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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ ALESSANDRO JÓRIO SALLES SOARES A LEGITIMAÇÃO PARA AGIR NAS AÇÕES COLETIVAS EM DEFESA DO CONHECIMENTO TRADICIONAL ASSOCIADO À BIODIVERSIDADE Rio de Janeiro 2007

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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ

ALESSANDRO JÓRIO SALLES SOARES

A LEGITIMAÇÃO PARA AGIR NAS AÇÕES COLETIVAS EM DEFE SA DO CONHECIMENTO TRADICIONAL ASSOCIADO À

BIODIVERSIDADE

Rio de Janeiro 2007

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ALESSANDRO JÓRIO SALLES SOARES

A LEGITIMAÇÃO PARA AGIR NAS AÇÕES COLETIVAS EM DEFE SA DO CONHECIMENTO TRADICIONAL ASSOCIADO À

BIODIVERSIDADE

Dissertação apresentada como requisito para a obtenção do título de Mestre em Direito pela Universidade Estácio de Sá.

Orientador: Prof. Rogério José Bento Soares do Nascimento

Rio de Janeiro 2007

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A dissertação A LEGITIMAÇÃO PARA AGIR NAS AÇÕES COLETIVAS EM DEFE SA

DO CONHECIMENTO TRADICIONAL ASSOCIADO À BIODIVERSIDADE

elaborada por

ALESSANDRO JÓRIO SALLES SOARES

e aprovada por todos os membros da Banca Examinadora foi aceita pelo Curso de

Mestrado em Direito como requisito parcial à obtenção do título de

MESTRE EM DIREITO

Rio de Janeiro, ____ de____________ de _______.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________

Prof. Dr. Presidente Universidade Estácio de Sá

________________________________________

Prof. Dr. Universidade Estácio de Sá

________________________________________

Prof. Dr. Universidade Estácio de Sá

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Dedico a minha esposa Daniella, luz da minha vida e esteio lúcido dos meus passos.

Aos meus amados pais, Gualtemar e Mariza, pelos sacrifícios realizados em meu benefício, pela dedicação e constante apoio, sempre presentes, dividindo comigo as angústias, decepções, incertezas e conquistas, mostrando-me que não importa o quanto nos sacrificamos, mas, sim, aquilo que realmente conquistamos.

Ao meu irmão Vladimir, pela amizade e companheirismo em todos os momentos da vida.

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Agradeço a Deus, pelo dom da Vida, pelas oportunidades e sabedoria.

Ao professor, Dr. Rogério José Bento Soares do Nascimento, orientador desta dissertação, pelo incentivo, apoio e preciosas contribuições a esta pesquisa.

Aos meus pais, por todos os sacrifícios que fizeram para me proporcionar muito mais do que eles jamais puderam ter.

À minha esposa, cujo auxílio serei sempre grato.

Aos Amigos do escritório e da procuradoria, que supriram minha ausência, propiciando-me a oportunidade ímpar de concluir esta dissertação, na busca de

novos objetivos.

À minha irmã Valexandra, a toda minha família e amigos, pelo constante apoio e incentivo, e, também, a todas as pessoas que, de alguma forma, contribuíram para a

realização deste trabalho.

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RESUMO

A dissertação analisa de uma perspectiva crítica a efetividade do acesso ao patrimônio biológico brasileiro, considerando a existência de um Estado Constitucional Ecológico. A abordagem circunscreveu-se aos meios de garantia dos recursos genéticos e biológicos e aos conhecimentos tradicionais associados em cotejo com a propriedade intelectual. Ressaltou-se o deslocamento do foco de tensão entre a transformação do capital natural em matéria prima de alto valor econômico agregado, permitindo o monopólio dos recursos biológicos, em contraposição aos interesses das comunidades tradicionais. Discutiu-se o acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado defendendo-se bases jurídicas que viabilizam sua necessária proteção, sob a perspectiva de adoção de um regime sui generis, onde restará reconhecido o direito de usufruto às comunidades detentoras de conhecimento tradicional vinculado ao patrimônio genético, com plena fruição do intercâmbio cultural entre estes povos. Teceram-se críticas ao governo brasileiro por ceder a pressões exógenas durante as negociações multilaterais e bilaterais que culminaram com a adoção da atual regulamentação da propriedade intelectual. Por fim, constatou-se o descaso das elites e a negligência do Governo ante a ausência de políticas públicas, permanecendo, até então, as garantias, apenas e tão somente, emolduradas no texto constitucional e documentos internacionais. Propugnou-se neste diapasão por uma ampliação do rol dos legitimados na defesa e proteção do meio ambiente e pela democratização do acesso à justiça ao fundamento da inafastabilidade da prestação jurisdicional.

Palavras-chave : Estado e Meio Ambiente; Biodiversidade; Conhecimento Tradicional; Proteção; Legislação; Legitimação; Acesso à Justiça.

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ABSTRACT The thesis analyses the effectiveness of the access of the Brazilian biological patrimony from a critical perspective considering the fact that the Brazilian Constitution deals with the protection of ecology. The analysis is limited to the means of guarantee of the genetic and biological resources and the traditional knowledge in confrontation to the intellectual property. The paper calls attention to the change of the focus of tension between the transformation of the natural capital into raw material of high economic value what permits the monopoly of biological resources in contraposition to the interests of the traditional communities. The discussion is related to the access of the genetic patrimony and the traditional knowledge defending legal basis that make possible the necessary protection of the said patrimony, under the perspective of using a unique regime in which will be recognized the right to usufruct of the communities that own the traditional knowledge tied to the genetic patrimony with full fruition of the cultural exchange among these peoples. Critics were made against the Brazilian government for surrendering under the external pressure during the multilateral and bilateral negotiations that ended in the adoption of the current regulation of intellectual property. Finally, it was evident the indifference of the elite and the negligence of the government before the absence of public policy, remaining until that moment, the guarantees included in the Constitution and international agreements. The conclusion is to promote an enlargement of the list of the legitimated people that can promote the defense and protection of the environment, as well as the democratization of the access to justice and the obligation of the judicial authorities to deliver its judgment. Keywords : State and environment; Biodiversity; Traditional knowledge; Protection; Legislation; Legitimacy; Access to justice.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.............................................................................................. 12

1.1 DEFINIÇÃO DO PROBLEMA .................................................................... 17

1.2 DEFINIÇÃO DOS OBJETIVOS ................................................................. 19

1.3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS................................................... 20

2 A TUTELA DO PATRIMÔNIO BIOLÓGICO BRASILEIRO ..... .................... 22

2.1 O ESTADO CONSTITUCIONAL ECOLÓGICO ......................................... 22

2.2 A TUTELA DO PATRIMÔNIO BIOLÓGICO BRASILEIRO E A

CIDADANIA AMBIENTAL ................................................................................

23

3 A EVOLUÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ............ ......................... 39

3.1 A EVOLUÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E OS DESAFIOS

FUTUROS........................................................................................................

39

3.2 AS DIMENSÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS............................ 41

3.3 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE PRIMEIRA DIMENSÃO.............. 43

3.4 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE SEGUNDA DIMENSÃO.............. 44

3.5 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE TERCEIRA DIMENSÃO............. 47

3.6 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE QUARTA DIMENSÃO................ 53

4 OS PRINCÍPIOS ESTRUTURANTES COMO NORMA DENSIFICAD ORA

DO ESTADO DE DIREITO AMBIENTAL .................... ....................................

57

4.1 A CARÊNCIA DE NORMATIVIDADE DOS PRINCÍPIOS NA VELHA

HERMENÊUTICA E SEU CARÁTER MERAMENTE PROGRAMÁTICO........

57

4.2 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. E SUA

VINCULAÇÃO COM OS DIREITOS FUNDAMENTAIS...................................

65

4.3 DUPLO CARÁTER DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E A TEORIA

DO STATUS NO ESTADO CONSTITUCIONAL DE DIREITO.........................

72

4.3.1 Estado e Direito............................. ....................................................... 72

4.3.2 A Teoria do Status........................... .................................................... 80

4.4 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS ESUAS DIFERENTES FUNÇÕES:

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DIREITOS DE DEFESA; GARANTIAS POSITIVAS DO EXERCÍCIO DAS

LIBERDADES; DIREITOS ÀS PRESTAÇÕES POSITIVAS; NORMAS DE

PROTEÇÃO AOS INSTITUTOS JURÍDICOS E AO PROCEDIMENTO..........

81

4.5 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE COMO INSTRUMENTO

DE COMPATIBILIDADE DOS FINS CONSTITUCIONAIS E A PROIBIÇÃO

DE PROTEÇÃO DEFICIENTE.........................................................................

83

5 O DEVER DE PROTEÇÃO DO ESTADO EM FACE DA BIOPIRAT ARIA 88

5.1 BIOPIRATARIA............................................................................................ 88

5.2 A SUBMISSÃO DO ESTADO AO DIREITO........................................... 98

6 CONHECIMENTO TRADICIONAL ASSOCIADO À BIODIVERSIDA DE:

UMA NOVA ESPÉCIE DE PROPRIEDADE INTELECTUAL? ...... .................

103

6.1 EM DEFESA DA BIODIVERSIDADE..................................................... 103

6.2 O PROJETO DE LEI 306/95....................................................................... 109

6.3 O ABUSO DO PODER DE LEGISLAR....................................................... 116

6.4 CRÍTICA À REGULAMENTAÇÃO DA PROPRIEDADE INTELECTUAL

NO BRASIL.......................................................................................................

119

6.5 O PROCESSO LEGISLATIVO DA LEI 9.279, DE 14 DE MAIO DE

1996 .................................................................................................................

124

7 A LEGITIMAÇÃO PARA AGIR NAS AÇÕES COLETIVAS EM DE FESA

DO MEIO AMBIENTE .................................. ...................................................

136

7.1 O DIREITO AO ACESSO À JUSTIÇA AMBIENTAL............................. 138

7.2 NATUREZA JURÍDICA DA LEGITIMAÇÃO NAS AÇÕES COLETIVAS 138

7.3 OS LEGITIMADOS PARA PROPOSIÇÃO DE AÇÕES COLETIVAS

EM DEFESA DO MEIO AMBIENTE.................................................................

141

7.4 A LEGITIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA DEFESA DO MEIO

AMBIENTE.......................................................................................................

145

7.5 A INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA AÇÃO POPULAR 148

7.6 A LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO MANDADO

DE INJUNÇÃO COLETIVO......................................................

149

7.7 O MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO E A ATUAÇÃO DO

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MINISTÉRIO PÚBLICO................................................................................. 151

7.8 O CONTROLE CONCENTRADO E DIFUSO DE

CONSTITUCIONALIDADE E A LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO

E DE OUTROS LEGITIMADOS ......................................................................

152

7.9 ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO

FUNDAMENTAL E A LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO................

156

7.10 A LEGITIMAÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES E SINDICATOS..................... 156

7.11 A LEGITIMAÇÃO DO INDIVÍDUO NA DEFESA DO MEIO AMBIENTE 156

CONCLUSÃO.......................................... ......................................................... 163

REFERÊNCIAS................................................................................................ 170

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LISTA DE SIGLAS

ADIn – Ação Direta de Inconstitucionalidade

ADPIC – Aspectos do Direito da Propriedade Intelect ual Relacionados com o

Comércio

BIRD – Banco Mundial

CBD – Convenção sobre Diversidade Biológica

CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente

CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura

CPIC – Direitos de Propriedade Intelectual Coletivo

DPI – Direitos de Propriedade Intelectual Relaciona dos ao Comércio

FMI – Fundo Monetário Internacional

GIARD – Grupo Interministerial de Acesso aos Recurs os Genéticos (GIARG)

IBM – International Business Machines

IDCID – Instituto Brasileiro de Direito do Comércio Internacional

IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor

IPC – Intelectual Property Comittee

GATT – General Agreement on Trade and Tariffs

OIC – Organização Internacional do Comércio

OMC – Organização Mundial do Comércio

OMPI – Organização Mundial de Propriedade Intelectu al

ONG’s – Organização não-governamentais

PIB – Produto Interno Bruto

SISNAMA – Sistema Nacional do Meio Ambiente

STF – Supremo Tribunal Federal

TID – Tecnologia da Informação e Desenvolvimento

UNICE – Union of Industrial and Employees Confederations

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho objetiva alcançar os contornos e apanágios do direito

fundamental ambiental, notadamente, no que se refere ao acesso ao patrimônio

genético brasileiro e ao conhecimento tradicional associado, e suas imbricações com

a lei de propriedade intelectual.

Ao lado deste propósito, é intuito analisar o dever de proteção do Estado,

juntamente, com a cláusula de proibição de proteção deficiente.

O processo reflexivo que impulsiona o trabalho residirá sobre dois enfoques: a) a

visão tecnológica, tomando por base os avanços da moderna biotecnologia e sua

função transformadora; b) o aspecto jurídico, lastreado no plano normativo

constitucional, econômico, social e filosófico, buscando-se o entrelaçamento desses

matizes por meio da força normativa da Constituição, tendo como pilares o Estado

Democrático de Direito, especialmente, no que tange aos direitos fundamentais à

vida, à dignidade da pessoa humana, à saúde, ao bem-estar.

A disciplina do Direito Ambiental ganhou especial relevo nas últimas três décadas,

sobretudo a partir da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente,

realizada, em 1972, em Estocolmo. A sua vinculação estreita com o bem-estar da

civilização o elevou à condição de norma constitucional com a promulgação da

Constituição da República Federativa do Brasil1, em 1988.

Tem-se como marco mais importante do Direito Ambiental a Conferência das

Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO/92), realizada no

Rio de Janeiro, em 1992.

Na ocasião, diversos documentos extremamente importantes foram aprovados,

dentre eles a Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD), onde se estabeleceram

normas e princípios que devem reger o uso e a proteção da diversidade biológica

dos países subscritores daquele documento. Até hoje, a Convenção sobre

1 BRASIL. Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.

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Diversidade Biológica recebeu assinatura de 175 países, sendo que 168 países a

ratificaram.

Além de sua importância como fórum global de discussões, a Rio-92 estimulou o

debate ambiental na sociedade brasileira, gerando novos compromissos de grande

magnitude, que entraram na pauta das exigências a serem cobradas no futuro.

O processo de constitucionalização, do Direito Ambiental, assumiu o reconhecimento

definitivo com a terceira dimensão dos direitos fundamentais que, ao contrário dos

direitos da primeira dimensão, considerados como garantias do indivíduo diante do

Estado, e os de segunda dimensão, caracterizados pelo traço prestacional que o

Estado deve ao indivíduo, sua fundamentalildade reside, sobretudo, no fato do bem

jurídico tutelado por esta dimensão de direitos ser de fundamental importância para

a sobrevivência da humanidade, caracterizados como um direito-dever,

estabelecendo, concomitantemente, entre o destinatário de sua titularidade a

garantia de um ambiente ecologicamente equilibrado e o dever deste titular de

preservá-lo.

O direito ao meio ambiente diferencia-se de um direito individual ou de um direito

social na medida em que a obrigação a que ele corresponde não é apenas dever

jurídico do Estado, mas, também, do próprio particular, que é seu titular.

Torna-se evidente, que o direito ao meio ambiente, como direito da terceira geração,

consubstanciado na vinculação de interesses públicos e privados, redunda em

verdadeira noção de solidariedade em torno do bem comum. Em suma, o direito ao

meio ambiente está fundado na solidariedade social, pois só terá efetividade com a

colaboração de todos. Não cabe apenas ao Poder Público zelar pelo meio ambiente

sadio, mas toda a coletividade tem o dever de protegê-lo e preservá-lo para as

presentes e futuras gerações, como estabelece o caput do art. 225 da Constituição

Federal.

Em rigor, ao vincular o direito ao meio ambiente à dignidade da pessoa humana,

mediante a consagração de um direito fundamental da terceira geração, reconhece-

se, devidamente, a dimensão ético-jurídica das questões ambientais, e afastam a

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posição mais singular e radical de uma visão ambiental totalitária, voltada para a

proteção maximalista do meio ambiente em detrimento de outros direitos

fundamentais.

No entanto, o tencionamento existente no cenário internacional, especificamente,

entre a Convenção sobre Diversidade Biológica e o Tratado Internacional Trade

Related Intellectual Property Rights (TRIPs)2, resultante da Rodada do Uruguai do

General Agreement on Trade and Tariffs / Acordo Geral de Tarifas e Comércio

(GATT)3, sinaliza que a controvérsia ambiental está longe de sua fase conclusiva.

Enquanto a CDB propõe regras que assegurem a biodiversidade, por meio do uso

sustentável, e com justa repartição dos benefícios decorrentes do uso econômico

dos recursos genéticos existentes no território dos países signatários, o TRIPs ou

Tratado Sobre Direitos de Propriedade Intelectual Relacionado ao Comércio

Internacional, que não decorreu de negociações democráticas, ressalta,

primordialmente, os interesses comerciais dos países industrializados, que agiram

naquele fórum com contundência exercendo pressões de toda ordem sobre os

países periféricos.

O Brasil não ficou imune às pressões, sofreu retaliações dos Estados Unidos, tanto

no plano multilateral quanto no bilateral, cedendo em ambos os casos.

O Brasil aquiesceu com as regras estabelecidas no TRIPs, que visa homogeneizar

as diversas legislações nacionais existentes sobre propriedade intelectual, em claro

indicativo de uma tendência de globalização dos registros de marcas e patentes dos

142 países membros da Organização Mundial do Comércio (OMC). 2 O Acordo TRIPs é um tratado Internacional, integrante do conjunto de acordos assinados em 1994 que encerrou a Rodada Uruguai e criou a Organização Mundial do Comércio. Também chamado de Acordo Relativo aos Aspectos do Direito da Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio (ADPIC), tem o seu nome como resultado das iniciais em inglês do instrumento internacional. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Acordo_TRIPs>. Acesso em: 15 set. 2006. 3 Estabelecido após a Segunda Guerra Mundial, momento de grande desequilíbrio econômico, o GATT foi assinado em 1947, originalmente, por 23 países, passando a vigorar a partir de 1948, com o intuito de impulsionar, rapidamente, a liberação do comércio internacional. Foi concebido em caráter de emergência e na dependência da criação da Organização Internacional do Comércio (OIC). O GATT foi concluído com o objetivo de promover o comércio internacional e, com o importante reconhecimento, pelos seus signatários, de que as relações entre os Estados, no campo econômico e comercial, devem ser conduzidas de forma a aumentar a qualidade de vida de seus cidadãos, promover o pleno emprego, o crescimento das receitas e das demandas, desenvolvendo a utilização dos recursos e expandindo a produção e troca de bens. Nesse sentido, o GATT representou uma importante alavanca propulsora do comércio internacional e contribuiu, indiscutivelmente, para o desenvolvimento de suas Partes-Contratantes e da sociedade internacional. O GATT foi sendo, gradativamente, atualizado e aprimorado através das sucessivas rodadas de negociações comerciais que se realizaram, ao longo de sua existência.

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O ponto mais controvertido do TRIPs é, sem dúvida, permitir o direito de propriedade

intelectual sobre microorganismos, processos não-biológicos e microbiológicos.

No plano interno, conforme já dito, o Brasil, de igual modo, cedeu às pressões

exercidas pelos Estados Unidos, sob a alegação de obsolescência e insuficiência da

legislação então em vigor a proteger a propriedade intelectual.

O Presidente Fernando Collor de Mello, pressionado pelos interesses norte

americanos, encaminhou proposta, por meio do Projeto de Lei n.º 824/91, de

modificação da legislação brasileira sobre propriedade industrial, expressão genérica

da qual a concessão de privilégio de patentes é espécie.

A tramitação do Projeto de Lei n.º 824/91 no Congresso Nacional, se deu de modo

inusitado, mediante incessante pressões, sendo, aprovado e convertido na Lei n.º

9.279/96, que deu novo tratamento à propriedade industrial.

À seu turno, a legislação pertinente à proteção do conhecimento tradicional

associado, isto é, os direitos de propriedade intelectual das comunidades indígenas

e comunidades locais, contra a utilização e exploração ilícita e outras ações lesivas

ou não autorizadas, até a presente data é regulamentada de maneira precária por

Medida Provisória, encaminhada pela Casa Civil ao Congresso Nacional, que

ignorando a existência de outros projetos de lei em trâmite, devidamente, discutidos

e debatidos com todos seguimentos da sociedade civil organizada, impôs seu ponto

de vista unilateral em um flagrante abuso do poder de legislar.

A relevância da regulamentação desta matéria, que envolve a proteção jurídica da

biodiversidade brasileira, tem potencialmente o condão de influir na diretriz a ser

trilhada pelo Brasil de adentrar, no futuro, ao seleto grupo das nações

desenvolvidas.

A biotecnologia transmuta-se em poder, pelas suas inúmeras possibilidades, no que

tange à terapia por meio de novos medicamentos e formas novas e mais resistentes

de sementes, sendo o vetor apto a impulsionar o Brasil rumo ao desenvolvimento.

Todavia, é, exatamente, essa perspectiva a causa da cobiça dos países

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desenvolvidos, que procuram flexibilizar a legislação pertinente ao acesso do

patrimônio genético, em um país detentor de uma megadiversidade biológica como o

Brasil.

Neste particular, a Convenção sobre Diversidade Biológica, em seu art. 15, § 1º,

assegura a titularidade e direitos soberanos dos Estados sobre seus recursos

naturais.

À guisa de informação, revela consignar que o Congresso norte-americano, até a

presente data, recusa-se a ratificar a Convenção sobre Diversidade Biológica, por

forte pressão das empresas biotecnológicas, que não pretendem intermediar

material genético melhorado, com os países onde as espécies foram recolhidas.

Por meio do art. 225, § 1º, da Constituição Federal, o constituinte outorgou ao Poder

Público o dever de preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do

País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação do material

genético.

O comando deste dispositivo constitucional contém diretriz a ser obedecida

cogentemente, devendo o Poder Público adotar as medidas administrativas

necessárias à proteção do meio ambiente, sob pena de responsabilidade civil.

Entretanto, em nome da discricionariedade administrativa e da reserva do possível, o

que se nota é o descaso do Poder Público em relação às nossas riquezas naturais,

bem como uma tímida atuação do Poder Judiciário em dar concretude ao referido

dispositivo constitucional. Este óbice importa em fazer letra morta a uma garantia

fundamental, a qual o Poder Público encontra-se vinculado.

Visto que a reflexão teórica acumulada, ao logo de séculos, conferiu ao Estado o

monopólio do poder de polícia, esta tarefa não pode ser relegada a terceiros.

Destarte, o acesso à justiça em matéria ambiental é tema de relevância, que ocupa a

agenda de debates de diversos seguimentos da sociedade nacional e internacional.

Não faz sentido, apenas, o reconhecimento de direitos, indispensável se faz à

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proteção destes direitos, com instrumentos adequados a viabilizar com plenitude, de

forma justa, célere e acessível os litígios postos perante o Estado-juiz.

O Estado, por intermédio do monopólio de sua jurisdição estatal, tem a obrigação de

criar as condições para que toda lesão ambiental obtenha solução e resposta em

face do direito infringido.

Destarte, por tratar-se de interesses difusos, a legitimação do indivíduo em defesa

do ambiente, merece reflexão dos operadores do direito, com vistas a ampliação do

rol dos legitimados, a exemplo do acontece em outros países. Não se olvide que a

Constituição Federal garante o princípio da inafastabilidade da prestação

jurisdicional, o que está, intimamente, ligado com o acesso à justiça, quanto maior

for sua amplitude subjetiva, maior será a proteção material.

Nesta senda, impõe-se a ruptura dos cânones tradicionais do Processo Civil, ligados

à dicotomia entre interesse público e privado, à ampliação da legitimidade

postulatória, à fixação de novos rumos e diretrizes, aptos a atender uma sociedade

de massa, em que as soluções dos conflitos dizem respeito a toda coletividade. A

atualidade reclama mecanismos de solução diferenciados do modelo clássico. A

lesão ao meio ambiente é de caráter difuso, daí a impossibilidade de determinação

efetiva dos que teriam sido afetados pela lesão ocorrida.

À toda evidência, o acesso à justiça para proteção do meio ambiente é direito

fundamental, no entanto, a utilização da ação popular, como instrumento de defesa

ambiental, apresenta obstáculos que só poderão ser transpostos mediante a

modernização e reestruturação do direito processual civil.

1.1 DEFINIÇÃO DO PROBLEMA

As abordagens dos estudos sobre a insuficiência de legislação específica à proteção

da biodiversidade brasileira, e a função protetora do Estado, é essencialmente

descritiva. Além disso, essa descrição enfatiza, fundamentalmente, as

conseqüências possíveis da insuficiente regulamentação. Em outros termos, o

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problema se restringe à descrição das conseqüências da insuficiência normativa à

proteção do bem jurídico de uso comum do povo.

Nesta seara, será analisada a legislação pertinente à propriedade intelectual e a

sua associação aos modos de produção vigentes, que caracterizam a natureza do

desenvolvimento socioeconômico. Noutros termos, o objetivo é analisar o processo

de gêneses da legislação, tomando por base as demandas e as pressões exercidas

sobre o Estado Brasileiro.

O fundamental é elaborar essa caracterização de forma sistemática e contrastá-la

com as novas formas de regulamentação da biotecnologia, que envolvem os

fundamentos constitucionais da proteção ambiental; a Convenção sobre Diversidade

Biológica; os princípios que foram fixados pelo TRIPs e foram recepcionados pela

legislação brasileira; os aspectos intrigantes do processo legislativo que instituiu a

Lei n.º 9.279/96, dando nova redação ao Código de Propriedade Industrial; e o

Conhecimento Tradicional Associado, regulamentado pela Medida Provisória n.º

2.186-16, de 23.08.2001.

Por conseguinte, trata-se do Direito da biodiversidade e de sua importância dentro

do cenário nacional e internacional. A questão é discutida por meio da apresentação

das perspectivas legais e práticas sobre o desenvolvimento de uma opção sui

generis para proteger a biodiversidade cultural e biológica, oriundas dos povos

indígenas e das comunidades locais, posto que, é crescente o interesse de

organizações e empresas transnacionais no aproveitamento, nem sempre de forma

lícita, dos sistemas de conhecimento indígenas sobre a biodiversidade e os recursos

genéticos, sem que haja qualquer retorno financeiro para o País.

A este fato convencionou-se chamar de biopirataria, urgindo que se concretizem no

plano interno os princípios da Convenção da Diversidade Biológica, em contraponto

com o que determina o Acordo TRIPs, que possibilita a apropriação por propriedade

intelectual de recursos genéticos.

Portanto, a regulamentação do acesso ao patrimônio genético brasileiro carece de

um arcabouço legal, com mecanismos aptos a coibir crimes ambientais, bem como,

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políticas públicas preventivas, que salvaguardem esse direito às presentes e futuras

gerações.

Hoje, sob o signo do Estado Democrático de Direito, conquistado ao longo de um

sangrento processo revolucionário, delineou-se a atual função do Estado, não mais

sob a visão dicotômica do bem e do mal, mas sob o prisma de um Estado tendente a

transformar a insegurança em segurança. Portanto, o Estado garantidor deve,

necessariamente, fazer valer sua autoridade como veículo de promoção e proteção

da coletividade e das instituições democráticas, pressupondo, nesta concepção,

uma unidade constitucional aberta, e a cláusula de proibição de proteção deficiente.

1.2 DEFINIÇÃO DOS OBJETIVOS

O objetivo geral deste trabalho consiste em caracterizar a tutela do patrimônio

biológico brasileiro, partindo da garantia conferida constitucionalmente ao meio

ambiente.

A realização desse objetivo permite desenvolver as seguintes proposições: o Direito

Ambiental enquanto matéria constitucional positivada na Carta de 1988, que o

recepcionou em seu artigo 225 sob a epígrafe “Do Meio Ambiente” (Título VIII,

Capítulo VI); o arcabouço normativo fruto de tratados multilaterais, e a legislação

infraconstitucional nacional, como pressupostos básicos de um desenvolvimento

auto-sustentável.

A disciplina jurídica da tutela do meio ambiente se origina a partir dos avanços e

conquistas na senda internacional do pós-guerra, que só foram possíveis mais pelo

fruto de pressão legal, do que por uma consciência espontânea.

Deve-se ressaltar que o meio ambiente sempre foi visto subordinado às

necessidades do homem, e não pelos seus valores inatos. Esta visão

antropocêntrica, que vinculava o bem estar do homem à existência do meio

ambiente, tende a mudar, gradativamente, de rumo em direção à proteção do meio

ambiente pelos seus valores intrínsecos.

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Ressalta-se a complexidade da disciplina jurídica ambiental, que não comporta

interpretação hermética. A perspectiva do direito ambiental irradia-se desde os

direitos fundamentais, passando pelo influxo da globalização, que reclama do

operador do Direito uma reflexão acerca dos fenômenos que transformam a

estrutura da sociedade organizada.

Cabe ressaltar, que a democracia ambiental se edifica com a participação efetiva de

todos. A consecução plena das funções do Estado Ambiental de Direito, só será

possível com o acesso amplo a um Judiciário independente, que não pode se furtar

na entrega da tutela jurisdicional ambiental ao argumento de discricionariedade

administrativa ou de reserva do possível. O exercício de um juízo de ponderação

valorativo revelará sempre o bem jurídico a ser tutelado.

1.3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A pesquisa empírica, que fundamenta o desenvolvimento analítico deste trabalho,

baseou-se: (a) no subsistema jurídico constitucional ambiental, aquele contido

especificamente no texto constitucional; (b) nos tratados internacionais, a partir de

sua recepção pelo sistema jurídico nacional brasileiro; (c) nos princípios e normas

constitucionais inscritos no texto constitucional pátrio, levando-se em consideração o

fenômeno do metaconstitucionalismo e sua interface com os demais ordenamentos

e pontos de contato; (d) no ordenamento jurídico infraconstitucional.

Outra dimensão relevante, do levantamento e análise deste trabalho, constitui na

pesquisa e obtenção de documentos junto às principais Organizações não

Governamentais ligadas à problemática que envolve o meio ambiente. Tais

documentos foram analisados e, com base nessa análise, foram desenvolvidos os

argumentos que estruturaram as proposições defendidas.

Além destes documentos, oriundos das Organizações não-governamentais (ONG’s),

foram coletados discursos nos Anais do Senado Federal, referentes ao processo de

tramitação do projeto, que resultou na aprovação da atual Lei de Propriedade

Industrial (Lei 9.279/96), bem como levantamento de artigos em periódicos (jornais e

revistas). Como outra estratégia complementar para obtenção das informações,

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foram garimpados Acórdãos dos Tribunais Superiores, vertentes sobre matéria

ambiental, além de doutrina balizada acerca do tema.

Tendo como referência esse material de pesquisa, o problema em questão foi

analisado a partir de duas matrizes analíticas, plenamente, articuladas e

complementares:

1. Uma especificamente jurídica, adstrita ao campo do direito ambiental. O estudo

desta matriz foi desenvolvido com base em uma investigação, cujo direcionamento

constitui na ênfase do Direito Constitucional Ambiental, vinculado aos tratados

internacionais, a partir de quando integraram o sistema jurídico brasileiro, com

objetivo principal de manter a interdisciplinaridade do subsistema jurídico

constitucional ambiental com os diversos ramos do Direito. Enfim, a partir da

abordagem sistêmica é que será possível verificar, concretamente, a relação

existente entre o subsistema constitucional ambiental e o Direito como um todo.

2. A outra matriz que direcionou a análise do problema insere-se no âmbito

sociopolítico, cuja finalidade foi contextualizar a insuficiência da legislação existente

à proteção da diversidade biológica brasileira e a ausência de políticas públicas na

área ambiental, e seus reflexos econômicos e sociais.

Da análise objetiva do conteúdo deste material empírico, e seu respectivo tratamento

teórico, espera-se oferecer alguma contribuição ao debate no Brasil sobre este tema,

que se encontra distante de uma solução conclusiva.

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2 A TUTELA DO PATRIMÔNIO BIOLÓGICO BRASILEIRO

2.1 O ESTADO CONSTITUCIONAL ECOLÓGICO

A reflexão que nos propomos levar a cabo, neste tópico, guarda relação com a

consagração do direito ambiental como um direito constitucional fundamental, bem

como suas imbricações com fatores econômicos, sociais, culturais e políticos, e a

interatividade destes fatores e seus efeitos, diretos ou indiretos, sobre a tutela

constitucional do Patrimônio Biológico Brasileiro.

Para tanto, nos limitaremos na abordagem do acesso aos recursos genéticos e

biológicos e aos conhecimentos tradicionais associados, em cotejo com a

propriedade intelectual , que busca conferir, por meio de patentes, titularidade

exclusiva aos detentores de invenções derivadas ou apoiadas na possibilidade de

patenteamento de microorganismos vivos e sobre os direitos intelectuais coletivos.

Mister centramos o enfoque deste estudo na biodiversidade 4 brasileira e no

paradigma técnico-econômico, que desloca o foco de tensão do velho extrativismo

predatório para as novas possibilidades que se descortinam juntamente com a

engenharia genética e o controle tecnocientífico5, transformando o capital natural em

4 Diversidade biológica ou biodiversidade são expressões que se referem à variedade da vida no planeta, ou à propriedade dos sistemas vivos de seres distintos. Engloba as plantas, os animais, os microrganismos, os ecossistemas e os processos ecológicos em uma unidade funcional. Pode ser expressada em três níveis: diversidade de genes, de espécies e de ecossistemas. A biodiversidade pode ser apreciada pelo número (riqueza) de diferentes categorias biológicas e pela abundância relativa dessas categorias; e também pela variabilidade no nível local, pela complementaridade biológica entre habitats e variabilidade entre paisagens. Biodiversidade inclui, portanto, a totalidade dos recursos vivos, ou biológicos, e dos recursos genéticos, e seus componentes. (DIAS, Bráulio F. de Souza. Projeto do Executivo Federal para regulamentar o acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado e a repartição de benefícios derivados de sua utilização. In: WORKSHOP ACESSO AOS RECURSOS BIOLÓGICOS: ASPECTOS TÉCNICOS, LEGAIS E ÉTICOS, 1999, São Paulo. Anais eletrônicos... Disponível em: <http://www.bdt.fat.org.br/sma/probio/anais/painel3>. Acesso em: 02 ago. 2005. 5 Tecnociência é o neologismo defendido por Ulrich Beck para determinar que não há mais a separação da ciência – como desenvolvimento da pesquisa básica – da tecnologia – como aplicação. No campo da genética, como defende o autor, a tecnologia necessariamente está sendo aplicada no momento da pesquisa básica: “Antigamente valia o princípio – lembro neste contexto a Lógica da descoberta científica de Karl Popper: primeiro a teoria, primeiro o experimento, depois a aplicação. Na tecnologia genética temos implementação como experimento. Deve-se aplicar, implementar, para que a teoria, os modelos de genética humana possam se verificados. Se analisarmos isso em perspectiva sistemática, isso significa, no caso da genética humana, que a própria sociedade se transformou em laboratório. As fronteiras entre a sociedade e o laboratório foram suspensas.” BECK, Ulrich. Sobre a incompreendida falta de experiência da genética humana – e as conseqüências sociais do não-saber relativo. In BONI, L Alberto de; JACOB, G.; SALZANO, Francisco (Org.). Ética e genética. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1998. p. 52 (Cf. LEITE, José Rubens Morato. et. al. Estado de Direito Ambiental: Tendências – Aspectos Constitucionais e Diagnósticos. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 37)

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matéria prima de alto valor econômico agregado, tornando assim possível o

monopólio dos recursos biológicos.

2.2 A TUTELA DO PATRIMÔNIO BIOLÓGICO BRASILEIRO E A

CIDADANIA AMBIENTAL

Do ponto de vista legal a questão atinente ao meio ambiente tem como marco

jurídico a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano,

realizada em Estocolmo, em 1972, reconhecendo em termos solenes o direito

fundamental ao ambiente ao proclamar que “o homem tem o direito fundamental

à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas em um

meio ambiente de qualidade tal que lhe permita leva r uma vida digna e gozar

de bem-estar, tendo a solene obrigação de proteger e melhorar o meio

ambiente para as gerações presentes e futuras” 6, conferindo a estes postulados

status de direitos constitucionais.

Para José Afonso da Silva7, a Declaração de Estocolmo “abriu caminho para que as

constituições supervenientes reconhecessem o meio ambiente

ecologicamente equilibrado como um direito fundamental entre os direitos sociais do

homem, com sua característica de direitos a serem realizados e direitos a não serem

perturbados”.

Nesses moldes, acrescenta o Autor:8

[...] o que é importante (...) é que se tenha a consciência de que o direito à vida, como matriz de todos os demais direitos fundamentais do Homem, é que há de orientar todas as formas de atuação no campo da tutela do meio ambiente. Cumpre compreender que ele é um fator preponderante, que há de estar acima de quaisquer outras considerações como as de desenvolvimento, como as de respeito ao direito de propriedade, como as da iniciativa privada. Também estes são garantidos no texto constitucional, mas a toda evidência, não podem primar sobre o direito fundamental à vida, que está em jogo quando se discute a tutela da qualidade do meio ambiente.

6 Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano – Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano. Estocolmo, 1972. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/doc/estoc72.htm>. Acesso em: 01 set. 2006. 7 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional . 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 59. 8 Idem, ibidem, p. 59.

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É que a tutela da qualidade do meio ambiente é instrumental no sentido de que, através dela, o que se protege é o valor maior: a qualidade da vida.

De fato, o conteúdo destes postulados foi observado, por diversas constituições do

pós-guerra, ganhado status de norma constitucional. A Constituição brasileira de

1988 reconheceu o direito ao meio ambiente, conforme se verifica em vários

dispositivos constitucionais.

De imperiosa menção, o art. 225, caput, da Constituição Federal, impõe “ao poder

público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente para as

presentes e futuras gerações”. O inciso I do § 1º tem por finalidade, “preservar e

restaurar os processos ecológicos essenciais e promover o manejo ecológico das

espécies e ecossistemas”. Por sua vez, o inciso II do § 1º incumbe ao poder público

o dever de “preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e

fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético”.

Tais preceitos traduzem a sua abrangência, constituindo prerrogativa jurídica de

titularidade coletiva sob a forma de direito fundamental.

Para a análise das normas constitucionais é preciso verificar o conteúdo do artigo

225 da Constituição Federal e seus inúmeros desdobramentos: incumbências,

deveres e obrigações, de todos e de cada um, do Estado e da sociedade, no

desiderato da preservação ambiental.

Dentre as normas fundamentais sobre meio ambiente, segundo o ensinamento de

Raul Machado Horta9, existem dois grupos distintos: as auto-aplicáveis e as não-

auto aplicáveis, dotadas de eficácia e obrigatoriedade, embora dependentes de

complementação legislativa.

Para Horta10, o grupo de normas fundamentais auto-aplicáveis inerentes ao meio

ambiente, está elencado no seguinte texto:

9 HORTA, Raul Machado apud SIMÕES FILHO, Geraldo Vieira. Legislação Ambiental Brasileira: Conceito e Natureza. Artigo – Departamento de Direito da Universidade Federal do Espírito Santo. Disponível em: <http://www.npj.ufes.br/Banco_de_dados/Produ%C3%A7%C3%A3o_intelectual/PI-P-001.htm>. Acesso em: 03 out. 2006. 10 Op. cit.

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[...] a declaração programática de que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (art. 225, caput, CF/88); - as incumbências do Poder Público para assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado: o preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e promover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; o preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do país e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; o definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos; o controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida e o meio ambiente; o promover a educação ambiental em todos os níveis e a consciência política para a preservação do meio ambiente; o proteger a fauna e a flora (art. 225, § 1º, I, II, III, V, VI, e VII); sanções penais e administrativas, independente da obrigação de reparar os danos causados, para as condutas consideradas lesivas ao meio ambiente.

Insere-se no conjunto de normas não-autoaplicáveis, segundo o Autor11:

[...] alteração e supressão, de espaços territoriais e seus componentes, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; exigência de estudo prévio de impacto ambiental, na forma da lei, para instalação de obras ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente; vedação, na forma da lei, das práticas que coloquem em risco a função ecológica da fauna e da flora e provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade; exploração de recursos minerais com a obrigação de recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução exigida pelo órgão público competente, na forma da lei; localização das usinas que operam com reator nuclear, definidas na forma da lei; utilização, na forma da lei, da Floresta Amazônica brasileira, da Mata Atlântica, da Serra do Mar, do Pantanal Mato-Grossense e da Zona Costeira, consideradas patrimônio nacional, fazendo-se essa utilização dentro das condições que assegurem a preservação do meio ambiente e dos recursos naturais.

É de relevo abrirmos um breve parêntese para transcrição do pensamento de Horta,

influenciado pela obra de Vezio Crisafulli para quem “não se pode fazer distinção

baseada na existência de normas de eficácia programática ou diretiva e normas de

eficácia obrigatória, em razão de todas as normas constitucionais serem obrigatórias

em Constituições rígidas. É que a separação entre normas constitucionais,

meramente diretórias, esfacelaria a Constituição, retirando dela uma parte

fundamental”.12

11 Op. cit. 12 CRISAFULLI, Vezio. La Costituzione e lê sue disposizioni di principio. Milão: Dott. A. Giuffrè Editore, 1952 apud HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional . 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1999. p. 194.

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No mesmo diapasão, Paulo Bonavides13, estudando Carl Schmit, observa:

A questão da positividade das normas programáticas é tão importante que conduz não raro a perplexidades ou paradoxos, como aqueles referidos por Carl Schmitt com respeito aos Direitos Fundamentais, onde a programaticidade das Constituições sempre teve uma de suas moradas certas. Diz ele que, quanto mais fundamental o direito da liberdade, mais fraco e inerente se revelará, enquanto, ao revés, disposições de teor material secundário, periférico e fortuito, lograrão altíssima eficácia e o mais súbito e sacrossanto caráter de direito fundamental (reporta-se Schmitt à Constituição de Weimar e ao povo alemão), com graves danos para o sistema e o princípio central de uma Constituição, posta assim de cabeça para baixo, em matéria de direitos fundamentais (Carl Schmitt, ob cit., p. 604). Geralmente, acontece isso também com as normas programáticas, as quais, quando se lhes recusa juridicidade, se convertem em elementos com que facilmente se pode corromper e desintegrar a ordem constitucional, após a desvalorização e o desprestígio da Constituição.

Entretanto, a prova cabal do desprestígio às normas programáticas ambientais,

incertas no texto constitucional, afere-se da epidêmica proliferação legislativa, após

a promulgação da Constituição Federal de 1988 acerca do tema, com edição de leis

complementares, leis ordinárias, decretos, resoluções, portarias, instruções

normativas, nem sempre em consonância com o princípio fundamental ambiental.

Para exemplificar, relacionamos algumas delas: Lei n.º 7.661/88 – Institui o Plano

Nacional de Gerenciamento Costeiro; Lei n.º 7.735/89 – cria o IBAMA; Lei n.º

7.766/89 – dispõe sobre o ouro e seu tratamento como ativo financeiro, bem como

seu tratamento tributário; Lei n.º 7.802/89 – dispõe sobre o uso de agrotóxicos na

produção agrícola ou florestal; Lei n.º 7.805/89 – dispõe sobre extração mineral; Lei

n.º 7.886/89 – regulamenta o art. 41 do Ato Constitucional das Disposições

Transitórias, da Constituição Federal de 1988; Lei n.º 7.990/89 – disciplina a

compensação financeira pelo resultado da exploração do petróleo e gás natural, de

recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e outras matérias; Lei n.º

8.001/90 – define os percentuais da distribuição da compensação financeira

regulada pela Lei n.º 7.990/89; Lei n.º 9.055/95 – disciplina a extração,

industrialização, utilização, comercialização e transporte do asbesto e dá outras

providências; Lei n.º 9.433/97 – Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos; Lei

n.º 9.478/97 – dispõe sobre a política energética e institui o Conselho da ANP; Lei

n.º 9.605/98 – Define os crimes ambientais, as infrações administrativas contra o

13 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 250.

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meio ambiente e estabelece as respectivas sanções; Medida Provisória n.º 1.700/98

– dispõe sobre diversas matérias ambientais; Lei n.º 9.785/99 – disciplina a

desapropriação por utilidade pública, dispõe sobre os registros públicos e

parcelamento do solo urbano; Lei n.º 9.795/99 – dispõe sobre Educação Ambiental;

Lei n. 9.847/99 – dispõe sobre a fiscalização de abastecimento de combustível e

estabelece sanções administrativas; Declaração da Organização das Nações Unidas

– 1992; Decretos regulamentadores de matérias ambientais; Decreto n.º 25/67 –

regulamenta a proteção ao patrimônio histórico e artístico nacional; Decreto n.º

89.336/84 – regulamenta a lei n.º 6.938/81 (detalhando a administração de reservas

ecológicas e áreas de relevante interesse); Decreto n.º 99.274/90 – regulamenta as

leis n.º 6.902/81 e 6.938/81; Decreto n.º 3.179/98 – regulamenta a lei n.º 9.605/98

(detalhando a aplicação de sanções penais e administrativas contra o meio

ambiente). Além de mais 117 resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente

(CONAMA), órgão consultivo e deliberativo do Sistema Nacional do Meio Ambiente

(SISNAMA), instituído pela Lei n.º 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do

Meio Ambiente, regulamentada pelo Decreto n.º 99.274/90.

