A Lei Saraiva e as eleições de 1881 em Pernambuco

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA A LEI SARAIVA E A ELEIÇÃO DE 1881 EM PERNAMBUCO Felipe Azevedo e Souza Recife, 2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

A LEI SARAIVA E A ELEIÇÃO DE 1881 EM PERNAMBUCO

Felipe Azevedo e Souza

Recife, 2009

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Universidade Federal de Pernambuco

Centro de Filosofia e Ciências Humanas

Departamento de História

A LEI SARAIVA E A ELEIÇÃO DE 1881 EM PERNAMBUCO

Felipe Azevedo e Souza

Monografia apresentada como requisito parcial para a aprovação no curso de Bacharelado em História, sob a orientação da Profª. Drª. Suzana Cavani Rosas.

Recife, junho de 2009.

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Fácil não era apenas ao tempo das arcádiasentre cupidos e sanfoninhas,fácil também era ao tempo dos partidos:

-o poeta sabia “história”vivia em sua “célula”,o povo era seu hobby e profissão,o povo era seu cristo e salvação.

O povo, no entanto, não é cãoe o patrão

- o lobo. Ambos são povo. E o povo sendo ambíguo

é o seu próprio cão e lobo.

Uma coisa é o povo, outra a fome.Se chamais povo à malta de famintos, se chamais povo à marcha regular das armas,se chamais povo aos urros e silvos no esporte popular

então mais amo uma manada de búfalos em Marajóe diferença já não háentre as formigas que devastam minha hortae as hordas de gafanhoto de 1948

- que em carnaval de fomeo próprio povo celebrou.

Povonão pode ser sempre o coletivo de fome

Povonão pode ser um séquito sem nome.

Povonão pode ser o diminutivo de homem.

O povo, aliás,deve estar cansado desse nome.

Que país é este?Affonso Romano de Sant'anna

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Agradecimentos

Certa vez Mário Quintana afirmou que as utopias eram inatingíveis, mas isto não era

motivo para não as querer, metaforizando que eram tristes e sem sentido os caminhos trilhados

sem a distante presença das estrelas. Na minha vida, mais intensamente dentro da universidade,

tive uma perene preocupação em conciliar o mundo das idéias e o universo pragmático,

buscando sempre caminhar olhando com denodo o percusso, mas sem perder de vista as

estrelas. Essa conduta fez com que eu, de forma bastante natural, me aproximasse de muita

gente que vive de forma semelhante - atuando no liame das possibilidades conceituais e das

dificuldade circunstanciais – e que se tornaram pra mim referências morais e fraternais. São

amigos e familiares que me deram suporte (me suportaram) e me acompanharam na trajetória

desses agitados quatro anos de graduação que culminam nas páginas desta monografia.

Começo por agradecer a minha orientadora Suzana Cavani, com quem trabalhei nos

últimos dois anos e que nunca me faltou com atenção, sua competência acadêmica aliada a seu

bom humor fizeram com que esse período de acompanhamento se processasse de modo fluído e

prazeroso. A banca avaliadora desta monografia é composta ainda por dois professores que

estimo por bons companheiros desse período de graduação e com quem tive instigantes

conversas sobre os mais variados temas, são eles o professor Marc Hoffnagel e a professora

Socorro Ferraz. Ainda nos quadros do Departamento de História, mantive boas relações com

todos os professores e com alguns até firmei boas amizades, como o professor Biu Vicente e

Antônio Montenegro, a quem mando especial agradecimento.

Minha família me deu a base emocional e as melhores condições possíveis para minha

constituição como indivíduo. Me sinto pleno ao lado do meu pai, da minha mãe e da minha

irmã. O apoio e a atenção conspícua de todos os Azevedos e Souzas foram essenciais para que

eu seguisse o caminho que optei.

Na imagem de meus amigos vislumbro uma geração de grandes homens e mulheres de

moral ativa e peito aberto, em seus abraços e histórias a vida eclode sem mistificações. Com a

limitada e mistificada linguagem escrita, tentarei expressar minha gratidão a eles. Devo

agradecer antes de tudo a Rodrigo Almeida, que me ensina todo dia a lidar com a contraditória

condição humana e que, com seu requinte estilístico, me ajudou diretamente na confecção desse

trabalho. Outra pessoa fundamental no processo de produção da monografia, foi a acadêmica de

primeira linha Cybele Miranda, que além de me colocar à par das normas da ABNT, enleia

todos os meus bons sentimentos em sua alvura. Gabriela Monteiro sempre esteve presente em

meus momentos mais marcantes, assim sendo me ajudou também revisando o texto da

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monografia, sou muito grato a ela. Não poderia deixar de agradecer aos grandes amigos que

nesses quatro anos foram essenciais: Diógenis Felix, Pedro Lira, Gabriel Viegas, Marcus Tulius,

Rodrigo Morais, Diego Lins, Juliana Monteiro, Bruna Iglesias e Victor Ramón. O Diretório

Acadêmico de História foi um espaço muito importante para a minha formação, entre as muitas

pessoas com que convivi nessa instituição já consolidada como a mais importante e tradicional

do movimento estudantil no Hemisfério Sul, sou feliz de ter militado ao lado de Rafael Sena e

de Carlos Alberto.

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Resumo

Esta monografia se debruça sobre a Lei Saraiva, reforma eleitoral promulgada em 1881,

insigne por reduzir drasticamente o eleitorado no Brasil. Com base nas disussões da elite

política da época e do agitado contexto social da década de 1870, examinaremos os motivos que

levaram os parlamentares do Império a aprovar essa nova legislação que alterava radicalmente o

formato das eleições, que, entre outras mudanças, passavam a se proceder de modo direto e sem

a participação da população analfabeta. Depois da análise do sentido da lei, este trabalho ira

observar a sua eficácia, acompanhando sua estréia prática em Pernambuco, na eleição para

deputação geral em 1881.

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Abstract

This work studies the Saraiva Law, electoral reform promulgated in 1881, know for

reducing drasticly the brazilian electorade. Based on that day's political elite's discussion and on

the turbulent social context ofthe 1870's decade, we will exame the reasons that took the

imperial parliamentary to aprove this new legislation that completly redesigned the election's

format, that, among other changes, became direct and excluded the illiterate people's

participation. After analysing the law's sense, this work will observe its efficiency, following its

pratical application in Pernambuco, in the 1881's election.

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Lista de Instituições pesquisadas

Arquivo Público Estadual Jordão Emereciano (APEJE)

Fundação Joaquim Nabuco – Sessão de microfilmagem.

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Lista de Ilustrações

Capa: Corrida de Capoeira. Pedras e pancadas no comício. In: Grandes personagens da

nossa História.

Eleições Violentas. In: GRAHAM, Richard. Clientelismo e política no Brasil do século

XIX. Rio de Janeiro, UFRJ, 1997.

Eleitores. In: América Ilustrada, 1876, n°39, p.5, 30/09/1876.

Original de Angelo Agostini. In: Revista Ilustrada, 1886.

Francisco Belisário Soares de Souza. In:GRAHAM, Richard. Clientelismo e política no

Brasil do século XIX. Rio de Janeiro, UFRJ, 1997.

José Antônio Saraiva. In: GRAHAM, Richard. Clientelismo e política no Brasil do

século XIX. Rio de Janeiro, UFRJ, 1997.

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Sumário

Primeiro Capítulo: A lei.1.1: Panorama das eleições no Brasil.1.2: O sentido da reforma eleitoral.

Segundo Capítulo: A eleição.

Considerações Finais.

Referências Bibliográficas.

Anexo.

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Introdução

“Eu vejo que nessa lei tratamos de defender o Governo das massas, mas quem defenderia as massas do Governo?”.

Joaquim Nabuco1

No percusso da construção do Estado brasileiro, as discussões da elite imperial para a

edificação do sistema político versavam sob o esteio do pensamento Liberal. Um passo

importante nesse sentido era o progressivo fortalecimento de mecanismos legais de amparo ao

sistema representativo, tendo por eixo central a legitimação da opinião pública expressa em

eleições livres, que deviam se proceder, como denotava um antigo ditado inglês, através da

substituição das bullets (balas, munição) pelos ballots (votos, sufrágio).

No Brasil do Segundo Império ballots e bullets eram elementos centrais da trama

eleitoral. No sentido de reparar essa contradição, visando legitimar as eleições e,

consequentemente, a representação política, a reforma eleitoral foi o tema que mais ocupou os

parlamentares brasileiros, ao lado da questão escravista, no bidecênio 1870 – 1880. A

culminância dessa preocupação é expressa na fala do trono de 1878, quando Dom Pedro II

conclamou, em caráter positivo, para uma Câmara unanimemente formada por membros do

Partido Liberal, a urgência de se reformar o sistema eleitoral.

Reconhecida a necessidade de substituir o sistema eleitoral vigente pelo de eleição direta, cumpre que a decreteis mediante reforma constitucional, afim de que o concurso de cidadãos, devidamente habilitados a exercer tão importante direito, contribua eficazmente para realidade do sistema representativo.2

Esse posicionamento do soberano se insere no universo dos discursos e das discussões

voltadas à estruturação de um sistema eleitoral que garantisse eleições decorosas no Brasil

Imperial. Fruto dessas contendas, a legislação eleitoral foi recorrentemente modificada no

Segundo Império. Essas reformas atuavam, conforme tese de José Murilo de Carvalho,

basicamente sob três questões: “a definição da cidadania, isto é, de quem pode votar e ser

votado; a garantia da representação das minorias, isto é, a prevenção da ditadura de um partido

ou facção; e a verdade eleitoral, isto é, a eliminação de influências espúrias, seja da parte do

1 HOLANDA (Org), Sérgio Buarque de. História geral da civilização brasileira. 2ª. ed., Tomo II, v. 3, São Paulo, DIFEL, 1969.p. 254.2 Anais da Câmara acessados no site http:// imagem.camara.gov.br/pesquisa_diario_basica.asp . Arquivo capturado em 10/03/2009.

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governo, seja da parte do poder privado.”3

A reforma tratada nesta monografia foi promulgada com a intenção de modificar essa

tríade para aperfeiçoar o desacreditado sistema eleitoral vigente. O esforço do governo não foi

pequeno para tornar realidade a nova legislação. Basta dizer que em 1878 uma Câmara de

maioria conservadora foi dissolvida, realizaram-se eleições no mesmo ano, e, em mais um

episódio de explícita manipulação de resultados por parte do governo, foi eleita uma Câmara

onde 100% dos parlamentares eram liberais. Essa mesma Câmara, alcunhada pelos

oposicionistas de “servil”, tinha por ordem do dia a promulgação da nova lei eleitoral, mas só

viria aprová-la três anos depois e sob a direção de um outro gabinete4. Vale ressaltar também

que o soberano, no discurso que abria os trabalhos dessa legislatura, deu carta branca aos

legisladores para a convocação de uma constituinte em benefício da reforma eleitoral.

Mas mesmo com todo o empenho do governo imperial não foi fácil aprovar a nova

legislação. No Parlamento o único consenso era acerca da urgência de uma reforma, porém,

quanto a sua direção e a melhor forma de implementação, o coro era dissonante em diversos

aspectos. Havia polêmica, por exemplo, em torno da exigência de uma constituinte para a

aprovação da reforma, na definição de quem iria poder votar e de qual seria o valor do censo

exigido para obtenção dos direitos políticos. Por fim, a nova legislação, que viria a ser chamada

Lei Saraiva5, acabou sendo promulgada por via ordinária, sem a necessidade de uma reforma

constitucional e a contragosto de uma expressiva oposição. Não podemos deixar de ressaltar

como esta resolução marcou negativamente o processo de construção da cidadania no Brasil ao

eliminar o direito de voto do eleitorado analfabeto, fato que, em conjunto com as outras

modificações na legislação, contribuiu para alijar quase 90% do colégio eleitoral brasileiro da

época6.

Essa exclusão radical do eleitorado analfabeto traz a tona a natureza reacionária das

elites brasileiras no que tange a ampliação dos direitos políticos, fato que “que poderia apressar

a chegada do sufrágio universal, idéia que começava a circular pelo país”7. O enxugamento do

eleitorado, justamente em um momento onde a tendência do pensamento Liberal começava a

flertar com a ampliação dos direitos políticos, como vinha acontecendo em alguns países da

3 CARVALHO, José Murilo de . A Construção da ordem: a elite política imperial. Rio de Janeiro, Editora Campus, 1980. p.139.4 Os debates acerca da reforma eleitoral sucederam-se por dois gabinetes liberais: O de 5 de janeiro de 1878, chefiado por Casansão Sinimbú, e o de 28 de março de 1880, encabeçado por José Antônio Saraiva. 5 Em referência ao seu redator, o conselheiro Saraiva.

6 CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil. O longo caminho. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003. P.39.7 FERRARO, Alceu Ravanello. A negação do direito de voto aos analfabetos na Lei Saraiva (1881): Uma exclusão de classe?. La Salle – Revista de educação, ciência e cultura. v.13, n.1, jan. /jun. 2008, p.13.

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Europa8, reflete o momento de crise política pelo qual passava a monarquia. Os

descontentamentos de parte da sociedade com o regime se manifestavam principalmente por

meio do movimento republicano, do abolicionista, das sociedades positivistas, além das

constantes insubordinações do oficialato do exército e em manifestações populares. Esse clima

de inquietação na opinião pública influenciou diretamente a elite imperial a optar pela redução

do eleitorado, de modo a evencer a massa da população de um instrumento legítimo de

contestação da ordem, o voto.

Esta monografia está dividida em dois capítulos. O primeiro, “A Lei”, tratará do

processo de estruturação da controversa Lei Saraiva, para entendermos em que condições

sociais e políticas, um tema relevante como esse – a reformulação radical da legislação eleitoral

- entrou na pauta das discussões ordinárias da sociedade e do parlamento Imperial.

Nesta parte analisaremos a dinâmica das eleições, observando quais foram as principais

críticas tecidas ao sistema eleitoral, e em que sentido atuaram as reformas anteriores a 1881.

Nos debates para a reforma eleitoral, também iremos acompanhar como se manifestaram pontos

cruciais para o entendimento do processo de concessão dos direitos da cidadania e do

desenvolvimento, tanto, do ideário liberal, quanto, do democrático no universo político

brasileiro.

No segundo capítulo, intitulado “A Eleição”, o trabalho irá se focar na aplicação da lei,

por meio do estudo de caso da eleição para deputação geral de 1881 em Pernambuco. O

acompanhamento dessa eleição - a primeira direta da história nacional - se baseou na pesquisa

de quatro periódicos da época, escolhidos estrategicamente, de modo que fossem contemplados

os jornais das três frações envolvidas no pleito, são eles: O jornal do Recife, onde o Partido

Liberal mantinha uma coluna intitulada Coluna Liberal, o jornal O Tempo que era um orgão do

Partido Conservador e o jornal O Democrata, vinculado ao diretório dos liberais democratas.

Além desses três periódicos, acompanhamos também o Diário de Pernambuco, na época o

jornal mais importante da província, que, apesar de ter seu corpo editorial vinculado ao Partido

Conservador, procurava não explicitar diretamente suas vinculações partidárias. Os jornais O

Tempo e O Democrata foram pesquisados no Arquivo Publico Estadual Jordão Emerenciano

(APEJE). Já o Diário de Pernambuco e o Jornal de Recife se encontram na divisão de

microfilmes da Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ). Nossa pesquisa pelos periódicos

contempla a análise dos três meses que precederam e os dois que sucederam a eleição de 1881,

observando, através das notícias, os rumos tomados pela primeira eleição regida pela Lei

8 SOUZA, Francisco Belisário Soares de. O sistema eleitoral no Império. Brasília, Gráfica do Senado Federal, Coleção Bernardo Pereira de Vasconcelos, Vol. No 18, 1979. p.-134.

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Saraiva, procurando verificar as mudanças e continuidades ocorridas nas práticas eleitorais,

tomando por base a postura do governo quanto a aplicação dessa legislação e os artifícios e

estratégias utilizados pelas frações políticas pleiteantes, diante do novo cenário eleitoral.

Por meio da análise das dificuldades para a concreção de um sistema eleitoral que

garantisse eleições decorosas e uma legitimidade satisfatória dos parlamentares no Império, e

no ensejo da agitada conjuntura sócio-política pela qual passava a sociedade brasileira, é que

colocamos à luz a emergência da “Lei Saraiva”. Para então, num segundo momento, a partir da

explanação de sua aplicação na província de Pernambuco, situar sua eficácia prática. Só então,

teremos um cenário satisfatório para indicar os avanços e retrocessos acarretados pela lei no

processo de construção do Estado e dos ideais de cidadania no Brasil, observando em particular

os impactos gerados pelo grande enxugamento do eleitorado.

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Capítulo 1 - A Lei

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Não há no Brasil um só homem por menos que reflita sobre as coisas públicas que desconheça os defeitos gravíssimos de nosso sistema de eleições, e não aspire ver mudado um estado de coisas, cuja perniciosa influência sob nossas instituições é manifesta.

Francisco Belisário S. De Souza9

1.1 Panorama das eleições no Brasil.

No Segundo Reinado as eleições destacavam-se positivamente por duas características.

A primeira era concernente a regularidade com que aconteciam, visto que nenhuma vez, durante

esse período de quase meio século, uma eleição deixou de ocorrer, salvo em municípios mais ao

sul do país durante a vigência da Guerra do Paraguai, dada a proximidade das batalhas com os

locais de votação. Outra questão emblemática era quanto ao extenso número de cidadãos com

direito a voto, que em 1872 já excedia a marca de um milhão de votantes, apesar da vigência da

escravidão.10 O historiador Richard Graham aponta que 50,6% da população masculina, livre e

maior de 21 anos era qualificada para votar11, porcentagem que destoava dos padrões da época e

que representava um avanço quanto à amplitude do sufrágio, mesmo quando em comparação a

muitos países europeus que referenciavam o sistema político brasileiro12.

Esses dois aspectos dão a aparência de um sistema eleitoral bastante desenvolvido para

seu tempo. No entanto, é consenso, tanto na historiografia quanto nas crônicas da época, que o

aspecto mais marcante das eleições era negativo e dizia respeito ao seu caráter corrupto e

violento.

