A Lex mercatoria como fonte do direito do comércio internacional e a sua aplicação no Brasil

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Brasília a. 47 n. 186 abr./jun. 2010 171 Sumário Introdução. 1. Evolução histórica da lex mer- catoria. 2. A nova lex mercatoria. 3. Lex mercatoria e soberania estatal. Conclusão. Introdução Desde o tempo em que os homens rom- peram os limites impostos pelos oceanos e se lançaram aos mares com a finalidade de desbravar o desconhecido em busca de novos mercados, o comércio internacional vem-se desenvolvendo de forma cada vez mais intensa, encurtando as barreiras que separam os homens, quaisquer que sejam as suas naturezas (culturais, geográficas, etc). Com dinâmica visivelmente diferente da que caracteriza a atuação do Estado, o comércio internacional sempre se mante- ve à frente deste em matéria de mutação, atualização e adaptação, especialmente no que se refere ao processo evolutivo social. O vínculo circular que se estabelece entre comércio e comunicação apresenta-se como um dos maiores responsáveis pelos avan- ços obtidos pela raça humana, desde sua primeira experiência social. 1 Quanto mais desenvolvido o comércio, mais propícia se torna a comunicação. Quanto mais se desenvolve a comunica- ção, mais propício se torna o comércio. E 1 Sobre o assunto, conferir: Vidigal (2008). Erick Vidigal é Doutorando e Mestre em Direito das Relações Econômicas Internacionais pela PUC/SP. Professor do Centro Universitário de Brasília – UniCEUB. Erick Vidigal A Lex mercatoria como fonte do direito do comércio internacional e a sua aplicação no Brasil

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Erick Vidigal

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  • Braslia a. 47 n. 186 abr./jun. 2010 171

    SumrioIntroduo. 1. Evoluo histrica da lex mer-

    catoria. 2. A nova lex mercatoria. 3. Lex mercatoria e soberania estatal. Concluso.

    IntroduoDesde o tempo em que os homens rom-

    peram os limites impostos pelos oceanos e se lanaram aos mares com a finalidade de desbravar o desconhecido em busca de novos mercados, o comrcio internacional vem-se desenvolvendo de forma cada vez mais intensa, encurtando as barreiras que separam os homens, quaisquer que sejam as suas naturezas (culturais, geogrficas, etc).

    Com dinmica visivelmente diferente da que caracteriza a atuao do Estado, o comrcio internacional sempre se mante-ve frente deste em matria de mutao, atualizao e adaptao, especialmente no que se refere ao processo evolutivo social. O vnculo circular que se estabelece entre comrcio e comunicao apresenta-se como um dos maiores responsveis pelos avan-os obtidos pela raa humana, desde sua primeira experincia social.1

    Quanto mais desenvolvido o comrcio, mais propcia se torna a comunicao. Quanto mais se desenvolve a comunica-o, mais propcio se torna o comrcio. E

    1 Sobre o assunto, conferir: Vidigal (2008).

    Erick Vidigal Doutorando e Mestre em Direito das Relaes Econmicas Internacionais pela PUC/SP. Professor do Centro Universitrio de Braslia UniCEUB.

    Erick Vidigal

    A Lex mercatoria como fonte do direito do comrcio internacional e a sua aplicao no Brasil

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    em razo desse movimento interminvel a humanidade experimentou avanos que possibilitaram o romper das barreiras ter-restres, martimas e aeroespaciais, incluin-do a transmisso de dados, fotos, vdeos e informaes outras, em tempo real, para qualquer lugar do globo terrestre.

    No por menos que se afirma ter o comrcio sempre influenciado na prpria organizao do Estado, que, em muitas situaes, se viu forado a inserir em seu or-denamento jurdico prticas j consagradas no plano ftico das relaes econmicas, a exemplo das relaes envolvendo cambiais, bancos, bolsas de valores, mercado de capi-tais, sociedades annimas, pessoas jurdicas autnomas, etc. Tais prticas comerciais, consagradas pela comunidade mercantil internacional, constituem o fenmeno chamado lex mercatoria, verdadeiro direito dos comerciantes ou de profissionais, des-vinculado das normas estatais.

    Pretende, pois, a presente pesquisa lan-ar ateno sobre tal fenmeno, desbravan-do seu processo de evoluo histrica com a finalidade de compreender melhor o seu papel no mundo contemporneo.

    A fim de atingir o objetivo proposto, a pesquisa est dividida em trs partes, cada qual com finalidade especfica.

    O primeiro captulo dedicar-se- busca dos antecedentes histricos da lex mercatoria tradicional, bem como ao conhecimento de seu processo de expanso na Europa medieval, que culminou com sua absoro e desintegrao pelo poder estatal.

    O segundo captulo, por sua vez, estar voltado para o fenmeno denominado nova lex mercatoria. Nele sero abordadas algu-mas importantes definies e conceitos do mencionado fenmeno, a fim de expor os debates existentes acerca de sua aplicao nos tempos atuais. Ser analisado, ainda, o contedo da nova lex mercatoria, ocasio em que se pretende indicar suas fontes normativas.

    Por fim, o terceiro e ltimo captulo enfrentar a questo relativa ao confronto

    entre a lex mercatoria e a soberania estatal, guardando tanto uma viso genrica sobre a autonomia do fenmeno, quanto um olhar prtico sobre a aplicao da nova lex mer-catoria no ordenamento jurdico brasileiro.

    1. Evoluo histrica da lex mercatoria1.1. Antecedentes histricos

    Estabelecer com preciso o momento histrico em que se manifestou pela primei-ra vez o fenmeno da lex mercatoria no tarefa fcil sem que se indique previamente, como referncia, seu modelo atual. Isso porque, muito antes do perodo medieval, quando os usos e costumes mercantis impe-rativos surgiram como resposta aos direitos feudais ilimitados e incompatveis com a prtica do comrcio internacional, o mundo j havia experimentado outros modelos de direito dos mercadores. o caso, por exemplo, da Lex Rodhia de Jactu [elaborada pelos fencios], da nauticum foenus [criao romana], das leis de Wisby [que regulavam, em 1350, o comrcio no mar Bltico], e do consulado do Mar [coletnea de costumes do comrcio martimo reunida pela Corte Consular de Barcelona, no sculo XV] (MA-GALHES; TAVOLARO, 2004, p. 59).

    O lugar exato e tempo da origem da lex mercatoria so incertos. Mui-tos escritores tm declarado que ela teve incio na Itlia na parte central, em plena Idade Mdia. Algumas in-vestigaes ditam que ela surgiu no tempo em que os rabes dominaram o mediterrneo. Mas, mesmo assim, eles contriburam com pouco, pois, utilizavam prticas usadas pelos ro-manos, gregos e fencios, que outrora tinham monopolizado o comrcio pelo mar (PEREIRA, 2002, p. 286).

    Em seu formato medieval, contudo, a lex mercatoria apresentava caractersticas por demais semelhantes s do fenmeno atual denominado nova lex mercatoria, e sua origem est associada expanso do comrcio martimo internacional.

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    De fato, como bem observado por Irineu Strenger (1996, p. 55), o comrcio interna-cional, do ponto de vista histrico, est intimamente ligado com o direito martimo e com as atividades do mar. Registra o ci-tado autor terem os fencios se destacado como civilizao eminentemente comercial, atribuindo-lhes um dos grandes momentos do direito martimo, que foi a Lex Rhodia de Jactu, e a preocupao, ainda na alta anti-guidade, com disposies relacionadas ao comrcio e aos contratos internacionais.

    Nesse contexto deve ser registrada, ainda, como fonte histrica relevante, a participao da Grcia e da Roma Antiga na realizao de expedies martimas em toda a regio circunvizinha do Mediterr-neo (STRENGER, 1996, p. 55).

    digna de admirao a evoluo econ-mica experimentada pela civilizao hele-nstica, somente comparvel, em magnitu-de, s revolues comerciais e industriais da Era Moderna (Idem, p. 56).

    Strenger aponta algumas causas impor-tantes desse processo evolutivo, a saber: a) incremento da comunicao a partir das conquistas alexandrinas, que estabeleceu vasta rea de comrcio que ia da ndia ao Nilo; b) asceno dos preos em razo da entrada em circulao de enorme tesouro persa de ouro e prata, que ampliou os inves-timentos e as especulaes; e c) o estmulo governamental ao comrcio e indstria, com a finalidade de ampliar as rendas do Estado.

    Pode-se agregar a tais causas, ainda, a descoberta de novas rotas para terras distantes pelos egipcios, que possibilitou que o porto de Alexandria viesse a ter espe-ciarias da Arbia, cobre do Chipre, ouro da Abissnia e da ndia, estanho da Bretanha, elefantes e marfim da Nbia, prata do norte do Egeu e da Espanha, finos tapetes da sia Menor e at seda da China (Ibidem).

    Esse desenvolvimento econmico, que atingiu seu pice com a adoo de uma eco-nomia monetria internacional baseada em moeda de ouro e prata, e com o desenvol-

    vimento dos bancos governamentais como instituies de crdito, encontrou seu limite a partir das invases brbaras, prolongando-se a sua decadncia at a Idade Mdia.

    A Idade Mdia, com a queda do Imprio romano, assinala o perodo de formao do direito comercial.O comrcio e a indstria, sob o in-fluxo das idias do Cristianismo, travaram, por bem de sua liberdade e desenvolvimento, luta renhida contra as velhas instituies polticas e con-tra a inflexibilidade, rigidez e dureza das regras de direito romano, o jus commune, que, por muitos sculos, auxiliado pelo jus gentium, bastou para prover as exigncias do trfico comercial. medida que tomavam impulso as transaes, amiudava-se o comrcio martimo, e se desenvol-via o crdito. Paralelamente, quele direito apareceram nas Repblicas da Itlia, como Veneza, Gnova, Pisa, Florena, etc., os usos e costumes, seguidos do trato dos negcios (stylus mercatorum), primeira manifestao jurdica do exerccio do comrcio.No comeo, os usos vieram suprir a insuficincia de textos romanos, regendo casos novos. Depois, deram batalha franca a esses textos, estreitos, incompatveis com a ordem incipien-te de fatos, que reclamavam especial disciplina jurdica (STRENGER, 1996, p. 56-58).

