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A Lenda de Scarborough – Franciele Macedo
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A Lenda de Scarborough
Autora: Franciele Macedo
Prólogo
Lenda ou história real não se sabe. A verdade é que durante a Idade
Média, quando poderosos senhores feudais enriqueciam à custa de pobres
servos e camponeses que lavravam suas terras, um grupo servil resolveu se
rebelar e buscar outros horizontes.
Sua resistência ganhou força quando, um jovem náufrago, sem
identidade e ignorando completamente seu passado, se juntou a eles
ajudando-os a vencerem barreiras na luta contra o Xerife e o senhor feudal.
Com a coragem de guerreiros e a honra de heróis foram dispostos a arriscar
suas próprias vidas pelo que acreditavam.
Em meio a essas lutas, surgiu uma paixão entre Lhya e Bryan, tão forte
como a tempestade que o trouxe.
Antes que Bryan e Lhya sejam esquecidos e a história não passe de
uma lenda, eis exposta ante seus olhos a emocionante aventura desses heróis.
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Capítulo I –A Inglaterra Medieval
O período da história mais cheio de mitos e lendas, sem dúvida, é a
Idade média. Talvez os castelos sombrios e as batalhas que frequentemente
aconteciam estimulassem a imaginação popular. A verdade é que suas crenças
iam desde dragões que soltavam chamas pela boca até bruxas com magias
terríveis.
Não quero desacreditá-los aqui. Quem sou eu para julgar suas crenças?
Provavelmente se eu vivesse naquela época também teria visto dragões
voando no céu.
A história que eu vou contar se passa na Inglaterra do século XII, num
momento em que o país vivia profundas transformações. Povos saxões e
Normandos dividiam o mesmo território e a atmosfera era carregada de tensão.
Embora os saxões não tivessem sido escravizados, era difícil saber que outro
povo governava o território que eles haviam conquistado primeiro.
No governo de Henrique II, o reino pareceu alcançar um patamar mais
seguro. O Rei governava o país com pulsos firmes. Contudo as diferenças
sociais que em todas as épocas existiram, não se fizeram exceção. A nobreza
formada pelos cavaleiros que serviam ao rei era a classe privilegiada. O Clero
também tinha uma posição bastante vantajosa, uma vez que a palavra da
Igreja era lei na era medieval. E claro, havia a classe menos favorecida, que
trabalhava nas propriedades dos nobres.
Na região de Yorkshire, sob os domínios de um poderoso senhor feudal,
um jovem casal encontrou abrigo e uma oportunidade de ganhar o pão de cada
dia. Em 1172 nasceu sua primeira filha - Lhya.
Cercada pelos muros dos castelos a criança cresceu, envolta pelas
histórias dos trovadores, pelo choro dos miseráveis, mas também pelo amor de
seus pais. A família teve ainda mais três filhos: Ruan, John e Sarah.
A semelhança do povo europeu, Lhya tinha a pele alva, rosto formoso
iluminado por belos olhos azuis, tão doces e profundos como o mar. Seus
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cabelos longos e lisos desciam até a cintura, extremamente pretos como o
manto da noite. Não havia em toda cidade uma criatura mais bela e meiga que
a filha daquele humilde camponês.
Lhya morava numa pequena choupana coberta por palhas, semelhante
às dos outros camponeses que ali viviam. Tinha duas amigas inseparáveis
Anna e Raquel. O tempo que tinha disponível ajudava a mãe nos afazeres
domésticos, aprendia a fiar tecidos ou fazer broches, mas o que mais apreciava
era cuidar do pequeno rebanho.
Ela já tinha então dezesseis anos. O filho mais velho do senhor feudal e
herdeiro do feudo, Willian, gostava de cavalgar pela propriedade. Certa tarde,
quando ela trazia as ovelhas para casa, ele a avistou, e por muito tempo a
observou. Tornou-se um hábito, todas as tardes ele cavalgava para observar a
moça, mesmo que distante, até que um dia resolveu falar com seu pai – o
poderoso senhor feudal Richard -para pedi - lá em casamento.
A princípio, seu pai foi totalmente contra, alegando que ela era uma simples
aldeã e que não queria nem pensar em ver ele ao menos conversando com
ela. De gênio ruim e insolente tanto quanto o pai, Willian passou sobre as
ordens paternas e decidiu falar com a garota. Sua paixão falava mais alto que
seu orgulho.
Em sua pobre choupana Lhya desconhecia esses sentimentos. Vários eram
os pretendentes, mas ela parecia não querer nada com eles. Tinha a certeza
em seu coração, que um dia encontraria alguém que mesmo sem conhecer já
amava e que mesmo sem ver já sabia que o coração lhe pertencia. Afinal, era
uma jovem sonhadora como tantas outras.
Numa tarde, em que Lhya voltava com seu rebanho, Willian interceptou-
lhe o caminho:
-Quer que a ajude a guardar o rebanho?
-Obrigada Senhor, -disse timidamente – mas todos os dias, eu o guardo
sozinha.
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-Uma jovem tão bela não deveria trabalhar assim. Deveria viver num
belo castelo, cercada de senhoras para a servirem.
-Com todo respeito Senhor, não me imagino servida por outras
pessoas. Acho importante que as pessoas vivam com o trabalho das próprias
mãos, sem explorarem os outros.
Willian não era muito inteligente, mas era impossível não perceber o
significado oculto que aquelas palavras tinham. Ele ficou indignado.
- Por acaso você acha que meu pai é um explorador? Creio que vocês
lhe devem muito por tudo que ele fez. Aliás, você pode ser bonita, mas tem
uma inteligência bem limitada. Bem se vê! Pobre como é, pensa como os
pobres... Sabe, devia ter escutado meu pai. Não sei onde estava com a cabeça
quando pensei em pedi - lá em casamento! Passar bem senhorita e cuide bem
do rebanho.
Sem dizer mais nada Willian chicoteou seu cavado e saiu a galope. Lhya
tratou de chegar em casa e guardar o rebanho o quanto antes, mas prometeu
a si mesma que não diria nada a família. Seu pai já tinha muitas
preocupações.
