A JORNADA DOS 7 CAMINHOS · gritava para chamar a atenção dos moradores: ^OLHA A PI A DO OVOOOO,...
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Era por volta de 14:30, de uma tarde levemente nublada do
dia 16 de agosto de 2016, quando de repente cinco crianças
apareceram, como num passe de mágica, em frente à uma grande
praça do Mundo de Roma. A população que ali se encontrava os
olhou de uma forma estranha se perguntando de onde viriam e o
que queriam ali.
Elas vinham de um outro local, onde tudo era barulho,
rapidez e confusão: puro caos. Mas não estavam nesse mundo
paralelo à toa, tinham uma missão a ser cumprida. Estavam ali para
explorar novos mundos, entender como as pessoas viviam e como
eram seus espaços, e depois levar essas informações para seu lugar
de origem. O tempo era limitado, tinham apenas duas horas e,
segundo as regras estipuladas, a cada quinze minutos eles teriam de
mudar a direção de seu caminho.
Se encontravam em frente a uma placa que indicava o que
parecia ser um hospital. Seu entorno aparentava ser um local de
transporte para vários mundos, pois dali podiam ver diversas
atividades diferentes acontecendo em cada um dos 7 caminhos. A
pequena Bibi estava com o relógio e seria a líder deles durante
aquela missão. Ela então deu três giros e olhou para onde o
ponteiro dos segundos
apontava: no sentido
das 4h. Como havia um
prédio no caminho,
optaram por seguir a
calçada que o
contornava, mesmo
aquela não sendo a
direção exata apontada.
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Logo nos
primeiros passos se
depararam com muros
altos e carretas
gigantes... quanta
fumaça! A primeira
frase que foi dita pelas
crianças ao entrar
nesse mundo foi: “Que
fedor ”. Andaram um
pouco mais e à sua
esquerda viram o
Abrigo Dom Pedro II, o
que pareceu uma miragem... possuía tantas árvores e parecia tão
tranquilo lá dentro! Mas o relógio mágico não permitia desvios e era
preciso permanecer na rota.
Naquelas calçadas
também havia muito lixo,
com muitas marmitas de
comida. Ah! Lógico! Com
tantos galpões, containers,
carretas e caminhões, óbvio
que os trabalhadores dali se
alimentavam com
marmitas!
Os atributos dessa região,
que em tudo comunicava
sua função de zona operária, iam se formando e caracterizando o
que as crianças chamaram “Mundo dos Caminhões”. Conforme
andavam as crianças foram obrigadas a trocar de lado na rua pois
um fio de energia estava sendo reparado ali. Na outra calçada
haviam grandes galpões, com pouquíssimas janelas e numa dessas
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aberturas, foi possível ver
pessoas jogando xadrez e
sinuca! “Que alívio ver
alguém se divertindo
nesse lugar! ” – Falou uma
das crianças.
Enquanto observavam
mais características do
local, as crianças
continuavam procurando
um acesso à esquerda,
como o relógio tinha direcionado inicialmente, mas as ruas eram
gradeadas e não pareciam querer serem usadas. Atravessaram
também uma praça que possuía cerca e correntes. “Que estranho”
pensaram as crianças, por que espaços públicos seriam fechados
assim?
Finalmente encontraram uma passagem, uma rua que,
apesar de possuir um portão, estava acessível! Viram inclusive um
senhor atravessando o portão, o que os deixou mais confortável de
entrar. Seguiram esse
caminho, que já era
bem diferente da
parte dos caminhões.
Casas com
varandas, várias
pessoas transitando
nas ruas e
finalmente: A Praia!
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E como
estava cheia para
uma terça feira!
Quantas pessoas,
vários restaurantes,
muita música
tocando. O menino
Flavinho quase
aceitou os convites
para permanecer ali
ao som do que
ouviram chamar
“Safadão”. As
meninas tiveram
que arrastá-lo de volta para o percurso.
Neste espaço pitoresco, placas diziam “não aceitamos caixas
térmicas”, “não recarregamos celular, favor não insistir”, o que
revelava o clima despojado e informal dos comércios.
