 180 mi-lhões de escudos, sem contar a grande quantidade, quetalvez não seja menor, que passou ilegalmente, sabendo-se muito bem quão fácil é o contrabando das moedas,quão hábeis e astutos para fazê-lo são os mercadores demar e os próprios marinheiros, cada um dos quais, ao sairdos portos da França, para ter ganhos, carregava a quanti-dade que sua condição lhe permitia. Desse modo, tendosido transferido inicialmente da Turquia para a Cristanda-de um terço de suas riquezas em dinheiro vivo, já que por8 timins recebiam uma peça de oito que pesava 12, epermutadas estas, que também eram boas, por outras tan-tas falsas e de liga de pouquíssimo valor, pode-se dizerque tal guerra surda dos mercadores tem custado maisàqueles países do que a estrepitosa e mesmo grandíssimaguerra de Candia.

Por fim, vamos aos cálculos e vejamos a raiz do malem sua origem se quisermos ficar totalmente persuadidosdos danos que engendra o erro político de permitir quemoedas estrangeiras de prata ou de ouro, ainda que boas,circulem em seus países com um valor maior do que lhesseria próprio em comparação com as outras moedas. Anosatrás, em uma cidade da Itália, a dobra da Itália, de acordocom as resoluções públicas, circulava com um valor de15 liras, o escudo vêneto e o florim, de 5 liras e 3 soldos,e o escudo de Milão, de 5 liras. Aos poucos, os mercado-res introduziram o ducado vêneto com um valor de 3liras e 8 soldos, e para conferir-lhe crédito os mesmosmercadores o aceitavam nos pagamentos de particularespelo mesmo valor. Ora, imaginemos que os mercadoresque açambarcam moedas enviassem para Veneza escudos

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de Milão, que naquela cidade custavam 5 liras cada ume em Veneza valiam 9 liras e 12 soldos; que trocassemesses escudos por ducados a um valor de 6 liras e 4soldos; e que, por exemplo, o primeiro capital empregadopor um desses açambarcadores fosse de 5 mil escudos.Em tal cidade, 5 mil escudos de Milão valiam, então, 25mil liras, enquanto em Veneza valiam 48 mil liras, com asquais se podiam ter em troca 7.741,94 ducados efetivos,que, uma vez transferidos para aquela cidade e gastos a68 soldos cada um, totalizavam 26.322 liras, 11 soldos e 7denários. Eis, então, que o capital de 25 mil liras rendeu1.322 liras, que é quase 5,29%, em apenas poucas sema-nas, e que no fim de um ano perfaz muito mais.

Um tal mercador, portanto, pode muito bem, alémdas porcentagens e do ágio que pagará em Veneza paraefetuar a troca, que devem importar no máximo 1%, com-prar o escudo de Milão por uns baiocos a mais; e esta é acausa da escassez de tais escudos naquela cidade e daelevação de seu valor.

Ora, suponhamos que em tal cidade todas as outrasmoedas, tanto de ouro quanto de prata, fossem antes bemregulamentadas, proporcionais a seu valor intrínseco equalidade (o que, porém, não ocorria), e que assim acon-tecesse, também, com todas as moedas em Veneza; aque-la diferença, então, que existe em tal cidade entre o valordo ducado e o do escudo de Milão haverá também comtodas as outras moedas, pois tão-somente o ducado foimal avaliado e, conseqüentemente, pode obter a mesmavantagem com todas as outras moedas. E por esse motivodaí saíam em grande abundância para Veneza todas asmoedas de prata e de ouro de peso justo que havia antes,e de Veneza iam para lá outros tantos ducados, meios-ducados e quartos de ducados.

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Esta é a razão também pela qual em grande parte dosEstados Papais, de uns anos para cá, não se viam senãoducados vênetos e tostões reduzidos de peso, pois alitambém se instaurou o abuso de deixar circular os tostõese outras moedas, aliás, as próprias dobras, diminuídas demuitos grãos em relação ao peso justo, que não foram acei-tas em troca de ducados no Estado Vêneto. Assim, quemnesses lugares quiser um escudo florentino, veneziano emilanês com um peso justo, precisa pagá-lo aos que prati-cam o câmbio até 5 liras e 5 baiocos, e agora que foramintroduzidos os novos tostões com peso menor, o tostãoserá igualado ao ducado, mas as outras moedas terão ele-vado o seu valor.

Prensa com balança de 1734. Veneza, Palácio Ducal.

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CAPÍTULO XIV

A INTRODUÇÃO DE MOEDAS ESTRANGEIRAS DE POUCO VALOR

COM UM VALOR MAIOR DO QUE SEU VALOR INTRÍNSECO

PREJUDICA E FAZ ELEVAR O VALOR DAS MOEDAS

Toda vez, então, que um príncipe permite que emseus estados circulem moedas estrangeiras de ouro e deprata com um valor maior do que o intrínseco, seguenecessariamente, dadas as razões e experiências apresen-tadas no capítulo anterior, a elevação de valor das moe-das locais, da qual resultam os danos explicados no Capí-tulo XII. Mas se faz a desordem crescer muito mais ecom razões mais fortes quando se consente que moedasestrangeiras de pouco valor entrem em grande abundân-cia no próprio estado, pois, se é fácil corrigir o erro em setratando de moedas de ouro e de prata, podendo-se corri-gi-lo posteriormente mediante uma lei que restabeleçapara elas um valor adequado, em se tratando de moedasde pouco valor, no entanto, não há outra possibilidade deemenda a não ser que a lei tenha caráter geral. Pois, sefossem introduzidos, por exemplo, no Estado Vêneto osgrossos ou táleres alemães com um valor de 5 soldoscada um, e valessem efetivamente apenas 4 mais um ter-ço, o povo teria dificuldade em levar em conta aqueleterço e logo voltaria a 5 soldos, e dois terços de prejuízoa cada 5 montam a até 13%.

Muito pior, então, se a moeda fosse de baixíssimovalor, pois, como estas se espalham entre o povo maishumilde e, de modo geral, constituem o pecúlio parti-cular dos pobres, se se deixar entrar uma quantia muitogrande, torna-se perigoso e difícil proibi-las; se não seproibirem, dá-se a oportunidade aos que deste comércio

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tiram vantagem de enviar uma quantidade maior, e, entretais moedas, de levar para fora do estado as melhores,empobrecendo-o irremediavelmente. Com efeito, quandoos mercadores e outros artesãos começam a não recebernenhuma outra moeda pela venda de suas mercadorias ede seus trabalhos a não ser esta de liga de pouco valor, aoter que se munir de moedas de ouro e de prata para efe-tuar pagamentos de grande vulto e principalmente forado país, são obrigados a pagar mais por elas, fazendo comque subam de valor e se sigam as tristes conseqüênciasque examinamos nos capítulos anteriores.

Quando a Polônia sofreu os danos já descritos cau-sados pelas moedas de 1658, fabricadas pelo seu rei e poroutros com a mesma impressão, já havia sido introduzidagrande quantidade de certas moedas da Suécia de poucovalor, ditas shillings, quase de cobre puro, que se espalha-ram aos poucos desde os tempos da rainha Cristina, masque foram trazidas em grande quantidade em 1656, quan-do os suecos conquistaram toda a Polônia, de maneiraque já era impossível proibi-las sem correr o risco deturbulências populares. Foi então que os suecos, mesmodepois da paz, passaram tanto dos limites a ponto de darshillings aos mercadores de Riga na Livônia à razão de 108táleres por 100 moedas boas, isto é, de ortje velhos, queeram moedas de boa liga e tinham um valor intrínsecocorrespondente ao valor com que circulavam. Assim, osmercadores poloneses, atraídos pelo ganho apreciável de8%, açambarcavam os ortje e, depois de tê-los converti-dos em shillings, espalharam-nos pelo reino, até que, entreestes e a nova moeda régia, a Polônia ficou sem nenhummetal bom. E é bem provável que, além das casas damoeda régias da Suécia, outros ainda falsificassem shillings

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por sua própria conta, uma vez que, mesmo sendo dequalidade superior como os outros, davam um lucro tãogrande que seus fabricantes podiam dá-los à razão de 108por cem moedas de qualidade superior.

Os holandeses, nas guerras dos três Filipes, reis daEspanha, falsificaram o bilhão da Espanha, ou seja, a moe-da de pouco valor com a efígie daquela coroa, e enche-ram de tal forma Flandres e a própria Espanha de taismoedas, subtraindo-lhe as dobras e as peças de oito, quese pode dizer que mantivessem viva a guerra contra aque-les monarcas com o ouro deles próprios. E talvez tenhasido pior a guerra que lhes faziam com as moedas do queaquela que faziam com as armas. No tempo em que aFrança possuiu a Catalunha por algum tempo, uns qua-renta anos atrás, quer pagasse ali seus soldados apenascom moedas de pouco valor, quer tivessem sido introdu-zidas pelos mercadores e toleradas pelos governantes,sabe-se que tais moedas eram praticamente de cobre puro,já que possuíam apenas 26 quilates de metal puro pormarca, que não chega a ser 6,5 quilates por libra, e tinhamuma impressão diferente daquelas que estavam na Fran-ça, onde não eram aceitas. Por tal fato, só voltavam para aFrança moedas de ouro e de prata, e, assim, ela saqueoude tal forma aquele estado que quando a Catalunha vol-tou a ser submetida ao rei da Espanha era quase como umcorpo sem vida, tão enfraquecido que ainda hoje se podedizer não se ter refeito de tal prejuízo.

Mas procuremos algum exemplo mais próximo, sebem que de um efeito não tão estrondoso.

Lembro-me que em 1653 foram introduzidas em Flo-rença, onde eu morava, entre os quatrins de pouco valorque ali se chamam de “pretos”, outras moedas de fora,

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particularmente os sesinos de Lucca e de Módena, poucodiferentes dos pretos em tamanho e cor. Parece que, nemsei como, os ministros responsáveis por tal comércio,aliás, sempre muito vigilantes, em tal ocasião cochilaram,de modo que, tendo-se já tornado comum a circulaçãodaquelas moedas, aos pouco elas entraram em tão grandequantidade que, quando os ministros acordaram e aboli-ram seu curso, não cessou a grande gritaria, especialmen-te dos pobres, que não tinham quase outra coisa com quecomprar o pão. Não é de admirar, no entanto, que taismoedas tivessem chegado em tão grande quantidade empouco tempo, pois naquela época, em Módena, a dobravalia 25 liras, as quais, valendo a lira 60 sesinos, perfaziam1.500 sesinos, e estes, levados para Florença e gastos comoquatrins, como aqueles daquela cidade, também perfa-ziam 25 liras de Florença. Assim, valendo a dobra apenas20 liras florentinas, resultava um ganho de 5 liras florenti-nas a cada dobra, ou seja, se obtinha um lucro de 25%,que bem podia ser compartilhado com os mercadores quetinham cooperado em tal operação. Mas como, desta ma-neira, em Módena, começou a faltar a moeda de poucovalor, a casa da moeda do príncipe supriu tal falta com afabricação de mais moedas; quando, então, foram banidasde Florença, voltaram para o lugar de origem, onde setornaram tão abundantes que elevaram o valor das dobrase das outras moedas de maior valor, com prejuízo gerale ganho apenas daqueles comerciantes de moedas queantes as haviam enviado para Florença com um lucro de25% e agora as traziam de volta para casa. E como naToscana já não tinham nenhum valor, tais comerciantesprocuraram açambarcá-las nesta região também por doisterços do valor primitivo, e tiveram mais uma vantagemem tornar a trazê-las para casa.

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Toda a Alemanha sofreu desagradáveis convulsõesno comércio por causa dos táleres, dos tymfen e de outrasmoedas do tipo dos grossos e florins, fabricados em algu-mas casas da moeda daqueles príncipes com uma liga demenor valor do que tinha sido estabelecido nas DietasImperiais. Com efeito, esses táleres, introduzidos em grandequantidade em estados estrangeiros e misturados entre ostáleres de maior valor, depois nas feiras encontraram taisdificuldades que, sendo recusados da mesma forma osruins e os bons, os húngaros passaram a valer até 4 flo-rins, os de 1656 e 1657, como costumavam valer quandoeu me encontrava ali; e foi necessário baixar o valor dosmelhores, em troca da moeda imperial corrente, a 3,5 flo-rins: sinal de que mesmo na moeda do próprio imperadorfora feita alguma alteração na qualidade da prata ou nopeso. E visto que as moedas de muitos outros príncipesmenores são de uma liga de menor valor ainda, algumasforam abolidas totalmente, outras reduzidas a um preçomenor, e um táler, que valia 3 kreuzern, caso tivesse sidofabricado numa daquelas casas da moeda menores, nãochega a valer mais do que 2,5 e assim as outras moedas.Mas como nas moedas imperiais o húngaro, nesse ínte-rim, passou de 3 florins a 3,5, ou seja, de 6 a 7, as receitasdos príncipes e os haveres dos cidadãos em moedas deprata diminuíram eles também de 7 para 6.

Logo, porém, que na Alemanha foram banidas asmoedas piores e as outras taxadas em um valor menor, seviu aparecer grande quantidade dessas moedas na Itália e,de modo particular, nos estados vênetos, em Brescia, Ve-rona, no Friul e ainda em outros estados confinantes coma Alemanha, de onde, aos poucos, foram se espalhandopor outros territórios; e embora tenham sido proibidas até

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agora duas vezes pelo sábio poder público, no entanto, aautoridade do príncipe não prevaleceu senão por brevetempo à malícia de quem leva vantagem própria enviandopara a Alemanha ducados e outras moedas em troca dasde menor valor.

Mas, para conhecer um pouco o tamanho do pre-juízo que acarretariam se se deixassem circular por maisum tempo, um único cálculo será suficiente para torná-loevidente.

Grande parte dos táleres que, de poucos anos paracá, da Alemanha apareceram na Itália, pesam 7,5 quilatescada um ao peso de Veneza, de maneira que em umamarca se contam 153,6 táleres, e se tem 500 quilates demetal fino em cada marca, um pelo outro. Como se tro-cam a 5 soldos cada um, montam a 768 soldos. Assim, se500 quilates de prata fina valem tanto, uma marca de pratafina, que é 1.152 quilates, é avaliada em tal moeda porcerca de 1.769,47 soldos vênetos.

Se receberem em troca ducados vênetos, estes pe-sam pela balança vêneta 110 quilates com uma reduçãode 200 por marca, pelo que cada um tem 90,9 quilates demetal fino, e trocados pelo preço de 6 liras e 4 soldos emconformidade com a avaliação do príncipe, a marca deprata fina valeria 1.571,47 soldos vênetos. No entanto,vimos antes que a prata fina em táleres é avaliada em1.769,47 soldos a marca, ou seja, há uma diferença de 198soldos, que são quase 10 liras por marca. Dessa forma, seem cada 1.571,47 se tem uma redução de 198 soldos, ne-gociando em táleres se chega a reduzir de 12,6% toda aprata em ducados vênetos que vai para a Alemanha emtroca de táleres, pois, considerando a troca de prata finapor prata fina, Veneza dá a sua prata fina contida nos

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ducados por 1.571,47 soldos e a recebe contida em tále-res por 1769,47 soldos, além do prejuízo que teria na refi-nação. Não é de admirar, no entanto, que os açambar-cadores paguem o ducado mais de 6 liras e 4 soldos, tam-pouco se ele é elevado de valor até 6 liras e 8 soldos deVeneza sob os olhos do próprio príncipe, e até 6 liras e16 soldos em Brescia. Com efeito, quem quisesse avaliara prata fina do ducado no preço em que é avaliada a pratados táleres, o ducado valeria pouco menos de 7 liras ve-nezianas, e assim sendo, mesmo a um preço de 6 liras e 16soldos, os mercadores têm quase 3% de lucro ao açam-barcá-lo, e os alemães podem logo convertê-los em gran-de número de seus táleres para enviá-los para a Itália.