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Capítulo 2 –A revolta dos steve
Milhares de estrelas reluziam no céu naquela noite de verão. Após o
longo dia de trabalho a família de Lhya sempre se reunia em torno de uma
fogueira para conversar.
Quando os irmãos mais novos, John e Sarah foram deitar, os pais de
Lhya, chamaram Ruan e ela para perto, a fim de conversarem sem serem
ouvidos, por quem quer que fosse que pudesse estar espionando-os.
As coisas não estavam fáceis. Cada vez mais os trabalhos na
propriedade estavam forçados. Eles viviam quase que em escravidão. Aquela
situação não era justa. O que recebiam mal dava para comer, sem falar que o
senhor feudal cada vez enriquecia mais. À medida que o tempo passava o
senhor Richard estava se tornando mais e mais avarento. A estupidez e a
maldade cresciam em seu coração.
-Meus filhos, - começou Henry com uma voz firme – a vida que vivemos
não tem sido a que sonhei para nossa família. Somos pobres, mas temos
direito a uma vida digna. Temos direito de sonharmos e mudarmos nossa
situação. Durante muito tempo trabalhei para dar o melhor que pude a vocês.
No entanto, cada dia que passa, sinto que estou velho e condenando vocês. O
futuro de vocês será semelhante ao meu e isso não é justo.
Ruan quis falar, mas Henry fez sinal com as mãos que ia continuar.
-Estive conversando com os nossos vizinhos. Nós estamos pensando
em fugir daqui. Qualquer lugar é melhor do que este. A dívida com o senhor
feudal aumenta a cada ano. Quando Willian herdar o feudo não vai ser
diferente... Talvez seja até pior.
Lhya quebrou o silêncio que se seguiu.
-Mas para onde iremos meu pai?
-Estamos pensando em seguir para o litoral. Arthur já morou em
Scarborough e garante que conseguiremos sobreviver ali. A região
montanhosa vai favorecer nosso esconderijo. Ele mesmo vai nos guiar, pois
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conhece bem o caminho. Já falamos com alguns camponeses e juntos
decidimos partir. Só faltava combinar com nossas famílias.
- Pai! Essa ideia é a melhor coisa que já ouvi em toda minha vida – disse
sorrindo o doce e aventureiro Ruan -Quando partimos?
-Será amanhã à noite, quando todos estiverem dormindo. Mas por favor,
mantenham segredo. Não podemos ser descobertos.
Os últimos acontecimentos eram demais para alguém ter um sono
tranquilo naquela noite. No dia seguinte, discretamente, os preparativos foram
sendo feitos. Olhos brilhantes e cheios de esperança traduziam o desejo
daqueles que queriam ser livres. Trabalhar no feudo havia sido bom, mas isso
foi há muito tempo, agora os pobres camponeses não passavam de degraus
para os senhores chegarem ao topo de suas riquezas, aumentando as
desigualdades entre pobres e ricos espantosamente.
Lhya deu um jeito de ficar escondida nas pastagens e não trouxe as
ovelhas para o curral. Graças ao porteiro a ponte levadiça do castelo ficou
abaixada. Foi incrível ver cerca de cinqüenta pessoas abandonarem o castelo
no meio da noite, em busca da realização de seus sonhos. Quando o dia
amanheceu, eles já haviam percorrido metade do caminho, por estradas
estreitas em meio às florestas.
Enquanto isso em seu castelo, o senhor feudal descobria que seus
melhores camponeses haviam fugido do castelo sem acertarem suas dívidas.
Levando animais e coisas que segundo ele lhe pertencia. Organizou
imediatamente sua guarda e foi procurar o xerife para fazer rondas nas
redondezas e descobrir onde estavam os fugitivos. Eles não deveriam estar
longe.
Mas, a verdade é que ninguém sabia do paradeiro dos camponeses.
-Revirem tudo – disse Richard – e quando encontrá-los, traga-os aqui.
Terei uma boa punição para servir de exemplo a todo servo que se atrever a
ser rebelde.
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Willian, que estava ao seu lado, recordou que não tinha visto Lhya voltar
com o rebanho na tarde anterior. Onde será que estaria ela?
O dia já estava no fim quando os ex-servos alcançaram o litoral. Não se
aproximaram de Scarborough para não chamar a atenção. Havia um trecho de
floresta, bem próximo ao mar, no qual poderiam viver sem serem incomodados.
Não ia ser fácil. De lavradores passariam a exercer uma nova profissão. Só
poderiam sobreviver da caça ou da pesca.
Mas não tinha problema. Eles já haviam chegado até ali. Dificilmente o
senhor feudal conseguiria encontrá-los. Era melhor deixar as preocupações de
lado e se concentrarem em construir seu novo lar.
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Capítulo 3 – Resgate na Tempestade
Enquanto os ex-patrões só respiravam maldades, os camponeses
respiravam liberdade. Juntos eles construíram a aldeia que seria seu novo lar.
Seis choupanas de palha para habitação e alguns cercados para guardar os
animais durante a noite.
Os homens acordavam bem cedo para conseguir bons peixes e depois
vendê-los em Scarborough. As mulheres cuidavam do preparo da alimentação
e da fiação das vestes, pois o outono já se fazia presente. Precisavam estar
preparados para enfrentar as baixas temperaturas. Quanto aos mais jovens
ficaram responsáveis por cuidar dos animais e levá-los para as pastagens. Nos
momentos vagos eles praticavam um hobby que poderia salvar suas vidas, em
caso de perigo – arco e flecha.
Ao invés dos vestidos longos, Lhya adotou um visual mais despojado.
Encurtou um pouco mais seus vestidos, usava botas e cabelos livremente
soltos. Parecia então mais bonita do que antes. Fazia braceletes e adornos
com materiais naturais que estavam em toda parte dos bosques e da beira
mar.
Ela estava feliz, pois amava a natureza: o verde dos bosques, o canto dos
pássaros, as flores e os animais que pastoreava. Num fim de tarde, não tinha
nada mais agradável do que ficar no alto da colina, avistando o sol se pôr,
enquanto ouvia o barulho das ondas que vinham de encontro ao rochedo.