Importa ressaltar, que “esse cientificismo regulatório foi responsável por uma

hipertrofia regulatória e uma (des)juridicização do direito ambiental, na medida em

que as normas técnicas passaram a viger com primazia, determinando condutas e

impondo-se sobre as normas de vasto conteúdo ético, estas, sim, de natureza e

caráter emancipatórios”.14

Ao que tudo indica, os resquícios do paradigma clássico civilista continuam a

dominar a postura do legislador brasileiro, olvidam, entretanto, que, em matéria

ambiental, este paradigma fora rompido pela Constituição Federal de 1988 ao

estabelecer o dever de não degradar, em postura diametralmente oposta ao Código

Civil que permitia tudo, desde que respeitados os direitos de vizinhança. Desta

permissão privativista que conferia ao detentor do domínio, ao posseiro ou mesmo a

quem não detinha domínio ou posse, agir segundo seus interesses individuais, é que

resultaram, por vezes, algumas normas ambientais.

14 Cf. LEITE, José Rubens Morato. et. al. Op. cit. p. 93.

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Sob outra perspectiva, digna de menção, é a crítica tecida por Celso Antonio

Pacheco Fiorillo15, citando a contribuição de Diogo Freitas do Amaral16 – para quem

a concepção antropocêntrica do meio ambiente que foi adotada pela Constituição

portuguesa, e, dada a semelhança estrutural aplicável, de igual modo a Constituição

brasileira – que revela:

[...] curioso como ela nos soa já um pouco ultrapassada e, porventura, demasiado subordinada às necessidades do Homem. Porque ela fala, no fundo, em proteger a vida do Homem, em garantir a qualidade de vida do Homem, em assegurar a saúde e o bem-estar do Homem, em garantir a utilização dos recursos naturais como pressuposto básico do desenvolvimento do Homem... Ou seja, foi uma lei excelente na altura, mas ainda marcada por uma clara concepção antropocêntrica do mundo e da vida, uma concepção em que o Homem é o centro de tudo, e em que tudo gira em torno dos interesses, das preocupações, das aspirações e das necessidades do Homem. Penso que já não pode ser mais assim, a Natureza carece de uma protecção pelos valores que ela representa em si mesma, protecção que, muitas vezes, terá de ser dirigida contra o próprio Homem. É altura de equacionarmos o que é que a Natureza representa como tal, independentemente do benefício e da utilidade que tem e há-de continuar a ter para o Homem. E daí resulta que o Direito do Ambiente (...) é, em minha opinião, o primeiro ramo do Direito que nasce, não para regular as relações dos homens entre si, mas para tentar disciplinar as relações do Homem com a Natureza, os direitos do Homem sobre a Natureza, os deveres do Homem para com a Natureza e, eventualmente, os direitos da Natureza perante o Homem. É uma nova era em que a humanidade está a entrar ante os nossos olhos; é mesmo, porventura, uma nova civilização. Por isso, mesmo, essa nova civilização começa a gerar o seu Direito, um novo tipo de Direito. O Direito do Ambiente não é mais um ramo especializado de natureza técnica, mas pressupõe toda uma nova filosofia que informa a maneira de encarar o Direito.

A adoção deste novo paradigma ambiental, proposto pelo Autor lusitano,

revolucionará nossa concepção mental. Muito embora suas críticas dirijam-se à

Constituição portuguesa, é irrefutável que aplicam-se de igual modo à Constituição

brasileira. Destarte, a inspiração dos direitos fundamentais ambientais, hoje

consagrados na CF/88, tem forte sotaque lusitano. A consagração constitucional do

direito ao meio ambiente ocorrera primeiro na Constituição grega de 1975. No ano

seguinte a Constituição da República Portuguesa também consagrava os direitos

ambientais.

15 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 18. 16Apud FIORILLO, op. cit. p. 18.

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Verificada esta necessidade de inversão da concepção antropocêntrica, assumindo

relevo uma concepção eminentemente ambiental, pelos valores a ela inerentes e

indissociáveis ao bem estar de toda coletividade, resulta que o perfil individualista e

liberal da propriedade fica superado pela concepção de interesses sociais

preponderantes, de sorte que hoje a propriedade privada possui um conteúdo

formado tanto pelo direito subjetivo, assegurado pelo Código Civil, como pelos

ditames constitucionais de observância da função social, devendo, este último, em

caso de conflito de interesses, preponderar sobre o primeiro.

Em certos momentos, os princípios constitucionais arriscam-se a produzir delicados

conflitos de interpretação, demandando uma razoável ponderação de valores, sendo

que o valor ambiental, por ser de interesse público e difuso, não pode ser suplantado

pelos interesses privados do proprietário.

Destes esforços, de integração do sistema jurídico, decorrem os princípios do

desenvolvimento econômico sustentável e da função sócio-ambiental da propriedade

que, em última análise, objetivam prevenir a degradação da qualidade ambiental.

À seu turno, ao discorrer sobre a razão da tutela do meio ambiente, José Afonso da

Silva17 destaca sua importância asseverando que “o problema da tutela jurídica do

meio ambiente manifesta-se a partir do momento em que sua degradação passa a

ameaçar não só o bem-estar, mas a qualidade da vida humana, senão a própria

sobrevivência do ser humano”.

O Autor nos chama atenção quanto à disposição do núcleo normativo do Direito

Ambiental no texto constitucional, nos remetendo ao Capítulo VI do Título VIII, onde

está inserido o art. 225 e seus parágrafos e incisos, para então afirmar que “a

Constituição o tem como parte da “Ordem Social”; logo, trata-se de direito social do

Homem”.18

17 Cf. SILVA, José Afonso da. Op. cit., 2002. p. 28. 18 Idem, ibidem, p. 50.

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Vladimir Passos de Freitas19 assinala que o direito fundamental ao meio ambiente,

de fato, “não está incluído no rol previsto no art. 5º da Lei Maior. Todavia, nem por

isso deixa de assim ser considerado".

Ney de Barros Bello Filho20 diz, a nosso ver com razão, que:

É preciso perceber que o direito que visa proteger valores diluídos na cultura popular e na moralidade coletiva – e que servem de enfrentamento à exclusão social e à moral coletiva – tem matiz fundamental. Ainda que o ordenamento positivo não os reconheça, esta fundamentalidade é latente. A real característica, como direito fundamental, vem da importância do bem protegido para a sobrevivência, mormente em uma era de risco.

Além da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, importa

citar outro marco de fundamental importância para a consagração do direito ao meio

ambiente, que foi a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e

Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em 1992, popularmente denominada

de (ECO/92).

A ECO/92 repercutiu, profundamente, no Brasil e selou um compromisso nacional

com o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável.

Destaca-se, que “a Conferência mobilizou um número sem precedentes de 179

Chefes de Estado e de Governo e, também, contou com a inédita participação da

sociedade civil, através do Fórum das ONG’s, cujo objetivo era extrair, das grandes

lideranças mundiais, claros compromissos políticos sobre temas tão importantes

para o futuro do Planeta”.21

Naquela oportunidade, diversos documentos, extremamente importantes, foram

aprovados, dentre eles, a CDB.

19 FREITAS, Vladimir Passos de. A Constituição Federal e a Efetividade das Normas Am bientais. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 25. 20 Cf. BELLO FILHO, Ney de Barros. et. al. In Estado de Direito Ambiental... , 2004. p. 76. 21 CAMARGO, Aspásia. et al. Meio Ambiente Brasil: avanços e obstáculos pós Rio-92. 2. ed. São Paulo: Estação Liberdade, 2004. p. 179.

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Inusitadamente, o único país que se opôs em subscrever a Convenção fora os

Estados Unidos da América, já que o tratado, na visão estadunidense, contrariava os

interesses norte americanos.

A CDB é talvez o mais importante instrumento que possuímos para dar ensejo à

conservação e ao uso racional dos nossos recursos biológicos. O avanço das

negociações referentes à sua efetiva implementação é imprescindível para o Brasil e

para o mundo.

Com efeito, “o grande avanço desta Convenção reside no fato dela transcender a

conservação da biodiversidade e o uso sustentável dos recursos biológicos e

abranger temas como o acesso aos recursos genéticos, repartição de benefícios

derivados do uso de materiais genéticos, biossegurança, acesso e transferência de

tecnologia e biotecnologia”.22

Cumpre, ainda, consignar que outro “importante fato derivado da CDB foi o

reconhecimento das desigualdades entre países desenvolvidos e os países em

desenvolvimento, em relação à distribuição da biodiversidade e estágios de

desenvolvimento, e da necessidade de compensar tais diferenças”.23

As máximas extraídas da Convenção sobre Biodiversidade estão baseadas em três

pilares:

[...] conservação, uso sustentável e repartição dos benefícios advindos da utilização racional dos componentes da biodiversidade. Esta Convenção reafirma a soberania dos Estados sobre os seus patr imônios genéticos , além de colocar em destaque a importância da diversidade biológica para a humanidade e explicitar a necessidade de os Estados desenvolverem suas legislações de acesso aos recursos genéticos, de modo que regras claras sejam estabelecidas para que o acesso a esse patrimônio seja efetuado sob o estrito controle do Estado.24

É de se ressaltar que, “a CDB, assinada pelo Brasil e por diversos outros países na

Rio/92, entrou em vigência a partir de sua ratificação pelo Congresso Nacional, em

22 Cf. CAMARGO, op. cit., p. 77. 23 Idem, ibidem. 24 Idem, ibidem, p. 78.

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03 de fevereiro de 1994, por intermédio do Decreto Legislativo nº. 02/94”.25 Porém,

considerando que a CDB é um instrumento de Direito Internacional e, portanto,

contém noções genéricas, a efetiva implementação de suas práticas depende de

regulamentação. A principal iniciativa nesse sentido foi o Projeto de Lei nº. 306/9526,

de iniciativa da Senadora Marina Silva.

O referido projeto disciplina o acesso aos recursos genéticos e a distribuição

eqüitativa dos benefícios de sua utilização, inclusive no tocante às comunidades

tradicionais. Também, regulamenta o procedimento de acesso e protege os direitos

intelectuais coletivos das comunidades locais. Promoveremos a análise do aludido

projeto nos desenvolvimentos subseqüentes.

Após esta breve digressão, é de se constatar que, além de sua importância como

fórum global de discussões, a Rio-92 estimulou o debate ambiental na sociedade

brasileira, gerando novos compromissos de grande magnitude que entraram na

pauta das exigências a serem cobradas no futuro.

Foi nesse contexto, pós Rio-92, que questões relacionadas ao meio ambiente, aos

índios e populações tradicionais, aos conflitos fundiários ou aos direitos humanos

foram incorporados à estratégica política do Governo Federal.

A ênfase nestas políticas, no entanto, ficou limitada, sem o estabelecimento de

ações consistentes dirigidas à efetiva solução do desenvolvimento sustentável,

dependente de reformas profundas nas estruturas do governo, da sociedade e da

cultura.

No presente, pode-se observar que ocorreram paralisias e retrocessos nos

compromissos multilaterais firmados. Da mesma forma, os avanços foram precários,

sob a justificativa de carência de recursos e de meios de implementação.

25 Disponível em: <http://www.bdt.fat.org.br/publicacoes/padct/bio/cap1/inici.html>. Acesso em: 29 set. 2005. 26 BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei n.º 306/95. Dispõe sobre o acesso a recursos genéticos e seus produtos derivados, a proteção ao conhecimento tradicional a eles associados, e dá outras providências. Brasília, 1995.

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Ao contrário do que se previa, em 1992, temas ambientais essenciais ficaram sem

resposta e até mesmo agravaram-se, aumentando as tensões políticas entre os

países economicamente desenvolvidos e os países em desenvolvimento.

Entretanto, nesta esteira de raciocínios, alguns eminentes membros do Poder

Judiciário, inspirados pelos ensinamentos de Vicente Ráo –que já na década de 50

afirmava que a ignorância dos princípios quando não induz a erro, leva à criação de

rábulas em lugar de juristas – vêm dando aos princípios a dimensão deontológica

que legitima as decisões judiciais.

Em laboriosa decisão, o Juiz Federal titular da 6ª Vara da Seção Judiciária do

Distrito Federal, Antônio Souza Prudente27, conferiu a exata dimensão à

Constituição-lei “para fazer firme e incontrastável a observância, a autoridade e a

força imperativa desta última”.

De sua fundamentação extrai-se, prima facie, o alcance normativo do art. 225 da

Constituição Federal, que no seu dizer não deixa margem à interpretação modesta

de sua abrangência:

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-l o e preservá-lo para as presentes e futuras gerações .... Portanto, esse direito pode ser, em princípio, defendido por todos. Isso quer dizer por qualquer cidadão ou pessoa sujeita de direitos, como as crianças ou mesmo os que ainda vão nascer, em razão de que esse direito difuso se estende às gerações futuras, sendo, portanto, impossível restringir a legitimidade para o processo da mais prestigiada associação de defesa dos consumidores do país em defesa do meio ambiente.28

Noutro trecho de sua decisão, o Juiz, discorrendo acerca da natureza da Declaração

do Rio (ECO/92) e dos princípios ambientais a ela inerente, citando o magistério de

Phillipe Sands, conclui:

[...] apesar de não ser estritamente vinculante, muitas das regras (da Declaração do Rio) refletem princípios do direito costumeiro internacional, outras refletem princípios emergentes no direito internacional e, ainda,

27 BRASIL. Seção Judiciária do Distrito Federal. Ação Cautelar Inominada n.º 1998.34.00.027681-8. IDEC – Instituito Brasileiro de Defesa do Consumidor e outros e União Federal e outros. Brasília, 10 ago. 1999. Disponível em: <http://www.greepeace.br/transgenicos/pdf/judicial_19990810.pdf>. Acesso em: 07 out. 2006. 28 Op. cit.

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outras prevêem orientações a serem incorporadas nos sistemas normativos internos e internacionais. A Declaração do Rio é a mais importante referência para se avaliar os futuros desdobramentos do direito internacional ao prover as bases para a definição do desenvolvimento sustentável e sua aplicação no plano do direito interno.29

Neste particular, para Paulo Affonso Leme Machado30, “muitos dos princípios gerais

de direito ambiental têm apoio em declarações internacionais, o que aumentaria as

possibilidades de se tornarem normas costumeiras, quando não se transformarem

em normas jurídicas oriundas de convenções”.

Entretanto, quanto à sua aplicação no ordenamento jurídico brasileiro,

“diferentemente dos tratados, que se tornam obrigatórios após sua ratificação e

entrada em vigor, as declarações, ainda que oriundas das Nações Unidas, não são

transpostas automaticamente para o direito interno dos países, pois não passam

pelo procedimento de ratificação”.31

Todavia, não hesitou o douto magistrado supramencionado em demonstrar a

aplicabilidade imediata do princípio ambiental da precaução com suporte na lição de

Phillipe Sands – emérito professor de direito internacional e uma das maiores

autoridades no assunto – conferindo a ele status de norma de direito positivo,

reforçando, assim, suas considerações sobre a positividade dos princípios:

Especificamente sobre o princípio da precaução, Sands não tem dúvida em afirmar que tal princípio, expresso na Declaração do Rio e devidamente incorporado nas Convenções Internacionais de Mudanças Climáticas e Conservação da Diversidade Biológica, faz parte do direito costumeiro internacional, sendo, portanto, uma regra de jus cogens que, em países como o Reino Unido, se incorpora automaticamente ao direito interno.32

Com efeito, depreende-se, do corpo da decisão, o testemunho do Magistrado no

concernente à força da lex mercatoria e sua constante rota de colisão com as

diretrizes do Estado Social de Direito:

29 Op. cit. 30 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 43-52. Apud NOGUEIRA, Ana Carolina Casagrande. et. al. Estado de Direito Ambiental... , op. cit., 2004. p. 205. 31 Idem. Ibidem, p. 205. 32 In BRASIL. Seção Judiciária do Distrito Federal. Ação Cautelar Inominada n.º 1998.34.00.027681-8, op. cit., 1999.

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Nos meus quinze anos de magistratura federal e mais de trinta anos de vida forense, posso testemunhar, por onde passei, exercendo jurisdição - Acre, Rondônia e Pará (Santarém - sul do Pará, onde instalei a Justiça Federal) a mais bárbara degradação ambiental de nossos rios, flora e fauna, diante da impotência e irresponsabilidade dos órgãos governamentais. A Amazônia, sem dúvida, é um continente do ecossistema, entregue, lamentavelmente, à ganância do capitalismo selvagem, que só visualiza o lucro e a barbárie da espécie humana, sob a máxima deste final de século, antevista por Tobias Barreto: “Serpens qui serpentem non comederit, non fit Dracon ” (a serpente que não devora a serpente não se faz Dragã o). Antes que sejam todos devorados pela insanidade do século , urge adotar-se medidas de precaução.33

Cumpre registrar, que o Magistrado incorporou em seu juízo ou aparelho de reflexão

o entendimento de uma vasta e sólida pré-compreensão das questões sociais,

“pressuposto inalterável de toda hermenêutica constitucional e de seu conceito de

concretização”.34

Ingo Sarlet35, seguindo a mesma ordem de reflexão, assinala:

Na medida em que – por conta da política e da economia do “Estado mínimo” prolatado pelo assim designado “conselho neoliberal” – aumenta o enfraquecimento do Estado democrático de Direito (necessariamente um Estado “amigo” dos direitos fundamentais e que esta fragilização do Estado e do Direito tem sido acompanhada por um incremento assustador dos níveis de poder social e econômico exercidos pelos grandes atores do cenário econômico, que justamente buscaram desvencilhar-se das amarras do poder estatal, indaga-se quem poderá, com efetividade, proteger o cidadão e – no plano internacional – as sociedades economicamente menos desenvolvidas. Neste sentido, insere-se a aguda observação de Ferrajoli, alertando para crise vivenciada pelos sistemas democráticos, identificando o surgimento daquilo que denomina de “empresas-partidos” e “empresas-governos”, já que as privatizações e a crescente desregulamentação (...) tem tido como seqüela um aumento da confusão entre os interesses do governo e os interesses privados dos agentes econômicos, por sua vez, cada vez mais entrincheirados no próprio Estado (governo), e que estão capitaneando o processo de flexibilização e, por vezes, chegando-se no quase aniquilamento de boa parte das conquistas sociais.

33 Op. cit. 34 BONAVIDES, op. cit., p. 587. 35 SARLET, Ingo Wolfgang. Constituição e Proporcionalidade: o direito penal e os direitos fundamentais entre proibição de excesso e de insuficiência. In Revista de Estudos Criminais . Ano 3, Nº 12. Rio Grande do Sul, 2003. p. 89-90.

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Vejamos, sumariamente, os princípios da política nacional do meio ambiente que

estão arrolados no art. 2º, incisos I a X, da Lei 6.938/81. Tais princípios não se

confundem com os princípios doutrinários, mas com eles devem compatibilizar-se.

Trata-se dos denominados princípios legais, quais sejam:

I - ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo; II - racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar; e largura; III - planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais; IV - proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas; V - controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras; (duzentos) metros; VI - incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias orientadas para o uso nacional e a proteção dos recursos ambientais; VII - acompanhamento do estado da qualidade ambiental; VIII - recuperação de áreas degradadas; IX - proteção de áreas ameaçadas de degradação; X - educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente.

Os princípios acima enunciados destinam-se não só ao juiz, operador do direito, mas

aos poderes legislativo e executivo em todas as esferas, bem como a toda

coletividade. Estes princípios são fundamentais para a busca da proteção ambiental

em juízo.

Transcreve-se, por derradeiro, a visão do magistrado, acima citado, no concernente

ao conteúdo normativo constitucional a implementar aplicação judicial:

É preciso defender a vida, numa civilização que luc ra com a morte. Para se construir uma sociedade livre, justa e soli dária, como objetiva, fundamentalmente, a República Federativa do Brasil (CF, art. 3º, I), há de se buscar uma ordem econômica que assegure a todos uma existência digna (CF, art. 170, caput ), observando-se, dentre outros, os princípios da soberania nacional, da defesa do consumidor e do meio ambiente (CF, art. 170, incisos I, V e VI).36 (grifos acrescidos)

Lamentavelmente, o pensamento jurídico dogmático predominante impede a

proliferação de decisões judiciais desta envergadura. “Daí que a eficácia das normas

constitucionais exige um redimensionamento do papel do jurista e do Poder

Judiciário (em especial da Justiça Constitucional) nesse complexo jogo de forças, na

36 In BRASIL. Seção Judiciária do Distrito Federal. Ação Cautelar Inominada n.º 1998.34.00.027681-8, op. cit., 1999.

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mediada em que se coloca o seguinte paradoxo: uma Constituição rica em direitos

(individuais, coletivos e sociais) e uma prática jurídico-judiciária que, reiteradamente,

(só)nega a aplicação de tais do direitos”.37

Para Lenio Streck38, o surgimento de uma nova concepção hermenêutica, ainda que

incipiente, vem ganhando relevo, máxime em razão do que se cognominou de

ontological turn (viragem ontológica) e revolução copernicana, o que “implica a

necessária diferenciação entre texto e norma e entre vigência e validade. Este é o

ponto de partida e de chegada da filtragem hermenêutico-constitucional”.39

Este novo paradigma constitucional instituído pelo Estado Democrático de Direito,

onde encontra assento o ativismo da jurisdição constitucional, poderia incitar as

mais ortodoxas objeções aos recorrentes fundamentos de violação da soberania do

parlamento e o princípio da separação dos poderes. Entretanto, tais argumentos

vêm sendo mitigados por juristas nacionais e estrangeiros.

Nesse diapasão, valioso citar a lição de Rogério José Bento Soares do

Nascimento40, que registra:

Normalmente parte do argumento de que as questões de constitucionalidade são de natureza necessariamente política e, por isto, seu exame não se acomodaria na função jurisdicional, posição que, se viu, foi superada pela aceitação do caráter normativo da constituição (supreme law of the land), pela percepção de além de poderes constitucionalmente discricionários, o parlamento também exerce poderes vinculados e de que a jurisdição constitucional, como órgão de poder, encontra seu fundamento na própria vontade constituinte.

Pensar de modo diverso e inadimitir o procedimentalismo da jurisdição

constitucional, como alternativa de concretude das promessas, há mais de quinze

37 STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica: uma nova crítica do direito. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 15. 38 Idem, In. Júris Poiesis : Revista do Curso de Direito da Universidade Estácio de Sá. Ano 8, n. 7. Rio de Janeiro, 2005. p. 231. 39 Ibidem, p. 231. 40 NASCIMENTO, Rogério José Bento Soares do. Abuso do Poder de Legislar: controle judicial da legislação de urgência no Brasil e na Itália. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004. p. 96.

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anos grafadas na Carta Magna, é responder com silêncio eloqüente à inquietante

indagação formulada por Lenio Streck41:

[...] como é possível olhar o novo (texto constitucional de 1998), se os nossos pré-juízos (pré-compreensão) estão dominados por uma compreensão inautêntica do Direito, onde, no campo do direito constitucional, pouca importância tem sido dada ao estudo da jurisdição constitucional?.

Com esteio na teoria hermenêutica-filosófica gadameriana42, segundo a qual a

compreensão é marcada por pré-juízos que nos são legados pela tradição, não é

mais o sujeito o centro de tudo. É ele o objeto, por intermédio do qual o sentido se

revela. Quando interpretamos (conhecemos), introduzimos no texto nossa prévia

concepção e, com isso, a legitimamos.

À seu turno, Rogério Bento43 anota:

[...] todas as escolas de hermeneutas, dos exegetas aos adeptos da teoria do livre convencimento, acabaram admitindo alguma margem de criatividade ao intérprete. De forma oblíqua como quando os tradicionalistas sustentam a necessidade de enfrentar a questão nova como a teria enfrentado o legislador, se tivesse diante do caso, até a formulação ousada dos defensores do direito livre ou, na sua face mais recente, do movimento por um direito alternativo, reivindicado a supremacia da justiça contra legem e uma maior ênfase no profissional do Direito como sujeito de um processo emancipatório.

Na esteira deste entendimento afere-se, dos fundamentos jurídicos insertos nos

trechos da decisão judicial, linhas acima transcrita, a aplicabilidade desta nova

hermenêutica propalada e defendida pelos mais insignes doutrinadores nacionais e

estrangeiros. Também, exsurge, desta “nova” compreensão da jurisdição

constitucional, a Constituição como fundamento de validade de todo ordenamento

jurídico.

41 Cf. STRECK, In. Juris Poiesis... , op. cit., p. 227. 42 Baseado nos trabalhos de Emillio Betti, Hans - George Gadamer investigou a diferença existente entre o comportamento do historiador jurídico e o do jurista diante de um mesmo texto jurídico, dado e vigente. Gadamer quis saber se havia uma diferença unívoca entre eles. 43 Cf. NASCIMENTO, op. cit., p. 104.

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3 A EVOLUÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

3.1 A EVOLUÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E OS DESAFIOS

FUTUROS

O surgimento dos direitos fundamentais44 do homem, enquanto conjunto de

prerrogativas e garantias foi, amplamente, influenciado tanto pelo direito natural,

quanto pelo pensamento cristão. Depreende-se daí o forte arcabouço ético que

moldura toda a formulação dos direitos fundamentais.

Ainda na idade clássica, Sócrates bradava contra aquilo que lhe parecia uma

disfunção do Direito:

No menesenos platônico há um famoso fragmento em que Sócrates evoca a velha Constituição ateniense, contrapondo-a as outras constituições que, ao pressupor a desigualdade dos homens, havendo entre eles servos e amos, deram origem a tiranias ou oligarquias. Ele conclui: Nós e os nossos, ao nascermos de uma mesma mãe, não pretendemos ser entre nós servos e amos. A igualdade de nascimento nos constrange a buscar também a igualdade legal e a não crer em nada mais, com exceção do valor da virtude e da inteligência (239 a). 45

Percebemos que, ao longo da história, tem-se construído uma idéia (com variáveis

correntes) a respeito do assunto que, inevitavelmente, como o próprio Direito, tem se

modificado com a evolução e o passar dos tempos.

Com as revoluções liberais dos séculos XVII e XVIII, sobretudo com o surgimento do

governo parlamentar e as reformas constitucionais na Grã-Bretanha durante os

séculos XVIII e XIX, a independência dos EUA e a revolução francesa, tornaram-se

presentes as condições sociais para que os direitos fundamentais fossem

formulados.

44 Aqui utilizaremos Direitos Fundamentais e Direitos Humanos, indistintamente. Quanto à questão terminológica, veja-se o item 2.2 de TORRES, Ricardo Lobo. Os Direitos humanos e a Tributação – Imunidade e Isonomia. Rio de Janeiro: Renovar, 1995. 45 BOBBIO, Norberto. O filósofo e a política. Tradução de César Benjamin. Rio de Janeiro: Contraponto, 2003. p. 249.

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O cenário histórico serviu como pano de fundo para que a burguesia, já consolidada

como classe econômica e social mais forte, pudesse se desenvolver e libertar-se das

amarras do Estado absolutista, como assinalou Bobbio:46

O novo regime político já não é só o governo da lei, em oposição ao governo dos homens, celebrado por Aristóteles, mas sim o governo conjunto dos homens e das leis: dos homens, que fazem as leis, e das leis, que encontram seu limite em direitos preexistentes dos indivíduos, que não podem prevaricar; em outras palavras, é o Estado liberal moderno que evolui sem solução de continuidade, pelo seu próprio desenvolvimento interno, na direção do Estado democrático.

Deste ponto de vista comungam também muitos outros autores, como Gustavo

Amaral47, que esclarece que na “visão clássica do liberalismo, a sociedade era como

o locus da cena social, onde os indivíduos encenavam seus papéis, escritos por si,

cabendo ao Estado garantir a normalidade e a possibilidade de cada qual escrever e

interpretar seu próprio papel”.

Das reflexões, “sob o panorama dos direitos fundamentais, reconhece-se a

existência de um valor ontológico residente na dignidade da pessoa humana, não

mais se reconhecendo como lícito um status, ainda que meramente fático, que

negue tal dignidade a quem quer que seja”.48

Nos dias atuais, os direitos fundamentais são matérias necessárias em quase todas

as constituições do mundo, eles englobam toda uma nova série de prerrogativas e

garantias que buscam assegurar o exercício da cidadania plena, esta entendida em

sua conceituação mais ampla.

Em suma, como bem evidenciado por Paulo Bonavides49, “não há Constituição sem

garantia efetiva dos diretos fundamentais, no sentido almejado e gravado, de

maneira irretocável e lapidar, pelos patriarcas do constitucionalismo ocidental”. Após

séculos de submissão do homem às indignidades, havia, em fim, compreendido

racionalmente o seu papel na interação social:

46 Cf. BOBBIO, op. cit., p. 198. 47 AMARAL, Gustavo. et. al. Teoria dos Direitos Fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 96. 48 Idem, ibidem. 49 Cf. BONAVIDES, op. cit., p. 31.

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A verdade abstrata do século XVIII tocante aos direitos humanos será, por conseguinte, a verdade concreta do século XXI se a ciência das Constituições sobreviver às impugnações neoliberais, embargando a dissolução do Estado social, conservando a projeção de universalidade dos direitos fundamentais como direito do gênero humano e fazendo dos instrumentos de consulta plebiscitária o futuro da Constituição e o penhor da legitimidade democrática”.50

Com efeito, Konrad Hesse51, um dos mais conspícuos publicistas alemães, define o

status material dos direitos fundamentais grafados nos seguintes termos:

Como direitos subjetivos, fundamentadores de status, os direitos fundamentais são direitos básicos jurídico-constitucionais do particular, como homem e como cidadão. Estes ganham seu peso material especial por eles estarem na tradição dos direitos do homem e do cidadão, na qual seus conteúdos, nos Estados constitucionais ocidentais, converteram-se em princípios de direito supra-positivos e elementos fundamentais da consciência jurídica; diante do seu foro, nenhuma ordem pode pretender legitimidade, que não incorpore em si as liberdades e direitos de igualdade garantidos pelos direitos do homem e do cidadão.

No Século XX a História do Direito está, indelevelmente, marcada pelo

reconhecimento da eficácia dos enunciados dos Direitos Fundamentais,

evidenciados em todas as Constituições democráticas. Com a sua feição subjetiva

os direitos fundamentais consolidaram o Estado Constitucional de Direito, no qual

todos os Poderes, sem exceção, estão submetidos às normas constitucionais.

3.2 AS DIMENSÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

O processo evolutivo de consolidação dos direitos fundamentais perpassa, como já

vimos, a idade clássica, evoluindo para a tradição jurídico-romana. “No medievo, tais

preocupações inserem-se na concepção jurídico-germânica e com o sistema da

common law”. 52

Do liberalismo clássico para a modernidade, a “passagem do paradigma da pré-

modernidade à construção de um novo momento jurídico-político não se fez com a

rapidez de um raio que corta os céus”. É evidente que cada geração deste processo

evolutivo demandou amadurecimento e tempo. “Ao longo dos séculos XVI, XVII e

50 Cf. BONAVIDES, op. cit., p. 31-32. 51 HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Fed eral da Alemanha. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 1998. p. 232/233. 52 FABRIZ, Daury Cesar. Bioética e direitos fundamentais. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. p. 163.

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VXIII vários fatores contribuíram para a formatação de um novo grande paradigma,

denominado modernidade”. 53

Este espiral ascendente dos direitos fundamentais se dera, conforme já mencionado,

de forma lenta e gradual em momentos históricos distintos, o que convencionou-se

chamar de gerações.

Amparadas nos ideais da Revolução Francesa, as três primeiras gerações de

direitos fundamentais coincidem com o próprio lema revolucionário: “liberdade,

igualdade e fraternidade”, assim como observou Bonavides54: “Em rigor, o lema

revolucionário do século XVIII, esculpido pelo gênio político francês, exprimiu em

três princípios cardeais todo conteúdo possível dos direitos fundamentais,

profetizando até mesmo a seqüência histórica de sua gradativa institucionalização”.

Aqui abrimos um breve parêntese para explicar a inadequação terminológica

utilizada pela doutrina quanto ao vernáculo “geração”.

O entendimento dominante da doutrina moderna é de que “geração” infirma a idéia

de continuidade, por conseqüência, afastando a idéia de sucessão. Neste diapasão,

a moderna doutrina vem considerando ser apropriado a adoção de “dimensão” em

lugar de “geração”, pois traduz com mais propriedade a idéia de interação, ou ainda,

cumulação dos direitos fundamentais. Acerca da impropriedade do termo “geração”,

Paulo Bonavides55 observa que:

Força é dirimir, a esta altura, um eventual equívoco de linguagem: o vocábulo “dimensão” substitui, com vantagem lógica e quantitativa, o termo geração, caso este último venha a induzir apenas sucessão cronológica e, portanto, suposta caducidade de direitos das gerações antecedentes, o que não é verdade. Ao contrário, os direitos da primeira geração, direitos individuais, os da segunda, direitos sociais, e os da terceira, direitos ao desenvolvimento, ao meio ambiente, à paz e à fraternidade, permanecem eficazes, são infra-estruturais, formam a pirâmide cujo ápice é o direito à democracia; coroamento daquela globalização política para qual, como no provérbio chinês da grande muralha, a Humanidade parece caminhar a todo vapor, depois de haver dado o seu primeiro e largo passo.

53 Idem, ibidem, p. 167. 54 Cf. BONAVIDES, op. cit., 2006. p. 562. 55 Idem, ibidem, p. 571-572.

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Importa consignar, que o dissenso diz respeito tão somente à nomenclatura adotada

pela doutrina, havendo, em princípio, consenso no que diz respeito ao conteúdo das

respectivas “dimensões” e/ou “gerações” de direitos.

3.3 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE PRIMEIRA DIMENSÃO

Os direitos fundamentais de primeira dimensão correspondem, em síntese, aos

direitos básicos dos indivíduos, surgem como resposta ao absolutismo e tem por

escopo proteger o indivíduo contra a interferência abusiva do Estado em sua órbita

individual. São, portanto, tidos como direitos de cunho negativo. “São por igual

direitos que valorizam primeiro o homem-singular, o homem das liberdades

abstratas, o homem da sociedade mecanicista que compõe a chamada sociedade

civil, da linguagem jurídica mais usual”. 56

Portanto, os direitos de primeira dimensão encerram os postulados do liberalismo

burguês, buscando limitar a atuação do Estado a uma prestação negativa, de modo

a assegurar que este respeite as liberdades individuais da pessoa humana.

Consistem nos direitos à vida, à propriedade, à liberdade e à igualdade perante a lei.

Bonavides57 define a primeira geração como direitos civis e políticos para, em

seguida, observar que “já se consolidaram em sua projeção de universalidade

formal, não havendo Constituição digna desse nome que os não reconheça em toda

a extensão”.

Conquanto tenham, os direitos de primeira dimensão, passado a fazer parte

integrante dos textos constitucionais, em sua fase inaugural seus postulados

restaram descumpridos, o que resultou em sua negação no campo prático.

Ao observar esta inconcretude, Daury Cesar Fabriz58 lembra que “no cotejo com a

realidade concreta, não encontraram afinação com as suas concepções ontológicas,

no sentido de se garantir uma real liberdade e uma real igualdade entre os

56 Cf. BONAVIDES, op. cit., p. 564. 57 Idem, ibidem, p. 563. 58 Cf. FABRIZ, op. cit., 2003, p. 196.

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indivíduos, na medida em que o texto constitucional, no plano daquela normatividade

liberal, não conseguiu colmatar as grandes desigualdades sociais”.

De tudo isso, infere-se, apesar da força e ímpeto de sua expansão no plano

constitucional, “a impossibilidade de se exercitar a liberdade individual, acabando

por gerar o conflito social”.59

Em suma, os direitos de primeira dimensão – direitos civis e políticos – que

compreendem as liberdades clássicas, balizaram o poder de ação do Estado.

3.4 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE SEGUNDA DIMENSÃO

Calcado no ideário da igualdade, e impulsionada pelas teorias socialistas que se

contrapunham ao regime liberal, a sociedade passa a exigir do Estado normas

eficazes e garantias de concretude dos direitos à saúde, ao trabalho, à assistência

social, à educação, à férias, etc.

Desta feita, o traço distintivo desta dimensão de direitos, segundo parte da doutrina,

reside em sua ação afirmativa, por parte do Estado, que deve fomentar o bem estar

social, bem como deixar de ser o indivíduo seu destinatário, passando a sê-lo a

coletividade.

Em análise percunciente, Ingo Wolfgang60 alerta que, “na esfera dos direitos da

segunda dimensão, há que atentar para a circunstância que estes não englobam

apenas direitos de cunho positivo, mas também as, assim, denominadas “liberdades

sociais.”

Depois, reconhece o Autor61 que sua fundamentalidade “abrange, portanto, bem

mais do que os direitos de cunho prestacional, de acordo com o que ainda propugna

parte da doutrina, inobstante o cunho “positivo” possa ser considerado marco

distintivo desta nova fase na evolução dos direitos fundamentais”.

59 Idem, ibidem. 60 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 52. 61 Idem, ibidem.

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Nesta esteira de raciocínio, Ingo62 complementa asseverando, “que a exemplo dos

direitos da primeira dimensão, também os direitos sociais (tomados no sentidos

amplo ora referido), se reportam à pessoa individual, não podendo ser confundidos

com os direitos coletivos e/ou difusos da terceira dimensão”.

É nesta segunda dimensão dos direitos fundamentais que se evidencia a

necessidade de atuação do Estado, pois só mediante a intervenção concreta poderá

esta dimensão atenuar as causas que impingiram distorções sociais, fruto do

processo liberal que propugnou pelo mínimo intervencionismo do Estado.

Tomando por base o modelo conceitual de garantia institucional de Carl Schmitt,

posteriormente aprimorado por Häberle, “fez ele a nova teoria institucional se

assentar sobre um pedestal de relações mútuas bastante fortes entre o lado

subjetivo-individual e o lado objetivo-institucional”.63

Conforme Paulo Bonavides64, os direitos da segunda dimensão passaram a

compreender, além das garantias fundamentais da liberdade – estabelecidos,

essencialmente, na fase da primeira geração – “também os critérios objetivos de

valores, bem como os princípios básicos que animam a lei maior, projetando-lhe a

unidade e fazendo a congruência fundamental de suas regras”.

Deste modo, os direitos fundamentais passaram a relacionar-se com as instituições,

havendo “uma relação de reflexo e influxos entre os direitos fundamentais e a

instituição”.65

Sobre o novo sentido empregado ao conteúdo valorativo desta segunda dimensão

de direitos, Agustín Gordillo66 observa:

62 Idem, ibidem. 63 Cf. BONAVIDES, op. cit., p. 622. 64 Idem, ibidem, p. 568. 65 Idem, ibidem, p. 623. 66 GORDILLO, Agustín. Princípios Gerais de Direito Público . Tradução de Marco Aurelio Greco. São Paulo: RT, 1977. p. 74.

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A diferença básica entre a concepção clássica do liberalismo e a do Estado de Bem-Estar é que, enquanto naquela se trata tão-somente de colocar barreiras ao Estado, esquecendo-se de fixar-lhe também obrigações positivas, aqui, sem deixar de manter as barreiras, se lhes agregam finalidades e tarefas às quais antes não sentia obrigado. A identidade básica entre o Estado de Direito e Estado de Bem-Estar, por sua vez, reside em que o segundo toma e mantém do primeiro o respeito aos direitos individuais e é sobre esta base que constrói seus próprios princípios.

Nesta visão, compartilhada tanto pelo Direito como pela Filosofia, os direitos

fundamentais, inseridos dentro daquilo que o constitucionalismo denomina de

princípios constitucionais fundamentais – que são os princípios que guardam os

valores fundamentais da Ordem Jurídica – são “sempre e necessariamente os

direitos fundamentais de uma coletividade nacional, assinalados por este traço de

exclusivismo e objetivação do ordenamento jurídico-espiritual”.67

Com efeito, se todos homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos, a

efetivação desta igualdade depende muito mais do conteúdo dos recursos existentes

à implementação desta igualdade, que sua positivação prosaica no corpo da

Declaração Universal dos Direitos Humanos, posto que, em verdade, como observou

Hannah Arendt68, os homens não nascem livres e iguais, tornam-se iguais como

membros de uma coletividade, em virtude de uma decisão conjunta que garante a

todos direitos iguais.

Inspirado em Böckenförde, judiciosamente, assinalou Bonavides69 o surgimento de

um conceito novo de direitos fundamentais, “vinculado materialmente a uma

liberdade “objetivada”, atada a vínculos normativos e institucionais, a valores sociais

que demandam realização concreta e cujos pressupostos devem ser “criados”,

fazendo assim do Estado um artífice e um agente de suma importância para que se

concretizem os direitos fundamentais da segunda geração”.

Impende, finalmente, assinalar que o Estado do Bem-Estar e da Justiça Social fez-se

intervencionista na sociedade e na economia para que os direitos sociais e coletivos

fossem universalmente assegurados.

67 Cf. BONAVIDES, op. cit., p. 625. 68 Apud LAFER, Celso. A Reconstrução dos Direitos Humanos – um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 150. 69 Idem, ibidem, p. 567.

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De sorte, necessário se faz que o Estado privilegie efetivamente os direitos

fundamentais de segunda dimensão por meio de políticas públicas, conforme

determinou o Constituinte Originário, possibilitando, por conseguinte, o próprio

exercício dos direitos fundamentais de primeira dimensão, pois, só assim, poder-se-

á pensar em uma sociedade democrática, plural e submetida aos postulados da

dignidade humana.

3.5 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE TERCEIRA DIMENSÃO

Os direitos de terceira dimensão, correspondente ao terceiro elemento profetizado

no lema revolucionário francês, a fraternidade, tem como traço característico o fato

de não mais estarem direcionados ao homem individualmente considerado. A nota

distintiva destes direitos da terceira dimensão, no dizer de Sarlet70, reside,

basicamente, “na sua titularidade coletiva, muitas vezes indefinida e indeterminável”.

Noutras palavras, Bonavides71 expõe que os direitos desta dimensão “não se

destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo

ou de um determinado Estado”. Para o citado Autor72, esta dimensão de direitos

possui como destinatário primeiro “o gênero humano mesmo, num momento

expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade

concreta”.

Sarlet73, citando EkmeKdjian, reconhece que a positivação desta dimensão de

direitos, “ainda (inobstante cada vez mais) não encontrou seu reconhecimento na

seara do direito constitucional , estando, por outro lado, em fase de consagração no

âmbito do direito internacional, do que dá conta um grande número de tratados e

outros documentos transacionais nesta seara”.

Entretanto, não há dúvidas de que o Constituinte inseriu o meio ambiente sadio e

ecologicamente equilibrado “na idéia de direito fundamental74, analisado a partir das

70 Cf. SARLET. A eficácia…, 2001. p. 53. 71 Cf. BONAVIDES, op. cit., p. 569. 72 Idem, ibidem. 73 Cf. SARLET, ibidem. p. 53. 74 MARTINEZ apud BELLO FILHO, op. cit., p. 75.

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características exógenas e endógenas75. Como direito fundamental está ele

composto de conceitos e concepções”.76

É de se assinalar, a concepção desenvolvida por Alexy, de uma noção sistêmica-

axiológica dos direitos fundamentais, recepcionada na doutrina portuguesa por

Canotilho, a qual influenciou a obra de Sarlet77, que procede à seguinte conclusão

de sua análise:

A fundamentalidade material, por sua vez, decorre da circunstância de serem os direitos fundamentais elemento constitutivo da Constituição material, contendo decisões fundamentais sobre a estrutura básica do Estado e da sociedade. Inobstante não necessariamente ligada à fundamentalidade formal, é por intermédio do direito constitucional positivo (art. 5º, § 2º, da CF) que a noção da fundamentalidade material permite a abertura da Constituição a outros direitos fundamentais não constantes de seu texto e, portanto, apenas materialmente fundamentais, assim como a direitos fundamentais situados fora do catálogo, mas integrantes da Constituição formal [...]. É, portanto, evidente que uma conceituação meramente formal, no sentido de serem direitos fundamentais aqueles que como tais foram reconhecidos na Constituição, revela sua insuficiência também para o caso brasileiro, uma vez que a nossa Carta Magna, como já referido, admite expressamente a existência de outros direitos fundamentais que não os integrantes do catálogo (Título II da CF), seja com assento na Constituição, seja fora desta, além da circunstância de que tal conceituação estritamente formal nada revela sobre o conteúdo (isto é, a matéria propriamente dita) dos direitos fundamentais.

O termo fundamental, é certo, deixa clara a imprescindibilidade desses direitos à

condição humana e ao convívio social. Assim, não sem razão, Sarlet78 acrescenta

que:

[...] todas aquelas posições jurídicas concernentes às pessoas que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram, por seu conteúdo e importância (fundamentalidade em sentido material), integradas ao texto da Constituição e, portanto, retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos (fundamentalidade formal), bem como as que, por seu conteúdo e significado, possam lhes ser equiparados, agregando-se à Constituição material, tendo, ou não, assento na Constituição formal (aqui considerada a abertura material do Catálogo).

Da dicção do art. 5º, § 2º, da Constituição Federal, verifica-se a possibilidade da

existência de outros direitos e garantias fundamentais inseridos ao longo de todo o

75 Neste sentido, as conexões com os direitos humanos são inevitáveis, embora haja diferenciação clara na doutrina. ALMEIDA apud BELLO FILHO, ibidem, p. 75. 76 DWORKIN apud BELLO FILHO, ibidem, p. 75. 77 Cf. SARLET, op. cit., 2001. p. 81. 78 Idem, ibidem, p. 82.