Mas se se derem a eles húngaros em troca, estesvalem atualmente em Veneza 17 liras (e o preço é abu-sivo, já que segundo os editos deveriam valer apenas 15liras e 10 soldos); pesam 64,5 grãos vênetos e são de 23quilates, ou seja, segundo o uso vêneto, com uma redu-ção de 48 por marca, um pelo outro, uma vez que há unsmelhores e outros cujo valor foi bastante reduzido. Se,então, uma marca de 1.152 quilates tem uma redução de48, os 64,5 grãos de um húngaro terão uma redução de2,69 grãos aproximadamente, e, porém, terá de ouro fino61,81 grãos; e como em uma marca há 1.152 menos 48quilates, isto é, 1.104, que são 4.416 grãos, se 61,81 grãosvalem 17 liras, uma marca de oro fino valerá 1.214,56liras. Mas, como já dissemos, uma marca de prata fina emtáleres vale 1.769,47 soldos, que são 88,47 liras; assim,uma marca de ouro fino sai do Estado Vêneto em trocade 13,72 marcas de prata, ao passo que, como também jádissemos, a proporção mais comum entre o ouro e a pra-ta, nas praças da Itália, é de uma marca de ouro fino paraaproximadamente 14,75 marcas de prata.

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O que, no entanto, não é de admirar, uma vez queos húngaros são procurados e açambarcados por 17,5 li-ras e até por 18 liras cada um, porque, mesmo querendoavaliá-los em 14,75 marcas de prata em táleres para umade ouro, o húngaro deveria valer 365,28 soldos, que são18,26 liras. E assim se torna evidente que a introdução demoedas estrangeiras de baixo valor eleva o valor das moe-das de ouro e de prata locais.

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CAPÍTULO XV

ALGUMAS RAZÕES QUE PRODUZEM A ELEVAÇÃO DE VALOR

DAS MOEDAS E OS DANOS JÁ DESCRITOS

Neste capítulo talvez não escreva coisa, entre aque-las que ocasionam a elevação de valor das moedas, quenão possa ser facilmente referida a algumas das causasque foram expostas nos capítulos anteriores, mas não seráinútil ir procurando também nos detalhes várias circuns-tâncias que, às vezes, estimulam os humores daninhosdesta enfermidade, para compreendê-la teoricamente commaior clareza e, assim, poder aplicar na prática os remé-dios oportunos.

A guerra, entre outras coisas, raramente não é acom-panhada pela elevação, aliás, perturbação de valor dasmoedas. Ludovico XI, em 1475, encontrou enormes difi-culdades para fazer voltar ao seu justo curso as moedasda França, que, pelas guerras anteriores, particularmenteas civis, estavam reduzidas a tamanha confusão que nãorestava, como diz François Gerrault em seus Paradoxos dasmoedas, senão o nome e a imagem das moedas, sem subs-tância nem valor. Da mesma forma, por causa das guerrascivis sob Henrique II e os reis seguintes, as moedas da-quele reino se encontravam em tal desordem que nosEstados Gerais de Blois foi preciso debater longamentetal assunto mais do que qualquer outra questão ali tratada.No entanto, desordens maiores ocorrem sempre naque-les países em cujo território a guerra é combatida, maisdo que naqueles onde é conduzida, porque parece que oestrondo dos tambores e das trompas, e muito mais o dostiros de canhão, ensurdeça tanto todos os magistrados,com exceção daqueles que presidem à própria guerra,

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que mesmo os superintendentes das casas da moeda nãopodem agir com a liberdade necessária, nem ser ouvidospelo príncipe com a devida atenção. Pelo contrário, é exa-tamente em tempo de guerra que os banqueiros conse-guem persuadir facilmente os príncipes com o conselhofunesto de fabricar moeda com ganhos para o erário, poisos príncipes, coagidos pelas despesas gravíssimas, se agar-ram a qualquer coisa na qual vêem alguma possibilidadede juntar dinheiro.

O romanos, em apuros pelas guerras dos cartagine-ses, num primeiro momento fabricaram os asses de duasonças, enquanto antes eram de uma libra; depois FábioMáximo os reduziu a uma onça e Papírio chegou a redu-zi-los a meia onça, o que não foi outra coisa senão elevarseu valor até 24 vezes mais do que antes. Mas eles pude-ram fazê-lo uma vez que quase não tinham nenhum co-mércio com as outras nações, e isso não ocorre nos diasde hoje. Hoje, pelo contrário, em tempo de guerra, ospróprios falsários sentem-se mais fortes para fabricarmoedas falsas, pois encontram menos dificuldades em pô-las em circulação, já que nos exércitos, entre muitos ho-mens honrados, não apenas se encontra sempre alguémcom pouca consciência, que concerta com os falsários aparte do ganho para unir-se a este tráfico indigno e res-paldá-lo com a autoridade militar, mas há quem chegue aexercer ele próprio tal profissão, e, visando o lucro, aviltao título honrado de soldado.

Em tempo de guerra os cerceadores também afiamsuas tesouras e aparam as moedas até o osso; e se quemdeve recebê-las pegar a balança para pesá-las, com umBoto a Dios,31 rangendo os dentes e com cara feia, fazem

31 Em espanhol, no original. Antiga exclamação de ameaça.

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com que as moedas, ainda que mutiladas, cheguem a cir-cular contra a vontade de todos. Assim sendo, não saberiaqual prêmio mereceria quem achasse a maneira de elimi-nar do mundo esta raça de falsários e cerceadores, e fazercom que não fosse mais possível falsificar ou cercear asmoedas, já que até agora não foi suficiente que as leissaxônicas, assim como as vênetas, destinassem aos falsá-rios a pena de serem queimados vivos, e que no Egito aoscerceadores se cortassem ambas as mãos, e hoje, em todaa Europa, uns e outros sejam condenados à ignominiosaforca.

A República Florentina, já naqueles tempos, pres-crevia a fogueira aos falsários, de modo que seu poetaDante introduz um Mestre Adamo, falsário de moedas,que, a pedido dos condes de Romena, tinha falsificado ocunho dos cequins florentinos, que, de um lado, tinham aefígie do lírio, e, do outro, de São João Batista; e faz queele diga a Virgílio:

Vejo Romena, onde eu falsifiqueia liga chancelada do Batista,e, pois, ao fogo o corpo meu votei.

E um pouco mais abaixo, falando dos condes deRomena, diz ainda Mestre Adamo:

Por sua culpa vim a este bolsão,o florim lhe cunhando, desejado,mas com quilates três de redução.32

32 Inferno, Canto XXX, vv. 73-75 e 88-90. Tradução de Cristiano Martins.

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Mas o pior é que os próprios soldados elevam ovalor legal das moedas melhores trocando-as quase à for-ça a um preço maior, e encontram-se príncipes que nãosó toleram tal desordem, mas a autorizam, ao pagar elestambém os ordenados dos soldados aos preços abusivosque têm sido introduzidos, atraídos pela vantagem quenum primeiro momento trazem para o erário – com aconseqüência, no entanto, de sofrerem posteriormenteuma perda bem grande com a diminuição das receitas ré-gias, que é um efeito necessário da própria elevação devalor, como foi demonstrado no Capítulo XII. Assim, em1605, os ministros do pontífice atribuíram grande valorao cequim, pois tinham que pagar os soldados.

Não é bom que quem administra os fundos de guer-ra procure tirar proveito por esse meio, que é tão usadotambém em tempos de paz. Eu, porém, não desaprovoaquele príncipe que, com seu exército guerreando numpaís inimigo e tendo a expectativa de mantê-lo por muitotempo, se acautele fazendo circular entre os soldadosmoedas com um valor maior, porque, desse modo, eleprejudica seus inimigos. É preciso, no entanto, que eleprocure preservar seus estados deste mal, fazendo comque aquelas mesmas moedas ali voltem com o justopreço, pois, caso contrário, facilmente teria um dano maiordo que foi o ganho.

A melhor cautela, a meu ver, seria a de enviar parao país inimigo aquela espécie de moeda que é banidaem seus próprios estados, como fizeram os franceses naCatalunha, para onde (como já dissemos em outra oca-sião) enviaram moedas menos boas, com uma impressãodiferente daquela que usavam na França, e com um ga-nho incrível, sem que depois os espanhóis, reconquistada

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aquela província, pudessem mandar de volta para a Fran-ça aquela calamidade ao proscrever tais moedas, já que naFrança não eram aceitas, ou eram até banidas. Assim sen-do, todo o prejuízo foi sentido pela própria nação catalã,que não tinha outra moeda; e ainda hoje, quando já sepassaram quarenta anos, aparecem grandes somas dessasmoedas na Itália para serem vendidas a peso de cobre,com o que não se pode fazer outra coisa senão fundi-lasem várias casas da moeda para fabricar moedas de baixovalor, não valendo a pena separar com o fogo aquelapouca prata que há, que não chega a um quadragésimo dototal. Se, pelo contrário, os franceses tivessem impingidoà Catalunha aquele mesmo bilhão que circulava na Fran-ça, onde não podia ser recusado, este reino teria ficadorepleto daquela moeda de pouco valor, com um prejuízoigual ao que causou à própria Catalunha.

Caso, então, um príncipe possua alguma provínciapobre e isenta das contribuições, da qual não se recom-pensasse nem de longe das despesas, se permitir que emtal país suas moedas sejam elevadas de valor, terá a van-tagem de manter seus exércitos com gasto menor, umavez que os soldados que gastam ali o escudo em tantossoldos quanto é o valor que lhe é atribuído, não reparamse as 30 liras que ganham, por exemplo, por mês, nãoperfazem senão dois escudos e meio, quando na sua casaperfariam 3. A esse respeito, porém, é preciso ter bem emconta que, assim fazendo, o príncipe diminui também asreceitas que se conseguiam daquele país; e se os solda-dos não acharem justo o pagamento ou virem que nãopodem se sustentar, ele corre outros perigos, como ocor-reu com a Polônia nos acidentes, já mencionados, de 1658e em outros sucessivos.

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Da mesma forma, freqüentemente o valor das moe-das se eleva sem culpa de quem governa, mas unicamen-te por culpa dos estados vizinhos. Não é de todo impos-sível, mas muito difícil, impedir que esta enfermidadenão se espalhe de um estado para outro como a peste,particularmente quando as melhores regras estão corrom-pidas num estado mercantil grande. Às vezes, uma certadeferência diplomática põe um freio à autoridade de umpríncipe, que não tem a coragem de proibir em seus esta-dos a moeda de um outro príncipe mais poderoso. Talcoisa pode acontecer particularmente em se tratando da-quelas moedas que são fabricadas em muitas casas damoeda com o mesmo nome e com peso e material quaseiguais, como são as dobras e os escudos.

Certamente, nem todos os escudos de Milão, Móde-na, Parma, Mântua, Roma e de outras casas da moeda daItália têm a mesma qualidade superior, mas a diferença épouca coisa. Pode ocorrer que um príncipe grande fabri-que moedas com peso e qualidade inferiores aos de cos-tume, e os outros que são seus feudatários ou lhe estãosujeitos por devoção não ousem proibi-las, de maneiraque é mister que tolerem em seus estados a elevação devalor das moedas que necessariamente costuma se darcom a introdução das moedas de menor valor. Já dis-semos que Carlos V, em 1540, fabricou os escudos deouro de Castela e outros com qualidade e peso inferioresaos de costume; muitos foram os príncipes que o imi-taram, fabricando-os, aliás, piores do que os de Carlos,apoderando-se, assim, do ganho que, sem esse expedi-ente, teriam tido os ministros imperiais. Mas uns e outrosviram as outras moedas elevar-se de valor, com prejuízopermanente de suas receitas.

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Os estados que mantêm entre si um comércio contí-nuo e quase necessário deveriam estar sempre unidos e deacordo acerca do valor das moedas e mantê-las na justaproporção, caso contrário toda desordem que nascernum lugar influi no outro, com prejuízo do comércio.Não é de admirar, então, se mais de uma vez se travaramguerras mortais entre príncipes por causa das moedas,como quando Pedro IV de Aragão travou guerra contra orei de Maiorca, por este ter fabricado moedas de umaqualidade inferior ao valor com que circulavam e infec-tado seus reinos. Os próprios reis de Aragão foram proi-bidos por Inocêncio III, com excomunhão, de fabricarmoedas mais leves do que de costume, com prejuízo dossúditos; aliás, na própria coroação, aqueles soberanos ju-raram, entre outras coisas, não alterar as leis antigas refe-rentes às moedas.

Muitas vezes ocorre também que um estado nãopode banir as moedas de um outro estado, não por defe-rência a príncipes mais poderosos, mas para não perderum comércio sem o qual se reduziria à miséria. A Apúliacostuma enviar grande parte de seu azeite para Veneza, eé paga com moedas boas, porque nunca a SereníssimaRepública resolveu fazer qualquer alteração, por peque-na que fosse, na qualidade e no peso das suas moedas.Mas se esse comércio fosse com algum príncipe que ti-vesse alterado a liga de seus escudos ou de outras moe-das de ouro ou de prata, e quisesse usá-las com o valordas outras, poderia dar-se o caso de a Apúlia, pela contin-gência dos tempos, não saber a quem mais vender seuazeite e aceitar aquelas moedas com prejuízo. Mas se seussoberanos depois não tomarem medidas para que circu-lem com seu justo valor, tais moedas farão elevar o valor

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das melhores, e os súditos, que não entenderão que acei-tar assim aquelas moedas seja o mesmo que vender oazeite a preço muito menor, farão todo o possível paragastá-las pelo valor abusivo com que as receberam, comprejuízo público. O mesmo pode acontecer na Romanhae em outras províncias, que, desprovidas de comérciomercantil, não obtêm outro dinheiro a não ser pela vendados grãos e de outros produtos da terra.

Mas acima de tudo as moedas elevam-se de valortoda vez que, por algum acontecimento, se altera a pro-porção universal entre o ouro e a prata, porque se, porexemplo, este ano vigorar a proporção de 1 para 14,75, ede repente chegar à Itália uma grande quantidade de pratae, ao contrário, só chegar pouco ouro, ou, vice-versa, seder a condição de enviar o ouro para o Levante com umganho maior do que de costume, logo as dobras e outrasmoedas de ouro começarão a ter um ágio grande e a sertrocadas pelos mercadores por mais prata do que de cos-tume, e, assim, aumentarão de valor em proporção às deprata, e se darão 15 onças e talvez mais por uma onça deouro. E se as casas da moeda não mudarem a proporçãoentre suas moedas, conformando-as com a nova medidacorrente entre o ouro e a prata, as verão elevar-se devalor sozinhas; e logo que estas começarem a subir, osaçambarcadores lhes darão tal empurrão que elas se ele-varão além da medida.

