A Invisibilidade Do Privilégio

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  • 7/23/2019 A Invisibilidade Do Privilgio

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    A Invisibilidade do Privilgio (Voc um Privilegiado?, 1)

    Um dos corolrios positivos da tica de trabalho protestante aqui nosEstados Unidos que ningum tem medo de se dizer rico. De fato, serrico uma prova de que voc trabalhou duro, fez tudo certo e tem

    Deus do seu lado. Se, por um lado, essa cultura estigmatiza e quasecriminaliza a pobreza afinal, em uma sociedade !perfeitamentemeritocrtica! onde !todos tm chances iguais! s" os mais ineptos epregui#osos v$o ser pobres%, por outro ela institucionaliza a filantropia.&o se definir como rico, o indiv'duo tambm se percebe comoprivilegiado ainda que por merecimento% e, consequentemente, e(iste uma certapercep#$o de obriga#$o de a)udar os menos privilegiados.

    *$o se conhece milionrio americano que n$o doe parte significativa de sua fortuna parafins filantr"picos. Entre os americanos classe mdia que conhe#o, tanto de esquerdaquanto de direita, tanto reacionrios quanto progressistas, todos doam muito do seutempo e alguma parte de sua renda para pro)etos assistenciais e filantr"picos. *os EU&, o

    dinheiro visto como recompensa por trabalho duro mas tambm, no melhor estilo+omem&ranha, como uma espcie de superpoder que traz consigo algumasresponsabilidades.

    & situa#$o no -rasil n$o poderia ser mais diferente. *ossa cultura cat"lica ao mesmotempo em que estimula uma certa ostenta#$o da riqueza comparem uma igre)a cat"licae uma luterana%, tambm estigmatiza a riqueza como um pecado mortal. &qui, umagrande fortuna sempre suspeita no imaginrio popular, o milionrio n$o algum quetrabalhou mais duro do que todos, mas provavelmente um grande corrupto, um bandido,algum com esqueletos no armrio.

    *a dcada de /0, quando meu pai ia me buscar no colgio com carros que nem o mais

    milionrio dos brasileiros tinha, o (ingamento que os colegas me gritavam era !filho debicheiro!. Sem entrar no mrito da honestidade ou n$o da fortuna do meu pai, a primeirarea#$o instintiva do brasileiro ao ser confrontado com riqueza desproporcional sempreassocila 1 contraven#$o, n$o ao trabalho.

    & classe mdiaalta brasileira fica presa num parado(o esquizofrnico no qual ela se vobrigada a reclamar de falta de dinheiro o tempo todo !esses impostos escorchantes2!etc% ao mesmo tempo em que n$o pode dei(ar de trocar de carro todo ano, sen$o pegamal na firma !o que que v$o pensar de mim2! etc%.

    esquerda, um livrinho sensacional e divertidssimo, uma verdadeira etnografia antropolgica dosricos enquanto tribo, seus hbitos e seus costumes. direita, um dos melhores romances sobre odinheiro e seu efeito na vida das pessoas.

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    http://www.interney.net/blogs/lll/2009/09/22/a_invisibilidade_do_privilegio_voce_e_um_1/http://www.interney.net/blogs/lll/2009/01/12/os_carros_do_meu_pai/http://www.interney.net/blogs/lll/2009/01/12/os_carros_do_meu_pai/http://www.submarino.com.br/produto/1/21411585/suave+e+a+noite/?franq=136855http://www.submarino.com.br/produto/1/223372/historia+natural+dos+ricos/?franq=136855http://www.interney.net/blogs/lll?cat=2280http://www.interney.net/blogs/lll/2009/01/12/os_carros_do_meu_pai/http://www.interney.net/blogs/lll/2009/01/12/os_carros_do_meu_pai/http://www.interney.net/blogs/lll/2009/09/22/a_invisibilidade_do_privilegio_voce_e_um_1/
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    Ningum Rico no Brasil

    Eu, que sempre fui educado pra saber que era rico, que tinha privilgios que quaseningum teve e que esses privilgios traziam certas obriga#4es entre elas, a de n$oostentar%, ficava constantemente chocado de conversar com amigos igualmente ricos eperceber que nenhum deles se considerava rico. *enhum. &lis, a palavra era fe'ssima.

    Dilogo ver'dico acontecido em uma lancha de 50 ps em &ngra. Estou conversando commeu amigo, menciono en passantque somos os dois ricos !porque n"s os ricos! etc% e elepra tudo, corta a frase no meio, interrompe o assunto e diz que n$o, imagina2, ele e suafam'lia n$o s$o ricos2 E eu, s" n$o mais surpreso por essa denega#$o ser t$o comum,respondo

    !6as 7o$o 8aulo2 &cabamos de sair de sua casa com pier que vale sei l quantos milh4es,estamos na sua lancha de 50 ps que voc acabou de trocar ano passado e estamos indopra um restaurante em uma ilha comer um almo#o que provavelmente vai custar mais demil reais2 9omo que voc n$o rico:2!

    E come#am os malabarismos verbais

    !-em, voc ve)a, n$o somos ricos, meu pai trabalhou muito, mas assalariado, conseguiueconomizar, temos um certo conforto, verdade, mas n$o somos ricos.!

