A Linguagem Como Instinto Para Steven Pinker

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LEANDRO GORSKI A LINGUAGEM COMO INSTINTO PARA STEVEN PINKER CURITIBA

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Linguistica

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  • LEANDRO GORSKI

    A LINGUAGEM COMO INSTINTO PARA STEVEN PINKER

    CURITIBA

  • 2007PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DO PARAN

    CENTRO DE TEOLOGIA E CINCIAS HUMANASPROGRAMA DE PS-GRADUAO: MESTRADO EM FILOSOFIA

    A LINGUAGEM COMO INSTINTO PARA STEVEN PINKER

    Trabalho apresentado ao programa de Mestrado

    em Filosofia da Pontifcia Universidade Catlica

    do Paran, sob orientao do Prof. Dr. Bortolo

    Valle, como requisito parcial para a obteno do

    ttulo de Mestre em Filosofia.

    2

  • CURITIBA2007

    3

  • Agradecimentos

    Ao Prof. Bortolo Valle, pela aposta, dedicao e

    incentivo.

    Ao Prof. Cleverson Leite Bastos, pela forte gesto de

    conhecimento.

    Aos companheiros de montanha, Cleverson, Edmlson,

    Kleber e Daniel, pelo aprendizado informal e tantas risadas.

    Ao amigo Felipe (Sadol) Millani, pelas trocas

    intelectuais.

    E principalmente a minha esposa Elaine, pela pacincia,

    compreenso e amor.

    O meu sincero agradecimento e gratido.

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  • Alguns cognitivistas descreveram a

    linguagem como uma faculdade

    psicolgica, um rgo mental, um

    sistema neural ou um mdulo

    computacional. Mas prefiro o simples e

    banal termo instinto. Ele transmite a

    idia de que as pessoas sabem falar

    mais ou menos da mesma maneira que

    as aranhas sabem tecer teias.

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  • Steven Pinker

    RESUMO

    A linguagem se tornou, no sculo XX, a questo central da filosofia, existindo vrios

    tipos de abordagem, como por exemplo, a Hermenutica, a Fenomenologia, a Filosofia

    Analtica, o Estruturalismo entre outras. Outro modo de analis-la por meio da relao que se

    estabelece entre as estruturas biolgicas e a linguagem levada a termo por pesquisas das reas

    de teorias da mente: neurocincias, gentica comportamental e psicologia evolucionista.

    Entre vrios autores que trabalham com esta concepo, destaca-se Steven Pinker. Entre

    as vrias obras produzidas como Tbula Rasa (2004) e Como a Mente Funciona (2004),

    destaca-se O Instinto de Linguagem (2002), onde o autor defende a tese em favor do

    desenvolvimento da lngua como adaptao evolutiva, existindo uma vinculao profunda entre

    aquilo que chamado de mente e o crebro.

    Para Pinker a linguagem no um artefato cultural que aprendemos da maneira como

    aprendemos informar as horas ou como o governo funciona. Ao contrrio, nitidamente uma

    pea da constituio biolgica de nosso crebro. A linguagem uma habilidade complexa e

    especializada, que se desenvolve na criana sem nenhum esforo consciente ou instruo

    formal, manifestando-se sem que se perceba sua lgica subjacente, que qualitativamente a

    mesma em todo o indivduo.

    Por essas razes, alguns cognitivistas descreveram a linguagem como uma faculdade

    psicolgica, um rgo mental, um sistema neural ou um mdulo computacional. Pinker prefere

    utilizar o termo instinto. Ele transmite a idia de que as pessoas sabem falar mais ou menos da

    mesma maneira que as aranhas sabem tecer teias. As aranhas sabem tecer teias no porque uma

    aranha genial inventou ou aprendeu o processo. Elas o fazem porque tm crebro de aranha, o

    que as impele a tecer e lhes d competncia para faz-lo com sucesso. Pensar a linguagem como

    instinto inverte o senso comum, especialmente como vista pelas cincias humanas e sociais.

    Para Pinker a linguagem no uma inveno da cultura, assim como tampouco a postura ereta o

    .

    O trabalho de Pinker foi profundamente influenciado por Noam Chomsky, um dos

    primeiros lingistas a revelar a complexidade do sistema e talvez o maior responsvel pela

    moderna revoluo na cincia cognitiva e na cincia da linguagem. Mas Chomsky um pouco

    ctico em relao a possibilidade da seleo natural darwiniana poder explicar as origens do

    rgo da linguagem que ele prope. Pinker afirma que se o olho humano produto da adaptao

    ou seja, se se trata de algo eficaz, do ponto de vista funcional que se desenvolveu por

    intermdio da seleo natural , ento a mente humana, em essncia, tambm o . Pinker

    6

  • emprega esse darwinismo na expanso das teorias de Chomsky rumo a um territrio

    adaptacionista.

    Fica explcito nesta tese que o autor defende a existncia de um vnculo entre aquilo que

    chamado de instinto e mente, uma vez que seu trabalho procura refletir sobre o modo de

    como a mente cria a linguagem.

    Neste texto procuramos refletir sobre a realidade da linguagem fundada na noo de

    instinto conforme apresentada por Steven Pinker.

    ABSTRACT

    The language became philosophys main concern in the XX century, existing different

    types of approach such as, hermeneutics, phenomenology, analytic philosophy, structuralism

    among others. Another way to study it is by the relation with biological structures, and the

    researches in the fields of mind theory: neuroscience, behavioral genetics and evolutionist

    psychology.

    Among many others authors that work with this conception, one name is detached

    Steven Pinker. Among his many works, The Blank Slate (2004) and How the Mind Works

    (2004), detaches The Language Instinct (2002), where the author defends the theory in favor

    of the development of the language as a evolutional adaptation, exhibiting a profound link

    between that what is called mind and the brain.

    To Steven Pinker language is not a cultural artifact which we learn in the way that we

    learn to tell the hours or how the government works. On the contrary, it is clearly a tool of the

    biological structure of our brain. The language is a complex and specialized ability, that

    7

  • develops in a child without conscious effort or formal instruction, revealing itself without the

    knowledge of its internal logic, which is qualitatively the same in every individual.

    For this reasons, cognovits described language as a psychological tool, a mental organ,

    a neural system or a computer module. Pinker prefers to use the term instinct. It gives the idea

    that people know more or less to speak in the same way that spiders know how to produce a

    web. The spiders know how to make produce a web not because a genius spider invented it or

    because they learned the process. They do because they have a spider brain, what drives and

    enable them to produce it. Think about language as an instinct changes the common sense,

    specially how it is seen in human and social sciences. To Pinker language isnt a cultural

    invention, as walking stand isnt.

    Pinkers work was profoundly influenced by Noam Chomsky, one of the first linguistics

    to reveal the complexity of the system and maybe the biggest responsible for the modern

    revolution in cognitive science and in language science. But Chomsky is a bit skeptic about the

    possibility that natural selection can explain the origins of the language organ that he proposes.

    Pinker affirms that if the human eye is a product of adaptation which means, it is a functional

    tool, that developed by the means of natural selection -, so the human mind, in essence, also is.

    Pinker uses this Darwinism expanding Chomskys theory in an adaptationist territory.

    It is clear in this work that the author defends the existence of a bound between that

    what is called instincts and mind once his book try to reflects about the way that the mind

    creates language.

    In this text we tried to reflect about the reality of the language structured in the notion of

    instinct as presented by Steven Pinker.

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  • SUMRIO

    RESUMO_______________________________________________________05

    ABSTRACT____________________________________________________ 06

    INTRODUO__________________________________________________09

    CAPTULO I

    1. O NASCIMENTO DAS CINCIAS COGNITIVAS___________________13

    1.1. NOAM CHOMSKY_____________________________________ 16

    1.2. BIOLOGIA NA BERLINDA______________________________ 21

    1.3. O RETORNO DA BIOLOGIA_____________________________ 29

    1.4. ARQUITETURA DA MENTE_____________________________31

    CAPTULO II

    2. CREBRO E LINGUAGEM_____________________________________ 41

    2.1. DISTRBIOS DA FALA E COMPREENSO________________42

    2.2. A CONTRIBUIO DE MONOD: A LINGUAGEM E A

    EVOLUO NO HOMEM___________________________________46

    2.3. OS PERODOS CRTICOS DE KONRAD LORENZ___________49

    2.4. ASPECTOS BIOLGICOS DA LINGUAGEM PARA ERIC H.

    LENNEBERG______________________________________________50

    2.5. SOBRE O CONCEITO DE INSTINTO DE KONRAD LORENZ_ 52

    CAPTULO III

    3. STEVEN PINKER______________________________________________54

    3.1. HISTRICO___________________________________________ 54

    3.2. O DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM EM CRIANAS__ 57

    3.3. MEIO INTERNO DE COMPUTAO: MENTALS__________ 62

    9

  • 3.4. DIVERSIDADE LINGSTICA___________________________ 64

    3.5. FISIOLOGIA DA FALA_________________________________ 66

    3.6. DESENVOLVIMENTO DO ASPECTO FISIOLGICO DA

    FALA____________________________________________________ 67

    3.7. LNGUA-ME_________________________________________ 69

    3.8. GENES DA GRAMTICA________________________________72

    3.9. EVOLUO DA LINGUAGEM E TEORIA EVOLUTIVA_____ 75

    3.10. GENEALOGIA DA ESPCIE____________________________ 82

    3.11. SINGULARIDADE DA LINGUAGEM_____________________89

    3.12. CONTRIBUIO PINKERIANA: MODELOS______________ 90

    CONSIDERAES FINAIS_______________________________________ 99

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS_______________________________ 103

    BIBLIOGRAFIA DE CONSULTA_________________________________ 104

    10

  • INTRODUO

    A presente dissertao busca analisar como o neurolingista canadense

    Steven Pinker estabelece as bases biolgicas para a linguagem. O autor prope a

    linguagem como um instinto, o qual produzido pela evoluo, mais

    precisamente pela seleo natural. Analisando a linguagem a partir desta

    perspectiva, veremos que a linguagem produzida pela mente, e a mente

    produzida pelo crebro. A obra que ser utilizada como referncia O instinto da

    Linguagem de Steven Pinker, produzido originalmente em 1998, e a primeira

    traduo em 2002. Alm desta obra, sero utilizados outros textos,

    principalmente da psicologia evolutiva, apoiando a idia do autor sobre o tema.