    Foi com o crescimento do comrcio na Europa medieval, portanto, que se desen-volveu esse conjunto de regras denominado lex mercatoria, que alcanou inicialmente as cidades italianas e, posteriormente, Frana, Espanha, Inglaterra e o restante da Europa, em razo do comrcio ocenico desen-volvido em Gnova, Veneza, Barcelona, Marselha e Amsterdam.

    Os portos constituam sedes de centros de comrcio onde tradicio-nalmente organizavam-se contratos de vendas, fixavam-se condies de

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    mercado, ocupavam-se com as con-vergncias de preos dos produtos entre as regies, o que veio a originar um tipo de comrcio transfrontei-rio e a criar servio bancrio para financiar esse tipo de comrcio, da surgindo o sistema normativo que ficou conhecido como Lex Mercatoria e que buscava consolidar base jurdica internacional para o comrcio (DAL-RI JUNIOR; OLIVEIRA, 2003, p. 95).

    Alm de guardar especial diferena da legislao aplicada nessas localidades, normalmente sujeitas a comandos reais, feudais ou eclesisticos, a lex mercatoria chamava ateno por seu carter transna-cional e pela fidelidade aos usos e costumes mercantis cuja manifestao mxima es-tava na nfase liberdade contratual que eram aplicados pelos prprios mercadores ou pelas corporaes de ofcio, sempre em processo clere e informal.

    Surge ento a lei dos mercadores lex mercatoria que se estrutura aos poucos, com os contornos de um conjunto de procedimentos que possibilita solues eficazes para os conflitos que possam surgir entre as partes sem se ater a legislaes e tribunais nacionais.Com efeito, desde ento, temiam os mercadores, como ainda hoje se teme, a aplicao de solues por tribunais nacionais de modo parcial a favor dos seus compatriotas, de leis e normas que desconheciam ou que poderiam ser alteradas ao sabor das influncias de momento.Nascem assim os julgamentos por arbitragem, nas guildas e corpora-es, tendo nos corpos julgadores os membros mais representativos dos mercadores, de diferentes origens; as solues dadas por esses rbitros, a seu turno, tornam-se, a seu turno, em normas que passam a ser obser-vadas pelos mercadores (MARTINS; TAVOLARO, 2009, p. 2).

    1.2. Da expanso no perodo medieval sua absoro e desintegrao pelo poder estatal

    A queda do Imprio Romano inseriu a Europa medieval em um mundo de anar-quia e insegurana, fato que, diante da au-sncia de poder poltico capaz de manter a paz e a realizao do direito, possibilitou a criao das corporaes de classe, incluindo as de mercadores, voltadas para a proteo e assistncia dos comerciantes.

    Segundo Strenger, tais corporaes formavam uma estrutura similar a de um pequeno Estado, dotado de um po-der legislativo e de um poder judicirio, com atribuies que iam desde a viglia da guerra, da paz e das represlias, at a elaborao de leis e estatutos que, sob ju-risdio prpria, eram aplicadas. Gozavam de patrimnio prprio formado a partir da contribuio dos associados e decidiam as causas comerciais com a maior brevidade e sem formalidade.

    () parallel to this development, a large body of laws governing over-land trade envolved in the Midle Ages. The marchants travelling to the different markets, fairs and seaports to trade their goods had their own laws, and legal systems which were distinct from the laws applicable in their respective States. The commer-cial customs that developed were confirmed and given legal definition by the mercantile courts which were made up generally of members of the merchant class, their election dependent upon their experience and Knowledge (STOECKER, 1990, p. 102).

    Esse modelo alternativo de organizao social era bem identificado na Inglaterra feudal, onde os comerciantes, conhecidos como pie powder, pedes pulvorosi ou ps poeirentos, ao criar e organizar uma feira, constituam tribunais voltados soluo de conflitos mercantis.

    Segundo noticia Jorge Parra (1989, p. 239), referidos tribunais possuam ampla

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    competncia, excluindo, contudo, proble-mas relativos terra. Eram presididos por um comerciante da cidade e assistidos por mercadores, e sua atuao se caracterizava pela celeridade na apreciao dos litgios, que comumente eram solucionados em um nico dia.

    Alm disso, no se valiam da Common law como fonte normativa aplicvel na soluo do litgio mercantil, mas, sim, da lex mercatoria, entendida como o costume dos comerciantes dirigido regulao dos contratos e que era aplicado independen-temente da lei do lugar e da lei pessoal das partes.

    Era a poca das feiras, nas quais os mercadores negociavam seus produ-tos com base nos usos e costumes das suas localidades, o que fez com que as diversas caractersticas regionais to-massem um carter uno, proveniente da interao entre os comerciantes de diversos pontos da Europa (AZEVE-DO, 2006, p. 95).

    J no sculo XV, prevalecia na Inglater-ra a ideia de que os mercadores no eram obrigados pelas leis inglesas, devendo ser julgados de acordo com a lei natural a lex mercatoria que seria universal no mundo (LE PERA, 1988, p. 14).

    No sculo XVII, o uso da lex mercatoria foi aos poucos sendo mitigado naquele pas com o avano da common law, especialmen-te sob o Lord Chief of Justice Sir Edward Coke. Nesse perodo foram abolidas ou tiveram sua jurisdio limitada as Cortes do Almirantado e outras cortes especia-lizadas, passando a lex mercatoria a ser tratada como costume e prtica comercial, a ser provada, caso a caso, nas disputas comerciais solvidas pela common law, to the satisfaction of twelve reasonable and ignorant jurors (MAFALHES; TAVO-LARO, 2004, p. 61).

    A partir do julgamento do caso Pillans v. Mierop por Lord Mansfield (1705-1793), Chief Justice of the Kings Bench, novo enten-dimento passou a ser adotado, sustentando

    no serem as regras da lex mercatoria usos e costumes, mas, sim, matria jurdica a ser decidida pelos tribunais, restando, assim, absorvida pela common law.

    Na Frana a absoro e desintegrao da lex mercatoria resultou das grandes reformas promulgadas por Lus XIV, especialmente a partir da edio da Ordonnance sur le com-merce de terre (1673) e da Ordonnance sur le commerce de mer (1681).

    Segundo Strenger (1996, p. 60), baseada nessas Ordonnances, a Frana publicou, mais de um sculo depois, o seu Cdigo Comer-cial de 1807, abrindo a fase mais poderosa da atividade legislativa do sculo XIX.

    Assim, medida que crescia essa manifestao codificadora, viu-se uma incorporao tambm crescente das pr-ticas e usos comerciais nos ordenamentos internos, restando enfraquecida a atividade livre dos comerciantes, que passaram a ter submetidos seus conflitos comerciais s leis nacionais e jurisdio estatal.

    The nationalization of mercantile law, including international sales law, occurred in the nineteenth cen-tury. During this period, states began to codify commercial law rules into national legislation. They decided to take full control over international trade and developed new laws to regulate all aspects of economic re-lations between commercial parties. Furthermore, disputes between do-mestic and foreign parties were to be resolved in state courts by referring to private international law (MAZZA-CANO, 2008, p. 11).

    Esse movimento, de modo geral, foi se-guido em toda a Europa. A afirmao dos Estados nacionais na Idade Moderna ter-minou por consolidar o processo restritivo iniciado pela Inglaterra no sculo anterior. Isso porque a transnacionalidade caracte-rizadora da Lex Mercatoria representava clara ameaa a um dos mais importantes pilares do novo modelo de Estado, qual seja, a soberania.

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    O exerccio pleno do poder soberano estatal era praticamente incompatvel com a ideia de um ordenamento normativo que se sobrepusesse s fronteiras nacionais. Alm disso, o processo de codificao desenvol-vido a partir do sculo XIX contemplou a criao do direito comercial, ocasio em que diversos preceitos da Lex Mercatoria foram incorporados pelas legislaes nacionais (MAGALHES; TAVOLARO, 2004, p. 60).

    Nesse sentido, conclusivas as palavras de Pedro Pontes de Azevedo (2006, p. 96):

    Assim, na Idade Moderna, tendo em vista o fortalecimento das naes, o Estado invocou para si o monoplio legislativo, tendo como incompat-veis a produo legiferante estatal e as normas emanadas dos usos e costumes comerciais. As legislaes nacionais se fortaleceram nesse pero-do, ficando cada vez mais patenteada a imperatividade do direito comercial que se firma, inclusive, como disci-plina jurdica autnoma. Era advoga-da a tese de que a lex mercatoria era incompatvel com o direito soberano de cada Estado produzir suas leis, ou seja, que um direito calcado em prticas, usos e costumes mercanti-listas, de cunho supranacional, viria a mitigar a fora normativa das leis nacionais.

    2. A nova Lex mercatoriaDesprovida de seu carter cosmopolita,

    a aplicao da Lex Mercatoria no comrcio internacional permaneceu recolhida at que, por fora do desenvolvimento das relaes econmicas internacionais e da presso dos comerciantes, bem como diante das limitaes enfrentadas pelas leis locais e pelas decises dos tribunais nacionais muitas vezes arbitrrias e despidas de praticidade , os Estados se viram forados a reconhecer alguns de seus instrumentos e estruturas legais.

    exatamente a fase do declnio da velha lex mercatoria, que se caracteri-zou no pela extino desse instituto, mas pela sua readaptao nova realidade scio-econmica global. A velocidade e a relevncia das prti-cas comerciais contemporneas no estavam mais sendo abarcadas pela normatizao autnoma de cada pas, o que obrigatoriamente fez com que se adotassem prticas homogneas no comrcio internacional, fazendo surgir a nova lex mercatoria. Nesse sentido teve papel fundamental a C-mara Internacional de Comrcio de Paris (CCI), que empreendeu debates acerca da defasagem da produo normativa nacional em virtude das novas prticas do comrcio mundial (AZEVEDO, 2006, p. 96).