As eleições no Brasil eram conduzidas por práticas clientelistas que, no entendimento de

muitos historiadores, constituíam a verdadeira essência do sistema eleitoral brasileiro. O

clientelismo não deve ser entendido como um conceito monolítico, nem como “um dado auto-

evidente, muito menos um sistema com funcionamento regular e uniforme”13, mas sim como

um amplo e dinâmico conjunto de experiências constituídas a partir de relações bilaterais entre

atores políticos, onde geralmente uma parte oferta alguma concessão de benefício público

(cargos e empregos no funcionalismo, isenções, vantagens fiscais, etc.) em troca do apoio

político da outra parte. Essa teia de relações tem por resultado uma rede de fidelidades pessoais,

9 SOUZA, Francisco Belisário Soares de. O sistema eleitoral no Império. Brasília, Gráfica do Senado Federal, Coleção Bernardo Pereira de Vasconcelos, Vol. no 18, 1979. p.19

10 GRAHAM, Richard. Clientelismo e política no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro, UFRJ, 1997. p.147.11 Idem.

12 Por exemplo a Inglaterra onde apenas 7% da população total votava e Portugal com 9%. CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil. O longo caminho. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003. 13 CARVALHO, Marcus J. M. de. Os nomes da Revolução: lideranças populares na Insurreição Praieira, Recife, 1848 – 1849. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 23, n° 45, pp. 209 – 238, 2003. p.218.

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baseada no uso personalista de recursos estatais, de modo a comprometer o estabelecimento de

um aparelho estatal autônomo e moderno, e contribuir para o controle dos resultados

eleitorais.14

Por mais que fossem úteis e eficazes para a manutenção das oligarquias a frente do

poder político, essas práticas viciadas comprometiam os alicerces do sistema político do

Império ao minar exatamente o principal mecanismo que dava legitimidade ao regime

representativo: as eleições. A preocupação da elite política era patente ante a fragilidade da

instituição parlamentar brasileira, já que “o processo eleitoral não lhe dava nenhum índice

seguro da opinião nacional, e a consulta à Nação se havia transformado numa farsa ridícula,

verdadeira burla”15, como bem expressou o conselheiro Saraiva em discurso a Câmara dos

Deputados:

Nós todos temos reconhecido a imperfeição do atual processo eleitoral, como meio de apurar, pela eleição, a opinião verdadeira e real do país. Isto não quer dizer que as nossas Câmaras não tenham autoridade, porque enfim não há outro meio de averiguar a opinião.16

A partir da distribuição de cargos públicos era que o regime Imperial garantia a coesão

de sua estrutura política. Essas nomeações no funcionalismo estatal eram feitas sob a lógica do

clientelismo e garantiam uma unidade política entre o governo central e as demais províncias.

E era também por meio dessa lógica de nomeações que o governo conseguia controlar o

resultado dos pleitos eleitorais. Sua dinâmica era processada em acordo com a estrutura vertical

do aparelho estatal do Império, que se organizava tal qual uma “grande pirâmide”, onde, do

topo, o imperador, amparado pelo poder moderador e auxiliado pelo gabinete ministerial,

detinha o direito de dissolver a Câmara dos deputados17 e convocar novas eleições quando

considerava que havia se configurado uma situação de ingovernabilidade. A partir de então o

Conselho de Estado começava a organizar as eleições por meio da nomeação dos Presidentes

das Províncias. A principal função desses Presidentes era a estruturação e a execução das

eleições em suas respectivas províncias, de modo a garantir a vitória do partido do governo, e

este objetivo era concretizado mediante as nomeações de todas as autoridades do Poder

Executivo (como os delegados de polícia, subdelegados, inspetores de quarteirão, etc.) e de

14 Utilizamos aqui o conceito de José Murilo de Carvalho, baseado em tese de Benno Galjart, que não é de forma alguma homogêneo, pois, para Norberto Bobbio o Clientelismo só existe entre sujeitos de classes diferentes, e Marcus Carvalho identifica ainda relações clientelistas em questões de classe e de raça. In: CARVALHO, José Murilo de. Pontos e bordados. Escritos de história política. Belo Horizonte, UFMG, 1999. p.134. e BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicolau; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Brasília, Editora UnB, 13° ed. 2007. p.177.15 CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil. O longo caminho. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003. p.3616 SARAIVA, José Antônio. Perfis parlamentares. Brasília, Câmara dos Deputados, 1978. p. 542.17 Das dezoito Câmaras temporárias eleitas na vigência do regime de Dom Pedro II, onze foram dissolvidas, e só sete conseguiram cumprir o mandato de quatro anos.

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parte das do Judiciário18 (por exemplo: juízes municipais e promotores).

Segundo Richard Graham, esses cargos distribuídos pelo governo com o objetivo de

controlar os resultados eleitorais se dividiam em três tipos: primeiro, os cargos que implicavam

em responsabilidade direta de organizar as eleições. Segundo, os que indiretamente

influenciavam o comportamento do eleitorado, inclusive no sentido de uso da violência. E o

terceiro, eram os cargos distribuídos como barganha, em troca da fidelidade do eleitor, ou de

seus dependentes.

Dentro dessa lógica, os meses que antecediam as eleições eram marcados por volumoso

número de demissões, nomeações e transferências de cargos no funcionalismo público, onde o

gabinete ministerial tecia uma rede de influência e poder que o ligava aos potentados dos mais

longínquos grotões eleitorais, obtendo o total controle dos resultados dos pleitos. Dessa forma,

por mais de uma vez foram eleitas as chamadas Câmaras unânimes, quando nem um membro da

oposição conseguia se eleger19. Em suma, muita gente podia votar, mas não com liberdade e

autonomia.

Vale citar o famoso sorites de Nabuco de Araújo, que capta de maneira silogística a

dinâmica da manipulação eleitoral, respaldado no clientelismo: “O poder moderador chama a

quem quer para organizar o ministério; o ministério faz a eleição; a eleição faz a maioria. Eis

aqui o sistema representativo em nosso país”.

As nomeações eram o fundamento. Resta-nos explanar como se desenvolviam as

práticas clientelistas decorrentes que facetavam a dinâmica dos pleitos.

Primeiro, o Presidente da Província se certificava de que as comarcas mais importantes

estavam sob o controle de seus correligionários. As autoridades locais, notadamente o juiz de

Paz, além do delegado de polícia e do vigário20, eram os responsáveis pela elaboração das listas

de qualificação dos votantes. Essa seleção era feita geralmente em benefício do partido

governista. Para tanto, as listas se compunham de volumoso número de eleitores “fantasmas”,

os chamados “fósforos”21 no léxico da época, gente que não residia na comarca, ou que não

detinha as capacidades para votar conforme a lei, ou que já havia morrido ou que sequer havia

existido. A composição das listas também se caracterizava por sempre tender a alijar os eleitores

18 Para entender como funcionava a subordinação do poder judiciário ao executivo, e sua atuação na trama eleitoral ver: FERRAZ, Maria do Socorro. Advogados da justiça, testemunhas do absurdo. in. A face revelada dos promotores de justiça: O Ministério Público de Pernambuco na visão dos historiadores. Recife, MPPE . 2006.19 Entre 1842 e 1886 foram eleitas quatro Câmaras unânimes. Nos anos de 1843 (Partido Conservador), 1853 (Partido Conservador), 1869 (Partido Conservador) e 1878 (Partido Liberal). Além do caso da eleição de 1850, quando 99,1% dos membros da Câmara eram do Partido Conservador. In CARVALHO, José Murilo de. Teatro de sombras: A Política imperial. Rio de Janeiro, Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro, 1988. p.151. 20 O juiz de paz, eleito nos escrutínios municipais, chefiava a mesa. Com o avanço da legislação eleitoral, o delegado e o pároco foram afastados desse processo. Em 1881 esta função ficou a cargo dos Juízes de Direito.21 “Um bom fósforo vota três, quatro, cinco e mais vezes” - SOUZA, Francisco Belisário Soares de. O sistema eleitoral no Império. Brasília, Gráfica do Senado Federal, Coleção Bernardo Pereira de Vasconcelos, Vol. No 18, 1979. p.29

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oposicionistas. “Feita uma boa qualificação, está quase decidida a eleição”.22

Esses agentes responsáveis pelas listas de qualificação compunham também a mesa que

coordenava os trabalhos no dia da eleição, era de onde saíam as falsificações de atas eleitorais,

que constituíam as famigeradas eleições feitas à “bico de pena”. Essas, tidas como as mais

regulares conforme Francisco Belisário de Souza23, eram feitas na verdade à revelia do votante e

vigoravam geralmente em distritos eleitorais onde a abstenção era alta.

É importante observar que a quantidade de sufragantes que realmente compareciam às

urnas para votar era baixa. Os índices de abstenção eram bastante elevados, giravam em torno

de 40%24. A causa não é misteriosa. Se “devia ao puro medo. As eleições eram batalhas

comandadas por capangas armados de facas e navalhas. Quem tinha juízo ficava em casa”25, e

quem tinha a coragem de sair na rua para ir votar, corriqueiramente era impedido de entrar no

local de votação por essa capangagem. Esse alto índice de abstenção, quando somado aos votos

nulos, realçava a fragilidade da representatividade política no Brasil oitocentista.

O oposto das calmas eleições feitas à bico de pena, eram as tumultuadas eleições

dominadas pelo uso de métodos coercitivos de controle do eleitorado, constituídos pelos casos

de violência e ameaça aos votantes, principalmente aos oposicionistas.

Nos periódicos da época e na historiografia se multiplicam os casos e as formas de

coerção violenta ao eleitorado. Estas podiam se desfraldar através dos agentes dos órgãos de

segurança pública, que no período que antecedia o processo eleitoral passavam por um processo

de “remonta” e fortalecimento de seus quadros. Era intensa a movimentação de tropas pelo

território nacional, em época de eleições, para garantir uma presença ostensiva da polícia nos

locais de votação, justificada, quase sempre, como necessária a “manutenção da ordem e

segurança do cidadão”. A coerção também era desfechada através de milícias particulares, que

representavam os interesses de alguma oligarquia envolvida no resultado do pleito.

O Presidente da Província, através do chefe de polícia e em negociação com as

oligarquias locais, mobilizava as tropas à sua disposição como em um jogo de xadrez, movendo

suas peças pelas áreas mais críticas do tabuleiro, ou seja, intensificando a presença policial nos

focos de influência oposicionista.

Para além do Estado e seus agentes, o mandonismo dos proprietários de terras sobre vasta

clientela de agregados26, num país de população livre majoritariamente rural e com uma abissal

22 Ibdem p. 2723 Ibdem p. 3324 CARVALHO, José Murilo de. Os três povos da republica. In Maria Alice Resende de Carvalho, org. Republica no Catete. Rio de Janeiro, Museu da República, 2002, 61 – 87. p.77. Apesar dos dados de Carvalho datarem da primeira década da república, coadunam com o da eleição tratada no presente trabalho.25 Ibdem p.7726 “O grosso do eleitorado nacional, como sabemos, está no campo e é formado pela população rural. Ora, os 9/10 da nossa

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concentração fundiária, também pesava e comprometia o exercício do voto livre.

Um agregado ou morador dependia de outra pessoa, especialmente para ter casa, ou pelo menos um espaço para viver e, mais importante, um lugar social. [...] Com mais frequência, o agregado era um trabalhador agrícola pobre, livre, mas provavelmente preto ou mulato, a quem o dono da terra concedia o direito de cultivar colheitas de subsistência, em algum pedaço da grande propriedade. Em troca, os agregados ofereciam sua aliança em tempos de luta armada contra donos de terra vizinhos, e lealdade nas disputas eleitorais.27

Assim a relação entre o senhor de terras e seus agregados funcionava conforme uma

dinâmica de trocas. Conquanto o senhor garantia moradia, segurança e condições de

sobrevivência relativamente estáveis em sua fazenda, os agregados retribuíam com uma

lealdade cega aos interesses de seu senhor. Quanto maior o séquito de agregados, maior a força

do senhor de terras. Uma vasta clientela obediente proporcionava ao latifundiário prestígio e

influência junto aos juízes e chefes de polícia, além de constituir massa de manobra para seus

logros eleitorais

Basicamente eram essas as práticas que vigoravam e norteavam o sistema eleitoral no

Brasil. Estratégias que haviam sido incorporadas ao jogo político, e que eram intrínsecas à

realização das eleições. Sob esse cenário, que tornava impossível o ideal de voto livre, podemos

entender como eram manipuláveis os resultados dos pleitos, sempre a favor da vitória do

partido governista.

Para o eleitor oposicionista as dificuldades eram muitas e quase intransponíveis. Primeiro,

para ser um eleitor da oposição o cidadão tinha de ter uma austera convicção moral e um rígido

posicionamento político, para assim resistir a qualquer impulso corruptor e não transigir seu

voto por nenhum benefício oferecido pelos governistas, como dinheiro ou um cargo seguro no

funcionalismo público. Passada esta primeira provação, o sufragante em questão teria de ser

bastante destemido para enfrentar a rua, onde encontravam-se numerosos agentes do governo

prontos a desfechar as mais torpes cavilações violentas contra os oposicionistas. Por fim, se

finalmente o convicto eleitor conseguisse depositar sua cédula na urna, seu voto ficaria, ainda

assim, à mercê de uma mesa eleitoral pouco confiável, que talvez nem o contabilizasse, pois “a

apuração ou não do voto dependia mais da mesa do que do votante”28.

população rural são compostos de párias, sem terra, sem lar, sem justiça e sem direito todos dependentes inteiramente dos grandes senhores territoriais “. Apesar dessa passagem ter sido escrita para ilustrar a situação do Brasil rural sessenta anos depois da aprovação da Lei Saraiva, descreve bem a situação de dependência da população conhecida como “agregados”. LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. O município e o regime representativo no Brasil. São Paulo, Alfa-Ômega, 1975. P.2527 GRAHAM, Richard. Clientelismo e política no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro, UFRJ, 1997. p.3928 CARVALHO, José Murilo de. Os três povos da republica. In Maria Alice Resende de Carvalho, org. Republica no Catete. Rio de Janeiro, Museu da República, 2002, 61 – 87. p.77.

Page 21: A Lei Saraiva e as eleições de 1881 em Pernambuco

É oportuno enfatizar que era precisamente a estrutura do governo imperial que propiciava

as condições para o desenvolvimento destas práticas que ofuscavam os aspectos positivos do

sistema eleitoral - manifestos na regularidade e na amplitude do sufrágio-, por meio do conluio

que se firmava entre a haute politique do gabinete imperial e a chamada “política de meia boca”

das províncias29.

1.2 O sentido da reforma eleitoral.

Se a base de sustentação do regime representativo – as eleições -, via-se comprometida

por uma malha de relações clientelistas, pela fraude e pela violência, articuladas para fins

eleitoreiros, isto não implicava que nas fileiras do governo, e fora dele, não houvesse quem

quisesse mudar essa realidade. Não faltaram vozes entre os agentes governistas, no parlamento

e no ministério, preocupados com a imagem negativa das eleições e do sistema representativo.

Vozes estas que atuavam no sentido de tornar esse processo mais legítimo, principalmente,

propondo alterações e reformas na legislação eleitoral afim de aprimorá-la ao longo do

Império30.

No Brasil, as modificações das leis eleitorais, até 1881, iam se concretizando numa

cadência contínua, corrigindo as brechas de leis ulteriores e fechando o cerco a problemas

emergentes. Nesse esteio foram feitas diversas incrementações pontuais na legislação eleitoral,

e antes de 1881 já tinham se realizado quatro grandes reformas eleitorais. A de 1846,

responsável principalmente por dobrar o valor do censo; a de 1855, chamada de “Lei dos

Círculos”, e que tornou a eleição distrital; a de 1860 que alterou o sistema distrital de um para

três candidatos eleitos por distrito e a de 1875, conhecida como “Lei do terço”, que tornou o

sistema de voto incompleto, limitando o poder dos eleitores à escolha de dois terços dos

representantes na Câmara dos deputados, o outro terço destinava-se automaticamente a

oposição. De acordo com Renato Lessa, a estabilidade de um sistema democrático pode ser

atestada pela estabilidade de suas leis eleitorais. Assim sendo, no Segundo Império, a média de

uma reforma eleitoral a cada dez anos bem denotava a fragilidade daquela “democracia

coroada”.

29 Sobre como se desenvolviam as eleições nas províncias é fundamental a consulta aos relatos de João Francisco Lisboa, que com aguda e refinada ironia, relata no seu “Jornal de Timon” a política provincial, para ele pautada pelas “frioleiras e trivialidades, nas intrigas, nas insultas ao poder que cai, nas adulações ao poder que se ergue, no ciúme recíproco dos turiferários, na banalidade das declamações, e na cópia servil e ridícula das fórmulas políticas”, em suma, um “teatro acanhado e obscuro de atores e combatentes desazados e bizonhos”. In LISBOA, João Francisco. Jornal de Timon: Partidos e eleições no Maranhão; introdução e notas José Murilo de Carvalho. São Paulo, Companhia das Letras, (Coleção Retratos do Brasil, no 3), 1995.30 SOUZA, Francisco Belisário Soares de. O sistema eleitoral no Império. Brasília, Gráfica do Senado Federal, Coleção Bernardo Pereira de Vasconcelos, Vol. no 18, 1979. Esta edição possui em anexo toda a legislação eleitoral do império.