    O problema da pesquisa em questo reside em que tal posio defendida

    pelo autor se ope s posies clssicas denominadas culturalistas,

    fundamentadas nos trs principais dogmas da filosofia moderna, que seriam o

    dogma da tbula rasa, o dogma do bom selvagem e o dogma do fantasma na

    mquina. Na obra que servir como base para o nosso trabalho o autor focaliza o

    tema da linguagem, mas em sua obra mais recente, publicada em 2004, intitulada

    de Tbula Rasa A negao contempornea da natureza humana, o autor

    trabalha diferentes temas vinculados a aspectos biolgicos, buscando estabelecer

    uma nova forma de interpretao dos processos comportamentais humanos

    baseado na teoria sinttica da evoluo, que seria a teoria da seleo natural do

    naturalista ingls Charles Darwin unida aos enunciados e descobertas da gentica

    feitos por diversos pesquisadores.

    A relevncia desta abordagem estar fundamentada no aporte do incio da

    dcada de 1980, principalmente na contribuio de Edward O. Wilson com a

    teoria da sociobiologia exposta em seu livro Sociobiologia: A nova sntese,

    lanado em 1975. Sociobiologia seria um ramo da biologia que estuda o

    comportamento social dos animais, usando conceitos da etologia, evoluo,

    sociologia e gentica de populaes. Essa disciplina cientfica prope que

    comportamentos e sentimentos animais, tambm existente nos seres humanos,

    11

  • como o altrusmo e a agressividade, por exemplo, so em parte derivados da

    gentica, e no so apenas culturais ou socialmente adquiridos. Esse tipo de

    afirmao causou grande controvrsia no cenrio intelectual, e ainda hoje divide

    os pesquisadores. Entretanto, boa parte das crticas so interpretaes errneas da

    teoria, muito confundida com o darwinismo social. Alm da contribuio de

    Wilson, os temas desenvolvidos por Richard Dawkins sobre a evoluo e a

    gentica tambm so de grande relevncia. Dawkins conhecido principalmente

    pela sua viso evolucionista centrada no gene, exposta em seu livro O Gene

    Egosta, publicado em 1976. O livro introduz o termo meme, o que ajudou na

    criao da memtica (o estudo formal dos memes). Em 1982, ele realizou uma

    grande contribuio cincia da evoluo com a teoria, apresentada em seu livro

    O Fentipo Estendido, de que o efeito fenotpico no se limita ao corpo de um

    organismo, mas sim de que o efeito influncia no ambiente em que vive este

    organismo. Desde ento escreveu outros livros sobre evoluo e apareceu em

    vrios programas de televiso e rdio para falar de temas como biologia

    evolutiva, criacionismo e religio. Posteriormente, no incio dos anos 1990, um

    novo campo de pesquisa formado, denominado de psicologia evolutiva que visa

    desvendar os comportamentos e funcionamento da mente humana alicerados nas

    cincias biolgicas e suas descobertas. A psicologia evolutiva influenciada de

    forma significativa pelos textos de Wilson e Dawkins. Atualmente, o autor

    Steven Pinker um dos poentes desse campo.

    O que pretendemos com esse trabalho demonstrar que o fundamento

    ltimo da linguagem de carter gentico-evolutivo.

    No primeiro captulo tentaremos localizar historicamente o surgimento das

    Cincias Cognitivas, uma cincia formada pela juno de vrios campos como

    matemtica, filosofia, neurocincia, psicologia, cincia da computao e

    lingstica. Um dos fundadores desse campo o lingista Noam Chomsky, com

    sua contribuio no estudo da linguagem. Chomsky faz um aporte novo no

    estudo da linguagem, indicando que a gramtica inata na espcie humana, e no

    algo formado somente pelo aspecto do meio onde a linguagem se desenvolve, ou

    seja, na cultura. Esse posicionamento mantido por Chomsky vai contra a doutrina

    12

  • behaviorista, que assume um papel basicamente exclusivo do meio para a

    formao dos comportamentos humanos, inclusive a aquisio da linguagem. Se

    Chomsky sugere que a linguagem possui uma caracterstica inata, ento de

    cunho biolgico. Depois da abordagem das contribuies de Chomsky,

    tentaremos estabelecer o retorno da biologia para discusses sobre as

    humanidades, depois de passar um perodo vista de forma negativa,

    principalmente pelas prticas realizadas de eugenia. Como veremos a eugenia

    ser responsvel pela viso obscura da biologia. O retorno se dar pelas

    influncias dos trabalhos de Wilson e Dawkins, respectivamente pela

    sociobiologia e pela viso da evoluo centrada no gene. A partir dessas

    contribuies, ocorreram vrias tentativas de arquitetar a mente humana em

    modelos, que sero comentados como mente-esponja, mente-computador e

    mente-canivete suo.

    No segundo captulo abordaremos a relao existente entre crebro e

    linguagem, possibilitada pelas descobertas da neurocincia, principalmente pela

    neuroanatomia e neurofisiologia. Neste captulo trataremos das reas cerebrais

    relacionadas linguagem, dos distrbios da fala e da compreenso, alm das

    contribuies realizadas pelo geneticista francs Jacques Monod sobre a relao

    entre linguagem e evoluo, pelo etlogo alemo Konrad Lorenz sobre os

    perodos crticos e sobre o conceito de instinto e pelo psiclogo Eric Lenneberg

    sobre a relao entre crebro e linguagem.

    E no terceiro captulo trataremos de como o autor Steven Pinker aborda a

    questo do instinto da linguagem. No incio deste captulo trataremos de um

    breve histrico do autor e de como Pinker concebe a idia de um substrato

    instintivo para a aquisio da linguagem a partir do desenvolvimento da mesma

    pelas crianas. Em seguida abordaremos como o autor prope um quadro

    interessante da linguagem como meio interno de computao, idia concebida

    primordialmente pelo filsofo Jerry Fodor. Tentaremos descrever ainda como o

    autor trata da questo da diversidade lingstica, da fisiologia da fala, da busca

    por uma lngua-me, da busca por genes da gramtica, da evoluo da

    linguagem, da genealogia da espcie e da seleo natural como um princpio para

    13

  • a fixao da linguagem na espcie humana. Por fim, abordaremos os modelos

    propostos pelo autor sobre as implicaes de um instinto da linguagem,

    principalmente para as humanidades.

    14

  • CAPTULO I

    1. O NASCIMENTO DAS CINCIAS COGNITIVAS

    Em 1948, o campus do Instituto Tecnolgico da Califrnia sediou um

    congresso que reunia eminentes cientistas de diferentes disciplinas, cujo tema de

    apresentao era: A forma pela qual o sistema nervoso controla o

    comportamento. Este congresso ficou conhecido como Simpsio de Hixon, por

    ser patrocinado pelo Fundo Hixon.

    As discusses se estenderam alm do tpico oficial. O primeiro

    palestrante, John Von Neumann, estabeleceu uma comparao entre computador

    eletrnico e o crebro. O segundo palestrante, Warren McCulloch, lanou uma

    discusso intitulada Porque a mente est na cabea, explorando alguns

    paralelos entre neurnios e mquinas lgicas fazendo uma comparao como

    Von Neumann, de como o crebro processa informao.

    Com menos ligao com as inovaes tecnolgicas da poca, mas

    relacionando com o tema para explicar os problemas do comportamento humano,

    o terceiro palestrante, o psiclogo Karl Lashley desafia a doutrina ou dogma

    vigente na psicologia e estabelece um programa de pesquisa novo.

    A doutrina que Lashley desafia o behaviorismo. Os behavioristas haviam

    derrubado o clima cientfico preferido pelos pesquisadores da poca: a

    introspeco. A introspeco uma auto-reflexo por parte de um observador

    treinado sobre a natureza e sobre os padres do prprio pensamento. Os

    behavioristas apresentam duas propostas relacionadas entre si.

    Em primeiro lugar, aqueles pesquisadores interessados em uma

    cincia do comportamento deveriam limitar-se estritamente a mtodos

    pblicos de observao, que qualquer cientista pudesse aplicar e

    quantificar. Nada de reflexo subjetiva ou introspeco particular:

    para que uma disciplina fosse cincia, seus elementos deveriam ser to

    15

  • observveis quanto a cmara de nvoa do fsico ou o frasco do

    qumico. Em segundo lugar, os interessados em uma cincia do

    comportamento deveriam concentrar-se exclusivamente no

    comportamento: os pesquisadores deveriam constantemente evitar

    tpicos como mente, pensamento ou imaginao, e conceitos como

    planos, desejos ou intenes. Tampouco deveriam eles tolerar

    construtos mentais hipotticos como smbolos, idias, esquemas, ou

    outras formas possveis de representao mental. Tais constructos,

    nunca esclarecidos adequadamente por filsofos anteriores, haviam

    colocado o introspeccionista em maus lenis. De acordo com os

    behavioristas, toda atividade psicolgica pode ser adequadamente

    explicada sem que se recorra a estas misteriosas entidades mentalistas.

    (GARDNER, 1985, p.26)

    Lashley percebeu que se quisesse aplicar os novos conhecimentos sobre o

    crebro ou sobre computadores nas cincias psicolgicas, seria necessrio um

    confronto direto com o pensamento behaviorista da poca. Por conseguinte, nas

    suas observaes iniciais, Lashley expressou sua convico de que qualquer

    teoria da atividade humana teria de dar conta de comportamentos complexamente

    organizados, como jogar tnis, tocar um instrumento musical, e acima de tudo

    falar. (GARDNER, 1985, p.27)

    Alm do behaviorismo, que havia atrasado a fundao propriamente dita

    de uma cincia da cognio, porque segundo Lashley e seus compartilhadores, as

    respostas behavioristas questes referentes mente humana, no eram na

    verdade nenhuma resposta. (GARDNER, 1985, p.30)

    Enquanto os behavioristas utilizaram os modelos mecanicistas baseados

    no arco reflexo (estmulo-resposta), Lashley afirma que existem evidncias que

    indicam um sistema nervoso dinmico e ativo, no esttico como os adeptos do

    behaviorismo julgam.

    Outros fatores atrasariam a fundao da cincia cognitiva.

    Algumas escolas filosficas o positivismo, o fisicalismo e o

    verificacionismo que evitavam entidades (como conceitos ou idias)

    16

  • que no podiam ser observadas ou medidas com segurana,

    ajustavam-se muito bem ao behaviorismo. Havia tambm a

    intoxicao com a psicanlise. Embora muitos estudiosos estivessem

    intrigados com as intuies de Freud, eles julgavam que nenhuma

    disciplina cientfica poderia ser edificada com base em entrevistas

    clnicas e histrias pessoais construdas retrospectivamente; alm

    disto, eles ressentiam-se profundamente da pretenso de um campo

    que no se mostrava suscetvel de refutao. Entre o credo linha-

    dura dos behavioristas do Sistema e as conjeturas desenfreadas dos

    freudianos, ficava difcil enfocar de uma forma cientificamente

    respeitvel o territrio dos processos humanos de pensamento.