    Desse modo, o comrcio internacional vem desenvolvendo diversos instrumentos jurdicos, seja em razo da prtica mercan-til, seja por reao estatal decorrente da necessidade de adaptao aos ditames da economia de mercado.

    O processo de normatizao do comr-cio internacional experimenta nos dias de hoje movimento espiral contnuo, que varia da autorregulao do comrcio pelo prprio mercado regulao do comrcio pelo Estado. Naturalmente, o movimento de regulao do comrcio pelo Estado, com a finalidade de se adequar s exigncias do mercado, termina por criar ambiente mais favorvel para o crescimento do comrcio e para a atuao do mercado. Este, por sua vez, em virtude de sua liberdade de autorregulao, permanece na busca do aperfeioamento de suas prticas, receben-do do Estado regulamentao adaptativa, e assim sucessivamente.

    Nesse sentido, interessante mencionar o exemplo do mercado de valores e de opes e futuros, cuja prtica encontra-se sujeita aos Princpios de Superviso Efetiva do Mercado elaborados por iniciativa do Council of Securities Regulators of the Ame-

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    ricas COSRA. So eles: I Autorizao, Responsabilidade e Exigibilidade; II Acompanhamento para o cumprimento da legislao; e III Aplicao da Legislao (Enforcement).

    Princpios de Superviso Efetiva do Mercado Prembulo O Conselho de Reguladores de Valores das Amricas (Council of Securities Regulators of the Ameri-cas COSRA) acredita firmemente que os mercados de valores e os de opes e futuros constituem um patrimnio nacional essencial para a prosperidade e o crescimento eco-nmico. Dado o papel central destes mercados na alocao eficaz dos re-cursos da regio, a integridade destes mercados um assunto de interesse pblico. Os investidores procuram os mercados pela sua imparciali-dade, honestidade e organizao. Portanto, os reguladores devem esforar-se para que os mercados de valores e de futuros sejam imparciais, honestos e organizados, mediante regulao das prticas de mercado, proibio de aes fraudulentas e de condutas manipuladoras, promoo da conduta tica nos negcios, esta-belecimento de um alto padro para os intermedirios e da aplicao rigo-rosa das leis, regulamentos e regras. Pases em que no haja proibies contra condutas fraudulentas, ma-nipuladoras e imprprias correm o risco de se tornarem um refgio de atividades ilegais. Os abusos tornam os mercados menos eficientes, acar-retando maiores custos sistmicos e de transaes, prejuzos para os investidores e, mais importante, a ausncia dos investidores individu-ais e institucionais que consideram a integridade como uma caracterstica essencial do mercado. Os membros COSRA concordam que um programa de superviso efetiva

    de mercado promove a confiana dos investidores e constitui a base para um mercado imparcial, honesto e organizado. Concordam tambm que existem pelo menos trs componentes bsicos para uma superviso eficaz: Medidas para conduzir o desenvolvi-mento e aprimorar a imparcialidade, honestidade e organizao dos mer-cados, para impor responsabilidades aos operadores de mercado e inter-medirios; Medidas para supervisionar o cum-primento das leis que regem as operaes de valores mobilirios e de futuros, bem como das regras de entidades reguladoras e auto-reguladoras; e Um sistema eficaz para fazer cumprir as leis, regulamentos e regras das or-ganizaes auto-reguladoras que re-gem as operaes destes mercados. Estes componentes devem ser en-fatizados no desenvolvimento e aprimoramento dos sistemas de superviso dos mercados regionais. Os membros do COSRA acreditam firmemente que os pases atualmente sem superviso governamental dos mercados devem analisar a possibi-lidade de criao de uma autoridade governamental para proteger o interesse pblico. medida que os mercados crescem economicamente e se tornam mais complexos, pode tornar-se necessrio que a autorida-de governamental imponha maiores nveis de responsabilidade sobre os operadores de mercado e sobre os intermedirios. A auto-regulao, su-jeita a uma apropriada superviso do governo, pode proporcionar um meio eficaz de supervisionar as atividades dos intermedirios e operadores do mercado. Em um sistema de auto-re-gulao, os profissionais do mercado, tais como os operadores e interme-dirios de mercado, desenvolvem,

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    implementam e fazem cumprir as regras que regem suas atividades. A auto-regulao poupa os recursos do governo e fomenta o desenvolvimen-to de regras benficas e viveis para o mercado, bem como oferece mais flexibilidade na resoluo de proble-mas complexos, quando comparada a uma interveno direta do governo. Em pases onde no existem organi-zaes auto-reguladoras, dever-se-ia considerar o estabelecimento destas. A superviso governamental sobre os auto-reguladores , todavia, de vital importncia para garantir pro-teo contra possveis conflitos entre o interesse privado da indstria e o interesse pblico. No desenvolvimento de um sistema de superviso de mercado, distintos enfoques tm sido adotados, abran-gendo desde um sistema de supervi-so operado somente por associaes de intermedirios do mercado, at um sistema operado e mantido ape-nas pelo governo. Aps a anlise dos diversos enfoques, os membros do COSRA compartilham do ponto de vista de que os seguintes princpios proporcionam um equilbrio efetivo entre o interesse da indstria e o interesse pblico, incorporando os componentes essenciais descritos acima. Estes princpios podem ser combinados com os princpios an-teriormente aprovados no COSRA, de transparncia e audit trail regis-tro seqencial dos negcios para proporcionar um efetivo arcabouo regulatrio.

    A nova Lex Mercatoria encontra sua fora normativa nesse movimento contnuo entre Estado e mercado. da autorregulao do mercado que so extrados instrumentos jurdicos como, por exemplo, o crdito do-cumentrio com interveno bancria nos negcios de importao e exportao, as condies gerais do Conselho de Assistn-

    cia Econmica Mtua (Comecon), os con-tratos-tipo e os incoterms (consolidao de termos comerciais internacionais, elaborada pela Cmara de Comrcio Internacional).

    Os tratados internacionais, por sua vez, principalmente os multilaterais relativos ao comrcio (GATT e OMC) e os constitu-tivos de blocos regionais (Unio Europia, Mercosul, ALCA, Nafta, etc), tambm guar-dam especial influncia no desenrolar das prticas comerciais. Alm disso, os usos e costumes do comrcio, manifestados nas sentenas arbitrais de forma reiterada, do ao mercado a fora do precedente como fonte normativa.

    Importante destacar que a constante preocupao no sentido de se afastar as questes relativas a conflitos de leis tambm impulsionam mercado e Estado a buscarem a edio de leis uniformes, entre as quais, temos como exemplo: Leis Uniformes sobre Letras de Cmbio e Notas Promissrias (Ge-nebra, 1930), Lei Uniforme sobre Cheques (Genebra, 1931), Regras e Usos Uniformes de Crditos Documentrios, Regras Unifor-mes para Garantia de Contratos (CIC), Lei Modelo de Arbitragem (UNCITRAL), Con-veno Internacional sobre Compra e Ven-da Internacional (Viena, 1980), Princpios dos Contratos Internacionais (UNIDROIT) e a Conveno Interamericana sobre o Di-reito Aplicvel aos Contratos Internacionais (Cidip V Cidade do Mxico).

    2.1. O que a nova lex mercatoria?No obstante o fato de os Estados se

    virem obrigados a reconhecer instrumentos e estruturas legais utilizadas pelo mercado, a exemplo daqueles decorrentes da atuao da Cmara Internacional de Comrcio de Paris nos anos 20, foi na dcada de 60 que se deu a identificao formal do surgimento de uma nova lex mercatoria, apontada como uma tendncia a partir dos estudos de Ber-thold Goldmann.

    Para ele, a nova lex mercatoria seria um complexo de usos e costumes que no se sobrepem ao direito nacional; um corpo

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    autnomo de direito formado graas autonomia da vontade, a partir da reite-rada aplicao nas operaes de comrcio e de arbitragem internacional (AMARAL, 2009), ou, ainda, um conjunto de princpios, instituies e regras com origem em vrias fontes, que nutriu e ainda nutre as estrutu-ras e o funcionamento legal especfico da coletividade de operadores do comrcio internacional (STRENGER, 1996, p. 72).

    Estabelecida a questo acerca do sur-gimento da nova lex mercatoria, variados conceitos passaram a ser formulados. o caso, por exemplo, de Shimitthof, que a define como princpios comuns de leis relacionados aos negcios comerciais inter-nacionais, ou regras uniformes aceitas por todos os pases; ou, ainda, de Goldstajn, que a identifica como um corpo de normas que regem as relaes internacionais de nature-za de direito privado (AMARAL, 2004).

    Antnio Carlos Rodrigues do Amaral, a seu turno, a entende como o conjunto de regras costumeiras desenvolvidas em neg-cios internacionais aplicveis em cada rea determinada do comrcio internacional, aprovadas e observadas com regularidade (AZEVEDO, 2006, p. 97).

    Para Irineu Strenger (1996, p. 78), con-tudo, a lex mercatoria seria um conjunto de procedimentos que possibilita adequadas solues para as expectativas do comrcio internacional, sem conexes necessrias com os sistemas nacionais e de forma juri-dicamente eficaz.