Um mês se passou. Os guardas do xerife não haviam desistido das
buscas, mas não tinham a mínima ideia de onde poderiam encontrar os
fugitivos.
A tarde já findava. O céu nublado e o mar agitado revelavam que uma
tempestade estava próxima. Lhya pegou seu pequeno rebanho e o levou para
casa. No entanto, quando já fechava a pequena porteira notou que uma de
suas ovelhas não estava ali. Talvez estivesse perdida na colina e se descesse
para o lado do mar poderia se machucar nas pedras. Com arco e flechas na
mão partiu em busca da pequena ovelha.
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A tempestade estava cada vez mais próxima. O vento, trovões e
relâmpagos estavam mais fortes e o céu escurecia rapidamente. Já estava
desistindo de procurar quando viu na beira mar, as ondas atirarem pedaços de
madeira e destroços de algo. Pelo que viu imaginou que fosse um navio.
Cautelosamente se aproximou um pouco mais. Foi quando uma onda forte
atirou quase que aos seus pés um jovem totalmente desacordado. Verificando
melhor percebeu que ainda estava vivo. Mas a tempestade já estava
começando. Não dava tempo de levá-lo para a aldeia.
Lhya arrastou o desconhecido para uma das grutas esculpidas nas rochas,
que os amigos e ela haviam descoberto. Eles deixaram algumas provisões de
lenha e alimentos e ela não teria problemas em passar a noite ali, caso
necessário.
Cuidou do desconhecido que passou a noite com em delírios devido a
febre que o acometera.
A chuva não deu trégua. E era inútil sair com aquele tempo de seu
abrigo. Os pais de Lhya deviam estar preocupados, mas não tinha como avisá-
los. Já era madrugada quando conseguiu adormecer. O jovem agora dormia
mais tranquilo.
Quando amanheceu a chuva já tinha passado. Lhya observou o
desconhecido em seu sono. O semblante dele agora estava mais sereno. Sua
pele era alva como as areias da beira mar e os seus cabelos loiros eram
levemente encaracolados. Inesperadamente aqueles olhos azuis, da cor do céu
se abriram e a fitaram com surpresa. Ele disse algo, mas ela não
compreendeu.
_ Você está em Scarborough, Yorkshire, sul da Inglaterra. – disse ela.
_ Inglaterra?! -disse ele agora em Inglês -Eu não consigo me lembrar de
nada. Como vim parar aqui?
-Ontem ao anoitecer, teve uma forte tempestade. Por um acaso, eu estava
na beira da praia. Creio que você estava em um navio que naufragou. As
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ondas te jogaram aqui. Como a chuva estava forte, não pude levá-lo para
minha aldeia. Mas quem é você?
_ Isso eu também não me lembro.
_Não se preocupe. Vou levá-lo para a casa de meus pais. Chamo-me Lhya.
Será que você aguenta andar?
_ Sim, já estou melhor. - disse ele tentando se sentar - Creio que lhe devo á
vida. Muito obrigado Lhya, por tudo que fez por mim. – Agradeceu com um belo
sorriso.
Lhya precisou apoiar o jovem para que ele conseguisse ficar em pé.
Ele ainda estava muito fraco para andar e a febre parecia estar voltando.
-Desculpe-me perguntar – disse ele, enquanto saiam do abrigo – você é
uma guerreira, para estar com este arco nas costas?
- Oh, Não! - disse ela sorrindo - É uma longa história. Faz pouco tempo
que estamos morando nessa região. Depois eu lhe conto. Acho que sua
cabeça ainda está doendo, para ouvir isso.
Eles estavam entrando na trilha do bosque, quando viram cavalos, vindo
a todo galope. Eram os homens da aldeia que vinham à procura de Lhya.
-Não se preocupe- disse Lhya para o rapaz, quando este pareceu se
assustar. – São amigos.
-Onde você esteve? – perguntou Henry olhando para o desconhecido e
em seguida Lhya. Sua mão já segurando na espada que sempre trazia na
cintura, enquanto os outros formavam um círculo em torno de ambos.
-Eu estou bem. –respondeu Lhya - A tempestade não permitiu que eu
fosse embora para aldeia. Ontem, enquanto eu procurava uma ovelha que se
perdeu do rebanho, encontrei esse moço desacordado na praia. Parece que
ele é o único sobrevivente de um naufrágio. Eu o levei para o abrigo nas
rochas, já que com a chuva não conseguiria chegar até em casa.
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Os homens ouviram atentos a sua explicação, mas continuavam encarando
o desconhecido com desconfiança.
-É verdade... - disse o rapaz, com a voz ainda fraca - Ela salvou a minha
vida.
-E quem é você? – quis saber Henry.
-Me desculpe – respondeu o desconhecido - mas perdi a memória e não
me lembro de nada.
- Está bem. Graças a Deus vocês estão bem. Sou Henry pai de Lhya. Seja
bem vindo à nossa simples aldeia. -falou o pai de Lhya, com a voz um pouco
mais calorosa -Parece que você está precisando de cuidados. Vamos!
- Obrigado!-Agradeceu o jovem gentilmente.
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Capítulo 4 – O naúfrago
O dia estava belo, céu azul, mas muito frio também. Henry acolheu o rapaz
com o máximo de hospitalidade que a sua choupana podia oferecer. Sua
esposa preparou um alimento e após fazer um chá com algumas ervas
recomendou repouso ao jovem. Este não recusou. Sua cabeça ainda doía e
ele mal conseguia ficar em pé sozinho. Parecia que o mundo girava. Além
disso, havia aquela sensação de vazio, por mais que forçasse suas
lembranças, não havia nada.
A única coisa que conseguia acalmar um pouco seu espírito era a bela
jovem que velava ao lado de sua cabeceira, colocando compressas em sua
cabeça a fim de que a febre o deixasse. E foi olhando para aquele rosto que o
moço adormeceu.
Lhya deixou que ele descansasse e foi para fora, onde toda a aldeia
estava reunida. A presença do desconhecido havia causado grande tumulto.
Todos queriam levantar hipóteses sobre quem ele era.