Page 22: A Lei Saraiva e as eleições de 1881 em Pernambuco

Vejamos então os principais pontos do sistema eleitoral que foram alvos destas reformas

até 1881. As modificações versavam basicamente em torno de três temas, cujas principais

discussões e vicissitudes eram as seguintes: 1) Quanto a representação de minorias

oposicionistas - a legislação hora preferia o voto por província, hora inclinava-se ao distrital,

seja de um, dois ou três eleitos por distrito. Variava também o critério de vitória por maioria

absoluta ou relativa. 2) No que toca a lisura do pleito – as mutações na lei versavam sobre

variados aspectos: as incompatibilidades (inelegibilidades) de ofício no tocante aos elegíveis, a

compra de votos, a produção de atas falsas pela mesa eleitoral e demais fraudes, a composição

desta mesa ou definição de autoridades eleitorais, a expedição das cédulas de votação, e a

influência coercitiva do aparato repressivo do Estado sob o eleitorado. 3) Por fim, as reformas

atentaram para a questão da extensão e limites da cidadania política, de quem poderia ser alçado

a condição de votante, eleitor e elegível. Quanto a este ultimo ponto, apesar de muita discussão,

o principal critério para definir o direito político permaneceu sendo, até 1881, a renda, devido à

convicção dominante de que a autonomia e independência de cada indivíduo respaldava-se em

sua condição financeira. Uma idade mínima que, em teoria, indicava uma autonomia de

pensamento do filho em relação ao pai, também era exigida para votar e candidatar-se. A

participação eleitoral dos estrangeiros naturalizados e dos acatólicos só foi consolidada com a

última reforma eleitoral do Império. As discussões relativas a concessão do direito de voto para

mulheres eram inócuas, na prática inexistentes.

Mas toda essa profusão de reformas não conseguiu modificar a cultura política corrupta

tão associada às eleições, pois, como relatou Francisco Lisboa:

Logo que se publica algum novo código ou regulamento eleitoral, as nossas principais cabeças políticas se entregam a um minucioso e rigoroso estudo[...]de todos os seus defeitos para aproveitá-los, e de todos os meios próprios e prontos de iludir e fraudar a execução.31

A necessidade de uma reforma eleitoral mais radical se tornava cada vez mais

emergente, em compasso com as grandes mudanças políticas, sociais e econômicas, que o país

passava no terceiro quartel do século XIX, e que influíram diretamente para a realização de uma

ampla agenda de reformas estatais, dentre elas a eleitoral, no sentido de conter a crise que

começava a se instaurar no regime monárquico.

Finda a década de 1860, caracterizada pela política de concílio, firmada pelo Partido, ou

Liga Progressista, teve início a predominância dos Conservadores à frente da política nacional.

Estes viriam a chefiar os Gabinetes Imperiais até 1878. Essa década de governo dos

conservadores, principalmente no período do gabinete Rio Branco, foi responsável por uma

Page 23: A Lei Saraiva e as eleições de 1881 em Pernambuco

série de reformas na estrutura do Estado31, que privilegiavam bandeiras antigas do Partido

Liberal, mas que foram feitas no sentido reformista da “lógica saquarema”, que consistia em

“disciplinar as mudanças na economia e sociedade, temendo que estas, deixadas à própria sorte,

deitassem a baixo toda ordem imperial”32. Tais reformas foram feitas no sentido de modernizar

a economia e a sociedade do Império, aperfeiçoando a estrutura do regime sem necessariamente

questionar sua ordem.

Em contrapartida ao governo conservador, a década de 1870 foi fértil quanto ao

nascimento de movimentos que controvertiam o status quo da sociedade imperial e do regime

monárquico. Essas movimentações se constituíram sob um sentido prático em comum - a

oposição à ordem vigente. A dinâmica desses grupos se dava em torno da associação de

intelectuais, vinculados a burguesia ou a elite, situados nos grandes centros urbanos do país.

Esses ativistas acabaram ficando conhecidos como a “geração de 1870”. Dentro dessas

manifestações podemos apontar o movimento republicano, o abolicionista e as sociedades

positivistas. Apesar de alguns membros desses grupos terem ligações com o Partido Liberal,

suas atuações se davam, em grande parte, fora do sistema partidário, e tinham por plataforma

política o apelo direto a opinião pública, por meio de jornais, conferências, meetings, encontros,

banquetes e outras manifestações coletivas que movimentavam os espaços públicos e

mobilizavam a população em torno de suas causas.

As sociedades positivistas atuavam principalmente dentro dos centros acadêmicos e

escolas politécnicas. As mais importantes aconteceram nas Faculdades de Direito do Recife e de

São Paulo. Eram grupos de intelectuais que interpretavam as novas doutrinas do pensamento

científico – como o cientificismo, o positivismo, o darwinismo e o spencerianismo - e as

utilizavam como instrumento de crítica à cultura que dava bases ao regime imperial. Muitos dos

membros das sociedades positivistas atuavam também nas fileiras do movimento abolicionista,

que foi de fato o movimento mais agregador desta década, pois agrupava liberais (radicais e

moderados), republicanos e positivistas nas diversas sociedades anti-escravistas e nos clubes

abolicionistas espalhados pelo país. Apesar das divergências políticas dentro de um grupo tão

plural acabarem impossibilitando a concreção de um partido abolicionista – como ambicionava

Joaquim Nabuco, elas foram responsáveis por atos públicos de diversas naturezas, que vieram a

influenciar diretamente na agenda das reformas para a substituição da mão de obra servil.

O Partido Liberal - fraccionado em três grupos nesta época: os liberais moderados, os

31 Por exemplo, a Lei do Ventre Livre, a Reforma Judiciária, a da Guarda Nacional, a Eleitoral de 1875, a Monetária, a do Ensino (principalmente superior), a proibição do recrutamento obrigatório, leis de regulamentação e incentivo a imigração, entre outras.32 ALONSO, Angela. Ideias em movimento: A geração de 1870 na crise do Brasil Império. São Paulo, Paz e Terra, 2002. p.86

Page 24: A Lei Saraiva e as eleições de 1881 em Pernambuco

novos liberais e os liberais radicais - deu amparo a muitos integrantes dos movimentos de

contestação ao status quo imperial, que, mesmo inseridos no establishment monárquico,

atuavam tencionando reformas estruturais na sociedade, e até mesmo a mudança do regime.

Esses políticos se alinhavam às correntes dos novos liberais e dos radicais. A ala dos “novos

liberais”, era constituída por políticos jovens, vinculados a famílias tradicionais do Império,

geralmente eram filhos ou afilhados de políticos já consagrados e também tinham em comum o

título de bacharel em Direito. Este grupo, formado por Rui Barbosa, Joaquim Nabuco, José

Mariano, Muniz Barreto e outros, constituía a base do chamado “Clube da Reforma”, que como

o nome indica, não atuava no sentido de ir contra as instituições imperiais, mas no de

aperfeiçoá-las em conformidade com as premissas que vinham do velho continente. Assim

encampavam lutas como o abolicionismo e a separação entre a Igreja e o Estado, utilizando

largamente a propaganda política por meio de periódicos e de eventos públicos, além de

encabeçar a oposição ao governo conservador.

Já os liberais radicais não se contentavam apenas com as reformas propostas pelo grupo

dos novos liberais. Para os membros desta corrente, a própria instituição imperial implicava

uma barreira ao desenvolvimento de uma sociedade mais liberal, que só se desenvolveria

mediante a substituição do regime monárquico por um republicano. Esses liberais radicais

fundaram o movimento republicano, que teve como marco inicial o manifesto de 1870, escrito

por três membros do Partido Liberal: Saldanha Marinho, Quintino Bocaiúva e Salvador de

Mendonça. Fora Saldanha Marinho, os outros dois autores do manifesto republicano e a maioria

dos militantes deste movimento não pertenciam à elite política brasileira, nem eram oriundos de

famílias tradicionais, mas faziam parte da crescente classe média urbana brasileira. A maioria

dos signatários do manifesto eram profissionais liberais como pode-se ver: para um único

fazendeiro, o manifesto apresenta 14 advogados, 10 jornalistas, 9 médicos, 8 negociantes, 5

engenheiros, 3 empregados públicos, 2 professores e 1 “capitalista”.33

Assim nascia o primeiro grupo civil organizado de fora da elite política a contestar as

bases e o próprio regime34. Mas, apesar de se posicionar muitas vezes de maneira radical, as

práticas dos membros desse movimento eram muitas vezes ambíguas; primeiro porque muitos

ativistas do republicanismo eram membros do governo imperial e pleiteavam eleições; e

segundo, porque faziam parte do próprio corpo do governo, adotavam uma posição

extremamente moderada quanto a forma de ação que deveria ser adotada para a instauração real

33 HOLANDA (Org), Sérgio Buarque de. História geral da civilização brasileira. 2ª. ed., Tomo II, v. 3, São Paulo, DIFEL, 1969.p..305.34 ALONSO, Angela. Ideias em movimento: A geração de 1870 na crise do Brasil Império. São Paulo, Paz e Terra, 2002. p.-111.

Page 25: A Lei Saraiva e as eleições de 1881 em Pernambuco

de um regime republicano, retaliando oficialmente qualquer alternativa de revolução ou golpe

de Estado. Os republicanos intentavam depor o imperador gradualmente, por meio de reformas

e amparados pela vontade popular.

Dessa maneira a “geração de 1870” irrompeu os espaços políticos institucionalizados e

levou discussões que punham em xeque os pilares do edifício imperial para a rua: na arena

política, a contestação ao Estado centralizador saquarema pelo movimento republicano; a

estrutura social baseada na escravidão e a concentração fundiária, foram criticadas a partir da

pauta abolicionista; e as sociedades positivistas atuaram refletindo sobre a realidade nacional

por meio de novos conceitos e teorias importadas da Europa.

No mesmo período, o fim da Guerra do Paraguai proporcionou a emergência das Forças

Armadas como uma instituição forte e estabelecida, o que dava notoriedade a um grande

segmento de oficiais, muitos pertencentes à classe média, que viriam a se envolver no mundo da

política, principalmente vinculados ao movimento republicano. Ao mesmo tempo, na economia,

o grande crescimento do número de estradas de ferro potencializava a produção de café e seu

escoamento para os portos que destinavam a mercadoria para o mercado exterior. O

desenvolvimento do comércio de exportação, propiciado então pela indústria cafeeira,

estimulou o desenvolvimento dos centros urbanos onde estavam sediados os bancos, as

empresas de transporte e as companhias de seguro que atendiam as demandas do comércio do

café. Além do que, as receitas governamentais, acumuladas com a boa fase do comércio de

exportação, financiavam o aumento do corpo burocrático estatal, concentrado nos grandes

centros urbanos. A expansão da malha ferroviária também foi responsável pela fundação de

algumas indústrias na década de 1870, principalmente na região Sul do Brasil. Eram fundições

de ferro, indústrias têxteis e de sapatos, cervejarias e chapelarias. Essas mudanças influíram

diretamente para o fortalecimento do mercado interno, para o desenvolvimento urbano e para a

emergência de uma classe média oriunda dos grandes centros urbanos nacionais.

E o crescimento dessa classe média brasileira de fato proporcionou uma nova base

social para sustentação de projetos reformistas. Boa parte desses grupos urbanos educados,

constituídos principalmente por burocratas e profissionais liberais, como assinalou Richard

Graham, “começavam a considerar o oligarca do interior uma indicação do atraso e da

barbárie”. Pois a massa dos eleitores da zona rural era composta por agregados, que, segundo

essa parcela da burguesia, não detinha autonomia para exercer o voto livre, nem discernimento

político, votavam conforme a vontade dos grandes proprietários rurais. De fato existia uma

preponderância do eleitorado rural em comparação com a população citadina, o que em

consonância com as práticas clientelistas utilizadas pelos grandes proprietários, garantia um

Page 26: A Lei Saraiva e as eleições de 1881 em Pernambuco

peso político desproporcional às elites rurais, em detrimento da população urbana. Diante de tal

desvantagem eleitoral, parte da elite e das camadas médias citadinas, que queriam uma maior

representação no governo, se manifestaram em favor da restrição do direito de voto aos

alfabetizados e proprietários.

Esse posicionamento não se limitava a exclusão do eleitorado do campo, intentava

também afastar das eleições as crescentes massas urbanas que, nas principais capitais do país,

onde o processo de industrialização despontava sua fase inicial, já ensaiavam manifestações

políticas em reclame de seus direitos, como foi o caso do chamado “motim do vintém” ocorrido

em 1878 - quando a população do Rio de Janeiro tomou as ruas para protestar contra o aumento

da tarifa do bonde, em manifestações que foram violentamente reprimidas pela polícia e tiveram

por saldo as mortes de civis e policiais nos confrontos, e a destruição de parte do centro da

cidade. Esta parcela da sociedade que advogava a redução do eleitorado, defendia a tese de que

as massas eram politicamente alienadas e sem maturidade intelectual para opinar nos rumos

políticos do país por meio do voto.

Por outro lado, no Brasil rural, as vozes contrárias a abrangência do sufrágio também

começaram a ecoar com força. Por duas questões principais os fazendeiros se indispunham a

branda concessão do direito de votar. Uma das causas se relacionava com o medo do avanço do

movimento abolicionista, que em 1871 conseguira emplacar a Lei do Ventre Livre. Essa elite

rural temia o crescimento de um grande número de libertos dotados de direito político, que lhes

fugisse ao controle e dessa forma pudessem representar alguma ameaça, num futuro próximo,

de alteração da ordem social por meio das eleições.

A outra razão era o elevado custo das eleições para as oligarquias rurais. Como se sabe o

dia da eleição sagrava a lealdade do senhor com seu séquito de clientes, e se isso assegurava sua

posição política, também representava um fardo para eles pois:

Para uma significativa parcela da população livre e menos abastada, as eleições não deixavam de representar um momento de barganha com os poderosos, porque as relações de clientelismo estavam longe de expressar tão somente ganho para a parte mais forte, ou seja, a classe dominante. 35

Essa clientela imensa, e que vinha passando por um processo de expansão, se por um

lado garantia os ganhos políticos dos senhores, acarretava-lhes, por outro lado, um custo muitas

vezes alto, relativo a compra e a manutenção da fidelidade dessa massa de agregados. A partir

desta lógica, muitos fazendeiros passaram a defender uma diminuição no eleitorado, visando

35 ROSAS, Suzana Cavani. Eleição, cidadania e cultura política no Segundo Reinado. Revista Clio. Série história do Nordeste, Recife, v. 20, 2004.

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aliviar suas despesas eleitorais.

Subtraindo o direito de voto da crescente massa urbana e enfraquecendo a atuação

política dos oligarcas rurais, a burguesia urbana viria a garantir uma posição privilegiada no

regime representativo a partir de então. Como bem assinala Nelson Werneck Sodré quando

afirma que antes da reforma eleitoral de 1881 “o domínio das oligarquias se fazia sem peias, o

forte das representações era articulado pelos senhores de terra, pelos donos do latifúndio, que

administravam as eleições e manipulavam o processo de escolha”, já “o sufrágio direto, [com as

condições de restrição exigidas por esta parte da elite] favorecia a preponderância dos centros

urbanos, nos resultados eleitorais, sobre as zonas agrárias”36.

Dessa forma, na década de 1870, os discursos de grande parte da opinião pública,

principalmente entre a elite urbana, de como moralizar as eleições se desdobraram de modo a

responsabilizar o povo pela ineficácia do processo, e as exigências por reforma eleitoral se

davam no sentido de restringir a participação popular ao invés de ampliá-la. Intentando assim,

restringir os mecanismos de atuação política das massas e potencializar a representação no

governo da burguesia emergente.

O libelo maior deste pensamento é o livro de Francisco Belisário Soares de Souza,

deputado do Partido Conservador, O Sistema Eleitoral no Império, que foi lançado no ano de

1873. A obra se divide em três partes. Na primeira, Belisário traça um perfil das eleições na sua

época, devassando cada minúcia do processo e da legislação em correspondência com as suas

agruras. A segunda faz uma retrospectiva pelas reformas eleitorais promulgadas no passado,

explanando o caráter ineficaz e a remanescência dos problemas pretéritos. Na última, o

conservador decreta a emergência de uma reforma eleitoral radical. Indicando o sentido de

como há de ser feita, num futuro urgente, tal modificação se propõe a sanar os problemas que

comprometem a consulta à opinião pública nas urnas.

36 SODRÉ, Nelson Werneck. Panorama do Segundo Império. Rio de Janeiro. Graphia, 2° ed. 1998. pp.103 -104

Page 28: A Lei Saraiva e as eleições de 1881 em Pernambuco

Para entendermos as críticas feitas por Belisário é fundamental a explanação de como se

organizavam as eleições e quem podia votar conforme a legislação Imperial. Os escrutínios para

as assembléias gerais aconteciam de modo indireto37, como fixava o art. 90 da Constituição.

Dessa maneira dividia-se em duas categorias aqueles que votavam: os votantes e os eleitores.

Na primeira fase da eleição iam às urnas a massas de votantes que escolhiam os eleitores. Esses

eleitores escolhidos nas “eleições primárias” é que participavam da segunda fase do processo

eleitoral - a votação nos candidatos aos postos legislativos de senadores e deputados gerais.

Obtinha o direito de votar aquele cidadão que, sendo homem livre, fosse maior de 2538 anos e

possuísse uma renda suficiente para tanto. Dessa maneira a cidadania política era determinada

censitariamente. Os votantes teriam de ter uma renda anual de 200$000 réis, e os eleitores

haviam de amealhar 400$000 réis anuais. Em alguns casos não era necessária a comprovação de

renda, caso dos membros do clero regular, os oficiais do exército e bacharéis em direito. Os

libertos possuíam o direito de participar das eleições primárias, desde, é claro, que tivessem a

renda necessária para tanto. Nesse ponto as leis eleitorais, assim como a Constituição, não se

guiaram por critérios raciais para inviabilizar o acesso às urnas dos cidadãos. Por fim, era

negado o direito de voto para alguns ofícios, como os praças de pré e os serventes das

repartições e estabelecimentos públicos.

37 Exceção quanto as eleições provinciais, onde o processo era conduzido de forma direta, neste caso, com a participação direta dos votantes.38 Havia exceções para os maiores de 21 anos, que comprovassem independência financeira.

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O valor exigido para o exercício de voto nas eleições primárias era muito baixo,

praticamente simbólico, de modo que “quase todo mundo podia ganhar aquele tanto, com

exceção de 'mendigos' e 'vagabundos'”39. Já nas secundárias, quando aumentava o valor do

censo, o número de eleitores era extremamente reduzido, nessa fase a “violência e os tumultos

nas ruas tendiam a minguar”40. “Em contrapartida, a fraude reinava soberana”41.