    (GARDNER, 1985, p.30)

    Ao final da dcada de 1940, comea a surgir a sensao observvel no

    simpsio Hixon de que talvez fosse o momento de uma nova investida

    cientfica, focalizando agora a mente humana.

    O psiclogo George A. Miller prope que o incio oficial da cincia

    cognitiva deu-se por volta de 1956. Por que esta data? Miller focaliza as datas de

    10 a 12/09/1956, quando ocorre o simpsio sobre teoria da informao no MIT,

    ao qual comparecem figuras proeminentes das cincias humanas. O segundo dia

    do simpsio destacado por Miller por causa de dois artigos.

    O primeiro apresentado por Allen Newell e Herbert Simon, descrevia

    a Mquina de Teoria Lgica (Logic Theory Machine), a primeira

    prova completa de um teorema executada em uma mquina

    computadora. O segundo artigo do jovem lingista Noam Chomsky,

    descrevia Trs modelos de Linguagem. Chomsky mostrou que um

    modelo de produo de linguagem derivado da viso da teoria da

    informao de Claude Shannon no poderia de forma alguma ser

    aplicada com xito linguagem natural, e em seguida exps a sua

    prpria viso da gramtica, baseada em transformaes lingsticas.

    (GARDNER, 1985, p.43)

    Com a iniciativa da Fundao Sloan, que no incio dos anos de 1970

    financiaram um programa particular nas neurocincias: um conjunto de

    17

  • disciplinas que exploram o sistema nervoso indo da neuropsicologia e da

    neurofisiologia neuroanatomia e neuroqumica. Pesquisadores provenientes

    de campos diversos foram incentivados por este financiamento a explorar

    conceitos comuns e estruturas organizacionais comuns. Agora a Sloan estava

    procura de um campo anlogo de preferncia dentro das cincias, no qual

    pudesse investir uma quantia semelhante. (GARDNER, 1985, p.50)

    Em 1975, um programa particular injetou financiamento da fundao

    Sloan na Cincia Cognitiva. Com a declarao do nascimento de um campo, com

    patrocnio, o efeito tonificante sobre aqueles que descobriram que faziam parte

    dele, foi considervel, mas de forma alguma assegurou consenso.

    O relatrio feito, em 1978 (abreviado de SOAP), apresentado por uma

    equipe de estudiosos do campo, apresentava uma relao entre seis campos

    constituintes: filosofia, psicologia, lingstica, inteligncia artificial, antropologia

    e neurocincias.

    Este relatrio gerou uma recepo negativa, provavelmente porque

    pesquisadores destas reas no chegam a nenhum consenso, achando que o

    trabalho individual de cada uma dessas reas era menosprezado pelo trabalho das

    outras reas.

    Seria interessante um consenso na rea, mas a tentativa de uma magnitude

    da Fundao Sloan e uma esperana de um Newton ou Darwin moderno

    colocando ordem no campo, no foram suficientes. Porm, na ausncia destes

    dois acontecimentos miraculosos, s resta queles de ns que desejam entender a

    cincia cognitiva criar a sua prpria tentativa de formulao do campo

    (GARDNER, 1985, p.53)

    De acordo com o nosso propsito, cabe uma anlise mais profunda da

    contribuio de Noam Chomsky.

    1.1. NOAM CHOMSKY

    18

  • Avram Noam Chomsky nasceu em 7 de dezembro de 1928, e professor

    de Lingstica no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (M.I.T., das iniciais

    em ingls). Entre suas obras destaca-se:

    - Three Models for the Description of Language, 1956

    - Syntactic Structures, 1957

    - Aspects of the Theory of Syntax, 1965

    - Language and Mind, 1972

    - Rules and Representations, 1980

    - Lectures on Government and Binding, 1981

    - Knowledge of Language. Its Nature, Origin and Use, 1986

    - Language and Thought, 1993

    - The Minimalist Program, 1995

    - New Horizons in the Study of Language and Mind, 2000

    Noam Chomsky conseguiu no seu artigo (monografia Syntatic

    Structures) chamar a ateno para certas propriedades das sentenas que todos

    os falantes e ouvintes normais conhecem intuitivamente, mas que derivam de

    uma compreenso mais profunda da lngua, cujo conhecimento apenas do

    lingista.

    Em vez de simplesmente observar os dados da lngua, e tentar

    discernir regularidades de expresses empiricamente observadas,

    como seus predecessores haviam feito tipicamente, Chomsky insistia

    que os princpios nunca emergiriam de um estudo das expresses em

    19

  • si. Ao contrrio, era necessrio trabalhar dedutivamente. Deve-se

    tentar entender que tipo de sistema a linguagem, assim como se

    procura entender como um ramo particular da matemtica; e deve-se

    expor as concluses em termos de um sistema formal. Tal anlise

    deveria levar postulao de regras que possam explicar a produo

    de qualquer sentena gramatical concebvel (e h, claro, um nmero

    infinito de tais sentenas), mas ao mesmo tempo as regras no

    deveriam gerar nenhuma sentena incorreta ou agramatical. Uma

    vez que o sistema tenha sido estabelecido, dever-se-ia ento examinar

    expresses particulares para determinar se podem, de fato, ser

    adequadamente geradas atravs da adeso s regras do sistema

    lingstico. (GARDNER, 1985, p.199)

    A adoo de Chomsky de uma anlise formal da linguagem, aos poucos

    foi se revelando como oposio ao conjunto completo de pressupostos empiristas

    da maioria dos cientistas e de quase todos os lingistas da poca. A crtica de

    Chomsky atinge diretamente B. F. Skinner, o arquibehaviorista da metade do

    sculo. Skinner tentara explicar o comportamento lingstico com nfase no

    comportamento em geral em termos das mesmas cadeias de estmulos-

    respostas e leis de reforo que ele invocara para explicar o comportamento de

    organismos inferiores as bicadas dos pombos ou a corrida de ratos em

    labirintos.

    Skinner ignorava, na maioria dos casos as intricadas propriedades

    estruturais da linguagem que fascinavam Chomsky (e outros lingistas) e outros

    crticos do behaviorismo como Karl Lashley (GARDNER, 1985, p.207).

    Chomsky mostrou que as tentativas de Skinner de explicar a linguagem

    seguindo a linha do estmulo-resposta estariam fundamentalmente equivocadas.

    Chomsky faz ainda uma crtica a Skinner em relao ao caminho

    epistemologicamente escolhido. Como outros empiristas do perodo, Skinner

    recomendava aos investigadores que se ativessem aos dados e rejeitassem a

    teoria abstrata. Chomsky, pelo contrrio, julgava que os dados nunca falariam

    por si s, que era necessrio assumir uma posio terica e explorar as

    20

  • conseqncias dessa teoria. Alm disto, revelou a sua suspeita de que os tipos

    de teoria necessrios para explicar a linguagem, e outros aspectos do pensamento

    e comportamento humanos, teriam de ser abstratos e, na verdade, francamente

    mentalistas. (GARDNER, 1985, p.207)

    Ainda na mesma crtica, Chomsky revela tambm sua impacincia com a

    maioria das abordagens psicolgicas. Um dos psiclogos a quem Chomsky

    elogiou por trazer uma abordagem diferenciada foi Karl Lashley.

    Em seus estudos sobre comportamento ordenado serialmente, Lashley

    conclura que uma expresso

    no produzida simplesmente pelo encadeamento de uma

    seqncia de respostas sobre o controle de estimulao externa e

    associao interverbal, e que a organizao sinttica de uma expresso

    no algo representado diretamente na estrutura fsica da expresso.

    (GARDNER, 1985, p.208)

    Baseando-se em Lashley, Chomsky concluiu que deve haver vrios

    processos integrativos, que s podem ser inferidos dos resultados finais de sua

    atividade.

    Nos anos que seguiram, Chomsky sugere que o indivduo nasce com uma

    forte inclinao para aprender uma lngua, e que as formas possveis da lngua

    que se pode aprender so rigidamente limitadas pela espcie a que se pertence.

    Chomsky estaria impressionado com o carter abstrato da tarefa que toda a

    criana que deve aprender uma lngua enfrenta, e com a rapidez com que a lngua

    aprendida, apesar da ausncia de um mentor especfico. Chomsky afirma que

    o indivduo nasce com uma forte inclinao para aprender uma lngua, e que as

    formas possveis da lngua que se pode aprender so rigidamente limitadas pela

    espcie a que se pertence, com sua herana gentica peculiar (GARDNER,

    1985, p.208)

    A gramtica transformacional de Chomsky foi desenvolvida para

    proporcionar precisa descrio matemtica de alguns dos mais notveis traos da

    linguagem. De particular importncia a esse propsito, a capacidade que tm as

    21

  • crianas de derivar regularidades estruturais de sua lngua materna as regras de

    gramtica dessa lngua a partir da fala de seus pais e das pessoas que as

    rodeiam, fazendo uso dessas mesmas regularidades na construo de expresses

    orais nunca antes ouvidas. (LYONS, 1970, p.13)

    A mensagem fundamental era que o aprendizado terico ou o

    associacionismo, extremamente difundido por Skinner no poderia explicar como

    a linguagem era presa a regras.

    Como Gazzaniga menciona A complexidade da linguagem era prpria do

    crebro e seguia regras e princpios que transcendiam todos os povos e todos os

    idiomas. Era universal (GAZZANIGA, 2006, p.36)

    A crtica feita por Chomsky ao behaviorismo, quando afirmou que:

    a impressionante massa de terminologia cientfica e de estatsticas

    empregadas pelos behavioristas no passava de camuflagem a

    esconder a incapacidade que tinham de explicar o fato de a linguagem

    no ser simplesmente um conjunto de hbitos e diferir radicalmente

    da comunicao entre animais (LYONS, 1970, p.16)

    A marcao biolgica da linguagem, quando Chomsky assume que deve

    haver uma programao cientificamente determinada uma hiptese produtiva

    e interessante, especialmente quando se investiga a estrutura biolgica dos rgos

    vocais.