-Eu aposto que ele é um escravo – dizia Arthur – Aquelas roupas são
estranhas. Nenhum nobre usaria aquilo.
- Nós demos uma volta na praia –contou Ruan - e não encontramos mais
ninguém. Vimos alguns destroços do navio, mas nada que pudesse nos
informar de onde ele veio.
-O jeito dele falar é diferente – afirmou Henry
-Agora me lembro – disse Lhya, entrando na conversa – As primeiras
palavras dele eu não entendi, como se fossem de outra língua.
-É, isto é um mistério, espero que ele se recorde quem é. E a ovelhinha
você a encontrou, Lhya? – quis saber Athur.
-É verdade com essa história até me esqueci dela. Mas não a encontrei,
deve ter caído em algum lugar.
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-Não, Não! –interveio Raquel, que chegava naquele momento - Nós a
encontramos antes da tempestade. Ela estava junto com o rebanho do Frank.
E estava mancado, venha ver. Mas nós já cuidamos dela.
Agradecendo silenciosamente por sair daquela roda de discussões, Lhya
acompanhou a amiga até o cercado onde a ovelhinha se encontrava. Raquel a
conhecia muito bem para saber quando ela queria ficar em silêncio, então não
fez perguntas.
Lhya examinou a ovelha em silêncio e tomou-a no colo, enquanto passava
remédio em suas feridas. Com certeza ela logo ficaria boa. Mas e quanto ao
desconhecido que estava entregue aos devaneios dos sonhos... O que seria da
vida dele?
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Capítulo 5 – o navio Estrangeiro
Muito a contragosto Lhya reuniu o rebanho e levou-o até as pastagens. Seu
desejo era continuar ao lado do desconhecido velando por seu sono.
Ela ficou horas sentada junto a colina, tocando sua flauta, enquanto
observava as ovelhas.
-Você toca muito Bem! –exclamou uma voz a sobressaltando.
-O que faz aqui? ¬ perguntou ela ao ver o jovem sobrevivente se
aproximando.
-Seu pai não colocou nenhuma restrição quanto a caminhar pela aldeia.
-Não é isso. - disse ela com um sorriso – Quero dizer, você não deveria
estar repousando?
-Eu já estou melhor. Se continuasse deitado mais um pouco, teria
enlouquecido de tanto sonhar. –disse ele enquanto se sentava na relva ao lado
de Lhya.
-E você conseguiu lembrar-se de alguma coisa?
-Infelizmente não. As imagens são muito confusas. Eu não lembro nem do
meu nome. –disse ele com uma voz triste.
-Por isso não. Nós encontraremos um nome para você!- falou Lhya tentando
descontrair a situação.
- Eu já pensei em alguns –disse ele recuperando o senso de humor -Garoto
perdido, Aparecido, náufrago... Qual você escolhe?
-Desculpe-me, mas nenhum combina com você. Eu tenho uma opção. Eu
já ouvi uma história sobre um moço que sobreviveu a um naufrágio...
-E eu aposto que ele também perdeu a memória. – interrompeu o jovem.
-Ei, isso está virando obsessão!
-Ah, Lhya! Você não sabe o que é se esquecer de tudo!
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-Tudo bem. Você acertou. Ele também perdeu a memória.
-Então antes que você se esqueça, como era o nome do tal moço?
- Ele se chamava Bryan! Posso te chamar de Bryan?
-Só se ele recobrou a memória no final da história.
-Isso eu não me lembro!
-Está bem. Estou vendo que você também já está com a memória fraca.
Pode me chamar de Bryan. Pelo menos agora eu tenho um nome. Prazer em
conhecê-la senhorita Lhya, sou Bryan! –disse ele fazendo uma reverência.
Lhya riu de seu gesto, mas de repente ficou paralisada.
-Por favor, se esconda. Rápido! –disse enquanto tomava as mãos de
Bryan e rolava para trás de uma pedra que os protegeria.
-Do que estamos fugindo? –perguntou ele assustado, olhando para todos
os lados e não vendo nenhum perigo iminente.
-No mar. – disse Lhya apontando o minúsculo objeto que ia aumentando
de tamanho à medida que se aproximava da praia.
-Estamos em uma região à beira mar. –Falou Bryan – Não é comum
navios passarem por aqui?
-Eles atracam diretamente em Scarborough. Desde que estamos aqui,
nunca vimos um barco atracar nessa margem. Mas esse está vindo
diretamente para cá.
Eles observaram o navio que se aproximava da região onde alguns
homens da aldeia lavavam as redes de pesca.
Havia uma bandeira bem visível na embarcação. Ela tinha dois pássaros
desenhados no centro. As asas da ave se abriam amplas, sendo formadas por
minúsculos brasões. E sobre os pássaros havia um crucifixo.
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Com uma pequena bandeira branca, os navegantes atracaram em terra
firme. Depois se aproximaram dos pescadores e após alguns minutos de
conversa, eles se despediram, tão rápido quanto haviam chegado.
Os pescadores recolheram seus pertences e também se afastaram.
-Precisamos saber o que aconteceu – disse Lhya, já ficando em pé.
Bryan e Lhya chegaram à aldeia ao mesmo tempo que os pescadores.
Esses olharam para Bryan com desconfiança e mantiveram as expressões
lívidas, enquanto Henry se aproximava para saber o que tinha ocorrido.
-O que aconteceu?
-Uma embarcação estrangeira atracou aqui. Não sabemos de onde eram,
mas estavam à procura de sobreviventes de um naufrágio. -Disse um dos
pescadores, cujo nome era Frank.
Lhya olhou para Bryan alarmada. Seu pai fez a pergunta que ela não
conseguiu fazer.
-E o que vocês disseram?
-Que não tínhamos visto nada. –respondeu olhando para Bryan – Espero
que não se zangue conosco. Mas como você perdeu a memória, não podíamos
entregá-lo a eles. Podiam ser seus amigos, mas também podiam ser seus
inimigos.
-Entendo perfeitamente. –respondeu Bryan – E agradeço por isso. Vocês
agiram corretamente.