Nos tempos de Francisco I, a proporção entre oouro e a prata havia crescido de tal forma em poucosanos, em razão da grande quantidade de prata vinda dasÍndias, que se em 1519 havia sido fixada à porcentagemde cerca de 11,8 de prata para 1 de ouro, já em 1532todas as moedas de ouro tinham sido levadas para fora da

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França, ficando em vez delas outras de prata. Assim, asde ouro se elevaram de valor e foi necessário, para fazerfrente a desordens maiores, avaliar o escudo de ouro em45 escudos torneses, enquanto antes valia apenas 40, edeixar no preço de antes as moedas de prata. A propor-ção passou a ser, então, de 13,16 de prata para 1 de ouro.Mas nos anos seguintes, tendo voltado a ser rebaixadapela chegada repentina de muito ouro, que fez com quese trocasse uma marca de ouro por menos prata do queantes, tal proporção foi reduzida de novo, em 1540, a11,81 de prata para 1 de ouro. E como parece ser umaindolência comum a todos os príncipes não tomar provi-dências no tocante às desordens das moedas até que nãotenham multiplicado enormemente seu valor, foi precisotolerar que uma marca de ouro, que antes, em moedasfrancesas, valia 147 liras ou francos, chegasse ao valor de165 liras, 7 soldos e 6 denários, enquanto a prata valia 14a marca. Ou seja, de 1519 a 1540, que são 21 anos, naFrança o valor das moedas aumentou de 147 a 165, quecorresponde a mais de 12,25%.

Além disso, continuando as guerras civis, em 1575,sob Henrique III, o valor de uma marca de ouro fino, emescudos do sol, havia chegado a 222 liras, que, em apenasdez anos, são mais de 34,5%; e comparando os valores apartir do tempo de Luís XI, que exatamente cem anosantes a avaliara em 118 liras, até o tempo do acima mencio-nado Henrique III, quando passaram a valer 222, a ele-vação do valor das moedas, ou seja, o rebaixamento dasliras imaginárias, foi de 88%. Atualmente, quando já sepassaram mais de cem anos, o aumento já chegou a 200%,que é o triplo do primeiro valor, e até mais.

E por fim, a peste, a fome e toda outra desgraçageral de um estado, pelas quais ficam abaladas as outras

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coisas, abalam também as moedas, pois em tais perturba-ções os açambarcadores, os falsários, os cerceadores eoutros que têm como profissão pescar em águas turvasnão perdem a oportunidade, e se valem das calamidadescomuns para seu próprio proveito, tão mais impunementequanto quem deveria castigá-los não pode, entre aquelasmisérias, dedicar-se a isso, senão pouco intensamente e,às vezes, nem um pouco, estando absorvido nos malescomuns.

Além disso, em tempos tão calamitosos, qualquerum que tenha créditos procura recebê-los da melhor ma-neira para poder usar o dinheiro, e, pelo contrário, o de-vedor procura desfrutar a necessidade do seu credor, ofe-recendo-lhe moedas de menor peso, ou ruins ou com umpreço muito alto, de modo que o credor, forçado pelanecessidade, recebe o que pode obter e faz todo o possí-vel para empregar tais moedas pelo preço pelo qual astem recebido. E como ao vender e comprar costuma acon-tecer que o vendedor é sempre mais necessitado do queo comprador, ele recebe as moedas ao preço que podeconseguir e procura gastá-las mantendo igual valor. Osque precisam de dinheiro, então, e tomam dinheiro em-prestado a juro, mediante censos, aforamentos e contra-tos semelhantes para suprir suas necessidades naquelestempos calamitosos, recebem o que quiser dar quem lhesempresta dinheiro a juro.

E quem dera que, além de pagar com moedas compeso menor e com preços mais altos do que o justo, nãohouvesse certas consciências insensíveis que em lugarde dinheiro vivo dão até roupas velhas de seus tataravôs,avaliando-as como se tivessem saído naquele momentodo armazém do comerciante e estivessem na última moda:

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coisas todas essas que elevam o valor das moedas, com oque diminuem as rendas públicas e privadas, as artes sedeterioram e nascem os outros males muitas vezes men-cionados.

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CAPÍTULO XVI

SOBRE ALGUNS BANQUEIROS QUE, NAS PROPOSTAS QUE FAZEM

AOS PRÍNCIPES DE FABRICAR MOEDA, PENSAM EM SEUS

PRÓPRIOS INTERESSES E FAZEM PARECER, FALSAMENTE,QUE DE SUAS SUGESTÕES RESULTE UM GANHO

NÃO SÓ PARA O PRÍNCIPE COMO TAMBÉM PARA O POVO

É sentença de Platão, tão verdadeira quanto difícilde compreender sem uma atenta consideração, que nãopode haver vantagem ou ganho entre os mortais que nãoseja ao mesmo tempo dano ou prejuízo para outros. Aquelemesmo grão que um tira da terra ao trabalhá-la, aliás, aque-les mesmos frutos que, nascidos espontaneamente, nãose pode negar serem dom gratuito da natureza, ao passarpara as mãos de quem quer que seja, já a primeira vez aeste são úteis, mas a outro nocivos, porque se o primeironão os possuísse, providenciaria seu sustento de outramaneira, útil a outra pessoa.

Ora, se o ganho de um é, então, perda de um outro,como os banqueiros poderão persuadir um príncipe deque suas propostas lhe facultam tirar proveito das moe-das sem prejuízo, aliás com vantagem, para seus súditos?Não há dúvida de que os banqueiros se intrometemnesses negócios levados pelos próprios interesses, nemeles ousariam querer persuadir de que intervêm apenaspor zelo ao bem público, sem ter em vista o proveitopróprio. Ora, se além do seu próprio proveito queremque com seus planos ganhe também o príncipe, e sedeve ganhar também todo o povo, sabem me dizer, porfavor, quem há de sofrer o prejuízo oposto a este seuganho? Os estrangeiros não, uma vez que o príncipe nãopode obrigá-los a receber aquelas moedas a um preço

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diferente daquele que eles querem, pois não são seussúditos. E aqui não estou falando de moedas para seremgastas tão-somente em países estrangeiros, como foramos timins espalhados pelos cristãos na Turquia, sobre osquais falamos antes, no Capítulo XIII, porque em tal casoé claro que o prejuízo recai sobre eles; mas estou mereferindo às moedas que devem ser gastas no país dopróprio príncipe e nos países limítrofes. Tal prejuízo osofrerão os súditos, e se assim for, o próprio príncipe,pois todo o prejuízo do seu povo é sempre dele também.

Esse único argumento deveria bastar para fazer abrirbem os olhos aos príncipes e a seus ministros diante depropostas desse tipo, e tanto mais quanto mais “gordo”(como se costuma dizer) for o plano proposto. Grandecoisa parecia, à primeira vista, a alguns de Milão, em 1674,o plano que propunha um fulano, de quem, embora tenhavisto o nome em caracteres impressos, basta que conteo feito. Ele apresentava os desacertos das moedas da-quele estado, no qual dobras com muito menos grãostinham curso como boas, causando a elevação de valordas boas, não menos que das moedas de prata. Alegava,como causa preponderante dessas desordens, a grandequantidade de moedas de pouco valor, os sesinos, os qua-trins e as parpalholas, entre as quais circulavam muitasfalsas, e apresentava o cálculo da despesa da casa da moe-da régia, que só para a fabricação dos sesinos e dos qua-trins montava a 1.668.342 liras, que é, de fato, uma somaexorbitante, mesmo em se tratando do grande estado mer-cantil de Milão. Com efeito, em certos escritos sobre esseassunto, que li já faz tempo em Roma, encontra-se o rela-to de uma congregação de prelados e cardeais que, entreoutras coisas, aventa serem suficientes 35 mil escudos

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para os sesinos de Bolonha, Ferrara e Roma, e está ditoque o fabricante de moedas de Roma naqueles tempos,em que era papa Inocêncio X, era obrigado a não fabri-car mais do que 200 escudos por ano dessa moeda,como suplemento da moeda que fosse faltando. Seja comofor, não há dúvida de que, no Estado de Milão, era gran-de a quantidade de sesinos, quatrins e parpalholas, multi-plicada ainda pelos falsários.

O banqueiro propunha, então, abolir a moeda depouco valor, deixando apenas uma pequena quantidade,oferecendo-se ele mesmo para retirá-las, assumindo todoo prejuízo, pagando as moedas boas daquela casa da moe-da ao preço corrente, sem que quem as trouxesse tivessede sofrer alguma perda, e dando-lhe em pagamento moe-das boas de prata que iriam ser amoedadas, e ainda pagan-do as falsas ao preço do cobre. Eis um grande zelo pelobem do povo, ao qual a moeda ruim era devolvida em moe-da boa. E como circulavam as dobras com peso menor, essebanqueiro oferecia-se para retirá-las à sua custa até umprejuízo de 200 mil, para que não diminuíssem mais de 6grãos cada uma, dando em troca metade dobras novas depeso justo e metade moedas de prata, também novas.

Podia-se querer mais? Ainda por cima, oferecia-separa pagar à Câmara Régia pela senhoriagem, ou ressarci-mento, como dizem,33 200 mil liras, e fabricar 200 mildobras com a qualidade e o peso habitual, e 500 mil fili-pes, também com a qualidade e o peso costumeiro. Mere-cia mais estátuas e incensos do que as que os romanosdedicaram a Mário Gratidiano por ter introduzido na casa

33 Sarsigia, em italiano antigo, que era uma concessão obtida para resgatar moedas decunhos diferentes, ressarcindo-as pelo valor do metal que continham, a fim de unifi-car um sistema monetário.

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da moeda os ensaiadores. Mas pedia em troca que lhefosse permitido fabricar 2 milhões de escudos, que de-pois, com várias voltas e acréscimos, fazia chegar a 3 mi-lhões, em moedas de prata de 20 soldos, de 10, 5 e 2,5, àrazão de 4% menos que o peso e a qualidade do filipe.

A quem não considerasse com olhar arguto a rele-vância desta última condição – e pensasse apenas de modogeral que, ao querer fabricar moedas de prata tão miúdas,se gastava mais que fabricar filipes, e 4% não eram grandecoisa, sobretudo em comparação com o prejuízo que eleassumia sobre a moeda de pouco valor e sobre as 200 mildobras, nas quais tão-somente 6 grãos por dupla parecemimportar mais que 4% – tal plano poderia parecer bom.E, com efeito, pouco faltou para que fosse aprovado, nãofosse a prudência muito vigilante daqueles magistrados,e, de modo particular, do presidente das receitas régias,que encarregou o conde Lorenzo Taverna, então presi-dente da Magistratura das Provisões, de expor suas pró-prias reflexões.

De imediato, este cavalheiro, dotado de grande pers-picácia, penetrou no cerne deste negócio e, descobertaa chaga, desvelou com seu relato muito sábio e, ao mes-mo tempo muito enérgico, os mais sombrios recantos,mostrando como o prejuízo que o banqueiro alegava lheadvir ao retirar as moedas de pouco valor e as dobrascom peso menor não era de maneira alguma tão grandecomo ele alegava, mas, pelo contrário, muito grande era odo povo na fabricação de 3 milhões de escudos naquelamoeda com qualidade e peso 4% inferiores. E, ainda, em-bora pudesse se interpretar, sem uma melhor explicação,que a diminuição fosse de 8%, isto é, 4% no peso e 4%na qualidade, mesmo assim, posto que fossem 4% em

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tudo, sobre o montante de 3 milhões eram 12 mil escu-dos. E, com efeito, não há nenhuma dúvida de que, comesses 3 milhões, se lotava de tal maneira o estado que nãosobraria espaço no comércio para os filipes e as dobras;aliás, aqueles mesmos filipes que ele dizia querer fabricarteriam sido facilmente retirados por ele e amoedados denovo em moeda com 4% a menos, e, não sendo aceitastais moedas fora do estado a não ser com seu justo valor,logo teria saído do estado o restante dos filipes e dasdobras, com a necessária conseqüência de que no estadoestas moedas teriam aumentado de valor na mesmaproporção de 4%. E se tal coisa tivesse sido permitida,nunca mais se veria uma moeda dessas.

Outra conseqüência, então, seria a de que as recei-tas régias e as dos particulares diminuiriam para sempre4%, e fariam o mesmo os capitais dos créditos anterioresa esta moeda, pois quem tinha um crédito de mil liras,recebendo-as nesta moeda, seria pago com 960 liras efeti-vas, ainda que nominalmente fossem mil, com as quaisnão depositava em sua caixa uma quantidade de prata queefetivamente valesse mil liras, mas 4% menos. Assimsendo, tanto cuidado para remediar as desordens das moe-das iria acabar criando uma desordem pior ainda, porque,de fato, produziria a elevação de valor das moedas me-lhores, elevação que ele dizia querer impedir.

Quis dar este exemplo, uma vez que foi muito famo-so na Itália e, ao mesmo tempo, porque aquela mesmapessoa chegou a propor um plano semelhante, de mais de6 milhões, ao Reino de Nápoles; e ambos os planos fo-ram derrubados pela inteligência sagaz e as reflexões sen-satas do referido conde Taverna. Por outro lado, são mui-to poucas as casas da moeda na Itália, aliás, na Europa,

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que não tenham recebido e, infelizmente, aceito, propos-tas dessa natureza, que abalam o comércio e arruínam osestados.

A casa da moeda de Roma, de muito tempo para cá,não havia mudado o valor de seus escudos e paulos, fa-zendo já 85 anos que o escudo valia 10 paulos e o paulo10 baiocos; e a dupla da Itália, 30 paulos; a da Espanha,31; e conquanto durante esse tempo, pelos baiocos e qua-trins de cobre introduzidos por outras casas da moeda efalsificados, várias vezes teve de tomar providências ediscutir os remédios, apesar disso sempre superou as difi-culdades, porque tomou providências em tempo e por-que nunca cuidou de ter ganhos, perdendo, aliás, todoano, 900 escudos para pagar a fabricação, a manutençãodas ferramentas e outras coisas às expensas do príncipe.O mesmo fez a casa da moeda de Florença. Não sei, noentanto, se nos Estados Papais poderão voltar à posiçãofirme de antes, já que nestes últimos anos permitiramque circulasse todo tipo de moeda com peso menor oucerceada, e deixaram gangrenar a ferida até o ponto emque está hoje, de modo que deve haver um prejuízo emtorno de 3% ou 4%. Pelo contrário, as casas da moeda daLombardia, e particularmente as dos Príncipes Serenís-simos, têm sofrido danos enormes por causa desses pla-nos, que sob a máscara do bem público foram aceitoscomo sinceros, chegando ao ponto de, neste século, te-rem elevado o valor legal de suas moedas ao dobro deantes, e, conseqüentemente, reduzido suas receitas pelametade: prejuízo realmente enorme, que só poderia serremediado dobrando-se os impostos. Mas o povo não iriaquerer nem poder suportar tal ônus, pois, tendo diminuí-do de muito o comércio em razão da própria elevação

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de valor das moedas, não tem condição de pagar maisimpostos.

Mas uma outra invenção tem sido praticada váriasvezes pelos banqueiros, a qual tem produzido prejuízosgravíssimos. Nunca ou muito raramente eles propõem pla-nos em que não estejam incluídas cláusulas de fabrica-rem, além das moedas boas, algum outro tipo, especial-mente moedas de pouco valor, em que haja algum ganhopara eles. Nas casas da moeda não se tem o costume depesar com muita exatidão as moedas de pouco valor paraque sejam todas iguais, pois seria muito trabalhoso ajustá-las como se faz com as de ouro e prata, mas é suficienteque, pesadas juntas diante do magistrado, que antes fazmisturar bem o conjunto, numa libra haja aquele númeroque é fixado nos decretos públicos, de modo que as me-nores resultem compensadas pelas moedas maiores doque o normal. Uma vez aprovadas pelo magistrado, taisbanqueiros apoderam-se das maiores para fundi-las àsescondidas, e emitem apenas as pequenas voltando a fundiras outras; e ainda que o magistrado ordene que sejamlevadas para o erário público, uma vez que estejam espa-lhadas entre o povo, o banqueiro vai juntando-as e esco-lhe para si as mais pesadas, para voltar a fundi-las ou paravoltar a misturá-las com as pequenas caso precise voltara exibi-las ao magistrado.