    Acerca da busca por um enquadramen-to terico do fenmeno da lex mercatoria, pertinente o magistrio de Cristin Gime-nez Corte (2004, p. 346):

    En una muy apretada sstesis, se pueden clasificar estas distintas pos-turas sobre la lex mercatoria de la siguiente manera:Un sector de la doctrina considera que la lex mercatoria es un mero recurso interpretativo de las clu-sulas de los contratos comerciales internacionales, es decir, que ante la

    duda sobre el sentido y el alcance de un artculo de un contrato se podra recurrir a la lex mercatoria para tratar de precisarlo.Otra postura considera que la lex mercatoria es uma especie de derecho intersticial, que se aplicara solamente en aquellos intersticios, vacos, o lagunas que dejan abiertos los orde-namientos jurdicos nacionales.CLIVE SCHMITTOF por su parte, toma un ponto de vista diferente; segn l la moderna lex mercatoria es uma creacin deliberada de cier-tas formulating agencies como por ejemplo la Cmara de Comercio In-ternacional (en adelante ICC).Finalmente, por ejemplo BERMAN y DASSER consideran que la nueva lex mercatoria es derecho de raz consuetudinria, como lo era la vieja lex mercatoria de los comerciantes de la edad media.

    O certo que, como bem observado por Strenger (1996, p. 78), independentemente do conceito adotado, torna-se evidente que todas as definies procuram realar um estado de insatisfao com os sistemas nacionais, pela impossibilidade que de-monstram em solucionar os problemas fun-damentais do comrcio internacional.

    De todo modo, a questo acerca da definio da lex mercatoria tem dado lugar a nova discusso, a saber, a que se refere aceitao de sua aplicao. Nesse tocante, Agostinho Tavolaro e Ives Gandra apontam o debate travado entre os defensores da sua aplicabilidade automtica e aqueles que a rejeitam, resumindo os argumentos de ambos os lados em trs tpicos (MARTINS; TAVOLARO, 2009).

    O grupo dos que rejeitam a sua aplica-o abraam os seguintes argumentos:

    a) a lex mercatoria no seria lei por lhe faltar base metodolgica e um sistema legal que a suporte, no possuindo, por isso mes-mo, qualquer autoridade estatal da qual possa derivar seu efeito obrigatrio;

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    b) a lex mercatoria seria vaga e incoeren-te, mormente diante do fato de os sistemas legais existentes no mundo (romano-ger-mnico, common law, lei islmica, etc) no adotarem os mesmos princpios gerais;

    c) a flexibilidade da lex mercatoria po-deria levar a decises arbitrrias e a uma deciso diferente para cada caso, ainda que semelhantes.

    Por sua vez o grupo que defende a sua aplicao adota as seguintes razes:

    a) a lex mercatoria no emerge da vontade das autoridades estatais, mas, sim, do seu reconhecimento comum pela comunidade dos negcios, sendo diferente do direito encontrado nas leis nacionais, por ser parte do direito vivo que decorre da criatividade dos operadores do comrcio;

    b) a lex mercatoria no se apresenta como conjunto de normas pretensamente completo, preciso e exaustivo, a exemplo do que acontece com os sistemas legais nacionais, que constantemente modificam suas normas afetando o regramento das relaes entre particulares;

    c) a lex mercatoria pode levar a decises conflitantes e contraditrias no por ser vaga e rudimentar como alguns sustentam, mas pela mesma razo que as leis dos esta-dos levam a decises conflitantes e contra-ditrias por parte dos tribunais estatais;

    H de se acrescentar ainda, em defesa da sua aplicabilidade, o fato de as questes relacionadas ao comrcio internacional se apresentarem como de grande complexi-dade, fato que frequentemente impossibi-lita um julgamento tcnico pelo Judicirio estatal.

    Particularmente, guardo o entendimen-to de que, no obstante a razoabilidade dos argumentos daqueles que defendem sua aplicabilidade como imperativa, no h como refutar o argumento da soberania invocado pela outra corrente.

    Isso porque, ainda que a lex mercatoria tenha a sua aplicao como um fato do co-mrcio internacional, inegvel que, sem a aceitao, pelo Estado-nao, da deciso

    proferida por juzes no estatais, esta no ter qualquer fora executiva caso a parte perdedora opte pelo no cumprimento espontneo.

    Mais que isso, caso a parte perdedora invoque a jurisdio estatal, esta no lhe poder ser recusada, fazendo com que a parte perdedora do litgio extraestatal pos-sa, diante de uma vitria sob a apreciao jurisdicional, contar com o apoio do Estado para ver cumprida a deciso judicial.

    Desse modo, entendo que a discusso acerca da sua aplicabilidade, ou no, j no guarda tanta importncia, devendo a ateno do estudioso do fenmeno da lex mercatoria ser dirigida para o seu contedo e par, a fim de melhor definir a forma e os limites de sua aplicao.

    2.2. Contedo da nova lex mercatoriaO primeiro olhar lanado sobre o conte-

    do da nova lex mercatoria costuma eviden-ciar um certo paralelismo entre o fenmeno dos usos e costumes na Idade Mdia e os que se manifestam nos tempos atuais. Isso porque, em ambos os modelos, verificam-se as caractersticas de um direito espontneo, uniforme e universal, formado pela e para a classe dos comerciantes.

    Um olhar mais atento sobre o fenmeno, contudo, capaz de evidenciar inmeras diferenas de contedo, principalmente no que tange s fontes normativas.

    A lex mercatoria medieval, como j con-signado, est intrinsecamente ligada s atividades das feiras de comrcio europeias daquele perodo, como bem descreve Luiz Czar Ramos Pereira (2002, p. 287)

    A Lex Mercatoria parecia estar em parte baseada na lei romana, no costume martimo e em parte, nas leis das feiras europias medievais. H um pouco de obscuridade sobre o que constitui a substncia da Lex Mercatoria, mas definitivamente entendida como a lei administrada entre os comerciantes e os tribunais estatais ou comerciais.

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    Historicamente, se tem notcia da Liga hansetica formada na Alemanha em 1241-1269, que era uma combinao de comerciantes que proveram regras e regulamentos para a conduta deles, alm de proteg-los quando a lei no fazia, reconhecendo seus direitos. Veio controlar todo o comrcio da Europa do norte e inclua 85 cidades principais, entre as quais, Londres. Teve um poder considervel, isto , mantinha um exrcito e uma mari-nha; estradas defendidas de cidade para cidade; mantinha uma fortaleza e um armazm em cada cidade, obri-gando o comerciante a se sujeitar s suas leis, nas vrias feiras.

    A nova lex mercatoria, por sua vez, en-contra sua substncia em diversas outras fontes, todas resultantes da intensificao da dinmica do comrcio internacional, a saber:

    a) contratos internacionais (contratos-ti-po) principal fonte do direito do comrcio internacional, que, a partir de sua utilizao reiterada, deu origem a modelos com con-dies gerais e formas padronizadas;

    b) usos e costumes do comrcio inter-nacional que vm sendo sistematizados e readaptados, a exemplo das regras e usos uniformes para crdito documentado (ICC publication no 500), dos Incoterms 2000, dos ICC General Usages for Digitally Ensured Commerce, das regras uniformes relativas s garantias de pagamento e reclamao (RUG/ICC) e das regras sobre prticas internacionais em matria de crditos con-tingentes (ISP 98/ICC);

    c) condies gerais de contratao e stan-dards forms modelos de contratos e condi-es gerais de contratao sistematizadas e atualizadas por organizaes reconhecidas pelos comerciantes, nos mesmos moldes da ICC, a exemplo do ICC Model Form for Issuing Demand Guarantees (ICC Publication no 458), do ICC Model Form for Issuing Con-tract Guarantees (ICC Publication no 325), do Standard Trading Conditions of The Institute

    of Freight Forwarders, do IATA (Internatio-nal Air Transportation Association) uniform airway bill and standard contract form, dos IMO (International Maritime Organization) Model Contracts, entre outros;

    d) regras das associaes profissionais e das guidelines espcies de guias para elaborao de contratos ou para a realiza-o de operaes comerciais, a exemplo do FCI (Factor Chain International) Code of International Factoring Custom/1987, do ICC Guide to Drafting International Distributor-ships Agreements (ICC Publication no 441), entre outros;

    e) princpios gerais do comrcio in-ternacional regras gerais dos sistemas jurdicos que se constituem como parte do direito transnacional, utilizados diante de um conflito de leis. Sua sistematizao produto do trabalho investigativo e compa-rativo de alguns juristas que selecionam os princpios jurdicos comuns a legislaes de diferentes sistemas. So exemplos os Prin-ciples of International Commercial Contracts (1994 UNIDROIT International Institute for the Unification of Private Lae) e os Princi-ples of European Contract Law (Comission of European Contract Law);

    f) cdigos de conduta, convenes internacionais no-vigentes e leis modelo minutas de leis elaboradas por organis-mos internacionais ante a impossibilidade de celebrao de um tratado internacional sobre determinada matria, a fim de que cada pas possa inseri-lo em seu orde-namento jurdico por meio de processo legislativo nacional, a exemplo da UNCI-TRAL Model Law on Electronic Commerce e da lei modelo sobre arbitragem comercial internacional da UNCITRAL. Alm disso, outros instrumentos, como os cdigos de conduta, so editados com a finalidade de regular alguns aspectos das relaes pri-vadas internacionais, como as atividades das empresas multinacionais em diversos pases, a exemplo do The United Nation Code of Conduct on Transnational Corporation e do The Organization for Economic Co-Operation

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    and Development (OECD) Guidelines for Mul-tinational Enterprises;

    g) laudos arbitrais a exemplo da juris-prudncia formada a partir da reiterao de entendimentos proferidos em decises do poder judicirio estatal, a prtica reiterada de certos entendimentos por rbitros do comrcio internacional capaz de gerar uma espcie de corrente jurisprudencial, acolhida por toda a comunidade do comr-cio internacional

    3. Lex mercatoria e soberania estatal3.1. Autonomia da lex mercatoria

    Como mencionado anteriormente, ou-tra questo importante e merecedora de ateno em matria de lex mercatoria a que diz respeito aos limites de sua aplicao e a sua combinao com as normas de direito interno, especialmente as que dispem sobre a ordem pblica.