-Só tem um problema. – disse Ruan, que também estava com os
pescadores. – Alguns guardas do xerife estavam com a tripulação. Se eles nos
reconheceram, estamos em grave perigo.
Henry deu suspiro profundo. Quanto a isso não havia nada que pudessem
fazer. Apenas rezar muito, para que não fossem descobertos.
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Capítulo 6 –Mais rebeldes
Henry escolheu alguns jovens para ficarem de vigia nos pontos mais elevados
e avisá-lo urgentemente, caso alguém se aproximasse. Também preparou
esconderijos onde poderiam se esconder, caso fosse necessário.
Dois dias depois, quando a tarde já caía, um dos jovens avistou um
grupo que se aproximava da aldeia, por dentro da floresta. Ele assoviou como
combinara com Henry, que não tardou a chegar ao local.
-Veja! –disse o rapaz – Há um grupo de pessoas se aproximando, mas não
parecem soldados. Pelo contrário, estão desarmados, como se fossem apenas
camponeses.
-Parecem mulheres e crianças –disse Ruan, que seguira o pai. - E aquele
homem, que vem à frente, não me é estranho.
-Pode ser uma armadilha. – disse Henry. – Aguarde aqui, enquanto vou
falar com eles.
Para surpresa de todos, os recém-chegados eram um grupo de
camponeses fugitivos do castelo do senhor feudal. Vinham quase morrendo de
frio. Henry os acolheu na aldeia.
Após se agasalharem e se aquecerem um pouco, eles começaram a
relatar o que havia acontecido.
- Diga-nos - disse Henry apreensivo, como todos ao redor – Como vocês
nos descobriram aqui?
-Assim que vocês fugiram a guarda do xerife e os soldados de York os
procuraram em todos os lugares, mas não conseguiram localizá-los. Foi então
que uma embarcação do Sacro Império Romano Germânico naufragou próxima
daqui – disse um dos camponeses, cujo nome era Robert. – Alguns guardas do
xerife, juntamente com nova tripulação do Sacro Império, refizeram o percurso,
costeando a Inglaterra, à procura de sobreviventes ou destroços do navio. Eles
afirmaram ter visto um bando estranho de pescadores. A guarda do xerife
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deduziu que poderiam ser vocês, pelas descrições. Felizmente, o rei Henrique
II precisou de soldados para conter alguns inimigos que querem derrubá-lo do
trono. E com a guarda reduzida, Richard e o xerife não puderam procurá-los.
-Mas assim que eles voltarem, com certeza irão atacar. – acrescentou
outro camponês – Não se fala em outra coisa no castelo.
-Se vocês sabem que vamos ser atacados, por que vieram se juntar a
nós?– quis saber Arthur.
-Porque sabemos, que depois de tudo o que fizeram, vocês irão resistir e
lutar pela liberdade que conquistaram. Pois, se forem presos só restará a forca
ou a escravidão. Não temos medo de lutar, preferíamos qualquer coisa a
continuar naquele lugar.
-Não somos um exército para enfrentar os soldados do xerife... Seremos
massacrados-disse Frank.
-E nossos filhos pequenos?... E nossas mulheres?-perguntaram outros
homens da aldeia, que ficaram assustados com as informações.
_ Quando saímos da aldeia sabíamos que corríamos esse risco. Vamos
pensar juntos, pode ter uma saída. –disse Henry
-Creio que temos uma saída – disse Bryan – O culpado por vocês terem
sido descobertos fui eu. Mas podemos combatê-los.
-E qual é sua ideia? Quer que enfrentemos soldados fortemente armados?!
–perguntou Arthur.
-Acho que ele pensa que é Robin Hood. –disse Frank.
-Calma! –falou Bryan com a voz firme- Vocês não percebem que temos
grandes vantagens. De um lado estamos circundados pelo mar e por
montanhas que favorecerão nossos esconderijos, e do outro há a floresta onde
poderemos montar armadilhas.
-Mas não somos soldados... – retorquiu um homem do grupo.
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-Embora não lembro meu passado, sei que luto muito bem. Se vocês
permitirem, poderemos treinar e nos preparar para enfrentar os inimigos.
Resistir podia significar morrer. Não lutar seria retornar a escravidão ou a
morte. No fundo, eles sabiam que não tinham outra opção. Todos decidiram
lutar.
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Capítulo 7 -Refém
Bryan era um excelente lutador, além de ter perfeita pontaria com arco e
flecha. Apesar de a pequena aldeia ter sido descoberta por sua causa,
ninguém ficou com raiva dele. Conquistou a amizade de todos. A determinação
e otimismo que ele demonstrava, dava esperança a eles, que se sentiam
gratos por ter surgido alguém, como que enviado do céu, para liderá-los e
ajudá-los a conquistar sua liberdade.
Bryan conheceu melhor a história daquele povo tão acolhedor e ao longo
do tempo foi lhes ensinando tudo que sabia. Parecia até que já era um deles.
Nem se lembravam que o seu passado era um mistério.
_Creio que você era um nobre - disse Henry certa noite, em que eles se
aqueciam ao redor da fogueira.
_ Quem sabe? Talvez eu fosse um cavaleiro, como também poderia ser
um pobre servo do navio - disse Bryan sorrindo em tom de brincadeira.
-Não! –tornou Henry, sério - um servo não saberia lutar como você luta!
À medida que treinavam, o medo ia desaparecendo. Os homens já
estavam mais confiantes de que poderiam vencer o tirano senhor feudal e o
xerife. Só uma pessoa não parecia muito feliz com a ideia. – Lhya.
Ela temia pela vida das pessoas que amava. E se alguém se ferisse? Ou
pior, se alguém morresse?
Embora Bryan lhe pedisse para confiar nele, que não precisava temer, ela
sabia que não havia como ele garantir que tudo acabaria bem. Eles poderiam
dar o seu melhor, mas isso podia não ser o suficiente.
E havia sua relação com Bryan, que não era fácil de ser explicada. Ela
sabia que estava perdidamente apaixonada por ele. E uma parte dela se
alegrava, pois sabia que era um amor correspondido. Tudo o que ele podia
fazer para vê-la feliz, ele fazia. Mas uma voz no inconsciente de Lhya lhe
alertava. “Ele não sabe nada do próprio passado. E se tiver uma outra pessoa?