Perdoem-me os fabricantes de moedas honrados, poisnão estou falando deles, mas relato o que muitas vezesfoi praticado pelos indignos, que, com sua atividade pou-co honesta, fazem com que a praça fique repleta de moe-das com valor menor, que não alcançam o valor decreta-do, e oferecem, assim, uma ótima ocasião aos falsários deintroduzir as falsas.

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CAPÍTULO XVII

POR QUE RAZÃO EM TODOS OS ESTADOS SE VÊEM AS MOEDAS

AUMENTAREM E NUNCA DIMINUÍREM DE VALOR

Se o curso das moedas fosse como o dos rios oudas correntezas, não seria de admirar que, apesar de to-dos os diques ou barreiras que se construíssem paracontê-lo, continuariam seguindo seu caminho. Mas poruns exemplos de 60 ou 80 anos atrás se vê que elas po-dem ser retidas desse curso e impedidas de aumentar devalor, como o foram na Toscana e nos Estados Papais deaproximadamente 1600 para cá, e de 1674 para cá pelosgenoveses, que esperam, não sem razão, mantê-las nomesmo estado por muitíssimo tempo, vistas as ótimas re-gras que têm estabelecido e o cuidado com que as fazemobservar. Aliás, aquela mesma força que as retém, que é aautoridade dos príncipes, às vezes chegou a fazê-las re-cuar uns passos, como fez tempos atrás em Veneza ocequim, que das 20 liras abusivas, em 1665, voltou a valer16. Apesar disso, lê-se e observa-se que em todos ostempos e em todos os estados as moedas sempre têmaumentado de valor, e quando têm recuado um passo nãodemoram muito a avançar de novo.

Enquanto em Roma durou a tão louvada e tão odia-da frugalidade antiga, pela qual, satisfeitos com o quelhes rendia a terra e os rebanhos, os romanos não procu-ravam mercadorias estrangeiras, e cônsules e ditadoreseram afastados do arado para serem postos à frentedos exércitos, com poder supremo (decorrendo dissoque muitas famílias romanas pertencentes à grande no-breza, como as dos Fábios, dos Lêntulos, Pisões, Cícerose outros, derivaram o sobrenome do saber semear bem as

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favas, as ervilhas, os grãos-de-bico e as lentilhas), as moedasnão foram alteradas, e por 300 anos, a partir de SérvioTúlio, que as introduziu até a Primeira Guerra Púnica, amoeda manteve sempre a mesma qualidade e o mesmopeso, isto é, se mantiveram os asses originários de cobre,de uma libra cada um; mas depois, em razão das enormesdespesas de tal guerra, foram reduzidos a duas onças, e,assim, duma só vez, a moeda foi elevada a um valor seisvezes maior do que antes.

Mal se passaram 60 anos e, como já dissemos emoutro lugar, durante a ditadura de Fábio Máximo os assesforam reduzidos a apenas uma onça, e, em seguida, pelalei papíria, a meia onça; e posteriormente a um quarto deonça, segundo as diligentes observações que WillebrordSnell fez sobre várias moedas antigas, as melhor conser-vadas, e que ele relatou em seu opúsculo De re nummaria,várias vezes mencionado. O que não quer dizer outracoisa senão que, tendo sido elevadas de valor aquelasmoedas, o último asse de meia onça valia tanto quantovaliam originariamente os asses de uma libra, ou, paramelhor dizer, um asse antigo de uma libra já valia 24 assesdos novos, e foi assim que se começou a falar em moedapesada ou originária, dizendo-se gravis aeris quando se re-feriam ao antigo valor, como nos dias de hoje, em Vene-za, se diz “ao valor bom” ou “ao valor corrente”, valen-do, o bom, um sexto a mais do que o corrente. Os dená-rios romanos, então, que foram de prata e valiam 10 asses,e seus quinários de 5, e os sestércios de 2 asses e meio,conservaram este valor desde o ano de 484 de Roma, anoem que foram introduzidos, até 545, quando os denáriosforam elevados por Fábio Máximo também ao valor de 16asses; o quinário, de 8; e o sestércio, de 4.

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E conquanto mais tarde as moedas de ouro, deno-minadas soldos ou sólidos, a princípio fossem avaliadasem 25 denários de prata, depois, uma vez que no decorrerde vários séculos os denários foram se deteriorando eperdendo sua boa qualidade, passaram a valer mais; e, porfim, as coisas chegaram a tal ponto que, restando o nomeimaginário de soldos, liras e denários, as moedas efetivasforam elevadas de valor, enquanto as imaginárias, conse-qüentemente, se têm aviltado tanto que hoje não chegama valer a milésima parte do que valiam antes. Com efeito,em muitos países, o denário não é senão um duodécimode um soldo, e o soldo, atualmente, em vários países, nãoé mais de ouro ou de prata, mas de uma pequena quanti-dade de cobre, de modo que em Mântua e Parma a mes-ma quantidade de ouro que antes era contida num sólidodos antigos, que pesava um quarto de uma onça, valemais de mil soldos, que são cerca de 12 mil denários.

Mas, se olharmos os séculos que conhecemos me-lhor, veremos que da mesma forma que em Veneza ocequim, de 1287 para cá, passou de 3 a 20 liras, em todosos outros países as diferentes moedas têm subido tam-bém notavelmente, e sinto não ter mais tempo nem meiossuficientes para vir a saber quanto valia, ou quanta pratacontinha, um soldo francês por volta de 1318, nos tem-pos de Filipe, o Alto, porque com tal conhecimento tal-vez pudesse entender melhor a lei ou portaria, referidapor Jean Bodin em seu pequeno tratado acima menciona-do, com a qual aquele rei privava dos privilégios da cida-dania a quem não possuísse na cidade uma casa de umvalor de, pelo menos, 60 soldos. “Nós encontramos tam-bém”, diz tal autor, “umas portarias de Filipe, o Alto,acerca do direito de cidadania, com data de 1318, onde sediz que alguém que pretende obter o direito de cidadania

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em outro lugar do Reino deverá adquirir uma casa novalor de 60 soldos de Paris.” Mesmo que naquele tempoas casas fossem de madeira ou de palha, é preciso dequalquer forma que um escudo de ouro valesse muitopoucos soldos se com 60 soldos se podia comprar umacasa na cidade, ao passo que hoje um escudo de ourovale 110 soldos. É verdade que, do descobrimento daAmérica para cá, todas as coisas têm subido de preço demodo extraordinário, como demonstramos antes, mas,apesar disso, não resta dúvida alguma acerca desse relatoisolado, nem mesmo se se dissesse que tal lei alude a 60soldos de aluguel e não ao valor total, coisa que não estádita. Mas se assim fosse, seriam 5% de um capital de1.200 soldos, que é ainda um valor pequeno para umacasa na cidade.

Para voltar, então, ao nosso assunto, é certo que asmoedas têm sempre aumentado de valor e nunca têmdiminuído, a não ser de pouco quando é um príncipe queas faz diminuir. E se tal fenômeno é efeito do comércio,como o é certamente, qual é a sua origem? De minhaparte, considero que toda vez que a autoridade dos prín-cipes se contrapõe à força dos povos, ela não chega aprevalecer como se imagina. Os príncipes prescrevem oque lhes parece ser útil a seus estados, mas os povoscumprem as coisas em que não vêem um prejuízo para sicom mais boa vontade do que aquelas em que cada umsofre prejuízo ou acredita passar a sofrê-lo; assim, emrazão disso, os príncipes prudentes procuram evitar orde-nar coisas que possam desagradar a todos ou provocarsublevações.

Toda alteração feita nas moedas acarreta um prejuí-zo pouco menos que geral, e já antes, no Capítulo XII,foram mostrados os danos que a elevação de valor das

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moedas causa aos particulares e ao bem público. No entan-to, o povo miúdo, que é a parte mais numerosa da popula-ção, se excetuarmos os mercadores, mais que enxergar adesvantagem, gosta, ainda que por falta de compreensão,de ver em suas mãos 25 escudos que, se antes valiam 9,5liras cada um, ou seja, um total de 237,5 liras, agora, ele-vados a 10 liras cada um, vê que lhe valem 250 liras. Como que é muito difícil persuadi-lo de que ele não ganhouaquelas 12,5 liras a mais, sendo comum entre os homensagarrar-se a coisas presentes e perceptíveis mais do queàs distantes e difíceis de serem compreendidas sem umcerto grau de especulação. Desagrada-lhe, portanto, ouvirum edito do príncipe que lhe reduza de novo a moedaao menor valor de antes, pois vê diminuir o número deliras, ainda que imaginárias, que possuía antes, e, à manei-ra de um doente lamuriento, se deixa dominar mais pelarepulsa ao amargor imediato do remédio do que se sedu-zir pela esperança da saúde.

Assim sendo, o descontentamento geral dos súdi-tos muitas vezes põe um freio à autoridade dos prínci-pes, mesmo contra o bem público, e é a razão pela qualos príncipes, inclusive os mais absolutos, raramente pu-deram fazer as moedas voltar àqueles valores menoresdos quais se tinham afastado abusivamente, como atestaRenerus Budelius,34 o qual diz que, tendo sido tentadavárias vezes tal redução na Alemanha e em outros países,sempre tem provocado ocorrências infelizes.

Mas nem mesmo o rebaixamento de valor das moe-das é de todo vantajoso para os súditos, como pareceria

34 Nome latinizado de Reinier Budel, cuja obra De monetis et re numeraria é de 1574.

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dever ser se pensarmos que de causas contrárias deve-riam se produzir efeitos contrários. E para melhor enten-dermos tal coisa, examinemos rapidamente os prejuízos eas vantagens advindos da elevação de valor das moedas,deixando, porém, de lado, o proveito que disso tiram osaçambarcadores que especulam, com dano público.

Da elevação de valor das moedas deriva um prejuí-zo para o príncipe porque suas receitas diminuem, o queconstitui um benefício para os súditos, pois, muito embo-ra não se dêem conta disso, seus impostos ficam alivia-dos. Por outro lado, deriva um prejuízo para o povo, poisquem recebe censos, foros ou arrendamentos em dinhei-ro vivo recebe menor quantidade de bom metal do quede costume; mas esse prejuízo fica dividido, já que osdevedores ganham outro tanto pagando com menorquantidade de ouro. Deriva um prejuízo para o príncipee para os súditos ao mesmo tempo, porque o comérciofica transtornado e as artes diminuem; e, nesse caso, olucro que se perde vai para aqueles outros príncipes eestados que se beneficiam com a ruína do comércio dosprimeiros. Assim, se as moedas voltarem ao valor anteriorà elevação, o príncipe ressarce na mesma medida as re-ceitas do seu erário, mas o povo fica prejudicado com osimpostos; os credores recebem aquele tanto a mais deseus créditos, foros ou censos, mas os devedores levamnovo prejuízo porque são obrigados a pagar mais metalpelo mesmo número de liras imaginárias, e o próprio co-mércio sofre novas perturbações, causando um novo pre-juízo ao príncipe.

Com efeito, aquele comerciante que antes pagava otrabalho do tecelão de veludo 3 liras o braço, quando oescudo valia 12 liras, se o escudo voltar a valer 9 liras,

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pagando o mesmo gasta um escudo por 3 braços de teci-do, enquanto antes recebia 4 braços, com a conseqüênciade que não pode enviar os tecidos para a França pelospreços de antes, tampouco persuadir o tecelão a recebermenos como pagamento, já que este objeta não poder,também, gastar o escudo por um valor maior do que 9liras. Deste modo os príncipes, para não criar desconten-tamento geral entre seus súditos e para não causar novosprejuízos, a eles e a si mesmo também, deixam de fazervoltar suas moedas aos valores anteriores, a não ser depouco, e tal coisa faz com que as moedas, avançandosempre a largos passos a cada nova desordem e retroce-dendo pouco por novas deliberações do príncipe, cami-nhem continuamente, se pode dizer, rumo à elevação devalor.

Muito mais claramente ainda enxergaremos a origemdesse efeito se reconhecermos e examinarmos as causasprincipais da elevação de valor. Uma das causas prin-cipais dissemos ser a desproporção entre as moedas deouro e de prata relativamente à proporção que comu-mente observam as principais casas da moeda. Suponha-mos que num estado A se fabriquem moedas de ouro oude prata de uma liga inferior ou mais leves do que decostume. Se forem estimadas como antes, de modo que,por exemplo, trocando tais moedas de ouro ao preçodaquela estimativa, não entrem no valor de uma librade ouro fino de tais moedas novas mais do que 14,25libras de prata fina, as outras nações que, caso se regulem,como deveriam, pela praça de Gênova – que é, na Itália,o armazém de tais metais – fabricam suas moedas na pro-porção de uma onça de ouro para 14,75 de prata, aproxi-madamente, o que constitui uma diferença de cerca de4% (e considere-se que nesta proporção de 14,75 está

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incluída a despesa do transporte da prata e outras, quetornam mais caras as pastas dos metais em países maisdistantes de Gênova), avaliarão a nova moeda daquelepríncipe em conformidade com as suas. Assim sendo, osmercadores do país A não poderão enviar para fora taismoedas sem uma perda daqueles quase 4%, e, por isso,enviarão no lugar delas todo outro tipo de moedas velhase estrangeiras, especialmente de ouro, já que todas estasoutras moedas começarão a produzir um ágio e, posterior-mente, a ser trocadas em seu país a um preço maior doque antes, aumentando de valor não apenas de 4%, masmais ainda. E a razão de tal aumento maior advém daescassez do próprio ouro, por ter sido enviado para forado país ou escondido pelos açambarcadores, que têm van-tagem em pescar nas águas turvas daquelas desordens,pois, uma vez que o ouro tem um valor mais alto do queo devido, os estrangeiros o enviam de volta em troca deprata e, dessa forma, de uma desordem nascem cem, como abalo de todo o comércio, prejuízo do príncipe e alari-do do povo.

Que fará aquele príncipe em tal situação? Se quiserfazer voltar as moedas ao valor originário, se não forno começo da desordem, será muito difícil que consiga.Todos os ricos e, às vezes, seus próprios conselheiros emagistrados, que se vêem tendo em caixa 40 liras a mais acada 1.000, são de opinião de que não se deva voltar adiminuir o valor das moedas, uma vez que têm em mentea perda de 4% do próprio dinheiro. Quem, por exem-plo, tomou de alguém por empréstimo 6 mil liras daque-le país e as recebeu num certo número de moedas quan-do valiam mais, ao restituí-las deve acrescentar 4% destasmesmas moedas para perfazer o mesmo valor de 6 mil

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liras, e lamenta aquelas 240 liras que perde. Quem pagaarrendamentos, foros e aluguéis grita alto, porque devepagar tantas moedas mais do que antes para cumprir suasdívidas. E quem quiser remir censos ou se desobrigar deaforamentos, não pode suportar sem pesar extremo ter dedevolver mais do que recebe. E se, por ventura, o prínci-pe quisesse retomar para si aquela moeda de qualidadeinferior e devolvê-la com a proporção e o valor originá-rios, faria um ato de justiça devolvendo o ganho auferidocom a primeira, sem dizer que, talvez, a despesa que ago-ra precisasse fazer não lhe seria inútil, já que, desse modo,ele se livraria do prejuízo que suas receitas teriam parasempre.