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texto constitucional, como também o fato de os direitos e garantias decorrentes de

tratados internacionais receberem o mesmo tratamento dos direitos fundamentais, e

passarem a ter aplicabilidade imediata no direito interno.

Em verdade, a concepção aqui defendida pressupõe como condição sine qua non a

abertura da Constituição, conceito este desenvolvido sobretudo pelos juristas

germânicos Peter Häberlet e Konrad Hesse que, em apertada síntese, indagam

quem são os intérpretes da Constituição, questão até então olvidada pela velha

hermenêutica.

A retificação da Constituição ponderada por Häberlet, “é no sentido primordial de

alarga-lhe o âmbito. De sorte que dela participem potencialmente “todas as forças da

comunidade política”.79. Dessa forma, “a Lei Fundamental deve ser dotada de

elasticidade material suficiente para abrigar sob o seu manto ideologias e

cosmovisões, sem optar de modo definitivo por uma delas.”80

O ponto central da fundamentalidade do meio ambiente reside na importância do

bem jurídico tutelado, “àquele bem repousa em primazia na estratificação valorativa

da sociedade e, por isso, a norma que o insculpe e protege o bem que lhe é reflexo

tem natureza fundamental”.81

Por outro viés, a concepção de um Estado de direito ambiental não deve ser erigido

em sistemas jurídicos isolados, ideal seria firmar-se bases jurídicas supranacionais,

na medida em que, indubitavelmente, a todos interessa o meio ambiente

ecologicamente saudável e equilibrado, o que exigiria novas formas integradas de

participação e de conscientização plena de uma cidadania ambiental.

Insere-se, neste contexto de cidadania ambiental, a multidimensionalidade

caracterizada por Ricardo Lobo Torres82:

79 Cf. BONAVIDES, op. cit., p. 511-512. 80 Cf. SARMENTO, Daniel. et. al. In Teoria dos Direitos..., 1999. p. 65. 81 Cf. BELLO FILHO, op. cit., p. 98-99. 82 Cf. TORRES, Ricardo Lobo. et. al. In Teoria dos Direitos..., 1999. p. 252.

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O estudo jurídico da cidadania deve considerá-la a partir das diversas dimensões em que aparece. Inicialmente, na dimensão temporal, a visualização sucessiva dos direitos fundamentais, políticos, sociais e difusos, o que envolve tanto a liberdade quanto a justiça e a solidariedade. Do ponto de vista espacial cumpre examinar a cidadania nos planos local, nacional, internacional e supranacional, assim como no virtual (cibernético). Uma terceira dimensão é a bilateral , a compreender os direitos/deveres que se expressam na cidadania públ ica/privada e na cidadania ativa/participativa . A dimensão processual envolve os processos jurídicos através dos quais se atualizam direitos e deveres. A cidadania, conseguintemente, é multidimensional . (grifos acrescidos)

Aqui se caminha para uma postura correlata aos imperativos categóricos propostos

na teoria kantiana, como bem assinalou Canotilho83 em termos rigorosos,

“pressupõe um imperativo categórico-ambiental, formulado aproximadamente da

seguinte forma: “age de forma a que os resultados da tua acção que usufrui dos

bens ambientais não sejam destruidores destes bens por parte de outras pessoas da

tua ou das gerações futuras”.

Extrai-se dessa proposição uma “responsabilidade-conduta”, inerente a todos os

cidadãos do planeta, contudo, quem sabe, por descrença à raça humana, o próprio

Canotilho tem dúvidas quanto à derivação kantiana de um dever ecológico.

Deveras, irrefragável a constatação de que a globalização trouxe novas perspectivas

para o Direito Internacional Ambiental. A par dos benefícios e dos prejuízos

inerentes a um mundo globalizado, ela permitiu que passássemos a vislumbrar

nosso planeta como território da humanidade e a compreender que o direito a um

ambiente sadio transcende o local e o nacional.

Do exposto, o conceito de Estado como uma instituição organizada política, social e

juridicamente ocupante de um território definido que tem por fim o bem comum de

um povo, não colmata as necessidades atuais, nem sequer atende aos anseios que

encerram o conteúdo globalizante dos direitos de terceira dimensão. Seus valores

supremos (fraternidade ou solidariedade) não reconhecem fronteiras, não fazem

distinção de nacionalidade, raças, etnia ou credo, são, portanto, valores universais,

que em seu sentido teológico suplantam o Estado Liberal, Estado Social e

Democrático de Direito, apontando para um Estado Humanitário de Direito.

83 Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. et. al. In Estado de Direito..., 2004. p. 10.

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Se, de fato, os valores inerentes à terceira dimensão de direitos transcendem

fronteiras, de igual modo, os reflexos de seus problemas não reconhecem os limites

destas, por força do processo globalizante, é necessário a busca por um equilíbrio

ecológico planetário.

Contudo, o que a história recente demonstra é que a acepção “do termo ‘global’ no

discurso dominante é o espaço político onde o dominante local busca o controle

global, libertando-se da responsabilidade pelos limites que emergem dos imperativos

da sustentabilidade ecológica e da justiça social”.84

A propósito da imposição de uma cultura, a outra Mahatma Gandhi85, há mais de

meio século, professou o que entendia ser a base de uma interação livre e

igualitária: “Quero as culturas de todas as terras correndo soltas o mais livremente

possível, mas não quero ser pisoteado por nenhuma delas”.

Ao discorrer sobre os pontos de partida do constitucionalismo global, Canotilho86

considera que “[...] os fins dos estados podem e devem ser os da construção de

“Estados de direito democráticos, sociais e ambientais”, no plano interno, e Estados

abertos e internacionalmente ‘amigos’ e ‘cooperantes’ no plano externo”.

Tendo presente que a consagração desta dimensão de direitos dá-se, mormente, no

âmbito do direito internacional, e, portanto, materializa-se no corpo de tratados

bilaterais ou multilaterais, é possível supor que suas concepções constituem

interesses, por vezes, antitéticos, prevalecendo, assim, os interesses dos países

hegemônicos, em detrimento dos países não hegemônicos.

Em ensaio sobre democracia, Bobbio87, analisando as tendências do sistema

democrático internacional, assevera:

84 SHIVA, Vandana. Biopirataria: a pilhagem da natureza e do conhecimento. Tradução de Laura C. B. de Oliveira. Rio de Janeiro: Vozes, 2001. p. 129-130. 85 Apud SHIVA, op. cit. p. 129. 86 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 5. ed. Coimbra: Almedina, 1997, p. 1351. 87 Cf. BOBBIO, Norberto. Op. cit., 2003. p. 254.

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Mais do que nunca a política interna tem sido determinada pela política internacional e pela constelação de interesses dos países hegemônicos, no âmbito das quais os Estados não hegemônicos estão obrigados a viver: digo “obrigados” porque a colocação de um Estado não hegemônico em certa esfera de influencia quase nunca é objeto de uma livre preferência do governo desse Estado, e muito menos de seu povo ou de seus cidadãos.

Neste contexto, há de se indagar se os interesses dos países hegemônicos, na

senda dos direitos de terceira dimensão, colidem ou não com os interesses dos

países em desenvolvimentos ou subdesenvolvidos. A resposta a esta questão é

afirmativa, e a título exemplificativo podemos mencionar o GATT, onde direitos

coletivos de países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos cederam lugar a

direitos privados, beneficiando, especialmente, os países hegemônicos, em afronta

ao princípio da dignidade humana.

A positivação desta dimensão de direitos está contida, portanto, em dois planos

distintos: no plano interno de cada nação com sua efetiva proteção constitucional e

infraconstitucional, e no plano supranacional garantidos nas Declarações de Direitos

e outros documentos. Contudo, a sua plena e equânime fruição, entre países ricos e

pobres, carecem de equilíbrio e harmonia, e não de subserviência.

Ao considerar o plano das relações internacionais, Canotilho88 observa que “[...] o

direito internacional tende a transformar-se em suporte das relações internacionais

através da progressiva elevação dos direitos humanos [...]”, e aponta de forma

sintética os traços caracterizadores deste novo paradigma emergente:

[...] (1) alicerçamento do sistema jurídico-político internacional não apenas no clássico paradigma das relações horizontais entre estados (paradigma hobbesiano/westfalliano, na tradição ocidental) mas no novo paradigma centrado nas relações entre Estado/povo (as populações dos próprios estados); (2) emergência de um jus cogens internacional materialmente informado por valores, princípios e regras universais progressivamente plasmados em declarações e documentos internacionais; (3) tendencial elevação da dignidade humana a pressuposto ineliminável de todos os constitucionalismos.

Nota-se que o jurista português não profetiza este novo paradigma emergente

designado de constitucionalismo global, antes o oposto, condicionou sua concretude

a princípios e regras universalmente aceitas, a converter o direito internacional em

ordem imperativa. 88 Cf. CANOTILHO, op. cit., p. 1352.

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Sem o amparo de organismos supranacionais dotados de instrumentos aptos a

delinear as condutas ambientais, a realidade de um meio ambiente equilibrado e

saudável não passará de uma quimera, restará vazia e subordinada aos interesses

unilaterais dos países industrializados. Por certo, o que se almeja com a criação de

um organismo supranacional dotado de força cogente, não guarda relação em sua

estrutura com a dos Estado-Gerais89, convocado em 8 de agosto de 1789, por Luiz

XVI, onde o sistema de votação dava-se por ordem - Clero, Nobreza e Terceiro

Estado, guarda relação sim com o espírito da revolução francesa, fruto, sobretudo,

da liderança de Mirabeau e do abade de Siyès, que exigiram o voto nominal em

substituição ao habitual processo de votação por ordem.

Esta questão mostrar-se-ia determinante no futuro do processo revolucionário

francês, que cunhou a Declaração francesa de 1789, tendo como destinatário o

gênero humano.

Por hora, só nos chegam o silêncio e o subterfúgio da democracia globalizada,

restando-nos supor, presumir ou imaginar que os três princípios cardeais, esculpidos

pelo gênio francês: liberdade, igualdade e fraternidade – que parecem esquecidos e

postergados – ressurjam no futuro com expectativa de melhor concretizar a

cidadania e promover a liberdade democrática de todos os povos.

3.6 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE QUARTA DIMENSÃO

Por derradeiro, a quarta dimensão de direitos fundamentais, identificada por

Bonavides90 como sendo direito à democracia, direito à informação e o direito ao

pluralismo, é fruto do processo globalizante onde o homem na democracia

89 Estados-Gerais: assembléia política que reunia as três ordens, Clero, Nobreza e Terceiro Estado, havia sido convocado pela primeira vez em 1302 por Felipe o Belo. O mandato dos deputados era imperativo, ou seja, limitava-se às instruções redigidas nas reclamações - cahiers de doléances. Cabia ao rei designar o local das reuniões e as datas. De um modo geral, a reunião dos Estados-Gerais coincidiu sempre com as grandes crises da monarquia, quer por razões financeiras, quer por distúrbios sociais.

Os Estados-Gerais foram impostos aos monarcas desde o século XIV, em período de crise financeira. A monarquia absoluta, sem os abolir, abstinha-se, porem, de os convocar desde 1614. As atribuições dos Estados-Gerais eram puramente consultivas; o rei lhes atribuía a votação de impostos, que podia estabelecer sem eles, e de lhe dar conselhos, que estava livre para não seguir. Os Estados-Gerais afiguravam-se expediente supremo do poder real em período de crise. A convocação de 1789 constituiu-se verdadeiramente na ressurreição de uma instituição desaparecida. (SOBOUL, Albert Marthiez. A Revolução Francesa. Rio de Janeiro: Zahar, 1964. p. 29) 90 Cf. BONAVIDES, op. cit., p. 571.

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globalizada “configura a presença moral da cidadania. Ele é a constante axiológica,

o centro de gravidade, a corrente de convergência de todos os interesses do

sistema”. 91

Sob prisma diverso, Bobbio92, haurido pelos ideários kantianos, observa:

Hoje, cada vez mais, nos damos conta de que o ideal de paz perpétua só pode ser alcançado por meio de uma democratização progressiva do sistema internacional, e que tal democratização não pode separar-se de uma crescente, e cada vez mais eficaz, proteção aos direitos humanos por cima dos Estados. Direitos humanos, democracia e paz são três momentos necessários dentro do mesmo movimento histórico: sem o reconhecimento e a proteção efetiva dos direitos humanos, não há democracia; sem estas não existem as condições mínimas para solucionar pacificamente os conflitos entre indivíduos, entre grupos e entre essas grandes comunidades tradicionalmente rebeldes e tendencialmente autocráticas que são os Estados, mesmo quando são democráticos em relação aos seus próprios cidadãos.

A natureza difusa e universal desta dimensão de direitos, ainda por vir, reclama a

concretização de seus valores, que somente tornar-se-á possível se projetados em

políticas globalizadas.

A concretização dos direitos fundamentais não pode ser entendida divorciada de um

estudo do fenômeno jurídico, onde as amarras da dogmática positivista insistem em

conferir ao jusprivativismo primazia face ao juspublicismo jurídico.

Um estudo meramente normativo não conseguirá explicar que fatores históricos,

sociológicos, políticos e econômicos levaram à quase absoluta negação de um

mundo real. A necessidade de romper com a tendência fragmentada e desarticulada

do processo do conhecimento justifica-se pela compreensão da importância da

interação e transformação recíprocas, entre as diferentes áreas do saber.

Neste contexto, é indispensável ressaltar o processo histórico, porquanto relevante,

a trajetória dos direitos fundamentais que converge no surgimento do Estado

constitucional moderno, onde subjaz o reconhecimento da razão prática e da

argumentação jurídica, a formação de uma nova hermenêutica constitucional, e o

desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais edificada sobre o 91 Idem, ibidem, p. 572. 92 Cf. BOBBIO, op. cit., p. 197.

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fundamento da dignidade da pessoa humana, constituindo o objetivo primacial da

ordem jurídica.

Os elementos que viabilizaram a formação desta construção só podem ser

evidenciados tomando-se por base a análise holística das perspectivas sociológica,

histórica, filosófica, ética, política e econômica. A interdisciplinaridade, enquanto

aspiração emergente de superação da racionalidade jurídica positivista provém do

empenho doutras ciências, além do próprio Direito.

Assim, momentos culminantes de superação doutrinária conduziram a ciência do

Direito rumo à teoria material da Constituição. Apenas para citar os mais relevantes,

Müller, na Alemanha, rompe com a tradição de Kelsen, Jellinek, Laband e Gerber; já

Doworkin, no mundo anglo-americano, levanta a cátedra de Harvard contra a de

Oxford, onde até então a filosofia jurídica de Hart conservava intangível a inspiração

positivista de Bentham e Austin, segundo muito bem observado por Bonavides.

O direito, na projeção temporal e no sentido histórico de seu desenvolvimento,

insere-se no campo axiológico, sendo condição indispensável para que se entenda a

integratividade da Constituição e a relação entre os direitos fundamentais, de

previsões normativas gerais e abstratas, por um lado, e de eficácia desses direitos,

por outro.

Realça Bonavides93 a importância da teoria dos status para a concretização dos

direitos fundamentais através das postulações, ponderando que:

A dimensão objetiva reflete ainda hoje de certo modo o influxo positivo da teoria do status de Jellinek, cuja visão precursora e admirável desdobrara, estruturalmente, a relação entre o indivíduo e o Estado numa seqüência de três status consecutivos: os status negativus, onde ficam os direitos individuais que postulam a abstenção do Estado e vêem neste tão somente o negativum da liberdade, segundo reminiscências filosóficas e jurídicas do kantismo; o stutus activus, onde se aloja o princípio participativo da cidadania na vontade de governo, inserindo-se o Estado num processo que submete paulatinamente à jurisdição, domínio e controle do cidadão sufragante, e, de último, o status positivus, que atende à demanda de prestações com que pode criar os pressupostos matérias ao exercício da própria liberdade, doravante concebida em termos concretos e não meramente abstratos e formais. Considerando de maneira mais explícita, o status positivus é o reino das exigências, das postulações, e das prestações

93 Cf. BONAVIDES, op. cit., p. 646.

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mediante as quais o Estado constrói socialmente as condições da liberdade concreta e efetiva.

A nova realidade do processo de interpretação refuta os métodos tradicionais para

interpretar os direitos fundamentais, demandando o emprego da nova hermenêutica.

A eficácia dos direitos fundamentais reclama reflexão recíproca entre as diferentes

áreas da ciência, tanto quanto sua compreensão de forma ampla cingida por uma

ordem constitucional material.

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4 OS PRINCÍPIOS ESTRUTURANTES COMO NORMA

DENSIFICADORA DO ESTADO DE DIREITO AMBIENTAL

4.1 A CARÊNCIA DE NORMATIVIDADE DOS PRINCÍPIOS NA VELHA

HERMENÊUTICA E SEU CARÁTER MERAMENTE PROGRAMÁTICO

A questão atinente a este amplo conjunto de medidas protetivas reclama a

necessária investigação preliminar quanto à sua efetividade, posto que, assente em

parte da doutrina, tratar-se, este conjunto, de um princípio-programa.

A despeito de ser considerado como norma programática, preciosa é a lição de

Paulo Bonavides94, que após analisar a Teoria Liberal dos Direitos Fundamentais, A

Teoria Institucional dos Direitos Fundamentais e A Teoria dos Valores, com acuidade

e rigor científico conclui:

A importância jurídico-constitucional do valor assume na época contemporânea uma latitude de normatividade sem precedentes desde que os princípios foram colocados no topo da hierarquia constitucional. E os princípios são valores. E, sendo valores, são também normas, com uma dimensão de juridicidade máxima. A equiparação valor-norma representa de certo modo um dos avanços mais arrojados e significativos da ciência constitucional de nosso tempo; uma vez estabelecida, proclamada ou reconhecida, ocasiona a ruína programática das Constituições, porquanto se sabe que as chamadas normas programáti cas foram sempre um espécie de salvo-conduto para as omissões do constitucionalismo liberal no campo da positividade social do Direito . (grifos acrescidos)

Esta acepção, do constitucionalismo moderno, importou em ruptura com a

dogmática positivista, reaproximando a ética do Direito e estabelecendo um canal de

interlocução entre os valores filosóficos e o mundo jurídico, sendo de todo pertinente

a assertiva de Bonavides95 :

As Constituições fizeram no século XX o que os Códigos fizeram no século XIX: uma espécie de positivação do Direito Natural, não pela via racionalizadora da lei, enquanto expressão da vontade geral, mas por meio dos princípios gerais, incorporados na ordem jurídica constitucional, onde logram valoração normativa suprema, ou seja, adquirem a qualidade de instância juspublicística primária, sede de toda a legitimidade do poder.

94 Cf. BONAVIDES, op. cit., p. 630. 95 Idem, ibidem, p. 293.

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Por influxo do constitucionalismo alemão contemporâneo, os princípios e sua força

normativa têm sido examinados com minúcia pela doutrina pátria. Os princípios,

elevados que são ao ponto mais alto da escala normativa, de onde decorrem as

verdades primeiras, informadoras do ordenamento jurídico, servem de referência e

critério de avaliação para todo conteúdo normativo. “Os princípios se convertem

igualmente em norma normarum, ou seja, norma das normas”.96

Ronald Dworkin97, um dos expoentes da filosofia jurídica anglo-saxônica, colocando-

se em posição adversa aos pressupostos do positivismo jurídico, propõe o reexame

dos critérios interpretativos tradicionais, com base em uma distinção lógica entre

normas, diretrizes e princípios.

Não é sem razão que Dworkin critica severamente o modelo positivista, segundo o

qual se guia, unicamente, pelas normas que têm a particularidade de aplicar-se no

todo ou não aplicar-se.

Opondo-se à ótica do direito positivista como um conjunto de regras, Dworkin98 irá

caracterizar os princípios jurídicos como espécie do gênero norma, enunciando que:

Os dois conjuntos de padrões apontam para decisões particulares acerca da obrigação jurídica em circunstâncias específicas, mas distinguem-se quanto à natureza da orientação que oferecem. As regras são aplicáveis à maneira do tudo-ou-nada. Dados os fatos que uma regra estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ela oferece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso nada contribui para a decisão.

Em carta publicada na revista Doxa, da Universidade de Alicante, Dworkin99

sintetizou com translúcida clareza sua posição filosófica jurídica:

De modo geral posso dizer que fui me conscientizando progressivamente da importância de considerar a filosofia jurídica como parte importante da filosofia moral e política e, portanto, da filosofia. Creio que nossa matéria sofreu isolamento, no sentido de que os conceitos legais podem ser explorados por si mesmos de um modo útil, o qual dá como resultado um trabalho analítico estéril. Tentei pôr especial ênfase no fato de que os

96 Idem, ibidem, p. 290. 97 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002. 98 Idem, ibidem. p. 39. 99 Disponível em: <http://www.puc-rio.br/sobrepuc/depto/direito/pet_jur/patdwork.html>. Acesso em: 29. out. 2006.

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conceitos jurídicos fundamentais, incluindo a idéia mesma de direito, são conceitos contestados ou interpretativos, de tal modo que não podem ser explicados utilizando-se as formas convencionais de análise conceitual ou lingüística que são usadas para explicar, por exemplo, o conceito de justiça. Portanto, qualquer teoria do direito competente deve ser ela mesma um exercício de teoria moral e política normativa. Este ponto de vista me levou recentemente a estudar a idéia de interpretação como algo mais importante para a teoria jurídica do que se havia considerado, e também a estudar a filosofia política quando minha maior preocupação tem sido a idéia de igualdade. Tentei desenvolver uma teoria da competência judicial que una esses campos com o estudo do processo legal.

Dworkin, contrapondo-se a teoria de Hart, desenvolve uma teoria da

discricionariedade, “[...] em que identifica três níveis para o conceito: no sentido

fraco, no sentido menos fraco e no sentido forte; sendo que os juízes jamais podem

exercê-la no sentido forte”.100

Nos hard cases, as decisões judiciais não devem conduzir-se pelos objetivos sociais

ou diretrizes políticas. Os hard cases são, segundo Dworkin, solucionados a partir

dos princípios que fundamentam direitos.

Sobre a função dos princípios, no equacionamento dos hard cases, Daniel

Sarmento101 preleciona:

[...] em razão da dimensão de peso que os caracteriza, os princípios não contêm respostas definitivas para as questões jurídicas sobre as quais incidem, mas apenas mandamentos prima facie, que podem, eventualmente, ceder em razão da ponderação com outros princípios. Por isso, diz-se que os princípios constitucionais apresentam-se como argumentos, ou ponto de vista (topoi), que têm de ser considerados no equacionamento dos hard cases do direito constitucional.

Ao estudar a teoria normativa material, Robert Alexy instituiu a distinção entre regra

e princípios, que em sua substância equivale à mesma de Dworkin.

No dizer de Alexy102 os princípios são “mandamentos de otimização”. Pode-se dizer

que “dão unidade e harmonia ao sistema, integrando suas diferentes partes e

atenuando tensões normativas”.103

100 Cf. REIS, Márcio Monteiro. et. al. In Teoria dos Direitos..., 1999. p. 136. 101 SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2000. p. 55. 102 ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentale. Tradução de Ernesto Garzón Valdez. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 1997. p. 86-87.

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Exprimiu o citado jurista104 em relação à distinção ente regras e princípios:

[...] princípios são normas que ordenam que algo se realize na maior medida possível, em relação às possibilidades jurídicas e fáticas. Os princípios são, por conseguinte, mandados de otimização que se caracterizam porque podem ser cumpridos em diferentes graus e porque a medida de seu cumprimento não só depende das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. [...]. Por outro lado, as regras são normas que exigem um cumprimento pleno e, nessa medida, podem sempre ser somente cumpridas ou não. Se uma regra é válida, então é obrigatório fazer precisamente o que se ordena, nem mais nem menos. As regras contêm por isso determinações no campo do possível fático e juridicamente.

Constatada, então, uma autêntica colisão entre princípios, o intérprete aplicador

procederá a uma ponderação dos bens envolvidos, tendo por escopo resolver o

conflito através do sacrifício mínimo dos direitos em jogo.

Nesse contexto, será dado valor decisório ao princípio que, no caso sub examine,

tenha maior peso relativo, sem que, para isso, o princípio do qual se abdica seja

declarado inválido.

Em assim sendo, observar-se-ão os princípios da unidade da constituição, da

concordância prática e da proporcionalidade, pois nenhum princípio goza,

antecipadamente, de primazia sobre os demais.

Importa consignar, conforme anota Paulo Bonavides105, que a posição de Alexy

evidencia “uma suposta contigüidade da teoria dos princípios com a teoria dos

valores”, onde “aquela se acha subjacente a esta”. Salienta, o Autor, que, assim

como as regras estão relacionadas à validade, os princípios relacionam-se aos

valores.

103 BARROSO, Luís Roberto, In. A nova interpretação constitucional: Ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 29. 104 ALEXY, Robert. Derecho y Razón Práctica. 2. ed. México: Fontamara, 1998. p. 12. 105 Cf. BONAVIDES, op. cit., p. 280.

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Alexy teoriza “na mesma direção da jurisprudência dos valores, e aqui reside a

inteira contemporaneidade, bem como a importância vanguardeira de seu

pensamento jurídico tocante ao valor normativo dos princípios.” 106

Das teorias propostas por Dworkin e Alexy, há uma perceptível similitude entre as

distinções estabelecidas por ambos entre as regras e os princípios, contudo, não se

pode vislumbrar uma concordância sistemática entre a teoria dworkiniana e teoria

alexyaniana. Enquanto Doworkin admite o juízo de ponderação somente diante do

caso concreto, em posição oposta, Alexy considera a hipótese de aplicação de uma

norma descontextualizada do caso concreto.

Expondo sua linha argumentativa no que tange à racionalidade valorativa do sistema

jurídico, Teresa Negreiros107 afirma que só se pode ponderar a relevância de dois

princípios concorrentes, diante de um caso concreto. Entretanto, anota que a

concretude de um caso não pode fazer com que se perca de vista “a função

interpretativa que os princípios exercem para a manutenção da unidade do sistema

e da sua adequação valorativa”.

Neste sentido, é necessário “fundamentar a solução concreta à luz de um

ordenamento jurídico, operando-se uma coordenação normativa que não se rege por

um raciocínio lógico formal, mas por uma ponderação valorativa ou, mais

especificamente, teleológica”.108

No exercício da função jurisdicional, o juiz não pode se negar a apreciar as

demandas a ele submetidas, considerando o alto teor valorativo das normas

jurídicas, faculta-se ao magistrado a possibilidade de nos casos concretos litigiosos

utilizar o método da ponderação, adequando tecnicamente sua decisão, como ato

consciente de fazer justiça, jungido sempre ao espírito da Constituição que se

pretende aberta.

Tendo em consideração a necessidade de se formular um pensamento que servisse

de arrimo à superação da arcaica teoria processual, onde o magistrado ocupava 106 Idem, ibidem, p. 280. 107 Cf. NEGREIROS, Tereza. et. al. In Teoria dos Direitos..., 1999. p. 348. 108 Idem, ibidem, p. 348.

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uma posição de relevo a das partes, mantendo uma imparcialidade hermética,

Jürgen Haberrmas109 assevera:

A neutralidade do juiz em relação às partes conflitantes - a venda nos olhos da Justitia - é agora insuficiente como modelo da práxis de fundamentação exigida. Pois nela devem tomar parte, com igualdade de direitos, todos os membros enquanto potencialmente envolvidos, de modo que não haja mais uma separação de papéis entre um terceiro privilegiado e as partes envolvidas em cada caso. Agora, todos igualmente se tornam partes que pretendem se convencer reciprocamente na competição pelo melhor argumento.

Quem levanta objeções deste feitio acha a resposta nas palavras lapidares, de

conteúdo e sentido, cuja autoria é de Bonavides110:

Um Tribunal carente de independência, politizado ao excesso pelo executivo, fragilizado pelo desrespeito à sua função, debilitado pelas omissões no controle jurisdicional de constitucionalidade é o inimigo da Constituição; é também a espessa muralha, e o grande obstáculo que no caso do Brasil, se levanta para tolher o ingresso, em nosso ordenamento, da democracia participativa direta, legislada pelo constituinte de 1988 no parágrafo único do artigo 1º, combinado com o artigo 14 da Constituição Federal vigente.

Na seqüência de penetrantes reflexões sobre a hermenêutica dos princípios

constitucionais, Daniel Sarmento111 compreende que é “evidente que o Judiciário

poderá controlar a razoabilidade do critério de ponderação adotado pelo legislador”.

No entanto, entende que é preciso muita cautela na execução desta tarefa, a fim de

evitar-se que o juiz, que não é eleito, imponha suas concepções políticas e

ideológicas, em detrimento daquelas feitas pelos representantes do povo.

Especialmente nas lides ambientais, a demanda não interessa somente às partes

formalmente constituídas e representadas na relação processual, interessa a toda

coletividade.

Não raro, estarão em conflito direitos fundamentais e princípios, entretanto, em se

tratando do meio ambiente, a ponderação será especial em face da presença de um

109 HABERMAS, Jürgen. Verdade e Justificação: ensaios filosóficos. Tradução de Milton Camargo Mota. São Paulo: Loyola, 2004. p. 298. 110 BONAVIDES, Paulo. Jurisdição constitucional e legitimidade: algumas observações sobre o Brasil. Estud. av., São Paulo, v. 18, n. 51, 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-0142004000200007&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 08 nov. 2006. 111 Cf. SARMENTO, op. cit., 1999. p. 72.

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direito fundamental de envergadura superior, que merecerá proteção privilegiada,

pois é, em última análise, a fonte e a garantia da vida humana.

A ponderação ambiental deverá ser conduzida de modo diferenciado, devendo o

intérprete, sem comprometer o núcleo essencial de outros direitos fundamentais ou

princípios, conferir um peso maior ao meio ambiente.

Sobre a normatividade dos princípios, Geraldo Ataliba112, com firmeza e

abrangência, os conduz à sua devida valoração e eficácia:

[...] princípios são as linhas mestras, os grandes nortes, as diretrizes magnas do sistema jurídico. Apontam os rumos a serem seguidos por toda a sociedade e obrigatoriamente perseguidos pelos órgãos do governo (poderes constituídos). Eles expressam a substância última do querer popular, seus objetivos e desígnios, as linhas mestras da legislação, da administração e da jurisdição. Por estas não podem ser contrariados; têm que ser prestigiados até as últimas conseqüências. A relevância dos princípios constitucionais e sua supremacia, sobre as normas ordinárias ou até mesmo constitucionais foi admiravelmente apreendida e exposta por Agustin Gordillo, com as seguintes luminares palavras: "Diremos entonces que los princípios de derecho público contenidos en la Constitución son normas jurídicas, pero no sólo eso; mientras que la norma es un marco dentro del cual existe una cierta libertad, el princípio tiene sustancia integral. La simples norma constitucional regula el procedimento por el que son producidas las demás normas inferiores (ley, reglamento, sentencia) y eventualmente su contenido: pero esa determinación nunca es completa, ya que la norma superior no puede ligar en todo sentido y en toda dirección el acto por el cual es ejecutada; el princípio, en cambio, determina en forma integral cual ha de ser la sustancia del acto por el cual se lo ejecuta. La norma es limite, el princípio es limite y contenido. La norma da a la ley facultad de interpretarla o aplicarla em más de um sentido, y el acto administrativo la facultad de interpretar la ley en más de un sentido: pero el princípio establece una dirección estimativa, un sentido axiológico, de valoración, de espíritu. El princípio, exige que tanto la ley como el acto administrativo respeten sus limites y además tengan su mismo contenido, sigan su misma dirección, realicen su mismo espiritu. Pero aún mas, esos contenidos básicos de la Constitución rigen toda la vida comunitaria y no sólo actos a que más directamente se refieren o a las situaciones que más expresamente contemplan.

Noutras palavras, Bandeira de Mello113 lança a sua definição acerca dos princípios,

reconhecendo suas múltiplas funcionalidades:

Princípio, já averbamos alhures, é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de

112 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 35. 113 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo . 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 817-818.

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critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido humano. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo. Violar um princípio é mais grave que transgredir uma norma. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço e corrosão de sua estrutura mestra.

Para José Afonso da Silva114 “[...] os princípios são ordenações que se irradiam e

imantam os sistemas de normas, são, como observam [Gomes Canotilho e Vital

Moreira], ‘núcleos de condensações’, nos quais confluem valores e bens

constitucionais”.

Como princípios de um determinado Direito Positivo, acrescenta o Autor115, balizado

pela doutrina portuguesa, que “os princípios, que começam por ser a base de norma

jurídica, podem estar positivamente incorporados, transformando-se em normas-

princípio e constituindo preceitos básicos da organização constitucional.”

Ainda sobre esta perspectiva, cabe acrescentar o comentário de Bonavides116,

citando o ponto de vista de Karl Larenz, de que numa determinada fase da

elaboração doutrinária, os princípios repartem-se em duas categorias: “a dos que

assumem o caráter de idéias jurídicas norteadoras, postulando concretização na lei

e na jurisprudência, e a dos que, não sendo apenas ratio legis, mas, também, lex,

se cristalizam [...], numa regra jurídica de aplicação imediata”.

O Supremo Tribunal Federal, aos poucos, vem captando essa dimensão funcional

dos princípios, conforme se observa no voto do Min. Celso de Mello117, proferido na

PET-1458/CE (DJ 04-03-98, Julgamento 26/02/1998):

O respeito incondicional aos princípios constitucionais evidencia-se como dever inderrogável do Poder Público. A ofensa do Estado a esses valores - que desempenham, enquanto categorias fundamentais que são, um papel

114 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990. p. 82. 115 Idem, ibidem. 116 Cf. BONAVIDES, op. cit., 2006. p. 272. 117 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Voto do Min. Celso de Mello proferido na PET-1458/CE-Ceará/Petição/Julgamento: 26/02/1998. Publicação: DJ – 04.03.98. Brasília, 1998. Disponível em: <http://www2.oabsp.org.br/asp/esa/comunicacao/esa 1.2.3.1.asp?id_noticias=87>. Acesso em: 25 nov. 2006.

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subordinante na própria configuração dos direitos individuais ou coletivos - introduz um perigoso fator de desequilíbrio sistêmico e rompe, por completo, a harmonia que deve presidir as relações, sempre tão estruturalmente desiguais, entre os indivíduos e o Poder.

Sobre a inserção constitucional dos princípios, argumenta George Lima118 que,

“neste momento de incertezas e transformações, o estado da arte na interpretação

evolutiva, é a única capaz de dar vida ao direito. E eles (os princípios) estão aí

espalhados por todo o ordenamento jurídico”.

Impossível deixar de reconhecer nos princípios seu assento constitucional, “já que é

Lei Fundamental a "ambiência natural dos princípios." (Willis Guerra Filho). Cabe a

nós "descobri-los" e utilizá-los de forma adequada e satisfatória”.119

Impregnado pelo ideal de justiça “parafraseando J. J. Calmon de Passos, diríamos

que, assim como os mandamentos de Deus de nada valem para os que não têm fé,

de nada valem os princípios constitucionais para os que não têm a consciência de

sua potencialidade”.120

Vendo nos princípios a expressão de uma justiça material, o julgador assume aqui

um papel relevante, as vertentes ontológica e axiológica do Direito encontram-se

plasmada nesta possibilidade.

4.2 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E SUA

VINCULAÇÃO COM OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Após estas breves considerações em torno do conteúdo e da definição dos

princípios constitucionais, importa indagar se existiria alguma vinculação entre os

direitos fundamentais e o princípio da dignidade da pessoa humana. A resposta a

esta e outras questões reclama, antes de tudo, considerações acerca do aludido

princípio da dignidade da pessoa humana.

118 LIMA, George Marmelstein. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2624>. Acesso em 03 dez. 2006. 119 Idem. 120 Idem.

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Na opinião de Sarlet121 a dignidade humana:

[...] é a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venha a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.

A Constituição Federal de 1988 consagrou o princípio da dignidade da pessoa

humana em seu art. 1º, inciso III. Disso resulta que seu status jurídico normativo no

âmbito de nosso ordenamento constitucional é de princípio jurídico constitucional

fundamental.

A par de estar expressamente consignado em diversas Constituições, o princípio da

dignidade humana remonta há tempos imemoriais, tendo, portanto, status

supraconstitucional.

Da antigüidade clássica, passando pelo medievo à idade moderna, encontramos

referência a este princípio nas teorias aristotélica, tomista e kantiana, isto para fazer

menção apenas a algumas das mais representativas teorias.

É pertinente observar que este princípio encontra-se estampado em diversos

documentos internacionais, como por exemplo, na Declaração Universal dos Direitos

Humanos,122 onde se afirma que “[...] considerando que a liberdade, a justiça e a paz

no mundo têm por base o reconhecimento da dignidade intrínseca e os direitos

iguais e inalienáveis de todos os membros da família humana [...]”.

Almeja-se, que a idéia de dignidade da pessoa humana não permaneça apenas, e

tão somente, emoldurada nos textos constitucionais e documentos internacionais,

ela reclama concretude permanente em uma via de mão dupla: limitando a

ingerência do poder estatal sobre os particulares e, d’outro viés, impondo a este

mesmo poder sua efetiva prestação protetiva contra terceiros.

121 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 60 122 Disponível em: <http://www.unhchr.ch/udhr/lang/por.pdf>. Acesso em: 03 dez. 2006.

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Os limites delineados por este ‘super’ princípio, além de regular as relações entre

governantes e governados, impõem obrigações aos poderes estatais para com a

coletividade, cumprindo ressaltar, que sua função impõe ao Estado promover

diretrizes que viabilizem a coexistência digna de todos os cidadãos.

Segundo Sarlet123, o pensamento sistemático do Direito que enquadra o princípio da

dignidade humana como princípio fundamental é o que melhor se afina com a

doutrina luso-brasileira dominante, encontrando-se, também, suporte na doutrina

espanhola.

Sarlet124 acrescenta que, inobstante o princípio fundamental da dignidade humana

não tratar-se “de autêntico e típico direito fundamental”, isto não quer dizer que dele

não se possam deduzir “posições jurídico-fundamentais não-escritas, inclusive de

natureza subjetiva”, inclusive pelo fato de ter sido “expressamente considerado pelo

art. 5º, § 2º, da CF de 1998, que trata dos direitos decorrentes do regime e dos

princípios, bem como dos constantes em tratados internacionais”.

Conclui o citado Autor125 que, “da mesma forma não se deve esquecer o fato de que

os direitos fundamentais, ao menos de modo geral, podem (e assim efetivamente o

são) ser consideradas concretizações das exigências do princípio da dignidade da

pessoa humana”.

Com efeito, da análise do § 4º do art. 60, da Constituição Federal, podemos afirmar

que não abrange apenas o teor material dos direitos da primeira geração, herdados

pelo constitucionalismo contemporâneo, se estende, por igual modo, aos direitos da

segunda dimensão, a saber, os direitos sociais.

Sarlet126 esclarece que, “para além da tríade da vida, liberdade e igualdade, também

há outros direitos fundamentais (mesmo fora do Título II da nossa Constituição) que

podem ser diretamente reconduzidos ao princípio da dignidade da pessoa humana”.

123 Cf. SARLET, Ingo Wolfgand. A eficácia … , 2001. p. 111. 124 Idem, ibidem. 125 Idem, ibidem. 126 Idem, ibidem, p. 116.

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Entretanto, Sarlet127 pondera quanto às teses que admitem, indistintamente, que

“todos os direitos fundamentais encontram sua vertente no princípio da dignidade da

pessoa humana e de que este – justamente por este motivo – pode ser tido como

elemento comum à matéria dos direitos fundamentais".

Em função disso, pretende demonstrar o Autor128 que “o princípio da dignidade da

pessoa humana pode, com efeito, ser tido como basilar – mas não exclusivo – para

construção de um conceito material de direitos fundamentais”.

Portanto, parece permanecer incólume a eficácia jurídica integrativa do princípio da

dignidade da pessoa humana com o ordenamento jurídico constitucional e

infraconstitucional, havendo consenso doutrinário quanto a sua função instrumental

no novo direito constitucional brasileiro, “cujo desenvolvimento coincide com o

processo de redemocratização e reconstitucionalização do país”.129

Na opinião de Barroso130, o desenvolvimento do novo direito constitucional brasileiro

se deve a duas mudanças de paradigma: “a) a busca da efetividade das normas

constitucionais, fundada na premissa da força normativa da Constituição; b) o

desenvolvimento de uma dogmática da interpretação constitucional, baseada em

novos métodos hermenêuticos e na sistematização de princípios específicos de

interpretação constitucional”.

Vale ressaltar que, na prática, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem

se valido do princípio da dignidade da pessoa humana para justificar a ingerência do

Poder Judiciário na esfera da Administração Pública, mesmo que importe em

limitação ou carência de recursos por parte do ente público. Neste sentido, é o que

se extrai do fragmento do voto condutor da lavra do Ministro Luiz Fux131:

127 Idem, ibidem, p. 100. 128 Idem, ibidem. 129 Cf. BARROSO, Luiz. Op. cit., 2003, p. 47. 130 Idem, ibidem. 131 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Deferimento em obrigação de fazer. Resp. n.º 575.998-MG. Ministério Público de Minas Gerais e Município de Cambuquira. Relator: Ministro Luiz Fux. Brasília, mar. 2006.

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[...] Evidentemente que num país cujo preâmbulo constitucional promete a disseminação das desigualdades e a proteção à dignidade humana , promessas constitucionais alçadas ao mesmo patamar da defesa da Federação e da República, não se poderia imaginar fosse o direito à saúde pública relegado a um plano diverso daquele que coloca na eminência das mais belas garantias constitucionais. [...] Tendo em vista a explicitude do CDC, inequívoca se revela a normatividade suficiente da promessa constitucional a ensejar a acionabilidade do direito consagrado no preceito sub examem. Realmente, meras diretrizes traçadas pelas política s não são ainda direitos senão promessas de lege ferenda , encartando-se na esfera insindicável pelo Poder Judiciário, qual a da oportunidade de sua implementação. Entretanto, quando a Constituição consagra um direito e a norma infraconstitucional o explicita, impõe-se ao Judiciário torná-lo realidade, ainda que isso resulte obrigação de fazer, com repercussão na esfera orçamentária. É evidente que toda imposição jurisdicional à Fazenda Pública implica em dispêndio, e atuar sem que isso infrinja a harmonia dos poderes, porquanto, no regime democrático de direito, o Estado soberano submete-se à própria justiça que instituiu . Afastada, assim, a ingerência entre os poderes, o judiciário atacado de malferimento da lei nada mais fez do que cumprí-la ao determinar a realização prática da promessa legal. Revela notar que a Constituição Federal é fruto da vontade política nacional , erigida mediante consulta das expectativas e das possibilidades vãs e frias enquanto letra morta no papel. Ressoa inconcebível que direitos consagrados em normas menores como Circulares, Portarias, Medidas Provisórias, Leis Ordinárias tenham eficácia imediata e os direitos consagrados constitucionalmente, inspirados nos mais altos valores éticos e morais da nação sejam relegados a segundo plano. Trata-se de direito com normatividade mais do que suficiente, porquanto se define pelo dever, indicando o sujeito passivo, in casu, o Estado.

A controvérsia posta perante o STJ, resultante da decisão retro transcrita, versava

acerca da obrigatoriedade ou não de um Município efetuar, diariamente, a coleta de

lixo residencial, comercial e hospitalar. Do ponto de vista legal, a decisão de

obrigação de fazer teve como fundamento o Código de Defesa do Consumidor,

norma de âmbito nacional, que disciplina de forma minudente a prestação de serviço

essencial sujeito à obrigatoriedade de prestação contínua.

Vista sob o prisma do direito constitucional, a jurisprudência operada no caso ora

analisado é rica em ensinamentos. Ela mostra, de um lado, que o princípio da

dignidade da pessoa humana constitui uma norma legitimadora de toda a ordem

estatal. Por outro lado, revela a incidência da nova hermenêutica constitucional,

vinculada aos fundamentos e princípios do Estado Democrático de Direito,

exercendo o judiciário exame meritório sobre a motivação do ato administrativo e

atuando em uma zona, onde até bem pouco tempo, a análise em matéria de

conveniência e oportunidade era vedada ao Judiciário.

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Outro princípio extraído da jurisprudência diz respeito à proporcionalidade.132 O

Tribunal ao estabelecer uma relação triangular, fim, meio e o sub examine, exerceu

como diretiva procedimental a busca material da decisão, ao mesmo tempo que

impediu o administrador de atuar a seu livre alvedrio, sem que, para tanto, houvesse

vulnerado o princípio da separação dos poderes, pensado por Montesquieu.

Porquanto, operou-se um juízo valorativo e eficaz do texto unitário da lei maior

aplicando, no caso concreto, a justiça constitucional.

Muito embora não traga o aresto em comento, referência expressa à teoria do

mínimo existencial ou à teoria da democracia deliberativa, podemos evidenciar

alguns traços distintivos de ambas as propostas teóricas na fundamentação da

aludida decisão judicial.

De plano, quando o Tribunal deixou consignado que: meras diretrizes traçadas pelas

políticas não são ainda direitos senão promessas para, em seguida, justificar a

possibilidade de implementação de tais diretrizes sonegadas pelo Executivo,

assumiu uma postura ativista, segundo as bases teóricas do mínimo existencial.