    Sobre o assunto, leciona Irineu Strenger (1996, p. 136-137):

    A noo de ordem pblica expressa, em termos gerais, o esquema de va-lores cuja tutela atende, com carter essencial, a um determinado ordena-mento jurdico.[...]Na perspectiva do setor normativo que, em cada ordenamento, visa a dar respostas jurdicas adequadas a pres-supostos do trfico externo, a noo de ordem pblica pode ser definida como o conjunto de normas e princ-pios que, em um momento histrico determinado, reflete o esquema de valores essenciais, cuja tutela atende de maneira especial cada ordenamen-to jurdico concreto.

    Avanando mais sobre o tema, Strenger identifica a formao de uma ordem pbli-ca autnoma como produto do desenvolvi-mento do comrcio internacional.

    O aumento do volume de trfico ex-terno em um panorama internacional universalizado gerou, no plano das

    relaes econmicas, o surgimento do espao transnacional, que tem exigncias prprias, as quais foram respeitadas e potenciadas em muitos casos pelas jurisprudncias estatais, de forma a evitar posio desvantajosa para seus nacionais no meio praticamente autnomo do comrcio internacional.Essa plataforma transnacional cons-titui o cenrio do comrcio no qual se desenvolveu noo relativamente autnoma de ordem pblica, cujo objetivo visa defender o mnimo standard de coerncia e homogenei-dade com o que se deve produzir a regulao jurdica das transaes que tm lugar em tal contexto.Naturalmente, a concreo do sentido e do alcance dessa ordem pblica inter-nacional corresponde a cada sistema jurdico, j que so os juzes estatais quem determinam a medida em que aceitam sua existncia e quais so os princpios que integram seu contedo. Por conseguinte, necessrio manter uma viso restrita da operatividade e grau de desenvolvimento desta acep-o internacional da ordem pblica (STRENGER, 1996, p. 138-139).

    As observaes de Strenger (1996, p. 140) conduzem concluso de que essa or-dem pblica prpria do meio do comrcio internacional desempenha papel relevante, garantindo preceitos que se inscrevem no plano institucional de cada Estado, mesmo diante da crescente escalada dos usos e costumes do comrcio internacional.

    Nesse sentido, pertinente o magistrio de Magalhes e Tavolaro, para quem a lex mercatoria no compete com a lei do Estado, nem tampouco constitui um direito supra-nacional que derroga o direito nacional. Segundo os mencionados autores, a lex mercatoria deve ser vista como um direito adotado ad latere do sistema estatal, mesmo porque, afirmam mencionando Christoph W. O. Stoecker,

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    [...] os tribunais nacionais no a acei-tam como corpo de leis alternativo a ser aplicado em um litgio. Acatando-a, estaria o Estado abdicando de parte de sua soberania em favor de mos invisveis de uma comunidade de mercados em constantes mudanas (MAGALHES; TAVOLARO, 2004, p. 62).

    De fato, como bem colocam Magalhes e Tavoralo (2004, p. 62), o carter corpo-rativo da comunidade de profissionais ou dos operadores do comrcio internacional que lastreia a concepo da lex mercatoria. Desse modo, torna-se evidente o vnculo estreito entre a lex mercatoria e a arbitragem, cuja efetividade da deciso no repousa na fora do Estado, mas, sim, na da corporao em que se integram as partes conflitantes que, em no acatando o laudo arbitral, dela ser excluda ante a falta de credibilidade e confiabilidade.

    A abordagem da questo da autono-mia da lex mercatoria requer, de meu ponto de vista, que se examine em primeiro lugar a questo da existn-cia da societas mercatorum internacio-nal que assegura a autonomia da lex mercatoria (QUEIROZ, 2002, p. 81).

    Acerca da autonomia da lex mercatoria posiciona-se, com propriedade, Peter Ma-zzacano (2008, p. 3):

    The noun autonomy is defined in Blacks Law Dictionary as 1. The right of self-government. 2. A self-governing state. Immediately, the inadequacy of this definition is apparent. The self-governing nature of the medieval merchant class is evi-dent in the historical record, but this group, while free to contract in com-mercial matters, could not deemed a government or a state. Merchants were autonomous in terms of their relations with each other, as well as in commercial matters with the state. Apart from insisting that it be governed by its own merchant law

    in commercial matters, the merchant class had no other sovereign preten-tions. They simply wished to conduct commerce from state to state without any interference from local laws. The Blacks definition is, thus, deficient. It does, however, lead us in another, more interesting direction. Under the phrase autonomy of the parties Blacks refers us to freedom of con-tract. There, we find that freedom of contract is a doctrine w[h]ere people enjoy the right to bind themselves legally. With freedom of contract, parties should not be hampered by external control, as from, for example, government interference. In other words, these are legally binding acts between individuals outside the direct control of the state. This helps us to utilize a functional definition of autonomous, at least within the context of private legal orders. I use the term autonomy with this mean-ing. This is from the Greek: Auto-Nomos. Auto meaning self, and nomos meaning law. Autonomy is, thus, one who gives oneself his or her own law, as in self-made law.Based on this definition of autono-mous, the medieval lex mercatoria did represent a distinctive, autono-mous, private legal order that existed primarily outside the shadow of the state.

    Abrindo distncia de uma problemti-ca que se apresenta mais no plano terico que no ftico a experincia evidencia no serem as regras previstas no direito nacional necessariamente conflitantes com as regras da lex mercatoria. Ao contrrio, com frequncia verificam-se compatveis estas ltimas com os princpios que regem o direito das obrigaes, fato esse que conduz possibilidade de afastamento da aplicao da regra costumeira internacional to somente quando esta violar norma de ordem pblica local.

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    Merecedor de destaque entre os princ-pios compatveis e aplicveis liberdade contratual o princpio da autonomia da vontade, que possibilita s partes no ape-nas a escolha da lei que vai reger as obri-gaes por elas contradas, mas, tambm, permite a contratao ainda que no exista lei disciplinando tais relaes.

    [...] Neste sentido, no havendo legis-lao especfica a regular todas as rela-es jurdico-econmicas, at em face da impossibilidade material de isso ocorrer, sobreleva-se a importncia de regras supra-estatais que venham a dar conta de tal regulamentao.Neste diapaso, a adoo [de] um direito supranacional, fundado nos usos e costumes reiteradamente utilizados na prtica internacional dos comerciantes a lex mercatoria, seria uma forma de se estabelecer parmetros concretos para a soluo dos litgios surgidos no mbito do comrcio internacional (AZEVEDO, 2006, p. 99).

    O princpio da autonomia da vontade , pois, grande facilitador do processo de adequao entre as normas da lex mercatoria e as normas de direito interno, uma vez que torna possvel a adoo da lex mercatoria, pelas partes, como parmetro de resoluo dos conflitos hipoteticamente advindos da execuo dos contratos internacionais.

    Por medio de la autonomia de la voluntad, las partes de un contrato in-ternacional estn facultadas a elegir el derecho nacional aplicable a su relaci-n jurdica (autonomia conflictual), o bien incorporar al contrato clusulas creadas o elaboradas por las propias partes (autonomia material).Estn facultadas las partes, por me-dio de la autonoma de la voluntad, a elegir como derecho rector de su contrato a la lex mercatoria? Se estima que s. Las partes de um contrato pueden elegir como aplica-ble no ya un derecho nacional de un

    pas determinado, sino un derecho transnacional; un derecho de creacin no-estatal.El ejemplo ms acabado de esta posibilidad lo brindan las reglas y usos uniformes para los crditos documentados (ICC Publication no 500), que son generalmente elegidas para regire il contrato de crdito do-cumentado, y que forman parte del contenido de la lex mercatoria [...] (CORTE, 2004, p. 357).

    A autonomia da vontade, contudo, no capaz, por si s, de resolver a questo acerca do alcance da aplicao da lex merca-toria, quando confrontada com a soberania estatal. Isso porque, como bem sabido, so-mente o Estado detm o monoplio do uso legtimo da fora muitas vezes necessria para ver cumprido um mandamento seu.

    Desse modo, ainda que as partes contra-tantes optem por resolver seus conflitos por meios e recursos consagrados como usos e costumes do comrcio internacional, a no observncia dos dispositivos lanados em uma deciso sobre tais conflitos ser sempre uma possibilidade. No por menos que o Estado brasileiro, consciente da necessida-de de se adaptar dinmica do comrcio internacional, inseriu em seu ordenamento jurdico a chamada Lei de Arbitragem (Lei no 9.307/96), recepcionando instituto tpico da lex mercatoria e regulando sua aplicao pelo Estado-juiz.

    Ahora bien, constiuye la lex mer-catoria un autntico sistema jurdico, independiente de los derechos nacio-nales, o en definitiva depende de los sistemas jurdicos nacionales?Los autores que son crticos de la doctrina de la lex mercatoria sostie-nen que sta encuentra lmites muy definidos al momento de tener que ejecutar las obligaciones derivadas de un contrato internacional.Es decir, que aun cuando un con-trato pueda ser regulado por la lex mercatoria, si es necesario recurrir

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    a um juez nacional para solicitar el cumprimiento del contrato, este juez controlar que el derecho aplicable al contrato no viole los princpios de orden pblico del Estado donde pretenda hacerse valer.Otros autores han considerado sin embargo que es factible extender o dilatar estos lmites. Em efecto, las partes de un contrato no solo pueden regular su contrato por la lex merca-toria, sino que adems pueden prever que em caso de disputas entre ellas, la solucin de las mismas se someta a um arbitraje internacional.Y los rbitros, a no ser representantes del Estado, se sienten menos compro-metidos a contrastar en contenido de la lex mercatoria, que regula el contrato, con el derecho estatal.GOLDSHIMIDT ha denominado a esta posibilidad autonoma uni-versal, ya que el contrato no estara sujeto, en principio a ningn orden ju-rdico estatal (CORTE, 2004, p. 360).