Na praia cheia, as
mesas ocupavam
toda a estreita faixa
de areia, as crianças
brincavam na beira
da água, e os adultos
conversavam
sentados. Quanta
diversão exprimida
nesse pedacinho de
terra, enquanto os
espaços públicos do
Mundo dos
Caminhões estavam
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fechados e vazios!
Os 15 minutos se passaram, mas havia algo de errado, o
relógio apontava na
direção que as
crianças tinham
acabado de
percorrer! Só podia
estar com defeito!
“Bora lá, de volta
pela praia, vamos
observar de novo
esse lugar! ”.
Andaram e andaram
sob os olhares de
pessoas confusas
com a presença
deles ali (vestidos e
de mochilas!) até que chegaram numa ponta da praia que não tinha
mais restaurantes.
A faixa de areia ficou ainda mais estreita e no lugar das
barracas nascia um paredão, tão comprido quanto uma muralha,
sem qualquer saída que pudesse ser vista. Era um local meio
sombrio, mas as crianças estavam dispostas a se arriscar. A pequena
Clarinha, um pouco mais prudente, ficou para trás e logo um dos
Boêmios Comerciantes locais a advertiu que seguir por aquele
caminho seria muito perigoso pois haviam piratas que assaltavam os
passantes, inclusive ele próprio já havia sido vítima de um ataque.
Um pouco assustadas as crianças então recuaram e pediram
direções a esse gentil senhor. Ele indicou que pegassem o beco
anterior, que ficassem tranquilas que por ali seria seguro. As
crianças seguiram seu conselho e entraram no beco, apesar de
acharem que não era um local público. Logo no início já se sentia o
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cheirinho bom de comida sendo preparada. O churrascão
(universalmente conhecido) estava acontecendo no beco mesmo,
vários moradores sentados na porta de casa assistiam jogos
olímpicos e as crianças, apesar de empolgadas com o que estavam
vendo, passavam rápido pelo local porque se sentiam “dentro da
casa” daqueles habitantes. Era como se o beco fosse a sala de estar
daqueles moradores!
De volta à rua dos caminhões eles reparam num cheiro de
comida, nas vendinhas e no piso tátil no chão.
15 minutos,
hora de o relógio
decidir de novo o
percurso! “Aaah
não! De novo pelo
mesmo caminho?!”
As crianças
revoltadas
exclamam e pensam
que aquele relógio
maluco só poderia
ter emperrado para
mandá-las pelo
mesmo caminho
tantas vezes e até se questionam se em algum momento daria certo
essa jornada!
Um pouco desanimadas, porém determinadas, elas dão
meia volta e começam a andar. Resolvem atravessar a rua para
mudar um pouco a perspectiva... e não é que faz efeito? Agora o sol
estava batendo no rosto das crianças e era possível visualizar
melhor os galpões do outro lado da rua. Passam pela praça cercada
e de novo se questionam porque ela estaria vazia. O cheiro de
comida agora vem de um local com nome certo: Plim Plim, a
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barraquinha na calçada. Esse percurso, apesar de repetitivo, foi
bastante proveitoso.
Andando um
pouco mais
apressadamente as
crianças chegam em
mais um espaço de
acessos. Boa Viagem,
era como os locais
chamavam o lugar.
Entrando naquele
espaço, se depararam
com algo muito
diferente. Era só
silêncio. As casas eram
relativamente grandes, muradas e com mais de um pavimento. As
ruas eram esvaziadas, de gente, de carro, de vida.
Estão tão imersos que quase não veem o relógio avisar que
havia passado 15min. Em tempo, veem o ponteiro indicando uma
diagonal entre as 12 e
as 15h. Ok, mais uma
vez o relógio doido
aponta um caminho
bizarro, mas as
crianças já tinham
aprendido a lidar com
aquele “defeito”:
bolaram a regra dos
quadrantes, entre
12:00 e 15h
viraríamos à direita.
Seguiram viagem, e as
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crianças se veem
andando pela
primeira vez no meio
da rua.
Tudo
permanecia calmo
até demais, porque
andar sem pessoas
ao redor começava a
incomodar. Ali havia
praças com cara de
novas, cheias de
equipamentos, mas
sem ninguém.