Para Belisário o grande vilão da honradez dos pleitos era essa população que votava nas

primárias. A solução para os problemas do sistema eleitoral, para ele, seria a implantação de

eleições diretas, eliminando a primeira das duas fases, sob a condição de excluir do processo a

massa da população. Em suas palavras o, inócuo e alienado, papel dos votantes figurava dessa

maneira:

A máxima parte dos voantes da eleição primária não tem consciência do direito que exercem, não vão a urna sem solicitação, ou, o que é pior, sem constrangimento ou paga. Os que estão no caso de compreender esse direito não ligam valor aos seus votos perdidos na imensidade dos primeiros, nem dão importância ao seu resultado, isto é, à eleição do intermediário que há de eleger, por sua própria inspiração, o deputado, ou propor nomes para o senado. O eleitor, entidade transitória, dependente da massa ignorante que o elege com o auxilio das autoridades, do dinheiro, da fraude, da ameaça, da intimidação, da violência, não tem força para resistir a qualquer do elementos a que deve seu poder passageiro, cuja instabilidade é o primeiro a reconhecer.42

O raciocínio do autor segue a lógica de que, elevando-se o nível do eleitorado, isto é

requerendo alfabetização para o direito do voto, elevar-se-ia o nível das eleições e logo todos os

partidos e consequentemente o sistema político do império iriam se fortalecer. A partir daí

podia-se dar o segundo passo rumo a uma democracia ampla e estável, quando então, o Estado,

funcionando vigorosamente, ampliasse seu sistema educacional e fosse gradativamente

instruindo a massa da população, de modo a criar condições para que estes pudessem vir a

usufruir dos direitos políticos. Seguindo dessa forma a máxima de Stuart Mill, que pregava que

o ensino universal, deve preceder o voto universal43.

Esse estudo sobre o sistema eleitoral se tornou uma grande referência para o tema na

época e servia de base para as discussões sobre o assunto. Célebre pelo desprezo que nutria em

sua letra contra as camadas mais pobres da população, o livro pode ser considerado

39 GRAHAM, Richard. Clientelismo e política no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro, UFRJ, 1997. p.-142.

40 ROSAS, Suzana Cavani. Eleição, cidadania e cultura política no Segundo Reinado. Revista Clio. Série história do Nordeste, Recife, v. 20, 2004. p.-90.41 Idem.42 SOUZA, Francisco Belisário Soares de. O sistema eleitoral no Império. Brasília, Gráfica do Senado Federal, Coleção Bernardo Pereira de Vasconcelos, Vol. No 18, 1979. p.-19.43 BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. 6°. Ed., Editora Brasiliense, São Paulo, 1994. p.-70.

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emblemático quanto a idéia que as classes dominantes tinham acerca da massa de votantes que

atuavam nas eleições primárias e até no que concerne ao conceito de “povo”.

É patente a idéia de que a elite brasileira do XIX se referia, na maior parte das vezes,

com desprezo e ojeriza ao chamado “povo”. Principalmente quanto aos posicionamentos

políticos da massa. A repetição desse discurso acerca da inaptidão política da população pobre e

livre influenciou diretamente as opções que a sociedade fez no tocante a reforma eleitoral. De

modo que esta havia de ser executada visando “a extirpação de um mal tão sério”44, sendo este

mal a participação das classes subalternas na construção política do país.

Acompanhando depoimentos de personalidades da época, e até de parcela da

historiografia, podemos entender a fluência desse discurso propagador da inépcia popular em

relação ao exercício da cidadania política.

Um dado extremamente explícito dessa corrente de pensamento se encontra no estudo

do francês Louis Couty, publicado no ano da aprovação da Lei Saraiva, que ratificava a posição

daqueles contrários à extensão do direito de voto para o povo, ao afirmar que no Brasil havia

uma ausência de massas organizadas e capazes de dirigir um governo. Por meio de uma tabela,

que se baseava no censo demográfico de 1872, quantificou e qualificou a população total

brasileira.

TABELA 1 - O POVO DO BRASIL SEGUNDO COUTY, 1881

População total 11.000.000

Índios e escravos 2.500.000

Agregados, caipiras, capangas, capoeiras, beberrões 6.000.000

Comerciantes, funcionários, criados, artesãos 2.000.000

Proprietários de escravos 500.000Fonte: Louis Couty, A escravidão no Brasil, p.102. in. CARVALHO, José Murilo de. Os três povos da republica.

De acordo com essa classificação, o estudioso francês acaba por concluir que o “Brasil

não tem povo”, referindo-se em verdade, a ausência no país de um “povo” politicamente

organizado/capaz, visto que, a população classificada nas categorias – “índios e escravos” e

“agregados, caipiras, capangas, capoeiras, beberrões”, tidos por inaptos para o exercício do voto

livre e consciente, era estimada em quase 80% da população total.

Era justamente esta então a composição do eleitorado das primárias, “a grande massa

arrolada nas listas de qualificação, a turba multa, ignorante, desconhecida e dependente”, no

44 SOUZA, Francisco Belisário Soares de. O sistema eleitoral no Império. Brasília, Gráfica do Senado Federal, Coleção Bernardo Pereira de Vasconcelos, Vol. No 18, 1979. p.-19.

Page 31: A Lei Saraiva e as eleições de 1881 em Pernambuco

dizer de Belisário, que ainda completava, “o votante é, por via de regra, analfabeto; não lê, nem

pode ler jornais; não frequenta clubes, nem concorre a meetings, que os não há; de política só

sabe do seu voto, que ou pertence ao Sr. Fulano de tal por dever de dependência (algumas vezes

também por gratidão), ou a quem lho paga por melhor preço, ou lhe dá um cavalo, ou roupa a

título de ir votar na freguesia”45.

Era exatamente por causa dessa “patuléia”, no dizer do redator liberal do Jornal do

Timon, por esse “eleitorado amorfo”, nas palavras do historiador Nelson Werneck Sodré46, que o

sistema político imperial não se desenvolvia, porque o próprio “povo significava um elemento

indiferente ao seu destino político”, como propagava Câmara Cascudo, que entravava o

desenvolvimento da nação, e produzia “liberdade sem disciplina, parlamento sem eleição,

abolição sem ensino profissional, bacharelismo sem prática”47.

Proferido tantas vezes e com tanta veemência por ilustrados da época e, posteriormente,

pela historiografia, esse conjunto de discursos pejorativos que condenavam a participação

política da população tida por ignorante, acabou atuando como um sistema de exclusão48. E esse

sistema de exclusão foi um instrumento utilizado pelas elites nacionais para afastar a maior

parte da população do direito de reivindicar suas aspirações por meio daquele que é, nas

palavras de Norberto Bobbio, “o melhor remédio contra o abuso de poder – mesmo que

“melhor” não queira realmente dizer ótimo ou infalível – a participação direta ou indireta dos

cidadãos nos direitos políticos”49.

Além do que, essas discussões indo na contramão das vertentes mais democratizantes da

ideologia liberal, arrefeciam os anseios dos partidários da execução do “perigoso” ideal de

sufrágio universal, que já começava a se disseminar pelo ideário político brasileiro,

principalmente depois de ter entrado na pauta do manifesto republicano de 1870.

É fundamental salientar que esse movimento de redução do corpo de eleitores não

existiu apenas no Brasil, muito menos as idéias que nortearam esse movimento podem ser

atribuídas originalmente aos intelectuais da elite brasileira. Toda essa discussão na verdade se

insere no próprio desenvolvimento do Estado liberal clássico. Como afirma Norberto Bobbio

“Um Estado liberal não é necessariamente democrático: ao contrário, realiza-se historicamente

45 SOUZA, Francisco Belisário Soares de. O sistema eleitoral no Império. Brasília, Gráfica do Senado Federal, Coleção Bernardo Pereira de Vasconcelos, Vol. No 18, 1979. p.-33.46 SODRÉ, Nelson Werneck. Panorama do Segundo Império. Rio de Janeiro. Graphia, 2° ed. 1998. p.-103.47 Cascudo, Luís da Câmara. O marquês de Olinda e seu tempo. São Paulo. 1938. p.-203. in. - SODRÉ, Nelson Werneck.

Panorama do Segundo Império. Rio de Janeiro. Graphia, 2° ed. 1998. p.-103.48 “Em toda sociedade a produção de discursos é controlada, selecionada, organizada e redistribuída por um certo número de

procedimentos que têm por papel exorcizar-lhe os poderes e os perigos. É de onde emanam os procedimentos de exclusão e de isolamento de grupos sociais, por meio dos interditos.” FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. Éditions Gallimard, Paris, 1971. p.- 4 e 5.

49 BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. 6°. Ed., Editora Brasiliense, São Paulo, 1994. p.-44.

Page 32: A Lei Saraiva e as eleições de 1881 em Pernambuco

em sociedades nas quais a participação no governo é bastante restrita. Limitada às classes

possuidoras”, como foi o caso do Brasil Imperial. Nesse período não necessariamente estava na

ordem do dia a elevação do sufrágio a toda população, esse estágio do pensamento Liberal

priorizava a garantia e a segurança das fruições privadas.

Nesse processo, os direitos políticos podem ser entendidos à parte dos outros direitos,

tidos como naturais. No esteio do pensamento de Tocqueville, a teoria liberal permite que uma

sociedade determine seu igualitarismo50 democrático de acordo com uma certa equalização, que

seria fixada por critérios variados, como o econômico, o de instrução e o racial. É por meio

desse mecanismo de determinação dos iguais dentro de uma sociedade, que a limitação do

direito de voto se torna factível dentro do liberalismo.

Tomamos então os discursos dos parlamentares brasileiros como parâmetro para

entendermos os posicionamentos da elite imperial quanto a estas questões. Nesses

pronunciamentos é bem visível a apropriação das ideias dos grandes pensadores do liberalismo

político, que adequados a realidade política brasileira davam coerência aos posicionamentos do

grupo que ambicionava ver os votantes das primárias longe das urnas. Se as vezes os

parlamentares não chegavam a citar diretamente nomes como os de Stuart Mill, John Locke,

Benjamin Constant, Montesquieu, Alexis de Tocqueville e outros distintos filósofos da escola

liberal, revelam nas suas palavras a presença inegável da leitura e influência desses clássicos.

Nos debates para a construção da reforma eleitoral de 1881, vamos analisar os discursos

mais marcantes proferidos pelos membros dos dois gabinetes ministeriais diretamente

envolvidos com este processo - o de Cansanção Sinimbu (1878-1880) e de Antônio Saraiva

(1880-1881), pelos da híbrida bancada liberal da Câmara temporária, além dos provenientes do

Senado vitalício, procurando localizar sua correspondência com textos basilares do ideário

liberal, de modo a fornecer um panorama satisfatório acerca do sentido e do espírito desta que

foi a reforma eleitoral mais radical do Império.

A opção pelas eleições diretas, como já foi dito, permeou com intensidade os discursos

políticos por toda a década de 1870. A postergação da reforma até fins desta década deve-se

principalmente ao fato de que o artigo 90 da Constituição Imperial determinava com todas as

letras que as eleições deviam se proceder de maneira indireta. Dessa forma, a exigência de uma

reforma que instituísse um procedimento eleitoral oposto ao determinado na carta magna, só

seria possível legalmente por meio de uma reforma constitucional, que era um processo assaz

complicado - tanto que foi adiado por quase uma década pelo Imperador, “pois bastava o

50 Para um aprofundamento nos usos dos conceitos de igualdade e liberdade no terreno político ver; BOBBIO, Norberto. Direita e esquerda: Razões e significados de uma distinção política. São Paulo, 1995, Editora UNESP.

Page 33: A Lei Saraiva e as eleições de 1881 em Pernambuco

exemplo do ocorrido no Primeiro Reinado para mostrar-lhe o perigo de tudo quando pudesse

sugerir a ideia de uma nova Constituinte”51.

Em 1871, antes mesmo da publicação de O Sistema Eleitoral no Império, o soberano já

estava consciente desta questão. Às vésperas de sua primeira viagem ao exterior, nos conselhos

que deixou por escrito à Princesa Regente, reservou algum espaço para tratar do tema, onde sob

a rubrica “Eleições” escreveu: “Instam alguns pelas diretas, com maior ou menor franqueza,

porém nada há de mais grave do que uma reforma constitucional, sem a qual não se poderá

fazer essa mudança do sistema das eleições, embora conservem os eleitores indiretos a par dos

diretos”. Mais a frente, desenvolvendo este pensamento, destaca a importância da necessidade

de expansão da educação popular, afirmava que sem isso, não conviria arriscar uma reforma

“por assim dizer definitiva como a das eleições diretas”, sujeitando-a a influência “tão deletéria

da falta de educação popular”.52

Ainda sobre a preocupação da educação do eleitorado, um dos mais distintos

parlamentares do Império, o jovem liberal Tavares Bastos, ressaltava a necessidade de

alargamento da instrução popular para o progresso do regime, amparado em dados que

revelavam o estágio de atraso que se encontrava o Estado Imperial quanto a este ponto.

Perguntava Bastos: “Quais serão os destinos de nosso sistema de governo, que deve assentar na

capacidade eleitoral, se perpetuar-se o embrutecimento das populações?”, visto que, “a

frequência das escolas primárias mal atinge a média de 1 aluno por 90 habitantes em todo o

Império. Compare este sinistro algarismo com o de alguns dos Estados Unidos, onde a média é

de 1 por 7: nem se esqueça que, se na própria capital do império há apenas um aluno por 42

habitantes, das vinte províncias há sete onde a proporção é maior a 1 por 100, e há mesmo uma

(o Piauí) onde excede ainda 1 por 200”53.

É interessante notar que toda essa preocupação da elite política imperial não se traduziu

em termos práticos. Das muitas reformas e ações do governo, nenhuma foi acionada no sentido

de ampliar substancialmente o acesso ao ensino público para a população pobre54, e eram

escassos os programas de alfabetização para adultos. As reformas educacionais acionadas pelo

Império se limitavam basicamente a tratar dos ensinos superior e técnico55. O despreparo do

51 HOLANDA (Org), Sérgio Buarque de. História geral da civilização brasileira. 2ª. ed., Tomo II, v. 3, São Paulo, DIFEL, 1969.p. 206.

52 HOLANDA (Org), Sérgio Buarque de. História geral da civilização brasileira. 2ª. ed., Tomo II, v. 3, São Paulo, DIFEL, 1969.p. 20753 BASTOS, Tavares. A. C.. A Província. São Paulo, Editora Nacional, 3° ed., 1975. pp.145-146.54 Em 1882, os gastos com a instrução correspondiam por menos de 2% do orçamento, contra mais de 20% para as forças

armadas. in. HOLANDA (Org), Sérgio Buarque de. História geral da civilização brasileira. 2ª. ed., Tomo II, v. 3, São Paulo, DIFEL, 1969.p.220

55 ALONSO, Angela. Ideias em movimento: A geração de 1870 na crise do Brasil Império. São Paulo, Paz e Terra, 2002. p.-85.

Page 34: A Lei Saraiva e as eleições de 1881 em Pernambuco

eleitorado das primárias era, para muitos políticos do Império, um fator proveniente do baixo

grau de instrução pública. No entanto, como veremos abaixo, durante o processo de

estruturação da reforma eleitoral, o governo optou por excluir os direitos políticos da “massa

[da população] embrutecida”, como chamava Tavares Bastos, a disseminar políticas públicas

inclusivas, por meio de projetos que garantissem um amplo acesso do povo à educação formal.

Depois de quase dez anos de predomínio conservador, por pressões políticas, o

Imperador resolveu mover novamente sua “gangorra ministerial”, tirando os liberais do

ostracismo, em 5 de janeiro de 1878, ao nomear Cansanção Sinimbu para chefiar o gabinete que

tinha por obrigação a construção de uma reforma eleitoral que atendesse as expectativas do voto

direto - causa tradicionalmente defendida pelo Partido Liberal-, e só para alfabetizados. Sérgio

Buarque de Holanda afirma que naquele instante, Sinimbu não tinha qualificações para figurar

entre os mais brilhantes dos quadros do Partido Liberal, assim, “sem estar em condições de

exigir a presidência do conselho, só poderia ser grato e servir, até o sacrifício, aquele que

repentinamente o alçara o poder”, o rei.56

Mesmo que a causa da reforma para eleição direta fosse vontade da maior parte dos

membros de ambos os partidos, seria muito difícil a conjuração de um gabinete liberal e uma

Câmara de maioria conservadora visando a formação de uma constituinte para alteração da lei.

Por isso a primeira exigência que Sinimbu fez ao Imperador, logo ao ser empossado no cargo,

foi a dissolução da Câmara. Desejo prontamente atendido por Sua Majestade.

Dissolvida a Câmara, convocaram-se eleições para o mesmo ano e, como já era

esperado, os esforços práticos para a realização de uma reforma que viesse a reparar a fraude e

os demais males do sistema eleitoral, tiveram por ponto de partida, contraditoriamente, uma

eleição nada idônea, que acabou por constituir uma Câmara unânime, composta em sua

totalidade por membros do partido liberal.

A Câmara recém eleita, montada como que por encomenda para concreção de um

objetivo único – a reforma eleitoral -, tal e qual o gabinete Sinimbu, foi questionada quanto a

sua autonomia de decisão. Afinal, ela não havia sido composta de acordo com méritos

eleitorais, mas fazia parte de um estratagema do poder moderador/executivo (mais do primeiro

que do segundo) para a condução efetiva da reforma eleitoral, principalmente na Câmara

temporária. Isto fica claro diante da leitura da fala do trono de 1878, no já citado discurso que

abria os trabalhos dessa casa, onde o Imperador determina que se decrete a reforma, mesmo que

para isso passem um borrão sob a Constituição de então, a de 1824, até hoje a mais duradoura

56 HOLANDA (Org), Sérgio Buarque de. História geral da civilização brasileira. 2ª. ed., Tomo II, v. 3, São Paulo, DIFEL, 1969.p. 218

Page 35: A Lei Saraiva e as eleições de 1881 em Pernambuco

da história brasileira. Por isso, esta legislatura foi chamada de Câmara dos servis, pelos

articulistas da época, pois suas atividades instavam em acordo com as (im)posições do

moderador.

