A Janela de Overton

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 A Janela de Overton   Ou: Como fazer a opinião pública se deslocar de um ponto para outro ignorando o mérito das questões  O que esta imagem faz aí no alto? Explico. Se vocês entrarem na Internet para pesquisar o que é “Janela de Overton”, encontrarão duas referências principais: uma delas diz respeito a um conceito de manipulação   ou, se quiserem, de “operação” — da opinião pública segundo conceitos elaborados por Joseph P. Overton, ex-vice-presidente de um think tank chamado Mackinac Center for Public Policy. Outra, relacionada com a primeira, é um romance policial de Glenn Beck, o demonizado (pelas esquerdas) âncora da Fox News, que usou o conceito para imaginar uma grande conspiração contra os EUA. Mas o que é “Janela de Overton”?  A coisa tem sido explicada por aí de modo capenga. Peguemos justamente o caso do aborto no Brasil. A maioria dos brasileiros é contra, e isso obrigou, inclusive, a presidente Dilma a contar uma inverdade na campanha eleitoral sobre a sua real opinião, que ela já havia expressado. Era favorável à legalização   chegou a empregar essa palavra  e teve de recuar. Muito bem: a Janela de Overton registra como pensa a maioria da sociedade num dado momento sobre um determinado assunto. As posições, claro, variam do absolutamente contra ao absolutamente a favor. O pensamento da janela é o máximo que um político, a depender de sua ambição, pode sustentar publicamente. É evidente que um militante do aborto pode ser eleito deputado por eleitores abortistas   mas teria problemas para se eleger presidente da República ou senador. Muito bem! É possível deslocar a janela para um lado ou para outro? É! Isso demanda trabalho de pessoas especializadas em manipulação da opinião pública. Notem: quando emprego a palavra “manipulação”, não estou querendo dizer “conspiração”. Empresas organizadas passam a atuar na sociedade para lhe oferecer valores que levem ao pretendido deslocamento. Continuemos com o aborto. Mesmo quando era favorável, Dilma dizia que nenhuma mulher pode gostar da coisa em si, que é um sofrimento. O mesmo afirma sua agora

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A Janela de Overton  – Ou: Como fazer a opiniãopública se deslocar de um ponto para outro ignorandoo mérito das questões 

O que esta imagem faz aí no alto? Explico.

Se vocês entrarem na Internet para pesquisar o que é “Janela de Overton”, encontrarãoduas referências principais: uma delas diz respeito a um conceito de manipulação  — ou,se quiserem, de “operação” —  da opinião pública segundo conceitos elaborados porJoseph P. Overton, ex-vice-presidente de um think tank chamado Mackinac Center forPublic Policy. Outra, relacionada com a primeira, é um romance policial de Glenn Beck,o demonizado (pelas esquerdas) âncora da Fox News, que usou o conceito paraimaginar uma grande conspiração contra os EUA. Mas o que é “Janela de Overton”? 

A coisa tem sido explicada por aí de modo capenga. Peguemos justamente o caso doaborto no Brasil. A maioria dos brasileiros é contra, e isso obrigou, inclusive, apresidente Dilma a contar uma inverdade na campanha eleitoral sobre a sua real opinião,que ela já havia expressado. Era favorável à legalização  —  chegou a empregar essapalavra — e teve de recuar.

Muito bem: a Janela de Overton registra como pensa a maioria da sociedade num dadomomento sobre um determinado assunto. As posições, claro, variam do absolutamente

contra ao absolutamente a favor. O pensamento da janela é o máximo que um político, adepender de sua ambição, pode sustentar publicamente. É evidente que um militante doaborto pode ser eleito deputado por eleitores abortistas  — mas teria problemas para seeleger presidente da República ou senador.

Muito bem! É possível deslocar a janela para um lado ou para outro? É! Isso demandatrabalho de pessoas especializadas em manipulação da opinião pública. Notem: quandoemprego a palavra “manipulação”, não estou querendo dizer “conspiração”. Empresasorganizadas passam a atuar na sociedade para lhe oferecer valores que levem aopretendido deslocamento.

Continuemos com o aborto. Mesmo quando era favorável, Dilma dizia que nenhumamulher pode gostar da coisa em si, que é um sofrimento. O mesmo afirma sua agora

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ministra Eleonora Menicucci. Há dias, o impressionante Fernando Haddad afirmou que,“como homem”, é contra — nota: creio que tentou dizer que, como político, nem tanto,sei lá… Repararam que, nessas intervenções, deixa-se de discutir o aborto para debaterum outro tema? Que outro? A proposta da tal comissão o evidencia: “as condições damulher”. 

O que isso significa? Para tentar deslocar a janela de opinião do “contra” para o “menoscontra”, até chegar à “neutralidade” e, quem sabe?, um dia, ao “a favor”, é precisotrabalhar algum outro valor relacionado ao tema. Para esse trabalho, entra em campo umverdadeiro exército de “especialistas em opinião pública”: assessores de imprensa,relações públicas, institutos de pesquisa, think tanks, agências de lobby. E vai por aí.

Peguemos a questão do Código Florestal, outro exemplo gritante. É evidente que amaioria da população se oporia a que famílias fossem desalojadas ou a uma queda naprodução de alimentos. Se a maioria é contra, dificilmente um político com ambiçõesnacionais abraçará essa causa. Mas por que não outra? A da “conservação da natureza”

certamente é simpática e tem condições de operar o deslocamento da janela. É o quetem conseguido Marina Silva, que conta com assessoria de imagem profissional. É oque têm conseguido ONGs americanas financiadas pelo setor agrícola dos EUA.Criminalizam os agricultores brasileiros, transformando-os em sinônimo dedesmatadores. O caso mais bem-sucedido de que se tem notícia nessa área é oterrorismo feito com o tal aquecimento global. O que pode ser maior do que “salvar o

 planeta”? 