    Afirma-se, muitas vezes, que nenhum dos rgos vocais tem como

    funo nica ou principal o papel que desempenha na produo da fala que os

    pulmes atendem respirao, os dentes mastigao e assim por diante e que

    esses rgos vocais no constituem um sistema fisiolgico, no sentido normal

    dessa expresso. No deve ser esquecido, entretanto, que a faculdade de falar

    to caracterstica dos seres humanos e to natural e importante para ele quanto

    andar com dois ps e mesmo comer. Qualquer que possa ter sido sua causa em

    algum remoto perodo do desenvolvimento evolutivo do homem, cabe sublinhar

    o fato de que todos os seres humanos utilizam o mesmo aparelho fisiolgico

    22

  • para falar. pelo menos, admissvel que os homens sejam geneticamente

    programados para assim agirem. (LYONS, 1970, p.21)

    Chomsky ainda adota uma postura contrria aos estruturalistas que

    defendiam uma acentuada diversidade das lnguas humanas, afirmando suas

    similaridades.

    Se todas as lnguas humanas so similares, natural questionar por que

    deve ser assim. natural responder a essa questo invocando fatos obviamente

    relevantes como: todas as lnguas humanas fazem referncia s propriedades dos

    objetos do mundo fsico que presumivelmente, percebido de maneira

    essencialmente semelhante por todos os seres humanos, fisiolgica e

    psicologicamente normais; todas as lnguas, qualquer que seja a cultura dentro da

    qual operam, so chamadas a desempenhar uma gama semelhante de funes

    (fazer enunciados, formular perguntas, emitir ordens, etc.); todas as lnguas

    recorrem ao mesmo aparelho fisiolgico e psicolgico, e a prpria maneira

    como este opera pode ser considerada responsvel por algumas das propriedades

    formais da lngua. (LYONS, 1970, p.104)

    Mas nem todos os traos universais da linguagem se explicam facilmente

    por esta tica. Chomsky diz que a nica explicao concebvel, pelo menos at

    onde achava, a de que os seres humanos so geneticamente dotados de uma

    faculdade de linguagem altamente especfica e que essa faculdade que

    determina traos universais.

    Ora, todos esses fatos so, como Chomsky acentua, relevantes e,

    muito possivelmente, exerceram influncia sobre a estrutura da lngua.

    Contudo, muito dos traos universais da linguagem, sejam

    substantivos ou formais, no se explicam facilmente por esse prisma.

    A nica explicao concebvel, diz Chomsky, pelo menos em termos

    de nossos atuais conhecimentos, a de que os seres humanos so

    geneticamente dotados de uma faculdade de linguagem altamente

    especifica e que essa faculdade que determina traes universais,

    tais como a dependncia da estrutura ou o princpio. (LYONS, 1970,

    p.104)

    23

  • J que Chomsky afirma uma marcao biolgica, uma determinao

    gentica para a faculdade da linguagem, ento a Biologia, e principalmente, a

    Gentica deveria ter algumas respostas. Mas onde a Gentica estava nesse

    perodo?

    1.2. BIOLOGIA NA BERLINDA

    A Gentica o ramo das Cincias Biolgicas que se preocupa com o estudo

    da hereditariedade e da variao. Considerado o pai da Gentica, Gregor

    Mendel (1822-1884) publicou seu estudo sobre a hereditariedade, em 1866, que

    no foi reconhecido pela comunidade cientifica por mais de 34 anos. Os

    problemas da hereditariedade so bastante simples, como qualquer criador de

    ces sabe. Mas Mendel demonstrou que so um pouco mais complexos. Por

    exemplo: os resultados de Mendel indicaram que coisas - objetos materiais

    eram transmitidas de gerao a gerao. Qual seria a natureza dessas coisas?

    Por volta da poca da morte de Mendel, em 1884, os cientistas, usando

    recursos pticos cada vez melhores para estudar a arquitetura diminuta das

    clulas, cunharam o termo cromossomo para descrever os corpos compridos

    existentes no ncleo celular. Mas somente em 1902 algum associaria Mendel

    aos cromossomos. Um estudante de medicina da Universidade Columbia, Walter

    Sutton, percebeu que os cromossomos tinham muito em comum com os

    misteriosos atores de Mendel. Ao estudar os cromossomos de gafanhotos,

    percebeu que quase todos eram duplos como os fatores emparelhados de

    Mendel. Mas Sutton tambm identificou um tipo de clula em que os

    cromossomos no apareciam aos pares: as clulas sexuais.

    O espermatozide do gafanhoto possui apenas um conjunto de cromossomos,

    no dois. Isso era idntico ao que Mendel observava nas clulas espermticas das

    ervilhas, que tambm s portavam uma cpia de cada um dos fatores. Estava

    claro que os fatores de Mendel, agora denominados genes, tinham de estar nos

    cromossomos. (WATSON, 2005, p.24)

    24

  • A redescoberta do trabalho de Mendel e os avanos cientficos decorrentes

    suscitaram um grande interesse nas implicaes sociais da gentica. Enquanto os

    cientistas se deparavam com os mecanismos precisos da hereditariedade durante

    os sculos XVIII e XIX, a preocupao pblica aumentou sobre o fardo da

    sociedade ou seja, os moradores de abrigos, asilos e hospcios conhecidos

    como classes degeneradas.

    O que fazer com essa gente?

    Esta permaneceu uma questo controvertida. Ser que deveriam ser

    tratados de maneira caridosa? (No, respondiam aqueles de ndole

    menos caridosa, pois isso s serviria para assegurar que tal gente

    nunca iria agir por conta prpria e, por conseguinte, permaneceria para

    sempre dependente das benesses do Estado ou de instituies

    privadas). Ou ser que deveriam simplesmente ser ignorados? (No,

    respondiam aqueles de ndole caridosa, pois isso apenas perpetuaria a

    incapacidade desses infelizes de se libertar das circunstncias

    desventuradas em que se encontravam). (WATSON,2005, p.28)

    Um embasamento biolgico para a explicao de comportamentos

    humanos j no era novidade. Em 1859, a publicao da Origem das Espcies de

    Darwin, tornou mais acaloradas a viso dessas questes. Embora Darwin tivesse

    muito cuidado, no fazendo qualquer meno a espcie humana temendo que isso

    s inflamaria uma controvrsia j bastante quente (qual a natureza do ser

    humano?). Mas no seria preciso muita imaginao para aplicar sua idia de

    seleo natural aos seres humano.

    A seleo natural a fora que determina o destino de todas as variaes

    genticas na natureza desde mutaes no gene da cor dos olhos da mosca-da-

    fruta at diferenas na capacidade dos indivduos de sobreviver.

    As populaes naturais apresentam um enorme potencial bitico, isto ,

    um enorme potencial reprodutivo. As espcies no se proliferam infinitamente

    por causa da resistncia ambiental, como suprimento de gua e comida. Existe

    competio entre indivduos de mesma espcie por tais recursos.

    25

  • A variao gentica possibilita que alguns indivduos apresentem

    vantagens nessa competio. Como resultado, a seleo natural enriquece a

    gerao seguinte com a mutao benfica, at que, no final de um longo nmero

    suficiente de geraes, toda a espcie acabe por apresentar esta caracterstica.

    Os homens da era vitoriana (sculo XIX) aplicaram a mesma lgica aos

    seres humanos.

    Olharam ao seu redor e ficaram alarmados com o que viram. A taxa de

    reproduo da classe mdia decente, moral, trabalhadora estava muito aqum

    da reproduo desmedida da classe baixa suja, imoral, indolente. Os vitorianos

    supuseram que as virtudes da decncia, moralidade e labor eram transmitidas em

    famlia tanto quanto os vcios da imundcie, licenciosidade e preguia. Logo, tais

    caractersticas deviam ser hereditrias. Portanto, para os vitorianos, moralidade e

    imoralidade eram apenas duas dentre as variantes gnicas de Darwin. E, se a ral

    se reproduzia mais do que as classes respeitveis, ento a proporo de genes

    ruins estaria aumentando na populao humana. A espcie estava condenada!

    Pouco a pouco, medida que o gene da imoralidade se disseminasse, os seres

    humanos iriam se tornando mais depravados. (WATSON, 2005, p.30)

    Francis Galton tinha bons motivos para dar uma ateno obra de Darwin.

    Darwin fora seu conselheiro durante a temporada um tanto tortuosa que passou

    na faculdade. Mas foi a Origem das Espcies que inspirou Galton a iniciar a

    cruzada social e gentica cujas conseqncias acabariam sendo desastrosas. Um

    ano aps a morte de Darwin, em 1883, Galton daria um nome ao movimento:

    eugenia.

    Galton nasceu em 1822, filho de famlia rica. Depois de passar 6 anos

    como bom-vivant, resolveu se estabelecer como um membro produtivo da

    sociedade vitoriana.

    No relato de suas exploraes, mostra sua grande paixo: contar e medir

    tudo.

    Ficou conhecido ao chefiar, em 1850-52, uma expedio at uma regio

    pouco conhecida no sudoeste da frica. no relato e suas exploraes que

    encontramos a primeira manifestao do fio que une todos os seus mltiplos

    26

  • interesses: sua paixo por contar e medir tudo. Galton s se sentia feliz quando

    podia reduzir um fenmeno a uma srie de nmeros. (WATSON, 2005, p,30)

    A paixo de Galton pela quantificao levou-o a fundamentar muitos dos

    princpios da estatstica moderna. Mas a sua forma, de certa maneira era um meio

    de explicar o porqu de certas linhagens gerarem um nmero

    desproporcionalmente grande de pessoas bem-sucedidas.

    Em 1869, publicou o que se tornaria o esteio de todas as suas idias

    sobre eugenia, um tratado intitulado Hereditary genius: an inquiry in

    laws and consequences, no qual pretendeu mostrar que o talento,

    maneira de qualquer outro trao gentico simples como o lbio dos

    Habsburgo, tambm se transmite em famlia, mencionando algumas

    famlias que haviam produzido gerao aps gerao de juzes. No

    geral, suas anlises no chegam a considerar o efeito do meio

    ambiente: afinal, o filho de um juiz proeminente tem uma maior

    tendncia de tornar-se juiz (se no for por nenhum outro motivo, ao

    menos em virtude das ligaes profissionais de seu pai) do que o filho

    de um fazendeiro sem terra. (WATSON, 2005, p,32)

    Galton argumentava que o ambiente exerce papel pouco influente no

    individuo e este basicamente aquilo que herda geneticamente. Deste ponto de

    vista seria possvel melhorar a espcie humana mediante a procriao

    preferencial dos indivduos dotados e impedindo aos menos dotados de se

    reproduzir.