Assim, com o terreno devidamente preparado para a construção da reforma, o gabinete

Sinimbu em pouco tempo apresentou o seu projeto pronto e já com as assinaturas de 72

deputados, muito mais do que os votos necessários para sua aprovação, o que não impediu a

manifestação de uma oposição na Câmara e no Senado.

O projeto de lei previa uma eliminação drástica do eleitorado, ao vetar o direito de voto

dos analfabetos e impor a exigência de renda de 400$000 réis, censo que anteriormente era

cobrado unicamente dos eleitores, no caso a minoria do eleitorado. Não deixando dúvida

alguma quanto a intenção da proposta de excluir a massa da população (os votantes) do direito

de voto. Na época, apenas 15% da população total era alfabetizada, ou 20% se tomarmos apenas

os homens. Dessa maneira, 80% da população masculina ficava impedida de obter o direito de

votar a partir daquele momento57. Outro aspecto importante é que o projeto não tocava em um

ponto presente no programa do Partido Liberal, referente aos direitos políticos dos acatólicos.

O papel da oposição não foi silencioso, pelo contrário, as contendas arroladas no

processo foram retratadas pela alcunha de “guerrilhas parlamentares”58. O grupo dos dissidentes

do projeto de Sinimbu era encabeçado por três dos mais ilustres políticos liberais do Império;

José Bonifácio (o moço), Joaquim Nabuco e Saldanha Marinho. Estes argumentavam que o

caráter da reforma ia de encontro com a ideologia liberal, sendo mesmo retrógrada, por afastar

grande parte da sociedade civil da esfera de participação do governo representativo.

A representatividade nacional sob o julgo do projeto de lei foi escancarada por dados em

discurso de Saldanha Marinho, liberal pela província amazonense, signatário do manifesto

republicano e defensor do sufrágio universal. O deputado apurou que, sendo a população total

do Império 8.419.67259, número já decrescido da população escrava, desse total os aptos a ler e

escrever eram 1.012.087. Tirando as mulheres, os analfabetos, os menores, os interditos, os que

não tivessem renda superior a 400$000 réis, concluiu Saldanha que só 400.000 pessoas teriam o

direito de votar, número que representa a ínfima fração de 1/20 da população livre.

Esse enxugamento do eleitorado se tornou a bandeira da bancada oposicionista

figurando constantemente nas falas dos dissidentes. Partindo desse ponto, José Bonifácio

declarou “odiosa” a lei que pretendia delegar o futuro de decisão política de toda a nação a sua

57 CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil. O longo caminho. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003. P.39.

58 HOLANDA (Org), Sérgio Buarque de. História geral da civilização brasileira. 2ª. ed., Tomo II, v. 3, São Paulo, DIFEL, 1969.p. 254.59 Esses dados são referentes ao censo de 1876.

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vigésima parte de supostos ilustrados, em detrimento da massa de população que seria

explorada pelo governo em uma via de mão única, onde exigia-se dos cidadãos os deveres, mas

sem conceder-lhes os direitos, nas palavras de Bonifácio “a lei dirá as massas, pagai impostos,

mas não votareis”. O parlamentar argumentava ainda que, a pouco tempo, quando rebentou “A

guerra do Paraguai [e o país] precisava de milhares de soldados para sustentar a honra nacional

e a dignidade da pátria, não foi as tábuas do censo que pedistes as levas do sacrifício”60. E

concluía ironizando a infâmia das bases do projeto de lei:

Os sustentadores do projeto, depois de meio século de governo constitucional, repudiam os que nos mandaram a esta Câmara (apoiados), aqueles que são os verdadeiros criadores da representação nacional (apoiados, muito bem). Por que? Porque não sabem ler, porque são analfabetos! Realmente a descoberta é de pasmar! Esta soberania de gramáticos é um erro de sintaxe política (apoiados e risos). Quem é o sujeito da oração? (hilaridade prolongada) Não é o povo? Quem é o verbo? Quem é o paciente? Ah! Descobriram uma nova regra: é não empregar o sujeito (hilaridade). Dividem o povo, fazem-se eleger por uma pequena minoria e depois bradam com entusiasmo: 'Eis aqui a representação nacional!'61

Atacando também a eliminação dos analfabetos, Joaquim Nabuco argumentava que não

advinha da chamada “massa inerte ou inconsciente” os vícios das eleições, mas sim dos:

[...] 'emboladores de chapa', dos manipuladores, dos cabalistas, dos calígrafos. E era, em última análise, dos candidatos e, melhor dos Deputados, dos Senadores, dos Ministros, quer dizer, das classes superiores. Mais escandaloso do que manter o voto dos analfabetos era julgar que esses mesmos analfabetos, que não podem escrever, seriam os culpados pelas atas falsas, e era querer crer que lhes cabia o crime das qualificações fraudulentas, das duplicatas imaginárias e das apurações indecorosas.

José Bonifácio argumentaria ainda que o discernimento político de um indivíduo não se

determina somente por sua alfabetização: “O voto individual não é exclusivamente resultado do

conhecimento próprio; o votante instruí-se na conversação diária, na prédica do vigário, no

juizo dos tribunais, na discussão das Câmaras, na execução das leis, na leitura própria ou alheia

da imprensa, nas reuniões políticas, em tudo que o cerca”. Sendo assim, de acordo com suas

palavras, o projeto do governo revelava-se “iníquo, à face dos princípios do direito público”62.

O projeto gerou muita polêmica nas plenárias da Câmara, que se achava dividida, as

dissensões eram muitas e os membros da Câmara Liberal se dividiram quanto a defesa de

diversos aspectos do projeto: além da exclusão dos analfabetos e do alto censo pecuniário,

60 HOLANDA (Org), Sérgio Buarque de. História geral da civilização brasileira. 2ª. ed., Tomo II, v. 3, São Paulo, DIFEL, 1969.p.24061 HOLANDA (Org), Sérgio Buarque de. História geral da civilização brasileira. 2ª. ed., Tomo II, v. 3, São Paulo, DIFEL, 1969.p. 242

62 Câmara, Anais, 28/04/1879, p.455 e 458

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alguns deputados estavam insatisfeitos com a ausência da questão dos acatólicos e outros, como

o jovem Rui Barbosa, não concordavam com a necessidade de formação de uma constituinte,

preferindo aprovar a lei de forma ordinária.

Por outro lado, os deputados partidários do projeto não tinham a erudição nem a retórica

dos dissidentes, e não conseguiam responder a altura as críticas recebidas. Quanto aos discursos

de defesa do projeto, selecionamos trechos da fala do Deputado Lafayette Rodrigues Pereira,

membro da bancada ministerialista, com o objetivo de evidenciar a consonância de suas idéias

com trechos de obras do pensador Stuart Mill, no que toca ao enxugamento do eleitorado.

Por mais que o liberal inglês figure muitas vezes como um defensor do alargamento dos

direitos políticos, é crucial perceber que ele defende essa causa num nível ideal, por exemplo

quando fala que: ”O único governo que pode satisfazer inteiramente todas as exigências é

aquele onde todo o povo participa”, diante das circunstâncias reais, ele contrapõe essa frase

com: “Não é útil, mas pernicioso que a constituição declare que a ignorância tenha os mesmos

direitos políticos que o conhecimento”.63

Dessa forma é bem perceptível como as diretrizes da polêmica reforma eleitoral são

fundadas em argumentos axiomáticos do pensamento Liberal clássico. Primeiro evidenciando

trechos da obra de Mill, e mais a frente, partes de discursos professados pelo liberal brasileiro,

nota-se uma confluência argumentativa:

Considero inadmissível que uma pessoa participe do sufrágio sem saber ler, escrever e, acrescentaria, sem possuir os primeiros rudimentos de aritmética.[...] num tal estado de coisas, a grande maioria dos votantes de quase todos os países, se comporia de trabalhadores manuais; e o duplo perigo, o de um nível demasiado baixo de inteligência política e o de uma legislação de classe. Conceder o sufrágio a um homem que não saiba ler é como dá-lo a uma criança que não saiba falar [...] Todo direito de voto nas mãos de quem não paga impostos é uma violação do princípio fundamental de um governo livre.64

Já Lafayette, na mesma trilha de Mill diria:

Se há no Império oito décimos de analfabetos, esses oito décimos devem ser governados pelos dois décimos que sabem ler e escrever. O governo não pode pertencer a ignorância e a cegueira. [...] A independência pessoal anda ligada a uma certa renda.65

O projeto foi colocado em votação na Câmara dos deputados e acabou sendo aprovado

63 SARTORI, Giovanni. A teoria da Democracia revisitada: O debate contemporâneo. São Paulo, Ática, 1994. p.217.

64 LOSURDO, Domenico. Democracia ou Bonapartismo: triunfo e decadência do sufrágio universal. Rio de Janeiro, Editora UFRJ; São Paulo, Editora UNESP, 2004. Págs. – 32,33 e 39.

65 HOLANDA (Org), Sérgio Buarque de. História geral da civilização brasileira. 2ª. ed., Tomo II, v. 3, São Paulo, DIFEL, 1969. Págs. – 252 e 253.

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com larga maioria dos votos, 71 favoráveis contra apenas 13, ou seja, 4/5 dos membros

apoiaram a excludente lei. Diante da derrota clamorosa dos dissidentes, e entre os aplausos ao

anúncio do resultado, o deputado Silveira Martins vociferava: “Câmara dos servis!”.

Aprovado na Casa temporária em fins de maio, o projeto foi enviado para votação no

Senado. Na Sibéria, como era conhecida a Câmara vitalícia, onde não havia hegemonia do

Partido Liberal, o projeto não conseguira formar muitos partidários, os senadores desgostavam

principalmente do pressuposto que exigia constituinte. O que desagradava-os quanto a

convocação de uma constituinte seria a possibilidade de se alterar na constituição a condição de

vitaliciedade dos membros do Senado, questão que já havia sido expressa pelo Partido Liberal

em seu programa. E de fato, o receio dos senadores levou a não aprovação do projeto no

Senado em 12 de novembro.

O insucesso quanto a aprovação da reforma, somada ao “motim do vintém”, além do

momento difícil pela qual passavam as finanças do Império, muito por causa dos dispêndios

relativos a seca de 1878, afundaram o ministério numa crise institucional e de popularidade,

acabando por selar o destino do gabinete Sinimbu, que foi desmantelado no segundo mês de

1880.

A chefia do novo gabinete foi assumida então, já no mês seguinte, pelo consagrado

liberal baiano Antônio Saraiva. Dotado de mais traquejo político e já conhecedor do insucesso

do gabinete anterior, Saraiva fez o caminho inverso de Sinimbu, ao invés de chegar no

Parlamento com o projeto de lei fechado, construiu-o junto de seus correligionários,

contemporizando as opiniões divergentes e tentando ao máximo agrupar as diversas exigências

para a formação de uma base ampla que não levantasse dúvida quanto a aprovação da reforma.

De fato, ao posicionar-se aberto a um debate amplo sobre a lei, o novo chefe do gabinete

ganhou a simpatia até de boa parte dos deputados que se colocaram na oposição anteriormente.

O projeto, entretanto, não foi fácil de ser aprovado. Muitas altercações e dissensões

ocorreram nas plenárias da Câmara, mas as discussões se procederam sobre os mesmos pontos

já debatidos no tempo do Gabinete anterior, sendo redundante, portanto, o exame destas

contendas novamente.

O projeto final manteve a exclusão dos analfabetos e o voto censitário. No entanto a

renda que se exigia agora era a mais baixa, a do votante – constituída em 200$000 réis -. Deve-

se atentar que o novo regulamento eleitoral exigia uma documentação minuciosa para a

comprovação desta renda. Este ponto foi crucial no sentido de diminuir o eleitorado, pois só

uma minoritária parte da população tinha meios comprobatórios de sua renda. A exigência

dessa documentação foi, provavelmente, a causa responsável pelo maior número de exclusões

Page 39: A Lei Saraiva e as eleições de 1881 em Pernambuco

imediatas da Lei, visto que, esta, não sendo retroativa, manteve o direito de voto dos

analfabetos que já tinham obtido o título de eleitor em qualificações eleitorais anteriores. Pode-

se entender a rigorosa exigência dessa documentação como uma ação compensatória da

transição da forma indireta para a direta nas eleições. O novo formato iria virtualmente

substituir o viés classicista da eleição indireta, pois, como não havia na eleição direta duas fases

para diferenciar censitariamente o eleitorado pobre do mais rico, foi criado esse mecanismo que

exigia que a renda do eleitor fosse determinada em uma documentação que comprovasse a

posse de bens imóveis ou de pagamento de determinados impostos. Esse procedimento, na

prática, excluía o simples trabalhador que na maioria dos casos gozava da renda exigida mas

não dispunha da documentação requisitada para sua comprovação. Uma jogada perniciosa do

conselheiro, pois, ao elaborar a Lei, manteve o censo mais baixo, dando a entender que a

reforma não viria a eliminar os eleitores pelo critério de renda.

Saraiva contemplou ainda em seu projeto o direito de elegibilidade aos acatólicos e

naturalizados, e laicizou o processo, ao determinar que as eleições só poderiam acontecer

dentro das Igrejas em último caso, dispensando também as cerimônias religiosas, que antes, por

lei, abriam os trabalhos eleitorais.

No que toca a organização das eleições, a nova legislação deu um passo importante no

sentido de garantir sua lisura, ao promover o Juiz de Direito como autoridade máxima do

processo de estruturação dos pleitos, ficando este responsável por presidir o comitê de

qualificação dos eleitores e a mesa eleitoral no dia das eleições. Esse cargo que antes era

atribuído ao Juiz de Paz66, uma autoridade tradicionalmente vinculada aos interesses das

oligarquias, passara então a ser exercido pelos Juízes de Direito, estes, que eram magistrados

formados, sofriam menor pressão e interferência do governo em suas ações por gozarem de

vitaliciedade neste cargo. Ainda assim, os Juízes de Direito estavam sujeitos a certas

designações do poder Executivo, como transferências indesejadas67 para comarcas de pouca

importância eleitoral e, em casos extremos, a aposentadoria compulsória.

Além do que, a reforma de 1881, aumentou consideravelmente o número de cargos

públicos classificados na categoria das inelegibilidades ou incompatibilidades, que impediam a

candidatura eleitoral de membros do funcionalismo público ocupantes de determinados cargos

de chefia ou de influência, uma medida preventiva contra o uso da máquina pública pelas

66 Essa autoridade era eleita nas eleições provinciais e era constituída, em sua maioria, por indivíduos ligados aos interesses dos proprietários, pois além do cargo não ser remunerado e nem exigir formação jurídica, tinha um papel central na organização das eleições.67 Um exemplo grotesco do uso exagerado das transferências de Juízes de Direito pelo Executivo para fins eleitorais

aconteceu na eleição de 1844, onde das 116 comarcas que dividiam todo o país, em um só dia, foram publicadas a transferências de 52 Juízes.

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autoridades governamentais para fins particulares no período das eleições. Mas a aprovação da

reforma não residia na letra da Lei simplesmente. A manobra burocrática para dispensar a

convocação de uma constituinte que o habilidoso conselheiro Saraiva fez, a exemplo de

Portugal68, foi crucial para o sucesso da aprovação. O gabinete redigiu a reforma dispensando

os chamados “escrúpulos constitucionais”, e em janeiro de 1881, a então Lei Saraiva, foi

promulgada na Câmara e no Senado, mas sob o formato de lei ordinária, de forma

inconstitucional, modificando a Carta Magna sem convocar uma Assembléia Constituinte.

A Lei Saraiva implicou numa exclusão dos direitos políticos sem igual em toda a

história do Brasil. Atentando aos dados do relatório da Diretoria Geral de Estatísticas do

Império pode-se ter ideia da magnitude dos efeitos negativos para a cidadania no Brasil. Seus

números mostram que a população eleitoral do Império em 1874 correspondia a 1.114.066

indivíduos, e que depois da reforma de 1881 apenas 145.296 da população brasileira podia

gozar de direitos políticos, isto é quase a parte oitava do colégio eleitoral antigo.

O caráter radical de suas determinações visavam interferir nas três principais esferas de

atuação das legislações anteriores. Tornando o voto distrital, com um candidato por distrito

nomeado por vitória de maioria absoluta, a lei intentava garantir a presença das oposições na

Câmara. Ao tornar a eleição direta, excluindo a fase onde ocorriam as maiores pertubações da

ordem pública, o governo prometia a paz e a lisura nas eleições, nas palavras de Sérgio Buarque

de Holanda, “suprimindo o abuso onde este era frontoso para conservá-lo onde ele era

dissimulado69”, e por fim, quando limitava o eleitorado a ínfima camada dos “aptos”, imaginava

estar elevando o nível do voto.

A nova Lei optou por elevar a qualificação do eleitorado para reduzi-lo numericamente

ao extremo. Cabia então definir o rosto do vilão a ser expurgado do processo eleitoral:

caracterizaram-no como pobre e analfabeto, e chamaram-no de povo. Atribuindo a massa do

eleitorado “ignorante” os malogros e insucessos nos escrutínios por todo o país, culpando, na

visão de Joaquim Nabuco, os “corrompidos” e não os “corruptores” pelos descaminhos das

eleições.

Com a eliminação do povo deste processo a representação nacional passou a ser

legitimada então pela parcela inexpressiva de 1,5% da população brasileira “esclarecida”.

Dessa forma o eleitorado só voltaria a alcançar o número de antes da aprovação da lei mais de

40 anos depois, marginalizando por décadas o povo do universo eleitoral e entravando o

68 Em Portugal onde a constituição vigente, no tocante ao regulamento eleitoral, era praticamente igual brasileira, foi aprovada reforma para eleições diretas sem necessidade de constituinte. 69 HOLANDA (Org), Sérgio Buarque de. História geral da civilização brasileira. 2ª. ed., Tomo II, v. 3, São Paulo, DIFEL, 1969.p. 261

Page 41: A Lei Saraiva e as eleições de 1881 em Pernambuco

processo de maturidade política da Nação.