Mas exemplos de tais resoluções são raros, e, nessecaso, não deixariam de se queixar os que tivessem guar-dado as outras moedas, particularmente as de ouro, queteriam aumentado de valor e que, agora, lhes pareceriaterem baixado com prejuízo para eles. Em conclusão, amaneira mais fácil e mais prática que se encontra em taisconjunturas sempre foi fixar o valor das moedas ao cursocorrente, ou diminuir apenas de pouco a elevação efe-tuada, e adequá-las com uma proporção melhor do queantes à praça matriz das outras casas da moeda, que éGênova.

Eis, pois, que as moedas, por necessidade, aumen-tam sempre de valor, ou bem pouco podem diminuir,que era o assunto deste capítulo, em que julguei inútilenumerar, como poderia ter feito, as elevações de valorocorridas de cem ou duzentos anos para cá em todos osestados da Europa, uma vez que, não servindo tal refe-rência senão para demonstrar que assim acontece, cadaum pode sozinho confirmar tal verdade em seu país enos outros dos quais tem conhecimento.

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CAPÍTULO XVIII

REGRAS GERAIS PARA AS CASAS DA MOEDA,A PRIMEIRA DAS QUAIS É QUE OBSERVEM A PROPORÇÃO

MAIS COMUM ENTRE O OURO E A PRATA

Passemos, por fim, a expor as regras mais gerais, quesão as mais necessárias para a condução das casas da moe-da, a proteção do comércio e a conservação dos valoresdas moedas, examinando-as mais detalhadamente do quefoi possível fazer nos capítulos anteriores, sendo tais re-gras como que a execução prática das teorias ensinadas.

A primeira regra, então, será que, ao estabelecer ovalor das moedas de ouro e de prata, se deve observar aproporção que vige mais comumente num determinadolugar. O ouro e a prata são preços um do outro, como jáfoi demonstrado, e em conformidade com a diferente abun-dância de um e de outro se altera a proporção com a qualum se troca pelo outro; e tal coisa já foi demonstradatambém. Assim sendo, toda casa da moeda deveria avaliaras suas moedas de ouro e de prata segundo a proporçãoque normalmente é observada nos preços da prata e doouro não cunhados entre os mercadores daquele país, eque não costuma nunca ser muito diferente de um paíspara outro, se não forem muito distantes ou houver algu-ma circunstância particular que dê motivo para tanto.

A Espanha recebe seu ouro e sua prata da América,sendo muito pouco hoje em dia o provento desses metaisdas minas de seus reinos, que, no entanto, muitos séculosatrás eram tão ricas que rendiam à República Romana, sócom a prata, 25 mil dracmas por dia, que equivalem a142.578 marcas por ano, segundo contam Estrabão e Polí-bio citados por Budé, o qual iguala tal soma a pouco

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menos de 1 milhão de escudos de ouro por ano em moe-da moderna, e afirma terem sido ricas também de ouro, aponto de, como conta Plínio, chegar a extrair de metalpuro 20 mil libras por ano, quase todo das Astúrias,além da quantidade de ferro, cobre, chumbo e de todasas outras coisas que rendia aquela província, pelo que aEspanha naquele tempo foi para os romanos o que atual-mente são as Índias Ocidentais para a Espanha. Ela deve,então, conformar as avaliações das suas casas da moedacom as proporções entre o ouro e a prata que se praticamem seus empórios e principalmente em Sevilha, que é aescala principal das Índias.

Também a Itália recebe, atualmente, a maior partedesses metais da Espanha, não obstante antigamente ospossuísse em grande quantidade, segundo Plínio, que, aofalar das riquezas que os romanos traziam de outros paí-ses, afirma que “por uma antiga proibição do Senado aItália foi poupada, de resto nenhuma terra era mais ricade metais”, e continua “ainda subsiste a lei censória dosIctímulos referente às minas do território de Vercelli, dasquais se extraia ouro, que proibia aos publicanos de em-pregar em tal trabalho mais de 5 mil homens.” Mas agoraela tem apenas uns resquícios desses metais e as espe-ranças, falaciosas mais que felizes, de encontrá-los emmuitas partes em que aparece algum sinal. Assim, a Itáliarecebe tais metais especialmente da Espanha, conquan-to não pouco ouro, ainda em húngaros, venha da Ale-manha, pelo que deve conformar-se o mais possívelcom as principais proporções de Gênova, que se podedizer ser o verdadeiro armazém dessas pastas de metaispreciosos.

A Alemanha é ainda riquíssima de metais, e o impe-rador extraía de ordinário 2 mil táleres por dia, livres de

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despesas, além do ouro, que era convertido numa quan-tidade considerável de húngaros, apenas das minas dascidades serranas da Hungria, em 1657, quando as visitei.Tanto uns quanto os outros, fabricados na casa da moedade Kremnica, eram enviados uma ou duas vezes por mêspara Viena. Além dessas, ele tem também outras minas naBoêmia e na Slezska, outras ainda na Steiermark superiore em outras regiões. E quanto aos outros estados da Ale-manha, há minas muito ricas na Baviera, em quase toda aSaxônia e em outros estados. Assim sendo, a proporçãoentre o ouro e a prata talvez fosse diferente naquelespaíses, Deus sabe o quanto, da que vigorava em outraspartes se a Alemanha não tivesse comércio com outrosestados; mas, como o comércio com as outras provínciasda Europa, como já dissemos, produz o mesmo efeitodos fluidos que se nivelam, segue que ela não pode dei-xar de acompanhar a proporção mais comum ou, pelomenos, afastar-se dela muito pouco, isto é, o tanto que énecessário para cobrir as despesas de transporte entreuma província e outra.

Com efeito, se, por exemplo, a prata valesse menosna Alemanha do que na Itália, de modo que por uma onçade ouro se obtivessem lá 16 onças de prata, os açambar-cadores e os mercadores levariam ouro para lá para trocá-lo por prata com o propósito de trazê-la para a Itália,onde, já que por uma onça de ouro se obtêm apenas 14,75onças de prata, eles vêm a ter um ganho de 1,25 onças deprata a cada onça de ouro, que corresponde a 8,5% oumais. E ainda que, desses 8,5%, 3% ou 4% vão para otransporte, pagamentos de comissões ou porcentagens eoutras despesas, mesmo assim sobra o bastante. Entre-tanto, se não houvesse um ganho maior do que aqueleque comportam as despesas, não haveria tal comércio, e a

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proporção entre o ouro e a prata na Alemanha seria poucodiferente da que vige na Itália.

Certamente, por causa de tal diferença, as moedascom as quais se efetuam pagamentos num e no outro paísproduzem um ágio, isto é, os mercadores chegam a pagá-las e vendê-las por uma certa porcentagem a mais. Se, porexemplo, na Alemanha o ouro é mais caro do que naItália, trocando-se por mais prata do que aqui, e eu quiserque de Veneza seja pago para mim em Viena um valorde mil ducados em determinado número de húngaros,será necessário que pague os húngaros ao mercador deVeneza um tanto a mais do que seu valor originário, vistoque em Viena os húngaros valem mais prata do que emVeneza; e, ao contrário, quem de Viena quisesse que lhefosse feito um pagamento em Veneza de mil florins emdeterminado número de ducados, querendo pagá-los emViena em húngaros, deverá pagar um ágio para os duca-dos, pois o húngaro vale menos prata em Veneza do queem Viena.

Pressupostas, então, todas essas coisas, torna-se evi-dente que a proporção entre ouro e prata não pode variarem toda a cristandade além de certa medida, mas, tam-bém, não pode manter-se de todo uniforme, pois podevariar a despesa do transporte das pastas dos metais oudas moedas entre um lugar e outro, porquanto a prata,com um valor igual a uma partida de ouro, tem um pesoaproximadamente 14 vezes maior e um volume cerca de25 vezes maior do que o ouro. De fato, o valor de 100dobras, transportado em dobras efetivas, não chega apesar 27 onças, e transportado em genovinas pesa 378onças, e, por ser a prata mais leve do que o ouro naproporção de 4%, ocupa um lugar aproximadamente 25vezes maior do que as 100 dobras referidas. Deve-se a

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isso um custo de transporte maior, e, portanto, a pro-porção entre os metais pode variar em conformidade coma diferença dos transportes na Espanha, uma vez que,valendo a peça de prata um quarto de dobra e pesando 4dobras, a proporção vem a ser de 16 para 1, aproximada-mente; e a razão de a proporção ser em Gênova de 14,75,de forma que aqui a prata é mais cara do que na Espanhanuma proporção de cerca de 8,5%, não é outra senão asdespesas e os perigos maiores que há no transporte.

Vê-se, então, que, apesar de tamanha distância e dogrande perigo dos piratas e outros infortúnios, o trans-porte não cria uma grande diferença na proporção entreesses metais, e menos haverá de criá-la entre as cidadesitalianas, e muito menos ainda porque, sem que os açam-barcadores os tragam de propósito, o comércio de merca-dorias por si só traz grande quantidade desses metais,particularmente para as cidades mais mercantis, queenviam para fora do país muito mais mercadorias do queaquelas que compram de outros países, como é o caso deVeneza, que compra muito pouco, especialmente da Lom-bardia, e vende muito, e, portanto, atrai para si grandequantidade de ambos os metais que os mercadores quemantêm comércio com ela lhe enviam sem custo a mais.Em razão disso tal cidade nunca deveria se afastar daproporção que vige na praça de Gênova, a não ser quan-do precisasse para a fabricação das suas moedas de ummetal mais do que de outro. Mas a esse respeito peço aoleitor uma atenção mais aplicada do que de costume, porse tratar de matéria sutil, mas importante.

Se a proporção em Gênova estivesse a 14,75 e emVeneza se quisesse fabricar uma determinada quantidadede ducados ou de outras moedas de prata, e se quisesse,portanto, ter no país a prata suficiente para tal fabricação

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sem ter de mandá-la vir às pressas de Gênova – poisnesse caso custaria demais –, poderiam fazer apareceruma boa quantidade desse metal em não muito tempoavaliando as moedas de prata, quer as próprias, quer as deoutros estados que aí circulam, algo a mais do que decostume em relação ao ouro. Ou então (o que seria amesma coisa e com mais vantagem para o país), reduzin-do um pouco o valor habitual das moedas de ouro, demodo que a proporção entre um e outro passasse a ser,por exemplo, de 14,50 para 1. Dessa forma, todos os mer-cadores das outras praças da Itália, todas as vezes quetivessem que enviar dinheiro vivo para Veneza, procura-riam mandar prata e não ouro, como melhor demonstra oexemplo que segue.

Se em Veneza as dobras da Espanha valessem ape-nas 29 liras e 4 soldos e as genovinas 12 liras, a proporçãoentre os metais finos dessas moedas seria de 14,50 deprata para 1 de ouro; e se Milão fizesse a mesma coisa,obteria, fora o ganho que granjeia com os filipes (dosquais um dia haverá de pagar bem a vantagem consegui-da), uma diferença de uma a cada 59 genovinas, o que nãochega a ser 2%, e, assim, não poderiam, nem os milanesesnem os genoveses, mandar intencionalmente genovinaspara Veneza para tirar o ouro e auferir um ganho de quase2%, uma vez que todo o ágio iria para o transporte epagamentos de porcentagens e outras despesas. Por outrolado, alguém, precisando enviar dinheiro como pagamen-to de mercadorias vênetas, ou querendo ir desses lugaresou de outros para Veneza por interesses particulares, en-viaria mais prata do que ouro, porque 1.000 genovinas,que em Gênova valem 7 liras e 12 soldos cada uma, istoé, 7.600 liras, nas quais estão contidas 404,25 dobras, ou

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pouco mais, em Veneza valem 12 mil liras, as quais, con-vertidas em dobras a 29 liras e 4 soldos cada uma, perfa-zem 411 dobras, ou pouco menos. Ou seja, esse tal obte-ria um ganho de um valor de quase 7 dobras, e mais pratado que ouro correria, como por força própria, em direçãoa Veneza.

Tal coisa foi conseguida com a resolução de 8 dejulho de 1665, embora, a meu ver, com uma diferençaexcessiva, pois avaliaram tais moedas segundo uma pro-porção de quase 14,25 para 1, e se é verdade que chegoumuita prata e durante alguns anos as moedas tiveram umcurso regular, no final amadureceu com prejuízos evi-dentes o fruto de tão excessiva desproporção, que, junta-mente com outras causas, tem ocasionado perturbaçõesno valor de todas as moedas, como ainda se dá hoje. Comefeito, entre 14,25 e 14,75 há uma diferença que importaem cerca de 3,5%, de modo que, pelo grande do ganho,chegou tamanha quantidade de prata que, além dos mui-tos milhões de ducados fabricados com ela, se viam cir-cular pelas cidades e pelo estado só quase genovinas,fato que tem provocado a elevação do valor das dobrasde 28 para 30 liras; e como o povo, ao elevar de valor asmoedas, nunca tem meias medidas, todos os outros valo-res têm ficado perturbados.

Tal expediente, porém, que consiste em alterar ajusta proporção entre os dois metais ricos, atribuindo maisvalor ao de que se tem mais necessidade para estimularsua afluência, conquanto seja o mais praticável e o menoscaro para o príncipe, e, ainda por cima, constitua um pre-juízo imperceptível, aliás, quase desconhecido, ao povo,não é, contudo, de todo inocente, pois, quem daquelacidade quiser mandar pagar a prata fora, paga um ágio aobanqueiro por tal diferença; e, a bem da verdade, não há

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outra diferença entre as moedas que pagam ágio e aquelasque são avaliadas por mais do que é justo, a não ser quese possam considerar as moedas com ágio como moedasque tenham sofrido uma elevação de valor apenas aquelavez; as outras, sempre. O ágio das moedas, com efeito, éo verdadeiro prenunciador da elevação de valor geral dasmesmas, aliás, ele próprio uma verdadeira elevação devalor particular, uma semente de desordens, que, deixadapor muito tempo sepultada entre os livros dos mercado-res, no fim prorrompe em abuso geral. E a esse respeitopeço desculpa a quem lê se, para maior clareza, volto arepetir a exposição dos mesmos abusos, estendendo-memais sobre os efeitos do ágio e da elevação de valor.

Ágio quer dizer, em língua toscana, comodidade ouvantagem que se obtém de outra coisa, do que provémagiato35 e star a suo agio, que quer dizer “estar com toda acomodidade”. E daqui os mercadores tiraram o nome deágio, e a expressão pagar ágio refere-se àquele tanto a maisque, ao trocar moedas, um deixa a um outro como preçoda comodidade que lhe resulta ao possuir aquele tipo demoeda.

Quero transferir de Gênova para Bolonha 200 do-bras que recebi de um crédito meu: se forem dobras dejusto peso, que em Gênova valem 3.760 liras, em Bolo-nha passam a valer 3 mil liras; mas se eu as possuísseem genovinas, com um valor de 7 liras e 12 soldos deGênova cada uma, seriam 494,7 genovinas, e pouco mais,que em Bolonha, na moeda desta cidade, por um valorde 6 liras e 4 soldos cada uma, perfazem 3.067 liras, demodo que, em genovinas, terei a vantagem de tais 67 liras.