O ativismo justifica-se na medida em que o ser humano não pode viver sem

condições sociais mínimas, o que se mostrou presente no caso em exame. “Daí

resulta que é uma prerrogativa do poder judiciário realizar a concretização dessa

esfera mínima dos direitos sociais, independentemente das políticas públicas

implementadas pelo executivo e pelo legislativo”.133

De seu turno, sob o enfoque teórico da democracia deliberativa, a legitimidade do

ativismo judicial assume prisma diverso. Tem-se presente nesta teoria que os

“direitos sociais são condições procedimentais da democracia, então o Judiciário,

132 Na opinião de Paulo Bonavides, “o princípio da proporcionalidade é hoje axioma do Direito constitucional, corolário da constitucionalidade e cânone do Estado de direito, bem como regra que tolhe toda a ação ilimitada do poder do Estado no quadro de juricidade de cada sistema legítimo de autoridade. A lel não poderia ficar estranho, pois, o Direito Constitucional brasileiro. Sendo, como é, princípio que embarga o próprio alargamento dos limites do Estado ao legislar sobre matéria que abrange direta ou indiretamente o exercício da liberdade e dos direitos fundamentais, mister se faz proclamar a força congente de sua nomartividade. (Cf. BONAVIDES, op. cit., 2006, p. 436) 133 Cf. SOUZA NETO, Cláudio Pereira. et al, In. A nova interpretação constitucional... , 2003. p. 311.

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como seu guardião, possui, também, prerrogativa de concretizá-los, quando tem

lugar a inércia dos demais ramos do estado na realização dessa tarefa”.134

Enquanto a teoria do mínimo existencial parte do pressuposto de que apenas os

direitos de primeira dimensão são fundamentais, admitindo, entretanto, a

fundamentalidade das demais dimensões de direito em decorrência destes, a teoria

da democracia deliberativa propugna pela fundamentalidade material dos direitos

sociais como condição indissociável do princípio da democracia.

Inobstante, estarem alicerçadas em pressupostos distintos, as duas teorias não se

repelem, antes o contrário, se complementam. “Por conta disso, ao plano de

fundamentalidade material dos direitos sociais vinculados ao conceito de mínimo

existencial, deve-se agregar outro, alicerçado no de condições sociais da

democracia, estabelecendo-se, com isso, critérios um pouco mais alargados para se

definir a esfera de sua justiciabilidade”.135

Neste particular, “para chegar a tanto faz-se mister uma ideologia: a ideologia

democrática, sustentáculo do método interpretativo da Constituição aberta,

concebido por Häberle, e que serve de base, portanto, a uma hermenêutica de

variação e mudança”.136

A jurisprudência em exame perfilha-se com a evolução doutrinária, lançando luzes

sobre a legitimação ativista do Poder Judiciário. Inovadora em sua concepção, esta

decisão se notabiliza, à primeira vista, pela possibilidade de avaliação e alcance de

inúmeros direitos fundamentais, suscetíveis de serem abarcados por seus efeitos.

Constata-se, em primeiro lugar, uma limitação à liberdade do Executivo em deliberar

ao seu talante, por vezes, violando princípios fundamentais, noutros casos os

negligenciando.

Note-se, com efeito, que a abrangência da medida alcançou ainda a chamada

“reserva do possível”, influindo na opção orçamentária do administrador, com 134 Idem, ibidem, p. 324. 135 Idem, ibidem, p. 324. 136 Cf. BONAVIDES, op. cit., 2006, p. 515.

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repercussões diretas nas finanças públicas. Como já sublinhado, o que a princípio

poderia caracterizar invasão de competência de poder, encontra-se legitimado pelo

emprego da nova hermenêutica jurídica.

A decisão ora comentada vem mais uma vez consagrar o método interpretativo da

Constituição aberta, concretizando valores fundamentais com o emprego do

princípio da proporcionalidade, “cuja vocação se move sobretudo no sentido de

compatibilizar a consideração das realidades não captadas pelo formalismo jurídico,

ou por estes marginalizadas, com as necessidades atualizadoras de um Direito

Constitucional projetado sobre a vida concreta e dotado da mais larga esfera

possível de incidência”.137

De tudo quanto parece, a pessoa humana é digna não porque o direito positivo

assim o diz, não porque há um conceito social em torno do valor, mas na exata

medida em que o ser humano é um fim em si mesmo e, jamais, deve constituir um

meio para atingir determinado fim.

4.3 DUPLO CARÁTER DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E A TEORIA

DO STATUS NO ESTADO CONSTITUCIONAL DE DIREITO

4.3.1 Estado e Direito

A concepção de Estado remonta há tempos imemoriais, na idade clássica os gregos

já se preocupavam com os poderes conferidos ao Estado, como se observa do

célebre fragmento da obra A República de autoria de Platão138:

A menos que, nos Estados, os filósofos tornem-se reis, ou que os que hoje se dizem reis ou soberanos se convertam em verdadeiros filósofos, e que se vejam reunidos em um só indivíduo o poder político e a filosofia, a menos que por outro lado, estes, que hoje existem separadamente, sejam eliminados em caráter absoluto, não haverá remédio para os males dos Estados (...) e, portanto tampouco para os da humanidade”. (República, 473 c-d)

137 Idem, ibidem, p. 434. 138 Apud BOBBIO, op. cit., p. 431.

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Opondo-se a Platão, Aristóteles sustentou ser a lei a ferramenta hábil a dar soluções

aos conflitos existentes em um Estado, por ser esta inflexível e isenta de paixões.

Entretanto, somente com o surgimento do cristianismo, religião tendencialmente

universal, e com a institucionalização da sociedade religiosa que dela emana, as

societates perfectas se tornaram duas, a Igreja e o Estado.

Dessa diferenciação nasce o problema de sua distinção, da delimitação dos

respectivos poderes, o espiritual e o temporal. “No fim do século V depois de Cristo,

a teoria da coexistência e da separação dos dois poderes foi claramente sustentada

pelo Papa São Gelásio (492-496)”.139

Para tanto, contribuíram sobremodo a primazia do poder espiritual sobre o estatal

que de “acordo com a doutrina que passou à história com o nome de doutrina

gelasiana (do papa Gelásio I): “Duo sunt quibus principaliter munduns hic regitur:

auctoritas sacrata pontificum et regalis potestas” [São dois, principalmente, os

regimes deste mundo: a autoridade sacra dos pontífices e o poder real).

Eis o que substancialmente propugnava a teoria gelasiana, “a distinção entre a vis

directiva [poder de dirigir], prerrogativa da Igreja, e a vis coactiva [poder de coagir],

prerrogativa do poder político”.140

O encargo de estabelecer e delimitar esta nova distinção, dos poderes espiritual e

temporal, coube primordialmente a Santo Agostinho e São Tomás de Aquino,

reconhecidamente os grandes teóricos da fé cristã. Estes concluíram a favor da

supremacia do poder eclesiástico sobre os poderes terrenos. De fato, imperava em

suas épocas o princípio “imperator intra ecclesiam, non supra ecclesiam [o

imperador está dentro da Igreja, não acima dela]”. 141

Reconhece-se como contribuição inestimável de São Tomás o reconhecimento dos

valores inatos à personalidade humana, sendo esta personalidade feita à imagem e

139 MOSCA, Gaetano; BOUTHOUL, Gaston. História das doutrinas políticas desde a antiguidad e. Tradução de Marco Aurélio de Moura Matos. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987. p. 77. 140 Cf. BOBBIO, op. cit., p. 143. 141 Idem, ibidem, p. 143.

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semelhança de Deus. Gozava ela de igualdade e dignidade perante todos os

homens. Esta idéia do direito natural influenciaria mais tarde a doutrina

jusnaturalista, e os processos revolucionários dos séculos VXII e XVIII.

Em antítese à teoria cristã, a doutrina pós-escolástica, utilizada pelos partidários do

poder laico, em oposição ao poder espiritual, passa a atribuir ao Estado o domínio

exclusivo do exercício da força física em seus territórios, reservando à Igreja apenas

o direito de ensinar e transmitir a verdadeira religião.

Os juristas da Universidade de Bolonha, que estudaram o direito romano,

sustentavam a autoridade imperial. “Consideravam o Imperador como sucessor

legítimo dos antigos Césares e, em conseqüência, o detentor da soberania integral

[...], apoiando-se nas Pandectas142, emitiram opinião favorável à supremacia do

Imperador”. 143

Em contraposição ao Estado teológico, surgiram escritores anticlericais, como

Guilherme Ockam, Jean Jandum, Marcílio de Pádua, Dante Alighieri e Ezelino de

Romano.

Outra teoria de fundamental relevância para a modernidade é creditada a Thomas

Hobbes que, no século XVII, concebe de modo inovador um poder Estatal unitário e

poderoso.

Na teoria hobbesiana o “Estado é um corpo artificial que nasce em contraposição ao

estado de natureza”.144 Para ele, ao contrário do que acreditava Aristóteles, o

homem é considerado como um ser “naturalmente anti-social”.

Antagonista sistemático da teoria hobbesiana, John Locke, em obra de tendência

liberal, publica em 1690, o “Ensaio sobre o Governo Civil”, dividiu a referida obra em

142 O Direito romano na forma que recebeu na codificação justiniana é a primeiríssima fonte do Direito das Pandectas. A codificação justiniana divide-se em 4 partes: as Instituições, as Pandectas, o Código, as Novelas. O complexo dessas normas, desde os glosadores, é chamado Corpus Juris Civilis. O motivo pelo qual somente o Direito de Justiniano, e não o anterior, nem o posterior, é fonte do Direito das Pandectas está em que o Direito romano foi recebido na Alemanha somente sob a forma como era ensinado na escola de Bolonha, e esta escola não conhecia senão o Direito justiniano. 143 Cf. MOSCA, op. cit., p. 84. 144 Cf. BOBBIO, op. cit., p. 81.

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duas partes. Na primeira, refutou as idéias absolutistas de Robert Filmer145 que, por

volta de 1650, escreveu “O Patriarca”, onde sustentou ser os reis descendentes

diretos de Adão.

Na segunda parte da obra, partindo das mesmas premissas que Hobbes, ou seja, da

idéia comum aos escritores dos séculos XVII e XVIII, da existência de um estado de

natureza seguido por um pacto social consensual, chegou Locke a conclusões

distintas.

Enquanto para Locke, o contrato se dá por meio de um acordo consensual e

recíproco, para Hobbes este pacto se firma em razão da insegurança, com vistas à

garantia de paz.

O traço distintivo da lógica de ambos reside na acepção conceitual do estado de

natureza, que para Hobbes é belicoso, enquanto para Locke é relativamente

pacífico.

Outra distinção relevante do modelo jusnaturalista, que terá reflexos no projeto

político da sociedade burguesa, refere-se à origem do Estado e sua formação

“individualista e atomizante ou social e orgânica”.146

Para Locke, o pacto social originou-se entre o estado pré-político, ou seja, entre as

estruturas sociais primitivas e o Estado civil, perfilhando-se, neste sentido, ao

modelo aristotélico,147 descrito no primeiro livro da “Política”: “[...] é um estado no

qual as relações fundamentais são relações entre superiores e inferiores e, portanto, 145 Robert Filmer rompeu com a argumentação patriarcal tradicional ao declarar que os poderes político e paterno não eram simplesmente análogos e sim idênticos. Assim, entre 1680 e 1690, a ideologia oficial da autoridade da monarquia e do Estado baseava-se na proposição de Filmer de que os reis eram pais e os pais, reis. Filmer escreveu a obra em resposta às novas teorias contratualistas que afirmavam ser todos os homens naturalmente livres. Segundo ele, os homens não nasceriam naturalmente livres, mas sim “naturalmente submetidos aos pais”. Tanto Filmer quanto os contratualistas se baseiam numa suposição da “natureza humana”, para dela derivarem os direitos políticos. 146 Ao correlacionar as principais distinções entre os modelos propostos pelos teóricos contratualistas, Bobbio observa que a mais relevante delas refere-se ao surgimento do estado a partir de sua estrutura primitiva, ora a partir da estrutura familiar, conforme propôs Aristóteles e Locke, ora partindo da concepção individualista, indivíduo/estado, proposta por Hobbes. “De todas as diferenças entre os dois modelos, a mais relevante para uma interpretação histórica e (com todas as cautelas do caso) ideológico de ambos é que se refere à relação indivíduo/sociedade. No modelo aristotélico, está no início a sociedade (a sociedade familiar como núcleo de todas as formas sociais posteriores); no modelo hobbesiano, está no princípio o indivíduo”. (BOBBIO, Norberto. Sociedade e Estado na filosofia política moderna. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. 4. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 44) 147 Apud BOBBIO, op. cit., 1994, p. 44.

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são relações de desigualdade, como é o caso, precisamente, das relações entre

pais e filhos e senhor e servos”.

Esta acepção de estrutura social, de transição do estado de natureza para o Estado

civil, emerge com nitidez no “Segundo Ensaio sobre o Governo Civil”, de Locke,

quando propõe “mostrar a diferença entre o governante de uma sociedade política, o

pai de uma família e o capitão de uma embarcação”.148

Nesse diapasão, Bobbio149 observa:

[...] trata-se das três diferentes formas de poder que correspondem à tradicional distinção (que, em seus elementos essenciais, remonta ao Livro I da Política de Aristóteles) entre poder político, ou seja, do governante sobre os governados, pátrio poder, ou seja, do pai sobre os filhos, e poder despótico, ou seja, do senhor sobre os escravos. Como se vê claramente no capítulo XV da obra de Locke, o critério com base no qual se distinguem as três formas de poder é a diferente fundamentação da autoridade, que corretamente se pode chamar de “princípio de legitimidade”. O primeiro retira sua legitimidade do consenso mútuo (the mutual consent) dos governados; o segundo é um poder natural (natural Government), que decorre da relação natural das gerações com os direitos e deveres que ali estão vinculados; o terceiro encontra a sua justificação na pena infligida aos que perderam uma guerra injusta. Trata-se, como se vê, das três fontes clássicas de qualquer obrigação, ex contractu, ex natura, ex delicto.

Paradoxalmente, ao contrário do “liberal” Locke, o “absolutista” Hobbes prega o

surgimento do pacto social, diretamente, entre o indivíduo singular do Estado de

Natureza e o Estado civil, portanto, sem fases intermediárias e sem relação de

subordinação. Esta hipótese contratualista, individualista, pressupõe a liberdade e

autonomia do sujeito contratante.

A abstração conceitual dos modelos individualista e socialista150, de transição do

Estado de Natureza para o Estado Civil, ganha relevo, conquanto, a adoção do

primeiro modelo “representa a descoberta da esfera econômica como distinta da

esfera pública”151, ao passo que a prevalência do segundo modelo implicaria em

148 Cf. BOBBIO, Norberto. O filósofo... , 2003. p. 103. 149 Idem, ibidem, p. 103-104. 150 O vocábulo socialista refere-se a formação do Estado a partir do desenvolvimento e a ampliação da família, não deve ser confundido com as múltiplas variantes de socialismo que é a transformação do sistema econômico, baseado na propriedade privada dos meios de produção numa nova e diferente ordem social. 151 Cf. BOBBIO, Norberto. Sociedade e Estado..., 1994. p. 45.

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perpetuar a fusão entre os poderes econômicos e políticos, que vigorou na

sociedade feudal com submissão dos súditos aos domínios senhoriais.

Com base nesta distinção, Bobbio152 assinala que “a particular importância desse

contraste se revela no fato de ser a ele que se refere principalmente a interpretação

corrente que faz do modelo jusnaturalista o reflexo teórico e, ao mesmo tempo, o

projeto político da sociedade burguesa em formação”.

Do ponto de vista estrutural, é, também, atribuída a Locke a elaboração da teoria

dos três poderes que, posteriormente, fora aperfeiçoada por Montesquieu.

Mas, fora sob a influência do pensamento político de Jean-Jaques Rousseau que

emergiu uma nova organização social nos séculos XIX e XX:

Rousseau desenvolveu uma concepção de soberania complemente diversa da dos liberais. Ao passo que Locke e seus adeptos haviam ensinado que somente uma parte do poder soberano é cedida ao estado, permanecendo o resto na mão do povo, Rousseau sustentava que a soberania é indivisível e que toda ela passa à comunidade quando se constitui a sociedade civil. Insistia, além disso, em que ao homologar cada indivíduo o contrato social, fazia entrega de todos os direitos à comunidade e concordava em se submeter inteiramente à vontade geral. Segue-se daí que o poder soberano do estado não está sujeito a quaisquer limitações”.153

A distinção fundamental de Rousseau, em relação aos seus antecessores, foi sua

concepção de estado de natureza.

Enquanto os autores anteriores distinguem nitidamente a hipótese racional do dado

histórico, Rousseau não considerava o dado histórico como uma abstração. Além

disso, os fundamentos teóricos de Rousseau rompem com a idéia dicotômica de

estado de natureza e sociedade civil, passando a adotar uma idéia triádica,

composta pelo estado de natureza, sociedade civil e república.

Na evolução histórica poderíamos destacar três períodos delimitados nos tempos,

aos quais correspondem três classes de direitos: ao século XVIII os direitos civis, ao

século XIX os direitos políticos, e ao XX os direitos sociais. 152 Ibidem, ibidem, p. 45. 153 Cf. BURNS, Edward Mcnall. História da civilização ocidental: do homem das cavernas até a bomba atômica. Tradução de Lourival G. Machado, Lourdes S. Machado e Leonel Vallandro 27. ed. Rio de Janeiro: Globo, 1986. p. 602.

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Formulado em termos filosóficos, o conceito de Estado de Direito serviu para

alicerçar a compreensão de Estado de Direito kantiano como “Estado da Razão”.

Ele nos diz que devemos sempre agir de modo a podermos desejar que a regra, a

partir da qual agimos, se transforme numa lei geral.

Desse modo, destaca Bobbio154 que “como idéia reguladora da razão, finalmente, o

contrato originário é, declaradamente, acolhido por Kant, que não se preocupa,

absolutamente, em saber se o Estado teve ou não como fundamento próprio um

acordo entre súditos”.

Segundo, o Autor155 “ao contrário, ele considera que a origem do poder supremo é,

para o povo que está submetido a ele, algo “imperscrutável” e, portanto, não pode se

tornar objeto de investigação e de controvérsia, a não ser como grave perigo para a

salvação do Estado”.

Pelo paradigma liberal Kantiano, o direito caracteriza-se como ordem ou sistema

hermético de regras e de programas condicionais, que busca a estabilização social,

estabelecendo os limites e, simultaneamente, garantindo a esfera privada de cada

indivíduo.

Kant menciona três potestas: legislatoria, rectoria et judiciária, sendo o Poder

Legislativo absoluto; o Poder Executivo exercido segundo a lei, e cabendo ao Poder

Judiciário a aplicação desta. Em contraste com a proposição platônica, de que os

filósofos deveriam converter-se em reis, Kant156 diz:

Não há por que esperar que os reis façam filosofia ou que os filósofos convertam-se em reis, e nem sequer é isso desejável, pois a posse da força corrompe inevitavelmente o livre juízo da razão. Mas que os reis ou os povos soberanos (...) não desprezem nem confinem no silêncio a classe dos filósofos, e que a deixem falar. Isso é indispensável para uns e para outros, com o objetivo de ter esclarecimentos sobre seus próprios assuntos. Já que essa classe, por sua própria natureza, é imune ao espírito faccioso e incapaz de conspirar, não pode ser suspeita de fazer propaganda.

154 Cf. BOBBIO, Norberto. Sociedade e Estado..., 1994, p. 65. 155 Idem, ibidem. 156 Apud BOBBIO, op. cit., p. 432.

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Para estabelecer as regras dentro do Estado, sobretudo para se obter um

relacionamento harmonioso no seio social, Hegel equaciona a aparente antinomia

entre liberdade e obediência. Parte ele da consciência objetiva geral, em oposição à

subjetividade individual, entendendo que, a liberdade no plano objetivo, liberdade

concreta, é inerente ao interesse geral, portanto, pautada pela ética e pelas normas

jurídicas, estando, assim, condicionada pelos interesses coletivos.

Do secular processo de formação do Estado emerge, no século XIX, o Estado de

Direito a serviço da burguesia, reconhecendo uma liberdade e igualdade apenas no

plano formal.

Somente após os estudos de Max Weber, sobre o capitalismo, surge a idéia de

Estado Social. Interessou-lhe conhecer a maneira como uma relação de força se

transforma em uma relação de direito.

Ao explicar o poder, Weber distingue o poder de fato (Marcht) do poder de direito

(Herrschaft) e chega às formas de poder: o legítimo legal-racional, o tradicional e o

carismático. “O poder legal-racional recebe sua legitimidade do exercício do poder

com apego à lei, de um mandato impessoal e ordinário, em contraste com o poder

carismático, que é pessoal e extraordinário, e o poder tradicional, que é pessoal e

ordinário”.157

Ao refletir sobre pensamento weberiano, Tercio Sampaio Ferraz Jr.158 argumenta no

seguinte sentido:

[...] se aceitarmos a concepção de Max Weber de que o Direito moderno propicia a segurança da certeza na expectativa de determinadas ações, a racionalidade do saber dogmático sobre o Direito não se localiza em soluções visadas (racionalidade dos fins), nem na discriminação fechada dos meios (racionalidade formal dos instrumentos), mas no tratamento correlacional de fins e meios, na correlação funcional de questões e solução de questões. È isso que lhe dá o caráter arquitetônico de combinatória de modelos, aberta para problemas de decidibilidade, mas delimitada pelo espírito do ‘docere’.

157 Cf. BOBBIO, op. cit., 1994. p. 33. 158 FERRAZ JR., Tercio Sampaio. A Ciência do Direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1980. p. 108.

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A totalidade do pensamento político anterior a Weber ocupou-se, com mais ênfase,

em estabelecer os deveres do cidadão, e não os seus direitos, porquanto, a atenção

precípua esteve focada nos direitos e poderes do soberano, relegando a segundo

plano os direitos do cidadão.

Ao considerar de modo inverso a relação política, partindo do ponto de vista do

governado e não mais do governante, o regime político passa a não ser apenas o

governo da lei, assume assim um caráter unitário entre governo e homens, estes

últimos inseridos como protagonistas do processo legislativo na feitura das leis, e

estas observando seus limites em direitos preexistentes dos indivíduos.

Mas, para Ricardo Lobo Torres159 existem duas objeções quanto à explicação

fundada no contrato, ou seja, na relação jurídica contratual estabelecida entre o

Estado e o cidadão: 1) “a cidadania não cria veículos jurídicos apenas entre o

cidadão e o Estado, mas também entre os próprios cidadãos, em virtude da eficácia

contra terceiros que os direitos fundamentais exibem”; 2) “a relação entre direitos e

deveres do cidadão e do Estado é assimétrica(...), o que prejudica a idéia de relação

contratual, que é sinalagmática essencialmente”.

Neste contexto, Georg Jellinek, tendo por objeto o estudo e conhecimento do

Estado, em sua obra intitulada “Teoria Geral do Estado”, concebe uma teoria

analítica das situações do indivíduo em face do Estado.

4.3.2 A Teoria do Status

Jellinek160 construiu a doutrina do status, considerando quatro situações relativas às

condições em que pode se encontrar o indivíduo como membro do Estado: 1) o

status subiectiones (passivo), correspondente à situação de absoluta submissão dos

indivíduos ao Estado, em razão dos deveres a eles impostos; 2) o status libertatis

(negativo), estado de liberdade natural, esfera de liberdade individual onde não se

permite intervenção do Estado; 3) o status civitatis (positivo) que consiste na

159 Cf. TORRES, op. cit., 1999. p. 250. 160 Apud TORRES, op. cit., p. 251.

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capacidade de exigir do Estado prestações positivas; 4) o status activae civitatis

(ativo), onde é permitido ao indivíduo exercitar seus direitos políticos.

O problema primordial da teoria positivista de Jellinek reside na conformação entre o

status subjectiones e o status libertatis, na medida em que a ampliação, no âmbito

dos deveres, implicava em redução no âmbito de liberdades. A imposição de

deveres, resultantes do status subjectiones e do status civitatis, acabava por

neutralizar ou anular o status libertatis.

Peter Häberle, no intento de solver o problema, acrescentou à teoria do status de

Jellinek, o status activus processualis, um reforço dado à liberdade individual.

Aparece, assim, o procedimento como um direito fundamental diferenciado, que é,

ao mesmo tempo, garantia de liberdade e limitador do poder estatal.

Os direitos fundamentais, especialmente, status activus processualis, implica na

operativisação dos direitos subjetivos de participação e conformação do status

politicus, que hoje constituem o fundamento do Estado Social de Direito.

Com efeito, desde que Jellinek desenvolveu a sua teoria dos quatro "status", os

direitos fundamentais passaram a desempenhar diferentes funções na ordem

jurídica.

4.4 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS E SUAS DIFERENTES FUNÇÕES:

DIREITOS DE DEFESA; GARANTIAS POSITIVAS DO EXERCÍCIO

DAS LIBERDADES; DIREITOS ÀS PRESTAÇÕES POSITIVAS;

NORMAS DE PROTEÇÃO AOS INSTITUTOS JURÍDICOS E AO

PROCEDIMENTO

Na sua concepção tradicional, os direitos fundamentais são direitos de defesa

(Abwehrrechte), destinados a proteger determinadas posições subjetivas contra a

intervenção do Poder Público, seja pelo não impedimento da prática de determinado

ato, seja pela não intervenção em situações subjetivas ou pela não eliminação de

posições jurídicas.

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Uma vez violado o direito de defesa, o indivíduo dispõe, segundo Gilmar Mendes161,

da correspondente pretensão que pode consistir, fundamentalmente, em uma:

[...] (1) pretensão de abstenção (Unterlassungsanspruch); (2) pretensão de revogação (Aufhebungsanspruch), ou, ainda, em uma (3) pretensão de anulação (Beseitigungsanspruch). Os direitos de defesa ou de liberdade legitimam ainda duas outras pretensões adicionais: (4) pretensão de consideração (Berücksitigungsanspruch), que impõe ao Estado o dever de levar em conta a situação do eventual afetado, fazendo as devidas ponderações; e (5) pretensão de defesa ou de proteção (Schutzanspruch), que impõe ao Estado, nos casos extremos, o dever de agir contra terceiros.

Portanto, os direitos fundamentais conferem ao indivíduo um status, isto é,

determinam e asseguram os limites da posição jurídica do indivíduo em suas

relações com outros indivíduos, configurando-se aí um status jurídico constitucional,

que implica um status jurídico material, de conteúdo concreto, do qual não se podem

dispor os indivíduos nem os poderes públicos.

No sentido subjetivo, os direitos fundamentais são primordialmente direitos de

defesa, impondo barreiras e diretrizes para a atuação estatal, devem assegurar a

esfera de liberdade do indivíduo frente aos poderes públicos. Tal direito de defesa

compreende o direito dos indivíduos de socorrer aos tribunais ante a limitação da

liberdade derivada de medidas estatais.

Os direitos fundamentais são direitos de participação em dupla dimensão, tanto

direitos prestacionais, bem como direitos de prestação na organização, e no

processo de realização, conformação e controle da vontade geral e, particularmente,

controle do exercício do poder público do Estado.

Os direitos fundamentais, de natureza prestacional em sentido subjetivo,

compreendem a atividade geral do Estado para satisfazer as necessidades

individuais e coletivas, e, com base no princípio da dignidade da pessoa, para a

defesa da personalidade. Os direitos fundamentais prestacionais traduzem-se em

assegurar o mínimo aos indivíduos por parte do Estado.

161 MENDES, Gilmar. Revista Jurídica Virtual. nº 13. vol. 2. Presidência da República – Casa Civil – Subchefia para assuntos jurídicos. Brasília, jun. 99. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_14/direitos_fund.htm>. Acesso em: 29 nov. 2006.

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Em sentido objetivo, os direitos fundamentais prestacionais configuram diretrizes

constitucionais e conduta de atuação legislativa, das quais se depreende a

obrigação de uma determinada postura da atividade estatal, na medida das

possibilidades físicas (infraestrutural), pressupondo o respeito do Estado, com

relação à satisfação das necessidades dos indivíduos, tais como educação, saúde,

lazer, etc.

Com respeito aos horizontes do dever prestacional do Estado, são valiosos os

esclarecimentos de Luís Virgílio Afonso da Silva162:

Antes se falava apenas em Übermassverbot, ou seja, proibição de excesso. Já há algum tempo fala-se também em Untermassverbot, que poderia ser traduzido por proibição de insuficiência. O debate sobre a aplicabilidade de regra da proporcionalidade também para os casos de omissão ou ação estatal insuficiente ainda se encontra em fase embrionária, mas a simples possibilidade de aplicação da proporcionalidade a casos que não se relacionem com excesso estatal já é razão suficiente para abandonar o uso sinônimo de regra da proporcionalidade e proibição de excesso”.

Se outrora, vinculava-se o princípio da proporcionalidade, ou como preferem alguns

a regra da proporcionalidade, somente à proibição de excesso, hoje parece não

mais haver qualquer dúvida quanto à sua vinculação a uma dupla dimensão:

proibição de excesso e proibição de proteção deficiente.

4.5 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE COMO INSTRUMENTO

DE COMPATIBILIDADE DOS FINS CONSTITUCIONAIS E A

PROIBIÇÃO DE PROTEÇÃO DEFICIENTE

Pelo princípio da proporcionalidade busca-se estabelecer a compatibilidade das

normas com fins constitucionais previstos. Através do exercício do controle

constitucional das normas, o Judiciário procede ao exame do caso concreto

aplicando o princípio da proporcionalidade e exercendo o controle da legalidade,

caso seja considerado abusivo.

De seu turno, o princípio da proporcionalidade está estritamente vinculado à

proibição de excesso por parte dos poderes estatais, no seio do Estado Democrático 162 SILVA, Luís Virgílio Afonso da. O Proporcional e o Razoável. In Revista dos Tribunais . Ano 91, vol. 798, abr. 2002. p. 27.

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de Direito. Vale dizer que o exercício do poder estatal subordina-se à ordem jurídica

que o limita e o impede de agir com arbítrio.

Salienta-se, conforme observado por Bonavides163, que a limitação dos poderes do

legislador não enseja vulnerabilidade ao princípio da separação dos poderes,

proposto por Montesquieu.

Isto porque, justifica o citado Autor164, “o raio de autonomia, a faculdade política

decisória e a liberdade do legislador para eleger, conformar e determinar fins e

meios se mantém, de certo modo, plenamente, resguardada. Mas tudo isso, é obvio,

sob a regência inviolável dos valores e princípios estabelecido pela Constituição”.

Sem a pretensão de desenvolver uma análise quanto ao conceito técnico-jurídico da

proporcionalidade, cumpre consignar o posicionamento de Luis Virgílio165, em um

instigante artigo intitulado “O Proporcional e o Razoável”.

O referido Autor, guiado pela teoria de Robert Alexy, que considera a norma jurídica

como gênero, que possui entre suas espécies os princípios e as regras, faz menção

crítica ao uso e à utilização do termo princípio da proporcionalidade e assevera que

proporcionalidade, em sentido técnico-jurídico, não é sinônimo de razoabilidade.

Por conseguinte, conclui Luís Virgílio,166 acerca da proporcionalidade,167

asseverando que:

163 Cf. BONAVIDES, op. cit., 2006. p. 399. 164 Idem, ibidem. 165 Cf. SILVA, Luís Virgílio Afonso da. Op. cit. 166 Idem, ibidem, p. 45. 167 Para Luiz Virgílio Afonso da Silva, “a regra da proporcionalidade é uma regra de interpretação e aplicação do direito [...] empregada, especialmente, nos casos em que um ato estatal, destinado a promover a realização de um direito fundamental ou de um interesse coletivo, implica a restrição de outro ou outros direitos fundamentais. O objetivo da aplicação da regra da proporcionalidade, como o próprio nome indica, é fazer com que nenhuma restrição a direitos fundamentais tome dimensões desproporcionais. È, para usar uma expressão consagrada, uma restrição às restrições. Para alcançar esse objetivo, o ato estatal deve passar pelos exames da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito. Estes três exames são, por isso, considerados como sub-regras da regra da proporcionalidade. (Cf. SILVA, op. cit. p. 24). No dizer de Bonavides, a regra da proporcionalidade, enquanto instrumento de interpretação, “é hoje axioma do Direito Constitucional, corolário da constitucionalidade e cânone do Estado de Direito, bem como regra que tolhe toda a ação ilimitada do poder do Estado no quadro de juridicidade de cada sistema legítimo de autoridade. A ele não poderia ficar estranho, pois o Direito Constitucional brasileiro. Sendo, como é princípio que embarga o próprio alargamento dos limites do Estado ao legislar sobre matéria que abrange direta ou indiretamente o exercício da liberdade e dos direitos fundamentais, mister se faz proclamar a força cogente de sua normatividade”. (Cf. BONAVIDES, op. cit., p. 436)

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1. Proporcionalidade e razoabilidade não são sinônimos. Enquanto aquela tem uma estrutura racionalmente definida, que se traduz na análise de suas três sub-regras (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito), esta ou é um dos vários topoi dos quais o STF se serve, ou uma simples análise de meios e fins. 2. (...) a regra da proporcionalidade tem origem na jurisprudência alemã, e não na jurisprudência inglesa ou norte-americana. 3. A aplicação da regra da proporcionalidade pelo STF consiste apenas em um apelo à razoabilidade. 4. As sub-regras da proporcionalidade guardam uma relação de subsidiariedade, o que significa dizer que nem sempre será necessária a aplicação de todas elas. 5 Para que uma medida seja considerada adequada, nos termos da regra da proporcionalidade, não é necessário que seu emprego leve a realização do fim pretendido, bastando apenas que o princípio que legitime o objeto seja fomentado. 6. A regra da proporcionalidade não encontra seu fundamento em dispositivo legal do direito positivo brasileiro, mas decorre logicamente da estrutura dos direitos fundamentais como princípios jurídicos. 7. Se se aceita, portanto, a definição de princípio jurídico como mandamento de otimização, necessário é também aceitar a aplicação da regra da proporcionalidade, pois ambos guardam uma relação de implicação.

É de relevo consignar que o dissenso doutrinário diz respeito tão somente ao

conceito técnico-jurídico do princípio e método de sua aplicação, havendo, em

princípio, consenso no que diz respeito à sua compatibilidade instrumental a

viabilizar os fins constitucionalmente previstos.

O precursor da discussão acerca da regra de proibição deficiente em terras

brasileiras foi Luís Virgílio Afonso da Silva, por ocasião de seu doutorado em Direito

Constitucional e Teoria do Direito na Universidade de Kiel na Alemanha, orientado

pelo constitucionalista alemão Robert Alexy.

Segundo Luis Virgílio168 “o termo Untermasseverbot foi utilizado pela primeira vez,

ao que tudo indica, por Claus-Wilhem Canaris, “Grundrechte und Privatrecht” [...], e

ganhou importância na jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão a partir da

segunda decisão sobre o aborto.”

Com efeito, Virgílio mais do que efetuar o aprofundamento do conceito jurídico do

princípio da proporcionalidade, como instrumento de controle contra excesso dos

poderes estatais, ressaltou sua importância em finalidades opostas, “isto é, como

instrumento contra a omissão ou contra a ação insuficiente dos poderes estatais”.169

168 Cf. SILVA, Luís Virgílio. Op. cit. p. 27. 169 Idem, ibidem.

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Na mesma senda, Sarlet170 examina o enfoque do princípio da proporcionalidade:

Nesta perspectiva, o princípio da proporcionalidade não pode deixar de ser compreendido – para além de sua função como critério de aferição da legitimidade constitucional de medidas que restringem direitos fundamentais – na sua dupla dimensão como proibição de excesso e de insuficiência, já que ambas as facetas guardam conexão direita com as noções de necessidade e equilíbrio. A própria sobrevivência do garantismo (e, como ele, do Estado Democrático – e proporcional –de direito) está em boa parte atrelada ao adequado manejo da noção de proporcionalidade[...].

A exposição de Lenio Streck171 no concernente ao princípio da proporcionalidade

assevera:

[...] a estrutura do princípio da proporcionalidade não aponta apenas para a perspectiva de um garantismo negativo (proteção contra os excessos do Estado), e sim, também, para uma espécie de garantismo positivo, momento em que a preocupação do sistema jurídico será com o fato de o Estado não proteger suficientemente determinado direito fundamental, caso em que estar-se-á em face do que, a partir da doutrina alemã, passou-se a denominar de ‘proibição de proteção deficiente’ (Untermassverbot)”. E, citando Bernal Pulido, assinala que este conceito “refere-se à estrutura que o princípio da proporcionalidade adquire na aplicação dos direitos fundamentais de proteção. A proibição de proteção deficiente pode definir-se como um critério estrutural para a determinação dos direitos fundamentais, com cuja aplicação pode determinar-se um ato estatal – por antonomásia, uma omissão – viola um direito fundamental de proteção.

Não é apenas no âmbito doutrinário que floresce a idéia de um ativismo judicial,

merece menção o discurso proferido pelo Ministro Antônio de Pádua Ribeiro,172 por

ocasião de sua posse no Superior Tribunal de Justiça:

Tenha-se em conta que a expansão da atividade legislativa e o crescente volume de

legislação, além de sobrecarregarem os parlamentos, ensejaram o surgimento de

leis ambíguas e vagas, deixando delicadas escolhas políticas à fase da sua

interpretação e aplicação. Some-se, ainda, o fato de que, em regra, os direitos

sociais são "promocionais" e voltados para o futuro, exigindo do Estado, para a sua

gradual realização, uma interferência ativa e prolongada no tempo. Nesse caso, ao

aplicar as leis pertinentes, não pode o juiz proceder de maneira estática, mas há de

170 Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. In Revista de Estudos Criminais..., p. 120. 171 STRECK, In. Juris poiesis : Revista do Curso de Direito da Universidade Estác io de Sá, Rio de Janeiro, ano 8, n. 7, 2005. p. 233. 172 BRASÍLIA, Superior Tribunal de Justiça. Discurso de posse do Ministro Antônio de Pádua Ribeiro no cargo de Presidente do STJ. 02 abr. 1998. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/bitstream/2011/120/4/Posse_no_Cargo_de_Presidente.pdf>. Acesso em: 25 set. 2006.

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ter presente a sua finalidade social à vista dos programas prescritos de maneira

vaga pelas referidas normas. Esses aspectos promoveram o surgimento de um

ativismo judicial mais acentuado. É lamentável, porém, que os críticos desse

ativismo, em geral, não tenham compreendido os fenômenos dos quais ele decorre,

segundo assinala Mauro Cappelletti.

Inobstante às críticas advindas das correntes mais conservadoras, podemos

observar que o ativismo constitucional mostra-se como tendência a ser abraçada

pelo judiciário brasileiro, a exemplo do que ocorrera em países europeus.

Este processo, que vem sendo designado como judicialização da política, marca,

indelevelmente, a ruptura do paradigma liberal-individualista lançando luzes sobre o

modelo de Estado Social e Democrático de Direito e seus valores

constitucionalmente positivados.

Contudo, a exemplo de tantos outros instrumentos jurídicos, o ativismo judicial deve

ser aplicado cum grano salis, visando sempre à mantença do equilíbrio e

independência dos poderes. Parece-nos ser este um exercício inerente ao próprio

modelo democrático, onde a prática aperfeiçoará a função transformadora do Direito.

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5 O DEVER DE PROTEÇÃO DO ESTADO EM FACE DA

BIOPIRATARIA

5.1 BIOPIRATARIA

A Biopirataria173 não deve ser conceituada tão somente como tráfico das mais

diversas formas de vida da flora e fauna, também, é uma atividade estratégica

altamente rentável, que movimenta bilhões de dólares.

Com o advento e o incremento da biotecnologia, adicionado à fragilidade das leis

nacionais brasileiras e à falta de interesse dos países hegemônicos em coibir o

tráfico de recursos genéticos, esta atividade intensificou-se, exponencialmente,

tornando os países ricos em biodiversidade potenciais alvos da biopirataria.

Inúmeros são os relatos do descaso das autoridades governamentais diante desta

situação, fazendo letra morta a norma erigida no artigo 225 da Constituição Federal.

Autores, como Adalberto Carim Antônio174, revelam a primeira história do caso de

biopirataria transcorrido no Brasil, precisamente, no ano de 1876, quando Henry

Wickham, travestido de excêntrico colecionador de orquídeas, procedeu ao plantio

selecionado na Amazônia da heavea brasilensis, vulgarmente conhecida como

seringueira.

Do plantio, o biopirata coletou e contrabandeou setenta mil sementes para o

sudoeste asiático, sem o consentimento do governo brasileiro, fazendo desta região

a principal produtora de borracha, e impingindo ao Estado do Amazonas uma

desastrosa ruína econômica que durou meio século.

173 Conceituação de biopirataria conforme o Instituto Brasileiro de Direito do Comércio Internacional, da Tecnologia da Informação e Desenvolvimento (CIITED): Biopirataria consiste no ato de aceder a ou transferir recurso genético (animal ou vegetal) e/ou conhecimento tradicional associado à biodiversidade, sem a expressa autorização do Estado de onde fora extraído o recurso ou da comunidade tradicional que desenvolveu e manteve determinado conhecimento ao longo dos tempos (prática esta que infringe as disposições vinculantes da Convenção das Organizações das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica). A biopirataria envolve ainda a não-repartição justa e eqüitativa - entre Estados, corporações e comunidades tradicionais - dos recursos advindos da exploração comercial ou não dos recursos e conhecimentos transferidos. 174 ANTÔNIO, Adalberto Carim. In Seminário Internacional sobre Direito da Biodiversidade. Revista CEJ/Conselho da Justiça Federal , Centro de Estudos Judiciários, n. 8, Brasília: CJF,1999. p. 172.

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Transcorrido mais de 120 anos do primeiro ato de biopirataria sofrido pelo Brasil, a

história se repete com intensidade assustadora.

Segundo dados do site www.duplipensar.net175, o nosso patrimônio genético vem

sendo pilhado, sistematicamente, pelas grandes multinacionais de diversos setores

como fármaco, alimentício, etc..

Os relatos são impressionantes, e os prejuízos para nação, que insiste em

permanecer deitada em berço esplendido, são incalculáveis, conforme informação

contida no referido site.

À título de exemplificação, mencionaremos alguns produtos que refletem esta grave

crise ambiental inserida no seio do Estado ecológico brasileiro, extraídos do site

duplipensar.

A semente de Bibiri, usada, desde tempos remotos, pelas índias uapixanas de

Rondônia, como anticoncepcional, patrimônio cultural indígena, hoje, pertencente ao

laboratório canadense Biolik, que o patenteou como “descoberta” canadense.

A Andiroba (carapa guianensis aubl), usada como repelente de insetos, cicatrizante

e contra a febre pelos indígenas da Amazônia, teve sua patente registrada pela

Rocher Yves Vegetabble, dona da andiroba nos USA, Europa e Japão. Seu extrato

só pode ser usado em medicamentos ou cosméticos mediante o pagamento dos

royalties.

O curare, veneno paralizante feito de mistura de ervas, usado nas flechas e setas de

zarabatana, pelos índios jivago da Amazônia, foi patenteado nos USA na década de

40, e é usado, até hoje, na industrialização de relaxantes musculares e anestésicos

para cirurgias em todo mundo.

A Ayahuasca (banisteriopsis caapi), folha caapi ou chacrona, que misturada ao cipó

mariri se faz a beberragem, o vinho dos deuses, popular entre mais de 300 etnias ou

175 CALAZANS, Flávio. Biopirataria. 29 jun. 2004. Disponível em: <http://www.duplipensar.net/artigos/2004-Q3/biopitataria.html>. Acesso em: 22 jun. 2005.

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tribos indígenas amazônicas, foi patenteado como descoberta da empresa

americana International Plant Medicine Corp.

O Pau-Rosa (aniba roseadora) é usado como fixador de aroma na indústria química

de perfumarias, livremente usado nos USA, Bélgica, Inglaterra, Alemanha e França.

Seu óleo é a base do famoso perfume “Chanel nº 5”, o que resultou na extração

abusiva, a exemplo do Pau-Brasil, o Pau-Rosa, também, corre risco de extinção pelo

corte desmedido e predatório.

A Copaíba (copaifera sp) é uma planta antibiótica natural, desinfetante, estimulante

e espectorante. A empresa Technico-flor S/A registrou sua patente mundial,

obtendo, assim, uma reserva de mercado.

Segundo informação contida no citado site, além da flora, a fauna brasileira também

é vítima da biopirataria dos países industrializados.

O sapo (epipedobetes tricolor), que vive nas árvores da Amazônia e produz uma

toxina analgésica 200 vezes mais poderosa e eficiente do que a morfina, teve sua

toxina sintetizada pelo laboratório Abbott dos USA, vendendo a droga em monopólio.

A serpente Jararaca (bothrops jararaca) foi estudada pelo pesquisador brasileiro

Sérgio Ferreira, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, que

descobriu na peçonha da jararaca uma substância química capaz de controlar a

pressão arterial. Entretanto, sem recursos financeiros para desenvolver a pesquisa,

teve de aceitar parceria com laboratório Bristol-Myers Squibb USA, que acabou

registrando a patente do princípio ativo Captopril, em mercado que rende 2,5

milhões de dólares ao ano, só em royalties, tendo hoje o Brasil que pagar pelo uso

do produto.

Dos relatos transcritos, torna-se incontroverso a deficiência do Estado brasileiro no

que tange ao seu dever de proteção ao meio ambiente, nos exatos termos a que

alude o art. 225 da Constituição Federal.

Inobstante, a proteção do meio ambiente ser responsabilidade precípua do Estado

brasileiro, não é menos certo afirmar a falta de conhecimento e interesse da

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sociedade brasileira, que assiste, passivamente, à expropriação de suas riquezas

naturais, mesmo ante a odiosa campanha mundial que propala aos quatro quantos

do mundo ser a Amazônia um patrimônio da humanidade, em afronta direta à

soberania do País.