Se a nova lei obteve êxito na sua aplicação, se eliminou a fraude e a violência do terreno

eleitoral, se garantiu uma representatividade oposicionista satisfatória, se livrou o governo das

acusações de controle dos resultados, vamos acompanhar no próximo capítulo, que se debruça

sob a aplicação da Lei Saraiva, na sua estréia prática, tomando por estudo de caso a eleição de

1881 para a Câmara dos Deputados na província de Pernambuco.

Page 42: A Lei Saraiva e as eleições de 1881 em Pernambuco

Capítulo 2 - A Eleição

Page 43: A Lei Saraiva e as eleições de 1881 em Pernambuco

“O poder é o poder, e é um direito do governo violar a lei”.

J. de Freitas Henriques.

Promulgada a Lei Saraiva em 9 de janeiro de 1881, seu teste prático viria a se efetuar no

final de outubro do mesmo ano, quando iria se realizar a primeira eleição regida pela nova

legislação eleitoral. A sociedade brasileira de então voltou suas atenções para aquele evento,

com a esperança de que a nova reforma eleitoral, resultado de anos de discussões entre as elites

políticas imperiais, viesse a eliminar a fraude e a violência que afamavam a prática do sufrágio

no Brasil oitocentista. Assim, neste capítulo vamos analisar como o governo, sob a orientação

do Conselheiro Saraiva, organizou e executou esta eleição, acompanhando o posicionamento da

opinião publica expressa nos periódicos, e as articulações e táticas políticas das frações

envolvidas no pleito, observando quais foram as mudanças práticas que a Lei Saraiva trouxe

para o terreno eleitoral.

Na mesma semana em que o gabinete presidido pelo conselheiro Saraiva conseguiu a

aprovação da reforma eleitoral, requisitou ao Imperador o pedido de demissão coletiva,

justificando-se pelas palavras do Barão Homem de Melo – então membro deste ministério,

“este (gabinete) entendia que, uma vez realizada a reforma da eleição direta, estava finda a sua

missão”70. O Imperador negou o pedido de exoneração, e estendeu o gabinete Saraiva à

execução da Lei. Assim, o sucesso da reforma eleitoral acabou ficando vinculado a boa

execução da eleição de 1881, se esta realmente conseguisse garantir uma representatividade

satisfatória da oposição e por fim aos casos de violência e demais problemas eleitorais, esses

bons resultados iriam coroar o êxito do gabinete Saraiva.

A primeira eleição direta do Império deveria se proceder de modo a ser considerada a

mais honesta da história da monarquia. Para tanto o chefe do gabinete atuou com diligência,

orientando ostensivamente os agentes do governo responsáveis pela eleição, por meio de uma

circular publicada nos periódicos de todo o país, onde se determinava que os funcionários

públicos trabalhassem visando a efetivação de eleições ordeiras. O governo deveria, segundo as

instruções do Conselheiro, abster-se de qualquer ato que viesse a interferir nos resultados do

pleito, mesmo que isto custasse a derrota do partido governista nas eleições – fato que seria

inédito em todo Segundo Império. A orientação de Saraiva neste ponto ratifica a tese defendida

por Francisco Belisário em seu livro de que, no Império, a vitória de um candidato de oposição

é transformada em argumento favorável ao governo, como prova de sua imparcialidade na

eleição.71 Os discursos do conselheiro eram permeados por frases de efeito, e entre outros

70 SARAIVA, José Antônio. Perfis parlamentares. Brasília, Câmara dos Deputados, 1978. p.65171 SOUZA, Francisco Belisário Soares de. O sistema eleitoral no Império. Brasília, Gráfica do Senado Federal, Coleção

Page 44: A Lei Saraiva e as eleições de 1881 em Pernambuco

apelos, o eminente político baiano rogava que o governo “tivesse vergonha ao menos uma vez

na vida”. Sobre a conduta do gabinete na organização da eleição continuava:

O meu programa é manter a mais completa abstenção de intervenção nas eleições. O dia de minha maior gloria será aquele em que for derrotado como governo.72

Com todos esses bons auspícios propagandeados largamente pelos jornais de todo

Brasil, Saraiva ganhou a simpatia de grande parte da opinião pública e logo seu gabinete foi

chamado de “O Restaurador”, em alusão a restauração da moralidade e da honradez que viriam

a figurar no cenário eleitoral. Com base nas publicações dos jornais, podemos afirmar que os

articulistas políticos, principalmente os vinculados ao Partido Conservador e a ala liberal

identificada como Democratas, estavam divididos entre os que se posicionavam ceticamente

quanto a boa execução das eleições, e os que expressavam otimismo em relação aos resultados

da aplicação da nova lei eleitoral. No nosso entender, o fato desses dois grupos políticos

oposicionistas se colocarem na disputa eleitoral, já constituía por si só um forte impulso de

legitimação do pleito73. O trecho abaixo, retirado de uma coluna do jornal conservador O

Tempo, revela como um articulista guabiru, nos editoriais e nas publicações a pedido, mesmo

insatisfeito com a exclusão das massas pela nova legislação, nutria simpatia pelo conselheiro

Saraiva e entendia que a eleição de 1881, se organizada de maneira honesta, constituiria um

momento propício para a concretização de uma representação política legítima.

É certo que o país, depois de sua emancipação política, vai ver agora pela primeira vez, graças a finura de um ministro sério, ensaiar-se um sistema de eleição, que garante em teoria a legitimidade da representação nacional.

É certo também que o elemento popular, aquele que entre nós mais sente a ação das leis tributárias com que se mantém a integridade do Império, se promove a defesa de sua honra e se desenvolve o seu crédito, não pode, e nem poderá, de veras aplaudir esse avanço da escola liberal.

A restrição imoderada que se fez do exercício do direito do voto com essa lei, cuja a passagem teve a magia de fazer parar tudo, os mil embaraços criados pelas instruções incompletas, que baixaram com decreto de 29 de janeiro, produziram um certo descontentamento, geraram uma certa desconfiança, que não deixou de atingir o merecimento da obra.

Pois bem, se por este ou por aquele modo a vontade do governo em assumpto de tamanha gravidade chegar a ser a última razão, todo o mundo tem o direito de dizer que, nesta situação nunca mais se conseguirá uma representação genuína.”74

Apesar de todo o clima de otimismo, propagado pelo governo e por parte da opinião

pública, quanto ao processo de estruturação daquela eleição, o gabinete Saraiva teria muito

Bernardo Pereira de Vasconcelos, Vol. No 18, 1979. p. 9.72 O Tempo, 18 de setembro de 1881. “A circular do Sr. Conselheiro Saraiva”.73 Em 1876, quando se processou a primeira eleição regida pela Lei do Terço, o Partido Liberal deixou de disputar eleições em diversas localidades na tentativa de deslegitimar o pleito.74 O Tempo, 14 de agosto de 1881. “Descrença”.

Page 45: A Lei Saraiva e as eleições de 1881 em Pernambuco

trabalho em tornar realidade toda a retórica de que iria promover as eleições mais justas do

Império. Para isto, o conselheiro tinha pela frente uma difícil missão que exigia do Poder

Executivo uma atuação veemente, no sentido de aplicar corretamente as proposições da rigorosa

Lei Saraiva, frear os impulsos indecorosos dos funcionários públicos, e negociar a não

interferência dos grandes proprietários nos trabalhos eleitorais.

Acompanhamos por quatro jornais da época se, em Pernambuco, esse processo

realmente ocorreu em acordo com as orientações do Gabinete. É importante, antes de tudo,

traçarmos o perfil desses periódicos e a razão pela qual optamos por eles.

No século XIX, Pernambuco foi uma província privilegiada quanto a produção de sua

imprensa. Segundo Luiz do Nascimento, nasceram nada menos que 66 jornais entre os anos de

1829 e 1900, vale salientar que, a grande maioria desses era de circulação diária75. Nesse

imenso universo tipográfico surgiram muitos jornais que funcionavam como órgãos políticos-

partidários e que tinham seu píncaro de visibilidade em épocas de eleição, muitos periódicos até

limitavam sua circulação a esses momentos de campanha eleitoral. Assim, ao lado dos meetings

e das reuniões eleitorais, os impressos cumpriam uma função capital nas campanhas políticas,

ao divulgar e propagar as diretrizes e os candidatos dos partidos em jogo. Geralmente, os

editores e as equipes de redação desses jornais eram compostas pelos próprios membros dos

partidos políticos, o que dá a essas fontes impressas a capacidade de sintetizar os interesses e as

estratégias das elites, que em 1881 estavam divididas em três frações para a disputa das

eleições: Os liberais, os conservadores e os liberais democratas. Em nossa pesquisa analisamos

os periódicos que davam suporte as ideias de cada uma dessas frações, além de pesquisarmos

também o Diário de Pernambuco, considerado o jornal mais tradicional da província. Outro

jornal que gozava de ampla notoriedade e grande circulação em Pernambuco era A Província,

no entanto nossa consulta a seu conteúdo foi impedida, pois os exemplares do período que

interessam a nossa pesquisa não se acham conservados.

O Diário de Pernambuco, é até hoje o jornal mais antigo em circulação na América

Latina, e em 1881 era o periódico mais importante da província. Apesar de seu corpo editorial

ser aliado ao Partido Conservador, o “Diário Velho”, como também era conhecido, não era

exatamente um jornal partidário, e por isso mantinha uma linha moderada em suas publicações

que tratavam de temas diversos e questões de utilidade pública. Mesmo quando os

conservadores estavam na oposição, como era o caso em 1881, o Diário reservava quase toda a

primeira página às publicações oficiais do governo, e, em alguns casos, chegava até a ceder

75 NASCIMENTO, Luiz do. História da imprensa de Pernambuco (1821-1854). Recife, Imprensa Universitária/UFPE, Vol. II, 1964. p.6.

Page 46: A Lei Saraiva e as eleições de 1881 em Pernambuco

espaço para publicação de artigos de candidatos liberais. Mas geralmente deixava transparecer

seu posicionamento de tendência guabiru. Apesar de não expressar em suas linhas um tom

partidário o Diário de Pernambuco tinha uma importância fundamental para o Partido

Conservador, pois, ao aglutinar a nata intelectual do partido em sua redação, tornou-se o centro

disseminador que organizava todas as outras publicações da imprensa guabiru de menor porte,

de tiragem mais modesta e de linguagem mais arisca.

O periódico do Partido Conservador era O Tempo. Este, ao contrário do Diário de

Pernambuco, não deixava seu posicionamento velado, expressava em seu subtítulo a sua

filiação: “Orgão do Partido Conservador”. Era um jornal de publicações essencialmente

políticas em que, com uma linguagem clara e direta, exercia oposição ferrenha ao governo e ao

partido Liberal. No entanto, a atuação do Tempo, no período da campanha eleitoral em 1881,

não refletia o comportamento típico da imprensa de oposição, que segundo Isabel Marson, é

“caracterizada por críticas tão acentuadas às pessoas do governo ou aos elementos do seu

círculo que chegavam até o insulto”76. No caso da cobertura dessas eleições, a imprensa adotou

uma postura de singular honradez para a época. Neste pleito se configurou uma situação

especial propiciada por um pacto firmado entre o orgão do Partido Conservador e o jornal do

Partido Liberal, depois que as contendas entre as duas redações haviam se tornado uma

“tempestade de impropérios”, no dizer do redator da Coluna Liberal Sigismundo Gonçalves.

Foi proposto então o acordo em questão, que não impunha nenhum limite à liberdade de

expressão, mas exigia que os artigos mais polêmicos fossem assinados por seus autores. A

restrição do uso dos pseudônimos de fato arrefeceu as ofensas de cunho pessoal, pois ao sair do

anonimato os autores ficavam sujeitos a punições do governo, enquadrados sob a acusação de

“abuso de liberdade de imprensa”77. Assim, a oposição conservadora desempenhou um

importante papel na cobertura daquela eleição, ao acompanhar com denodo a organização do

pleito eleitoral, publicando sistematicamente cada acusação de irregularidade na condução

desse processo. Foram nas páginas de O Tempo onde encontramos o maior número de

denúncias de abusos exercidos pelo governo na organização e execução das eleições.

O outro jornal que em nossa pesquisa compõe a fileira dos oposicionistas é A

Democracia. Este periódico vinculado ao chamado “Partido Democrata”78 foi um diário de vida

curta, caso típico da imprensa política sazonal que funcionava em período eleitoral, tendo sua

publicação limitada ao fim de 1880 e ao ano de 1881. As posições da Democracia podem ser

76 MARSON, Isabel. Movimento praieiro. Imprensa, ideologia e poder político. São Paulo, Editora Moderna, 1980.77 NASCIMENTO, Luiz do. História da imprensa de Pernambuco (1821-1854). Recife, Imprensa Universitária/UFPE, Vol. II, 1964. p.246. 78 O termo Partido era utilizado pela imprensa da época para designar os Democratas, que não constituíam um partido político fundamentalmente, mas sim uma fração dissidente do Partido Liberal.

Page 47: A Lei Saraiva e as eleições de 1881 em Pernambuco

entendidas em consonância com a trajetória do diretório Democrata, que nasceu a partir da

dissidência de um grupo político no seio da desunida família do Partido Liberal, no ano de

1878, quando o partido voltava ao centro da cena política nacional. Assim os liberais

democratas se posicionavam criticamente quanto ao governo do conselheiro Saraiva e ao grupo

dirigente do Partido Liberal em Pernambuco, os chamados Leões. Desse modo, o conteúdo

político desse diário confluía com o do O Tempo, e havia uma certa cooperação entre as duas

redações que, recorrentemente, publicavam os mesmos artigos e denúncias, visando atingir seu

rival comum – o Partido Liberal, que era governo na época.

A imprensa governista era centralizada sob a publicação da Coluna Liberal, redigida

pelos membros do Partido de mesmo nome. Os liberais se expressavam até o ano de 1880 por

um jornal próprio, chamado A Liberdade, encerrada as atividades deste periódico, o partido

passou a utilizar uma coluna alugada no tradicional Jornal do Recife. A Coluna Liberal, como

orgão do partido no poder, atuou nessa eleição de maneira defensiva, rebatendo e se esquivando

das acusações feitas pelos jornais da oposição. É interessante notar que, apesar de o diretório do

Partido Liberal ser fortemente atacado pelas duas frações oposicionistas, a Coluna só se

manifestava pujante contra os conservadores do Tempo, não se preocupando em travar intrigas

com os Democratas, e até cedendo espaço em algumas ocasiões a publicações do diretório

Democrata, como na divulgação da candidatura de José Mariano e da chapa desse grupo. A

postura de não agressão aos Democratas, adotada pelo grupo leonino visava possíveis

negociações no período pós-eleitoral, provavelmente tencionando uma “re-acomodação” do

grupo dissidente no Partido Liberal, como de fato veio a ocorrer menos de um ano depois.

Outro tema que se destaca nas páginas da “Coluna” é a sua postura crítica quanto à imprensa

oposicionista em Pernambuco. Foram publicados diversos artigos que condenavam a forma vil

e personalista das abordagens das gazetas da oposição, que eram baseadas simplesmente, no

dizer do editor da “Coluna”, em um “torpe sistema de provocações”, que relegava a segundo

plano a “disseminação de teorias políticas e a discussão de ideias”.

A propaganda política desses jornais visava atingir fundamentalmente um publico

votante composto por camadas da classe média e até a população mais pobre em alguns casos,

como: empregados públicos, bacharéis, clérigos, oficiais militares, guarda-livros e praças do

exército e da armada. Os jornais não se limitavam a atingir o publico alfabetizado, no século

XIX era comum a leitura em voz alta dos periódicos em reuniões casuais nas boticas e botecos

da cidade. Geralmente essa prática de divulgação era exercida por indivíduos vinculados aos

partidos, que reproduziam e comentavam o conteúdo dos diários. Com frequencia esses

ajuntamentos acabavam por constituir comícios inflamados, que por sua vez, criavam um

Page 48: A Lei Saraiva e as eleições de 1881 em Pernambuco

ambiente propício para o afrontamento de grupos políticos rivais e até de levantes violentos por

partidários mais exaltados, como o caso noticiado pelo Diário de Pernambuco, na ocasião em

que conservadores divulgaram a notícia da promulgação da Lei Saraiva em Caruaru.

No dia 25 de Janeiro do corrente ano, chegou neste cidade o Diário de Pernambuco, trazendo alegre notícia da execução da nova lei: a dita notícia foi recebida com grande prazer de ambos os lados políticos, mostrando com prazer exagerados alguns conservadores, dissidentes, os quais andaram com os Diários lendo e mostrando a uns e outros, até mesmo nas vendas e lojas.

Compareceram alguns conservadores: fizeram reforçar com maior número os estrondos dos foguetes; a festa ia em progresso; porém, de 2 para 3 horas da tarde apareceu um princípio de revolução ou imposição, de bacamarte, cacete ou chicote; foi bastante esta notícia para terminar todo o festejo rapidamente.79

Todos esses jornais eram sediados no Recife, mas sua distribuição se efetuava pelas

demais cidades do interior de Pernambuco, principalmente as mais próximas da capital: Olinda,

Jaboatão, São Lourenço da Mata, Goiana, Igaraçu, Itamaracá e Pau D'alho. No entanto, a pauta

dos diários não se limitava a tratar dos acontecimentos políticos dessas cidades que

circundavam o Recife, como é manifesto na notícia acima citada, as movimentações políticas

do interior constituíam assuntos que dinamizavam as discussões da imprensa recifense e

fundamentavam seus posicionamentos políticos. Nesse sentido, os crimes e pertubações da

ordem publica do interior eram fartamente divulgadas pelas gazetas do Recife, como veremos

em seguida, no acompanhamento das notícias acerca do processo de estruturação da eleição.