35 Abastado.

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Vou, então, a um mercador para trocá-las em genovinas,mas ele me pede um ágio de, por exemplo, 1%, que eupago de boa vontade já que tais 30 liras serão em moedasde Bolonha e terei ainda 37 liras de lucro. Ora, quandonum país começa a haver escassez de um metal em com-paração com o outro, logo o metal que escasseia começaa criar ágio, isto é, a não ser dado pelos mercadores emtroca do outro sem que quem o quer pague algo a maispor aquela comodidade que disso lhe advém.

O mesmo ocorre quando uma moeda for aceita comum valor maior relativamente às outras num determinadopaís. Por exemplo, se os ducados de Veneza forem ava-liados de tal maneira em Bolonha e nos Estados Papaisque se obtém um ganho dando-os a estes povos em trocade outras moedas, logo os ducados começam a criar ágioem Veneza, e os pagamentos são feitos com outras moe-das vindas em troca dos ducados já enviados, e quemquiser enviar mais ou precisar para outros usos os procu-ra e paga por eles algo a mais ao mercador. Enquanto talpagamento se mantém entre mercador e mercador, tem osimples nome de ágio, mas, continuando por muito tem-po, começa a ser trocado também nas despesas miúdaspor aquele tanto a mais que o mercador exigia de ágio, e,assim, se torna elevação de valor da moeda, uma vez queela já circula publicamente com aquele preço. Eis porqueo ágio se pode considerar prenunciador da elevação devalor das moedas.

Das coisas até agora argüidas, vê-se claramente, en-tão, que nem todas as casas da moeda podem observardentro das devidas medidas, sem prejuízo, a não ser poruma quantidade pequena, a proporção geral entre ouro eprata. Com efeito, as cidades que não são mercantis e quepodem obter dos outros estados pouco ouro e prata com

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o comércio, não podem fabricar moedas com base nessasmedidas senão com aquela pequena quantidade de ouro ede prata que chega à própria casa da moeda provenientede objetos de prata ou outra coisa do país, ou, então, comaquele pouco que vai aparecendo nas mãos de mercado-res. Que se tais mercadores tivessem em mãos algumapequena quantidade de prata e ouro estrangeiros, e o prín-cipe quiser, para seu decoro ou outro fim, transformá-losem moedas próprias, ao pagar tais metais no valor e naproporção que vigem fora e dentro do seu estado, e que-rendo amoedá-los observando a mesma proporção, é mis-ter que tire do próprio bolso todas as despesas de fabri-cação. Se quiser mandar vir as pastas dos metais e nãopossuir em seu estado mercadorias para dar em troca,convém-lhe mandar vir apenas um metal e pagá-lo com ooutro, e fabricar moedas apenas com aquele. Mas se elepagar o ouro com 14,75 de prata, e depois quiser usarsuas moedas de prata com lucro, ou, pelo menos, cobrin-do as despesas, precisa que faça valer uma moeda deouro 14,25, ou, no máximo, 14,50 moedas de prata; e comofora do seu estado o ouro vale 14,75, necessariamente,apesar de qualquer seu decreto, todo o ouro sairá do seuestado, visto que seus súditos terão menos prejuízo pa-gando com moedas de ouro do que com essas suas moe-das de prata, que, fora do estado, são avaliadas num preçomenor. Assim, as moedas de ouro em seu estado, numprimeiro momento, criarão um ágio entre os mercadores,e, posteriormente, terão uma elevação geral de valor; e opríncipe, com isso, ganha, inicialmente, de uma só vez,pouco ou nada, e agora terá para sempre um prejuízo emtodas as suas receitas por um valor equivalente à eleva-ção de valor. E junto com ele pioram todos os lucros ehaveres de seus súditos.

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A verdade é que fabricar moeda é a mais bela e amais nobre prerrogativa do príncipe, porque mediante elase difunde pelo mundo, durante sua vida e depois de suamorte, o nome, a efígie e a memória da sua grandeza eautoridade, de seus atos e seus pensamentos magnâni-mos, dos quais os reversos da moeda costumam dar tes-temunho; e por isso os que gozam de tal privilégio nãodevem privar-se de tal glória. Entretanto, não se podepretender gozar de um tão belo reconhecimento de hon-ra sem ter de pagá-lo, e, muito menos, se deve crer poderobter com isso uma vantagem em dinheiro, no que seenganam todos aqueles príncipes que, pensando diversa-mente, buscam ganhar na fabricação das moedas, e, porum pequeno lucro aparente, criam feridas ocultas, masgravíssimas em suas receitas. Pois, caso não tenham minaspróprias ou comércio tão grande que lhes traga de outrosestados abundante metal amoedável, nunca tirarão pro-veito da fabricação das moedas senão à custa da sua ele-vação de valor, a qual transforma, no final, o proveito emprejuízos maiores. Caso, então, algum príncipe se valessede moedas estrangeiras para refundi-las e fabricar moe-das novas, não poderia ter lucro senão quando as fabri-casse com prejuízo próprio, ou outros príncipes as acei-tassem por um preço maior do que seu valor e dessemem troca ouro ou prata de maior valor.

Além disso, a bem da verdade, os príncipes, mesmoque se valham das pastas de metais extraídos de minaspróprias, não ganham outra coisa senão a vantagem depoder tornar comerciável aquele metal que, em pedaços,não teria comercialização tão pronta. Com efeito, se oimperador quisesse avaliar seus táleres, que ele fabrica nacasa da moeda de Kremnica nas cidades serranas, em maiscarantanos ou kreuzern do que de costume, nem por isso

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teria um ganho efetivo, mas, pelo contrário, muito perde-ria em suas receitas e em seus impostos que são calcula-dos em carantanos, como explicamos antes no CapítuloXII. E se o imperador Constantino permitiu, em suaLex prima de ponderatoribus, registrada no livro X do Códigode Justiniano, que seus povos pagassem seus impostosem ouro cunhado ou não cunhado pelo mesmo peso, nãoé por outra razão senão porque sua casa da moeda avalia-va as moedas apenas por seu valor intrínseco, sem dedu-zir sequer as despesas de fabricação.

É mister, então, que os príncipes que não têm minaspróprias, mais que ganhar, percam as despesas de fabrica-ção, se não quiserem, por pequeno ganho, diminuir seria-mente suas receitas para sempre.

O superintendente da casa da moeda de Roma écontratado e quase todas as despesas da casa da moedasão mantidas pela Câmara Apostólica, e é por isso que hámais de 60 anos o tostão vale 3 paulos; e o paulo, 10baiocos; o escudo de prata, 10 paulos; e a dobra, 3 escu-dos. E não se tem mudado o preço porque o príncipe nãoqueria ganhar com a fabricação, e, desta forma, acabouganhando muito mais do que aqueles que, para tirar pro-veito, quiseram naqueles mesmos anos elevar o valor desuas moedas de 15 a 23 ou 24, e, assim, diminuíram suasreceitas na mesma proporção. O mesmo tem feito a casada moeda de Florença, que nunca ganhou com as suasmoedas senão pouca coisa em determinadas ocasiões, combase mais em acontecimentos fortuitos do que no cursoordinário das moedas, como quando, em 1660, refundiuas dobras vindas da França a título de doação da grã-duquesa, porque, convertidas em dobras de Pisa, davamum lucro não me lembro se de 1% ou 0,5%, o que nãolhe teria sido possível ganhar se tivesse que mandar vir

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da França, para tal finalidade, aquele ouro, pagando-ocom outra moeda, uma vez que aquele pequeno ganho,de 1% ou 0,5%, teria ido para o transporte, remuneraçõese outras coisas.

Mesmo a casa da moeda de Bolonha, com o paga-mento do superintendente, do local, dos instrumentos,do cunhador e de outras despesas, é mantida pela caixapública do Senado, que não procura outro ganho senão ahonra que todo o mundo dispensa às casas da moeda bemadministradas. Assim, se as casas da moeda de Roma, Flo-rença e Bolonha não tivessem transigido com outros abu-sos, como os de deixar circular moedas estrangeiras comum valor maior do que o devido, ou de aceitar como boasmoedas com peso menor ou cerceadas, teriam durado tran-qüilamente muitos anos e séculos a mais sem elevar ovalor das moedas e sem as confusões que agora, infeliz-mente, ali se sofrem quase sem remédio.

A casa da moeda de Veneza tem obtido muitasvezes ganhos consideráveis com o cequim do Levante,não porque o avaliasse mais do que o devido em seusestados, mas porque outras nações pior administradas oestimavam mais do que o devido; e quando uma casa damoeda tem tais conhecimentos, pode se valer deles, masprecisariam muitas e avisadas cautelas, a respeito das quaisfalaremos logo adiante.

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CAPÍTULO XIX

SEGUNDA REGRA: CUNHAR METAL O MAIS FINO POSSÍVEL

Que seja congênito e natural a todos os homensamar a perfeição em todas as coisas e apreciar mais, emcada espécie, as menos imperfeitas, é o que nos ensinouem vários momentos Platão, em suas obras divinas; mascom mais evidência ainda nos instrui sobre isso a que foimestra do próprio Platão, a experiência. No tocante àsmoedas, sempre foi tão grande e geral entre os homens oapreço das mais perfeitas e puras em seu metal que nuncateve curso e boa reputação em muitas nações e por muitotempo continuamente uma moeda que não fosse perfeitaquanto à qualidade do metal de que era composta.

Antigamente, os dáricos de Dario, rei da Pérsia, e osfilipes de Filipe, rei da Macedônia, foram moedas famo-síssimas, recebidas por todas as nações já que eram com-postas de ouro finíssimo. Os ariândicos do Egito, fabri-cados por Ariande, governador daquela província, paraCambises, rei da Pérsia, foram igualmente famosos porserem de prata finíssima, ainda que custassem a seu autora perda do governo por tê-los fabricado sem a autori-zação ou permissão do seu soberano. Da mesma forma,os manuelados da Grécia, fabricados pelo imperadorManuel, por longo tempo tiveram renome e fama portodo o Império do Oriente e mesmo fora dele, já quetambém eram de ótima prata; e os soldos torneses, ouseja, os tournois franceses, cunhados pela primeira vez,segundo Bodin, pelo rei Luís, o Santo, não apenas tive-ram semelhante acolhimento na França, mas, aos poucos,em toda a Europa, a ponto de se ter tornado comum falarem torneses em todas as nações deste reino, e de ter

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ficado tal nome no reino de Nápoles, onde passou a deno-minar a moeda de um modo geral, assim como em outrospaíses se diz ter soldos ou quatrins.

E deixo de falar dos contratos feitos por váriasnações em grossos torneses, como a aliança dos suíçoscom os bernenses, pela qual estabeleceram dar para cadasoldado um grosso tornês por dia, pois para saber maisbastará ver a Constituição do papa Bento XII (no Capítu-lo Primeiro, Extra de censibus et exactionibus), onde todas ascontribuições eclesiásticas são fixadas em grossos torne-ses, estabelecendo no final sua qualidade e valor comestas palavras: “Daqui em diante, entendemos que taistorneses tenham tal valor que 12 deles valham um florimde ouro, de boa qualidade, puro, com um peso legal e decunho florentino.”

É de se notar que, tendo-os chamados inicialmentede torneses de prata, tal Constituição expressa depois seuvalor em ouro, nos florins de Florença, de ótima qualida-de e peso justo, porque de fato, como vimos antes noCapítulo Quinto, o ouro é o preço da prata, assim como aprata, ao mesmo tempo, é preço e medida do ouro. Se-gundo Bodin, esses torneses eram de uma qualidade de11,5 onças a libra e uma dracma de peso, e o florim deFlorença era, ele também, de uma dracma de peso e daqualidade de 24 quilates, ou seja, naqueles tempos, umaonça de ouro fino valia 11,5 onças de prata fina. Masmesmo o florim de ouro, assim denominado por ter sidofabricado em Florença, com, num lado, a efígie de umlírio, emblema daquela república, e do outro, São JoãoBatista, protetor da cidade, foi, naquele tempo e aindadepois, tão geralmente apreciado e aceito, se pode dizerpor todo o mundo, que se guardou seu nome em muitasnações, na Itália e fora dela, e ainda hoje se calculam os

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valores em florins na Alemanha, Polônia e outros países,embora a qualidade deles, pela costumeira enfermidadedas moedas, tenha degenerado, pouco menos do que oantigo soldo, que antigamente era de ouro e atualmente éuma moeda de cobre, entre as mais vis.

Mas mais do que em todos os outros exemplos, é nocequim de Veneza que se manifesta a estima em que omundo tem as moedas de feitura finíssima. Este começoua ser fabricado em 1284, com um valor de 60 soldos ve-nezianos, que, no entanto, naquela época eram soldos emeios-soldos de prata fina, e não de cobre como agora. Ea respeito disso se pode observar quão verdadeira é aconsideração que fiz no capítulo nono, de que quando sediz comumente elevar de valor as moedas deveria se di-zer mais propriamente diminuir de valor a moeda de pou-co valor ou a moeda imaginária. Se, com efeito, tivésse-mos agora 60 soldos com o peso e a boa qualidade da-quele tempo, não se afastariam do valor de um cequimsenão aquele tanto que comporta a variação da proporçãoentre ouro e prata, a qual, então, era de 11,5 aproximada-mente, e hoje é de cerca de 15 para 1, de modo que, aindahoje, o cequim continuaria valendo aqueles mesmos 78soldos. E, no entanto, ele vale muitos soldos a mais, jáque equivale a 400 soldos, pois os soldos, aos poucos,têm diminuído tanto de valor que só podem ser fabrica-dos de cobre.

Mas, para voltarmos ao nosso assunto, os cequinsvenezianos tiveram imediatamente, por serem de ouro finode 24 quilates, tão grande crédito em todas as provínciase regiões que se espalharam não só por todos os lugaresem que os venezianos comerciavam, que eram a Itália, aGrécia e todo o Império do Oriente até a foz do Don,

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denominado antigamente La Tana,36 e por toda a Anatólia,a Síria e o Egito, mas também passaram a ser apreciados eusados até aonde naquele tempo nem os cristãos chega-ram, aliás mesmo em países que eram de todo desconhe-cidos pelos nossos geógrafos, como as Índias Orientais,que foram descobertas apenas uns cem anos depois. E talcoisa se sabe porque Vasco da Gama, o primeiro desco-bridor delas, ou seja, o que foi o primeiro a ousar circuna-vegar toda a África, tendo superado o Cabo da Boa Espe-rança, quando percorreu as ilhas famosas, mas a nós atéentão desconhecidas, das Especiarias, ditas Molucas, viuque entre as moedas de Calicute circulavam os cequinsvenezianos. E Niccolò Conti, vêneto, no relato de suasviagens, conta que cequins venezianos circulavam no seutempo por toda a Índia, o que não é de admirar, uma vezque os venezianos pagavam com eles as especiarias quecompravam em Alexandria do Egito, aqui trazidas peloMar Vermelho pelos árabes, que, por sua vez, as recebiamde mercadores indianos.

Tavernier, no relato de suas viagens, conta que ain-da hoje circulam por toda a Índia não apenas os cequinsvênetos, mas também os húngaros da Alemanha, e sãousados por peso, como se faz em Veneza; e devem pesar9,43 vals e equivalem a 9 mamoudis e 3 pechas (que sãonomes de suas moedas). O cequim veneziano, por ser omais perfeito de todos, valia duas pechas a mais, isto é,9 mamoudis e 5 pechas, mas eis que, tendo sido intro-duzidos uns de qualidade inferior, fabricados sem dúvi-da em outras casas da moeda que, a fim de ganho, qui-seram imitar o cunho – o que, infelizmente, está sendo

36 Na Itália. E no tempo de Montanari, Tanai.

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praticado também nos dias de hoje –, foram desvaloriza-dos, de forma que, agora, têm curso igual ao dos húnga-ros; e, no entanto, sabe-se que a República de Venezanão alterou minimamente as antigas leis acerca da purezado seu cequim, mantido sempre com a ótima qualidadede 24 quilates.