    Galton introduziu o termo eugenia que significa de boa origem para

    descrever a aplicao a seres humanos do princpio bsico utilizado na

    propagao agrcola. Com o tempo, eugenia passou a denotar evoluo humana

    controlada: os eugenistas acreditavam que, tomando decises conscientes sobre

    quem deve ou no ter filhos, eles seriam capazes de impedir a erupo da crise

    eugnica, precipitada na imaginao vitoriana pela alta taxa de reproduo da

    ral inferior associada s famlias caracteristicamente menores das classes mdias

    superiores. (WATSON, 2005, p.33)

    27

  • No presente, eugenia uma palavra mal-vista, associada a racistas e

    nazistas, e lembra-nos de uma fase da histria da gentica que talvez fosse

    melhor esquecer. Mas no final do sculo XIX e no incio do XX, eugenia no era

    tido como infame, muito pelo contrrio, muitos viam a eugenia como uma

    possibilidade genuna para melhorar no apenas a sociedade como um todo mas

    tambm a sorte dos indivduos dentro da sociedade. A eugenia foi aclamada com

    entusiasmo especial por aqueles que hoje designaramos como esquerda-liberal

    (WATSON, 2005, p.33).

    Se Galton pregava o que mais tarde viria a ser conhecido como eugenia

    positiva, incentivando pessoas com genes superiores a terem filhos, o

    movimento eugnico americano preferiu voltar-se para a eugenia negativa, isto

    , impossibilitar a proliferao de pessoas geneticamente inferiores. O objetivo

    de ambos os programas era o mesmo melhorar a linhagem gentica humana

    mas as duas abordagens se mostraram bastante diferentes.

    O enfoque americano de eliminar os genes ruins, em oposio a aumentar

    a freqncia dos genes bons, decorrem de alguns estudos que influenciaram a

    opresso do pas com a deteriorao gentica. Estes estudos buscavam os

    degenerados (degeneration) e os de mente fraca (feeblimin dedness).

    Novos e rigorosos mtodos para testar o desempenho mental os

    primeiros testes do Q. I. levados da Europa para os Estados Unidos pareciam

    confirmar a primeira impresso de que a espcie humana estava deslizando

    rapidamente ladeira gentica abaixo.

    Naqueles primeiros momentos dos testes de inteligncia, acreditava-se que

    inteligncia aguada e mente alerta inevitavelmente implicavam uma capacidade

    de absorver grande quantidade de informaes. Desse modo, o tanto de

    informaes acumulada por uma pessoa se tornava uma espcie de ndice do seu

    QI. Seguindo essa linha de raciocnio, os primeiros testes de QI incluam muitas

    perguntas de conhecimentos gerais. (WATSON, 2005, p.35)

    Os cientistas perceberam que uma poltica eugnica exigia certo

    entendimento da cincia gentica no que diz respeito a caractersticas como

    mente fraca. Com a redescoberta dos trabalhos de Mendel, tudo indicava que

    28

  • isso seria possvel.

    Nos Estados Unidos, esse empreendimento foi levado adiante por Charles

    Davenport.

    Em 1910, financiado por uma herdeira dos magnatas das ferrovias,

    Davenport fundou a Agncia de Registros Eugnicos (Eugnica Record

    Office), cuja misso era coletar informaes genticas bsicas sobre

    diversos traos, desde epilepsia at criminalidade. Tornou-se o centro

    nervoso do movimento eugnico dos Estados Unidos. (WATSON,

    2005, p.36)

    Davenport como Galton, sups sem nenhum fundamento razovel que a

    herana triunfa sobre o ambiente individualmente, que os traos inatos superam

    sempre os adquiridos. Enquanto os traos que Davenport estudara como

    albinismo e doena de Huntington apresentam uma base gentica simples

    mutao especfica num gene especfico nas caractersticas comportamentais as

    bases genticas por acaso existente so muito complexas. Tais caractersticas

    podem ser determinadas por um grande nmero de genes diferentes, cada um

    contribuindo com uma pequenina parcela para o resultado final. Uma situao

    dessas torna quase impossvel interpretar dados genealgicos como os

    compilados por Davenport. E no s isso: as causas genticas de caractersticas

    mal definidas como mente fraca podem variar muito de individuo para

    individuo, de modo que qualquer tentativa de achar um princpio gentico geral

    subjacente ser incuo. (WATSON, 2005, p.39)

    Sem prestar muita ateno ao sucesso ou fracasso do programa cientfico

    de Davenport, o movimento eugnico j adquiria mpeto prprio. Exposies que

    antes exibiam vacas, touros e ovelhas premiadas incluam agora concursos de os

    bebs mais primorosos e as famlias mais aptas em seus programas.

    Para todos os efeitos, eram tentativas de promover a eugenia positiva,

    incentivando as pessoas certas a ter filhos. A eugenia tambm era

    presena obrigatria no incipiente movimento feminista. As paladinas

    do controle da natalidade Marie Stopes na Gr Bretanha e, nos

    29

  • Estados Unidos, Margaret Sanger, fundadora da Planned Parenthood

    concebiam o controle da natalidade como uma forma de eugenia.

    Sanger resumiu sucintamente sua posio em 1919: mais filhos dos

    aptos, menos dos inaptos esse o cerne do controle da natalidade.

    (WATSON, 2005, pp.39-40)

    Muito mais sinistro foi o desenvolvimento da eugenia negativa, que

    pretendia impedir que as pessoas erradas tivessem filhos. Um mdico

    penitencirio chamado Harry Sharp, realizou vasectomia em um jovem chamado

    Clawson, para resolver seu problema de masturbao compulsiva. Sharp

    anunciou ter curado a compulso do jovem, mas deu incio a sua: realizar

    vasectomias. Sharp divulgou o seu sucesso nesse tratamento (do qual, por sinal,

    s temos o relato do prprio Sharp para confirmar) como prova da eficcia desse

    tipo de interveno no tratamento de todos aqueles identificados como

    pertencentes ao tipo de Clawson, ou seja, todos os degenerados. A esterilizao

    tinha duas coisas a seu favor. Primeiro, era capaz de prevenir comportamentos

    degenerados como acontecer com Clawson, de acordo com Sharp. S isso j

    faria com que a sociedade poupasse muitos recursos, pois todos os indivduos

    que precisariam ser encarcerados, em prises ou em hospcios, poderiam agora

    ser considerados seguros e soltos. Segundo, impediria que tipos como Clawson

    transmitissem seus genes inferiores, ou degenerados, s geraes subseqentes.

    Sharp acreditava que a esterilizao oferecia uma soluo perfeita para a crise

    eugnica. (WATSON, 2005, p.40)

    A esterilizao tambm foi adotada com convico fora dos Estados

    Unidos e no apenas na Alemanha nazista, a Sua e os pases escandinavos

    promulgaram leis semelhantes.

    Racismo no algo implcito em eugenia genes bons, aqueles que os

    eugenistas buscam promover, podem, em princpio, pertencer a pessoas de

    qualquer raa. Mas comeando por Galton, com seus relatos de suas exploraes,

    mencionando os povos africanos como de raas inferiores, os praticantes mais

    proeminentes da eugenia tendiam a ser racistas que usariam a teoria eugnica

    para dar uma justificativa cientfica para seus pontos de vista racistas.

    30

  • Embora o termo supremacista branco ainda no tivesse sido cunhado, os

    Estados Unidos j tinham um bom nmero deles no incio do sculo XX.

    Esses cientistas tinham seus fs entre os nazistas, que moldaram algumas

    de suas leis na legislao por eles elaboradas. O mais influente defensor do

    racismo cientfico da poca foi o brao direito de Davenport, Harry Laughlin que

    em 1936:

    Aceitou com grande entusiasmo um diploma honorrio da

    Universidade de Heidelnerg, que decidira homenage-lo como o

    representante visionrio da poltica racial nos Estados Unidos. Com o

    passar do tempo, porm, uma forma de epilepsia tardia acabou

    transformando seus ltimos anos em algo particularmente irnico e

    pattico: durante toda a sua vida, ele defendera a esterilizao de

    epilpticos, afirmando que eram geneticamente degenerados.

    (WATSON, 2005, p.44)

    O livro de Hitler Mein Kampf cheio de suposies racistas

    pseudocientficas derivadas de antigas pretenses alems de superioridade racial

    e de alguns dos piores aspectos do movimento eugnico americano.

    Hitler dizia que o estado deve declarar imprprio para reproduo todos

    aqueles que apresentarem doena ou que tenham herdado alguma doena e

    tambm aqueles que forem fisicamente e mentalmente doentes e indignos no

    devem perpetuar seu sofrimento no corpo dos filhos. (WATSON, 2005, p.44)

    Pouco depois de assumirem o poder em 1933, os nazistas aprovaram uma

    abrangente lei de esterilizao. A lei para a preveno de prognie com

    defeitos hereditrios, explicitamente baseada no modelo americano. (Laughlin,

    cheio de orgulho, publicou uma traduo da lei). Em trs anos, 225 mil pessoas

    foram esterilizadas. (WATSON, 2005, p.44)

    A eugenia positiva, o incentivo para que pessoas certas tenham filhos,

    tambm se proliferou na Alemanha nazista, onde certo significaria ariano. Em

    1936 existiam lares maternais especiais para as esposas dos militares do corpo de

    elite nazista a fim de assegurar que recebessem os melhores cuidados durante a

    31

  • gravidez. Tambm foram promulgadas leis para evitar a mistura do sangue

    alemo e da honra alem com outros tipos, principalmente judeus.

    Em 1939, j em plena guerra os nazistas introduziram a eutansia.

    Esterilizar mostrou-se complicado demais. E por que desperdiar alimentos? Os

    internos dos hospcios foram declarados comensais inteis. Os manicmios

    receberam questionrios com instrues para que comisses de especialistas

    indicassem com um x os pacientes cujas vidas, no seu parecer, no valiam a

    pena ser vividas. Esses questionrios foram desenvolvidos com 75mil xx e a

    tecnologia do extermnio em massa a cmara de gs foi ento desenvolvida.

    Subseqentemente, os nazistas expandiram a definio de vida que no vale a

    pena ser vivida para incluir grupos tnicos inteiros entre eles os ciganos e, em

    particular, os judeus. O que viria a ser conhecido como Holocausto foi o pice

    da eugenia nazista. (WATSON, 2005, p.45)

    A eugenia acabou revelando-se uma tragdia para a humanidade. Tambm

    mostrou ser um desastre para a incipiente cincia da gentica, que no conseguiu

    escapar da contaminao. Na verdade, alguns cientistas tinham criticado o

    movimento e se dissociado dele. Alfred Russel Wallace, co-descobridor da

    seleo natural com Darwin, condena a eugenia, em 1912, como uma

    interferncia intrometida de uma viso sacerdotal cientfica arrogante. Thomas

    Hunt Morgan, famoso por suas pesquisas com moscas-das-frutas, que lanou os

    alicerces dos mapeamentos genticos, demitiu-se por razes cientficas da

    diretoria cientfica do Registro Oficial da Eugenia (Eugnica Record Office).