E se ele se recordar e quiser voltar para o lugar de onde veio?”
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Enquanto Lhya permanecia em sua indecisão, o tempo continuava a
passar. As folhas douradas caíram e o frio impiedoso do inverno visitou a
região. Os pescadores ouviram rumores em Scarborough de que o rei Henrique
II tinha saído vitorioso no combate. Restava aos aldeões, se prepararem.
A aldeia servia apenas de armadilha. Todos estavam abrigados em
saliências escondidas nas montanhas.
Foi numa manhã cheia de sol, que um dos espiões avistou numerosa
guarda.
-Não tenham medo - disse Bryan – Façamos como combinamos e
venceremos.
Cada um assumiu seu posto e realmente só as armadilhas derrubou
inúmeros soldados. E os arqueiros fizeram com que o restante fugisse
desistindo de um combate corpo a corpo.
Do lugar onde estava Bryan viu um dos soldados capturarem Ruan. Mais
do que depressa, partiu em seu encalço.
Assim que os perderam de vista, os aldeões foram correndo ao encontro
de suas famílias. Alguns estavam feridos, mas vivos (o que era importante), e
por isso se abraçaram felizes: pelo menos por um pouco de tempo a aldeia
estava salva. Apenas a voz entrecortada de angústia de Lhya foi capaz de
arrancá-los de seu êxtase de vitória:
-Onde está o Bryan?
Neste instante Ruan chegou correndo.
-Enquanto ele me salvava, ele foi capturado.
A Lenda de Scarborough – Franciele Macedo
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Capítulo 8 – O Passado de Bryan
Inesperadamente como chegara a aldeia, Bryan foi levado. Ficou
aprisionado no castelo do xerife, enquanto esperava para pessoalmente falar
com ele, aguardando sua condenação. Antes de ser enforcado, com certeza
seria interrogado a respeito da aldeia e da melhor forma de atacá-la. Mas,
mesmo que ele fosse torturado não diria nada.
Passos rápidos aproximaram-se da fria cela. Mas para sua surpresa e
surpresa geral de todos os soldados, o xerife se jogou de joelhos:
-Perdão Senhor! Mil vezes perdão! Meus guardas cometeram um grave
erro, mas peço-lhe, não tire minha vida. Misericórdia! – dizia o xerife quase aos
prantos. -Já vou providenciar que o soltem alteza e informar a sua família que
está vivo. Providenciarei também que se vista adequadamente.
E voltando se para os soldados:
-Vamos seus imbecis! Soltem-no e tratem de serví-lo. Como não viram
que era o Príncipe Jhonathan, o filho do Imperador do Sacro Império?! Por
sorte seus pais estão na Inglaterra, alteza. Com certeza logo estarão aqui.
Toda esta cena, Bryan assistiu apreensivo, quase que sem entender. Seu
mundo girava. Ele ...um príncipe?
Como se o nome Jhonathan fosse a chave do seu passado, ele começou a
lembrar-se de tudo o que acontecera em sua vida antes do naufrágio.
"Ele era filho do Imperador Frederico Barba Ruiva e da Imperatriz Beatriz
-os governantes do Sacro Império Romano Germânico. Crescera no palácio
cercado pelo amor de seus pais e irmãos. Ali teve os melhores estudos e
treinamentos para se tornar um imperador. Tinha partido para a Inglaterra para
resolver algumas questões do reino e tragicamente o navio que viajava
naufragou."
Os guardas do xerife o conduziram para aposentos ricamente ornados.
Perdido em seus pensamentos, Bryan, agora Jhonathan não percebeu a
chegada de seus pais.
A Lenda de Scarborough – Franciele Macedo
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-Filho você está bem? Graças a Deus, você está vivo! Já havíamos
perdido as esperanças. –disse sua mãe entre lágrimas, enquanto o abraçava.
-Meu Filho, meu herdeiro! –exclamou o pai também emocionado.
-Pai, o que vocês estão fazendo na Inglaterra? -perguntou Bryan
lembrando-se que o pai nunca deixava o reino, a não ser por questões de
batalha.
-Eu precisava ver com meus próprios olhos se os ingleses não o haviam
aprisionado. Estava pronto para mandar a velha Bretanha pelos ares. Mas,
como o príncipe Ricardo assegurou que ninguém sabia de seu paradeiro, tive
que aceitar os fatos. Mas graças a Deus eu te encontrei meu filho. Vamos dar
uma grande festa para celebrar seu retorno. O navio já está a sua espera.
Ainda hoje voltaremos para a Itália.
-Voltar para a Itália...? –questionou o jovem ainda muito confuso.
-Sim, meu filho. Não se lembra que tens um reino e que futuramente irás
governar? E uma noiva com a qual irás casar?
O mundo de Bryan girou mais uma vez.
-Sim. Tudo isso me lembro meu pai. Mas há uma coisa que ainda tenho
que resolver. Gostaria de falar em particular com o xerife.
-Como desejar filho.
Nesse momento entrou o príncipe Ricardo, que era amigo pessoal de
Bryan, ou Jhonathan.
-É bom vê-lo com vida, amigo! –disse enquanto o cumprimentava. -Minhas
sinceras desculpas, pelo que os soldados do xerife fizeram com você. E se
tiver algo ao meu alcance, é só pedir que eu farei.
Nesse momento chegou o xerife, se atrapalhando até para andar.
Bryan se dirigiu a Ricardo:
A Lenda de Scarborough – Franciele Macedo
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-De nenhuma forma você me insultou. Ao contrário, fui muito bem acolhido,
por pessoas que salvaram a minha vida. Gostaria que essas mesmas pessoas
tivessem direito a paz que procuram.
-Pode dar suas ordens ao xerife -disse Ricardo. -Seu pedido é justo.
-Xerife, agora a pouco você me pediu desculpas por haver insultado
alguém de sangue real. -falou Bryan -Creio que há um modo fácil de perdoá-lo.
Se o senhor deixar em paz aquela aldeia, estará perdoado.