Chegaram a uma bifurcação onde o relógio apontava para
esquerda, que dava numa ladeira um pouco intimidadora.
Prosseguiram mesmo assim até que começaram a se deparar com
pessoas nas ruas,
andando e conversando
nas calçadas, o que
trouxe alívio depois de
tanto tempo naquele
Mundo Fantasmagórico.
Chegaram, inclusive, a
perguntar a duas
senhoras se seria seguro
permanecer naquele
percurso, ao que, muito
educadamente, elas
responderam que sim e que por ali chegava-se ao Mundo do Senhor
do Bomfim.
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Ao virar uma curva fechada, as crianças se deparam com um
velho ancião em seu veículo desconhecido repleto de ovos, que
gritava para chamar a atenção dos moradores: “OLHA A PICA DO
OVOOOO, OLHA OS OVOOOS”. Um pouco espantadas as crianças
seguem andando
e dando muitas
risadas da tática
de venda do
velho
comerciante.
O percurso leva
a uma enorme,
grande, longa e
íngreme ladeira!
“Affe, que
canseira vai ser
para subir isso”
pensaram as
crianças. Mas se o relógio dizia para seguir aquele caminho, o que
fazer? Conseguiram, com muito esforço, ultrapassar mais esse
obstáculo em sua
jornada.
No topo da ladeira
havia um longo
muro que, segundo
os rumores,
escondia um
hospital.
Chegaram a uma
região de árvores e
mais uma vez o
relógio anunciou
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uma mudança. Seguindo o curso apontado eles avistaram o já
mencionado Mundo do Senhor do Bomfim. Tudo ali parecia ser
dedicado a esse
Senhor, ao menos
era o que diziam as
placas dos
restaurantes,
bares, lojas, praças
e até uma enorme
Basílica no topo de
uma ladeira!
Quando se deram
conta as crianças
estavam na frente
do universalmente
conhecido Colégio
São José! Todas elas, obviamente, já tinham ouvido falar dessa
instituição renomada, mas nunca tinham tido oportunidade de vê-
la.
A redondeza era bem movimentada e agitada, mas de uma forma
bem positiva. As casas
eram bem cuidadas,
com jardins, janelas
bonitas e cores bem
escolhidas.
Os habitantes
andavam nas calçadas
largas, entravam nas
várias lojinhas
existentes e em certo
momento a rua foi
tomada por um
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maravilhoso cheiro de pão, que deixou todas as crianças, que eram
gulosas, com muita fome.
Opa! Já é hora de o relógio apontar um novo caminho! Olha só que
felicidade! O relógio levou as crianças para frente de uma lojinha de
picolé! Não é que esse relógio é mágico mesmo e pode até sentir a
fome desses aventureiros?
Agora bem alimentados eles retomam a sua jornada. Ao sair
daquela rua, eles se viram em um cenário familiar, podiam jurar que
já haviam estado ali! É então que avistam a sua direita a ladeira
onde o ancião gritou “Pica do ovo”, as ruas estavam se cruzando!
Seguindo em frente eles viram o hospital de novo. Cansados e
depois de comer todo aquele açúcar, eles precisavam de um pouco
de água, mas bastou parar na barraquinha que o relógio deu sinais
de vida!
Pela primeira
vez em toda a
missão ele
apontava para
um caminho
viável.
Desceram um
pouco a ladeira
e se deparam
com um lugar
chamado
Pedra Furada.
Viram alguns
restaurantes
com um belo
enquadrament
o do mar, que vista linda!
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Mas no sentido que apontava o relógio não tinha rua,
tiveram que ir pelo
outro lado. As meninas
ficaram meio receosas,
aquele lado não parecia
convidativo. Menino
Flavinho, no entanto,
estava mais otimista,
sinalizando que as
moças que passavam
perto deles os
estranhavam, mas não
os repreendiam! Tudo
bem então. A primeira sensação foi de invasão do espaço alheio,
embora a pouca vista do mar os acalmasse. Depois de atravessar
uma rua cercada de construções informais eles se surpreendem
com a beleza do lugar em que se encontravam agora!
Estavam na baía! Nesse novo mundo havia uma rua que
beirava o mar, apenas com um guarda corpo robusto que separava
a água da via.
