A Lepidóptera - Escola Secundária Padre António Vieira, Lisboa Central
-
Upload
nissan-portugal -
Category
Documents
-
view
217 -
download
0
Transcript of A Lepidóptera - Escola Secundária Padre António Vieira, Lisboa Central
-
8/8/2019 A Lepidóptera - Escola Secundária Padre António Vieira, Lisboa Central
1/10
1
-
8/8/2019 A Lepidóptera - Escola Secundária Padre António Vieira, Lisboa Central
2/10
2
A Lepidóptera
Autora:Ana Patricía
Ilustradora:Sofia Telo
-
8/8/2019 A Lepidóptera - Escola Secundária Padre António Vieira, Lisboa Central
3/10
3
-
8/8/2019 A Lepidóptera - Escola Secundária Padre António Vieira, Lisboa Central
4/10
4
A Lepidóptera
Conto-vos, agora, a história de uma Joana - como das muitas que se v em
Coim!ra" #e ca!elo escuro e ressecado, so!revive em !airro no!re da cidade" $s negros
e longos fios, contrastam com l%!ios de ru!i !ruto e olhos de lante&oula verde' frios"
Para os lumes, ela dedica gal(es de l%grimas todas as noites, sem se dei)ar *ertencer
aos sonhos" $ cor*o, + o!&eto de re*dio daquela que o v ao es*elho: seio fraco, curvas
mal-aca!adas, *ernas finas, carne fl%cida e rugas que ultra*assam sete ou seis anos" Joana no tem tem*o *ara cuidar disso"
.uando ra*ariga, teve uma inf/ncia normal' se + que alguma no +" 0m *ai
*resente, uma me *aciente' filha nica de um nico amor" 1ram uma família feli2, sem
nada diferir das que vemos em comerciais de carro" 3ivia-se !em e em *a2 naquele lar,
at+ na altura em que as noites so mais longas" 45enina, no te vamos com*rar
refrigerante ho&e6 7 8 Joana ria-se, sentia falta dessas lem!ran9as !oas de discuss(es
ruins"
1m fase adolescente, no a*roveitou como os outros a vida que l% estava festas,namoros, idas ;s com*ras
-
8/8/2019 A Lepidóptera - Escola Secundária Padre António Vieira, Lisboa Central
5/10
5
Pedro, tal qual a flor que a la*ela tra2ia, era radiante, !elo e *ersistente" Acreditavano novo, no ousado' talve2 *or isso cursasse arquitetura" Seus interesses eram dos mais
diversos feitios" #urante toda a vida, modelou momentos com a *erce9o de um artista
nato" Para ele, a arte nascia no da humanidade, mas, sim,
a humanidade e)istia na arte" 45eu dia + uma tela
incorru*ta de 5onet" Ca!e a mim ser a *aleta, minha
história o *incel, meu futuro a tintura, e o destino, a mo
em aud%cia6 7"
=a senhorita nasceu, ento, uma *ai)o" Pai)oa*reci%vel, em!riagante' daquelas que nos tiram do cho,
mas no nos *artem os neurónios" 0m amor raro,
*re*arado *ara germinar nas melhores e *iores
con&unturas" 1m tem*o curto, esse cora9o des*ertou
outro sentimento, no to !om quanto os *rimeiros" 1ra a
inve&a"
Inicialmente uma inve&a saud%vel, foi crescendo e
tornando-se a2eda" Joana queria *oder ver o mundo comos olhos de Pedro, e dese&ava isso com tamanha for9a que mulher nenhures um dia
am!icionou" Sem )ito, fe2 em seu ventre um filho que *udesse a*a2iguar esse querer"
#e nada adiantou" $ menino era astuto e es!elto como o *ai, sim" 5as a co!i9a
era tanta e to dominante que Joana no su*ortou" 45elhor *ara mim + viver sem lu2'
que ter o interru*tor ; minha frente e no *oder acend-lo" 7 8 >amuriava a no to
&ovem senhorita, so2inha"
Amadureceu mais *artes, enri&eceu" Passados uns anos, a mulher no tinha tem*o*ara namoricos" Possuía filho, casa, carro e em*rego *ara manter" So2inha" 1m
momento algum faltou *ara com o tra!alho, enquanto o ra*a2inho no se *odia
vangloriar do mesmo" Carlos *assava seus dias com os avós, mais tarde, só com o av?"
1nquanto isso, Joana carregava reclama9(es, *rocessos, conferncias e mais
conferncias" Amava o mido e *or isso mesmo no queria que nada o faltasse 8 só
esqueceu do *ró*rio amor"
-
8/8/2019 A Lepidóptera - Escola Secundária Padre António Vieira, Lisboa Central
6/10
6
0m dia, chegou mais cedo do tra!alho" @avia *ensado na solu9o ideal e queriaformul%-la em casa, onde tinha sossego" A!riu a *orta e *ousou o casaco no ca!ide,
como de costume" Chegando ; co2inha, chamou *elo filho" Ansiava dar-lhe um a!ra9o
ao fim de um dia to *roveitoso" 4Carlos6 Anda c%6 7 o eco *ercorreu os corredores o
mais r%*ido *ossível, tinha muitas vo2es *ara res*onder *or aí, no *odia *erder
tem*o
-
8/8/2019 A Lepidóptera - Escola Secundária Padre António Vieira, Lisboa Central
7/10
7
lem!ran9as de tem*eros *icantes" Posteriormente, de refei9(es mudas, e mais tarde,ainda, de 4!ons dias7 e 4!oas noites7 secos e sem significado"
Nos dias chuvosos, ela se trancafiava no apartamento. A chuva recordava-lhe coisas más, pesadelos
de noites passadas. O som dos carros (que rasgavam o asfalto molhado) era estranhamente tenebroso, e
Joana, a fim de esquecê-lo, ligava a vitrola.