    Essa a razo pela qual alguns autores persistem na crtica de que a lex mercatoria no seria propriamente um sistema jurdico. que, como j afirmado acima, a impossibi-lidade de uso da fora para fazer cumprir as decises obtidas em procedimentos extra-estatais manteria a lex mercatoria, em ltima instncia, em condio de dependncia dire-ta do sistema jurdico e judicial estatal.

    3.2. Aplicao da nova lex mercatoria no ordenamento jurdico brasileiro

    Indiscutivelmente, a arbitragem interna-cional o principal meio de afirmao das normas da lex mercatoria, principalmente pelo fato de ser a opo preferida dos co-merciantes no que se refere a procedimen-tos de soluo de controvrsias.

    Por outro lado, o reconhecimento formal da arbitragem pelos ordenamentos legais nacionais se apresenta como modo eficiente de incorporao de regras da lex mercatoria pelos ordenamentos estatais. Nesse sentido,

    bem coloca Pedro Pontes de Azevedo (2006, p. 101-102).

    O juzo arbitral representa uma importante vlvula de escape morosidade do judicirio, alm de possibilitar a prolao de sentenas tecnicamente mais embasadas, em virtude da competncia especfica dos rbitros eleitos pelas partes, no exerccio da autonomia da vontade que lhes assegurado.Assim, sendo o juzo arbitral o de maior percucincia para dirimir os conflitos surgidos no mbito do co-mrcio internacional, no poderia o nosso pas rechaar a sua aplicao, como de regra no o faz.No Brasil, portanto, a Lei no 9.307/96, que dispe sobre a arbitragem, repre-sentou um grande avano do nosso ordenamento, posto que adotou a au-tonomia da vontade, inclusive, como um dos princpios informadores do juzo arbitral. Soma-se a isso o fato de que os pases desenvolvidos j se utili-zam do juzo arbitral h muito tempo. No direito aliengena so admitidas as clusulas arbitrais, conforme j salien-tado, desde que no sejam contrrias ordem pblica. Assim tambm o em nosso sistema jurdico, que prev inclusive o ingresso das sentenas prolatadas em sede de juzo arbitral estrangeiro, desde que homologadas pelo Supremo Tribunal Federal.

    Desse modo, a partir da anlise do processo de recepo da arbitragem pelo ordenamento jurdico, bem como de sua abordagem pelo Poder Judicirio, que se pode enfrentar com mais clareza a questo relativa aplicao da nova lex mercatoria no Brasil.

    3.2.1. ArbitragemO procedimento arbitral no Brasil foi

    introduzido por meio da Lei no 9.307/96, com a finalidade de atender s demandas da dinmica do mercado internacional,

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    propiciando aos contratantes estrangeiros uma alternativa ao modelo convencional de soluo de controvrsias, qual seja, o jurisdicional.

    Do mesmo modo que a excessiva bu-rocracia nacional voltada para a abertura e encerramento de empresas, ou mesmo os altos encargos trabalhistas, afastam negcios e investimentos estrangeiros no pas, a falta de uma legislao especfica para regular o procedimento arbitral, ca-paz de validar sua aplicao no territrio nacional, estava a prejudicar as relaes comerciais internacionais, iniciadas com o processo de insero na economia global de mercado e com a abertura do mercado nacional promovida na gesto do ento presidente Collor.

    A arbitragem um meio de soluo de litgios utilizado comumente no comrcio internacional. Consiste num fenmeno em crescente evoluo no mundo contemporneo em virtude do desenvolvimento das relaes internacionais.Antes da vigncia da Lei de Arbitra-gem no Brasil, as definies sobre essa modalidade de soluo de con-trovrsias partiam de um conceito voltado ao mbito costumeiro inter-nacional. A partir da vigncia desta lei, a arbitragem recebeu nova con-cepo, modernizou seus conceitos e sua estrutura. Com a criao deste instituto houve um favorecimento diversidade de soluo de contro-vrsias, de forma mais clere, gil e econmica para as partes envolvidas (LOCATELI, 2001, p. 35).

    A edio da lei, contudo, ainda guardou certa expectativa at a confirmao de sua constitucionalidade pelo Supremo Tribu-nal Federal, uma vez que a Constituio Federal resguarda, como direito funda-mental, a inafastabilidade da prestao jurisdicional.

    De fato, como bem se posiciona o Supremo Tribunal Federal, a ordem

    jurdico-constitucional assegura aos cidados acesso ao Judicirio em concepo maior. Engloba a entrega da prestao jurisdicional da forma mais completa e convincente pos-svel. (RE 158.655 Relator Min. Marco Aurlio no mesmo sentido RE 172.084). E de outro modo no poderia ser, vez que a jurisdio a funo estatal que tem por finalidade restabelecer a paz social por meio da soluo das lides.Assim, torna-se evidente que tal fun-o, cujas caractersticas essenciais so a substitutividade e a definitivi-dade, reserva ao Judicirio, por fora de comando constitucional, o dever de se pronunciar no sentido de reafir-mar a ordem jurdico-constitucional, toda vez que diante de qualquer leso ou ameaa a direito (VIDIGAL, 2007, p. 261).

    Superada a questo por meio de deciso verdadeiramente salomnica, em que a autoridade do Judicirio era preservada com a apreciao da regularidade do pro-cedimento, ao tempo em que os interesses do mercado global eram prestigiados com a constitucionalidade do instituto, o uso da arbitragem, que, no plano interno, ainda bastante tmido, passou a ser utilizado constantemente, como se pode constar a partir da observao dos diversos julgados proferidos pelo Supremo Tribunal Federal e, atualmente, pelo Superior Tribunal de Justia, em sede de homologao de sen-tena estrangeira.

    Focando a ateno nas disposies da Lei em questo, verifica-se clara opo do legislador em prestigiar a arbitragem como meio apto a fazer aplicar, quando em conjunto com a Lei de Introduo ao Cdigo Civil e com os princpios do pacta sunt servanda e da boa-f, disposies da lex mercatoria no territrio nacional.

    De acordo com o artigo 34 da Lei no 9.307/96, a sentena arbitral estrangeira, compreendida esta como a que tenha sido

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    proferida fora do territrio nacional, ser reconhecida ou executada no Brasil de con-formidade com os tratados internacionais com eficcia no ordenamento interno e, na sua ausncia, estritamente de acordo com os termos da prpria lei de arbitragem.

    H de se ressaltar, contudo, que, de acordo com a constituio Federal e com a referida lei, o reconhecimento ou a execu-o da sentena arbitral no Brasil depende sempre e unicamente da homologao a ser realizada pelo Superior Tribunal de Justia.2

    Em termos procedimentais, a homolo-gao de sentena arbitral estrangeira ser requerida pela parte interessada, devendo a petio inicial conter as indicaes da lei processual, conforme o art. 282 do Cdigo de Processo Civil, e ser instruda, necessa-riamente, com original da sentena arbitral ou uma cpia devidamente certificada, autenticada pelo consulado brasileiro e acompanhada de traduo oficial, bem como do original da conveno de arbi-tragem ou cpia devidamente certificada, acompanhada de traduo oficial.

    Os impedimentos para a homologao da sentena arbitral estrangeira esto no artigo 38 da referida lei, sendo eles (i) a incapacidade civil das partes que firma-ram a conveno de arbitragem; (ii) a falta de validade da conveno diante da lei qual as partes a submeteram; (iii) a falta de notificao da designao do rbitro ou do procedimento de arbitragem; (iv) a violao do princpio do contraditrio, impossibilitando a ampla defesa; (v) a vio-lao, pela sentena arbitral, dos limites da conveno, quando no for possvel separar a parte excedente; (vi) a instituio da arbi-tragem em desacordo com o compromisso arbitral ou clusula compromissria; e (vii) a sentena arbitral que no se tenha,

    2 De acordo com o artigo 35 da Lei no 9.307/96, a homologao da sentena estrangeira deve ser feita pelo Supremo Tribunal Federal. Contudo, a Emenda Constitucional n o 45 transferiu a competncia para o Superior Tribunal de Justia.

    ainda, tornado obrigatria para as partes, tenha sido anulada, ou, ainda, tenha sido suspensa por rgo judicial do pas onde a sentena arbitral for prolatada.

    A sentena arbitral tambm poder dei-xar de ser homologada quando o Superior Tribunal de Justia constar que, segundo a lei brasileira, o objeto do litgio no suscetvel de ser resolvido por arbitragem, ou, ainda, que a deciso ofende a ordem pblica nacional.

    H de se ressaltar que a denegao da homologao para reconhecimento ou exe-cuo de sentena arbitral estrangeira por vcios formais no obsta que a parte inte-ressada renove o pedido, uma vez sanados os vcios apresentados. Assegura-se, assim, que falhas meramente formais prejudiquem o contedo do decisum arbitral.

    V-se, portanto, que, no caso brasilei-ro, no h que se prolongar as discusses acerca da afronta ou no soberania esta-tal, pois o prprio legislador aderiu a uma tendncia global da adoo da arbitragem como forma de insero das normas da lex mercatoria no ordenamento estatal, possi-bilitando a soluo de controvrsias muito especficas com maior grau de acerto, o que garante maior segurana jurdica s relaes comerciais internacionais.