Em nossa época, os húngaros são levados para aque-les países, em parte, via Polônia e Rússia, pelos merca-dores que, atravessando o Mar Negro, vão a Trebizondae, de lá, a Erzerum, de onde passam para a Pérsia, e,posteriormente, em razão do comércio, para as Índias;outros vão da própria Hungria para Constantinopla, edaqui, espalhados pela Turquia, são levados também paraa Pérsia pelos mercadores, com as caravanas que paralá se deslocam de várias partes daquele império e quetransportam também cequins, que continuamente chegamà Turquia vindos da Itália, e sultânis, provenientes doCairo; outros, ainda, são levados pelas caravanas do Egito,que, atravessando os desertos da Arábia, vão comerciarem Basra, no Golfo Pérsico, onde entram navios persas eindianos com várias mercadorias. As dobras de qualquernação, pelo contrário, só são aceitas nestes países comopeças de ouro, de modo que quem as leva para lá e querobter dinheiro deve entregá-las às casas da moeda, onde,depois de refundidas e se ter comprovado sua composi-ção, lhe são pagas segundo o peso e a qualidade conferi-da, já que as dobras não possuem a pureza do cequim edos húngaros, apreciada por todos.

Mas as razões pelas quais as moedas de maior pure-za são tão bem aceitas no mundo inteiro tornarão maisevidente ainda a necessidade de assim fabricá-las, paramaior vantagem da casa da moeda; e as principais sãoduas. A primeira é que, quanto mais puro é o metal, tão

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mais difícil é falsificá-las, não só porque qualquer peque-na quantidade que haja de prata ou de cobre muda sensi-velmente a cor, mas também porque um cequim e umhúngaro de ótima qualidade facilmente se dobram com asmãos, sendo todo metal puro muito mais dócil e fácil deser dobrado, enquanto a mistura o torna duro e inflexí-vel. Da mesma forma, o estanho e o chumbo, ambosflexíveis e moldáveis com o malho quando são puros eestão separados, ao serem misturados formam o peltre,mais duro de dobrar e mais fácil de rachar sob o malho.Ocorre o mesmo com o cobre, que quando é puro é tãofácil de ser trabalhado com o malho que se fazem comele vasos lindíssimos, mas por menor que seja a quanti-dade de estanho que lhe for misturado torna-se rígido einflexível, e é por isso que não é com outra mistura quese fazem os objetos de bronze e os espelhos, antigamenteditos de aço.

Em resumo, toda mistura de metais tira-lhes flexibi-lidade, efeito realmente admirável, para o qual aponteialguma causa física muito provável (se não estiver erra-do), relativamente aos vidros temperados, na carta queescrevi, já faz muitos anos, ao grão-duque Ferdinando II,de gloriosa memória. E é por causa de tal rigidez que osescudos de ouro, ditos meias-dobras, quebram antes dese deixar dobrar; assim, o povo e outras pessoas que nãotêm prática suficiente para distingui-los pela cor ou porcomparação, pela facilidade de se dobrarem logo reco-nhecem os perfeitos e de boa qualidade. Advém dissoque, embora o cequim tenha despertado em muitos a co-biça de falsificá-los, nunca, porém, puderam acrescentarmais liga do que aquela que contêm os húngaros, que são,uns poucos, de uma qualidade de 23 quilates, e a maiorparte de uma qualidade melhor, pois se houvesse uma

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mistura de mais de uma vigésima quarta parte não se po-deria dobrá-los. Pelo contrário, as dobras de qualquer prín-cipe foram falsificadas tantas vezes e de tal maneira quealgumas não chegaram a conter sequer a metade do ourodevido, mas com uma cor semelhante obtida por artifí-cios detestáveis, pois, ainda que não se possa imitar a cordo ouro mais puro, pode-se chegar perto à das dobrascomuns.

A segunda razão do maior crédito e valor das moe-das de melhor qualidade é o uso que se pode fazer delasem muitos trabalhos para os quais não é adequado o me-tal que contém mistura. A grande quantidade de ouro quese estende em folhas para dourar ornamentos de estuque,madeiras e outros enfeites das igrejas, casas, carruagense outras coisas é de metal finíssimo, pois, se assim nãofosse, pela rigidez não poderia ser estendido em folhasnecessariamente muito sutis, e o bate-folha, se não tivercequins perfeitos para bater, é obrigado a refinar as outrasmoedas antes de se valer delas em seus trabalhos, ele-vando assim os custos de fabricação. O mesmo se devedizer do ouro que é usado pelos ourives para dourar obje-tos de cobre e de prata, pois quando não é finíssimonão produz na laboração aquela cor especial que vemosparticularmente nos belíssimos dourados de Augusta.

A mesma razão vale, porém, também em se tratandode moedas de prata. As genovinas, as antigas peças deoito, os escudos de prata de Florença e de Veneza são deuma prata tão bela e de brancura tão límpida que dificil-mente a arte dos falsários consegue enganar os olhos pelomenos dos experientes e entendidos. A mistura com ocobre deixa transparecer em pouco tempo a cor averme-lhada deste, a com o estanho diminui-lhes o peso, a sono-ridade e a vivacidade da cor; e qualquer outra coisa que

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se tenha misturado para encobrir a fraude em pouco tempovem à tona, isto é, logo que a superfície fique desgastadapelo uso. Por tal razão, vemos mais freqüentemente falsi-ficar as moedas de prata de menor valor dos príncipes daLombardia do que os tostões e os paulos da Igreja e daToscana, mais os ducados venezianos do que os escudose os ducatões da mesma casa da moeda, sendo verdadeque é mais fácil falsificar o menos bom do que o que éperfeito.

Tampouco esta norma que eu proponho como mui-to útil às casas da moeda, de fabricar suas moedas com omaior teor de pureza possível, é uma regra ou observa-ção nova, pois ela foi conhecida e observada, aliás esta-belecida por lei, desde a Antiguidade. Foi estabelecidapelos próprios romanos em sua melhor época, e pelospróprios imperadores, pois se encontram moedas de ourodo tempo da República todas finíssimas, com exceção deumas poucas falsificadas, e lemos que o ditador CornélioSila, mediante a lei denominada “Cornélia”, e Augusto,mediante a lei “Júlia”, obrigaram os triúnviros das moe-das a bater ouro fino. O ouro das moedas de Vespasia-no foi avaliado em Paris no tempo de Bodin e era de talpureza que, ao ser purificado com uma mistura de sais dealta qualidade, não chegou a perder, ao todo, mais do que

, o que é pouco mais de meio grão por onça; quantida-de imperceptível e que é gasta na própria fundição.

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Retrato de um negociante de moedas (1538).Atribuído a Dosso Dossi. Budapeste, Szépmuveszeti Múzeum.

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Cinco dobras (1649). (anverso)Emitida por Carlos II, duque de Mântua.

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Cinco dobras (1649). (reverso)Emitida por Carlos II, duque de Mântua.

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Tostão (1553). Margarida e Guilherme, duque de Mântua.

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TÁBUA DE MOEDAS, PESOS E MEDIDAS*

ANGEVINO – Minúscula moeda de prata cunhada antiga-mente pelos bispos de Metz.

ARIÂNDICO – Moeda de prata mandada cunhar por Ariande,governador do Egito, para Cambises, rei da Pérsia (529-522 a.C.).

ARRÁTEL – Antiga unidade de medida de peso de origem ára-be, com um valor variável entre 0,78 e 0,89 kg, dependendo dolugar.

ASPRE – Antiga moeda de prata nos países muçulmanos. Onome foi usado em seguida para designar a menor moeda turcade prata (equivalente à vigésima parte da piastra) que, com aprogressiva diminuição de valor da piastra, se tornou moeda decobre, e, finalmente, moeda nominal. Foi imitada pelos estadosque mantinham relações comerciais com o Império Otomano,como Veneza e Gênova.

ASSE – Unidade monetária da série brônzea romana. Originaria-mente correspondia à libra (327,45 g); também denominadas ás.

ASSE QUADRANTAL – Equivalente a um quarto de uma onça.

ÁUREO – Moeda de ouro romana cunhada a partir de 49 a.C.

BAIOCO – Nome que aparece a primeira vez no século XVpara designar uma moeda de prata cunhada na Itália do Sul, comum valor de 12 denários ou de um soldo, à imitação do grossobolonhino; sucessivamente, moeda de igual valor cunhada emRoma corrente nos Estados Papais. Com o aumento do valor daprata, foi progressivamente diminuindo de peso e qualidade, atéchegar a ser moeda de cobre em 1602. Assim, na linguagempopular assumiu o significado de “moeda de pouco valor”.

* Como já muitos nomes estrangeiros de moedas, pesos e medidas passaram a fazerparte do vocabulário português, preferimos aportuguesar os que não se encontram nodicionário, mas que são facilmente adaptáveis à nossa morfologia. Os poucos quejulgamos ter de ficar no original estão em itálico. (N. T.)

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BESANTE – Moeda de ouro ou prata usada em Bizâncio, queteve curso em diversos países e regiões da Europa no final daIdade Média; também denominada bizâncio ou bizante.

BEZZO (pl. bezzi) – Moeda veneziana de prata, que em 1497valia 6 denários e meio, e sucessivamente menos, pela diminui-ção de peso. O nome deriva do termo alemão Batz ou Betz, queera uma moeda da cidade de Berna, com um urso por emblema.

BIOLCA – Antiga medida italiana de superfície equivalente aotrecho que o camponês podia arar num dia com um par de bois.

BILHÃO – Moeda de cobre para trocos; também designadabelhão, do francês billon.

BOLONHINO – Moeda cunhada em Bolonha a partir de 1191,por concessão imperial, até 1612, antes com o nome do impe-rador gravado, depois dos vários senhores da cidade, e, final-mente, com a efígie do papa.

BRAÇO – Medida de comprimento correspondente a pouco maisde meio metro, com leves diferenças nas diferentes cidades, muitousada antes do uso do sistema métrico decimal.

CANA – Antiga medida italiana de comprimento, de valores dife-rentes nas diferentes cidades.

CARANTANO – Nome italiano do grosso tirolês; nome dadono reino Lombardo Vêneto ao kreuzer, moeda austríaca de cobredo valor de 4 pfennige.

CARLINO – Originariamente, moeda de ouro ou de prata, emi-tida por Carlos I de Anjou em 1278, no Reino da Sicília, ondecontinuou a ser fabricado com modificações e variações de va-lor. Posteriormente, o nome passou a indicar moedas do reinode Sabóia e dos Estados Papais, com o valor de uns poucoscentavos.

CAVALLOTTO – Moeda de prata ou de mistura, cunhada naItália do Norte entre os séculos XV e XVI, assim chamada

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porque levava impressa a efígie de um santo ou de um persona-gem a cavalo.

CEQUIM – Denominação usual do ducado veneziano depoisdo século XV. O cequim teve grande difusão na Europa e noOriente, onde era considerado a melhor moeda de ouro. Chama-ram-se cequins também outras moedas de ouro cunhadas emmuito outros estados italianos e europeus.

DÁRICO – Antiga moeda persiana, de ouro ou de prata, cunha-da por Dario I, com a efígie de um rei ajoelhado, com arco edardo.

DENÁRIO – Antiga moeda romana de prata em sistema deci-mal. Originariamente, valia 10 asses, mas várias reformas mo-netárias, particularmente a de Nero e de Diocleciano, diminuí-ram progressivamente seu valor. Com este mesmo nome foramcunhadas moedas em vários países ocidentais, em tempos dife-rentes e com diferentes valores. Também antiga unidade de pesonas cidades italianas, equivalente à vigésima quarta parte de umaonça.

DIDRACMA – Dracma dupla.

DOBRA – Moeda de ouro espanhola emitida por Afonso XI deCastela (1312-1350), à imitação da dobra mourisca, moeda deouro cunhada a Almería, no reino árabe de Granada. Tambémmoeda italiana: o nome foi usado pela primeira vez provavel-mente pelos ducados de peso duplo fabricados por GaleazzoMaria, duque de Milão (1466-1476). Continuou a ser emitidaaté o século XIX, especialmente em Parma e Roma.

DOBRÃO – Moeda de ouro espanhola que valia duas dobras,cunhada a partir do século XV. E tiveram o mesmo nome tam-bém moedas análogas de estados italianos no século XVII.

DRACMA – Originariamente peso, depois moeda de prata daantiga Grécia. O valor variava conforme a localidade, assim comoeram diferentes as unidades de peso em cada centro. A dracmaática pesava 4,366 gramas.

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DUCADO – Moeda cunhada sob a jurisdição de um duque. Ori-ginariamente, foi a denominação de uma moeda de prata cunha-da na Apúlia em 1140 e 1156; depois, de uma moeda cunhadaem Veneza, em 1202, pelo doge Enrico Dandolo (chamada tam-bém de grosso). Em 1284 foi cunhado o ducado de ouro (chama-do depois de cequim) pelo doge Giovanni Dandolo. Em seguidamuitos outros estados italianos e europeus cunharam ducados, àimitação dos venezianos.

DUCATÃO – Moeda grande, de prata, cunhada por Carlos Vem Milão, em 1551. Esse tipo de moeda difundiu-se em seguidana Holanda, no Brabante, na Sabóia e na Suécia.

DUPÔNDIO – Antiga moeda romana cujo valor era de doisasses.

ESCRÓPULO – Unidade de medida de peso, equivalente à vi-gésima quarta parte da onça, já usado pelos antigos povos italia-nos e romanos para o ouro e a prata.

ESCUDO – Esse nome foi dado pela primeira vez a uma moedade ouro francesa cunhada por Luís IX, o Santo, por ter o escudocomo efígie; depois, em 1346, a uma moeda cunhada por FilipeVI de Valois. Cunhada por outros soberanos franceses, em ouroou em prata, difundiu-se em toda a Europa e em muitos estadositalianos, com valores variáveis.

ESCUDO DE CÂMARA – Escudo de curso legal. No mundolatino tardio, câmara era o termo que designava o tesouro oufisco do imperador, do rei ou da província. Na Idade Média tam-bém, o lugar onde se guardava o dinheiro público. Curso ou va-lor de câmara designava, então, o preço com o qual as câmarasrecebiam o dinheiro que se devia ao erário, correspondendo aoatual curso legal.

ESCUDO DO SOL – Moeda de ouro que tinha gravado umpequeno sol radioso no começo da legenda. Cunhado pela pri-meira vez em 1337 pelo rei da França Filipe VI, teve grandedifusão em toda a Itália no século XVI.

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ESTÁTER – Na Grécia antiga, moeda que, de ouro, valia 20dracmas, de prata, 4 dracmas.

FILIPE – Moeda de ouro do valor de 20 dracmas, mandada cu-nhar por Filipe II da Macedônia, que circulou sucessivamenteno mundo helenístico e romano até os tempos de Valeriano. Tam-bém escudo de prata do valor de 5 libras, mandado cunhar porFilipe II, rei da Espanha em Milão.

FLORIM – Moeda de Florença, cunhada em prata no século XI,lavrada em ouro a partir de 1252. Levava impressa a flor do lírio,emblema de Florença, e a imagem de São João Batista, protetorda cidade. O florim de ouro florentino teve grande difusão emtoda a Europa e foi adotado especialmente na Inglaterra e naHolanda.