-Sim, alteza! Vou fazer isso imediatamente.
E assim naquela mesma tarde, Bryan embarcava com destino a sua
pátria. Com o coração em pedaços, deixava alguém no alto das montanhas a
suspirar por ele. Só que uma parte de seu coração também ficava na
Inglaterra.
A Lenda de Scarborough – Franciele Macedo
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Capítulo 9 – Retorno ao Lar
Por vários dias, o pequeno navio cortou os mares. Foi numa manhã fria, que
ele atracou em terras italianas. O povo em festa aguardava a chegada da
família real. A felicidade era imensa por verem o príncipe vivo.
Apenas uma parte de Bryan estava feliz por recobrar a memória e estar
novamente em casa. As sombrias paredes do castelo pareciam sufocá-lo.
Tinha saudades da aldeia, da brisa das montanhas, de pastorear as ovelhas.
Aquela vida simples fora maravilhosa, mas havia mais, muita saudade de Lhya.
As lembranças da jovem pastora e guerreira o perseguiam constantemente.
Uma vez que ele retornou a Itália, seu casamento com Constança de
Altavila, (filha do rei da Sicília) foi marcado novamente.
Bryan só a tinha visto uma única vez. Seu casamento estava baseado em
questões políticas. Não havia amor. Porém ele devia pensar no bem do reino.
Mas, como casar com uma mulher, se o seu coração e os seus pensamentos
só estavam com outra?
Enquanto Bryan retornava a Itália, o xerife cumpriu sua promessa e
procurou a aldeia. Revelou a verdadeira identidade do príncipe e concedeu-
lhes o perdão e o direito de habitarem ali em paz.
Os aldeões quase não acreditavam no que ouviam. Estavam livres
graças àquele misterioso homem que quase morrera naufragado e que agora
revelava ser um grande príncipe.
-Mas diga-me, ele voltou para a Itália? - quis saber Henry, ainda
cismado, achando que o inimigo queria lhe pregar uma peça.
-Sim, ele teve que retornar rapidamente, pois sua família estava com
pressa. Lá ele deverá se casar com a filha de um rei de um reino vizinho de
quem já estava noivo antes de embarcar para cá. Porém antes de partir ele
pediu-me para agradecer por tudo que vocês fizeram e deixá-los em paz. Disse
também que jamais irá esquecê-los.
A Lenda de Scarborough – Franciele Macedo
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E sem mais palavras, o xerife partiu.
É difícil explicar a força de Lhya para não chorar na frente de todos, mas
quando ficou sozinha nas montanha, lágrimas salgadas como o mar e
profundamente doloridas verteram do mais profundo do seu coração. Chorou,
chorou que acabou dormindo. É inútil dizer que nos dias que se seguiram suas
lágrimas tornaram-se mais constantes. Sua tristeza tornou-se mais profunda e
sua alegria desapareceu. Passava horas a olhar para o mar na esperança que
num navio naufragado trouxesse seu príncipe encantado de volta. Jhonathan, o
príncipe iria se casar... mas, será que Bryan, o naúfrago a esquecerá?
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Capítulo 10 – Casamento real
Enquanto suspiros profundos vertiam da alma da pobre Lhya, Constança - a
princesa prometida de Jhonathan - era só alegria.
Todos no reino estavam felizes aguardando o dia tão esperado do casamento.
Tudo estava sendo preparado com o máximo de cuidado para a cerimônia. O
palácio reluzia em beleza. Contudo o príncipe Jhonathan se entregava à
caminhadas solitárias.
Havia nas proximidades do castelo um eremita com quem ele gostava
de conversar e se aconselhar e que durante a infância fora seu mestre. Já era
véspera de seu casamento quando resolveu procurá-lo para contar-lhe as
inquietudes de seu coração, ao que o eremita respondeu:
-Você e somente você poderá decidir seu caminho. Ouça a voz de seu
coração. Se será mais feliz com Constança como rei ou com Lhya como um
simples pastor.
_ Eu não consigo imaginar minha vida sem Lhya. Durante o tempo que
estive lá, aprendi que apesar de aqueles aldeões viverem com simplicidade,
eles são muito felizes. Não buscam riquezas apenas o necessário para o dia -
a - dia. Mas, por outro lado serei injusto com a Constança se a abandonar.
Com toda sabedoria de que era capaz o ancião o aproximou de um belo
canteiro de flores e disse-lhe:
-Nossa vida é como as flores. Somente são belas quando bem cuidadas.
Flores feias são resultado de descaso.
-Ah, mestre! Todos os dias o meu coração me diz a decisão que devo
tomar. Mas o que ele me pede para fazer, o meu povo consideraria uma
loucura. A Constança mal a vi. Eu não a conheço. Como poderei estar ao lado
dela com o pensamento voltado para aquela que salvou minha vida e no
momento mais difícil esteve ao meu lado?
-Não será apenas gratidão o que você sente por ela?
A Lenda de Scarborough – Franciele Macedo
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-Não, Não Mestre! É um sentimento mais nobre e profundo. É acordar a
cada manhã e ver que falta um pedaço de mim. É sentir o coração ardendo em
dor e não sei mais o que de tão inexplicável e sobrenatural... Mas se eu seguir
meu coração, estarei dando as costas para o meu povo. E isso eu não quero.
Foi para liderá-los que eu fui treinado.
-Não, Jhonathan! Você foi treinado para discernir o que é melhor para seu
povo, para ser um grande guerreiro. E só poderá ser um bom líder, se
conseguir resolver seus próprios conflitos.
-Meu pai reconhece que Lhya salvou minha vida, mas disse que se me
casar com uma aldeã, eu jamais serei seu herdeiro.
-Onde está o guerreiro forte que treinei? Onde está tua coragem
Jhonathan? Não direi o que deve fazer, apenas repito, siga o seu coração.
A tarde já caia. O sol se punha majestoso atrás das montanhas. Jhonathan
se despediu do ancião e agradeceu seu conselho.
Quando chegou ao palácio, já estava escuro. Ficou observando as estrelas
pontilhadas no céu. Sentia o coração angustiado. Aquela noite teria que se
decidir, não tinha mais tempo. Quando o sol despontasse pela manhã seu
destino tinha que estar traçado.