Não foram poucas as denúncias acerca de irregularidades na montagem da eleição de

1881 noticiadas nesses periódicos. As acusações de irregularidades cometidas pelos agentes do

poder público eram ironicamente noticiadas sob a alcunha de uso da “força moral do governo” -

em referência a interferência ilegal dos agentes governistas no processo. Nessas notícias, que

fundamentavam a descrença dos eleitores quanto a lisura eleitoral, a distribuição de cargos

ocupava um lugar central. Dentre essas queixas, podemos destacar as denúncias de um eleitor

de Panelas, que apontava uma série de nomeações irregulares feitas naquela comarca, e nas de

Bonito e Lagoa dos Gatos. Neste artigo, o depoente acusava o governo de utilizar foragidos da

lei, distribuindo cargos de comando na polícia, para o controle das eleições.

Se não é da força moral do governo proteger candidatura, como explicar muitas nomeações nesta província, por exemplo, do frio, a de Manoel Francisco de Jatobá Canuto, homem reincidente de homicídios em Porto Calvo e em Barreiros, para subdelegado. De Bellarmino Soares da Fonseca para delegado de Bonito, conforme se diz, homem que, o conselheiro Doria, pouco antes de sua exoneração, demitiu de subdelegado a bem de serviço publico, atento a seus vícios de cavalos furtados, homicídios a criminosos, violências etc.; De José Pereira Duro, para

79 Diário de Pernambuco, 16 de fevereiro de 1881. Publicações a Pedido: “A eleição direta em Caruaru”.

Page 49: A Lei Saraiva e as eleições de 1881 em Pernambuco

subdelegado de Lagoa dos Gatos, homem analfabeto, violentíssimo e já demitido a bem do serviço publico do mesmo cargo, e que de mais é juiz de paz em exercício; De Antonio Machado Dias da Trindade, analfabeto, idiota e dado à pinga, cego instrumento do policiável Hermogenes, para primeiro suplente da delegacia, e que não morando perto da vila, nela só aparece em raros dias de feira para vender suas rapaduras, e por isto conserva em poder de Hermogenes papeis em branco com sua assinatura. Para o expediente da delegacia; a atropelada e inconveniente remoção do juiz municipal deste termo, sem ser reclamada pelo serviço publico, quando o Dr. Manoel Augusto, além de ter provado inteligência, moderação e severidades necessárias a bem da sociedade conhece melhor que qualquer outro as circunstancias da comarca por ter servido como juiz já 29 meses, não manifestando de modo algum interesse político.[...] tudo filho da calúnia e perversidade?!80

Em outro artigo do mesmo jornal, continuam as denúncias no sentido de desmentir as

promessas de neutralidade e abstenção do Poder Executivo, como mostram as muitas

nomeações efetivadas às vésperas da eleição. Abaixo segue uma publicação escrita por Manuel

Peretti, que nessa eleição foi candidato pelo Partido Conservador, explicitando o turbilhão de

nomeações e demissões feitas nos cargos do aparelho policial pelo governo da província.

Pretendemos que fique registrada, por parte da oposição, a contradança policial publicada no Diario de 13 e no de hoje. Ei-la:

Autoridades policiais- Por portarias da presidência da província, de 6 do corrente, sob proposta do Dr. Chefe de policia.

Foram exonerados: Eustáquio Lopes de Barros e Florêncio Gomes de Sá e Silva, de 1° e 2° suplentes de delegado do termo de Floresta, este por não ter aceitado a nomeação feita a 7 de outubro de 1878, e aquele por achar-se incompatibilizado com o cargo de vereador da camara municipal; David Barros da Luz Novaes e José dos Santos Correia, de 1° e 2° suplentes do subdelegado do 1° distrito do termo de Floresta, por terem prestado juramento; Custodio Gomes da Silva, de 2° suplente do subdelegado do 2° distrito, por não ter aceitado a nomeação; Antonio David Gemes de Novaes de subdelegado do 1° distrito de Floresta, á pedido, Antonio Gomes de Sá, de 1° suplente do subdelegado do 2° distrito, por se ter mudado; e Manuel Lopes de Souza, de 1° suplente do subdelegado do 3° distrito, a pedido.

Foram nomeados para o termo de Floresta: 1° e 2° suplentes do delegado, Pedro de Souza Ferraz e Pedro Barboza Leal; 1° e 2° suplentes do subdelegado do 1° distrito, Alexandre Telles de Menezes, Manoel Gomes Leal, Manoel Barboza de Souza Ferraz; 1° e 2° suplentes do subdelegado do 2° distrito, Antonio José de Souza Umbuzeiro, Florentino de Souza Ferraz; 1°suplente do subdelegado do 3° distrito, Pedro Barboza de Sá.

Por atos da presidência, datados de 2 do corrente, e sob proposta do Dr. Chefe de policia. Foram exonerados a pedido:

Dr. José Jeronymo de Albuquerque Maranhão, do cargo de delegado do termo de Nazaré. Antonio Barboza Cavalcante de Araújo Pereira, do cargo de subdelegado do distrito de Alagoa do Carro, do mesmo termo. Joaquim Nunes Machado Coutinho, do cargo de subdelegado do 1° distrito do mesmo termo.

Foram nomeados:O capitão Antonio Vicente da Costa Azevedo, delegado do termo de Nazaré.

O tenente Joaquim Nunes Machado Coutinho, 1° suplente do mesmo delegado. Francisco Xavier Camello Pessoa, subdelegado do 1° distrito do mesmo termo.81

Apesar de todas as demissões serem justificadas no próprio documento, Peretti

80 O Tempo, 3 de agosto de 1881. “Previsão”.81 O Tempo, 16 de agosto de 1881. “A época é propria”

Page 50: A Lei Saraiva e as eleições de 1881 em Pernambuco

questiona em seu texto a razão pela qual essas mudanças só ocorreram no período de

organização das eleições, e ainda identifica entre os nomeados parentes de candidatos do

Partido Liberal e cinco membros das influentes famílias Barboza e Souza Ferraz. Fato que,

para o político conservador, não deixa dúvidas quanto a intenção do governo de intervir nos

resultados do pleito. Quanto mais se avizinhava o dia da eleição, mais notícias de nomeações

ilegais no aparato policial de Pernambuco eram publicadas82.

As nomeações não se limitavam aos postos da polícia, os diários também noticiaram

casos semelhantes com autoridades do Poder Judiciário, como o caso do juiz municipal de

Triunfo, Isidoro Mascarenhas, que respondia processo por assassinato na cidade de Pau

D'Alho83. Outros casos polêmicos envolvendo agentes do Judiciário também compunham o

conturbado cenário de estruturação daquele pleito, como a nomeação do Juiz de Direito de

Águas Belas, que segundo artigo do jornal “A Democracia”, trabalharia de modo a beneficiar a

candidatura do alto político do Partido Liberal, Ulysses Viana, como vê-se na notícia que segue:

O novo juiz de direito de Águas Belas declara francamente que segue para aquela comarca, levando o compromisso que diz ter contraído, de fazer eleger o Sr. Ulysses Viana, o que já comunicou ao Dr. Souza Lima, observando que bastavam irem 4 soldados para fazer o que outros fazem com 400.84

Nesta eleição também não faltaram as transferências de Juízes de Direito, que por não

compartilharem as posições do partido no governo, eram removidos para comarcas longinquas,

como foi o caso do Juiz de Direito de Bom Conselho, que fora estrategicamente transferido para

uma comarca de 2° entrância no Baixo Mearim do Maranhão.85

As fraldes por incompatibilidades também marcaram presença nesta eleição com a

conivência do Presidente da Província, o liberal Souza Lima. O então presidente foi alvo de

muitas críticas dos oposicionistas, que o acusavam de cumprir a lei das incompatibilidades

“somente quando convém aos interesses partidários dos seus amigos”, como na punição dos

suplentes de subdelegado de Floresta, que foram demitidos por acumularem a função policial

com o cargo de vereador. Mas o mesmo delito não havia sido punido em outros casos, quando o

Presidente fazia vista grossa e não cumpria a lei, como foi com o subdelegado da Várzea, que

acumulava o cargo na polícia com o de Juiz de Paz, e em Olinda, onde dois vereadores e o

82 Entre os casos de nomeações escusas, foram nomeados mais seis subdelegados no Cabo, e em Quipapá foi nomeado para delegado o alferes José Carlos Vital, conhecido como “mercador de Limoeiro”, por ter roubado o soldo da tropa quando foi comandante do destacamento de Taquaretinga. 83 O Tempo, 27 de setembro de 1881. “Erro ou propósito”.84 A Democracia, 11 de agosto de 1881. “Notável franqueza”.85 O Tempo, 1 de outubro de 1881. Secção para todos. “Ainda a circular do Sr. Saraiva”.

Page 51: A Lei Saraiva e as eleições de 1881 em Pernambuco

presidente da Câmara também atuavam em postos de comando da polícia.86

Questões como a compra de votos e a inclusão de fósforos nas listas de qualificação

eleitoral também fizeram parte do universo de práticas políticas daquela eleição, como

denunciavam os jornais da capital.87 E a audácia dos agentes do governo no sentido de fraldar a

eleição era tanta que, em Tacaratu, o primeiro suplente do Juiz Municipal chegou a roubar os

títulos dos eleitores daquela vila.

Informam-nos desta localidade que o 1° suplente de juiz municipal em exercício, aproveitando-se da boa fé de alguns eleitores, subtraio-lhes os títulos por modo muito industrioso, porém altamente criminoso. Depois de dar aos eleitores os títulos para estes assinarem, tomou os de novo e entregou-lhes, em lugar destes, folhas dobradas de papel em branco. Botando os eleitores na algibeira um papel ao chegar em casa verificaram a fraude de que foram vítimas. Um tal procedimento revela muito claramente quanta torpeza e violência há de empregar esse individuo, para impedir que os eleitores conservadores votem livremente, se o Sr. Souza Lima não cumprir a promessa formal de garantia e liberdade da eleição, providenciando com toda urgência para no sentido de conter as façanhas daquele célebre juiz, e não obrigá-lo a entregar aos eleitores os títulos de que criminosamente se acha de posse.

O volumoso número de irregularidades praticadas pelo governo mostra que nem a Lei

Saraiva teve dispositivos suficientes para, na prática, estancar a interferência deste no pleito,

nem a retórica legalista do Gabinete Imperial conseguira conduzir efetivamente as condutas dos

agentes do governo no sentido de marginalizar, ou até mesmo atenuar, as fraudes do terreno

eleitoral. Os abusos cometidos nessa eleição foram volumosos e de natureza variada, tal qual as

eleições do passado, não faltando também ameaças ao eleitorado. Em diversas vilas e cidades o

eleitorado oposicionista se sentia intimidado e requeria proteção ao Presidente da Província em

artigos publicados pela imprensa. Em São Bento as ameaças chegaram a se concretizar em um

atentado armado contra um correligionário do Partido Conservador, Luiz Felippe Cavalcante de

Albuquerque, que teve sua casa invadida por capangas que desfecharam tiros e acabaram

baleando sua mulher e sua concunhada, sem ferir mortalmente nenhuma delas. A polícia,

segundo os relatos, nem agiu com prontidão na hora do atentado, nem levou a frente as

investigações e o crime foi atribuído, por Luiz Felippe, a seus rivais políticos, ligados ao Partido

Liberal, que já o vinham ameaçando.88

Desse modo, a medida que o dia da eleição se aproximava, iam se arrefecendo as

esperanças dos eleitores e foi se criando o habitual clima de medo que permeava o processo

eleitoral. Alguns artigos nos jornais aludiam até ao episódio da Hecatombe de Vitória, quando,

86 O Tempo, 14 de setembro de 1881.87 Em O Tempo de 31 de agosto daquele ano, encontra-se um artigo sobre fraudes no alistamento, e no dia 26 do mês seguinte o Diário de Pernambuco publicou uma notícia sobre a prática da compra de votos, presente naquela eleição.88 O Tempo de 9 de agosto de 1881, segunda página: seção de publicações a pedido. “Às autoridades superiores e ao publico”.

Page 52: A Lei Saraiva e as eleições de 1881 em Pernambuco

em 1878, a polícia reprimiu violentamente uma passeata política, resultando em 16 mortes,

incluindo o assassinato do Barão de Escada, chefe do Partido conservador daquele município.

Os oposicionistas alardeavam repetidamente que a repressão e a remonta policial que se fazia

em Pernambuco nesta eleição remetiam ao episódio de 1878, “foram estes, mais ou menos, os

antecedentes do morticínio de Vitória: Prisões violentas, surras e emboscadas, que parecendo

ao princípio, destituídas de gravidade, eram entretanto, os padromos da horrenda mortandade.”89

Em alguns distritos, o eleitorado da oposição se achava coagido pelos prédios que foram

designados para sediar a eleição, como em Pesqueira, Goiana e Garanhuns. Nessas cidades a

urna ficou alojada no Paço Municipal, que, além de servir de cadeia, também sediava a guarda

da polícia. Situação semelhante aconteceu em Recife, conforme relatava um eleitor temeroso:

na “4° secção da Boa Vista, vai reunir-se [o eleitorado] a meia-parede do quartel de polícia, e a

3°, muito perto da estação da guarda cívica.”90 A descrença quanto a realização do voto livre era

patente, e o relato abaixo, escrito por um eleitor republicano do município de Palmares, denota

a tensa situação de afrontamento que se configurava entre os eleitores e a força policial.

Aproxima-se o dia designado para elegermos os nossos representantes gerais, e provinciais, e não obstante de a eleição ter de se realizar pelo sistema direto, ultimamente votado, todavia já antevejo, que ela vai ser feita pelo governo, a ponta de baioneta, [...] e quando esta intervenção não se realize nas freguesias da capital e seus subúrbios, sem dúvida ela aparecerá fora dali, com o fim de serem eleitos os subservientes do governo atual, e é neste caso que aconselho a meus provincianos eleitores que munindo-se cada um de um revólver, vá a eleição disposto a fazer o seu direito, adquirido com o seu trabalho ou o de seus descendentes, ultimamente garantidos pela nova lei, ainda que para isso seja preciso fazer saltar os miolos da primeira autoridade, que o queira privar de exercer tão sagrado direito.”91

Mas o modo burlesco como se estruturou aquela eleição não foi capaz por si só de

definir seus resultados, e apesar das ameaças de interferência indevida do governo no pleito, o

Partido Conservador pleiteava com chances reais de vitória em alguns distritos, baseando suas

boas aspirações na conjuntura política daquele momento em Pernambuco, onde o Partido

Liberal entraria enfraquecido na disputa, o que de fato favorecia os guabirus.

O Partido Liberal em Pernambuco vinha passando por uma crise em seus quadros

internos, que tivera início com o fim do ostracismo liberal, época em que o partido passou dez

anos alijado do centro do poder político do país - o Gabinete Imperial. Da ascensão do gabinete

de Cansanção Sinimbu em 1878, é que afloraram as dissensões, motivadas pelo loteamento de

cargos no funcionalismo público. O Partido na época era presidido pelo Barão de Vila Bela, mas

89 O Tempo, 9 de agosto de 1881. “O atentado de São Bento”.90 O Tempo, 2 de setembro de 1881. “O Sr. Souza Lima, executor da reforma”.91 Diário de Pernambuco, 27 de outubro de 1881. “Aos eleitores pernambucanos”.

Page 53: A Lei Saraiva e as eleições de 1881 em Pernambuco

como este era ministro do Império e residente no Rio de Janeiro, o comando e as diretrizes do

diretório pernambucano ficavam a cargo de Luiz Filipe de Souza Leão, seu primo, e de

Sigismundo Gonçalves, seu genro. Desta maneira o grupo dos Souza Leão – alcunhado os

“Leões”, passou a tomar todas as decisões dentro do partido sem consultar previamente os

outros membros, no dizer do Liberal dissidente Epaminondas de Melo, “os negócios do partido

eram resolvidos em conferência entre Sigismundo Gonçalves e Luiz Felipe”92, o que acabou por

tornar o partido um “feudo familiar”, que nos momentos de nomeação para cargos de primeira

importância preteria sempre seus pares, deixando “esquecidos os liberais de serviço para dar

lugar a outros que durante o ostracismo tinham desfrutado pingues empregos, ou que tinham

andado viajando pelo estrangeiro.”93 Esse processo se agudizou quando o gabinete Saraiva, que

era simpático ao Barão de Vila Bela, chegou ao governo. Sem poder de decisão dentro do

partido, nem acesso aos altos cargos do governo e sufocados pela política intransigente dos

Leões, um grupo de Liberais decidiu criar um diretório próprio que amparasse suas

candidaturas, formou-se então o diretório “Democrata”, sob a liderança de Epaminondas de

Melo, José Mariano e Souza Carvalho.

Outra questão que motivou o conflito entre Leões e Democratas era quanto a rivalidade

histórica que havia entre esses dois grupos, pois o barão de Vila Bela, chefe dos Leões e alçado

a presidente do Partido Liberal na época, era uma antigo conservador, que chegou a empunhar

armas contra os liberais da praieira e fizera parte da oligarquia dos Rego Barros – Cavalcanti,

mas foi se inclinando para o lado dos liberais durante o período de conciliação, quando foi

membro do Partido Progressista, até chegar na década de 1870 ao posto de comandante do

diretório liberal na província. A trajetória política transversal do Barão de Vila Bela acabou

maculando negativamente sua imagem aos olhos dos liberais “históricos”, liderados por José

Mariano, que se sentiam incomodados de ter um antigo guabiru no comando do partido94.