FOLLIS – Unidade monetária cunhada na Roma antiga no finaldo século III d.C. e ainda em curso em época bizantina. Foi,conforme o período, moeda de cobre, de prata, com um valormuito variável.

FRANCO – Originariamente moeda de ouro, depois de prata,cunhada na França por João II, o Bom, em 1360. Com valoresdiferentes, teve curso como moeda efetiva até 1641, e tornou-seunidade monetária com a Revolução Francesa.

FÜNFZER (pl. fünfzern) – Antiga moeda alemã que tinha o valorde 5 grossos e correspondia, aproximadamente, a 20 soldos.

GENOVINA – Escudo de prata cunhado em Gênova.

GRÃO – Antiga unidade de medida de peso, teoricamente igualao peso de um grão de trigo. Usado para fármacos e para o ouro,a prata, as pérolas e as pedras preciosas. Também nome dado àmoeda de prata que Fernando II de Aragão mandou cunhar parao Reino das Duas Sicílias, e equivalia idealmente a 600.ª parteda onça de ouro. Continuou a ser cunhada até 1825, com nume-rosos múltiplos e frações. Foi também moeda de cobre.

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GROSSO – Antiga unidade de peso francesa, equivalente àoitava parte de uma onça. Também moeda de prata fabricadadurante a Idade Média, a partir do século XIII, com pesos e valo-res diferentes nos diferentes estados em que circulava. Na ori-gem valia 12 denários e correspondia ao soldo da lira, e poste-riormente chegou a valer até 4 ou 6 soldos.

HÚNGARO – Antiga moeda de ouro da Hungria, imitada emmuitos estados italianos no século XIV, com a imagem de umguerreiro impressa.

JUGADA – Terreno que uma junta de bois pode lavrar num dia.

JÚLIO – Moeda de prata do valor de 10 baiocos, mandadacunhar pelo papa Júlio II (1503-1513), em substituição ao grossoou carlino papal. Continuou por muito tempo como moeda deoutros pontífices.

KREUZER (pl. kreuzern) – Moeda de prata de baixo valor cor-rente na Áustria e na Alemanha do Sul desde a Idade Média,com valores diferentes no variar dos anos. O nome deriva dolatim, crux, por levar impressa a efígie de uma cruz.

LIBELA – Pequena moeda romana de prata equivalente à déci-ma parte do denário.

LIBRA – Unidade de medida de peso, já em uso entre gregos eromanos, depois estendida, na Idade Média, a toda a Itália (comum peso um pouco superior a 300 g) e a outros países com valo-res diferentes. Também moeda real de vários estados italianos eeuropeus desde a Idade Média, com variações de valor e dife-rentes denominações conforme o lugar; moeda com valor imagi-nário de cálculo, lira.

LIRA – Unidade monetária de alguns estados italianos desde aIdade Média, assim chamada porque originariamente correspon-dia a uma libra de prata. Também com a especificação do sobe-rano ou do estado emitente, ou, então, da cidade ou região emque tinha curso.

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LIRA TORNÊS – Moeda de prata emitida no século XIII nacidade francesa de Tours por Luís IX. Também moeda de cobreemitida em Nápoles do século XVI até o fim do reino borbônico.

LIRAZZA – Moeda de prata de baixa liga, equivalente a 30soldos, emitida em Veneza em 1571.

LIRETTA – Moeda vêneta para a Albânia e a Dalmácia, cunha-da pela primeira vez pelo doge Domenico Contarini (1659-1675),menor e mais leve do que a lira, que tinha valor legal na Repúbli-ca de Veneza.

LUÍS – Moeda de ouro francesa introduzida por Luís XIII em1640. Continuou a ser cunhada até a queda da Monarquia, comvariações de valor.

MANUELADO – Moeda de ouro ou prata (besante), emitidapor alguns imperadores do Oriente de nome Manuel.

MAMOUDIS – Moeda de cálculo em uso no Golfo Pérsico.

MARAVEDI – Deriva seu nome de uma moeda cunhada desde1087 pela dinastia muçulmana dos almorávidas, que dominoua Espanha do século XI ao século XII. Também morabitino. Umamoeda semelhante foi cunhada por Afonso I de Portugal (1139-1185). Foi inicialmente moeda de ouro, depois de prata e porfim, a partir de 1474, de cobre. Foi revogada em 1848.

MARCA – Antiga moeda de prata, ou, às vezes, de ouro. Tam-bém antiga unidade de peso, de valor variável em tempos e luga-res diferentes.

MARCO – Originariamente unidade de peso, igual a 8 onças.No século XII, o mais conhecido foi o de Colônia, do qual deri-varam outros nove marcos, entre os quais o marco Troy de Parise o marco português. O marco de Colônia foi unidade de pesodo sistema monetário germânico de 1524 à metade do séculoXIX. Também nome de moeda. A primeira apareceu na Ingla-terra no final do século X e de lá se difundiu em numerosospaíses europeus.

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MARQUETO – Moeda de cobre do valor de aproximadamenteum soldo, cunhada em Veneza nos séculos XV e XVI.

MOCENIGO – Lira de prata do peso de 6,52 g e título 928,cunhada em Veneza durante o governo do doge Pietro Mocenigo(1474-1476).

MOURAIOLA – Moeda de Bolonha fabricada com liga escura,corrente por volta do século XVI. O nome deriva de mouro, emreferência à cor.

ÓBOLO – Moeda grega que valia um sexto da dracma.

ONÇA – Antiga unidade de medida do sistema ponderal e mo-netário sículo-italiota e depois romano. Correspondia a umduodécimo da libra e do asse. Em seguida, foi adotada na Itáliae em outros países com diferentes valores, oscilantes em tornode 30 gramas. A onça como moeda teve valores diferentes emdiferentes momentos históricos e na Itália foi usada em váriosestados, especialmente na Sicília, até a unificação italiana. Tam-bém moeda com valor ideal de cálculo.

ORT (pl. ortje) – Moeda cunhada na Polônia durante o reinado deSigismundo Augusto (1548-1572), equivalente a 18 grossos ouum quinto do táler. De 1611 a 1660 foi moeda de cálculo naPolônia, Noruega e Dinamarca.

PACASO – Moeda de prata em uso entre os turcos durante oImpério Otomano.

PARPALHOLA – Moeda de liga de pouco valor, originaria-mente cunhada na Provença nos séculos XIV e XV, que em se-guida, com a conquista francesa, se difundiu no estado de Milãocom um valor de dois soldos e meio. Do francês antigo, parpaillole.

PAULO – Moeda de prata cunhada nos Estados Papais a partirdo pontificado de Paulo III (1534-1549). Com o tempo, varioude peso e de valor.

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PÉ – Unidade de comprimento já em uso antigamente na Gréciae em Roma, e adotada depois em vários países com valores dife-rentes. Na Itália tinha um valor que variava de 0,30 cm a 0,50cm, aproximadamente.

PEÇA – Nos séculos XVI e XVIII, moeda múltipla da unidade,cunhada na Espanha e em outros estados europeus, no maisdas vezes com a indicação do valor ou do metal empregado,em particular nas expressões peças de oitos reais ou sevilhana, equi-valente a um escudo aproximadamente. Também, simplesmen-te, moeda.

PECHA – Pequena moeda de cobre que tinha curso em váriaslocalidades das Índias, de modo particular nas províncias maríti-mas dos estados do Grão-Mogol, com um valor aproximativo de6 denários, moeda francesa.

PESO – Antiga unidade ponderal, com valores historicamente egeograficamente diferentes. Antiga unidade monetária em usona Espanha a partir do século XV e, posteriormente, em mui-tos países da América Central e Meridional depois da conquistaespanhola.

PFENNIG (pl. pfennige) – Centavo de marco.

PIASTRA – Moedas de prata, de grandes dimensões, cunhadasna Itália, principalmente em Bolonha, a partir do século XVI.

PÍCIS – Moeda chinesa antigamente difundida também no arqui-pélago da Indonésia.

QUADRANTE – Moeda de bronze romana, com o valor de umquarto do asse duodecimal, isto é, de 3 onças. Também unidadedo sistema métrico da antiga Roma, correspondente a um quar-to da unidade da ordem imediatamente superior, em particular,a um quarto do pé nas medidas de comprimento, do sextário nasmedidas de capacidade, da libra nos pesos, da jeira nas super-fícies.

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QUATRIM – Denominação de uma pequena moeda, em uso doséculo XIII ao século XIX, com um valor de 4 denários, adotadapor sua comodidade em vários estados italianos e em Florençade modo particular. Assumiu formas, ligas e especificações dife-rentes, as quais quatrim florentino, bolonhês, papal, branco, preto etc.

QUATRIM PRETO – Moeda cunhada com metais de poucovalor ou com uma quantidade mínima de prata, com um valorintrínseco muito menor que o quatrim branco, totalmente de prataou de uma liga superior.

QUINÁRIO – Moeda de prata romana, do valor de meio denário.Durante o império foi cunhado também o quinário de ouro.

REAL – Unidade do antigo sistema monetário espanhol. Foi cu-nhada pela primeira vez em prata no século XIV. Teve valores edenominações diferentes nos vários séculos e difundiu-se tam-bém nas colônias espanholas da América. Muitas moedas italia-nas tiveram o nome de real, ou de múltiplos ou frações dele.

SEMBELA – Pequena moeda romana com um valor equivalen-te à metade da libela. Do latim sembella, termo composto doprefixo semis e [li]bella, com mudança de gênero.

SESINO – Voz de origem lombarda, derivada de ses, “seis”.Moeda do valor de 6 e sucessivamente 8 denários fabricadasem várias partes da Itália entre os séculos XIV e XVII.

SESTÉRCIO – Antiga moeda romana, originariamente de pra-ta, depois de bronze com o valor de dois asses e meio, depois de4 asses.

SEXTANTE – Moeda de bronze já em uso entre as antigas po-pulações itálicas e depois cunhada em Roma em época repu-blicana, com um valor correspondente a um sexto do asseduodecimal, ou seja, duas onças. Também medida ponderal,correspondente a um sexto de libra.

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SÊXTULO – Submúltiplo do asse romano, correspondente àseptuagésima segunda parte de tal moeda. Também unidade demedida de peso, correspondente à sexta parte da onça.

SICLO – Antiga unidade ponderal e monetária usada pelosbabilônios e hebreus. O termo é freqüente nos textos bíblicos,dos quais se deduz que era moeda de prata, cuja cunhagem foiiniciada por Simão Macabeus por volta de 125 a.C.

SHILLING – No passado, moeda adotada a partir do séculoXIII em vários países da Europa Central e Setentrional, comvalores diferentes em lugares e tempos diferentes, no mais dasvezes como moeda divisional do florim, do marco e do táler.Moeda divisional equivalente à vigésima parte da libra esterlina,em uso na Grã-Bretanha de 1504 até a adoção do sistema deci-mal em 1971.

SOLDÃO – Soldo de cobre ou de liga de prata maior do queaquele de prata pura, antigamente em uso especialmente emVeneza.

SOLDO – Antiga moeda européia que deriva seu nome do sóli-do bizantino. Durante a Idade Média, por ocasião da reforma deCarlos Magno, voltou ao uso como moeda de prata. No séculoXII deu-se esse nome às moedas de prata do imperador HenriqueIV, cunhadas em Milão; depois foi estendido à moeda de poucovalor de outras cidades. Com a introdução do sistema decimal,passou a equivaler a 5 cêntimos.

SÓLIDO – Moeda de ouro introduzida por Constantino talvezem 317 d.C., que se tornou base da moeda de ouro do ImpérioBizantino.

STIOLO – Antiga unidade de medida de superfície agrária equi-valente a 525 m², em uso na Toscana antes da adoção do siste-ma métrico decimal.

SULTÂNI – Antiga moeda de ouro da Turquia que tambémcorria no Oriente.

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TALENTO – Medida de peso e moeda de cálculo grega. Tevevalores e pesos variáveis conforme os tempos, os estados e ometal de que se compunha.

TÁLER – Moeda de prata emitida pela primeira vez em 1486pelo arquiduque Sigismundo, no Tirol, e cunhada novamentena Boêmia no início do século XVI pelos senhores de SanktJoachimsthaler, dos quais derivou o nome. Generalizada emseguida em todas as casas da moeda da Alemanha e da Áustria,teve curso até 1871, quando foi substituída pelo marco.

TIMIN (timmin, em árabe, derivado de tumn = ) – Nome turcode uma moeda fracionária do escudo francês, com valor equiva-lente a 5 soldos torneses, que foi objeto de uma maciça especu-lação no Império Otomano, no século XVII.

TOSTÃO (testone, em italiano) – Moeda de prata do valor de umquarto do ducado de ouro, cunhada em vários estados italianosa partir do século XIV e que levava impressa a cabeça (testa, emitaliano) do soberano em dimensões maiores do que aquelas deoutras moedas.

TORNATURA – Antiga medida agrária, com valores variáveisentre 2 mil e 3 mil m², usada na Itália, e na Emília-Romanha demodo particular, antes da adoção do sistema métrico decimal.

TORNÊS – Moeda francesa da cidade de Tours, nos tempos deCarlos Magno. Imitada, em seguida, na Europa e no Oriente comvárias formas e valores, quer como moeda efetiva quer comomoeda de cálculo, foi cunhada até o século XIX.

TRIENTE – Antiga moeda de cobre equivalente a um terçodo asse.

TYMF (pl. tymfen) – Moeda de bilhão que tinha curso na Polônia,na Rússia, na Brandeburgo e na Prússia, e nos séculos XVII eXVIII valia 18 grossos prussianos. O nome deriva de AndreasTymff, o superintendente da casa da moeda onde esta moeda foicunhada inicialmente.

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VICTORIATUS-I – Moeda romana em prata do período repu-blicano que levava impressa a efígie da Vitória.

XERIFE – Antiga moeda de ouro muçulmana de um valor umpouco superior ao cequim veneziano, que circulava no comérciocom o Ocidente.

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RAÍZES DO PENSAMENTO ECONÔMICO

Com essa coleção a SEGESTA EDITORA visa divulgar no Brasilobras inéditas de autores que são considerados fundamentais naformação do pensamento econômico e que, pela abordagem universaldas questões, muito podem enriquecer o debate sobre os grandes temaseconômicos da nossa época.

Convém salientar que as obras da coleção RAÍZES DO PENSA-MENTO ECONÔMICO são cuidadosamente editadas na sua integra-lidade.

Neste mesmo projeto editorial, já publicamos:– Da moeda (1751), de Ferdinando Galiani (Co-edição com a MusaEditora)– Economistas políticos. Escritos de Adam Smith, William Petty, NicholasBarbon, Pierre de Boisguilbert, Benjamin Franklin, Encyclopédie deDiderot e D’Alembert, Turgot e David Ricardo (Co-edição com aMusa Editora)– Ensaio sobre a natureza do comércio em geral (1755), de Richard Cantillon– Breve tratado das causas que podem fazer os reinos desprovidos de minas terabundância de ouro e prata (1613), de Antonio Serra– Diálogos sobre o comércio de cereais (1770), de Ferdinando Galiani– Pequeno tratado da primeira invenção das moedas (1355), de Nicole Oresme

Próximo lançamento:– Economistas portugueses

Mais informações estão disponíveis no site da editora:www. segestaeditora.com.br

O e-mail é: [email protected]

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Este livro foi composto a partir de tipologias da família Garamond.Impresso na Gráfica Vicentina para a Segesta Editora.

Curitiba, março de 2006.