Por coincidência ou não, situado em países vizinhos ao Brasil, estende-se um

cinturão de 20 (vinte) bases americanas, “forward base”, num total de quinze mil

homens distribuídos do Equador ao Paraguai, como constatou a reportagem do

Jornal Zero Hora, de Porto Alegre/RS de 25/03/2001176.

O vácuo legislativo e a ausência dos poderes constituídos, em região tão remota,

criam o ambiente propício aos interesses multinacionais de ocupação e

“apropriação” deste grande vazio.

A negligência governamental e o silêncio eloqüente da sociedade brasileira nos

remete à reflexão de Vandana Shiva177:

A pressuposição de terras não-ocupadas, terra nullis, está agora sendo estendida à “vida não-ocupada”: sementes e plantas medicinais. A apropriação de recursos nativos durante a colonização foi justificada pela alegação de que os povos indígenas não “melhoravam” sua terra. Como John Winthorop (1588-1649) escreveu: ‘Os nativos em Nova Inglaterra não cercam suas terras, nem têm habitações fixas, nem gado domesticado para melhorar suas terras, então nada mais possuem que o Direito Natural a essas terras. Portanto, se lhes deixarmos o suficiente para uso próprio, poderemos legalmente tomar o resto’. A mesma lógica é agora utilizada para [...].

Tanto Henry Wickham, que receberia, da coroa britânica, o título de Sir. pela

pilhagem de recursos naturais brasileiros, quanto John Winthrop, não poderiam, à

época dos fatos, sustentar legalmente suas atuações pelo direito vigente, como

observa Adalberto Carim Antônio178:

É paradoxal, no entanto, lembrar que em nível internacional já se respeitava o chamado Direito das Gentes e que na Inglaterra se sobressaía o direito consuetudinário. Sem praticamente nada escrito, essas formas de

176 Jornal Zero Hora de Porto Alegre/RS, edição de 25 mar. 2001. 177 Cf. SHIVA, op. cit., p. 26. 178 Cf. ANTÔNIO, Adalberto Carim. In Seminário Internacional..., op. cit., p. 172.

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reger a vida em sociedade preconizavam o respeito à propriedade quando seu dono é formalmente conhecido.

Passados mais de 500 anos da colonização da América Católica, desvela-se outra

forma de colonização, que se traduz na incrível possibilidade de apreender e possuir

todo tipo de forma de vida, como se propriedade privada fosse, exercendo, via de

conseqüência, todos os direitos a ela inerentes (jus utendi, fruendi et abutendi).

O caso emblemático que representa esta arrogante possibilidade ocorrera em 1971,

quando um funcionário da General Electric entrou com pedido de patente nos

Estados Unidos, reivindicando para si os louros da criação de um novo tipo de

bactéria, obtido pelo embaralhamento dos genes de três outras já existentes.

Referindo-se ao caso Chakravarty, como ficou conhecido, a Suprema Corte

americana estabeleceu precedentes ao decidir que ele havia produzido uma nova

bactéria com características, notadamente, diferentes de quaisquer outras

encontradas na natureza.

Ainda, quanto ao Chakravarty, Key Dismukes179, Diretor de Estudos do Committee

on Vison (Comissão para Decisões Estratégicas) da Academia Nacional de Ciências

dos Estados Unidos, afirmou:

Que pelo menos uma coisa fique clara: Anand Chakravarty não criou uma nova forma de vida; ele simplesmente interveio no processo normal de troca de informação genética das bactérias, para produzir uma nova cepa com padrões metabólicos alterados. A bactéria “dele” vive e se reproduz de acordo com as leis que governam toda a vida celular. Avanços recentes nas técnicas de DNA recombinante permitem uma manipulação bioquímica mais direta dos genes bacterianos utilizados por Chakravarty, mas elas também são apenas modulações de processos biológicos. Estamos incalculavelmente longe de ser capazes de criar nova vida – e por isso eu sou profundamente grato. O argumento de que a bactéria de Charkravarty é obra dele e não da natureza exagera de maneira absurda o poder humano e manifesta a mesma presunção e ignorância de biologia que têm tido um impacto tão devastador na ecologia do nosso planeta.

Considerando este emblemático exemplo da Suprema Corte Americana, por ter sido

o precursor de um perigoso e assustador precedente, que reconhece a possibilidade

de se criar novos tipos de vida; a indagação que se faz pertinente é a de quem pode

interessar brincar de criador? E por que este interesse revela-se tão intenso,

179 Apud SHIVA, Op. Cit. p. 42-43.

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principalmente, no hemisfério norte que domina o processo de engenharia genética

no planeta, detendo, por seu intermédio, a maior parte das patentes obtidas no

mundo?

A resposta reside nos direitos de propriedade intelectual, obtidos por meio de

patentes pela bioprospecção180, especialmente, obtidas no hemisfério sul, rico em

diversidade.

Verifica-se daí, a exploração e monopólio de um patrimônio pertencente a todos,

como ressalta José Roque Jungues:181

Os seres vivos são um patrimônio da humanidade e não podem ser submetidos ao monopólio. A maior biodiversidade localizada no hemisfério sul, pobre e subdesenvolvido. As pesquisas biotecnológicas estão concentradas no hemisfério norte, rico e potente. Cientistas, a serviço de laboratórios e de empresas dos países desenvolvidos podem promover uma pilhagem dos recursos biológicos e genéticos das populações pobres do Terceiro Mundo, requerer patenteamento para assegurar o monopólio e depois vender aos países pobres algo que lhe foi expropriado.

Por certo, como afirmou Celso Lafer,182 “o expressivo avanço da moderna

Biotecnologia tem revelado a sua crescente importância estratégica”.

Entretanto, o ponto de tencionamento revela-se da seguinte forma: enquanto o norte

detém métodos e processos biotecnológicos, o sul detém a maior parte da

biodiversidade existente no mundo. Isto faz com que a bioprospecção se torne um

instrumento de transformação e poder ao conferir às descobertas, direitos de

propriedade intelectual, notadamente aos países desenvolvidos do hemisfério norte,

em detrimento dos menos desenvolvidos do hemisfério sul.

Induvidoso asseverar que o patrimônio genético, contido no território brasileiro,

constitui-se de bens pertencentes à União e não res nullis. Ressalta-se que a

Convenção sobre Diversidade Biológica reafirmou a soberania dos Estados sobre

seus patrimônios genéticos. Contudo, persiste o tencionamento entre os países 180 Conforme o art. 7º, inciso VII, da Medida Provisória nº 2.186-16, de 23.08.2001, bioprospecção é a atividade exploratória que visa identificar componente do patrimônio genético e informação sobre conhecimento tradicional associado, com potencial de uso comercial. 181 Apud LAPA, Fernanda Brandão. et. al. In Estado de Direito..., op. cit., 2004. p. 45. 182 LAFER, Celso. In Seminário Internacional sobre Direito da Biodiversidade. Revista CEJ/Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, n. 8, Brasília: CJF,1999. p. 61.

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desenvolvidos e os países “emergentes”, no que concerne aos interesses vertentes

sobre este patrimônio genético.

Vandana Shiva183 relata que os Estados Unidos, surpreendetemente, acusam o

Terceiro Mundo de pirataria. “As estimativas por perdas de royalties são de 202

milhões de dólares, por ano, para produtos químicos agrícolas e 2,5 bilhões,

anualmente, para produtos farmacêuticos”.

Segundo a Autora184, de acordo com “um levantamento realizado em 1986 pelo

Departamento de Comércio dos Estados Unidos, as companhias norte-americanas

reclamaram que haviam perdido 23,8 bilhões de dólares anualmente por causa de

uma proteção inadequada ou ineficaz da propriedade intelectual”.

Entretanto, “conforme mostrou uma equipe da Fundação Internacional para o

Progresso Rural do Canadá, se as contribuições dos lavradores e povos tribais são

levadas em conta, os papéis se invertem completamente”.185

Se assim fosse, “os Estados Unidos deveriam aos países do Terceiro Mundo 302

milhões de dólares em royalties agrícolas e 5,1 bilhões de dólares em royalties de

produtos farmacêuticos. Em outras palavras, considerando apenas esses dois

setores industriais, os Estados Unidos deveriam ao Terceiro Mundo 2,7 bilhões de

dólares”.186

A postura crítica assumida por Shiva contra a política adotada pelos Estados Unidos

em relação ao rest of the world (resto do mundo), a nosso ver procede, mas não põe

fim, nem protege o patrimônio genético brasileiro.

Por certo, a visão do resto do mundo diante da política americana, principalmente

após a primeira guerra do Golfo, a invasão do Afeganistão e a guerra do Iraque, só

exacerbaram o xenofobismo norte americano ao redor do mundo. Contudo, não será

183 Cf. SHIVA, op. cit., p. 82. 184 Idem, ibidem. 185 Idem, ibidem. 186 Idem, ibidem.

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nutrindo sentimentos inconfessáveis pela política americana, que solucionaremos

nossos próprios problemas.

Neste sentido, Mario César Carvalho187 chama a atenção para o descaso com que o

Estado brasileiro tem tratado a questão da biodiversidade, e adverte:

Muitas pessoas satanizam o Norte, os Estados Unidos, os imperialistas – ninguém é inocente nessa história. Parece-me que há uma platitude; todos os países que estão dando as cartas no jogo da globalização têm profundo interesse sobre a matéria. Mas parece-me um equívoco, tanto de análise quanto de ação política atribuir toda a culpa a esses países. Seria mais produtivo, tanto em termos científicos quanto práticos, tentar analisar a questão do ponto de vista interno. Parece-me que não há o menor interesse da elite brasileira em tratar essa questão.

O que resulta inconteste é o dever de proteção do Estado brasileiro para com seu

patrimônio genético e biodiversidade. Resulta de igual modo inócuo, continuar a

atribuir culpa a quem quer que seja, e não adotarmos políticas públicas que visem à

efetiva proteção deste patrimônio, aliada à inexorável necessidade de investimentos

na área da ciência e tecnologia.

Lamentarmos pela nossa ignorância, enquanto menos de 1% do Produto Interno

Bruto (PIB) brasileiro é investido em ciência e tecnologia. Neste contexto, importa

citar o comentário de Saul Hahn188, chefe de Divisão de Ciência e Tecnologia da

Organização dos Estados Americanos:

[...] em termos gerais a América Latina e o Caribe investem por volta de 0,5% de seu Produto Interno Bruto (PIB) em Ciência e Tecnologia. A Coréia, por exemplo, aplica algo em torno de 3%. China, há alguns anos, destinava 0,5% e agora já está em quase 1,5%. Países como Estados Unidos estão entre 2% e 3%. Nesse sentido, América Latina e Caribe estão muito abaixo em relação a outros países do mundo. O caso do Brasil é diferente. É o país da América Latina que mais investe em Ciência e Tecnologia. Hoje, o índice já está acima de 1%. Do ponto de vista latino-americano, o Brasil é o que mais investe. Mas, em comparação com países emergentes como Coréia e Cingapura, a taxa de investimento está bem abaixo.

A abordagem do problema aqui posto reclama o exame em duas vertentes distintas:

1) o descaso das autoridades e da elite brasileira em defender e preservar o nosso

187 CARVALHO, Mário César. Ciência, Tecnologia e inovação. Brasil em Questão . Disponível em: <http://www.unb.br/brasilemquestao/ciencia2.htm>. Acesso em: 25 set. 2006. 188 HAHN, SAUL. Ciência e Tecnologia na América Latina. Brasil em Q uestão . Disponível em: http://www.unb.br/brasilemquestao/ciencia2.htm>. Acesso em: 25 set. 2006.

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patrimônio genético; 2) a falta de incentivos em pesquisa que permitam fazer da

bioprospecção um vetor de desenvolvimento, e, ao mesmo tempo, de preservação

da biodiversidade brasileira.

Consoante os dados fornecidos pela Divisão de Ciência e Tecnologia da

Organização dos Estados Americanos, conforme já dito, o Brasil investe 1% do

Produto Interno Bruto em ciência e tecnologia.

À toda evidência, este percentual mostra-se insuficiente para um país que tem 22%

das plantas de um total aproximado de duzentos e cinqüenta mil existentes em todo

mundo.

A relevância dos investimentos, na área da ciência e tecnologia, determinará o rumo

da sociedade contemporânea, de modo que, ou provocará sua inserção no mundo

cibernético, ou a excluirá deste.

Assim, só há espaço para uma noção: o da pesquisa como trabalho produtivo.

Entretanto, o Brasil vem se comportando como vítima desta nova fase colonialista,

sem, contudo, chamar para si as responsabilidades elementares que foram erigidas

à condição de garantias constitucionais.

É de todo desarrazoado imaginarmos que este patrimônio biológico existente, onde,

possivelmente, encontrar-se-á respostas para diversos males que afligem a

humanidade, deva ser única e exclusivamente, contemplado e preservado para as

futuras gerações.

A atual postura brasileira ignora a possibilidade de, por meio de pesquisas,

encontrar na bioprospecção um eficiente mecanismo de proteção e conservação do

patrimônio biológico brasileiro. Como, também, permite com sua postura negligente

que este patrimônio, por encontrar-se, na maior parte das vezes, em áreas isoladas,

continue sendo, sistematicamente, pilhado.

Depois de tantos anos do primeiro registro de pilhagem em terras brasileiras, que

resultou no envio de centenas de mudas de seringueiras para Ásia, o problema

continua a persistir, hoje, com características diversas.

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Não serão somente as mudas e sementes que impingirão a ruína econômica de uma

determinada região, mas as patentes obtidas à margem da legalidade, que permitem

o monopólio por meio do extrativismo mercantilista de nosso patrimônio genético.

Enquanto o país não se esforçar, através de suas instituições, adotando medidas

efetivas em um campo cuja importância na economia mundial é evidente, estará a

impedir os objetivos fundamentais da República Federativa Brasileira: constituir uma

sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a

pobreza e a marginalização, e reduzir as desigualdades sociais e regionais.

Oportunamente, citam-se as palavras de Nelson Nery Júnior189 ao observar a

existência de políticas públicas em matérias de direitos básicos, em palestra

proferida durante o Seminário sobre Direito da Biodiversidade, realizado em maio de

1999, no Superior Tribunal de Justiça, em Brasília, que revelou com indignação sua

opinião:

Peço desculpas pela veemência com que tratei de alguns pontos, isso faz parte da minha indignação como o que está acontecendo em nosso País. Infelizmente, só sabemos que não há democracia no Brasil quando participamos de congressos internacionais. Participei de dois congressos: um em Belém e outro em Zurique, onde se discutiu muito a postura do governo em matéria de direitos básicos da cidadania. Aí é que fui perceber – aliás, eu já tinha intuição – que nós não vivemos em uma democracia real e nem de direito, nós vivemos num Estado formal, democrático. Existe uma ditadura do Poder Executivo coarctada e cooptada pela cúpula do Poder Judiciário – o Supremo Tribunal Federal.

A indignação de Nelson Nery reside na letargia do Executivo e do Supremo Tribunal

Federal em não atuar no sentido de concretizar o texto constitucional de 1988.

Perfilham-se, a este entendimento, inúmeros constitucionalistas consagrados,

conforme se infere da obra de Bercovici, citado por Lenio Streck190:

A maioria dos integrantes do Poder Judiciário brasileiro – especialmente do seu órgão máximo, o Supremo Tribunal Federal – não atuou e não vem atuando no sentido de concretizar o texto constitucional de 1988, antes o contrário. Talvez a única saída para o nosso atual impasse inconstitucional (que não é, na opinião de Paulo Bonavides, uma ‘crise da Constituição’, mas uma ´crise constituinte`) seja a possibilidade do surgimento de movimentos político-sociais que busquem a realização dos valores

189 NERY JR., Nelson. In Seminário Internacional sobre Direito da Biodiversidade. Revista CEJ/Conselho da Justiça Federal , Centro de Estudos Judiciários, n. 8, Brasília: CJF, 1999. p. 171. 190 STRECK, op. cit.. 2004, p. 100.

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proclamados no texto constitucional, cuja efetivação pode ser a ruptura com a ordem, a ordem de poder estabelecida. Apenas com a mobilização social, através da ampliação e efetivação da democracia participativa, será possível fazer com que os objetivos traçados na Constituição de 1988 – entre eles a superação definitiva das desigualdades regionais – saiam do papel, para que possamos, com fundamento na dignidade da pessoa humana, realmente, construir uma sociedade livre, justa e solidária”.

As palavras de Nery e Bercovici, citado por Lenio, são importantes porque dão a

medida da insatisfação do meio acadêmico com as instituições políticas, no que

tange à concretização do texto constitucional.

5.2 A SUBMISSÃO DO ESTADO AO DIREITO

Em primeiro lugar, deve-se observar que a existência de um Estado não submetido

ao Direito é impensável, uma vez que é irrefutável a limitação do atuar estatal

(Governo) mediante a ordem jurídica. Este vínculo indissociável, da vontade estatal,

subordinada ao direito, é a própria essência do Estado de Direito.

Como a percuciência costumeira, Miguel Reale191 observou que a Teoria da

Autolimitação decorre de uma conceituação inicial de Ihering:

O Estado domina-se, por conseguinte, porque a experiência histórica ensina ser esse o caminho de seu interesse, mas a submissão do Estado ao Direito, isto é, a realização da soberania da lei tem uma dupla garantia: uma é interna e baseia-se no sentimento do Direito; a outra é externa e encarna-se na administração do Direito [...] A única força decisiva que obriga o Estado soberano a subordinar-se à lei é o povo, quando o povo reconhece o direito como condição de sua existência e se sente violentado quando da violação da lei. Embora o Estado possa e deva respeitar a lei por si mesma, são as convicções jurídicas da Nação o fundamento último da submissão do poder ao Direito [...] A essa garantia interna Jhering acrescenta uma externa, a organização da Justiça, a constituição de órgãos especiais, cuja missão é declarar exclusivamente o Direito, sem levar em conta o fator oportunidade que o Estado não pode deixar de considerar nos outros domínios de sua atividade [...] Em virtude dessa dupla garantia, Jhering declara que o Direito, em sua acepção lata, implica a força bilateralmente obrigatória da lei, isto é, a submissão do próprio Estado às leis que ele promulga.

Ao Direito, portanto, coube a função precípua de estabelecer os limites para o

exercício da autoridade estatal e para a fruição das liberdades individuais, instituindo

compatibilidade entre a autoridade e liberdade. Aliás, “autoridade e liberdade não

191 REALE, Miguel. Teoria do Direito e do Estado. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 254-255.

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são idéias antinômicas, mas condições necessárias e complementares da vida social

e da civilização; onde uma delas falte, estas se tornam impossíveis". 192

Em lição acerca das garantias constitucionais, Darcy Azambuja193 anota que “na

sociedade contemporânea, mais do que nunca, é o Estado o guardião da liberdade.

Reivindicada outrora contra os governos absolutos, a liberdade atualmente encontra

sua maior garantia no Poder do Estado através do Direito”.

No curso da história o Estado liberal clássico, mostrou-se inapto a dar respostas aos

anseios das classes sociais excluídas, urgindo a implementação de um novo modelo

que implementasse uma transformação profunda do Estado de Direito. Surgia então

o Estado de Direito Social, com esteio no princípio da dignidade da pessoa humana.

Entretanto, severas são as críticas de que o Estado brasileiro vem fortalecendo o

modelo neoliberal de Estado, com esteio numa teoria econômica capitalista que

elege, como premissas a economia de mercado, a livre iniciativa econômica e a

mínima intervenção estatal na economia e nos interesses particulares de um modo

geral, implementada pelas privatizações e desregulação estatal, cujos efeitos

mostram-se positivos na área econômica, e negativos na área social, ensejando o

surgimento e agravamento de crises e desigualdades.

A par do modelo adotado pelo Estado brasileiro, se social ou neoliberal, o que resta

patente é a debilidade política à implementação de políticas públicas, tendentes a

dar cumprimento aos direitos sociais básicos consagrados na Carta de 1988.

Em se tratando de Estado Social, Bonavides194 subscreve por inteiro o pensamento

de Tomandl e Franz Honer, “quando dizem que um dos mais graves problemas do

Direito Constitucional decorre de que ele realiza os fins do Estado social de hoje com

as técnicas do Estado de Direito de ontem”.

192 AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 5. ed. Porto Alegre: Globo, 1971. p. 152. 193 Idem, ibidem, p. 391. 194 Cf. BONAVIDES, op. cit., 2006. p. 372.

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Conclui o Autor195, que “o verdadeiro problema do Direito Constitucional de nossa

época está, [...], em como juridicizar o Estado social, como estabelecer e inaugurar

novas técnicas ou institutos processuais para garantir os direitos sócias básicos, a

fim de fazê-los efetivos”.

J.J. Gomes Canotilho196, em sua obra Direito Constitucional e Teoria da

Constituição, ao comentar os Direitos Fundamentais, descreve o que vem a ser o

dever de proteção do Estado:

Muitos direitos impõem um dever ao Estado (poderes públicos) no sentido de este proteger perante terceiros os titulares de direitos fundamentais. Nesse sentido o Estado tem o dever de proteger o direito à vida perante eventuais agressões de outros indivíduos (é a idéia traduzida pela doutrina alemã na formula Schutzpflicht). O mesmo acontece com numerosos direitos como o direito de inviolabilidade de domicilio.

Importa não olvidarmos que as Constituições de outrora, que sempre estiveram mais

direcionadas para a proteção do Estado, voltou-se para o seu precípuo fim - o

Cidadão e a Coletividade.

Portanto, o direito à tutela ambiental decorre do monopólio da jurisdição conferida ao

Estado. Ora, se ao particular não mais é permitido fazer uso de sua própria força

(autotutela), devendo, assim, recorrer ao Estado-juiz para obter a satisfação de sua

pretensão, impõe-se ao Estado o dever de albergar a demanda que lhe é trazida ao

conhecimento e oferecer-lhe solução.

É evidente que o Direito é o instrumento adequado à implementação das políticas

públicas, entretanto, no caso em tela, sequer a conduta do biopirata encontra

tipificação descrita em nossa legislação.

Aqueles que são flagrados tentando remeter, para o exterior, amostras de nosso

patrimônio genético têm a conduta tipificada no art. 29 da Lei 9.650/98, dispositivo

que não faz subsunção do fato típico (biopirataria) à norma descrita. Trata-se, em

verdade, da conduta delitual daqueles que agem em desfavor da fauna, capturando,

transportando, caçando com o escopo de comercializar a res furtiva.

195 Idem, ibidem. 196 Cf. CANOTILHO, op. cit., 1997. p. 407.

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Na ausência de tipo penal que descreva a conduta do biopirata, e em nome da

reserva legal, esta tem sido a alternativa que as autoridades têm adotado. A pena

prevista pelo mencionado dispositivo impõe ao transgressor tão somente a lavratura

de um termo circunstanciado, formalidade prevista para os crimes de menor

potencial ofensivo, pairando assim a certeza da impunidade, caracterizada como

outro fator a contribuir com esta já frágil estrutura do Estado brasileiro quanto ao

dever de proteção ao meio ambiente.

Por derradeiro, soma-se aos problemas apontados a letargia do Congresso Nacional

na tramitação do Projeto de Lei n.º 306/95197, da Senadora Marina Silva, que dispõe

sobre o acesso a recursos genéticos e seus produtos derivados.

Newton de Lucca198 destaca a imperiosidade do Projeto de Lei n.º 306/95, sob o

argumento de que somente a lei proveniente deste projeto poderá concretizar os

princípios aderidos pelo Brasil, na Convenção da Biodiversidade.

Para Newton, o projeto “resulta de uma série de contribuições importantes de toda a

sociedade, tanto do Poder Executivo, como das organizações não-governamentais,

dos institutos de pesquisa, das entidades de classe e demais instituições

interessadas”.199

O dever do Estado, de proteção ao patrimônio genético (biodiversidade brasileira),

restou até o momento não cumprido. A legislação existente mostra-se insuficiente, e,

em muitos aspectos, colidentes com os interesses nacionais, revelando total falta de

sintonia com as necessidades e anseios sociais, exteriorizando a falta de

compromisso das instituições brasileiras de todos os poderes.

As constatações são preocupantes. Contra fatos não há argumentos, conforme já

dito, sequer temos um tipo penal que tipifique a conduta delituosa dos biopiratas, o

que gera a sensação de impunidade e incentiva a perpetração da pilhagem de nosso

patrimônio genético. 197 BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei n.º 306/95. Dispõe sobre o acesso a recursos genéticos e seus produtos derivados, a proteção ao conhecimento tradicional a eles associados, e dá outras providências. Brasília, 1995. 198 Cf. LUCCA, Newton de. In Seminário Internacional sobre..., op. cit., 1999. p. 74. 199 Idem, ibidem.

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Contudo, visto de modo diverso, a biopirataria está a indicar um filão de mercado

ainda pouco explorado, sinalizando uma demanda mercadológica incalculável.

O desafio a ser vencido passa, obrigatoriamente: a) pela concretização do texto

constitucional; b) pela regulação da bioprospecção; c) pelo necessário inventário de

toda diversidade brasileira; d) por uma consolidação legislativa em absoluta sintonia

com os interesses nacionais; e) pelo investimento em pesquisas científicas; f) pela

adoção de critérios junto à Organização Mundial do Comércio (OMC), que

condicione a concessão de patentes de produtos derivados da biodiversidade à

legalidade do seu acesso, com a conseqüente reversão de percentual dos lucros

aferidos a quem de direito (governo brasileiro ou comunidades indígenas e locais); g)

pela adoção de mecanismos junto à OMC, que permita a quebra de patentes de

produtos derivados da biodiversidade, obtidas de modo ilegal. Enfim, a implantação

de políticas públicas efetivas.

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6 O CONHECIMENTO TRADICIONAL ASSOCIADO À

BIODIVERSIDADE: UMA NOVA ESPÉCIE DE PROPRIEDADE

INTELECTUAL?

6.1 EM DEFESA DA BIODIVERSIDADE

Com o escopo de debater o moderno projeto de exploração da natureza, concluído

em 1993, na Rodada do Uruguai do GATT, e de resistir ao patenteamento da vida,

reuniram-se, em foros internacionais, vozes eloqüentes como Vandana Shiva, da

Índia, Tewolde Egziabher, da Etiópia e Gurdial Singh Nijar, da Malásia, dentre

outros.

Durante o encontro de Penang, em 1994, o advogado da Third World Network,

Gurdial Nijar, apresentou uma profunda análise por meio da apresentação das

perspectivas legais e práticas sobre desenvolvimento de um regime sui generis para

proteger as biodiversidades cultural e biológica, oriundas dos povos indígenas e das

comunidades locais.

Os principais pontos apresentados foram: a) as relações entre os sistemas de

conhecimento dos povos indígenas e comunidades e a proteção da biodiversidade;

b) a evolução das discussões nos foros internacionais que afetam o reconhecimento

dos direitos das nações, dos agricultores e dos povos indígenas no concernente à

biodiversidade; c) a busca de uma moldura legal que permitisse a

regulamentação do acesso aos recursos genéticos e a o conhecimento

tradicional associado ; d) a luta contra o patenteamento das formas de vida ; e) a

questão da biossegurança.

Partindo da premissa de que no decorrer da história a biodiversidade tem sido

compartilhada como bem comum pelas comunidades locais, que trocam, livremente,

tanto os recursos naturais quanto o conhecimento adquirido sobre eles. Gurdial200

sustenta haver uma harmoniosa relação simbiótica, porquanto, na mesma medida

em que as comunidades provêm suas necessidades da natureza, procuram de igual

modo preservá-la. 200 Cf. NIJAR, Gurdial Sing. In Seminário Internacional sobre..., op. cit., 1999. p. 24.

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Esta relação de dependência recíproca é rompida, segundo Gurdial201, pela

agricultura comercial moderna que, em detrimento da diversidade, valoriza a

monocultura e a uniformidade com vistas à produção em grande escala. Assim, a

simbiose perece, e em seu lugar emerge a erosão, tanto da diversidade biológica

quanto do conhecimento.

Com base nestas premissas, busca Gurdial demonstrar o vínculo indissociável entre

a preservação da biodiversidade e o conhecimento tradicional associado.

Por sua vez, Vandana Shiva202 traz um resumo da posição adotada pelos

ambientalistas, que acreditam haver um reducionismo no modelo de produção e

bioprospecção adotados por meio da proteção aos Direitos de Propriedade

Intelectual Relacionados ao Comércio (DPI) no acordo do GATT sobre tais direitos,

TRIPs:

Duas tendências históricas importantes circundam a questão do conhecimento. Por um lado, reconhece-se cada vez mais que o paradigma ocidental do reducionismo mecanicista está nas raízes das crises ecológicas e de saúde e que os sistemas não-ocidentais de conhecimento estão mais ajustados ao respeito pela vida. Por outro lado, precisamente, quando os sistemas de conhecimento autóctones poderiam se firmar, o GATT está usando os DPI para reforçar o monopólio dos sistemas ocidentais e desvalorizar os sistemas nativos, mesmo enquanto os explora para estabelecer monopólio de DPI.

É neste contexto que assumem especial relevo as propostas de Gurdial e Shiva.

Enquanto as potências industrializadas procuram obter a maior proteção possível

por intermédio do Direito de Propriedade Intelectual, resguardando para si o domínio

inconteste do produto patenteado, seus opositores propõem um regime sui generis,

numa moldura legal onde haja equidade na partilha dos benefícios.

Tomando por base os parâmetros da Convenção sobre Diversidade Biológica e os

da Organização Mundial do Comércio, propõe Gurdial203 um regime sui generis de

201 Idem, ibidem. 202 Cf. SHIVA, op. cit., p. 95. 203 GURDIAL, Singh Nijar. Towards a Legal Franmework for Protecting Biological Diversity and Community Intellectual Rights – A Third World Perspective. Third World Network Discussion Paper. Nairobi: Second session of the Intergovernmental committee on the Convention on Biological Diversity 1994. p. 16. (Tradução Livre).

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proteção aos “direitos intelectuais comunitários”, que virá interessar, principalmente,

os países ricos em biodiversidade, baseando-se nos seguintes postulados:

admitir uma definição alternativa de sistemas de conhecimento, capaz de reconhecer o sistema de inovação informal, coletivo e cumulativo dos povos indígenas e comunidades locais; definir inovação de tal modo que esta incluísse não só o produto final melhorado tecnologicamente mas também o conhecimento relativo ao uso de propriedades, valores e processo de qualquer recurso biológico, bem como qualquer variedade de planta ou qualquer planta (ou parte dela). Tal definição também deveria ser suficientemente ampla para incluir qualquer alteração, modificação, melhoramento ou obtenção de derivados que utilizam o conhecimento de grupos indígenas ou comunidades na comercialização de qualquer produto, bem como incluir qualquer processo mais sofisticado para extração, isolamento e sintetização de agentes químicos nos extratos biológicos e nos compostos usados pelos povos indígenas; transformar os povos indígenas e comunidades locais em guardiões dessas inovações, definindo tais direitos como “não exclusivos” e “não monopolísticos” e encorajando o uso e intercambio livres e não comerciais; permitir que tais direitos fossem assegurados em comum com outros povos indígenas e comunidades.

Sustentando a adoção de um regime sui generis, observou Gurdial204 que o objetivo

primordial de sua proposta era impedir que o setor privado usurpasse os direitos

comunitários, com supedâneo na proteção patentária existente.

Neste sentido, exclui a possibilidade de, sob a égide das prerrogativas do

monopólio, ser apreendido como domínio exclusivo o conhecimento tradicional e ao

mesmo tempo buscou, intencionalmente, um novo conceito de “inovação”, onde,

segundo a técnica jurídica adotada, subjaz o direito de usufruto às comunidades

detentoras de conhecimento tradicional vinculado ao patrimônio genético. Merece

menção a proposta de Gurdial205:

A palavra “propriedade” foi deliberadamente excluída (...) na descrição dos sistemas de conhecimento das comunidades. Os direitos de propriedade na expressão “direitos de propriedade intelectual”, tal como entendida hoje, conotam a transformação em mercadoria e a posse em mãos particulares, antes de tudo para a troca comercial. A totalidade dos elementos da relação que a comunidade mantém com seu conhecimento não é transformável em mercadoria por ser comunitariamente “possuída” e compartilhada. A soma total do conhecimento que é cumulativo e tem valor (mas não é privatizado) é melhor descrita pela expressão “direitos intelectuais da comunidade”. O termo “inovação” é definido compreensivelmente e reconhece o direito coletivo no conhecimento tradicional dos povos indígenas. Para o mundo exterior tal conhecimento é

204 Cf. GUARDIAL, In Seminário Internacional sobre..., op. cit., 1999. p. 24. 205 Cf. GUARDIAL, In Towards a Legal..., op. cit., 1994. p. 17.

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realmente novo e os povos indígenas são considerados como tendo inovado coletivamente. Embora os indivíduos que originalmente descobriram e usaram o conhecimento tenham vivido há muito tempo, o grupo indígena que manteve o conhecimento descoberto em seu meio deve ser considerado como inovador. (...) Em todo caso o conhecimento é contínuo na medida em que ele se modifica, se adapta e se constrói sobre o conhecimento existente.

Em sintonia com a proposta de Gurdial, Shiva206 adverte que “quando se pede às

comunidades nativas que vendam seu conhecimento às corporações, está se

pedindo que vendam seu direito inato de continuar a praticar suas tradições no

futuro e suprimir suas necessidades com conhecimento e recursos próprios”.

Dominada pela efervescência desta nova abordagem jurídica, que se contrapõe

diametralmente à possibilidade de patenteamento dos recursos genéticos de valor

agregado por meio de conhecimento das práticas tradicionais, ecoou pelo mundo,

especialmente, entre os países ricos em biodiversidade, a necessidade de se

conferir tutela jurídica ao conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético.

Estabeleceu-se, assim, um contraponto à proposta desenvolvida no âmbito do

GATT, especificamente, no grupo de trabalho sobre TRIPs, que tinha por escopo

regulamentar um Sistema Internacional de Patentes, incluído na denominada built-in

agenda, ou agenda incorporada à discussão acerca da transferência de tecnologia e

proteção do conhecimento tradicional. Observe-se a dicção de seu artigo 27.3 (b):

Art. 27.3. Os membros da OMC podem ainda vedar o patenteamento de:

(b) – plantas e animais, conquanto não sejam micro-organismos, e processos essencialmente biológicos. Contudo, os membros devem providenciar a proteção de variedades vegetais (cultivares) por sistema de patentes ou por um sistema sui generis eficaz, ou ainda por outro resultante da combinação desses. O contido neste subparágrafo deverá se revisto em quatro anos, contados a partir da data de entrada em vigor do Acordo da OMC.

Extrai-se da redação do art. 27.3 (b) do TRIPs que, ao passo que se exclui a

patenteabilidade de plantas e animais, torna-se obrigatória a concessão de proteção

para variedades de plantas, através de patentes ou de um sistema sui generis,

inexistindo a obrigação de informar a origem geográ fica da planta a ser

patenteada .

206 Cf. SHIVA, op. cit., p. 100.

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Sobre a conjuntura internacional que cerca o tema, comenta Nuno Pires de

Carvalho207:

Em matéria de biodiversidade, Honduras, Cuba, Nicarágua e a República Dominicana propuseram a inclusão de um novo artigo especificando os direitos das comunidades indígenas na Parte I do Acordo, relativas às “Disposições Gerais e Princípios Básicos”. Noutra ocasião, os mesmos países, juntamente com El Salvador, solicitaram que na revisão do artigo 27.3 (b) as disposições da CDB (Convenção sobre Diversidade Biológica. N.A.) deveriam ser levadas em consideração. Além disso, o significado das seguintes expressões deveria ser esclarecido: microorganismos; processos microbiológicos, como se distinguem dos processos biológicos; a combinação de um sistema de patentes com um sistema sui generis eficaz. Propostas para a criação de um mecanismo para proteção dos conhecimentos indígenas foram também introduzidas pela Venezuela e pelo Quênia. A Índia sugeriu que o artigo 29 dos TRIPs fosse alterado para que os depositantes de pedidos de patentes para inovações na área de biotecnologia fossem obrigados a informar a origem dos recursos genéticos eventualmente utilizados e a comprovar a obtenção de consentimento prévio informado. A mesma sugestão foi submetida pela Zâmbia, Jamaica, Quênia, Paquistão, Sri Lanka, Tanzânia e Uganda. Posteriormente, uma proposta que foi apoiada plea Venezuela, a Índia recomendou que, no caso de os recursos serem obtidos sem consentimento prévio informado (em violação, portanto, do artigo 15 da CDB), os pedidos de patente deveriam ser indeferidas.

A Missão Permanente do Brasil, na Organização Mundial do Comércio – criada em

1995 sob a forma de um secretariado, para administrar o GATT, representando as

delegações de outros dez países membros – apresentou proposta de emenda ao

artigo 27.3.b do acordo TRIPs.

A Proposta do Grupo composto pelo Brasil, Índia, Bolívia, Colômbia, Cuba,

República Dominicana, Equador, Peru e Tailândia prevê que qualquer requerente de

patentes relacionadas a material biológico ou conhecimento tradicional associado à

biodiversidade deverá, como condição para aquisição dos direitos patentários,

indicar a fonte e o país de origem do material biológico e conhecimento tradicional

usado na invenção, comprovando ter recebido consentimento prévio, com aprovação

das autoridades do país de origem, bem como ter promovido distribuição justa e

eqüitativa dos benefícios resultantes da exploração do recurso.

A proposta visa a harmonizar o TRIPs com a Convenção da Diversidade Biológica,

especialmente, com o enunciado em seu artigo 8 (j)208:

207 CARVALHO, Nuno Pires de. TRIPs – Questões Controvertidas na Área de Patentes. In: Anais do XIX Seminário Nacional de Propriedade Intelectual. São Paulo: ABPI, 1999. p. 99-100.

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Art. 8 Cada Parte Contratante deve, na medida do possível e conforme o caso: [...] (j) Em conformidade com sua legislação nacional, respeitar, preservar e manter o conhecimento, inovações e práticas das comunidades locais e populações indígenas com estilo de vida tradicionais relevantes à conservação e à utilização sustentável da diversidade biológica e incentivar sua mais ampla aplicação com a aprovação e a participação dos detentores desse conhecimento, inovações e práticas; e encorajar a repartição eqüitativa dos benefícios oriundos da utilização desse conhecimento, inovações e práticas.

Dessa forma, dar-se-á a devida dimensão ao princípio da simetria, onde as demais

regras têm, obrigatoriamente, de estar em consonância com as regras da

Convenção da Diversidade Biológica.

De seu turno, as bases jurídicas a viabilizar a proteção necessária ao conhecimento

tradicional associado ao patrimônio genético, com base nas perspectivas

apresentadas por Gurdial, encontram amparo em diversos dispositivos da

Constituição brasileira de 1988.

O § 1º do art. 215, assegura que o Estado protegerá as manifestações das culturas

populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos praticantes do

processo civilizatório nacional, reconhecendo, assim, o direito à sociodiversidade.

Por sua vez, o art. 216 da Magna Carta preceitua que constituem patrimônio cultural

brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em

conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes

grupos formadores da sociedade brasileira, conferindo status constitucional ao

patrimônio cultural.

No art. 225, da CF/88, emerge, inconteste, o direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações. Por fim, em seu

art. 231 restaram reconhecidos os direitos originários das sociedades indígenas

sobre as terras que tradicionalmente ocupam.

208 CONVENÇÃO sobre Diversidade Biológica. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/sbf/chm/cdb/artigo8.html>. Acesso em: 03 out. 2006.

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6.2 O PROJETO DE LEI N.º 306/95

Em novembro de 1995, a Senadora Marina Silva apresenta no Senado Federal o

Projeto de Lei n.º 306/95, visando preencher a lacuna legislativa existente, que

fomenta a bioprospecção ilegal e descontrolada no Brasil.

Com contributo dos mais diversos seguimentos da sociedade civil organizada, o

projeto evidenciava uma preocupação socioambiental, subordinando os interesses

econômicos em face de três postulados insertos no preâmbulo da Convenção sobre

Diversidade Biológica: 1) conservação da biodiversidade; 2) utilização sustentável de

seus componentes; 3) repartição justa e eqüitativa dos benefícios.

Para alguns estudiosos da questão, o projeto da Senadora, conquanto

representasse um avanço incalculável a preencher a lacuna legislativa que enseja o

esbulho do patrimônio biológico brasileiro, ainda comportava aperfeiçoamento, posto

que não consagrava os direitos de propriedade intelectual em regime sui generis,

nos moldes propostos pela ONG Third World Network (Rede do Terceiro Mundo),

na Segunda Sessão da Comissão Intergovernamental da Convenção sobre

Diversidade Biológica, reunida em Nairobi, em junho de 1994.

Frisa-se, que embora a Senadora Marina Silva dedicasse todo Capítulo IV à

proteção do conhecimento tradicional, o fazia sobre o prisma de direitos coletivos de

propriedade intelectual, a serem regulamentados por lei posterior.

Contudo, se fosse o caso de, efetivamente, proteger a biodiversidade e seus

recursos, e de outorgar às comunidades nativas o direito ao usufruto permanente,

inalienável e imprescritível, a adoção de um sistema sui generis, que prevenisse a

exploração sistemática dos recursos biológicos e do conhecimento tradicional

associado, deveria prever de modo expresso o livre intercâmbio de conhecimentos e

recursos, no interior destas comunidades, como fator imprescindível, onde subjaz à

unidade fundamental e o sucesso do conhecimento acumulado ao longo dos

séculos.

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Em suma, como observa Vandana Shiva209 os “sistemas sui generis de proteção aos

Direitos de Propriedade Intelectual Coletivo (DPIC) devem necessariamente basear-

se na biodemocracia – a convicção de que todo conhecimento e sistema de

produção que utiliza organismos biológicos é igualmente válido”.

Em contrapartida, o acordo TRIPs baseia-se no conceito de bioimperialismo – a

convicção de que apenas o conhecimento e a produção das corporações ocidentais

precisam de proteção.

Se não for questionado, o Tratado TRIPs irá tornar-se um instrumento para o

aniquilamento de conhecimentos, recursos e direitos dos povos do Terceiro Mundo,

especialmente os que dependem da biodiversidade para sustentar-se e são os

legítimos donos e inovadores originais no uso da biodiversidade.

A par das críticas complementativas, o projeto em sua tramitação fora aprovado em

seu texto original nas comissões de educação e de assuntos sociais. Em 1997, o

Substitutivo do Senador Osmar Dias reformulou substancialmente o Projeto de Lei

306/95, minorando o enfoque socioambiental, outrora ressaltado pela Senadora

Marina Silva, dando especial relevo a fatores econômicos.

Na seqüência, o projeto de lei foi encaminhado à Câmara Federal onde aguardava

indicação de uma comissão especial para apreciação da matéria. Ao chegar na

Câmara Federal dos Deputados, no fim de 1998, haviam mais dois projetos em

trâmite, um do próprio Executivo e outro do Deputado Jacques Wagner, todos

versando sobre a biodiversidade.

Ignorando anos de discussão, que envolveu os mais diversos setores da sociedade,

o governo federal, através do Grupo Interministerial de Acesso aos Recursos

Genéticos (GIARG) formula seu próprio projeto de modo autoritário, e o encaminha à

Câmara dos Deputados, em 20 de agosto de 1998.

A atitude açodada do Governo foi atribuída ao convênio firmado entre a

BioAmazônia e a Novartis, que envolvia o acesso, uso e transferência da

209 Cf. SHIVA, op. cit., p. 108.

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biodiversidade brasileira e dos conhecimentos tradicionais associados, sem que a

legislação brasileira de acesso estivesse aprovada.

Em maio de 2000 a imprensa de todo país denunciou o escândalo do acordo de

bioprospecção firmado entre a multinacional suíça Novartis e a organização social

BioAmazônia, criada pelo governo brasileiro para impulsionar o Programa de

Ecologia Molecular para Uso Sustentável da Biodiversidade da Amazônia, mais

conhecido pela sua sugestiva sigla ProBem.

Avultou-se em quantidade e qualidade a oposição ao acordo firmado entre a

Norvartis e a BioAmazônia, surgindo críticas dentro do próprio Ministério do Meio

Ambiente, ocupado, a época, pelo Ministro José Sarney Filho, que afirmou aquela

altura que não iria permitir que a indústria farmacêutica suíça obtivesse patentes de

microorganismos da floresta amazônica.

Entretanto, a posição mais qualificada partiu do então Presidente da Fundação

Butatam, Isaías Raw210, que por sua contundência e argumentos de autoridade

sintetizam de forma emblemática o aludido caso.

210 “Alguns anos atrás a Costa Rica fez um acordo com Merck que, por US$ 1 milhão tornou-se proprietária de sua biotecnologia. Fiz, no Nature, um paralelo entre e o filme onde pela mesma quantia um milionário comprou de um marido sua mulher por uma noite. Nos dois casos pouco mais do que uma lembrança sobrou.

A biodiversidade da Amazônia é um patrimônio do país e de suas gerações futuras. Todavia, o valor desta biodiversidade não pode ser preservado pois será, como vem sendo, objeto da biopirataria. É ingênuo pensar que descoberta uma aplicação de um produto da Amazônia nós garantiremos um mercado de matéria prima.