    A eugenia perdera a credibilidade na comunidade cientfica muito antes de

    os nazistas se apropriarem dela para seus fins repulsivos. A cincia que a

    escorava era fictcia e os programas sociais desenvolvidos a partir dela foram

    absolutamente repreensveis. No obstante, em meados do sculo XX, a

    gentica (a gentica humana, em particular), uma cincia perfeitamente legtima,

    deparava-se com um grave problema de relaes pblicas. (WATSON, 2005,

    p.46)

    Percebendo que as metas da eugenia no eram cientificamente exeqveis,

    os geneticistas tinham abandonado havia muito tempo a grandiosa busca dos

    32

  • padres hereditrios das caractersticas comportamentais humanos fosse a

    mente fraca de Davenport ou o gnio de Galton e agora a concentrao

    ficaria diretamente no gene e na sua atuao nas clulas. Nas dcadas de 1930-

    40, com o surgimento de novas tcnicas mais eficazes, o investimento foi direto

    para a natureza qumica do gene e no mais a implicao da hereditariedade nos

    comportamentos da espcie humana. Pelo menos durante um bom tempo.

    1.3. O RETORNO DA BIOLOGIA

    No incio dos anos de 1970, Edward O. Wilson procurou reformular os

    fundamentos das cincias sociais e biologiz-las e, basicamente, unificou

    zoologia e biologia das populaes atravs de uma teoria. Ele invocou a teoria

    evolutiva para explicar os fenmenos sociais e, em 1975, fundou um novo

    campo, a sociobiologia, que definiu como estudo sistemtico da base biolgica

    de todos os comportamentos sociais. A sociobiologia possibilitou uma explicao

    lgica do comportamento animal que, em uma primeira estncia, parecia

    contrria seleo natural. Por exemplo:

    Insetos sociais, como as formigas, realizam o cuidado da prole de

    forma cooperativa e uma diviso reprodutiva do trabalho, com muitos

    indivduos estreis trabalhando em favor dos ninhos fertilizados. A

    ausncia de reproduo por todos os indivduos de uma colnia parece

    estranha, considerando o que conhecemos sobre evoluo e seleo

    natural. Entretanto, tem sido descrito o benefcio reprodutivo da vida

    colonial ao ser examinada a ligao de parentesco dos indivduos em

    uma colnia e a grande contribuio resultante para sua aptido

    reprodutiva que tais estilos de vida permitem (ou seja, a propagao

    de seus genes nas geraes futuras). (GAZZANIZA, 2006, p.598)

    Wilson ainda observou que o tempo evolutivo para um nico organismo

    quase nada. Sob o ponto de vista darwinista, o organismo no vive por si s. Sua

    funo bsica no nem mesmo reproduzir outros organismos ele reproduz

    33

  • genes, os quais servem como seu transportador temporrio.

    Essa idia representou uma mudana significativa no paradigma vigente

    da psicologia, da sociologia e da etologia tradicionais e constituiu-se em uma

    revoluo em perspectiva.

    Em 1976, o livro bastante popular, O gene egosta de Richard Dawkins

    chamou a ateno para esse campo e colocou o gene como tendo central

    importncia. O argumento principal de Dawkins que a vida serve simplesmente

    para obter a replicao dos genes e a propagao dos genes bons no futuro.

    Desde que teve incio, a sociobiologia tem sofrido uma renovao e tem

    sido adotada pela Psicologia e pela Sociologia, com ressalvas, por causa da

    histrica influncia da eugenia.

    Os patrocinadores atuais dessa rea recm-estabelecida so Steven Pinker,

    Leda Cosmides e John Tooby, os quais utilizaram uma estrutura evolutiva para

    explicar o comportamento cognitivo.

    Os psiclogos evolutivos tm esboado uma viso um pouco diferente

    daquela exposta inicialmente pelos sociobilogos. Eles no acreditam que todos

    os comportamentos sejam determinados por mecanismos gnicos. Ao invs

    disso, acreditam que o crebro foi incorporando adaptaes que so de natureza

    mais geral.

    Essas adaptaes so um conjunto de regras que controlam o

    comportamento. Contudo, uma vez, que existe uma quantidade infinita de

    ambientes, as regras podem ser aplicadas diferentemente, resultando em uma

    quantidade infinita de comportamentos. Essa viso muito diferente daquela

    tradicional dos sociobilogos, pois permite uma viso mais objetiva e

    biologicamente compatvel do comportamento humano quando comparada com

    as interpretaes psicolgicas tradicionais. (GAZZANIZA, 2006, p.599)

    1.4. ARQUITETURA DA MENTE

    A arquitetura da mente um dos assuntos mais pesquisados por

    psiclogos. A viso da mente como uma esponja que absorve os prprios

    34

  • processos de pensamento, como uma esponja vazia pronta para ser embebida,

    est presente tanto no pensamento comum, quanto de grande parte do mundo

    acadmico.

    O processo de adquirir conhecimento diz respeito a embeber a esponja, e

    esprem-la tem a ver com lembrar-se de uma informao. O teste que mede o

    Quociente de Inteligncia (QI) baseia-se na noo de que algumas esponjas so

    melhores que outras quanto absoro e espremida. A evoluo da mente

    humana parece ser no mais que um aumento gradativo da esponja dentro das

    nossas cabeas. (MITHEN, 1998, p.57)

    Mas essa analogia no nos ajuda a resolver a dificuldade de saber como a

    mente resolve problemas, como aprende. Isto mais do que acumular fatos e

    depois lembr-los, mas sim de comparar e combinar pedaos de informao. De

    acordo com este ponto de vista, surge a concepo de mente-computador. Esta

    teoria possibilita enxergar a mente como uma estrutura adquirindo dados,

    processando, resolvendo problemas e fazendo com que nossos corpos executem o

    resultado. Ainda nesta perspectiva, a mente roda um nico e poderoso programa:

    o do aprendizado.

    uma criana que comea a absorver conhecimento tambm ir rodar

    o programa geral de aprendizado. Num certo dia ela comea a captar

    dados sobre os sons que houve saindo da boca das pessoas e sobre as

    aes que os sucedem o programa roda e a criana aprender o

    significado das palavras. Em outro dia, os dados de entrada sero as

    formas de marcas que ela v no papel e as imagens dos objetos

    adjacentes e ento ela aprender a ler. Em outra ocasio, os dados de

    entrada sero sobre nmeros numa pgina, ou sobre equilibrar-se num

    objeto com duas rodas, e esse extraordinrio programa geral que

    chamamos aprendizado permitir que a criana entenda matemtica

    ou guie uma bicicleta. O mesmo programa simplesmente continuar

    rodando, at na fase adulta. (MITHEN, 1998, pp.57-58)

    A viso de mente-computador foi adotada enfaticamente pelo psiclogo

    35

  • infantil Jean Piaget. Segundo suas teorias, ela roda um conjunto de programas de

    utilidade geral que controlam a entrada de informaes novas e tambm

    reestruturam a mente para que esta possa passar por uma srie de fases de

    desenvolvimento.

    As idias de Piaget tm sido criticadas por muitos psiclogos que afirmam

    que a mente no opera programas de utilidade geral, tampouco um tipo de

    esponja que absorve indiscriminadamente qualquer informao que esteja

    disponvel. Os psiclogos introduziram uma nova analogia: a de que a mente

    como um canivete suo. Cada elemento do canivete foi projetado para

    solucionar um tipo de problema bem especfico. Quando o canivete est fechado,

    no se v a quantidade de lminas especiais do canivete. Ao invs de lminas do

    canivete, psiclogo adotaram termos como mdulos, domnios cognitivos e

    inteligncias para descrever cada um dos dispositivos especializados.

    H muita discordncia sobre o nmero e a natureza desses dispositivos,

    mas ao analisarmos a literatura veremos que esses psiclogos conseguem expor

    melhor a arquitetura da mente do que ns quando meditamos em vo a seu

    respeito ao brincar com crianas. Essa arquitetura parece fundamentalmente

    diferente da sugerida por Piaget. (MITHEN, 1998, p.61)

    Uma das vises de mente modular foi proposta por Jerry Fodor (discpulo

    de Chomsky), um psicolingsta com idias claras a respeito da mente. Uma das

    propostas de Fodor a de que a mente deveria ser dividida em duas grandes

    partes, que chamamos percepo (ou sistemas de entrada) e cognio (ou

    sistemas centrais). As arquiteturas dessas partes so bastante diferentes. Para

    Fodor os sistemas de entrada parecem os dispositivos de um canivete suo, uma

    srie de mdulos discretos e independentes, como a audio, viso e o tato.

    Fodor ainda inclui a linguagem entre os sistemas de entrada. Em contrapartida,

    os sistemas centrais no possuem uma arquitetura definida, e para Fodor, talvez

    esta arquitetura sempre permanea fora do nosso alcance. Ali ocorrem o

    pensamento resoluo de problemas e imaginao. ali que reside a

    inteligncia.

    Fodor argumenta que cada sistema de entrada se baseia em processos

    36

  • cerebrais independentes. Por exemplo, os usados para a audio so totalmente

    diferentes dos usados para a viso ou a linguagem, so como dispositivos

    diferentes do canivete suo, que simplesmente se encontram contidos num

    mesmo estojo. Essa modularidade dos sistemas de entrada atestada por

    numerosas evidncias, que incluem uma aparente associao com partes

    especficas do crebro, os tpicos padres de desenvolvimento na criana, e

    tambm uma tendncia a exibir padres especficos de interrupo. Fodor

    tambm enfatiza o fato de os sistemas de entrada operarem muito rapidamente e

    serem obrigatrios: no podemos deixar de ouvir, ou ver, em face de estmulos

    apropriados. (MITHEN, 1998, p.62)

    A idia de que a cognio influencia pouco a percepo (sistema central x

    sistema de entrada) vai contra as idias relativistas das cincias sociais. Na viso

    de mente-esponja, a criana absorvia conhecimento da sua cultura. Para a maioria

    dos cientistas sociais, esse conhecimento tambm inclua a maneira de perceber o

    mundo, ou seja, a percepo influenciada pela cultura. Fodor diz que isso

    incorreto: a natureza da percepo j est embutida na mente ao nascermos.

    Segundo Fodor, sistemas de entrada so encapsulados, obrigatrios,

    operam com rapidez e j vm embutidos no crebro.