    3.2.2. JurisprudnciaDesde a promulgao da Constituio

    de 1988, pode-se apontar como pronuncia-mento judicial mais importante no tocante arbitragem a deciso do Supremo Tribunal Federal que reconheceu a constitucionali-dade da Lei no 9.307/96.

    Trata-se do julgamento do Agravo Re-gimental na Sentena Estrangeira 5.206/Espanha, da relatoria do Ministro Sepl-veda Pertence, julgado em 12-12-01 pelo Plenrio do Supremo Tribunal Federal. A deciso, publicada no Dirio da Justia de 30/04/2004, estava assim ementada:

    EMENTA: 1. Sentena estrangeira: laudo arbitral que dirimiu conflito entre duas sociedades comerciais

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    sobre direitos inqestionavelmente disponveis a existncia e o montan-te de crditos a ttulo de comisso por representao comercial de empresa brasileira no exterior: compromisso firmado pela requerida que, neste processo, presta anuncia ao pedido de homologao: ausncia de chan-cela, na origem, de autoridade judi-ciria ou rgo pblico equivalente: homologao negada pelo Presidente do STF, nos termos da jurisprudncia da Corte, ento dominante: agravo re-gimental a que se d provimento, por unanimidade, tendo em vista a edio posterior da L. 9.307, de 23.9.96, que dispe sobre a arbitragem, para que, homologado o laudo, valha no Brasil como ttulo executivo judicial. 2. Laudo arbitral: homologao: Lei da Arbitragem: controle incidental de constitucionalidade e o papel do STF. A constitucionalida-de da primeira das inovaes da Lei da Arbitragem a possibilidade de execuo especfica de compromisso arbitral no constitui, na espcie, questo prejudicial da homologao do laudo estrangeiro; a essa interessa apenas, como premissa, a extino, no direito interno, da homologao judicial do laudo (arts. 18 e 31), e sua conseqente dispensa, na origem, como requisito de reconhecimento, no Brasil, de sentena arbitral estrangeira (art. 35). A completa assimilao, no direito interno, da deciso arbitral deciso judicial, pela nova Lei de Ar-bitragem, j bastaria, a rigor, para au-torizar a homologao, no Brasil, do laudo arbitral estrangeiro, indepen-dentemente de sua prvia homolo-gao pela Justia do pas de origem. Ainda que no seja essencial soluo do caso concreto, no pode o Tribu-nal dado o seu papel de guarda da Constituio se furtar a enfrentar o problema de constitucionalidade suscitado incidentemente (v.g. MS

    20.505, Nri). 3. Lei de Arbitragem (L. 9.307/96): constitucionalidade, em tese, do juzo arbitral; discusso incidental da constitucionalidade de vrios dos tpicos da nova lei, especialmente acerca da com-patibilidade, ou no, entre a execuo ju-dicial especfica para a soluo de futuros conflitos da clusula compromissria e a garantia constitucional da universalidade da jurisdio do Poder Judicirio (CF, art. 5o, XXXV). Constitucionalidade declarada pelo plenrio, considerando o Tribunal, por maioria de votos, que a ma-nifestao de vontade da parte na clusula compromissria, quando da celebrao do contrato, e a permisso legal dada ao juiz para que substitua a vontade da parte recalcitrante em firmar o compromisso no ofendem o artigo 5o, XXXV, da CF. Votos vencidos, em parte includo o do relator que entendiam incons-titucionais a clusula compromiss-ria dada a indeterminao de seu objeto e a possibilidade de a outra parte, havendo resistncia quanto instituio da arbitragem, recorrer ao Poder Judicirio para compelir a parte recalcitrante a firmar o compromisso, e, conseqentemente, declaravam a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei 9.307/96 (art. 6o, parg. nico; 7o e seus pargrafos e, no art. 41, das novas redaes atribudas ao art. 267, VII, e art. 301, inciso IX do C. Pr. Civil; e art. 42), por violao da garantia da universalidade da jurisdio do Poder Judicirio. Constitucionalidade a por deciso unnime, dos dispositivos da Lei de Arbitragem que prescrevem a irrecorribilidade (art. 18) e os efeitos de deciso judiciria da sentena arbitral (art. 31).

    A partir do supracitado julgado, as rela-es comerciais internacionais envolvendo o Brasil ou seus nacionais ingressaram em nova fase de amadurecimento e desenvol-vimento. Contudo, a cooperao de todo o Poder Judicirio sempre se fez necessria

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    para que a arbitragem realmente atingisse sua finalidade. Quanto a isso, esclarecedor o magistrio de Irineu Strenger (2004, p. 18):

    Trs aspectos fundamentais da arbitragem comercial internacional so concernentes s leis nacionais, e em conseqncia demandam a com-preenso, a cooperao e o apoio dos juzes dos tribunais nacionais. Esses trs aspectos referem-se necessida-de de uma cooperao dos tribunais para (1o) reconhecer as convenes de arbitragens, (2o) facilitar as condu-tas das arbitragens, (3o) executar as sentenas arbitrais. A lei nacional de numerosos pases tem incorporadas as disposies dos tratados relativos arbitragem aos quais esses pases tm aderido, mas onde em todos os casos a interveno do juiz necessria para interpretar e dar fora obrigatria a es-ses tratados para definir suas relaes com as leis nacionais e determinar as questes tratadas pela lei nacional e que escapam s convenes. neces-sria a cooperao dos tribunais para o reconhecimento das convenes de arbitragem. Uma conveno de arbitragem tem pouco valor prtico se uma das partes deseja evitar a arbitra-gem com a possibilidade de introduzir um processo em um tribunal nacional, e esperar que o tribunal resolva bem o fundamento da ao.

    Referida cooperao dos tribunais pode ser verificada em diversos julgados, tanto do Supremo Tribunal Federal, quanto do Superior Tribunal de Justia, a exemplo dos colacionados abaixo:

    SUPREMO TRIBUNAL FEDERALCARTA ROGATRIA N. 11.444-3DECISO: O Tribunal Superior do Canto de Zurique roga pela inti-mao de TV GLOBO Ltda, para responder a ao ajuizada perante aquele Tribunal. A interessada apre-sentou impugnao (fls. 64-78 da CR

    11444, CR 11445 e da CR 11446). Alega que (...) Trata-se de um verdadeiro ato citatrio destinado a submeter a impugnante a um TRIBUNAL DE EXCEO, que a empresa alem quer instituir com base em clusula com-promissria que perdeu totalmente sua eficcia, (...) A referida clusula foi instituda em negcio jurdico celebrado entre as partes (...), que a antecessora da empresa alem cedeu ora impugnante, em instrumento formalizado no ano de 1998, o direito de transmisso da Copa do Mundo de 2006, por aquela detido (...). Trans-creve a clusula compromissria: Todas as disputas decorrentes deste Contrato ou ligadas ao mesmo sero resolvidas, excluso dos tribunais ordinrios, por um Tribunal Arbritral de trs pessoas, constitudo de acor-do com as Regras Internacionais de Arbitragem da Cmara de Comrcio de Zurique, devendo um rbitro ser nomeado pelo LICENCIANTE, um pelo LICENCIADO e o terceiro pelos rbitros nomeados. Os procedimentos sero conduzidos em ingls e sero realizados em Zurique. A deciso do Tribunal Arbitral ser definitiva e vinculatria sobre as partes (grifa-mos) (...) a impugnante s concordou em submeter arbitragem eventuais lides decorrentes do contrato, porque ficou Expressa e claramente previsto na clusula compromissria que o Tribunal Arbitral se realizaria atravs do citado rgo arbitral institucio-nal... Com a recusa da Cmara de Comrcio de Zurique de exercer a jurisdio arbitral, porque impedida esta pelo prprio compromisso arbi-tral, a conseqncia foi a automtica e inexorvel INEFICCIA da clusula, insuscetvel de suportar unilateral-mente a pretendida alterao para a forma de arbitragem ad-hoc (...) (fls. 64-78). A PGR opinou pela concesso

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    do exequatur (fls. 486/487). 2. Anlise A impugnao deve estar restrita ao que prescreve o 2o do art. 226 do RISTF. No caso dos autos, a interes-sada aborda a ineficcia de clusula compromissria. Essa questo deve ser examinada no juzo rogante, no neste Tribunal, conforme decidido na CR 7870, de cujo teor destaco esta parte: (...) De outra parte, o ora impugnante deduziu argumentos de mrito, pretendendo, com base neles, discutir matria cuja apreciao compete, exclusivamente, ao juzo rogante. preciso ter presente, neste ponto, que, em tema de comisses rogatrias passivas tanto quanto em sede de homologao de sentenas estrangeiras o ordenamento nor-mativo brasileiro instituiu o sistema de contenciosidade limitada, somente admitindo impugnao contrria concesso do exequatur, quando fundada em pontos especficos, como a falta de autenticidade dos documen-tos, a inobservncia de formalidades legais ou a ocorrncia de desrespeito ordem pblica, aos bons costumes e soberania nacional (RISTF, art. 226, 2o). Da a advertncia de HERMES MARCELO HUCK (Sentena Estran-geira e Lex Mercatoria, p. 37, item n. 6, 1994, Saraiva), que assinala: O pro-cedimento para a obteno do exequatur no aceita contraditrio, pois seu objetivo meramente o de dar cumprimento solicitao do juzo estrangeiro. A im-pugnao carta rogatria somente ser admitida sob argumento de que ela atenta contra a ordem pblica ou a soberania na-cional. (grifei) (...) (CR 7870, CELSO, DJ27/11/98) O PGR opina seja rejei-tada a impugnao nestes termos: (...) Examinados os autos, verifica-se que a impugnao da interessada no pros-pera, na medida em que no logrou demonstrar que a concesso da ordem fere a soberania nacional ou a ordem