Na época esse grupo era chamado de “Partido Democrata”, mas ficamos no dilema entre

classificar os Democratas sob o conceito de “partido político” ou de “fração”. Pois a cisão

ocorrida no seio do Partido Liberal, não teve por razão, nem acarretou, nenhuma mudança de

orientação ideológica entre os membros do diretório Democrata com os do Partido Liberal. O

racha se resumiu na prática a “uma disputa pelo controle dos empregos e outros favores

oriundos do governo central”95 e vigorou pelo curto período de dois anos, 1880-1882, o que de

92 A democracia, 9 de novembro de 1880. “VII”.93 A democracia, 10 de novembro de 1880. “VIII”.94 GOUVÊA, Fernando da Cruz. A deliciosa sátira aos políticos do Império. Recife, Diário de Pernambuco, 3 de fevereiro de 1985. p.4.95 HOFFNAGEL, Marc Jay. O Partido Liberal de Pernambuco e a questão abolicionista, 1880-1888. Recife, Revista Clio, n°23, 2005. p.9

Page 54: A Lei Saraiva e as eleições de 1881 em Pernambuco

fato não constitui a formação de dois partidos políticos distintos em sua essência, mas tão

somente a constituição de uma “fração”, ou seja, “um grupo que pertence a um conjunto mais

vasto [o partido liberal] e que opera em favor de pessoas particulares ou de particulares linhas

políticas”, amparado por “organizações distintas, como: sede, orgão de imprensa, convenções,

etc.”96. No entanto, o conceito de “fração” virtualmente abriga uma certa contradição com o

caso aqui enfocado, por deixar subentendido que as frações não pleiteiam em campos contrários

nas eleições externas ao partido, não podendo assim, uma fração ser opositora de outra como no

caso da eleição aqui estudada. Deve-se ficar claro que nem os liberais se expressavam como

opositores aos democratas, nem os democratas faziam oposição ao Partido Liberal, mas o que

ocorria em verdade era uma oposição dos democratas aos leões e vice-versa. Assim o racha não

deu cerne a criação de dois partidos, mas sim de dois diretórios autônomos dentro de um

mesmo partido. A legislação eleitoral permitia que um partido pleiteasse o mesmo cargo

público nas eleições com mais de um candidato, o que dava alento a esta situação de dissenso.

Desse modo foram abertas as urnas para a votação no domingo do dia 31 de outubro de

1881, o eleitorado pernambucano foi então exercer seus direitos políticos em locais de votação

em número menor que no passado. A tabela seguinte mostra o número de eleitores qualificados

para votar, os números indicam a reduzida expressão da representatividade sob a vigência da

nova lei, expressa com mais clareza se colocada em paralelo com o ideal de sufrágio universal,

cuja lógica é de: para cada pessoa um voto. No caso daquela eleição, no disputado segundo

distrito localizado no Recife, a ordem era de trinta e seis pessoas para um voto. A tabela explora

o número de eleitores que compunha cada um dos treze distritos que dividiam o colégio

eleitoral pernambucano, de onde sairia um representante para Câmara dos Deputados por

distrito. Deve-se acrescentar que quando os números desta tabela indicam a população da

província, eles não englobam a população escrava.

TABELA 2 – NÚMERO DE ELEITORES/POPULAÇÃO EM 1881.DISTRITO POPULAÇÃO NÚMERO

DE ELEITORES

PROPORCIONALIDADE POR CADA MIL ELEITORES

1º Santo Antônio 53.932 1.512 28,32º Boa Vista 43.502 1.585 36,453º Olinda 65.502 906 13,784º Goiana 72.513 654 9,015º Nazaré 72.336 693 9,586º Vitória 68.619 743 10,88

96 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicolau; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Brasília, Editora UnB, 13° ed. 2007.p.-521.

Page 55: A Lei Saraiva e as eleições de 1881 em Pernambuco

7º Cabo 61.877 817 13,238º Palmares 63.183 1065 16,859º Bonito 65.336 641 9,8110º Caruaru 64.428 790 12,4111º Garanhuns 65.309 665 10,1812º Pesqueira 64.686 714 11,0313º Cabrobó 70.917 1114 15,78

Fonte: O Tempo de 11.10.1881

Procedendo-se a eleição, foi registrado nas páginas de todos os jornais, além de

pequenas quimeras de pouca relevância pelas ruas da capital, um caso que impediu a prática do

livre sufrágio na vila de Bom Conselho, onde o local de votação foi cercado por um grupo de

200 capangas armados, que ameaçaram e coagiram o eleitorado. Abaixo reproduzimos o relato

do delegado de Bom Conselho, que em correspondência escrita ao presidente da província,

tenta se eximir da culpa por não ter conseguido mantido a ordem naquela vila, utilizando como

argumento as orientações do próprio presidente, que em confluência com a lei eleitoral,

recomendava que a força policial se mantivesse distante do local de votação e não interferisse

no processo eleitoral.

As doze horas da noite foi inopinadamente cercada a Casa da Câmara Municipal desta vila por cerca de cem homens vindos de diferentes procedências a chamado de diversos particulares envolvidos no pleito eleitoral. De acordo com as reiteradas ordens de V. Exc., do Sr. Dr. Chefe de policia e instruções do Sr. Dr. Juiz de direito interino da comarca, que havia impedido que a força publica a minha disposição interviesse de modo algum no mesmo pleito, pelo que estando ela em seu quartel, havendo naquela hora adiantada da noite a maior tranqüilidade em toda vila, não me foi possível impedir que semelhante grupo, de surpresa se apoderasse da referida casa.

Permaneceu cercada de homens do povo armados, a casa da Câmara Municipal onde devia ter lugar o trabalho eleitoral, e quase todos eleitores, receando ser assassinados não se arriscaram a entrar na casa da câmara, e se o tivessem feito, os que não pagassem a ousadia com a vida, muito teriam sofrido porque os indivíduos que ali se achavam existiam ate criminosos de morte.98

No entanto não foi somente o delegado de polícia acima referido que teve culpa no

episódio de Bom Conselho. Diversas instâncias do governo falharam no acontecimento em

questão, pois esse acontecimento já havia sido anunciado pelos eleitores daquela vila que, tendo

em sua composição uma maioria de conservadores, vinham recebendo constantes ameaças. O

receio coletivo do eleitorado conservador foi expresso não apenas em artigos publicado pelo

Diário de Pernambuco e pelo O Tempo, mas em ações concretas, como a que “data de 5 de

agosto, quando cento e tantos eleitores dirigiram a S.M. o Imperador uma representação na qual

Page 56: A Lei Saraiva e as eleições de 1881 em Pernambuco

indicavam os motivos que lhe determinavam receios de graves pertubações no dia da eleição”97.

Essa representação já havia sido endereçada anteriormente ao Presidente da Província e ao

Gabinete do conselheiro Saraiva, que nenhuma medida prática tomaram. Acresce ainda que o

Juiz de Direito de Bom Conselho havia sido removido dias antes da eleição, provavelmente

para a montagem deste cenário que impediu o exercício do voto livre.

Apesar do episódio de Bom Conselho, a eleição ocorreu calma na maior parte dos

distritos, muito por causa do número restrito de eleitores, só 10.899 dos 832.14098 habitantes de

Pernambuco foram alçados a categoria de eleitor, o que corresponde a modesta fração de 1,3%

da população. O número dos que realmente votaram foi ainda mais baixo, pois como já

referimos anteriormente, eram altos os índices de abstenção eleitoral no Império e em 1881 não

foi diferente, apesar de não termos as cifras das abstenções em Pernambuco, o índice nacional

mostra como foi minguada a participação do eleitorado brasileiro na primeira eleição direta: dos

150.000 eleitores qualificados em todo país, pouco mais de 64% desses compareceu as urnas99.

Pelo Brasil também foram notificados casos de transgressões e pertubações nas eleições.

Ainda assim aquela eleição foi propagandeada como a mais calma e honesta da história do país.

Fato que foi reproduzido, sem um estudo mais aprofundado, por grandes historiadores do

quilate de Sérgio Buarque de Holanda, Nelson Werneck Sodré, Oliveira Viana e João Camilo de

Oliveira Torres.

Assim o objetivo alardeado pelo gabinete Saraiva, de promover eleições “limpas e

honestas”, não se concretizou, apesar de diversas obras da historiografia brasileira afirmarem o

contrário. Notando-se os abusos ocorridos no pleito e todo o engendramento no funcionalismo

público para o controle da eleição, registrados nos jornais, fica claro que a nova legislação

estava longe de possuir eficácia diante de suas atribuições.

Em Pernambuco, o partido liberal mesmo dividido garantiu uma vitória apertada,

conseguindo garantir sua representatividade em 7 dos 13 distritos da província. Os

conservadores ficaram com apenas uma cadeira a menos que os governistas, o que pode ser

considerado uma vitória para os parâmetros do Império. Assim, a eleição garantiu a formação

de uma Câmara equilibrada entre as duas principais forças da política nacional. Os

conservadores conseguiram fazer dois quintos da casa, os republicanos conseguiram fazer

representação e chegaram a eleger três deputados, e o Partido Liberal ficou com o restante das

vagas, mas amargaram algumas derrotas significativas, entre elas a de dois ministros de Estado;

97 O Tempo, 5 de novembro de 1881. “A eleição de Bom Conselho”

98 Este dado não contempla a população escrava.

99 HOLANDA (Org), Sérgio Buarque de. História geral da civilização brasileira. 2ª. ed., Tomo II, v. 3, São Paulo, DIFEL, 1969. Pág. – 285.

Page 57: A Lei Saraiva e as eleições de 1881 em Pernambuco

Barão Homem de Melo e Pedro Luís.

A conquista de uma representação satisfatória pela oposição, só significa um logro da

nova legislação em uma análise à primeira vista. Pois, os dados das outras duas eleições

organizadas nesta última década do Império, a de 1885 e a de 1886, indicam que a oposição só

garantiu uma boa representação na primeira - numa legislatura que foi dissolvida com menos de

um ano. Já na eleição seguinte, mais de 80% das cadeiras da Câmara Temporária ficaram com

os governistas. Ou seja, os resultados positivos conquistados pela eleição de 1881, não podem

ser seguramente atribuídos as mudanças acarretadas pela reforma eleitoral, pois sua eficácia não

se repete nas outras eleições. As vitórias obtidas pelo Partido Conservador se devêm, mas

propriamente, à forma como o Gabinete Saraiva executou a eleição, quando o conselheiro criou

condições favoráveis à derrota do partido governista em certos distritos, tencionava, antes de

tudo, afirmar o sucesso da Lei que levava o seu nome.

Page 58: A Lei Saraiva e as eleições de 1881 em Pernambuco
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Considerações finais

A Lei Saraiva surgiu em decorrência de um cenário de descrença quanto à eficácia das

eleições no Brasil que vinha se propalando há algumas décadas. Na ocasião, o governo optou

por reformar o sistema eleitoral da maneira mais simplista possível: eliminar o direito de voto

da massa da população pobre e analfabeta - quase 90% do eleitorado pré-1881 - . Além disso

procurou dificultar, em tese, o envolvimento dos funcionários do governo nas disputas

eleitorais, principalmente ao promover o Juiz de Direito – no judiciário aqueles com maior

profissionalização e estabilidade na carreira - como autoridade eleitoral máxima desde então.

No mesmo sentido, dando continuidade as orientações reformistas anteriores, ampliaram a lista

das incompatibilidades eleitorais.

A reforma promulgada pelo Gabinete Saraiva visava afastar a violência e a fraude do

terreno eleitoral, e garantir condições justas quanto a sua disputa, para que a oposição

conseguisse uma representação satisfatória na Câmara. Mesmo com o esvaziamento dos locais

de votação a legislação não teve no seu bojo mecanismos suficientes para evitar que os mesmos

percalços que assolavam as eleições anteriores voltassem a marcar presença no processo de

sufrágio direto. A violência e a coerção ao eleitorado oposicionista, a distribuição de cargos

públicos nos moldes clientelistas, as fraudes no alistamento, os cabalistas, os capangas, os

fósforos, as eleições a bico de pena continuaram a se manifestar nas eleições. Se houve uma

queda no número de casos de irregularidades, esta não foi devido a mudança no formato da

eleição ou do comportamento do eleitorado e dos agentes do governo, se devem obviamente à

queda muito mais drástica do número de eleitores.

Quanto à representação das oposições, a Lei também não conseguiu garantir resultados

que mudassem a lógica de predominância do partido governista. Apesar de na eleição de 1881 e

em na subseqüente, as legislaturas terem sido constituídas por uma divisão razoavelmente

equilibrada entre os partidos, tais resultados não traduziram a eficácia da reforma eleitoral. Nas

eleições posteriores, a Câmara voltara a ser constituída por bancadas governistas

desproporcionais.

Além do que, as três Câmaras de Deputados eleitas pelo sistema direto no período da

Monarquia foram dissolvidas pelo Poder Moderador, o que de fato atesta que a Lei Saraiva não

conseguiu fortalecer o sistema político do país. Pelo contrário, ao reduzir drasticamente o

eleitorado enfraquecia justamente o elemento que amparava o sistema representativo – a

opinião pública.

Os objetivos declarados da Lei Saraiva não foram realizados. Nem a legislação

Page 60: A Lei Saraiva e as eleições de 1881 em Pernambuco

conseguiu trazer mudanças significativas para o corrupto sistema eleitoral do Império, nem

conseguiu dar maior credibilidade ao sistema representativo. No entanto a Lei obteve um

resultado duradouro: o afastamento por décadas da maior parte da população brasileira das

urnas. Diante do processo de crise pelo qual passava o regime, com o surgimento de

movimentos políticos e sociedades organizadas de oposição ao status quo Imperial, o sufrágio

era mais um instrumento de contestação da ordem. Esses movimentos, capitaneados pelos

intelectuais da “Geração de 1870”, atuavam de forma carismática por meio de jornais, comícios,

encontros e outros eventos públicos que movimentavam as ruas e mobilizavam a população. Em

conjunção com o progressivo aumento do número de escravos alforriados, uma nova camada de

eleitores insatisfeitos começava a ganhar força e coesão, fato que representava um perigo em

potencial para as elites estabelecidas.

Na segunda metade do século XIX começava a surgir uma tendência pela ampliação dos

direitos políticos na Europa. Países como França, Inglaterra e Bélgica, que também enfrentavam

sérios problemas quanto a eleições fraudulentas, já tinham executado reformas eleitorais nesse

sentido. O Brasil foi na contra-maré dessa tendência. A maior parte dos membros da elite

política, estava receosa com as tensões sociais que começavam a abalar as bases do regime e

defendia a redução do eleitorado. E foi esta a opção adotada pelo governo e o Parlamento.

Sem ter executado nenhuma política prévia que viesse a preparar os eleitores para a

execução do voto, os parlamentares culparam a massa do eleitorado “ignorante” pelos malogros

do processo eleitoral, cuidando de minorar a influência espúria das elites e do governo Imperial

que recorriam a métodos escusos e violentos para controlar os resultados eleitorais.

Se a Lei Saraiva não se preocupou em formular propostas que viessem a reincorporar

esses interditos ao universo eleitoral, essa preocupação também inexistiu nas décadas seguintes.

Só em 1945 é que o percentual de eleitores conseguiu superar o registrado na eleição de 1872.

Nessa mais recente, compareceram às urnas 13,4% da população brasileira. E só 104 anos

depois, com o Emendão em 1985, é que os analfabetos voltaram a ter o direito de votar.

Os ganhos propagandeados pelo Gabinete Saraiva quanto a lisura eleitoral foram

ilusórios ou bastante reduzidos. O verdadeiro legado dessa legislação foi à restrição do voto às

classes proprietárias e as letradas e o afastamento do povo da prática do sufrágio.

Marginalizando por décadas a massa da população do direito de votar, a Lei Sarava entravava o

processo de maturidade política da Nação e tornava o sistema representativo ainda mais

desacreditado, por esse ter bases em um processo eleitoral que existia apenas para justificar o

governo, sem mecanismos para construí-lo autenticamente, nem modificá-lo em essência.

Page 61: A Lei Saraiva e as eleições de 1881 em Pernambuco

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Page 65: A Lei Saraiva e as eleições de 1881 em Pernambuco

Anexo

LEIS E DECRETOS ELEITORAIS

INCOMPATIBILIDADES(INELEGIBILIDADES)

PRAZO(Para se

incompatibilizar com o cargo)

Lei de 1846 Nenhuma. Valiam as inelegibilidades previstas na Constituição, ou seja, não podiam se candidatar a membro do Conselho Geral da Província os Presidentes de Província, o seu secretário e o Comandante de Armas.

Não especificado

Lei dos Círculos (1855)

Para deputado geral, provincial e senadores nos colégios eleitorais dos distritos onde exercem jurisdição:Comandantes de Armas e Generais em Chefe, Inspetores de Fazenda Geral e Provincial, Chefes de Polícia, Delegados e subdelegados, Juízes de Direito e Municipais.

Não especificado na Lei

Lei dos Círculos (1875)

Para deputado provincial, geral e senadores nos Colégios Eleitorais dos distritos onde exercem jurisdição:Os Juízes de Órfãos, e os substitutos destes.

6 meses antes da eleição

Lei do Terço (1875) Para deputado geral:Os bispos, nas suas diocesesPara Deputados provinciais, gerais e senadores nas províncias que exercerem jurisdição:Os Vigários Capitulares, Governadores de Bispados, Vigários Gerais e Provedores, chefes de estações navais, capitães de porto, comandantes militares do Corpo de Polícia, os Procuradores Fiscais ou dos Feitos, e os Inspetores das Alfândegas, Os juízes de Direito, Municipais de Órfãos e Substitutos, os Desembargadores, os Promotores Públicos, e os Curadores Gerais de Órfãos, os Inspetores ou Diretores Gerais da Instrução PúblicaPara deputado geral, provincial e senador:Os empresários, diretores, contratadores, arrematantes ou interessados na arrematação de rendimentos, obras ou fornecimentos públicos na província onde tenha negócio.

6 meses antes da eleição

6 meses antes da eleição secundária

Enquanto durar o seu contrato

Lei Saraiva (1881) Para senador, deputado geral e provincial:Em todo o Império:

Lei Saraiva (1881)

Page 66: A Lei Saraiva e as eleições de 1881 em Pernambuco

Os diretores gerais do tesouro nacional e os diretores das secretarias de Estado;Na Corte e nas províncias em que exercerem autoridade ou jurisdição:Os inspetores ou diretores de arsenais;os Inspetores de corpos do exército; os secretários de polícia da Corte e das províncias; os Inspetores de tesouraria da fazenda, gerais ou provinciais, e os chefes de outras repartições de arrecadação;o diretor geral e os administradores dos correios, os lentes e diretores de faculdades ou outros estabelecimentos de instrução superior; os desembargadores de relações eclesiásticas; os ajudantes dos procuradores fiscais e dos feitos da fazenda.

Fonte: SOUZA, Francisco Belizário de. O Sistema Eleitoral no Império. Brasília, Senado Federal, 1979 e a Constituição

de 1824.