    Em suma, Fodor acredita que a mente possui uma arquitetura de dois

    nves; o inferior (sistema de entrada) como um canivete suo e o superior

    (sistema central) Fodor diz que no podemos nem imaginar como .

    Fodor argumenta ainda que a arquitetura da mente moderna o processo

    da evoluo humana de fato concebeu um projeto funcional, engenhoso. A

    percepo foi gerada para detectar o que est certo nesse mundo: em situaes de

    perigo ou oportunidade, uma pessoa precisa reagir rapidamente e sem pensar. Em

    outros momentos, no entanto, sobrevivemos contemplando a natureza do mundo

    de forma mais lenta e reflexiva, integrando muitos tipos e fontes diferentes de

    informao. Somente dessa forma podemos chegar a reconhecer as regularidades

    e a estrutura do mundo.

    Para Fodor Sem dvida importante prestar ateno no eternamente belo

    e verdadeiro. Mas mais importante ainda no sermos devorados. A natureza fez

    37

  • fora para manter as duas coisas, extrair o melhor do sistema rpido e estpido,

    recusando-se a escolher entre um e outro. (MITHEN, 1998, p.64)

    Uma outra idia de Fodor a de que deve haver uma linguagem do

    pensamento

    Se os sistemas cognitivos envolvem representaes, se as operaes

    cognitivas envolvem a manipulao de representaes do tipo smbolo, ento

    estas representaes devem existir em algum lugar e ser manipuladas de alguma

    maneira.

    Por conseguinte, Fodor pensa que o compromisso de atribuir um sistema

    representacional a organismos deve exigir uma caracterizao deste sistema

    mentalista. (GARDNER, 2003, p.95)

    Segundo Fodor, o reconhecimento de algum tipo de meio, de alguma

    forma, ou linguagem, no qual o pensamento ocorre uma parte importante de

    quase toda teoria cognitiva contempornea. Fodor afirma que a linguagem do

    pensamento deve ser um veculo muito rico para poder executar os muitos

    processos cognitivos percepo, raciocnio, aprendizagem da linguagem e

    coisas semelhantes dos quais a espcie humana capaz. Alm disto, Fodor

    expe a sua opinio de que a linguagem do pensamento deve ser inata: de que as

    pessoas nascem com um conjunto j formado de representaes, sobre as quais

    pode ser mapeado qualquer informao que venha de suas experincias do

    mundo.

    Alm do mais, a linguagem do pensamento pode ser muito parecida com

    uma linguagem natural. possvel que os recursos do cdigo interno sejam

    representados de forma bastante direta nos recursos dos cdigos que ns usamos

    para a comunicao[ por isto] que to fcil aprender as linguagens

    naturais. (GARDNER, 2003, p.96)

    A afirmao de Fodor de que os seres humanos nascem com

    conhecimento de uma linguagem uma linguagem inata semelhante linguagem

    natural desafiadora. Neste sentido, se firma a crtica que Fodor faz a teoria da

    aquisio de conceitos de Jean Piaget, segundo a qual a criana passar a possuir

    conceitos novos e mais poderosos a cada estgio seguinte do desenvolvimento.

    38

  • Fodor afirma sua dificuldade em compreender como algum pode aprender um

    novo conceito a no ser que j tenha alguma capacidade de hipotetizar este

    conceito e neste caso, ele j possui, j nasce com:

    O fato de as operaes que os indivduos podem executar, mesmo

    muito cedo na vida, serem altamente abstratas d um peso maior s

    afirmaes de Fodor (e de Chomsky) de que o aparato intelectual

    inicial com o qual os indivduos esto equipados deve ser nitidamente

    especificado, construdo de forma a esperar determinadas experincias

    e informaes. Embora as afirmaes exatas apresentadas por Fodor

    no tenham conseguido convencer a maioria de seus colegas, as

    questes que ele levanta sobre a necessidade de algum tipo de

    mentals, e os tipos de restries que este mentals pode ter de

    exibir, revelaram-se difceis de minar. Assim, sua posio passou em

    um dos testes mais crticos para qualquer afirmao filosfica.

    (GARDNER, 2003, p.97)

    Fodor acredita ainda que qualquer tentativa de elucidar a cognio deve

    envolver a adoo de um ponto de vista mentalista. Ele cr que os estados

    mentais realmente existem, e eles podem interagir uns com os outros, e que

    possvel estud-los. Os mtodos de estudos incluem os mtodos empricos da

    psicologia, da lingstica e de outras cincias cognitivas; e as chances de se obter

    avanos nestas questes esto intimamente vinculadas a uma colaborao bem

    informada entre especialistas destas diferentes reas. (GARDNER, 2003, p.97)

    Na viso de Fodor, essas operaes mentais que ocorrem de um modo

    relativamente rpido e automtico como a anlise sinttica de uma sentena

    (linguagem) ou a deteco de formas no mundo visual (viso) tm chance

    maior de serem descobertas pelos mtodos cognitivistas em prtica. J para a

    descoberta das capacidades que envolvam julgamento e raciocnio sustentados

    tais como o desenvolvimento de teorias da cincia ou a tomada de decises no

    dia-a-dia Fodor acredita que esses mtodos so falhos ou ainda insuficientes.

    A viso de mente modular introduzida por Jerry Fodor foi desenvolvida

    pelo antroplogo John Tooby e pela psicloga Leda Cosmides na dcada de

    39

  • 1990. Tooby e Cosmides estavam atacando a disseminada crena de que o

    crebro um dispositivo de aprendizagem de propsito geral. Em vez disso:

    a mente como um canivete suo. Quando s lminas, chaves de

    fenda e coisas que ajudam os escoteiros a tirar pedras de cascos de

    cavalos, leiam-se mdulos de viso, mdulos de linguagem e mdulos

    de empatia. Como as ferramentas de um canivete, estes mdulos so

    ricos em propsitos teleolgico: faz sentido no s descrever de que

    so feitos e como fazem seu trabalho, mas para que servem. Assim

    como o estmago est para a digesto, o sistema visual do crebro est

    para a viso. Ambos so funcionais, e o projeto funcional implica

    evoluo por seleo natural, que implica pelo menos em parte uma

    ontologia gentica. A mente, portanto, consiste em uma coleo de

    mdulos de contedo especfico e processamento de informao

    adaptada para ultrapassar ambiente. (RIDLEY, 2005, p.86)

    A adoo dessa abordagem evolucionria, o trabalho de Tooby e

    Cosmides tm desafiado muitas das noes convencionais sobre a mente a

    mente-esponja, a mente do tipo programa de computador de uso geral.

    Tooby e Cosmides desfilam sob a bandeira da psicologia evolucionista

    sustentados pelo argumento de que podemos compreender a natureza da mente

    humana moderna apenas se a considerarmos um produto da evoluo humana.

    O ponto de partida da argumentao a mente ser uma estrutura funcional

    complexa que no poderia ter surgido pelo acaso. Se estamos dispostos a ignorar

    a possibilidade de uma interveno divina, o nico processo conhecido que

    pode ter dado origem a tamanha complexidade a evoluo pela seleo

    natural. (MITHEN, 1998, p.68)

    Como conseqncia, Tooby e Cosmides sustentam a hiptese de que a

    mente um canivete suo com um grande nmero de lminas altamente

    especializadas, ou seja, composto de mltiplos mdulos mentais. Cada uma

    dessa lminas/mdulos foi projetada pela seleo natural para lidar com um

    determinado problema adaptativo enfrentando pelos caadores-coletores durante

    40

  • nosso passado (MITHEN, 1998, p.68)

    Esses mdulos so embutidos na mente ao nascer, como os sistemas de

    entrada de Fodor e so universais entre as pessoas.

    Ainda, esses mdulos, para Tooby e Cosmides, no apenas fornecem

    conjuntos de regras para resolver problemas, como tambm fornecem

    informaes necessrias para tal. A informao sobre estrutura do mundo real

    juntamente com as regras para resoluo de problemas cada uma contida em

    mdulo mental prprio, j se encontra na mente da criana ao nascer. Alguns

    mdulos so ativados imediatamente os relacionados ao contato visual com a

    me outros precisam de um pouco mais de tempo antes de estarem em

    atividade, como os mdulos para aquisio de linguagem.

    Tooby e Cosmides apiam essa hiptese de mente modular em vez de

    mente-esponja ou mente-computador, apoiados em trs argumentos.

    Primeiro, Tooby e Cosmides sugerem que, como cada tipo de problema

    enfrentado pelos nossos ancestrais caadores-coletores era singular, tentar

    resolver todos utilizando um nico esquema de raciocnio teria levado a inmeros

    erros. Conseqentemente, qualquer humano que tivesse mdulos mentais

    especializados e dedicados a tipos especficos de problemas teria evitado erros e

    encontrado solues com sucesso. Essa pessoa teria possudo uma vantagem

    seletiva e seus genes teriam se espalhado na populao, codificando a feitura de

    canivetes suos nas mentes dos seus descendentes. (MITHEN, 1998, p.69)

    O segundo argumento que Tooby e Cosmides utilizam para fundamentar a

    noo de mdulos ricos em contedo o fato de as crianas aprenderem tantas

    coisas a respeito de tantos assuntos complexos que se torna simplesmente

    impossvel aceitar que isso acontea, a no ser que suas mentes tenham sido pr-

    programadas para faz-lo (MITHEN, 1998, p.70)

    Esse argumento foi primeiramente conhecido como pobreza de

    estmulo, e utilizado por Noam Chomsky em relao linguagem. Chomsky

    defende que a mente contm um dispositivo para aquisio da linguagem

    geneticamente fixo e prprio para o aprendizado da lngua, j equipado com um

    plano geral para regras gramaticais. Fodor concorda com esse ponto de vista,

    41

  • razo pela qual considera a linguagem uma caracterstica especializada da mente.

    Tooby e Cosmides generalizam o argumento da pobreza de estmulo

    para todos os domnios da vida Como pode uma criana aprender o significado

    de expresses faciais ou o comportamento de objetos fsicos, ou mesmo atribuir

    crenas e intenes a outras pessoas, a no ser que ela seja ajudada por mdulos

    mentais ricos em contedos e dedicados a essa tarefa? (MITHEN, 1998, p.70)

    O terceiro argumento utilizado por Tobby e Cosmides para defender a

    idia de mente-canivete-suio conhecido como problema do contexto, e lida

    com a dificuldade de tomar decises o mesmo que Fodor utilizou ao explicar

    porque existem os sistemas de entrada estpidos:

    Imaginem que um caador pr-histrico que de repente depara com

    um leo. O que ele deveria fazer? Se tivesse apenas um programa

    geral de aprendizado, o tempo necessrio para avaliar as intenes do

    leo e pesar os prs e contras de correr ou no se mexer poderia muito

    bem ser excessivamente longos (MITHEN, 1998, pp.70-71)

    Conforme Fodor notou, o caador provavelmente teria sido devorado.