As seringueiras foram levadas. Os produtos mais sofisticados, descobertos pela pesquisa biotecnológica não serão produzidos a partir dela. O exemplo típico é o do catopril, droga de venda milionária, derivada do veneno da nossa Bothrops. O produto eficaz é um derivado sintético, que passamos a importar em larga escala.

Leigos e parte da comunidade científica consideram que a melhor fonte de produtos serão as plantas que índios identificaram (apesar de todos os seus poderosos "remédios" vivem em media menos de 30 anos, sem a medicina moderna, o mesmo que o homem de Neanderthal). Tenho insistido de que a biodiversidade de maior valor são os microorganismos.

Levados num pequeno tubo, o seu novo dono o reproduzirá em fermentadores de milhares de litros para obter produtos e usando seu genoma, produzirá mutantes centena de vezes mais eficazes (o que ocorreu com o bolor que produz penicilina). Só podemos defender alguns, descobrindo o que produzem e qual o uso destas moléculas.

Estive envolvido com a primeira tentativa de montar um centro de biotecnologia em Manaus, que como sempre acabou lamentavelmente num esqueleto - como se prédio fosse o fator limitante, quando a Diretoria deste Centro teve sua reunião invadida pelo Dr. F. Lovejoy, Sub-Secretário do Interior dos EUA, que tentou nos persuadir a não realizar pesquisas biotecnológicas.

Deveríamos, como a Costa Rica, investir em classificar nossas plantas, repetindo Martius no século passado, dando nomes a plantas que seriam levadas para o exterior. Biodiversão para os sistematas substuituiria a Biotecnologia!

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Uma nova tentativa surgiu com o ProBem, que envolveu-se desde o inicio com dois importantes professores de Universidades Norte Americanas, defensores do projeto Costa Rica e que vieram vender a mesma idéia. Vencemos por algum tempo, mas ela surge de novo.

ProBem (agora denominada BioAmazonia) foi constituiída com o proposto de desenvolver pesquisa científica na Amazônia, em colaboração com Universidades e Institutos de Pesquisa Brasileiros, criando tecnologia que seria implantada na região Amazônica, gerando empregos e divisas.

Lançou, com a presença do vice-presidente Marco Maciel, uma nova construção em Manaus, pagando passagens e estadias (inclusive a minha). Alardeou que dispunha de US$ 12 bilhões, o que talvez explique sua instalação na luxuosa Avenida Berrini, em SP, acha razoável isolar, caracterizar e vender cepas de nossas bactérias a 100 FF (cerca de R$ 100,00) até o limite máximo de R$ 1 milhão, cifra inferior ao custo de manter o escritório em SP.

A BioAmazônia assina acordo onde a Novartis tem direito exclusivo de requerer e manter a proteção de patente, para fazer, produzir, usar e vender Compostos Diretos e Compostos Derivados no Território (que o contrato define como Mundo!).

Para isto oferece, e a BioAmazônia aceita 500 mil francos suiços (1 FS é aproximadamente 1 real), quando a Novartis declarar que está fazendo um estudo clínico com um produto derivado da biodiversidade brasileira e mais 2.250.000 FS até o lançamento do produto.

No meio do tempo a Novartis nos ensinará a ser seus técnicos, colhendo microorganismos, fermentando e analizando a presença de produtos interessantes. Depois teríamos a importante função de mandar os extratos e os compostos isolados e finalmente mandar as cepas. Por apenas 100 FS por cepa, a BioAmazônia terá que montar uma máquina para mandar 10 mil culturas para a Novartis!

Sem qualquer autoridade a BioAmazônia concederá à Novartis, se legalmente possível, o direito de acesso e uso exclusivos por dois anos (prorrogáveis) no Território e para a Área. Durante este período terá acesso e uso exclusivos... que neste ato concede à Novartis a licença perpétua e exclusiva, com direitos de conceder sub licenças, para produzir, usar e vender produtos contendo o composto original ou compostos derivados....e quaisquer direitos de patentes ou know-how relevantes.

É óbvio que os Compostos Originais que deverão ser propriedade conjunta da BioAmazônia e Novartis não serão os produtos comercializados (como não é a penicilina, matéria prima de preço vil, que é modificada para melhor atividade). A Novartis deverá ter o direito exclusivo de obter proteção de patentes em respeito a qualquer tal invenção relativa a Compostos derivados.

Como a BioAmazônia descobrirá que um novo composto lançado pela Novartis tem origem num produto da biodiversidade brasileira? De que vale cepas originais das quais é possível modificar e mesmo transferir genes por clonagem (a BioAmazônia irá sequenciar cada cepa antes de transferí-la?). O que acontecerá com produtos que forem desenvolvidos depois dos 2 anos de vigência do contrato? (Usalmente leva 10 anos entre a descoberta de um composto e o seu uso). Não conseguiríamos sozinhos explorar rapidamente a imensa biodiversidade da Amazônia, convertendo descobertas de moléculas interessantes em produtos. Todavia não queremos antecipadamente abrir mão delas. A comunidade científica nacional não tem o tamanho da Costa Rica.

Temos cientistas competentes em microbiologia básica, isolamento de substâncias, determinação de sua estrutura usando métodos modernos e produzir derivados, para testar a ação farmacológica e certamente suficiente população e condições para testes clínicos (que vem sendo feito em brasileiros para as grandes empresas do exterior).

Quanto mais próximo chegarmos a um produto, maior o valor do que temos a oferecer para uma parceria internacional. Ao invés estaríamos mandando nossos microorganismos, que seriam investigados no exterior sem criar empregos e contribuir para o desenvolvimento da competência científica e tecnológica do País.

Por menos de um salário mínimo, ao entregar uma cepa, jamais saberemos o que dela resultou e nada colheremos a não ser o de ser consumidores dos novos medicamentos, a preços que as empresas produtoras definirão. Pesquisa, tecnologia e indústria será mantida sempre do outro lado do mar.

Independentemente do mérito, fica a pergunta que fiz várias vezes em Brasília: quem tem autoridade de negociar pelo País? Quem lhe atribuiu uma parcela do território nacional com direitos às espécies nela existentes? Poderá uma Organização Social usurpar um direito que deve ser do Governo: Executivo e Legislativo?

Não é esta a minha primeira iniciativa para colocar um limite no que se está fazendo com os recursos biológicos nacionais. Tentei protestar contra um contrato semelhante entre o Dr. Pais de Carvalho e a Glaxo, mas não logrei resultados.

Agora pretendo perseverar numa campanha que proteja os interesses futuros do País: recomendar ao Executivo (ou ao Legislativo) que faça uma moratória para definir uma política e exigir que acordos internacionais as cumpram.

Lamento que alguns pesquisadores sérios tenham sido envolvidos neste evento, esperando que ponderem as conseqüências deste acordo espúrio que transforma a Amazônia no quintal de empresas multinacionais, cujo

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É neste contexto de letargia legislativa e negligência com a res pública que o

Governo edita a Medida Provisória n.º 2.052211, de 29 de junho de 2000, gestada na

Casa Civil.

A referida MP ressoou antidemocrática, porquanto desrespeitou o Legislativo que já

vinha debatendo a matéria há pelo menos quatro anos, e a sociedade, pois, uma vez

editada, adentrou ao ordenamento jurídico com força de lei e suas infindáveis

reedições causam instabilidade jurídica.

Apesar da MP estar em vigor desde junho de 2000, não foi elaborado o decreto

regulamentador dos diversos dispositivos nela previstos, ficando a sua aplicação

prejudicada, trazendo conseqüências nefastas à comunidade científica e aos

segmentos produtivos.

Indigno, também, foi o mecanismo espúrio usado pelo Executivo, ante a fragilidade

dos artigos questionados constitucionalmente pela Confederação Nacional dos

Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), via Ação Direta de Inconstitucionalidade,

conforme se afere verbo ad verbo do despacho de lavra do Ministro Néri da Silveira

na ADIN n.º 2.289/00:212

país sede não dispõem outros de suas colônias e ex colônias na fronteira do Brasil, onde já exploram a floresta Amazônica”. RAW, Isaías. Bioamazônia, Novartis e o Brasil. Disponível em: <http://www.sbq.org.br/publicacoes/beletronico/bienio2/boletim177.htm>. Acesso em: 25 out. 2006. 211 BRASIL. Medida Provisória n.º 2.052, de 29 de junho de 2000. Regulamenta o inciso II do § 1o e o § 4o do art. 225 da Constituição, os arts. 1o, 8o, alínea "j", 10, alínea "c", 15 e 16, alíneas 3 e 4 da Convenção sobre Diversidade Biológica, dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado, a repartição de benefícios e o acesso à tecnologia e a transferência de tecnologia para sua conservação e utilização, e dá outras providências. Casa Civil, Brasília, 2000. 212 DESPACHO: A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG propôs a presente ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de liminar, “contra a Medida Provisória nº 2052-1, de 28 de julho de 2000, publicada no Diário Oficial da União de 30 de julho de 2000, que regulamenta o inciso II do § 1º e o § 4º do artigo 225 da Constituição, os artigos 1º, 8º, alínea “j”, 10, alínea “c”, 15, 16, alíena 3 e 4 da Convenção sobre Diversidade Biológica, dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado, a repartição de benefícios e o acesso à tecnologia e à transferência de tecnologia para sua conservação e utilização, e dá outras providências.

2. Sustentava que “os artigos 10 e 14 da Medida Provisória supramencionada violavam os artigos 5º, inciso XXII, 231, caput e § 6º, 216, § 1º, assim como a MP em seu todo violava o artigo 62 da Carta Constitucional.

3. O artigo 14 da Medida Provisória 2.052-1 tinha o seguinte teor:

“Art. 14 Em casos de relevante interesse público, assim caracterizado pela autoridade competente, o ingresso em terra indígena, área pública ou privada para acesso a recursos genéticos dispensará prévia anuência das comunidades indígenas e locais e de pr oprietários , garantindo-se-lhes o disposto no artigo 21 desta Medida Provisória.”

4. O outro dispositivo impugnado, artigo 10 da Medida Provisória nº 2.052-1, tinha a seguinte redação:

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O recuo sistemático e evasivo do Executivo, consoante se extrai do despacho,

evidencia que o Governo só atende aos anseios da sociedade em último caso.

“Art. 10 À pessoa de boa fé que, até 30 de junho de 2000, utilizava ou explorava economicamente qualquer conhecimento tradicional no Pais, será assegurado o direito de continuar a utilização ou exploração, sem ônus, na forma e nas condições anteriores .”

5. O Presidente da República encaminhou a Mensagem nº 1217/2000, prestando informações elaboradas pela Advocacia-Geral da União (fls. 97).

6. A requerente, às folhas 234/235, aditou a presente ação direta de inconstitucionalidade, informando que “a Medida Provisória nº 2.052-1, objeto da presente lide, foi reeditada em 26 de abril de 2001, sob o nº 2.126-11, tendo sido publicada no Diário Oficial do dia 27 de abril de 2001, com significativas alterações em seu conteúdo ”.

7. Dessa forma, afirmando que “a Medida Provisória objeto da presente ação não mais contém em seu texto o dispositivo correspondente ao artigo 10 da MP 2.052, que garantia direito adquirido àqueles que exploravam economicamente, de boa-fé, conhecimentos tradicionais no País”, a requerente pleiteou a retirada de “seu pedido de declaração de inconstitucionalidade do artigo em referência, nos termos em que foi formulado na petição inicial, uma vez que o dispositivo não mais integra a norma atacada” (fls. 234).

8. Na mesma oportunidade, a CONTAG - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Agricultura requereu a modificação do pedido formulado na inicial, pleiteando, liminarmente, a suspensão do artigo 17, caput, da Medida Provisória nº 2.126-11, de 26 de abril de 2001, o qual corresponderia ao artigo 14 da MP 2.052-1 revogada. Sustenta que referido dispositivo cria “exceção - não prevista constitucionalmente - ao direito de propriedade dos pequenos produtores rurais (art. 5º, inciso XXII)”.

9. Em data de 19 de julho de 2001, a requerente aditou o pedido, informando a reedição da Medida Provisória nº 2.126-13, de 22 de junho de 2001, e posterior reedição com novo nº 2.186-14, de 28 de junho de 2001.

10. Por fim, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Agricultura, em data de 28 de agosto de 2001, aditou a presente ação direta de inconstitucionalidade “em face das reedições da Medida Provisória 2.186-14, de 23 de junho de 2001, Medidas Provisórias nº 2.186-15, de 25 de julho de 2001 e 2.186-16, de 23 de agosto de 2001, publicadas respectivamente no Diário Oficial da União de 27 de julho e 24 de agosto de 2001.

11. A presente ação direta de inconstitucionalidade não pode prosseguir.

12. Com efeito, a nova redação do contestado artigo 17 da Medida Provisória nº 2.126, de 22 junho de 2001, revogada pela citada Medida Provisória nº 2.186-14, de 28 de junho de 2001, introduziu substancial alteração no dispositivo atacado nesta ação direta de inconstitucionalidade (fls. 272) (D.O.U. 25/06/2001). A própria requerente, conforme já referido, admite este fato (fls. 234/235).

13. Esta Corte já firmou orientação no sentido da admissão de aditamento em ação direta de inconstitucionalidade tão-só quando ocorra a identidade substancial e formal da norma reeditada, em relação à constante da medida provisória em vigor quando da propositura da ação direta. Com base nesse entendimento, o Tribunal, em sessão de 17.9.1998, resolvendo Questão de Ordem, indeferiu pedidos de aditamento quanto às reedições, de conteúdo diverso, da medida provisória impugnada na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1753, relator o Ministro Sepúlveda Pertence, julgando-a, em conseqüência, prejudicada. O acó13. Esta Corte já firmou orientação no sentido da admissão de aditamento em ação direta de inconstitucionalidade tão-só quando ocorra a identidade substancial e formal da norma reeditada, em relação à constante da medida provisória em vigor quando da propositura da ação direta. Com base nesse entendimento, o Tribunal, em sessão de 17.9.1998, resolvendo Questão de Ordem, indeferiu pedidos de aditamento quanto às reedições, de conteúdo diverso, da medida provisória impugnada na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1753, relator o Ministro Sepúlveda Pertence, julgando-a, em conseqüência, prejudicada. O acórdão está assim ementado: “EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade e reedição de medidas provisórias: evolução da jurisprudência: aditamento da petição inicial: pressuposto de identidade substancial das normas. A possibilidade do aditamento da ação direta de inconstitucionalidade de modo a que continue, contra a medida provisória reeditada, o processo instaurado contra a sua edição original, pressupõe necessariamente a identidade substancial de ambas: se a norma reeditada é, não apenas formal, mas também substancialmente distinta da originalmente impugnada, impõe-se a propositura de nova ação direta” (in DJ 23-10-98, pág. 02). 14. Do exposto, na conformidade da jurisprudência desta Corte, com base no art. 38, da Lei 8.038, de 28 de maio de 1990, combinado com o art. 21, § 1º do RISTF, julgo extinta a presente ação, sem prejuízo de a requerente, querendo, ajuizar nova ação direta de inconstitucionalidade”.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADIN n.º 2289/2000. Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG e Presidente da República. Brasília, 07 nov. 2001. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/processos/processo.asp?INTERFACE=1&ARGUMENTO=ADI%2F2289&rdTipo=1&PROCESSO=2289&CLASSE=ADI&ORIGEM=AP&RECURSO=0&TIP_JULGAMENTO=>. Acesso em: 05 ago. 2006.

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São notórios os desafios e as dificuldades existentes na implementação da

legislação de acesso ao patrimônio genético, mas acredita-se que a via adequada é

o debate democrático para buscar uma legislação adequada ao País, com a

participação de segmentos da sociedade civil, de Universidades, de Conselhos

Profissionais, entidades científicas, sindicais, etc.

Ocupando-se do sentido de lei, no pensamento jurídico brasileiro, Rogério Bento

Soares do Nascimento213 observa:

Como toda providência legislativa urgente, condicionada à aprovação do Legislativo, as medidas provisórias são, ao mesmo tempo fonte formal do Direito, porque dotadas de eficácia imediata, e ato inaugural do procedimento de produção de norma, deflagrando a discussão e a deliberação sobre o projeto de conversão, procedimento este que, inserido no processo legislativo em geral, pretende-se seja capaz de garantir a democracia, respeitando o princípio do discurso.

Entretanto, a matéria regulamentada pela MP sofreu sucessivas reedições até a

superveniência da Emenda Constitucional n.º 32/2001214, que veio a disciplinar o uso

de Medidas Provisórias. Esta Emenda Constitucional dispensou de reedição as MP’s

publicadas anteriormente a ela, até que sejam apreciadas, definitivamente, pelo

Congresso Nacional.

É por essa razão que a MP n.º 2.186-16215, de 23.08.2001, constitui, hoje, o único e

precário marco legal sobre acesso ao patrimônio genético e aos conhecimentos

tradicionais associados no País.

Até a presente data, nada menos do que 08 (oito) projetos de lei sobre a matéria

foram propostos, sem mencionar a PEC n.º 618/98, que transforma o patrimônio

genético em bem da União, além de outros projetos que visam à criminalização da

biopirataria, mas ainda assim a matéria carece de regulamentação eficaz.

213 Cf. NASCIMENTO, op. cit., 2004. p. 202. 214 BRASIL. Constituição (1988). Emenda Constitucional n.º 32, de 11 de setembro de 2001. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 12 set. 2001. 215 BRASIL. Medida Provisória n.º 2.186, de 23 de agosto de 2001. Regulamenta o inciso II do § 1o e o § 4o do art. 225 da Constituição, os arts. 1o, 8o, alínea "j", 10, alínea "c", 15 e 16, alíneas 3 e 4 da Convenção sobre Diversidade Biológica, dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado, a repartição de benefícios e o acesso à tecnologia e a transferência de tecnologia para sua conservação e utilização, e dá outras providências. Casa Civil, Brasília, 2001.

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6.3 O ABUSO DO PODER DE LEGISLAR

A edição exacerbada de medidas provisórias no Brasil reclama uma breve

abordagem acerca da autorização ao Chefe do Executivo de adotar medidas

legislativas urgentes.

Em primeiro lugar, cabe ressaltar os pressupostos constitucionais que autorizam a

edição de medidas provisórias.

Quanto aos aspectos referentes à existência e eficácia das medidas provisórias,

valioso citar a doutrina de Rogério Bento216, cuja fundamentação baseia-se na

distinção proposta por Humberto Ávila, que toma por base a distinção dos “planos de

análise dos fatos jurídicos”, feita por Pontes de Miranda, examinando,

separadamente, os referidos aspectos.

Segundo Rogério Bento217, Humberto Ávila distingue no plano da existência: “1)

pressupostos que são a) formais – edição pelo Presidente e submissão imediata ao

Congresso e b) matérias (ou requisitos) relevância e urgência; e 2) limites também a)

formais (para a reedição) e materiais (para edição). No plano da eficácia anota as

singularidades da medida provisória em contraste com a lei, decorrentes do seu

caráter transitório e não revogatório, e da necessidade da conversão em lei para

produção plena de efeitos”.

No que tange à relevância da matéria, a ensejar a edição de medidas provisórias,

Rogério Bento218 diz que ela se verifica naquilo que é “extraordinariamente

necessário”, asseverando que “o conceito jurídico não corresponde exatamente ao

sentido usual do termo, não é igual a importante ou qualquer coisa que sobressaia,

correspondente, isto sim, a indispensável, ao que é de absoluta necessidade”.

216 Cf. NASCIMENTO, op. cit., p. 208. 217 Idem, ibidem. 218 Idem, ibidem, p. 209.

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Inegável que o tema vertente é de extrema importância, entretanto, editar medidas

provisórias de afogadilho, a reboque de interesses circunstanciais, é incompatível

com o requisito “urgência”, definido, com propriedade e rigor, por Rogério Bento:219

Urgente corresponde à inadiável, iminente. Também exprime a idéia de uma necessidade, porém qualificada pelo tempo requerido para a sua satisfação. É aquilo que não se pode retardar. Enquanto relevante tem a ver com a substância, com a percepção do valor, atribuído ao efeito desejado com a norma, urgência expressa a oportunidade de reger o tema.

Posteriormente, o citado Autor220, ocupando-se do controle de abusos, esclarece

que “quanto maior a capacidade do Executivo impor a sua vontade, menor a

possibilidade de exprimir a diversidade inerente às sociedades pluralistas”.

Expondo, ainda, sua linha argumentativa Rogério Bento221 recorre ao magistério de

Fabio Konder Comparato, para asseverar que “a tolerância para com o abuso corroí

a força constitucional, dado que aceitar o abuso do poder de legislar, porque comum

ou consentido pela prática política, termina por equivaler a admitir,

contraditoriamente, um costume constitucional contrário à constituição.” Acrescenta

que “tal atitude significa romper com a coerência e capacidade integradora do

constitucionalismo”.

É oportuno lembrar que a MP n.º 2.186-16, ainda encontra-se pendente de

aprovação pelo Congresso Nacional. Todavia, há como reparar os efeitos impostos

pela MP com a aprovação do projeto de lei da Senadora Marina Silva, que se não é

perfeito em sua totalidade, é o mais apto e completo, como ponto de partida a

ensejar uma discussão democrática, visando a consolidação de um futuro Código

Ambiental.

Importa lembrar, que não há no ordenamento jurídico brasileiro um tipo penal que

descreva a conduta delituosa do biopirata. Conforme cediço, uma MP não constitui

instrumento adequado para regulamentar a matéria.

219 Idem, ibidem. 220 Idem, ibidem, p. 227. 221 Idem, ibidem.

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Ocupando-se desta questão, exprime Rogério Bento,222 em termos absolutos, a

tendência mais antagônica quanto ao emprego de medidas provisórias em matéria

penal:

O programa do direito Penal democrático é tornar racional e minimamente previsível o exercício do poder punitivo, impondo um objetivo limitado, de proteção de bens sensíveis, constitucionalmente reconhecidos, para salvaguarda dos direitos fundamentais. Nesta perspectiva a lei penal é tanto lei-garantia quanto lei instrumento. Porem, um Direito Penal comprometido com valores democráticos não se acomoda à vontade em um veículo precário como é a medida provisória. A democracia deliberativa, pautada na ética do discurso, também se alimenta de normalidade e da previsibilidade dos comportamentos.

Note-se, ainda, o despropósito em se editar medida provisória versando sobre a

proteção da biodiversidade e do conhecimento tradicional associado, quando

existente no Congresso projeto de lei, exaustivamente, debatido por todos os

seguimentos da sociedade ao longo de quatro anos.

Revela-se obscuro, para não dizer oportuno e pessoal, posto que a Medida

Provisória n.º 2.186-16/01 fora editada a reboque do escândalo da Norvartis, com

repercussão nacional, sem mencionar que dispositivos enxertados, posteriormente,

foram suprimidos, não pela vontade do Executivo, mas dada sua fragilidade

contestada via Ação Direta de Inconstitucionalidade, o que nos leva a crer no

desiderato abusivo de imposição imediata da proposta presidencial.

Reconhece, Rogério Bento,223 “que estas práticas aprofundam o déficit de

legitimidade das medidas provisórias como fonte de Direito, pois, obscurecem

responsabilidades, ocultam interesses e, com isso, comprometendo o requisito de

seriedade na comunicação estabelecida no espaço público”.

Com inexcedível evidência e exemplar concisão, Bento224 assinala que um “discurso

público somente estará legitimado quando forem pelo menos aproximadamente

preenchidas certas condições ideais, entre elas a exigência de seriedade nas

posições assumidas pelos interlocutores”.

222 Ibidem, ibidem, p. 220-221. 223 Idem, ibidem, p. 227. 224 Idem, ibidem.

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Em rigor, o que pretende o Autor225 é que “os participantes da comunicação, aqui os

parlamentares em relação à sociedade que os elege, devem exprimir seus reais

objetivos quando se manifestam. A mentira política, aceita como parte de um agir

estratégico, é inaceitável na ética discursiva”.

Confrontando-se o tema, ora abordado, com o desenvolvimento sustentável e o

acesso à biodiversidade e aos conhecimentos tradicionais associados, verifica-se a

inadequação e precariedade da medida provisória, como instrumento

regulamentador da matéria.

Dessa forma, é imprescindível implementar e tornar eficaz preceitos firmados na

Convenção sobre Diversidade Biológica, mediante a correta utilização dos

instrumentos jurídicos pertinentes, a fim de se fazer valer os fundamentos

constitucionalmente assegurados em nossa Carta Magna.

6.4 CRÍTICA À REGULAMENTAÇÃO DA PROPRIEDADE

INTELECTUAL NO BRASIL

Este tópico tem por objeto o estudo e análise do momento político em que se dera o

processo legislativo brasileiro, que cunhou a Lei de Propriedade Intelectual nº

9.279/96226, e as conseqüências de sua regulamentação.

No início da década de 1990, em função dos diversos fatores domésticos e,

especialmente, externos, o governo brasileiro decidiu “modernizar” o regime jurídico

de proteção à propriedade intelectual, razão pela qual encaminhou ao Congresso

Nacional, em abril de 1991, o Projeto de Lei n.º 824/91 (que posteriormente tramitou

no Senado como PL n.º 115/93), resultando na Lei n.º 9.279/96, nova Lei de

Propriedade Industrial brasileira, que foi aprovada pelo Congresso Nacional, em 10

de abril de 1996, e sancionada sem vetos pelo Presidente Fernando Henrique

Cardoso, em 14 de maio de 1996.

225 Idem, ibidem. 226 BRASIL. Lei n.º 9.279, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 14 set. 2001.

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Os meandros desta tramitação nos revelam fatos inusitados e peculiares.

O processo legislativo, da atual Lei de Propriedade Intelectual, se deu sob intensa

pressão dos Estados Unidos. Em 1988 foi editada, naquele país, a “Lei Abrangente

de Comércio e Competitividade”, que tinha por finalidade asfixiar, economicamente,

os países que, na avaliação unilateral dos EUA, não tinham uma legislação eficiente

na proteção dos direitos de propriedade intelectual.

Alegando prejuízos econômicos, decorrentes da falta de regulamentação da

propriedade intelectual, fora editada a “Super 301”, primordialmente, destinada aos

países Latino-Americanos, os quais passariam a integrar a “lista negra” das

autoridades americanas e ser submetidos a retaliações econômicas, impostas na

forma de sobretaxa de até 100% sobre os produtos exportados para EUA.

É neste contexto que, em 1991, durante a gestão do então Presidente Fernando

Collor de Mello, o governo brasileiro envia ao Congresso Nacional a Mensagem

Presidencial n.º 192/91, posteriormente, convertido no Projeto de Lei n.º 824/91,

visando alterar o Código de Propriedade Intelectual (Lei n.º 5.772/71), com pedido

de regime de urgência, por parte do executivo brasileiro.

Evidenciando essa realidade, que se apresenta sob a forma de tensões entre

direitos e interesse antagônicos, Patrícia Aurélia Del Nero227 destaca:

A imposição de sanções comerciais ao Brasil deveu-se, basicamente, ao fato de que os Estados Unidos entendiam como insuficiente os mecanismos legais de proteção à propriedade intelectual (e inclusive, industrial) no Brasil. Neste sentido, em 1984, a Lei de Comércio e de Tarifas dos Estados Unidos incluiu, explicitamente, a proteção insuficiente de propriedade intelectual brasileira entre as razões da aplicação da Seção 301, além de autorizar o Executivo norte-americano a retirar, em relação ao Brasil, pelos mesmos motivos, os benefícios do Sistema Geral de Preferência, normalmente concedidos a países em desenvolvimento.

Portanto, para o Governo Norte Americano, o sistema normativo brasileiro, então

vigente, de proteção à propriedade intelectual (Lei 5.772/71), mostrava-se obsoleto e

não atendia aos seus interesses comerciais.

227 DEL NERO, Patrícia Aurélia. Propriedade Intelectual: A tutela jurídica da biotecnologia. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 119.

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Alegando prejuízos sofridos por sua indústria farmacêutica, face à ausência de

proteção patentária a estes produtos, em 1998, os Estados Unidos impuseram

medidas retaliatórias contra o Brasil, como relata o Ministro de Estado das Relações

Exteriores Luiz Felipe Lampreia228. Tais retaliações ocorreram na forma de

sobretaxa de 100%, imposta sobre os produtos importados do Brasil, em especial,

no setor químico, eletro-eletrônico e de papel e celulose.

As pressões exercidas, pelos Estados Unidos, contra o Brasil não se deram apenas

no plano unilateral, foram também exercidas com toda contundência a partir de

1986, na Rodada do Uruguai do GATT, onde os americanos esperavam ver adotado

e consolidado, naquele fórum multilateral, princípios e conceitos universais genéricos

que versassem sobre propriedade intelectual.

Embora o locus daquela discussão fosse de natureza multilateral, os Estados Unidos

impuseram suas regras subjugando os interesses dos países em desenvolvimento,

como Brasil, Egito, Índia e etc.

Acerca dos acordos celebrados na rodada do Uruguai do GATT, Noam Chmsky229

observa:

O acordo internacional do GATT possui uma relação apenas limitada com o livre comércio. O objetivo primordial dos Estados Unidos é o aumento da proteção à propriedade intelectual, incluindo software, patentes de sementes, medicamentos e assim por diante. A Comissão de Comércio Internacional dos Estados Unidos estima que as empresas norte-americanas vão ganhar US$ 61 bilhões por ano do Terceiro Mundo se as exigências protecionistas dos Estados Unidos forem satisfeitas no GATT, a um custo para o Sul que irá ultrapassar de longe o enorme fluxo de capital repassado para o Norte a título de pagamento de juros sobre a dívida. Tais medidas se destinam a assegurar às empresas sediadas nos Estados Unidos o controle sobre a tecnologia, incluindo a biotecnologia que, se espera, irá permitir que a empresa privada controle a saúde, a agricultura e os meios de vida em geral, trancando a maioria pobre na prisão da dependência e da impotência.

Assim, ficou evidenciado a fragilidade negocial dos países em desenvolvimento,

maioria esmagadora, que sucumbiram às forças e aos desejos dos países

228 Apud DEL NERO, op. cit., p. 121. 229 CHOMSKY, Noam. Novos senhores da humanidade. A “nova ordem imperial” usa seletivamente o liberalismo e gera um mundo de mais pobres e mais lucros. Folha de S. Paulo, 25 de abril de 1993, apud DEL NERO. p. 127.

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industrializados, chancelando e aderindo ao documento final, que se dera por meio

de um processo coercitivo, em visível e incontroverso desequilíbrio de forças.

Quanto ao organismo ideal, à apreciação das negociações, assinala Del Nero230 que

o locus competente das discussões travadas na Rodada do Uruguai do GATT,

deveria ter sido a Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI):

O foro competente para discussão e inserção da temática deviria ter sido a OMPI, que é uma organização intergovernamental com sede em Genebra, Suíça estabelecida em 1967, por intermédio da convenção firmada em Estocolmo e denominada “Convenção que Estabelece a Organização Mundial de Propriedade Intelectual”. Essa convenção entrou em vigor em 1970. A OMPI é uma das 16 agências especializadas das Nações Unidas. Sua origem data de 1883 e 1886, com o estabelecimento da Convenção de Paris para a propriedade intelectual, e da convenção de Berna, para a proteção de obras literárias e artísticas (direitos autorais). Essa duas convenções estabeleceram a criação de uma secretária denominada “Oficina Internacional”.

No entanto, a composição da OMPI não se mostrava favorável às ambições norte

americanas, pelo fato de a maioria dos assentos pertencerem aos países em

desenvolvimento, decidiram, então, deslocar o foco da discussão para o GATT, que

a princípio nada tinha a ver com esta discussão, todavia, ainda assim, o ambiente

era propício aos interesses norte-americanos.

Em 1993, a Rodada do Uruguai do GATT foi concluída e os países signatários

tiveram que aceitar todos os seus termos, posto que não poderiam aderir

parcialmente, sendo imposição a aceitação em bloco, sob pena de penalidade

consubstanciada na sua exclusão do novo sistema multilateral de comércio: a

Organização Mundial de Comércio (OMC).

Atuando, simultaneamente, em duas frentes distintas, seja pelas pressões impostas

no plano interno, seja pelas regras que ditaram livremente na Rodada do Uruguai do

GATT, os Estados Unidos impuseram e lograram êxito em revogar a legislação

brasileira, então vigente, como salienta Patrícia Del Nero231:

230 Cf. DEL NERO, op. cit., p. 119. 231 Idem, ibidem, p. 119.

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Dessa forma, a proposta de modernização da legislação dos Estados Unidos era uma forma de “revogação branca” da legislação brasileira de patentes. A aprovação referida da nova legislação brasileira de propriedade intelectual é uma evidência fática nesse sentido.

As imposições americanas resultaram em incalculáveis prejuízos ao Brasil. Na visão

do Ministro das Relações Exteriores, Luiz Felipe Lampreia232, o fato de os Estados

Unidos estarem “entre os principais parceiros comerciais do Brasil”, onde “cerca de

20,5% das exportações brasileiras destinam-se ao mercado norte-americano [...],

enquanto apenas 1,3% das exportações norte-americanas destinam-se ao Brasil

[...]”, propiciaram o terreno fértil à imposição da vontade americana.

De fato, não é segredo que o Brasil manteve-se e mantém-se refém das imposições

dos países desenvolvidos e dos organismos internacionais que, sem cerimônia,

costumeiramente, interferem na soberania brasileira.

Discorrendo sobre esta ingerência externa, nos Estados Nacionais Octávio Ianni233

destaca:

O Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (BIRD) e a Organização Mundial do Comércio (OMC), bem como as corporações transacionais, pressionam Estados nacionais a promoverem reformas políticas, econômicas e socioculturais, envolvendo amplamente instituições jurídico-políticas, destinadas a fornecer a dinâmica das forças produtivas e relações capitalistas de produção. Esse é o clima em que a reforma do Estado se torna palavra de ordem predominante em todo mundo”.

Ponto positivo a ser ressaltado com a conclusão da Rodada do Uruguai do GATT, foi

a criação da OMC, a quem compete hoje administrar as divergências comerciais

multilaterais, dirimindo as controvérsias, pondo fim aos litígios e garantindo aos

países signatários julgamento equânime.

De fato, este novo fórum para soluções comerciais possibilitou ao Brasil intentar,

com sucesso, reclamações contra potências estrangeiras. São exemplos recentes os

subsídios americanos ao plantio de algodão e o caso Embraer verso Bonbardier.

232 Apud DEL NERO, op. cit., p. 122. 233 IANNI, Octávio. Enigmas da modernidade-mundo. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2000. p. 39 apud DEL NERO, p. 129.

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Em uma série de complicadas discussões, os Estados Unidos vincularam a criação

da OMC à aprovação de um tratado anexo sobre propriedade intelectual, o Trade-

Related Aspects e os Intellectual Property Rights (TRIPs), consignando e

condicionado que, para fazerem parte da OMC, os demais países, deveriam aceitar

em todos os seus termos as condições impostas pelo TRIPs.

Uma das principais exigências que impuseram os americanos, aos países em

desenvolvimento neste particular das negociações, era a de que os países que

aceitassem o acordo não poderiam excluir nenhuma área tecnológica da concessão

de patentes. Isto no plano prático significou a abertura ao patenteamento em áreas

sensíveis e vitais de nossa economia.

6.5 O PROCESSO LEGISLATIVO DA LEI 9.279, DE 14 DE MAIO DE

1996

Sob influência das pressões internas e externas, conforme já mencionado, o

Presidente da República envia, em 30 de abril de 1991, ao Congresso Nacional, o

Projeto de Lei n.º 824/91, com pedido de urgência.

Durante cerca de cinco anos o Congresso cumpriu um acidentado percurso

legislativo, ao logo do qual, desconfianças, divergências, oportunismo, rivalidades,

falta de coordenação, desinteresse e apatia marcaram o comportamento da maioria

dos parlamentares.

Em 02 de maio de 1991, com observou Del Nero,234 o referido Projeto de Lei “foi

distribuído à Comissão de Constituição, Justiça e Redação, à Comissão de Ciência e

Tecnologia, Comunicação e Informática e à Comissão de Economia, Indústria e

Comércio. O Prazo final para proposição de emendas, pelos deputados, expirava em

16 de maio daquele ano e, naquela data, o Poder Executivo solicitou a retirada da

urgência para a apreciação do Projeto”.

Após serem apresentadas 246 emendas, o Deputado José Luiz Clerot, tendo em

vista a relevância e complexidade da matéria, propôs questão de ordem requerendo

234 Cf. DEL NERO, op. cit., p. 132.

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à Comissão de Constituição e Justiça a mudança de rito para a forma de código, nos

termos do artigo 205235 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados.

Este requerimento foi deferido pelo Plenário da Comissão de Constituição, Justiça e

Redação, e, posteriormente, indeferido pelo Presidente da Câmara dos Deputados,

que manteve o rito de lei ordinária.

Atente-se para o fato de que, “em 16 de junho, terminava, na Câmara dos

Deputados, o prazo para votação do Projeto de Lei, prazo esse que foi extinto, tendo

em vista a solicitação da retirada da urgência na apreciação do projeto. Neste

mesmo mês, vale salientar, os Estados Unidos suspenderam as sanções

econômicas impostas ao Brasil”. Muito bem observado por Del Nero236.

Posteriormente, foi levantada a segunda questão de ordem, pelo então Deputado

Federal Nelson Jobim que, desta feita, com supedâneo no artigo 34237, inciso II, do

235Art. 205. Recebido o projeto de código ou apresentado à Mesa, o Presidente comunicará o fato ao Plenário e determinará a sua inclusão na Ordem do Dia da sessão seguinte, sendo publicado e distribuído em avulsos.

§ 1º No decurso da mesma sessão, ou logo após, o Presidente nomeará Comissão Especial para emitir parecer sobre o projeto e as emendas.

§ 2º A Comissão se reunirá no prazo de duas sessões a partir de sua constituição, para eleger seu Presidente e três Vice-Presidentes.

§ 3º O Presidente da Comissão designará em seguida o Relator-Geral e tantos Relatores-Parciais quantos forem necessários para as diversas partes do código.

§ 4º As emendas serão apresentadas diretamente na Comissão Especial, durante o prazo de vinte sessões consecutivas contado da instalação desta, e encaminhadas, à proporção que forem oferecidas, aos Relatores das partes a que se referirem.

§ 5º Após encerrado o período de apresentação de emendas, os Relatores-Parciais terão o prazo de dez sessões para entregar seus pareceres sobre as respectivas partes e as emendas que a eles tiverem sido distribuídas.

§ 6º Os pareceres serão imediatamente encaminhados ao Relator-Geral, que emitirá o seu parecer no prazo de quinze sessões contado daquele em que se encerrar o dos Relatores- Parciais.

§ 7º Não se fará a tramitação simultânea de mais de dois projetos de código.

(Parágrafo acrescido pela Resolução nº 33, de 1999)

§ 8º A Mesa só receberá projeto de lei para tramitação na forma deste capítulo,quando a matéria, por sua complexidade ou abrangência, deva ser apreciada como código.

(Parágrafo acrescido pela Resolução nº 33, de 1999) 236 Cf. DEL NERO, op. cit., p. 132. 237 Art. 34. As Comissões Especiais serão constituídas para dar parecer sobre:

I - proposta de emenda à Constituição e projeto de código, casos em que sua organização e funcionamento obedecerão às normas fixadas nos Capítulos I e III, respectivamente, do Título VI;

II - proposições que versarem matéria de competência de mais de três Comissões que devam pronunciar-se quanto ao mérito, por iniciativa do Presidente da Câmara, ou a requerimento de Líder ou de Presidente de Comissão interessada.

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Regimento Interno da Câmara dos Deputados, requereu a constituição de uma

Comissão Especial e a mudança do rito para forma de código. O requerimento

regimental formulado pelo deputado implicava em dilação de prazo para apreciação

do projeto, bem como viabilizava a amplitude e amadurecimento das discussões no

Congresso.

Não obstante a certeza líquida de seus argumentos, o requerimento foi apenas,

parcialmente, deferido, em 14 de agosto de 1991.

A Presidência da Câmara dos Deputados determinou a constituição de uma

Comissão Especial para apreciar o projeto, contudo, negou a alteração do rito de

tramitação para a forma de código, permanecendo assim, o ordinário.

Aquela primeira questão de ordem suscitada pelo Deputado José Luiz Clerot,

requerendo a tramitação do projeto em forma de código e deferida pelo Plenário da

Comissão de Constituição, foi revogada em 23 de outubro de 1991, pela Presidência

da Câmara, o que ensejou recurso, interposto pelo Deputado Paulo Ramos, em face

desta decisão.

Tal fato levou a Câmara a reunir-se em duas sessões para deliberar acerca do

recurso, interposto pelo Deputado Paulo Ramos, sobre rito procedimental a ser

adotado na tramitação do aludido projeto. Estabelecendo um parâmetro entre as

duas votações ocorridas na Câmara dos Deputados, aponta Del Nero238 a tibieza e a

frustração dos resultados alcançados:

Esse recurso teve a seguinte votação: 242 deputados votaram pela tramitação normal, 89 deputados pela tramitação na forma de código e houve quatro abstenções. Ou seja, o Plenário da Câmara, que antes havia proposto a transformação da tramitação do Projeto para a forma de código, retrocedeu em sua antiga posição, fechando questão com a proposta da Presidência da Casa.

§ 1º Pelo menos metade dos membros titulares da Comissão Especial referida no inciso II será constituída por membros titulares das Comissões Permanentes que deveriam ser chamadas a opinar sobre a proposição em causa.

§ 2º Caberá à Comissão Especial o exame de admissibilidade e do mérito da proposição principal e das emendas que lhe forem apresentadas, observado o disposto no art. 49 e no § 1º do art. 24. 238 Cf. DEL NERO, op. cit., p. 133.

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Outra crítica contundente, que vinha a somar-se àquela forma ambígua, em face da

alternância súbita e injustificável dos parlamentares em aderir ao posicionamento da

Presidência da Câmara é observada com percuciência por Del Nero:239

Esse fato, como muitos similares e de conhecimento público, e que aconteceram com freqüência durante a tramitação do Projeto de Lei de Propriedade Industrial, denota, claramente, a presença de pressões, tanto internas ao Parlamento quanto do Executivo e de lobbies exógenos ao ambiente da República. Tudo isso pode ser interpretado como característica normal às decisões parlamentares e políticas em uma democracia, mas que na tramitação da legislação projetada da propriedade intelectual invariavelmente estiveram presentes.

Em 29 de outubro de 1991, foi criada uma Comissão Especial composta por 16

deputados que tinham a tarefa de votar o projeto antes do fim daquele ano,

entretanto, dada a complexidade da matéria e a mobilização de setores da

sociedade organizada isso não foi possível. Sobre o assunto Del Nero240 também se

manifestou:

Cumpre destacar que, em abril de 1992, oito membros dessa Comissão Especial de Patentes Industrial fizeram uma viagem de duas semanas à Europa e aos Estados Unidos, financiados por universidades, empresas estrangeiras e agências do Governo norte-americano. Os parlamentares foram à sede de grandes multinacionais farmacêuticas e químicas para conhecer seu método de trabalho e suas pesquisas.

Dando seguimento à tramitação, em 27 de maio de 1991, o relator, Deputado Ney

Lopes, apresentou seu parecer com substitutivo ao projeto nos mesmos termos

propostos pelo Executivo. Cedendo às divergências, o relator apresenta, em 16 de

fevereiro, novo substitutivo. Em ato contínuo, no dia 9 de março de 1993, a

totalidade dos líderes partidários requereram a apreciação do projeto em regime de

urgência, posição agora diametralmente oposta àquela apresentada pelo Deputado

Nelson Jobim.

Ao comentar esta manobra parlamentar, Del Nero241 observa que:

239 Idem, ibidem, p. 133. 240 Ibidem, ibidem, p. 134. 241 Idem, ibidem, p. 135.

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Em 06 de maio daquele mesmo ano, a urgência para aprovação do projeto foi aprovada, e as negociações passaram a ser realizadas no Plenário da Câmara dos Deputados, com apresentação de emendas, propondo a reformulação do texto do “Substitutivo Ney Lopes”. O texto final foi resultado de quatro substitutivos do relator e de um substitutivo elaborado pela liderança do Governo na Câmara dos Deputados.

O projeto teve sua redação final aprovada, em 02 de junho de 1993, sendo

encaminhado ao Senado Federal no dia 23 do mesmo mês.

No Senado, o projeto foi distribuído à Comissão de Constituição, Justiça e Redação.

O Senador João Rocha, Presidente da Comissão de Assuntos Econômicos do

Senado, envia ofício ao Presidente daquela Casa requerendo que a Comissão de

Assuntos Econômicos fosse ouvida, o que fora atendido.

Na seqüência, foi nomeado o Senador Élcio Álvares como relator da Comissão de

Constituição, Justiça e Redação do Senado, a partir da qual o projeto recebeu 15

emendas.

Nessa época, havia chegado ao fim a Rodada do Uruguai de Negociações

Comerciais Multilaterais do GATT, celebrada, precisamente, em 30 de dezembro de

1994, passando a prever regras que tutelavam as questões de propriedade

intelectual, relacionadas ao comércio no TRIPs.

Por meio deste documento, os Estados-Membros do qual o Brasil é signatário

deveriam aderir, sem qualquer tipo de reservas, pois não era permitida a adesão

parcial aos acordos. Foi uma espécie de funeral da soberania brasileira.