    8or fim, o abaca(i fatalmente passado adiante

    !;ico o 9arlos Eduardo, que tem um iate de

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    E, apesar de ter demonstrado no pargrafo anterior que sou fluente no discurso choradordemisria da classe mdia, eu ainda assim tenho uma no#$o profunda da e(tens$o dosmeus privilgios.

    6as entendo porque meus amigos ricos n$o se achavam ricos. 8elo mesmo motivo, nossaelite n$o se v como elite e nossos privilegiados n$o se vem como privilegiados.Au, como disse a =ola, por e(emplo, os homens n$o entendem que um privilgio n$oter medo de morrer quase diariamente.

    Buando voc cresce rodeado por algo nesse caso, privilgio aquilo vira a regra contraa qual o mundo comparado. *ossa vida sempre a normal, ou melhor, a normativa asoutras que s$o menos ou mais alguma coisa.

    &lm disso, a maioria das pessoas olha pra cima, e n$o pra bai(o compram a 9aras eassistem programas de fofocas pra saber como a vida dos ricos e dos famosos, masevitam cruzar olhares com o mendigo da rua ou com o pivete do sinal e, com certeza,nunca pararam para conversar com eles e ouvir suas hist"rias.

    Ent$o, o processo funciona mais ou menos assim voc evita os mais pobres por seremfrancamente desagradveis, n$o:%, considera sua vida normativa, e s" conhece emdetalhes as rotinas dos mais ricos. ;esultado voc n$o se acha nem rico nem privilegiadonem de eliteC privilegiado o =uciano +uc, que tem uma )acuzzi em cada cmodo dacasa2 Srio, eu vi na 9aras.

    8or outro lado, pergunte 1s pessoas que trabalham de voluntrios em favelas a cada vezque saem de l, se sentem privilegiadas somente por ter gua encanada2

    8or isso, no post original pedindo a refle($o sobre o privilgio, eu pedi que vocs secomparassem com quem tem menos, e n$o com quem tem mais. Depois de ler

    o depoimento do leitor 7osusobre as dificuldades que enfrentou por ser negro, o+enrique comentou

    6e sinto bem aceito e adequado a frequentar qualquer espa#o, entrar em qualquer lo)a,qualquer sala de professor, perguntar o que eu quiser e costumo ser bem tratado. Fe)oque negros n$o gozam desse Grespeito automticoG. #$ %ica um &ouco di%'cil ver como&rivilgio uma coisa ue me &arece *o naural, a im&ress*o de ue isso %ala a elese n*o ue sobra &ara n$s+++H uma impress$o logo destru'da pelos primeiros racioc'nios,mas que e(iste...

    A pei(e n$o en(erga a gua )ustamente por ter vivido toda a sua vida rodeado por ela s"d por sua falta quando est se debatendo no convs do barco.

    9onvido meus leitores a tentarem perceber a gua que os rodeia 3antes3 de chegarem noconvs antes que as consequncias das desigualdades sociais brasileiras e(plodam emsuas caras.

    A principal ob)etivo desses te(tos fazer com que voc desnaturalize tudo o que lheparecia mais natural.

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    (Alex Castro. Disponvel em:

    http://www.interney.net/blogs/lll/2009/09/22/a_invisibiliae_o_privilegio_vo

    !e_e_"m_#/. A!esso em: #9/0$/20#2%.

    http://escrevalolaescreva.blogspot.com/2008/12/durma-se-com-um-privilgio-desses.htmlhttp://www.youtube.com/watch?v=95fNgx8aCS8http://www.interney.net/blogs/lll/2009/09/20/voce_e_um_privilegiado_convite_para_refl/http://www.interney.net/blogs/lll/2009/09/20/voce_e_um_privilegiado_convite_para_refl/#c465130http://www.interney.net/blogs/lll/2009/09/20/voce_e_um_privilegiado_convite_para_refl/#c465135http://www.interney.net/blogs/lll/2009/09/20/voce_e_um_privilegiado_convite_para_refl/#c465135http://www.interney.net/blogs/lll/2009/09/22/a_invisibilidade_do_privilegio_voce_e_um_1/http://www.interney.net/blogs/lll/2009/09/22/a_invisibilidade_do_privilegio_voce_e_um_1/http://escrevalolaescreva.blogspot.com/2008/12/durma-se-com-um-privilgio-desses.htmlhttp://www.youtube.com/watch?v=95fNgx8aCS8http://www.interney.net/blogs/lll/2009/09/20/voce_e_um_privilegiado_convite_para_refl/http://www.interney.net/blogs/lll/2009/09/20/voce_e_um_privilegiado_convite_para_refl/#c465130http://www.interney.net/blogs/lll/2009/09/20/voce_e_um_privilegiado_convite_para_refl/#c465135http://www.interney.net/blogs/lll/2009/09/20/voce_e_um_privilegiado_convite_para_refl/#c465135http://www.interney.net/blogs/lll/2009/09/22/a_invisibilidade_do_privilegio_voce_e_um_1/http://www.interney.net/blogs/lll/2009/09/22/a_invisibilidade_do_privilegio_voce_e_um_1/