    pblica, hipteses em que no poss-vel conceder a diligncia rogada. de se atentar que a diligncia requerida visa, apenas, notificar a interessada de um procedimento que est em curso perante a Justia estrangeira, onde podero ser argidas as excees cabveis. (...) (fl. 487 da CR 11444, fl. 489 da CR 11445 e fl. 484 da CR 11446). Com efeito, o objetivo desta carta a intimao da interessada para: (...) a) apresentar eventuais objees contra a obrigao da constituio de um Tribunal de Arbitragem, sob pena da presuno, de outra forma, dessa obrigao. b) formular propostas re-ferentes nomeao eventual de um rbitro, sob pena de, de outra forma, o Tribunal nomear tal rbitro sua pr-pria escolha. c) para (...) designar uma pessoa na Sua investida de poderes para receber citaes judicirias (...) (fls. 46/47 das CR 11444, CR 11445 e CR 11446). Isso no atenta contra a soberania nacional ou a ordem pblica. 3. Deciso Ante o exposto, concedo o exequatur (art. 225, RISTF) para cumprimento desta rogatria. Tal deciso estende-se s Cartas Ro-gatrias 11445 e 11446, apensadas a estes autos. Encaminhem-se os autos Justia Federal do Estado do Rio de Janeiro para as providncias cabveis. Publique-se. Braslia, 04 de agosto de 2004. Ministro NELSON JOBIM Presidente.CORTE ESPECIAL/SUPERIOR TRI-BUNAL DE JUSTIASENTENA ESTRANGEIRA CON-TESTADA no 894/UYData do Julgamento: 20/08/2008Ementa: Homologao de sentena arbitral estrangeira prolatada no Uruguai. Trnsito em julgado de ao judicial que contesta a sentena arbi-tral. Desnecessidade. Smula 420/STF. Inaplicabilidade. Incorporao de empresa por outra. Sujeio

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    arbitragem. Contraditrio. Violao. Inocorrncia. Questes intrnsecas prpria arbitragem. Lei de Arbi-tragem brasileira. Norma de carter processual. Incidncia imediata. Con-trole judicial. Limitao aos aspectos dos arts. 38 e 39 da Lei 9.307/96. Inexistncia de motivos para que seja denegada a homologao. Pedido de homologao de sentena arbitral estrangeira obtida perante a Corte Internacional de Arbitragem da Cmara de Comrcio Internacional, na cidade de Montevidu, Uruguai, versando sobre cumprimento de obri-gaes de ndole contratuais. Pede-se a homologao de sentena arbitral proferida em maio de 2003 e no sujeita a recursos. No subsiste a necessidade de trnsito em julgado de ao judicial no Uruguai que ques-tiona a arbitragem, especialmente na espcie, em que a ao judicial foi indeferida. A requerida Inepar, ao incorporar duas outras empresas contratantes, assumiu todos os direitos e obriga-es das cedentes, inclusive a clu-sula arbitral em questo. A Lei de Arbitragem brasileira tem incidncia imediata aos contratos que contenham clusula arbitral, ainda que firmados anteriormente sua edio. Precedentes da Corte Especial. A anlise do STJ na homologao de sentena arbitral estrangeira est limitada aos aspectos previstos nos artigos 38 e 39 da Lei no 9.307/96. No compete a esta Corte a apreciao do mrito da relao material objeto da sentena arbitral.Sentena arbitral estrangeira homo-logada.CORTE ESPECIAL/SUPERIOR TRI-BUNAL DE JUSTIASENTENA ESTRANGEIRA CON-TESTADA No 611/US

    Data do Julgamento: 23/11/2006Ementa: HOMOLOGAO DE SENTENA ESTRANGEIRA. SEN-TENA ARBITRAL. MATRIA DE MRITO. IRRELEVNCIA. ART. 38 DA LEI N. 9.307/96.1. As disposies contidas no art. 38 da Lei no 9.307/96 apresentam um campo mais largo das situaes ju-rdicas que podem ser apresentadas na contestao, em relao prevista no art. 221 do RISTF, mas no chega ao ponto de permitir a invaso da esfera de mrito da sentena homo-loganda.2. A existncia de ao anulatria da sentena arbitral estrangeira em trmite nos tribunais ptrios no constitui impedimento homolo-gao da sentena aliengena, no havendo ferimento soberania nacio-nal, hiptese que exigiria a existncia de deciso ptria relativa s mesmas questes resolvidas pelo Juzo ar-bitral. A Lei no 9.307/96, no 2o do seu art.33, estabelece que a sentena que julgar procedente o pedido de anulao determinar que o rbitro ou tribunal profira novo laudo, o que significa ser defeso ao julgador pro-ferir sentena substitutiva emanada do Juzo arbitral. Da a inexistncia de decises conflitantes.3. Sentena arbitral estrangeira ho-mologada.

    V-se, assim, que, no tocante aos tri-bunais ptrios, a simples estipulao do compromisso arbitral nos contratos inter-nacionais suficiente para que qualquer celeuma havida na execuo ou inexecuo do referido instrumento obrigacional possa ser resolvida por meio da arbitragem inter-nacional, que, por sua vez, poder valer-se dos diversos instrumentos postos dispo-sio do rbitro pela lex mercatoria.

    Agindo desse modo, os contratantes tm a garantia de que a deciso de mri-to proferida pelo rbitro ser tratada no

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    Brasil como se proferida por juiz estatal, mesmo que fundada em disposies da lex mercatoria, bastando que a sentena arbitral esteja isenta de nulidades procedimentais ou de agresses ordem constitucional brasileira.

    ConclusoDe todo o exposto, possvel concluir

    que a defesa da aplicao da nova lex mer-catoria no mbito das relaes comerciais internacionais no uma questo apenas de utilidade, mas, antes, de necessidade.

    Isso porque, peculiaridades prprias das contrataes internacionais no costumam ser acompanhadas de modo adequado pelas legislaes nacionais, principalmente diante da diversidade de sistemas jurdicos e culturais existentes no mundo.

    Alm disso, os sistemas judiciais de todo o mundo apresentam mazelas que dificultam, em muito, a dinmica do co-mrcio internacional, a exemplo da falta de conhecimento tcnico, do excesso de burocracia, da morosidade, do histrico de corrupo, alm de outras de natureza ideolgica, xenofbica, cultural ou racista. nesse contexto que a nova lex mercatoria ganha fora e espao, agindo, paralelamen-te ao processo estatal de desenvolvimento das integraes regionais polticas e econ-micas3, como facilitadora do processo de intensificao da mercancia global.

    Trata-se de verdadeiro direito alterna-tivo que no pode ser confundido com o uso alternativo do direito4 aplicado pela classe dos comerciantes e, em diversos pases do mundo, j em processo de reco-nhecimento e absoro pelos ordenamentos jurdicos nacionais.

    Certo que, nesse processo, a arbi-tragem internacional se apresenta como instrumento mais eficiente, guardando como crtica contrria mais forte a alega-o da falta de coercitividade das decises

    3 Sobre o assunto, conferir: Vidigal (2005).4 Sobre o assunto, conferir: Vidigal (2003).

    proferidas pelo rbitro. A crtica, contudo, no se aplica sob a tica do ordenamento jurdico brasileiro, uma vez que tanto a Lei no 9.307/96 quanto o Cdigo de Processo Civil asseguram sentena arbitral nature-za jurdica de ttulo executivo judicial, ou seja, emprestam parte vencedora a fora coercitiva do Estado em caso de descum-primento da deciso.

    Demais disso, a nova lex mercatoria tambm recebida por nosso ordenamento jurdico na combinao do artigo 4o da Lei de Introduo ao Cdigo Civil (Decreto Lei no 4.657/42), que impe ao juiz, em caso de omisso legislativa, o julgamento com base na analogia, nos costumes e nos princpios gerais de direito, com o artigo 113 do Novo Cdigo Civil, que impe a obrigatoriedade de interpretao dos negcios jurdicos conforme a boa-f e os usos do lugar de sua celebrao.

    Essa posio, registre-se, no inova-dora, haja vista que o artigo 130 do Cdigo Comercial de 1850 j disciplinava que as pa-lavras dos contratos e convenes mercan-tis deveriam ser entendidas inteiramente [...] segundo o costume e uso recebido no comrcio, e pelo mesmo modo e sentido por que os negociantes se costumam explicar, posto que entendidas de outra sorte possam significar coisa diversa (Lei 0556/1850).

    Em suma, uma vez que as relaes eco-nmicas internacionais continuam-se apri-morando e alcanando o propsito inicial do processo de globalizao por meio da liberalizao do comrcio, qual seja, o de assegurar o desenvolvimento econmico dos pases e a aproximao dos povos, me-lhorando a qualidade de vida dos homens e reduzindo o nmero de conflitos blicos, no h como negar importncia defesa da aplicao das disposies da lex mercatoria nas relaes de comrcio. Ou como bem coloca Arnoldo Wald (1995, p. 23):

    [...] A integrao econmica do Brasil no continente americano e no mundo significa uma verdadeira re-voluo cultural, em relao ao nosso

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    direito, exigindo uma nova formao dos juristas, que no mais se podem contentar em conhecer, to-somente, o direito nacional.[...] A Lex Mercatoria tornou-se um instrumento jurdico importante para os povos que pretendem participar ativamente da evoluo econmica mundial, sendo preciso conhec-lo e acompanhar a sua evoluo, no ha-vendo razo para ter medo do novo Direito do Comrcio Internacional, que relembra o Direito Pretoriano e o prprio ius gentium de uma fase da evoluo do Direito Romano. Trata-se, alis, menos de um corpo de lei, decises e doutrina do que da introduo de um novo esprito na construo e interpretao do direito.

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