O TRIPs foi internalizado pelo ordenamento jurídico brasileiro, pelo Presidente da

República Itamar Franco, por intermédio do Decreto Legislativo n.º 30, promulgado

pelo Decreto n.º 1.355, de 30 de dezembro de 1994, tendo em vista que o

Instrumento de Ratificação, da Ata Final pelo Brasil foi depositado em Genebra, em

21 de Dezembro do mesmo ano.

Ultrapassando este episódio, com a nomeação do Senador Elcio Álvares a Ministro

de Estado, a relatoria, no Senado Federal, passa a ser ocupada pelo Senador Ney

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Suassuna que, em 17 de maio de 1995, aprova na Comissão de Constituição,

Justiça e Redação novo substitutivo, sendo, posteriormente, encaminhado à

Comissão de Assuntos Econômicos, sob a relatoria do Senador Fernando Bezerra.

Por fim, como relata Del Nero242, “o relator do projeto na Comissão de Assuntos

Econômicos do Senado Federal, Senador Fernando Bezerra, apresentou seu

parecer, acompanhado de outro substitutivo. Em 29 de fevereiro de 1996, em

votação simbólica, o substitutivo do Senador Fernando Bezerra foi aprovado, por

coincidência ou não, mas, curiosamente, poucas horas antes da chegada ao Brasil

do Secretário de Estado Americano Warren Cristopher”.

Sobre a controvérsia, envolvendo a Lei 9.279/96, colhe-se dos Anais do Senado

Federal, o discurso da Senadora Benedita da Silva243, com apartes do Senador Ney

Suassuna, proferido em janeiro 1996.

242 Idem, ibidem, p. 136. 243 Benedita da Silva: “Hoje ocorreu a votação dos destaques ao parecer do Senador Fernando Bezerra em função de fato inédito ocorrido nesta Casa, a concessão de vistas aos destaques, ocorrida na semana passada, depois de iniciada a votação. Novamente, O Regimento do Senado só é observado quando favorece a maioria. Se não respeitarmos os direitos das minorias em nossa própria Casa, estamos demonstrando claramente que a luta pelo direito democrático das minorias no país ainda não atingiu a consciência das lideranças políticas que deveriam garantir o Estado democrático.

Duas questões monopolizam as discussões naquela Comissão: o patenteamento de microorganismos e o pipeline. Por coincidência, apesar das negativas do Relator e dos Líderes do Governo, são os pontos sobre os quais o governo americano mais tem pressionado para que adotemos uma legislação que concede direitos à industria americana, principalmente a de fármacos, muito além do que o Gatt determina.

As insistentes afirmações de defesa do interesse nacional por aqueles que defendem a instituição do pipeline e a concessão desmesurada de patentes a microorganismos não encontram respaldo na maioria da opinião pública, na manifestação da sociedade civil, nem mesmo nos exemplos que podemos buscar em outros países.

O Senador Suplicy bem lembrou que podemos encontrar subsídios ao nosso posicionamento nos países que fazem parte do roteiro de viagens internacionais do Presidente Fernando Henrique. O pipeline não foi aceito nem pela Espanha, nem pela Índia, que teve a grandeza de fazer constar em sua legislação patentária que haverá o reconhecimento de patentes a microorganismos por aquele país tão logo o governo americano subscreva as decisões da Convenção sobre Biodiversidade, realizada pela ONU na minha cidade, o Rio de Janeiro. O problema é que a diplomacia do país-sede dessa Convenção talvez a mais importante realizada no Brasil nos últimos anos – não dá a devida importância às suas deliberações para a proteção de nossa riqueza genética.

Tenho desta tribuna falado a respeito desse assunto de forma enfática e quero sê-lo mais ainda. Pretendo inclusive ser dura, pois avalio que não tenho sido tão radical na defesa do interesse nacional.

O que me espanta também é a manifestação do empresariado brasileiro com relação a essa matéria, quando de imediato serão prejudicadas as empresas nacionais; não é possível que, nem mesmo neste instante, haja consciência e reflexão dos prejuízos.

As restrições ao patenteamento de microorganismos que pretendemos aprovar no Senado foram introduzidas na legislação americana há pouco mais de trinta dias. Hoje, nos Estados Unidos, só podem ser concedidas patentes de microorganismos quando vinculados a um único processo industrial. Pois bem, o Governo não soube seguir o seu mestre e obteve aprovação na CAE de emenda que derruba esta restrição.

Por que razão a Espanha e a Índia rejeitam o pipeline? Primeiro porque o acordo do Gatt é bastante claro ao afirmar, em seu art. 70, que os países signatários não precisarão conceder direitos retroativos em função das cláusulas ali contidas. Portanto, além de não haver cláusulas determinantes à adoção do pipeline, o Gatt exime

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O relator Ney Suassuna, fez, em vão, uma derradeira diligência, no sentido de

reverter a primazia da Comissão de Assuntos Econômicos, que preponderou sobre a

posição assumida pela Comissão de Constituição e Justiça.

Todavia, a matéria foi aprovada atendendo o posicionamento da Comissão de

Assuntos Econômicos e o Presidente Fernando Henrique Cardoso sanciona, em 14

de maio de 1996, a Lei 9.279/96, dando novo tratamento à propriedade industrial.

A peculiaridade dos discursos transcritos, além de revelar as irregularidades

ocorridas durante a tramitação do projeto, sobre o qual pairam dúvidas, escrúpulos e

valores de consciência e ideologia, atuantes no âmbito dos parlamentares, resultou

por evidenciar o inusitado perfilhamento ideológico entre a Senadora Benedita da

Silva, do PT, oposição ao Governo Fernando Henrique, com o Senador Suassuna,

do PMDB, partido que dava sustentação ao Governo.

A tramitação do projeto no Congresso causou insatisfação e perplexidade, tanto a

alguns opositores e aliados, e, lamentavelmente, o prejuízo passou a ser de toda

sociedade brasileira.

O registro da Senadora Benedita, de que o Governo cedera mais do que o acordo

do GATT, previa, especialmente, no tocante à aprovação do instituto do pipeline,

expressamente de qualquer impropriedade aqueles países que não o aceitarem. Cabe também lembrar que o Gatt proíbe sanções unilaterais por parte de paises signatários a qualquer outro membro da OMC. São, portanto, ilegítimas as ameaças de sanções que possam pesar a nossa decisão”.

Ney Suassuna: “Nobre Senadora Benedita da Silva, hoje pensei até em fazer um discurso sobre patentes, mas, diante da possibilidade de se confundir a derrota de uma teoria que vem a reforçar a nossa nacionalidade com a derrota do Senador que defendeu, preferi não faze-lo. No entanto, não posso deixar de me associar às colocações que V. Exa. faz neste plenário, porque são extremamente verdadeiras. Perdemos, hoje, um pouco da nossa nacionalidade. Graças a Deus, é apenas uma batalha; resta a batalha do Senado. Senadores que tinham convicção foram demovidos dela; outros se deixaram levar pelo simples canto de sereia de um Governo que passa com muita rapidez, enquanto uma patente vale por 20 anos e será renovada “n” vezes. Ao final de cada período, pede-se uma renovação em função de uma pequena modificação, e essa patente perdurará por muitas gerações. (...) A primeira irregularidade ocorrida nesta Casa foi o pedido de vistas de um destaque de emenda. Mas deveremos ter também aqui, com toda certeza, nos próximos dias, a afirmação de que a Comissão de Assuntos Econômicos, que foi ouvida apenas por um pedido de um Senador e que não era o ponto determinado pela Presidência da Casa – o ponto determinado era a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, que é responsável pelo parecer sobre constitucionalidade e juridicidade, e também sobre Direito Comercial, tem prioridade sobre a CCJ. (...) A minha preocupação maior é que clarifiquemos, expliquemos para que, na próxima votação em plenário, tenhamos condições de não permitir que o nosso País venha a ter um prejuízo tão grande”.

Disponível em: <http://www.senado.gov.br/sf/publicacoes/anais/asp/PQ_Resultado.asp#resultado>. Acesso em: 02 ago. 2006.

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causando prejuízos ao País, é corroborado pela doutrina mais balizada. Patrícia Del

Nero244 manifesta-se da seguinte forma acerca da adoção do pipeline:

Como a concessão de uma patente demora, em média, cinco anos, esse instituto equivale ao reconhecimento da seguinte configuração: a lei de patentes aprovada em 1996, começando a vigorar neste mesmo ano, terá efeitos retroativos de cinco anos para as invenções relacionadas a produtos químicos, químico-farmacêuticos, alimentícios e medicamentos, como se tivesse sido sancionada em 1991. Vale dizer, o pipeline é o reconhecimento de patentes expedidas no exterior, pelo prazo que faltar para que ela tenha fim no país de origem. Esse é o efeito prático da aplicação do pipeline, tal como incorporado à atual legislação brasileira.

Comentando a compatibilidade da legislação interna com as contidas no TRIPs,

salienta Del Nero245 “que este Tratado objetiva, em última análise, inaugurar no

cenário internacional um verdadeiro Sistema referente à Propriedade Intelectual,

acompanhando os movimentos da globalização da economia”.

A Autora246 concluiu que, “essa estratégia do TRIPS permite e, ao mesmo tempo

determina, uniformização nas legislações dos países signatários quanto à disciplina

jurídica da propriedade intelectual”.

Na visão de Vandana Shiva247 o acordo, derivado do TRIPs do GATT, não foi

democrático quanto às negociações entre os países industrializados e os de Terceiro

Mundo:

É a imposição de valores e interesses das multinacionais do Ocidente às diversas sociedades e culturas do Mundo. A estrutura do acordo TRIPs foi concebida e moldada por três organizações: Comitê de Propriedade Intelectual Intelectual Property Comittee, (IPC) Keidanren e União das Confederações da Indústria e dos Trabalhadores Union of Industrial and Employees Confederations, (UNICE). O IPC é uma coalizão de 12 grandes empresas norte-americanas: Bristol Myers, DuPont, General Electric, General Motors, Hewlett Packard, IBM, Johnson & Johnson, Merck, Monsanto, Pfizer, Rockwell e Warner. Keidanren é uma federação de organizações econômicas do Japão e a UNICE é reconhecida como a porta-voz oficial dos negócios e da indústria da Europa.

Mantendo-se alheia às questões éticas, a Lei n.º 9.279/96 possibilitou que o instituto

da propriedade intelectual conferisse patentes de microorganismos, tutelando,

244 DEL NERO, op. cit., p. 209. 245 Idem, ibidem, p. 143. 246 Idem, ibidem, 247 Cf. SHIVA, op. cit., p. 108.

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juridicamente, o objeto do trabalho intelectual em três hipóteses: a) quando objeto de

uma descoberta pelo homem. Nesse caso, o trabalho intelectual se concentra no

detalhamento, na descrição e na descoberta de um organismo pré-existente na

natureza e desconhecido para o ser humano, para o qual não houve contribuição do

intelecto humano na sua criação; b) quando o intelecto atuou no sentido de

encontrar uma utilidade econômica para um organismo vivo, ou para uma

característica sua; c) quando o intelecto trabalhou no sentido de modificar ou criar

um organismo vivo.

Adalberto Carim Antônio248, a respeito da Lei em referência, tece a seguinte

observação:

Há na Lei de Patentes um erro conceitual básico. Quando se utiliza uma planta, um animal ou microorganismo para fazer um produto qualquer – remédio ou perfume, por exemplo – pode haver um invento no processo para fabricá-lo, mas não na matéria-prima. Essa já existia. Cristóvão Colombo não inventou nada; ele descobriu a América para os europeus. A América, tal como os seres vivos em causa, já existia, desde tempos ignorados.

Registra-se que não estamos a sugerir a revogação da regulamentação da

propriedade intelectual latu sensu e a categoria jurídica de privilégio de patentes,

enquanto espécie e mecanismo de institucionalização de monopólio. O que de fato

se pretendeu evidenciar foram as suas imbricações no âmbito social, econômico e

ambiental, de forma lesiva aos interesses nacionais.

Por outro lado, tentamos focalizar o debate em dois campos distintos: 1) o acordo do

GATT, onde as potências hegemônicas logram êxito, em exercer pressões sobre os

países em desenvolvimento, aprovando um sistema universal de proteção à

propriedade intelectual e a 2) ulterior aprovação da Lei n.º 9.279/96, em franca

desarmonia com os postulados da Convenção sobre Diversidade Biológica, fazendo

a ética parlamentar descer a baixíssimos níveis de conservação.

Quanto a esta ingerência, importa tornar a citar Del Nero249 ao assinalar que:

248 Cf. ANTÔNIO, Adalbert Carim. In Seminário Internacional sobre..., op. cit., 1999. p. 175. 249 Cf. DEL NERO, op. cit., p. 181.

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Os lobbies das empresas multinacionais, sobretudo do ramo de fármacos, durante o encaminhamento dos debates parlamentares que antecederam a aprovação da Lei de Propriedade Industrial no Brasil, atuaram, de forma ostensiva e sistemática, como foi amplamente documentado pela imprensa (tanto escrita quanto televisiva). Não poucas vezes, os próprios editoriais da imprensa, sobretudo da maior rede de televisão brasileira que dedicou, em horário nobre, alguns editoriais a respeito do tema, na verdade, passaram a defender as mesmas teses dos lobistas dos grandes grupos multinacionais. Neste sentido, verifica-se que, de certa forma, aderiram a esse lobby, ou, na melhor das hipóteses, o divulgaram ampla e sistematicamente.

Há quem aluda a aprovação da Lei n.º 9.279/96 ao receio do Brasil de sofrer

retaliações econômicas, mormente, por parte dos Estados Unidos, que acusava o

País de ter uma normatização obsoleta e frágil, causando prejuízos à sua economia.

Sobre esta reflexão é de se indagar sobre quem, de fato, vive à margem da lei.

Expressivas, a propósito, as considerações de César Benjamin250:

Se você lê jornais e revistas, sabe que o Brasil nunca primou por respeitar as regras internacionais; que apóia a pirataria, causando prejuízos a empresas que investem muito dinheiro em pesquisa; e que, por tudo isso, está sob ameaça de represália de países honestos, sobretudo os Estados Unidos. Sabe também – que enfrentando a incompreensão de nacionalistas xenófobos – nosso Governo se esforça para mudar essa realidade e essa imagem, facilitando a integração nacional ao mundo civilizado. Tudo mentira. O Brasil sempre respeitou a legislação sobre patentes. É um dos doze signatários originais da Convenção de Paris, de 1883, que regulamentou pela primeira vez o tema em âmbito internacional; desde então, subscreveu e cumpriu as oito modificações que o tratado sofreu. Também é co-autor da Convenção de Berna, de 1886, sobre propriedade intelectual, direito autoral e copyright. Esses foram os principais acordos internacionais sobre o tema (...)”.

Uma surpresa: quase sempre os Estados Unidos estiveram fora da lei, e assim continuam. No fim do século XVIII, quando os EUA estavam prestes a iniciar seu esforço industrializador, decidiram não reconhecer nenhuma patente estrangeira – sua lei passou a admitir a concessão de patentes apenas para seus próprios cidadãos. Todas as invenções do mundo eram apropriadas livremente por cidadãos americanos.

Salienta-se, que, até a presente data, os Estados Unidos recusa-se a assinar o mais

importante documento sobre biodiversidade: a Convenção Sobre a Diversidade

Biológica.

250 BENJAMIN, César. Lei de patentes: está entregue. Revista Atenção . São Paulo, n. 4, 1996. p. 6. Apud LUCCA, Newton de. In Seminário Internacional sobre Direito da Biodiversidade. Revista CEJ/Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários. n. 8. Brasília: CJF, 1999. p. 73-74.

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A tese da prefalada Patrícia Del Nero foi gestada no ano de 1997 e publicada pela

primeira vez em 1998. Portanto, antes dos escândalos que assolaram e assolam o

País.

Desconhecia, portanto, a Autora, os mensalistas e a prática nefasta de se cooptar

consciências parlamentares em troca de benefícios econômicos.

Esta prática espúria, devidamente noticiada ao longo de meses, que resultou em

denúncia do Procurador Federal da República, nos permite ao menos imaginar que

a tramitação da Lei n.º 9.279/96 não sofreu apenas pressão de lobistas, defendendo

seus interesses econômicos.

As irregularidades e as mudanças súbitas e injustificáveis do posicionamento de

alguns parlamentares, nos levam a crer na cumplicidade de alguns deputados e

senadores, com interesses outros que não o dos brasileiros e o da nação. Tal

conduta converte-se no câncer do mandato representativo, com metástase no

modelo republicano de governo.

Desatendendo, de igual modo, as expectativas da sociedade brasileira, move-se

mais uma vez o Governo, empenhado toda sua força política no Congresso

Nacional, objetivando aprovar, desta feita, o Projeto de Lei n.º 477/05, de sua

autoria, que institui a concessão de florestas públicas para exploração sustentável

da iniciativa privada.

A incongruência da iniciativa governamental, ao nosso sentir, reside em dois pontos

básicos: 1) atualmente, o País não conta com fiscalização e aparato suficiente,

sequer para coibir os diversos ilícitos perpetrados, diuturnamente, contra a

biodiversidade nos rincões de nossa vastidão territorial; 2) outro ponto de suma

importância é o fato de não termos um inventário completo da fauna e flora

Brasileira. Daí resulta que o homem, mesmo desconhecendo a força da natureza,

que se perpetua por razões intangíveis ao nosso conhecimento, e mesmo sem

compreendê-la, comete a ousadia e a pretensão de querer dominá-la.

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Mais uma vez, o Governo de afogadilho, sem a participação dos seguimentos da

sociedade civil, tenta resolver questões ambientais complexas, desprezando a auto-

organização da biodiversidade.

O mesmo Congresso que aprovou este projeto de lei foi alvo de contundentes

críticas do Senador Jefferson Peres:251

Gostaria de estar aqui discutindo, como fez o Senador José Jorge, a respeito das riquezas naturais do Brasil, com as quais ele tanto se preocupa, e não como falarei, sobre algo muito pior: a dilapidação do capital ético deste País. (...) O que está faltando mesmo a este País e sempre faltou é uma elite dirigente com compromisso com a coisa pública, capaz de fazer neste País o que precisaria ser feito: investimento em capital humano. (...) Este Congresso que está aqui, desculpem-me a franqueza, é o pior de que já participei. É a pior legislatura da qual já participei, Senador Antonio Carlos Magalhães. Nunca vi um Congresso tão medíocre. Claro, com uma minoria ilustre, respeitável, a quem cumprimento. Mas uma maioria, infelizmente, tão medíocre, com nível intelectual e moral tão baixo, eu nunca vi. O que se pode esperar disso aí? Não sei. Eu não vou mais perder o meu tempo. Vou continuar protestando sempre, cumprindo o meu dever. Não teria justificativa dizer que não vou fazer mais nada. Vou cumprir rigorosamente o meu dever neste Senado até o último dia de mandato, mas para cá não quero mais voltar, não! (...) O meu desalento é profundo. Deixo isso registrado nos Anais do Senado Federal. Infelizmente, eu gostaria de estar fazendo outro tipo de pronunciamento, mas falo o que penso, perdendo ou não votos pouco me importa. Aliás, eu não quero mais votos mesmo, pois estou encerrando a minha vida pública daqui a quatro anos, profundamente desencantado com ela.

Por fim, há de se assinalar que, tanto a Lei n.º 9.279/96, como o Projeto de Lei n.º

477/05, possui aspiração absolutista e autocrática, tendo por objetivo, inconfundível

e inconfessável, alijar a participação popular dos destinos da nação.

Enquanto não tivermos capital político de qualidade, compromissado com a ética e

os interesses na nação, não nos restará perspectiva de concretude das garantias

constitucionais, desde muito (in)cumpridas.

251 Disponível em: <http://www.portalbrasil.eti.br/2006/colunas/politica/setembro.htm>. Acesso em: 21 out. 2006.

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7 A LEGITIMAÇÃO PARA AGIR NAS AÇÕES COLETIVAS EM

DEFESA DO MEIO AMBIENTE

7.1 O DIREITO AO ACESSO À JUSTIÇA AMBIENTAL

A tutela processual está, intimamente, ligada ao acesso à Justiça. Em se tratando de

matéria ambiental assume contornos peculiares, posto que, incidem sobre interesses

e direitos de natureza difusa, na medida em que não se destinam, especificamente, à

proteção de interesses de um indivíduo ou de um grupo, tem como destinatário o

próprio gênero humano.

Este traço distintivo carrega consigo dificuldades, no que se refere à sua adequada

organização, representação e defesa desses direitos metaindividuais. Entretanto, há

que se delimitar o campo de abrangência deste tópico, ante a amplitude que se

descortina dentro do acesso à justiça, no âmbito de proteção ao meio ambiente.

Este capítulo tem por objetivo o estudo do instituto da legitimação ativa para a

propositura de ações judiciais em defesa do meio ambiente, bem como da garantia

do efetivo acesso à justiça.

A formação e conscientização dos cidadãos quanto aos seus direitos e deveres, em

um mundo em constante transformação, tornam-se indispensáveis, diante desta

sociedade globalizada, sujeita a mudanças frenéticas.

Compreender esse novo paradigma é entender o papel do homem na natureza, é

despertar a humanidade para a cidadania em defesa de seu direito mais profundo, o

direito a vida.

A consciência ecológica, indissociável às questão da proteção ambiental, tornou-se

tema permanente. No Brasil a matéria foi consagrada com a promulgação da CF/88,

que inovou ao impor ao Poder Público e a coletividade o dever de defender e

preservar o meio ambiente. (Art. 225 da CF)

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Consoante consignado no capítulo inerente à tutela do patrimônio biológico brasileiro,

nosso ordenamento jurídico recepcionou os direitos difusos, acerca da proteção

ambiental, especialmente, no art. 225 da Constituição Federal de 1988, ao

estabelecer que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem

de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder

Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e

futuras gerações.

Do citado artigo decorrem, por conseqüência lógica, dois pressupostos: 1) o direito

subjetivo do cidadão de reivindicar a proteção jurídica do seu direito ao meio

ambiente preservado, e o 2) dever do Estado e da coletividade em promover a

defesa do meio ambiente. Para a consecução deste último, é fundamental o amplo e

irrestrito acesso à justiça, o que não se confunde com o acesso aos tribunais.

Destarte, o acesso à Justiça está expresso no artigo 5º, Inciso XXXV, da

Constituição Federal.

No decurso do processo histórico da evolução política e jurídica do Estado Moderno,

“o direito de acesso é um fato essencial de todas as sociedades democráticas. É

dever de cada Estado patrocinar sistemas efetivos de patrocínio legal, judicial e

extrajudicial aos que se encontram em situação de inferioridade econômica ou

social”.252

De conformidade com a tese de Mauro Cappelletti253, “o acesso à justiça pode ser

encarado como um requerimento fundamental – o mais básico dos direitos humanos

– de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas

proclamar os direitos de todos”.

Acessar a justiça, nesta concepção, significa aprimorar os caminhos processuais e

institucionais que garantam, igualmente, a cada indivíduo, e à sociedade como um

todo, a possibilidade de adentrar no sistema jurídico caso dele necessite.

252 CAPPELLETTI, Mauro. GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução e revisão de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1988. p. 48. 253 Idem, ibidem, p. 11.

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Portanto, “absolutamente ineficaz é a previsão de um direito considerado como

direito material, se este não puder, pela via processual, s er feito valer contra

quem quer que seja que o pretenda violar ou que efe tivamente o viole,

inclusive o próprio Estado”. 254

É neste contexto que o acesso à justiça em matéria ambiental ganha proeminência,

tendo em vista que os conflitos ambientais não podem ser resolvidos de forma

eficaz através do aparato conceitual e instrumental do processo civil clássico,

especialmente, no que se refere à legitimação ativa. Nesse aspecto afirma Aluisio

Gonçalves255:

Sob o ponto de vista formal, impõe-se que o Código de Processo Civil, como estatuto central do Direito Processual, incorpore e sistematize as normas relacionadas à defesa judicial coletiva, abrindo-se, também, oportunidade para que haja um disciplinamento mais completo, harmonioso e eficaz.

Mister assinalar, que em caso de danos ou ameaça de lesão aos bens ambientais,

o acesso à proteção dos direitos difusos ambientais deveria ser um direito universal,

e não um privilégio concedido a grupos ou a alguns indivíduos. Doutra face, o dever

de proteção do Estado o obriga a assegurar o acesso à Justiça com os meios e

instrumentos aptos para que o indivíduo ou a coletividade possam efetivamente

proteger os seus direitos ambientais.

7.2 NATUREZA JURÍDICA DA LEGITIMAÇÃO NAS AÇÕES

COLETIVAS

A doutrina processual não é uníssona quanto à legitimação concernente à tutela

coletiva, discutindo se seria hipótese de legitimidade extraordinária, ordinária, ou,

ainda, autônoma à tutela dos direitos coletivos.

254 DIDIER JR, Fredie. et. al. Ações Constitucionais. Salvador: JusPodivm, 2006. p. 01. 255 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações Cotelivas no direito comparado e nacional . vol. 4. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 266.

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Segundo Aluisio Gonçalves256, “três posições podem ser descortinadas: a)

legitimação ordinária; b) legitimação autônoma; e c) legitimação extraordinária”.

A primeira teoria, proposta por Kazuo Watanabe,257 procurou extrair do próprio

sistema jurídico vigente, através de uma interpretação flexiva do art. 6º, do Código

de Processo Civil, uma legitimidade ordinária por parte das entidades criadas no seio

da sociedade, com a finalidade de defesa dos direitos supraindividuais.

Uma segunda posição é defendida por Nelson Nery Júnior258, trazendo, como

explicação para essa intervenção de tutela jurisdicional de interesses difusos e

coletivos, o instituto da legitimação autônoma para a condução do processo.

Para o processualista259 “os casos de substituição processual determinados pela lei

se distinguem dos de legitimação para as ações coletivas, pois naqueles o substituto

busca defender direito alheio de titular determinado, enquanto que nestas o objetivo

dessa legitimação é outro, razão por que essas ações têm de ter estrutura diversa

do regime da substituição processual”.

Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery260, em comentário ao art. 5º da

Lei de Ação Civil Pública, assinalam:

Para as ações coletivas na tutela de direitos difusos e coletivos, trata-se de legitimação autônoma para a condução do processo (selbständige prozeβführungsbefugnis), ordinária. Quando a ação coletiva for para a tutela de direitos individuais homogêneos, haverá substituição processual, isto é legitimação extraordinária.

Nelson Nery Junior261 reafirma tal posicionamento ao comentar o art. 82 do Código

de Defesa do Consumidor:

256 Cf. MENDES, op. cit., p. 243. 257 WATANABE, Kazuo. Tutela jurisdicional dos interesses difusos: a legitimação para agir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984. p. 85-97. 258 NERY JR., Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal . São Paulo: RT, 1992. p. 108. 259 Idem, ibidem. 260 NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado . 5 ed. São Paulo: RT, 2001. p. 1530. 261 Ibidem, p. 1885.

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A dicotomia clássica, legitimação ordinária-extraordinária só tem cabimento para a explicação de fenômenos envolvendo direito individual. Quando a lei legitima alguma entidade a defender direito não individual (coletivo ou difuso), o legitimado não estará defendendo direito alheio em nome próprio, porque não se pode identificar o titular do direito. Não poderia ser admitida ação judicial proposta pelos “prejudicados pela poluição”, pelos consumidores de energia elétrica”, enquanto classe ou grupo de pessoas. A legitimidade para a defesa dos interesses difusos e coletivos em juízo não é extraordinária, mas sim legitimação autônoma para a condução do processo (selbständige prozeβführungsbefugnis): a lei elegeu alguém para a defesa de direitos porque seus titulares não podem individualmente fazê-lo.

A posição defendida por Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, recebeu

influxo da doutrina alemã, conforme se infere da obra de Alfredo Buzaid:262

Coube aos autores alemães o mérito de haverem definido a substituição processual como instituto autônomo, denominando-o KOHLER PROZESSSTANDRECHT, isto é, o direito de conduzir o processo em seu próprio nome como parte, discutindo relações jurídicas alheias; ele é parte e intervém como tal. O que caracteriza a substituição processual é a cisão entre a titularidade do direito subjetivo e o exercício da ação judicial. Nos casos ordinários fundem-se numa mesma pessoa o titular do direito e o titular da ação, ou, em outras palavras, quem move a ação é geralmente o titular da relação jurídica de direito material. Esta coincidência denota a legitimidade normal. Quando, porém, a lei autoriza que pessoa alheia à relação de direito material possa ajuizar a ação que competiria em princípio àquele, temos uma legitimação anômala, que recebe o nome de substituição processual.

A maioria da doutrina, no entanto, entende ser extraordinária a legitimação para agir

nas ações coletivas, com a substituição processual da coletividade pelo autor

ideológico. Perfilham-se a este propósito Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel

Dinamarco, Flávio Yarshell, Teori Albino Zavascki, Marcello Vigliar, Pedro da Silva

Dinamarco e outros. Este entendimento, também, vem prevalecendo na

jurisprudência dos tribunais superiores.

No tocante à legitimação dos interesses difusos e coletivos, observa Aluisio

Gonçalves:263

No âmbito dos legitimados previstos no art. 5º, da Lei da Ação Civil Pública, e no art. 82 do Código de Defesa do Consumidor, no entanto, não se pode dizer que os legitimados, entes políticos, Ministério Público, órgãos estatais e associações, estejam defendendo direitos que lhes são próprios. O interesse é ideológico, no sentido da pessoa, jurídica ou formal, estar

262 BUZAID, Alfredo. Considerações sobre o mandado de segurança coletivo . São Paulo: Saraiva, 1992. p. 63-64. 263 Cf. MENDES, op. cit., p. 245.

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exercendo um papel de verdadeiro paladino do meio ambiente, dos consumidores, do patrimônio histórico etc., cuja atribuição foi conferida pela lei e, no caso das associações, também pelos respectivos estatutos.

Ultrapassada a discussão acerca da natureza jurídica da legitimação, em sede de

interesses transindividuais ou interesses, essencialmente, coletivos latu sensu,

cumpre consignar que a “legitimação para agir, como uma das três condições da

ação, encontra-se dividida em ordinária e extraordinária. Esta última pode estar

subordinada à presença do legitimado ordinário ou ser autônoma”.

Segundo Aluisio Gonçalves264, ocorre legitimação exclusiva na hipótese do titular

ficar impossibilitado de figurar com parte principal. “Do contrário, concorrerão os

legitimados ordinário e extraordinário ao exercício do direito de ação”, denominando-

se a espécie de concorrente.

O Autor acrescenta que na ocorrência de vários legitimados extraordinários,

“simultaneamente autorizados a propor a ação”, dá-se a legitimação disjuntiva,

“embora seja freqüente, na doutrina e nos tribunais, a caracterização como

concorrente”.

Muito embora a maioria da doutrina e jurisprudência perfilhe do entendimento de que

havendo substituição processual da coletividade, estar-se-á diante de legitimidade

extraordinária, o tema ainda desperta discussões.

7.3 OS LEGITIMADOS PARA PROPOSIÇÃO DE AÇÕES COLETIVAS

EM DEFESA DO MEIO AMBIENTE

O Estado social produziu novas garantias constitucionais de natureza processual

introduzidas na Constituição de 1988, atendendo, ao que parece, aos novos

problemas provenientes de uma sociedade moderna, dando origem aos chamados

direitos coletivos lato sensu.

Por conseguinte, havendo nesse cenário de interesses, uma nova noção de direito

subjetivo constitucional, a noção de bem jurídico individual, de origem clássica, cede

264 Idem, ibidem, p. 268.

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lugar ao coletivo e ao difuso, com assento constitucional. “Com efeito, um novo pólo

jurídico de alforria do homem se acrescenta, historicamente, aos da liberdade e da

igualdade”.265

Neste contexto, Paulo Bonavides266 assinala que os direitos de terceira dimensão,

dotados que são “de altíssimo teor de humanismo e universalidade”, destinam-se, no

final do século XX, não, especificamente, à proteção dos interesses de um indivíduo,

de um grupo ou de um determinado Estado, mas sim, “têm primeiro por destinatário

o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação com o valor

supremo em termos de existencialidade concreta”.

O Supremo Tribunal Federal reconheceu o direito ao ambiente ecologicamente

equilibrado como sendo um típico direito fundamental de terceira dimensão, de

titularidade coletiva, e de natureza transindividual, incumbindo ao Estado e à

coletividade o dever de defendê-lo para as presentes e futuras gerações.

Assim, retratada pela consciência solidária, traço distintivo desta dimensão de

direitos, “o adimplemento desse encargo, que é irrenunciável, representa a garantia

de que não se instaurarão, no seio da coletividade, os graves conflitos

intergeneracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade, que a

todos se impõe, na proteção desse bem essencial de uso comum das pessoas em

geral”.267

Segundo Aluisio Gonçalves268, “o regime central adotado, [...] em termos de

legitimação para as ações coletivas, encontra-se disposto na Lei da Ação Civil

Pública, art. 5º, e no Código de Defesa do Consumidor, art. 82”, em cujos estatutos

há previsão, basicamente, dos mesmo legitimados: órgãos públicos e associações.

265 Cf. BONAVIDES, op. cit., p. 569. 266 Idem, ibidem. 267 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. ADIN n.º 3.540-1 MC/DF, julgamento em 01 set. 2005. Relator: Min. Celso de Mello. Disponível em: <http://www.planetaverde.org/modules/juris/content/Ementa%20ADI%203540.pdf>. Acesso em: 19 nov. 2006. 268 Cf. MENDES, op. cit., p. 245-246.

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“Na Constituição da República, encontra-se os sindicatos também autorizados a

agirem coletivamente em juízo.”269

Decorre, daí, que as ações coletivas lato sensu estão submetidas, do ponto de vista

procedimental, às disposições da Lei n.º 8.078/90 e da Lei n.º 7.347/85. Da

conjunção desses expedientes extrai-se o regime jurídico relativo à tutela dos

direitos coletivos em geral.

Dentre os juristas nacionais, que tiveram papel de destaque na fixação desta

interação, ressalta-se Kazuo Watanabe270 para quem:

A mais perfeita interação entre o Código e a Lei n. 7.347, de 24.7.85 está estabelecida nos arts. 90 e 110 usque 117, de sorte que estão incorporados ao sistema de defesa do consumidor as inovações introduzidas pela referida lei especial, da mesma forma que todos os avanços do Código são também aplicáveis ao sistema de tutela de direitos criado pela Lei n. 7.347.

Igualmente, importa mencionar o ensinamento de Nelson Nery Junior,271 que

complementa o trecho acima transcrito:

Há, por assim dizer, uma perfeita interação entre os sistemas do C.D.C. e da L.A.C.P., que se completam e podem ser aplicados indistintamente às ações que versem direitos ou interesses difusos, coletivos e individuais, observado o princípio da especialidade das ações sobre relações de consumo, às quais se aplica o Título III do C.D.C., e só subsidiariamente a L.A.C.P.. Esse interagir recíproco de ambos os sistemas (C.D.C. e L.A.C.P.) tornou-se possível em razão da adequada e perfeita compatibilidade que existe entre eles por força do C.D.C. e, principalmente, de suas disposições finais, alterando e acrescentando artigos ao texto da Lei nº 7.347/85.

Com rigor científico, Tereza Arruda Alvim Wambier272 expõe esta nova concepção no

direito processual nos seguintes termos:

[...] o sistema das ações coletivas lato sensu, regido fundamentalmente pelo CDC e pela LACP, ou seja, ações em que se veiculam pretensões de direitos supra-individuais, diz respeito a todas as ações coletivas e não só àquelas por meio das quais se formulam pedidos ligados aos direitos do consumidor.

269 Idem, ibidem. 270 WATANABE, Kazuo. et. al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999. p. 711. 271 NERY JR., Nelson. et. al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor..., op. cit., p. 869. 272 In Revista de Processo, n. 75, ano 19, p. 277, RT.

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Do exposto, fica claro o nítido caráter de complementaridade existente entre o

Código de Defesa do Consumidor e a Lei de Ação Civil Pública.

Vale ressaltar, que a possibilidade de defesa coletiva foi instituída no sistema pátrio

pelo art. 81, do Código de Defesa do Consumidor.273

A Lei n.º 7.347/85 (Lei de Ação Civil Pública) regulamentou o dispositivo

constitucional previsto no art. 129, III, da Constituição Federal, e prescreve em seu

artigo 1º, incisos I, II e V, respectivamente, a proteção ao meio-ambiente, ao

consumidor e a qualquer interesse difuso ou coletivo. Os legitimados, para a defesa

dos direitos e interesses difusos, vem determinados em seu art. 5º.274

Posteriormente, o Código de Defesa do Consumidor trouxe a denominação de ação

coletiva para tutela dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos,

alargando o rol de legitimados em seu artigo 82.275

A ação coletiva ambiental hoje se encontra consagrada no ordenamento jurídico

brasileiro, e a sua correta utilização pelos entes legitimados a promovê-la (Ministério 273 Art. 81 - A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

§ único - A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum. 274 Art. 5º. A ação principal e a cautelar poderão ser propostas pelo Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios. Poderão também ser propostas por autarquia, empresa pública, fundação, sociedade de economia mista ou por associação que:

I - esteja constituída há pelo menos um ano, nos termos da lei civil;

II - inclua entre suas finalidades institucionais e proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. 275 Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:

I - o Ministério Público,

II - a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal;

III - as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este código;

IV - as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este código, dispensada a autorização assemblear.

§ 1° O requisito da pré-constituição pode ser disp ensado pelo juiz, nas ações previstas nos arts. 91 e seguintes, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido.

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Público, associações civis, órgãos públicos, etc.,), é de fundamental importância

para que se possa cumprir o mandamento constitucional de proteção e defesa do

meio ambiente para as atuais e as futuras gerações, consoante grafado no art. 225,

da Constituição Federal.

7.4 A LEGITIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA DEFESA DO

MEIO AMBIENTE

Com acuidade, Aluisio Gonçalves276 assinalou a importância do Ministério Público na

atuação das ações coletivas:

O Ministério Público ocupa clara posição de destaque, na medida em que a sua participação é obrigatória em todas as ações coletivas, seja na condição de autor seja na de custos legis, nos termos dos art. 5º, § 1º, da Lei 7.347/85, e art. 92 da Lei 8.078/90. Na prática, a atuação do Ministério Público também é predominante, para não dizer absoluta. Estudos Realizados nos Estados do Rio de Janeiro e em São Paulo acusaram a iniciativa do paquet em cerca de noventa por cento dos processos coletivos.

Conforme ressaltado pelo supramencionado Autor, o Ministério Público teve posição

de relevo, conferida pela Lei 7.347/85, na condução da Ação Civil Pública: é o único

autorizado a promover o inquérito civil, com poderes de notificação e requisição; está

sempre presente, quer como sujeito ativo da ação, quer como fiscal da lei, ou ainda

como assistente litisconsorcial, com ampla autonomia em relação à parte principal.

Por sua vez, Marcelo Abelha277 anota que a legitimidade do Ministério Público para

tutela dos interesses essencialmente coletivos (difusos e coletivos)278 decorre de

expressa previsão infraconstitucional, notadamente, da Lei de Ação Civil Pública (art.

5º) e da Lei 8.078/90 (art.82). A Constituição Federal (art. 129, § 1º, III) também

prevê que o paquet com parte legítima “para propositura de demandas que visem a

276 Cf. MENDES, op. cit., p. 246. 277 Cf ABELHA, Marcelo. In Ações Constitucionais. Op. cit., 2006. p. 300-301. 278 Segundo Marcelo Abelha, “a expressão interesses difusos e coletivos foi usada na CF/88 antes da definição trazida pelo art. 81, § único do CDC, que lhe foi posterior. Por isso mesmo, após o surgimento da definição legal, há que se ter cuidado para dizer que o paquet é legitimado para qualquer interesse coletivo em sentido estrito. Isso porque esta modalidade de interesse (art. 81, único, II) tem índole privada, porque restrito a uma coletividade determinada. Por isso, só se admite que o parquet tenha legitimidade para postular a tutela de interesses coletivos propriamente ditos, se estes tiverem alguma repercussão ou interesse social, pois do contrário, por exemplo, pode-se estar autorizado a tutela de interesses coletivos (patrimoniais e disponíveis) privados de um grupo, categoria ou classe de pessoas, o que seria absolutamente inconcebível com os fins institucionais do próprio órgão. (Cf. ABELHA, op. cit., p. 301)

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tutela do patrimônio público, meio ambiente e de outros interesses difuso e

coletivos.”

A Ação Civil Pública abrange especialmente a proteção ao meio ambiente, ao

consumidor, ao patrimônio histórico ou cultural. O meio ambiente é definido pelo

artigo 225 da Constituição como um “bem de uso comum e essencial à sadia

qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de

defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Neste caso, a responsabilidade é objetiva, ou seja, independe da demonstração de

culpa, conforme decorre do artigo 14, § 1º, da Lei 6.938/81. Basta demonstrar o

nexo de causa e efeito entre a ação ou omissão danosa e a lesão ao meio ambiente.

Importa destacar que a legitimidade ativa do Ministério Público na defesa do

patrimônio ambiental, consolidou-se como corrente jurisprudencial unânime.279

279 RE no RECURSO ESPECIAL Nº 493.270 - DF (2002/0161953-4) RECORRENTE : DISTRITO FEDERAL PROCURADOR : SANDRA CRISTINA DE ALMEIDA TEIXEIRA FONSECA E OUTROS RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS PROCURADOR: EDUARDO ALBUQUERQUE E OUTROS Vistos, etc.

1. Trata-se de recurso extraordinário contra acórdão assim ementado: "PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM BASE EM INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI. EFICÁCIA ERGA OMNES. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE INCIDENTER TANTUM. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

1. O novel art. 129, III, da Constituição Federal habilitou o Ministério Público à promoção de qualquer espécie de ação na defesa do patrimônio público social não se limitando à ação de reparação de danos.

2. Em conseqüência, legitima-se o Ministério Público a toda e qualquer demanda que vise à defesa do patrimônio público (neste inserido o histórico, cultural, urbanístico, ambiental, etc.), sob o ângulo material (perdas e danos) ou imaterial (lesão à moralidade).

3. O Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública, fundamentada em inconstitucionalidade de lei, na qual opera-se apenas o controle difuso ou incidenter tantum de constitucionalidade. Precedente do STF.

4. A declaração incidental de constitucionalidade não tem eficácia erga omnes, porquanto premissa do pedido (art. 469, III, do CPC).

5. Pretensão do Parquet que objetiva que o Distrito Federal se abstenha de conceder termo de ocupação, alvarás de construção e de funcionamento, deixe de aprovar os projetos de arquitetura e/ou engenharia a quaisquer pessoas físicas ou jurídicas, que ocupem ou venham a ocupar áreas públicas de uso comum do povo.

6. Recurso especial provido.

Sustenta o recorrente violação dos arts. 5º, II, 102, I, a, 103, 125, § 2º, 127 e 129, III, da Constituição, sustentando, em síntese, ofensa ao princípio da legalidade e usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal por parte do Ministério Público, ao pleitear a declaração, incidenter tantum, de inconstitucionalidade de lei.

2. O aresto impugnado está em harmonia com a orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, assentada no RE 227.159-GO (DJ 17.5.2002), relatado pelo Ministro Néri da Silveira, assim ementado: "Recurso extraordinário. Ação Civil Pública. Ministério Público.

Legitimidade. 2. Acórdão que deu como inadequada a ação civil pública para declarar a inconstitucionalidade de ato normativo municipal. 3. Entendimento desta Corte no sentido de que, "nas ações coletivas, não se nega, à

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Outro relevante aspecto que merece registro é a Política Nacional do Meio Ambiente

instituída pela Lei 6.938/81, que outorgou, ao Ministério Público da União e dos

Estados, legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por

danos causados ao meio ambiente, estabelecendo, assim, uma hipótese de Ação

Civil Pública Ambiental.

Considerando que a sistemática aplicável à tutela coletiva é interligada com o

advento do artigo 3º da Lei da ação civil pública – que poderá ter por objeto a

condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer –

ampliou-se, para outras ações, as medidas necessárias à efetividade da defesa do

meio ambiente.

Este novo paradigma tem por escopo outros meios, além da ressarcibilidade em

caso de dano, também, visa garantir o status quo do bem ambiental agredido.

Com efeito, se a ação visar à condenação em obrigação de fazer ou de não fazer, o

causador do dano deve reparar os prejuízos ecológicos que provocou com sua ação

delituosa ambiental, independentemente, de possíveis sanções penais e

administrativas. No caso de condenação pecuniária, a indenização é revertida a um

fundo Federal ou Estadual, cujos recursos são destinados à reconstituição dos bens

lesados (art. 13, Lei 7.347/85).

Outros relevantes mecanismos, de prevenção e de defesa ambiental, são os

compromissos de ajustamento de conduta, que poderá ser firmado por ocasião do

inquérito civil, nos termos previstos no § 6º, do artigo 5º, da Lei n.º 7.347/85. Em

tese, o ajustamento constitui um meio mais célere que a prestação jurisdicional na

defesa do patrimônio ambiental.

evidência, também, a possibilidade de declaração de inconstitucionalidade, incidenter tantum, de lei ou ato normativo federal ou local." 4. Reconhecida a legitimidade do Ministério Público, em qualquer instância, de acordo com a respectiva jurisdição, a propor ação civil pública(CF, arts. 127 e 129, III). 5. Recurso extraordinário conhecido e provido para que se prossiga na ação civil pública movida pelo Ministério Público".

No mesmo sentido, encontra-se a Rcl 600-SP (DJ 5.12.2003), também da relatoria do Ministro Néri da Silveira.