Verdades e mentirasGoverno e políticos gastam fortunas tentando vender “idéias” à opinião pública. Quasenão há pessoa pública no Brasil que não seja cliente de uma empresa — ou de várias —  de assessoria e gerenciamento de imagem. O que se pretende é bem mais do queinformar a sua “agenda”. O trabalho é mais amplo: trata-se de detectar um determinadosentimento da sociedade e passar a trabalhar para mudá-lo — eventualmente neutralizá-lo. Querem ver?

O tucano José Serra, pré-candidato do PSDB à Prefeitura de São Paulo, não tocou atéagora em palavras como “aborto” e “kit gay”. No PT, já se manifestaram sobre oassunto o pré-candidato do partido, Fernando Haddad; o presidente da legenda, RuiFalcão; o “chefe de quadrilha” (segundo a PGR) José Dirceu, entre outros. O temapassou a ser tratado pelos próprios petistas, COM A AJUDA DE SETORES DA

IMPRENSA, sugerindo que o “outro lado” vai explorar esses temas em campanha e queisso, na verdade, é “uma baixaria”. O trabalho é tão bem-feito que foram buscardeclarações contrárias àquela que seria à abordagem não-virtuosa dessas questões até detucanos, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Vale dizer: meteram FHCna campanha pró-PT!

Ora, por que isso? Porque o PT tem pesquisas em mãos que demonstram que essestemas são potenciais fontes de desgaste do candidato petista. Então é preciso aplicaruma espécie de vacina, de remédio preventivo. Antes que o adversário se refira a essesassuntos, Haddad já sai gritando: “Isso é uma baixaria!”. 

Nesse caso, o trabalho de manipulação da opinião pública consiste, numa ponta, emtransformar o aborto numa decorrência natural dos “direitos da mulher”, desfetalizando 

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o debate. O feto passa a ser uma mera derivação do seu corpo; se a incomoda e se elanão quer, tira-se. Também se vai insistir nas escandalosamente mentirosas 200 milmortes de mulheres em decorrência de abortos clandestinos. Outro argumento forte, quetende a mover uma fatia dos setores mais conservadores, diz respeito à segurançapública: crianças abandonas pelos pais seriam potencialmente violentas e ameaçariam a

sociedade. Na outra ponta, qualifica-se de “reacionários”, “conservadores” e “avessosao progresso” aqueles que têm uma posição contrária, de modo a silenciá-los. Tudodando certo, a janela se move.

Sacolinhas plásticas Os temas variam dos mais graves, como o aborto e o Código Florestal, que dizemrespeito, respectivamente, à vida humana e à segurança alimentar, aos mais bizarros —  mas nem por isso menos lucrativos, como as sacolinhas plásticas nos supermercados.Ninguém convenceria de bom grado um consumidor a sair do mercado carregandocompras em caixas de papelão ou em sacolas de lona. Os incômodos são muitos.Alevantou-se, como diria o poeta, um valor mais alto  —  e hoje base de várias teses

autoritárias influentes: a conservação da natureza.

Huuummm… Em nome dela, nada mais de sacolinhas feitas de derivado de petróleo!Certo! Considerando que os brasileiros não comem plástico, aquele troço servia, leitoramigo, na sua casa e na minha, de saquinho de lixo, certo? Sem um, aumenta oconsumo do outro, e o resultado tende ao empate. Os supermercados podem ganhar unstrocos não fornecendo os saquinhos, a indústria de plástico pode compensar a baixa doconsumo de um produto com a elevação do consumo de outro, e só o consumidor sedana. Mas esperem! Há a sacolinha reciclável, feita, parece, com algum derivado domilho… Descobriu-se de pois que havia um único fornecedor para o produto… Émesmo?

Cuidado!É preciso tomar cuidado para não cair na paranóia de que o mundo é uma grandeconspiração; de que forças secretas se movem nas sombras e que estamos sempre sendoadministrados por alguém. Não deixem que a “Janela de Overton” abra a “Janela daConspiração” na sua cabeça. Somos sempre influenciados pelo debate público, pelasopiniões alheias, pela propaganda, pelo trabalho, sim!, dos assessores de imprensa,assessores de imagem, administradores de crise, essas coisas… Isso é norma l é domundo livre. Chata era a vida nos países comunas, onde só se podia ser influenciado

 pelo… partido! 

Como, então, distinguir o “meu pensamento” dessa algaravia de outros pensamentos elobbies organizados? Bem, não tenho a receita. O que costumo recomendar é o seguinte:verifique sempre se as pessoas estão debatendo o mérito da questão ou algum temaassociado, que pode até guardar algum parentesco com o assunto principal, mas que éum óbvio desvio.

Se você se pegar falando sobre o desvio, o tema paralelo, não duvide: você caiu na redeprofissional dos operadores de opinião pública. Não faz tempo, o caos nos aeroportosbrasileiros e o péssimo serviço oferecido por algumas companhias aéreas acabaramsurgindo no noticiário como evidências do sucesso do governo petista na política de

distribuição de renda, que teria levado os pobres para o avião. A questão essencial ficoude lado: por que aeroportos e companhias aéreas não se organizaram para isso? A janeja

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da opinião pública, é evidente, estava numa posição crítica, contrária ao governo e à bagaunça das companhias. Mas se deslocou um pouco para recepcionar a tese do “bomcaos”, gerado por motivos edificantes. 

Encerro 

No curto prazo, governos investem somas fabulosas em propaganda, divulgando seusfeitos. Aquele outro trabalho, de mudança de valores, é mais sutil. As oposiçõesbrasileiras não têm sabido enfrentar nem uma coisa nem outra

Por Reinaldo Azevedo