O dia amanheceu lindo. Céu muito azul completado por um sol
radiante. Os passarinhos cantavam no alto das árvores. Tudo despertava na
mais completa felicidade. A Itália se recobria das cores mais belas para
comemorar o casamento do filho do Imperador. Os criados a muito tempo já
estavam em pé arrumando os últimos detalhes para a festa. A noiva Constança
já estava enfeitada com as mais belas joias e com o vestido mais lindo que
uma princesa pode sonhar em possuir.
Na Catedral de Ravena, convidados elegantes começaram a chegar. Pouco
a pouco aquele lugar sagrado ficou repleto. Apenas quem ainda não fora visto,
fora o noivo. Os minutos foram passando e ninguém sabia do paradeiro do
jovem. Todos já começavam a ficar inquietos.
A Lenda de Scarborough – Franciele Macedo
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O mestre, com que o príncipe conversara na tarde anterior, entrou pelos
fundos da Catedral, sem fazer alarde. Caminhou diretamente até o aposento
onde a Princesa Constança estava e pediu que chamassem o imperador.
Desdobrou então um pequeno bilhete e começou a lê-lo:
"Princesa Constança,
Sei que hoje é um dia muito especial para você e não tenho o direito de
fazer isso. Perdoe-me se estou indo embora e deixando-a no altar, mas não
seria sincero com você e muito menos comigo. Estaria ao seu lado, mas meus
pensamentos estariam com outra pessoa. Jamais poderia fazê-la feliz e muito
menos sê-lo ao seu lado. Há muito tempo compreendi que as riquezas e os
palácios nada importam.
Meu pai, eu abro mão de todas as minhas riquezas, peço – lhe somente que
cuide de Constança. Poderá desposá-la com um de meus irmãos. Deixo minha
herança e tudo o que possuo a eles, assim como meu direito de sucessor seu
como Imperador. Desejo de coração, que sejam felizes como eu serei feliz.
Adeus.
Jhonathan”
Um grito de dor rompeu de Constança enquanto seu corpo caía por
terra. Não que ela amasse loucamente a Jhonathan, mas sonhara em ser feliz
ao lado dele. Aquela ferida levaria algum tempo para cicatrizar.
A Lenda de Scarborough – Franciele Macedo
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Epílogo
Quando soube que seu filho abdicara do trono, Frederico ficou totalmente
fora de si. O mestre de Bryan, com toda sua sabedoria, conseguiu acalmar a
família e fazer com que Constança se casasse com um dos outros filhos. Mas a
dor de ver seu filho se tornar um simples pastor foi um golpe profundo para o
coração do Imperador. Para ele, Jhonathan havia morrido. Sua memória seria
apagada da história real.
****************
Bryan não conseguiu dormir na véspera de seu casamento... Ainda era
de madrugada, quando ele se levantou sorrateiramente, pegou algumas coisas
e saiu do palácio. Selou seu cavalo e foi até a cabana do eremita, para o qual
contou sua decisão. Pediu apenas para que ele entregasse o bilhete ao seu pai
e a princesa Constança.
Faltava pouco para o dia amanhecer quando Bryan chegou ao cais.
Disfarçado como um homem qualquer ele tomou uma embarcação que estava
de partida para a Inglaterra. Naquele cais ficava seu passado, pois sua vida
não seria vida longe de Lhya. Ele tinha decidido: “Não sou Jhonathan, sou
Bryan”!
Por vários dias a pequena embarcação cruzou os mares até que num
entardecer ela ancorou em terras inglesas. Com seu cavalo que trouxera da
Itália, Bryan chegou rapidamente a Scarborough. Mais do que depressa
galopou em direção à pequena aldeia onde com certeza encontraria Lhya.
Lá estavam as montanhas verdejantes... Podia ver até as pequenas
ovelhas pastando ao longe. Aquilo tudo lhe pareceu tão familiar, mais do que o
seu regresso para a Itália, após o naufrágio.
Sua presença logo foi notada pelos garotos que brincavam:
-Um cavaleiro! Um cavaleiro! –disse um deles.
-Éo Bryan! –gritaram os outros garotos, como se estivesse chegando um
herói.
A Lenda de Scarborough – Franciele Macedo
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Os aldeões ao ouvirem tamanho alarido se aproximaram para ver o que
estava acontecendo. Ficaram surpresos com o retorno de Bryan, ou melhor,
príncipe do Sacro Império a quem eles deviam à liberdade. Apenas Lhya não
estava ali.
-Onde está a Lhya?- perguntou Bryan assim que tinha cumprimentado
todos.
-Está nas montanhas pastoreando as ovelhas. – Respondeu Henry.
No alto da colina, recostada a uma árvore ele viu Lhya, com olhos
perdidos no horizonte, olhando o mar, cercada pelo pequeno rebanho. Tão
linda, tão encantadora...
Silenciosamente ele se aproximou dela.
-Me disseram que cuida de feridos. Não estou passando bem. Será que
você poderia me ajudar?
Ela se virou surpresa. E custou a acreditar que Bryan estivesse
realmente ali.
-Só ajudo náufragos... – disse ela com lágrimas nos olhos.
-Então com certeza poderá me ajudar –falou Bryan se aproximando um
pouco mais -Creio que o meu coração naufragou aqui por perto e sem ele não
consigo viver.
Ela se atirou em seus braços enquanto lágrimas ardentes rolavam por
sua face. Palavras não eram necessárias. Seus lábios se encontraram num
beijo apaixonado, sem a sombra de um passado misterioso a separá-los.
E numa bela tarde, à beira mar, tendo ao fundo o mais belo pôr do sol,
Bryan e Lhya se casaram.
O reinado dele se concretizaria naquelas terras, Lhya seria sua rainha...
ainda que de um modo diferente do proposto pelos seus pais...O reino deles
seria o reino do amor, marcado pela paz em seus lares e na convivência
pacífica da pequena comunidade, que encontrará sua liberdade graças à sua
ajuda. Aquele, de agora em diante, seria seu povo.