3. À vista do exposto, não admito o recurso. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Brasília, 31 de maio de 2004. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/decisoes/doc.jsp?livre=(RESP+e+493270).nome.+e+20040615.dtpb.#>. Acesso em: 27 nov. 2006.

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Conforme estabelecido no art. 13 da lei em referência, em caso de condenação em

dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um

Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais, de que participarão,

necessariamente, o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus

recursos destinados à reconstituição dos bens lesados.

7.5 A INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA AÇÃO POPULAR

Em se tratando de Ação Popular, observa Geisa de Assis Rodrigues280, que a

posição do Ministério Público na ação popular é singular. Utilizando-se da expressão

de Hely Lopes Meirelles, “funciona como “parte pública autônoma”, como um fiscal

da lei qualificado, devendo velar de forma ativa pela tutela dos direitos difusos em

jogo”.

Ao comentar o artigo 6º, § 4º, da Lei 4.717/65, a Autora281 anota que o

posicionamento adotado não vincula o MP ao pedido do autor popular, podendo dele

divergir, e conclui asseverando que “a exegese adequada do dispositivo é no sentido

de que o MP não pode ter participação ativa no processo contra o autor popular,

podendo, entretanto, se manifestar contrariamente à procedência do pedido autoral

quando estiver demonstrada a insubsistência de suas razões, o que ocorre mesmo

quando ele assume a titularidade ativa da ação popular”.

Ao despachar a inicial, o Juiz ordenará a citação dos réus, devendo ser o Ministério

Público intimado, pessoalmente, sob pena de nulidade da ação, podendo ainda o

MP requisitar documentos e informações, que se não forem apresentados pode

ensejar responsabilização criminal, em face daqueles cujos delitos ficarem

demonstrados no curso da ação popular.

280 Cf. RODRIGUES, Geisa de Assis. In Ações Constitucionais. Op. cit., p. 241. 281 Idem, ibidem, p. 241-242.

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7.6 A LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO

MANDADO DE INJUNÇÃO COLETIVO

O Supremo Tribunal Federal compreendeu que ao mandado de injunção poderia ser

aplicada à hipótese constitucional de representação constitucional do mandado de

segurança coletivo, criando, desta forma, a figura do mandado de injunção coletivo,

com a mesma legitimidade ativa do mandado de segurança coletivo.

Noutras palavras, o Supremo Tribunal Federal equiparou a legitimidade coletiva do

mandado de injunção ao mandado de segurança, vinculando a interpretação do

instituto processual ao art. 5º, LXX, da Constituição Federal.282

Diante do exposto, em princípio haveria óbice para a legitimação do Ministério

Público quanto ao manejo do mandado de injunção coletivo. Entretanto,

considerando que a sistemática processual aplicável à tutela coletiva é integrada, há

autores como Rodrigo Mazzei que se contrapuseram a esta tese. Esta

integratividade foi observada com argúcia por Mazzei:283

[...] a legitimidade ativa no mandato de injunção é mais ampla, transbordando a listagem das letras do inciso LXX do art. 5º, não podendo ali se fazer leitura restritiva. Isso porque o legislador não fecha contornos da legitimação ativa naquele dispositivo (que possui índole coletiva e, portanto, recebe incidência da Lei de Ação Civil Pública e do Código de Defesa do Consumidor, no que for possível).

O Autor arremata seu posicionamento no que tange à legitimidade postulatória

conferida ao parquet, analisando as regras contidas no art. 129, II, da Carta Política

e no artigo 6º da Lei Complementar n.º 75/93.

Com efeito, para Mazzei284, “o mandado de injunção coletivo poderá ser impetrado

não só pelos legitimados do artigo 5º, inciso LXX, como também pelo Ministério

Público, em razão de interpretação sistemática que há de ser feita, extraindo-se a

282 Art. 5º, LXX, da CF – “o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:

a) partindo político com representação no Congresso Nacional;

b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa de seus membros e associados”. 283 Cf. MAZZEI, Rodrigo. In Ações Constitucionais. Op. cit., p. 180. 284 Idem, ibidem., p. 182.

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condução permissiva dos artigos 127, 129, II, da Constituição Federal e do artigo 6º,

da Lei Complementar n. 75/93”.285

Cabe ainda referir o dissenso doutrinário acerca do referido instituto processual

constitucional. Enquanto juristas como J.J Calmon de Passos, Helly Lopes Meirelles

e Paulo Bonavides equiparam o mandado de injunção a ação de

inconstitucionalidade por omissão, José Afonso da Silva e Lenio Streck sustentam

que a tese da inserção do mandado de injunção no âmbito da inconstitucionalidade

por omissão é equivocada e absurda.

Sob este prisma, Lenio Streck286 expõe seu posicionamento contrário à visão do

mandado de injunção inserido no âmbito da inconstitucionalidade por omissão:

[...] não obstante existir semelhanças entre mandado de injunção e a inconstitucionalidade por omissão, no sentido de que ambos visam, de um modo ou de outro, a dar efetividade à norma constitucional, ressentida da ausência de legislação integradora, há uma série de diferenças entre os dois dispositivos constitucionais. Assim, enquanto o mandado de injunção tem por objeto tornar viável o exercício de um direito fundamental, a inconstitucionalidade por omissão visa à efetividade de norma constitucional. Qualquer pessoa física ou jurídica está legitimada a promover a ação injuntiva; já a inconstitucionalidade por omissão só pode ser requerida pelas figuras arroladas nos incisos I a IX, do artigo 103 da Carta. Por outro lado, o mandado de injunção será julgado por qualquer tribunal ou juízo, federal ou estadual, enquanto a inconstitucionalidade por omissão é da competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal. Outra diferença fundamental reside no tipo de decisão a ser proferida pelo Judiciário: no mandado de injunção, a sentença constitui um direito; na inconstitucionalidade por omissão, a decisão tem caráter declaratório.

Reconstruir o conceito jurídico do mandado de injunção, em um ordenamento onde

as leis ambientais “são total ou parcialmente inexeqüíveis, o que agrava o problema

da efectividade do direito ambiental”287, foi objeto de estudo de Canotilho288,

vazado, conforme é fácil perceber, na incredulidade de um Estado de Direito

concreto, real e efetivo:

285 Art. 6º Compete ao Ministério Público da União:

VIII - promover outras ações, nelas incluído o mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, quando difusos os interesses a serem protegidos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Leis/LCP/Lcp75.htm>. Acesso em: 27 nov. 2006. 286 STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica: Uma Nova Crítica do Direito.2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 783. 287 Cf. CANOTILHO. In Estado de Direito..., op. cit., 2004. p. 11. 288 Idem, ibidem, p. 10-11.

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A fórmula escolhida sugere a redescoberta do mandado de injunção consagrado na Constituição brasileira de 1988. Poderíamos recorrer a outros enunciados como habeas naturale, ‘acção de amparo ambiental’, ‘direito à normação ambiental’. [...] Não admira, pois, que uma parte da doutrina procure, na actualidade, na idéia de dever de protecção (Schutzpflicht) o fundamento constitucional para justificar o dever de normação do Estado. Transferindo esta ideia para o domínio do direito do ambiente, dir-se-ia que constitui um dever geral do Estado adoptar actos positivos para a defesa e protecção de direitos normativamente consagrados na Constituição, desde logo quando estiver em causa a protecção de direitos, liberdades e garantias de natureza pessoal. O Estado terá o dever de agir normativamente quando a edição de uma norma é condição indispensável à proteção do ambiente. As dificuldades operatórias das omissões normativas ambientalmente ecológicas não devem ser subestimadas. É óbvio que o Estado tem o dever geral de emanar normas indispensáveis à protecção de bens e direitos constitucionais. O problema está em derivar deste dever geral um dever concreto de normação e a forma de efectivar este último.

Somam-se às dificuldades apontadas por Canotilho, os argumentos defendidos por

Streck, que adiciona a inefetividade do mandado de injunção à confusão

estabelecida entre este e a ação de constitucionalidade por omissão.

7.7 O MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO E A ATUAÇÃO DO

MINISTÉRIO PÚBLICO

A legitimação ativa, por substituição processual, de que trata o art. 5º, LXX, da

Constituição Federal, é exclusiva, autônoma, concorrente e disjuntiva. O rol de

legitimados apresenta-se exaustivo, não sendo viável a interposição de mandado de

segurança coletivo, nem mesmo pelo Ministério Público, defensor por excelência dos

direito coletivos.

Entretanto, Eduardo Sodré289 esclarece que o Ministério Público, na relação

processual mandamental, pode “em seu opinativo, suscitar questões preliminares ou

refutá-las, posicionar-se pela concessão ou denegação da segurança, requerer

diligências etc. Ressaltando-se, ademais, que, consoante já sumulado pelo Superior

Tribunal de Justiça, “o Ministério Público tem legitimidade para recorrer no processo

em que oficiou como fiscal da lei, ainda que não haja recurso da parte”.290

289 Cf. SODRÉ, Eduardo. In Ações Constitucionais. Op. cit., p. 120. 290 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 99. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, 25 abr. 1994. Brasília, 1994.

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7.8 O CONTROLE CONCENTRADO E DIFUSO DE

CONSTITUCIONALIDADE E A LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO

PÚBLICO E DE OUTROS LEGITIMADOS

A Constituição de 1988 favoreceu dois sistemas de controle de constitucionalidade,

confirmando os critérios difuso e concentrado, este último de competência do

Supremo Tribunal Federal. “Temos, no Brasil duas sortes de controle de

constitucionalidade das leis: o controle por via de exceção e o controle por via de

ação”.291

Com efeito, a aplicação do controle por via de exceção cabe a qualquer interessado,

que poderá suscitar a questão de inconstitucionalidade, em qualquer processo, de

qualquer natureza e em qualquer juízo.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) compreende duas modalidades: a)

interventiva, que pode ser federal, por proposta exclusiva do Procurador-Geral da

República e de competência do STF (Arts. 36, VII; 102, I, a; e 129, IV, CF), ou

estadual, por proposta do Procurador-Geral de Justiça do Estado (Arts. 36, IV; e 129,

IV, CF).

Essas ações são chamadas interventivas porque destinadas a promover a

intervenção federal em Estado ou do Estado em Município, conforme o caso; b)

genérica: de competência do STF, destinada à decretação in abstrato de

inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, federal ou estadual, sem outro objetivo

senão o de expurgar da ordem jurídica a incompatibilidade vertical, visando,

portanto, exclusivamente à defesa do princípio da supremacia constitucional (Arts.

102, I, a, e 103, incisos e § 3.º, CF).

Esse mesmo controle direto e concentrado é delegado aos Estados-Membros cujos

Tribunais de Justiça, em cada Estado, são competentes para declarar a

inconstitucionalidade, em tese, de leis ou atos normativos estaduais ou municipais

em face da Constituição Estadual (Art. 125, § 2.º, CF).

291 Cf. BONAVIDES, op. cit., 2006. p. 325.

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Extrai-se do art. 103, da Constituição Federal os legitimados para propositura da

Ação Direta de Inconstitucionalidade: “o Presidente da República, as Mesas do

Senado, da Câmara e das Assembléias Legislativas, Governador do Estado, o

Procurador-Geral da República, o Conselho Nacional e confederação sindical ou

entidade de classe de âmbito nacional”.292

Segundo Lenio Streck293:

É evidente que a legitimidade não é a mesma para todos as pessoas ou entidades previstas no rol do art.103. Assim com exceção das mesas das Assembléias, dos Governadores dos Estados e das confederações sindicais/entidades de classe, o Supremo tem entendido que os demais legitimados o são erga omnes. Para os excepcionados, exige-se uma relação de pertinência entre o objeto da norma questionada e o interesse do proponente da ADIn. O Supremo Tribunal chama esse requisito de ‘vínculo de pertinência temática.

Assume relevo especial relevo a atuação do Ministério Público, no âmbito do

controle concentrado de constitucionalidade, na medida em que a representação

para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos na

Constituição (Art. 129, IV, e Art. 103, VI, da CF), é conferida ao Procurador-Geral da

República a propositura da ação direta de inconstitucionalidade.

Em sintonia com o princípio federativo, o § 2.º do Art. 125 da CF/88, delega aos

Estados-Membros instituírem representação de inconstitucionalidade de leis ou atos

normativos, estaduais ou municipais, em face das Constituições Estaduais, bem

como legitima, concorrentemente, vários órgãos para agir, dentre os quais, os

Procuradores-Gerais de Justiça, Chefes do MP, nas unidades federativas (Art. 25, I,

LONMP), conferindo a estes também, a iniciativa de representação interventiva dos

Estados nos Municípios (Art. 129, CF; e Art. 25, II, LONMP).

No que tange ao amicus curiae nos processos de controle concentrado de

constitucionalidade, trata-se de uma intervenção provocada pelo magistrado, ou

requerida pelo próprio amicus curiae, cujo objetivo é o de aprimorar ainda mais as

decisões proferidas pelo Poder Judiciário.

292 Cf. STRECK, op. cit., 2004. p. 543. 293 Idem, ibidem.

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Por fim, concernente a Ação Declaratória de Constitucionalidade, cumpre consignar

a observação de Streck,294 quanto ao rol dos legitimados à sua propositura,

estabelecida pela Lei 9.868/99:

O artigo 13 estabelece os legitimados para propositura do ADC, que já constava no texto da EC nº 3: o Presidente da República, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa do Senado Federal e o Procurador-Geral da República. De pronto, pode-se pôr em causa a legitimação do rol dos legitimados, que ficou aquém da legitimação prevista para a ação direta de inconstitucionalidade. Esse questionamento ganha importância, a partir da redação do art. 23 da Lei, que estabelece o duplo efeito para as ações diretas de inconstitucionalidade e declaratória de constitucionalidade, julgadas improcedentes, tem os mesmos efeitos que os da ação direta de inconstitucionalidade, não há razão para restringir a legitimidade com relação à ADC .

Presume-se, pois, que criou o legislador uma situação anti-isonômica – ao nosso ver

com razão as criticas tecidas por Streck – quanto à redução dos legitimados para a

propositura da ADC.

7.9 ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO

FUNDAMENTAL E A LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO

A Constituição não estabeleceu o rol dos legitimados para a propositura da ADPF,

este encargo coube ao legislador com a regulamentação do § 1º, art. 102, da

Constituição Federal, resultante da edição da Lei 9.882/99, dispondo sobre o

processo e julgamento da argüição de descumprimento de preceito fundamental,

que definiu em seu art. 2º, que os legitimados, para ajuizamento da ADPF, são os

mesmos legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade.

Trata-se, evidentemente, do Presidente da República, as Mesas do Senado, da

Câmara e das Assembléias Legislativas, Governador do Estado, o Procurador-Geral

da República, ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, ao partido

político com representação no Congresso Nacional e confederação sindical ou

entidade de classe de âmbito nacional.

A exemplo da ação direta de inconstitucionalidade, Dirley da Cunha Júnior295

observa: 294 Idem, ibidem, p. 754.

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Quanto à exigência do requisito da pertinência temática, é muito provável que o Supremo Tribunal Federal estenda à argüição de descumprimento o seu entendimento firmado a propósito da ação direita de inconstitucionalidade. Assim, a ser mantida essa orientação da Suprema Corte, o que se acredita, haverá dois tipos de legitimados para a propositura da argüição de descumprimento de preceito fundamental: a) os legitimados universais, que não precisam satisfazer o requerimento da pertinência temática, quais sejam: o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, o Procurador Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e o partido político com representação no Congresso Nacional, b) os legitimados especiais, que necessitam demonstrar o interesse de agir, isto é, a adequação temática, quais sejam: o Governador do Estado ou do Distrito Federal, a Mesa da Assembléia Legislativa do Estado ou a Câmara Legislativa do Distrito Federal, a confederação sindical e as entidades de classe de âmbito nacional.

Não passou despercebida a Streck296 a negativa do acesso direto do cidadão à

justiça constitucional através da ADPF. Com efeito, faz ele menção, às críticas

erguidas, neste sentido, e escreve:

Algumas questões da nova Lei merecem ser criticadas , como a da não permissão de o cidadão ingressar diretamente com a argüição junto ao Supremo Tribunal, dependendo de representação ao Procurador-Geral da República, a quem caberá decidir sobre o cabimento do ingresso em juízo do remédio constitucional. Essa vedação de acesso direto do cidadão decorre do veto do Presidente da República ao inciso II do artigo 2º da Lei. Evidentemente, o veto presidencial configura uma clara e insofismável restrição ao direito fundamental de buscar junto ao Tribunal Maior o resgate de direitos violados, com o que fica violada frontalmente a Constituição Federal..

Não merece reparos a crítica segundo a qual a aplicação restritiva dos legitimados,

com a exclusão dos cidadãos, conduziu a uma redução do acesso à jurisdição

constitucional, porquanto, forceja a determinar com precisão o desejo do constituinte

ao colocar a argüição de descumprimento de preceito fundamental, como

instrumento para preservação dos direitos fundamentais.

Enfim, poder-se-á dizer, retornado ao tema legitimidade:

[...] que o Procurador-Geral da República, para além de figurar como legitimado ativo na argüição de descumprimento de preceito fundamental, também ostenta a condição de custos constitutionis, porquanto deve manifestar-se nas ações de inconstitucionalidade e em todos os processos de competência do Supremo Tribunal Federal, ainda que seja seu proponente, ex vi do § 1º do art. 103 da Constituição Federal, pois são inconfundíveis as posições de autor e de fiscal da ordem jurídica. Em razão

295 Cf. CUNHA JR, Dirley da. In Ações Coletivas. Op. cit., p. 449. 296 Cf. STRECK, op. cit., p. 810.

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disso, o parágrafo único do art. 7º da Lei 9.882/99 - segundo o qual o Procurador-Geral da República, nas argüições que não houver formulado, terá vistas do processo – deve ser interpretado conforme a Constituição, para admitir-se o seu pronunciamento, mesmo nas argüições em que houver formulado, sob pena de viceral inconstitucionalidade. 297

Do exposto, restou evidente a posição de relevo do Ministério Público na condução

das Ações Coletivas, sendo o órgão destinado por lei para receber representações

de outras pessoas e de entidades não legitimadas, na defesa e proteção do

patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e

coletivos.

7.10 A LEGITIMAÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES E SINDICATOS

O permissivo legal a autorizar as organizações sindicais (sindicato, federação e

confederação) está prevista nos arts. 5o, LXX, “b”, e 8o III, da Constituição Federal,

respectivamente, assim vazado: “o mandado de segurança coletivo pode ser

impetrado por: [...] b) organização sindical entidades de classe ou associações

legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano em defesa dos

interesses de seus membros ou associados”; III - “ao sindicato cabe a defesa dos

direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões

judiciais ou administrativas”.

As entidades associativas de igual modo, também, estão autorizadas pela

Constituição para impetrar o mandado de segurança coletivo (art. 5o LXX, “b”).

Atuam, assim, como “substituto processual”. Para as demais ações a Constituição

exige que essas entidades sejam, expressamente, autorizadas (art. 5o XXI).

7.11 A LEGITIMAÇÃO DO INDIVÍDUO NA DEFESA DO MEIO

AMBIENTE

O mais antigo e democrático instrumento processual na defesa dos direitos difusos

é a Ação Popular. A Lei 4.717/65, que regulamenta a ação popular prevista no art.

5º, LXXIII, da Constituição Federal, foi recepcionada pelo atual ordenamento.

297 Cf. CUNHA JR., Dirley da. In Ações Constitucionais. Op. cit. p. 448.

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Este instrumento de defesa pode ser proposto por qualquer cidadão com objetivo de

anular ato lesivo ao patrimônio público ou entidade de que o Estado participe, à

moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural,

ficando o autor, salvo comprovada a má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da

sucumbência (art. 5º, LXXIII, da CF).

A legitimação do cidadão em sua singularidade à propositura de ação popular com

vistas à defesa do meio ambiente, passa, necessariamente, pela problemática do

acesso à justiça, neste contexto, aonde são tutelados interesses difusos. O processo

não pode ser apenas um instrumento técnico, aonde a efetivação do próprio direito

venha a perecer pelos conhecidos entraves que debitam na conta do judiciário,

todas as mazelas provenientes de um sistema cunhado sob o modelo liberal clássico

e aplicado ao Estado Social de Direito. A visão social do processo assume nesta

quadra contornos de instrumento político de efetivação da justiça material.

No Estado Democrático de Direito onde os objetivos são construir uma sociedade

livre, justa e solidária, a exegese se que faz do artigo 5º, inciso XXXV, da

Constituição da Federal, é que o acesso à justiça, “pode, portanto, ser encarado

como requisito fundamental – o mais básico dos Direitos Humanos – de um sistema

jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir e não apenas proclamar os

direitos de todos”.298

Entretanto, lamentavelmente, esse instrumento não vem sendo, efetivamente,

empregado, seja pela restrição da legitimidade ativa ao cidadão, seja pelos óbices

burocráticos do acesso à justiça. Nesta perspectiva é preciso substituir a igualdade

formal forjada no modelo Liberal, pela igualdade material onde jaz os direitos

fundamentais de terceira dimensão, que almejam atingir sua concretude.

O modelo concebido, a tutelar o patrimônio público e o meio ambiente via ação

popular, deveria receber tratamento procedimental distinto, pelas próprias

peculiaridades inerentes a cada bem.

298 Cf. CAPPELLETTI, op. cit., 1988. p. 11.

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As restrições à legitimação ativa circunscrita entorno do conceito cidadania, não se

coaduna com a norma constitucional esculpida no art. 225 da Constituição Federa,

que conferiu a todos o direito “ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem

de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder

Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e

futuras gerações.”

Há que se ter em mente que as diversidades sociais, culturais e econômicas em um

país de dimensões continentais, onde as discrepâncias avultam-se há décadas no

vácuo institucional relegado pelo Estado, não podem construir obstáculo ao

exercício de defesa de direitos fundamentalmente garantidos.299

Se o cidadão não goza de seus direitos políticos, isso não o faz um cidadão de

segunda classe, e em razão da necessária participação do Ministério Público, como

advogado da sociedade, esta deficiência deveria a nosso ver ser mitigada em

atenção a relevância do bem jurídico a ser tutelado.

A questão fundamental a se levantar é a ampliação do rol dos legitimados ativos

para a propositura da ação popular Ambiental, a partir da superação das

formulações individualistas que predominam no nosso sistema processual, revelaria,

assim, um ganho qualitativo substancial à defesa do meio ambiente.

299 EMENTA: CONSTITUCIONAL - AÇÃO POPULAR PARA OBSTACULIZAR DANO AO MEIO AMBIENTE - ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM - AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL - EXTINÇÃO DO PROCESSO. 1 - "Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência”.(Constituição Federal, art. 5º, LXXIII). 2 - Parte legítima para propor ação é o cidadão brasileiro, investido da plenitude de seus direitos políticos, noção que exclui as pessoas jurídicas de direito público ou de direito privado. 3 - Não comprova a condição de cidadão, no pleno gozo de seus direitos políticos, a simples cópia reprográfica de um título de eleitor. 4 - Impõe-se o decreto de extinção do processo, por ausência de interesse processual, se o autor de ação, após a distribuição, não se desincumbe da prática de nenhum ato que lhe competia no curso da ação, e o Ministério Público Federal, instado a manifestar-se, opina pela extinção do feito. 5 - Remessa Oficial denegada. 6 - Sentença confirmada. (Superior Tribunal de Justiça. REO 92.01.11764-7 /DF; REMESSA EX-OFFICIO - Primeira Turma - Relator: Amílcar Machado - Publicado no Diário da Justiça em 30.09.1996 P.73286)

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Boaventura de Souza Santos300 nos guia, decisivamente, na tarefa elucidativa

acerca das relações existentes entre o exercício dos direitos subjetivos, das classes

excluídas, e a efetiva proteção legal destes:

[...] dois fatores parecem explicar esta desconfiança ou esta resignação: por um lado, experiências anteriores com a justiça de que resultou uma alienação em relação ao mundo jurídico (uma reação compreensível à luz dos estudos que revelam ser grande a diferença de qualidade entre os serviços advocatícios prestados às classes de maiores recursos e os prestados às classes de menores recursos), por outro lado, uma situação geral de dependência e de insegurança que produz o temor de represálias se se recorrer aos tribunais.

A idéia de acesso à Justiça evolui da concepção liberal para a concepção social do

Estado moderno, contudo, “o olhar do interprete dirige-se antes ao passado que ao

presente – é um dos maiores obstáculos à efetividade da Constituição” 301, é

irrefutável a mudança deste paradigma para assegurar a tutela jurídica dos direitos

subjetivos difusos constitucionais, máxime em razão da sua indisponibilidade.

A revolução industrial produziu uma sociedade de massa. Conquanto ressoe esta

locução - sociedade de massa – pejorativa, remetendo-nós a elementos de

dominação, que aparentemente se recusa a reconhecer-nos como coletivo de

pessoas ou seres humanos, inevitavelmente, a prenunciada sociedade tende evoluir,

sem solução de continuidade, nos moldes do ancien regime, os interesses das

“massas” só se realizaram com implementação efetiva do pacto social constitucional.

Neste contexto, Antônio Carlos de Araújo Cintra302, observa:

[...] se temos hoje uma vida societária de massa, com tendência a um direito de massa, é preciso ter também um processo de massa, com a proliferação dos meios de proteção a direitos supraindividuais e relativa superação das posturas individualistas dominantes; se postulamos uma sociedade pluralista, marcada pelo ideal isonômico, é preciso ter também um processo sem óbices econômicos e sociais ao pleno acesso à justiça; se queremos um processo ágil e funcionalmente coerente com os seus escopos, é preciso também relativizar o valor das formas e saber utilizá-las e exigí-las na medida em que sejam indispensáveis à consecução do objetivo que justifica a instituição de cada uma delas.

300 SANTOS, Boaventura Souza. Introdução à sociologia da administração da justiça . In: FARIA, José Eduardo. Direito e justiça . São Paulo: Ática, 1989. p.48-49. 301 Cf. MENDES, op. cit., p. 253. 302 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. et al. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p. 46.

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O acesso à justiça enquanto direito fundamental, não é apenas acesso ao judiciário,

o acesso a justiça pressupõe a entrega da tutela jurisdicional almejada. “Como todo

o espírito da Constituição é eminentemente social, de justiça social, depreende-se

que o acesso à justiça, a par de ser um direito do cidadão brasileiro, guinda-se à

qualidade de direito fundamental, constitucionalmente garantido”.303

Com efeito, procede a menção de Canotilho, porquanto, este condensou em termos

precisos a diretriz fundamental do Direito:

Quem hoje quiser uma ‘respiração moral’ nas questões constitucionais não pode desconhecer o poderoso movimento jurídico-filosófico, jurídico-constitucional e filosófico-político centrado nas ‘teorias da justiça’, no ‘levar a sério o direito’, no ‘comunicar reflexivamente’ com os nossos concidadãos. Mas não basta um apelo aos princípios. Sob pena de os princípios se transformarem em postulados de um discurso quase exclusivamente moral, é necessário introduzi-los na metódica jurídica para obtermos uma concretização/aplicação rigorosa e eficaz das normas constitucionais.304

Com a atenção volvida para o Estado Democrático de Direito, na explanação feita a

propósito de sua disfuncionalidade, Streck305 observa a questão vexatória inerente a

hermenêutica:

Em nosso país, não há dúvida de que, sob a ótica do Estado Democrático de Direito – em que o Direito deve se visto como instrumento de transformação social-, ocorre uma disfuncionalidade do Direito e das instituições encarregadas de aplicar a lei. O direito brasileiro e a dogmática jurídica que o instrumentaliza está assentado em um paradigma liberal-individualista que sustenta essa disfuncionalidade, que, paradoxalmente, vem a ser a sua própria funcionalidade! Ou seja, não houve ainda, no plano hermenêutico, a devida filtragem – em face da emergência de um novo modelo de Direito representado pelo Estado Democrático de Direito – desse (velho/defasado) Direito, produto de um modelo liberal-individualista-normativista de direito.

À toda evidência o acesso à justiça, para proteção do meio ambiente, é direito

fundamental, no entanto, a utilização da ação popular como instrumento de defesa

ambiental apresenta obstáculos que só poderão ser transpostos mediante a

modernização e reestruturação do direito processual civil.

303 BEZERRA, Paulo César Santos. Acesso à justiça: um problema ético-social no plano da realização do direito. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p.121. 304 Apresentação da obra Conceito de Princípios Constitucionais - Elementos teóricos para uma formulação dogmática constitucionalmente adequada de Ruy Samuel Espíndola. 305 STRECK, Lenio Luis. A necessária constitucionalização do Direito: o óbvio a ser desvelado. In Revista do Direito, n.º 9/10. Jan/dez 1998. Santa Cruz do Sul: Unisc. p. 59-67.

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Neste sentido, Aluisio Gonçalves306 assevera que “sob o ponto de vista formal,

impõe-se que o Código de Processo Civil, como estatuto central do Direito

Processual, incorpore e sistematize as normas relacionadas à defesa judicial

coletiva, abrindo-se, também, oportunidade para que haja um disciplinamento mais

completo, harmonioso e eficaz”.

Infindáveis são as dificuldades do cidadão, no que tange ao acesso à justiça e a

efetiva propositura da ação popular. A restrição dos legitimados, seu custo

econômico, o desconhecimento do direito material, o desestímulo em face da

lentidão da justiça, etc., implicando em descrédito e desuso do aludido instituto.

Atento a estes obstáculos, observa Aluisio Gonçalves307:

A legitimação do indivíduo no contexto da tutela coletiva precisa ser aprofundada sob vários aspectos. A constituição da República assegura o princípio da inafastabilidade da prestação jurisdicional, que deve ser considerada em relação aos interesses individuais e coletivos. A Magna Carta não vedou, a priori, a possibilidade de outros legitimados, além dos previstos nas disposições constitucionais. Entretanto, a legitimação infraconstitucional não atribui ao indivíduo, ao contrário do que ocorre em ouros países, a legitimação de modo amplo, para a propositura de ações coletivas.

Pela nova dimensão proposta, não poderia furtar-se o Autor308 de trazer o exemplo

que já ocorre no Direito Português: “o reconhecimento da legitimação aos indivíduos,

para a propositura de ações coletivas, a exemplo do que efetuou Portugal, poderia

impulsionar o uso das ações coletivas, desonerando, por outro lado, o papel quase

que exclusivo exercido hoje pelo Ministério Público”.

Ao estabelecer-se um singelo paralelo entre a ação popular portuguesa (Lei 83/95) e

ação popular brasileira (Lei 4.717/65), evidencia-se o anacronismo desta última, em

parte, justificável pelo tempo em que fora concebida, entretanto, injustificável o

misoneísmo hermenêutico dos operadores do Direito, os quais não podem escusar-

se em fazer cumprir o texto constitucional. É nesta mediada que a hermenêutica

jurídica não pode permanecer circunscrita ao emprego dos cânones interpretativos,

que tem por base só o contexto de texto legal. 306 Cf. MENDES, op. cit., p. 266. 307 Idem, ibidem, p. 269. 308 Idem, ibidem, p. 270

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Com fundamentos em critérios democráticos, a legislação portuguesa confere aos

seus cidadãos, o direito de participação popular, prevendo, expressamente o dever

de prévia audiência na preparação de planos ou na localização e realização de

obras e investimentos públicos, com impacto ao meio ambiente.309

A contrario sensu, a legislação brasilera, além de obsolescente, cria obstáculos ao

exercício da cidadania via ação popular. Todavia, a defesa do meio ambiente deve

ser analisada sob a ótica principiológica da Constituição, de sorte que todo texto

constitucional venha ter valor normativo.

309 Art. 4º da Lei 83/95: A adopção de planos de desenvolvimento das actividades da Administração Pública, de planos de urbanismo, de planos directores e de ordenamento do território e a decisão sobre a localização e a realização de obras públicas ou de outros investimentos públicos com impacte relevante no ambiente ou nas condições económicas e sociais e da vida em geral das populações ou agregados populacionais de certa área do território nacional devem ser precedidos, na fase de instrução dos respectivos procedimentos, da audição dos cidadãos interessados e das entidades defensoras dos interesses que possam vir a ser afectados por aqueles planos ou decisões. Disponível em: <http://acessojustica.no.sapo.pt/Lei_83_95_de_31_Agosto.doc>. Acesso em 03 dez. 2006.

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CONCLUSÃO

Distante da pretensão, de exaurir todas as questões que envolvem o tema em

análise, este trabalho ocupou-se do estudo da tutela jurídica do patrimônio biológico

brasileiro, mediante a análise das normas constitucionais e infraconstitucionais

positivadas no nosso ordenamento jurídico, em paralelo com os tratados

internacionais relativos ao meio ambiente.

Ocupou-se, ainda, da discussão sobre a tutela do conhecimento tradicional

associado à biodiversidade e suas imbricações com a propriedade intelectual, que

ganha relevo diante dos consideráveis avanços da biotecnologia na atualidade.

O corolário básico da argumentação desenvolvida neste trabalho fundou-se no

pressuposto de que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, assumiu

o status de direito fundamental pela sua indissociável vinculação à dignidade da

pessoa humana, impondo-se ao Estado e à coletividade o dever de defendê-lo e

preservá-lo, com vistas à proteção da vida e ao bem estar das pessoas.

A disposição do núcleo normativo do Direito Ambiental, no texto constitucional, o tem

como parte da “Ordem Social”, tratando-se, portanto, de um direito social do

Homem.

Por outro lado, embora considerado como direito social do homem, ressaltou-se,

neste trabalho, que o Direito Ambiental deve ser visto e entendido pelos seus

valores intrínsecos, desvinculando-o da concepção antropocêntrica, que o subordina

a um fim específico: o de assegurar a qualidade de vida da humanidade.

Estabeleceu-se um paralelo com as diversas dimensões dos direitos fundamentais,

ressaltando o reconhecimento definitivo do direito fundamental ambiental integrado à

denominada terceira dimensão dos direitos fundamentais, tendo como traço

distintivo o dever de defesa e proteção do meio ambiente, radicada na idéia de

responsabilidade-conduta.

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Ao contrário dos direitos da primeira dimensão (direitos individuais), caracterizados

como garantias do indivíduo ante ao poder do Estado, e os direitos da segunda

dimensão (direitos sociais), caracterizados por prestações que o Estado deve ao

indivíduo, o direito fundamental de terceira dimensão consiste, simultaneamente, em

um direito-dever, na medida em que, ao mesmo tempo, outorga direitos e exige

obrigações dos seus titulares, evidenciando seu perfil difuso.

A tutela da biodiversidade biológica passou a incorporar a agenda internacional com

significativa intensidade a partir da década de 70, mas o marco legal de maior

importância sobreveio com a Convenção sobre Diversidade Biológica em 1992,

carreando novas considerações ao sistema jurídico brasileiro, e reiterando a

soberania do Estado sobre o controle de seu patrimônio genético.

No entanto, as discussões ocorridas no Brasil nos anos 90, acerca da necessidade

de novas formas de regulamentação, da moderna biotecnologia, estão distantes de

sua fase conclusiva.

Passados tantos anos, a legislação brasileira de proteção aos conhecimentos

tradicionais resume-se a uma Medida Provisória, que instituiu, precariamente,

normas de proteção aos objetos jurídicos referidos na Convenção sobre Diversidade

Biológica, sendo que, projetos de leis, exaustivamente, debatidos com a sociedade

civil organizada foram ignorados pelo Executivo, a exemplo do Projeto de Lei nº.

306/95, de iniciativa da Senadora Marina Silva.

No momento, é a Medida Provisória n.º 2.186-16, de 23 de Agosto de 2001, que

regulamenta o inciso II do § 1º e o § 4º do art. 225 da Constituição, os arts. 1º, 8º,

alínea "j", 10, alínea "c", 15 e 16, alíneas 3 e 4 da Convenção sobre Diversidade

Biológica, dispondo sobre o acesso ao patrimônio genético, a proteção e o acesso

ao conhecimento tradicional associado, a repartição de benefícios e o acesso à

tecnologia e transferência de tecnologia para sua conservação e utilização, e dá

outras providências.

A crítica, que acomete a legislação brasileira sobre conhecimento tradicional, não

recai sobre a Propriedade Intelectual, gênero do qual é espécie a concessão de

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privilégio por intermédio de patentes. Neste particular, o legislador brasileiro conferiu

a desejada proteção à Propriedade Intelectual, com a aprovação da Lei 9.279/96,

estabelecendo, sob a sua égide, todas as prerrogativas de monopólio.

Simultaneamente, no âmbito internacional transcorria a Rodada do Uruguai do

GATT, cujas negociações favoreceram uma sistematização de uma nova ordem

mundial, através do Tratado Internacional referente à Propriedade Intelectual

(TRIPs), estipulando princípios universais genéricos, com escopo de aplicá-los às

legislações de propriedade intelectual dos países signatários daquele contrato.

É de se estranhar, contudo, que a proteção jurídica concernente ao acesso ao

patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado seja regulada, de

modo tão precário, por medida provisória, ao longo de seis anos, enquanto, a

regulamentação da propriedade intelectual logrou êxito em sua regulamentação em

dois planos distintos: no plano interno com a provação da mencionada Lei de

Propriedade Intelectual (Lei n.º 9.279/96) e no plano externo com os princípios

fixados pelo Acordo TRIPs.

A conclusão crítica, dos estudiosos da matéria, aponta para as pressões sofridas

pelo Brasil, tanto no plano bilateral, quanto no plano multilateral. A pressão coercitiva

fora exercida, com contumácia pelos Estados Unidos, ao aprovar medidas restritivas

contra as exportações de produtos brasileiros, sobretaxando-os, em alguns casos

em até 100%, ao fundamento de que nossa legislação era fraca e ineficiente, posto

que não previa, expressamente, a possibilidade de patenteamento de produtos, tais

como fármacos, alimentícios e biotecnológicos.

“Admitindo” tais critérios, o Congresso Nacional revoga o Código de Propriedade

Industrial brasileiro, satisfazendo as pressões norte-americanas ao aprovar nova

legislação em um inusitado trâmite legislativo, onde se operou toda sorte de

pressões por parte dos lobbies das grandes empresas transnacionais,

principalmente, as que atuam na área de fármacos.

Deste modo, ao mesmo tempo em que o Congresso brasileiro satisfez, no plano

interno, a vontade norte-americana, no plano externo, em um processo multilateral,

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restaram, de igual modo assegurados os interesses americanos, com os princípios

genéricos básicos fixados pelo TRIPs.

É preciso destacar que em vários aspectos a alteração da nova regulamentação da

propriedade intelectual brasileira foi além do que estabelecia o TRIPs, como por

exemplo, o instituto do pipeline. Uma vez satisfeita as vontades norte-americanas,

coincidentemente, cessou as retaliações ao Brasil.

Reforçando as considerações sobre a tutela ao acesso à biodiversidade e ao

conhecimento tradicional associado, ressalta-se a existência de antinomia

insuperável que se estabelece entre os princípios fixados pela Convenção sobre

Diversidade Biológica, especialmente, seu artigo 18, III, parágrafo único, que

preceitua: “Art. 18. Não são patenteáveis: (...) III - o todo ou parte dos seres vivos,

exceto os microorganismos transgênicos que atendam aos três requisitos de

patenteabilidade - novidade, atividade inventiva e aplicação industrial - previstos no

art. 8º e que não sejam mera descoberta. Parágrafo único. Para os fins desta Lei,

microorganismos transgênicos são organismos, exceto o todo ou parte de plantas ou

de animais, que expressem, mediante intervenção humana direta em sua

composição genética, uma característica normalmente não alcançável pela espécie

em condições naturais”, com as disposições do Acordo sobre Aspectos dos Direitos

de Propriedade Intelectual relacionados com o Comércio (TRIPs), da Organização

Mundial do Comércio (OMC), especificamente, no disposto em seu art. 27, 3, b

assim vazado: “3 - Os Membros também podem considerar como não patenteáveis:

a) métodos diagnósticos, terapêuticos e cirúrgicos para o tratamento de seres

humanos ou de animais; b) plantas e animais, exceto microorganismos e processos

essencialmente biológicos para a produção de plantas ou animais, excetuando-se os

processos não biológicos e microbiológicos. Não obstante, os Membros concederão

proteção a variedades vegetais, seja por meio de patentes, seja por meio de um

sistema "sui generis" eficaz, seja por uma combinação de ambos. O disposto neste

subparágrafo será revisto quatro anos após a entrada em vigor do Acordo

Constitutivo da OMC.”

Cotejando as normas transcritas, resta patente que o TRIPs está em conflito direto com os princípios

básicos da Convenção sobre a Diversidade Biológica e formaliza privilégios monopolistas que

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desapropriam recursos genéticos e conhecimento tradicional, impedindo a criação e a transferência

de tecnologia.

Atenta ao fato de que a biopirataria se dá mediante o uso de instrumentos

patentários tendo a Convenção sobre Diversidade Biológica, estabelecido em seu

art. 16.6 que os países signatários “reconhecendo que patentes e outros direitos de

propriedade intelectual podem influir na implementação desta Convenção, devem

cooperar a esse respeito em conformidade com a legislação nacional e o direito

internacional para garantir que esses direitos apóiem e não se oponham aos

objetivos desta Convenção”.

Entretanto, ainda, são insipientes as iniciativas no plano internacional para

compatibilizar os princípios da Convenção sobre a Diversidade Biológica, com as

disposições do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual,

relacionados com o Comércio (TRIPs), da Organização Mundial do Comércio.

Outra tendência, que mereceu ser destacada, diz respeito à moderna construção de

um regime jurídico sui generis de proteção aos conhecimentos tradicionais

associados à biodiversidade. Neste sentido, vale mencionar a proposta desenvolvida

pela rede de organizações Third World Network, intitulada “Community Intellectual

Rights Act”, de autoria da Gurdial Singh Nijar, segundo a qual as comunidades locais

seriam guardiãs de suas inovações, estando assegurado o livre intercâmbio entre as

comunidades, e vedada a concessão de quaisquer direitos de monopólio sobre tais

inovações.

Contudo, é o Estado Social de Direito, preconizado para fazer eficazes as garantias

e tutelas fundamentais, quem edita a Medida Provisória 2.186-16/2001, preceituando

em seu art. 9º, parágrafo único, que “para efeito desta Medida Provisória, qualquer

conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético poderá ser de

titularidade da comunidade, ainda que apenas um indivíduo, membro dessa

comunidade, detenha esse conhecimento”, subvertendo e ignorando a ordem natural

do desenvolvimento livre do conhecimento associado ao estabelecer a possibilidade

de atribuir a titularidade de tais direitos a um indivíduo ou a um grupo étnico, quando

em verdade o sucesso deste processo acumulativo do conhecimento associado se

deve, principalmente, pelo seu livre intercambio cultural.

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Em suma, a posição dúbia e vacilante do Governo brasileiro, no que tange à tutela

eficaz e definitiva do patrimônio genético e do conhecimento tradicional associado,

cria lacunas, como por exemplo, no que diz respeito à falta de um tipo penal, que

descreva a conduta delituosa do biopirata, o que, certamente, não poderia ser

abarcado por Mediada Provisória.

Importa dizer que a letargia do Executivo e do Legislativo implica em sonegação do

dever de proteção de um bem jurídico fundamental, comportamento vedado pela

cláusula de proibição de proteção deficiente (Untermassverbot).

A biodiversidade, ou diversidade da vida, encerra em si um apelo à humanidade: a

vida precisa ser preservada em toda a sua diversidade, qualquer ruptura nessa

cadeia vital, interdependente, tem conseqüências para todo o seu conjunto e,

portanto, para todo o planeta.

O processo de modernização, os avanços tecnológicos, o progresso, como sinônimo

de desenvolvimento econômico, não pode estar desvinculado do reconhecimento da

realidade do risco. A conjugação irresponsável da tríade, ciência/técnica/indústria,

enseja o que se pode denominar policrise, que reflete os contornos da problemática

ambiental.

Assim, ressalta-se a importância de um modelo estatal voltado à proteção jurídica

efetiva do patrimônio biológico brasileiro, face às exigências da complexa crise

ambiental.

Com efeito, diante da incorporação de novos elementos ao tradicional Estado de

direito liberal, tais como o Estado social, a globalização, os blocos econômicos e a

política ambiental global, é imprescindível uma nova configuração do Estado,

modificando-se sua estrutura e racionalidade, a ensejar um efetivo Estado de Direito

Ambiental, amparado em estruturas ambientais globais, mas sem desprezar as

instâncias nacionais, baseando-se numa institucionalização dos deveres

fundamentais relativos ao meio ambiente.

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Para tanto, é indispensável a criação de uma nova legislação voltada à efetiva

regulamentação do acesso à biodiversidade e aos conhecimentos tradicionais, além

de uma nova consciência do Estado e dos cidadãos em colaborar com a

manutenção da qualidade ambiental em atenção aos interesses das presentes e

futuras gerações.

É, neste sentido, que podemos concluir por uma proposta, instrumental, baseada

nas necessidades de uma sociedade de massa, onde reconhecimento e uma maior

abrangência da legitimação aos indivíduos, para a propositura de ações coletivas,

poderia imprimir maior êxito da defesa do patrimônio ambiental . Acessar a justiça,

nesta concepção, significa aprimorar os caminhos processuais e institucionais que

garantam, igualmente, a cada indivíduo, e à sociedade como um todo, a

possibilidade de adentrar no sistema jurídico caso dele necessite, posto que de nada

valeria a proteção material sem a instrumentalidade a viabilizar os fins

infraconstitucional e constitucional previsto no ordenamento jurídico brasileiro.

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