3elho, aca!ado, *artilhando da mesma e)austo daqueles l%!ios encarnados, o
toca-discos re*ercutia o mesmo >P arranhado dos eatles" 4Rubber Soul +, sem dvidas,
o melhor %l!um deles7 8 di2ia ela, sa!endo que no fundo sem*re *referiu Sgt. Pepper’s ,
mas queria ser diferente, e seu dia-a-dia &% era normal demais"
=a semana *assada, rece!eu uma liga9o do *ai, a di2er que tinha sa!ido que o
Pedro havia voltado de Bran9a e estava em >is!oa" #entro de seu *eito, *assou-se uma
euforia imensa6 Ao mesmo tem*o, dvidas e afli9(es"
$ *ai deu-lhe o nmero de telemóvel do homem" Joana ligou, temerosa, e *?de
escutar aquela mesma vo2 de anos atr%s a acariciar sua alma" 5arcaram de se encontrar
*ara almo9ar num restaurante indiano qualquer, trs dias de*ois"
=o dia com!inado, a senhora alegre rece!eu outra chamada: agora do chefe,
ran2in2a" =ela, ele di2ia que Joana devia a*resentar-se ;s DEh numa reunio
im*ortantíssima, e que falhas seriam inadmissíveis" =aquela circunst/ncia, mesmo
-
8/8/2019 A Lepidóptera - Escola Secundária Padre António Vieira, Lisboa Central
8/10
8
sentindo a im*ort/ncia do chamado, Joana *ela *rimeira ve2 em d+cadas sou!e*riori2ar o amor' e foi"
Ao chegar no sítio, avistou logo o Pedro" 1sse estava diferente, no tra2ia flor na
la*ela" Tra&ava rou*as mais largas que antes, *ara com*ortar o a!dómen que tam!+m
havia crescido" Tinha os ca!elos num tom grisalho, e as rugas tam!+m come9avam a
tomar conta de seu rosto" 1ntretanto, o sorriso continuava de mesma suavidade"
Cum*rimentaram-se com dois !ei&os e sentaram-se ; mesa sem maiores
cerimónias" Balaram so!re os momentos *assados &untos, riram, reclamaram dos
tra!alhos cansativos e dos chefes des*re2ados da +*oca de namoro" Am!os
a*roveitavam cada segundo daquela refei9o sem *reocu*arem-se com o que comiam'
o im*ortante ali eram os dois"
J% a a*ro)imarem-se da so!remesa, adentraram mais o assunto do *resente, e foi
aí que Joana *erce!eu que o mundo realmente no *ode ser um conto de fadas"
F Como vai a vida, afinalG Biquei a sa!er que estiveste em Bran9a, no
doutoramento6
F Pois estive" Bui *ara l% com a 5ariana h% cinco anos, antes do Brancisco nascer"
Aca!amos *or ter um filho francs6
-
8/8/2019 A Lepidóptera - Escola Secundária Padre António Vieira, Lisboa Central
9/10
9
Joana arqueou as so!rancelhas e engoliu o sumo em seco"
F $ que se *assaG 8 Perguntou Pedro, ao notar a rea9o estranha"
=ada de sua !oca saiu" =ada" 5as aos olhos de Joana, com*areceu um !rilho
triste"
F Joana, descul*e-me, acho que no te falei so!re a 5ariana" Conhecemo-nos
dois anos de*ois do falecimento do Carlos, e desde ento estamos &untos" =o imaginei
que tivesses criado e)*ectativas *ara ho&e, isto + só um almo9o" Bogo, at+ casada tu +s6
Perdoei-te, sim' mas *elos vistos continuas a mesma mulher de antes que no consegue*arar num homem só6
A mulher levantou-se, agradeceu a com*anhia, dei)ou o dinheiro na mesa, andou
com*ortada e calmamente at+ o carro, ligou o motor e saiu"
Ao mesmo tem*o em que ia *assando *or mais e mais ruas, sua viso tam!+m ia
ficando mais e mais turva, encharcada" Como uma tem*estade que tarda a cair, Joana
desfe2-se em *ranto e esgotou a mínima %gua que *oderia e)istir em seu cor*o" Ao
volante, no entanto, estava cada ve2 mais r%*ida, devastando a estrada como quemincinera uma mata"
$ dia era lindo, o c+u estava mais a2ul que nunca, o mar calmo" =ada, nem mesmo
as *essoas que *or ali caminhavam condi2iam com o estado de es*írito de Joana' nem
mesmo eu"
Isso irritava-a, aca!ava com sua sanidade *ouco a *ouco, e *ouco a *ouco eu
tam!+m me a*ro)imava de um tal fim" Bora de si, como &amais antes, Joana atravessou
um, dois, seis sinais vermelhos" 1 foi assim que, mais cedo ou mais tarde, !ei&ei o carro
dela e *ude conhec-la, enquanto aguardava a am!ul/ncia em seu colo" =aquelemomento, Joana teve tem*o de a&udar o *ró)imo, de olhar *ara mim' mas eu &% no
fitava ela"
Algumas ve2es acontecem coisas, e nós no temos o controlo so!re elas" $utras
ve2es temos, e no queríamos ter"
-
8/8/2019 A Lepidóptera - Escola Secundária Padre António Vieira, Lisboa Central
10/10
10
Joana + uma *essoa !oa"