As casas eram
coloridas, de
dois andares,
voltadas para a
rua e
consequenteme
nte para o mar.
As pessoas
pareciam
tranquilas
naquele local e
as crianças
foram
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contagiadas pelo espaço.
Um momento de tensão, o relógio avisa os 15 minutos, será
mesmo que teriam de sair dali? Para seu alívio, o relógio lhes
permitiu continuar o percurso, apontando para o forte branco lá no
fim da rua.
Foram mais alguns
momentos de alegria
até chegarem na curva.
Como as coisas
mudaram de repente!
As casas passaram de
simples construções a
grandes sobrados
murados, não tinha
tantas pessoas nas ruas
e policiais vigiavam o
espaço.... Tudo parecia mais elegante, mas não tão livre e
espontâneo como ainda há pouco.
Chegaram finalmente ao forte, lugar conhecido como ponta de
Humaitá. Era o fim da jornada, em breve o relógio os levaria de
volta. Aproveitaram
aqueles últimos
minutinhos apreciando o
local. Quantas
combinações em um só
lugar: turistas tirando
fotos, crianças na parte
rasa da baía, adultos
pulando de uma
plataforma para o fundo
do mar, militares
jogando bola, muita
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gente vivenciando um espaço com tão poucos equipamentos. Só o
mar já era suficiente. “São as pessoas que geram os espaços”,
pensaram as crianças. Haviam passado por tantas experiências,
tantos lugares nunca antes imaginados e pessoas extraordinárias.
Com certeza teriam muito o que contar no retorno para casa.
Como aprendizado final perceberam que a melhor configuração
para espaços públicos é quando os usuários conseguem se apropriar
dele de fato, sem grandes necessidades de recursos sofisticados de
atração. Depois de compreenderem essa lição, as crianças
desapareceram do mesmo jeito que chegaram: como num passe de
mágica.
FIM
Uma aventura por Ana Clara Falcão, Camila Passos, Flávio
Marques, Gabriela Peixoto e Rebeca Bulhões.
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Se esta estória te contagiou, dê uma espiada no
primeiro capítulo do segundo volume deste livro:
...
Era uma vez, em uma aldeia muito longe daqui, um jovem que queria descobrir uma novos lugares. Quando ele chegou lá, encontrou um grande círculo verde em torno do qual giravam caixas pretas completamente agitadas.
Para escapar dessa agitação, ele se aventurou em uma rua fina e com edifícios um pouco altos. Parecia que cada habitante tinha construído a sua casa, mais ou menos no mesmo modelo, algumas tinham dois andares, outras mais. As casas foram todas pintadas de cores diferentes ou cobertas com peças lisas de pedra com padrões. As aberturas foram todas cobertas com grades.
Esta rua não o assustava, cheirava a comida, tinha várias casas pequenas e havia música. Muitos fios de eletricidade se distribuiam na rua acima de nossas cabeças. Ele enxergou grandes tanques azuis e varandas. Uma palmeira estava no fim da rua, ela parecia a rainha desta pista pequena.
Depois de ultrapassar a árvore, um lado da rua mudou de aspecto, pequenas casas feitas através da substituição de grandes edifícios, não eram altos, mas muito grandes. Havia altos muros que estavam mais altos, mais cinzentos.
Quando, de repente, um largo pavimento com muita vegetação surge à sua frente. Havia nele pequenos pergolados vermelhos e casas pequenas novamente o
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rodeava. Continuando o percurso, a redondeza foi se transformando e o número de casa foi diminuindo enquanto surgiam mais jardins que surgiram espontaneamente. A diferença entre a rua e a casa aqui era delineada por grandes paredes ou cercas longas.
Então, no final da rua, ele encontrou-se perante uma parede muito longa, de cores vermelha, branco e azul. O tráfego aqui era intenso, deixando manchas de fumaça preta na rua. As longas grades estavam voltadas para a rua, deixando grandes lacunas entre edifícios e o espaço público. Havia pouco espaço para se caminhar, então ele teve que ziguezaguear entre pequenas barraquinhas de comida antes de retornar ao seu ponto de partida: o grande círculo verde.
Por Sarah Barrilot