    O grande problema com regras gerais de aprendizado, segundo Tooby e

    Cosmides, que no existem limites quanto a que informao excluir durante

    uma tomada de deciso e quais aes alternativas ignorar. Toda e qualquer

    possibilidade deveria ser examinada. Nossos ancestrais pr-histricos teriam

    certamente morrido de fome enquanto tentavam decidir onde e o que caar. Mas

    se um deles possusse um mdulo mental especializado pra tomar decises sobre

    caar, que indicasse os tipos de informao a considerar e como process-los, ele

    teria prosperado. Isso sem dvida teria aumentado seu sucesso reprodutivo, e a

    comunidade logo estaria povoada de seus descendentes, cada qual com um

    mdulo mental especializado para tomar decises sobre a caa. (MITHEN,

    1998, p.71)

    Esses argumentos so favorveis a hiptese de mente programada. Se

    legtimo pensar na mente como um produto da seleo natural e sexual (evoluo

    42

  • da mente humana), a defesa do projeto do tipo mente canivete suo parece

    arrasadora. Tooby e Cosmides ainda sugerem que seramos capazes de prever

    quais dispositivos deveriam existir no canivete. Pelo menos, segundo Tooby e

    Cosmides, podemos prever as lminas (mdulos mentais) se soubermos os tipos

    de problemas que os nossos caadores-coletores pr-histricos normalmente

    tinham que enfrentar e resolver.

    Tooby e Cosmides sugerem que a mente est cheia de um grande nmero

    de mdulos. Eles incluem

    Um para o reconhecimento do rosto, um para as relaes espaciais,

    uma para a mecnica de objetos rgidos, um para uso de ferramentas,

    um para o medo, um para as trocas sociais, um para a emoo-

    percepo, um para motivao associada ao parentesco, um para a

    distribuio do esforo e recalibrao, um para o cuidado das crianas,

    um para as inferncias sociais, um para a amizade, um para a

    aquisio da gramtica, um para a comunicao e pragmtica, um para

    a teoria da mente, e assim por diante! (TOOBY & COSMIDES, 1992,

    p.113 APUD MITHEN, 1998, p.71)

    Ainda Tooby e Cosmides afirmam que a linguagem uma capacidade

    cognitiva modularizada, que depende de processos neurais nicos e dedicados.

    Em contrapartida, a manipulao de objetos e as vocalizaes das crianas antes

    do desenvolvimento da linguagem derivam ou, podem derivar de uma

    inteligncia geral e no de mdulos lingsticos.

    Quando observamos uma criana construindo um objeto

    hierarquicamente estruturado, podemos inferir que ela tambm produz

    vocalizaes hierarquicamente estruturadas, embora possamos

    observar apenas objetos. Mas uma linguagem totalmente desenvolvida

    depende de mdulos mentais de linguagem-especfica. (MITHEN,

    1998, p.169)

    43

  • Os processos neurais responsveis pela capacidade lingstica parecem

    estar concentrados em reas especficas do crebro, especialmente no hemisfrio

    esquerdo. Ali, duas regies so consideradas importantes: a rea de Broca e a

    rea de Wernicke. Pessoas que sofreram danos cerebrais em uma dessas duas

    regies perderam algumas de suas capacidades lingsticas.

    Traumatismos na rea de Broca parecem afetar especialmente o uso da

    gramtica, enquanto os que ocorrem na rea de Wernicke influenciam a

    compreenso. Danos no tecido conjuntivo entre essas duas reas, ou no tecido

    que as conecta com o resto do crebro, tambm podem causar srias dificuldades

    lingsticas. (MITHEN, 1998, p.169)

    Entretanto, as relaes entre partes especficas do crebro e caractersticas

    da linguagem so complexas e pouco compreendidas; a afirmao que pode ser

    feita sem cometer erros que existem certas reas do crebro que so

    importantes para a linguagem.

    44

  • CAPTULO II

    2. CREBRO E LINGUAGEM

    Todos os animais se comunicam, mas s o homem fala e escreve. A

    linguagem humana apresenta uma base neurobiolgica que pode ser estudada

    com tcnicas de imagem funcional, mtodos eletrofisiolgicos e observaes de

    pacientes neurolgicos e indivduos normais.

    Os pacientes em hospitais com distrbios da fala e da compreenso

    fornecem importantes dados para a construo de modelos para os mecanismos

    cerebrais da linguagem falada. Alguns no conseguem falar, outros apresentam

    dificuldade em compreender, e outros apresentam, ainda, mais distrbios que

    lhes provocam erros de expresso e de compreenso. Essas leses, bem

    analisada, mostram uma rede de reas conectadas que compem o sistema

    lingstico humano: reas conceitualizadoras, que realizam o planejamento do

    contedo da fala e a compreenso do que ouvido; reas formuladoras, que se

    encarregam do planejamento e compreenso da forma das palavras e das frases; e

    reas articuladoras, que efetivamente comandam os movimentos necessrios

    fala. Alm delas, inmeras regies corticais esto envolvidas: as reas auditivas

    que primeiro percebem os sons verbais, as reas que percebem os signos da

    escrita; as regies de processamento emocional, de onde se originam as nuances

    afetivas da fala, e assim por diante. (LENT, 2001, p.620)

    A linguagem a mais lateralizada das funes, j que a maior parte de

    seus mecanismos operada, pelo hemisfrio esquerdo na maioria dos seres

    45

  • humanos. Mas h vrias funes lateralizadas, cada uma delas revelando as

    especialidades de cada hemisfrio cerebral. Assim:

    o clculo matemtico, a identificao precisa de pessoas e objetos, a

    avaliao mtrica do espao extrapessoal, alm da linguagem e outras

    funes, so especialidades do hemisfrio esquerdo. A percepo

    musical, a identificao genrica de pessoas e objetos, a identificao

    de relaes espaciais entre os objetos, e outras funes, so

    caractersticas do hemisfrio direito. (LENT, 2001, p.620)

    2.1. DISTRBIOS DA FALA E DA COMPREENSO

    Desde o passado remoto, mdicos tm observado a ocorrncia de

    distrbios da fala e da compreenso verbal em indivduos com leses do sistema

    nervoso. No sculo XIX, o neurologista francs Paul Broca (1824-1880)

    anunciou em uma reunio acadmica baseado no estudo de vrios de seus

    pacientes, que apresentavam leses no lobo temporal esquerdo e todos eles com

    distrbios da linguagem que a linguagem era uma especializao do lado

    esquerdo (hemisfrio esquerdo).

    Broca chamou o distrbio que descobriu de afemia, mas o termo que

    ficou consagrado na literatura mdica foi afasia, criado por Sigmund Freud (1856

    1939)

    Recebem o nome de afasia alguns dos distrbios da linguagem falada. So

    bastante comuns, causados por quase a metade dos acidentes vasculares

    cerebrais. Neurologistas, entretanto, distinguem as afasias propriamente ditas de

    outros distrbios que interferem na linguagem.

    Entendem como afasias os distrbios da linguagem devidos a leses

    nas regies realmente envolvidas com processamento lingstico.

    Outras alteraes da linguagem, entretanto, podem derivar de leses

    que atingem o sistema motor, o sistema intencional etc., coadjuvantes,

    46

  • mas no determinantes da linguagem. Neste caso, no so

    consideradas afasias. Por exemplo: um doente com paralisia do nervo

    facial pode apresentar distrbios da fala porque no consegue mover

    adequadamente os msculos da face. Ao contrrio, os portadores de

    afasias podem perder a capacidade de falar sem apresentar qualquer

    deficincia no funcionamento da musculatura facial. (LENT, 2001,

    p.635)

    Mas h diferentes afasias classificadas. Quando a leso incide sobre a

    regio lateral inferior do lobo frontal esquerdo, o indivduo apresenta uma afasia

    de expresso ou afasia de Broca. Sem dficits motores propriamente ditos,

    torna-se incapaz de falar, ou apresenta uma fala no-fluente, restrita a poucas

    slabas ou palavras curtas sem verbos (fala telegrfica). O paciente se esfora

    muito para encontrar as palavras, sem sucesso. (LENT, 2001, p.635)

    Quando a leso atinge uma regio cortical posterior em torno da ponta do

    sulco lateral de Sylvius do lado esquerdo, o quadro clnico do individuo um

    pouco diferente, apresentando afasia de compreenso ou afasia de Wernicke.

    Quando um interlocutor lhe fala, o indivduo no parece compreender bem

    o que lhes dito. No s emite respostas verbais em sentido, como tambm falha

    em indicar com gestos que possa ter compreendido o que lhe foi dito. Sua fala

    espontnea fluente, mas usa palavras e frases desconexas porque no

    compreende o que ele prprio est dizendo. (LENT, 2001, p.635)

    As reas atingidas por leses estudadas por Broca e Wernicke receberam

    nomes que os homenageiam (rea de Broca, rea de Wernicke), mas a sua

    delimitao anatmica permaneceu vaga em virtude da variabilidade das leses,

    que dependem quase sempre dos territrios de irrigao sangunea atingidos em

    cada caso.

    O estudo cuidadoso das afasias realizado no sculo XIX pelo neurologista

    alemo Karl Wernicke (1848-1904), levou-o a elaborar um pequeno modelo de

    processamento neural da linguagem, e a prever a existncia de outros tipos

    possveis de afasias, ainda desconhecidas na ocasio e relatadas posteriormente.

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  • Wernicke raciocinou que se a expresso da fala funo da rea de

    Broca, e se a compreenso funo da rea que levou seu nome, ento

    ambas devem estar conectadas para que os indivduos possam

    compreender o que eles mesmos falam e responder ao que os outros

    lhe falam. (LENT, 2001, p.363)

    O modelo neurolingstico de Wernicke considera que a rea de Broca

    conteria os programas motores da fala, ou seja, as memrias dos movimentos

    necessrios para expressar os fonemas, coloc-las em palavras e estas em frases.

    A rea de Wernicke por outro lado, conteria as memrias dos sons que compe a

    palavras, possibilitando a compreenso. Bastaria que a rea de Wernicke fosse

    conectada rea de Broca para que o indivduo pudesse associar a compreenso

    das palavras ouvidas com a sua prpria fala.

    Mais recentemente, o modelo de Wernicke, que fez bastante sentido

    durante dcadas, tem sido atualizado, levando em considerao as observaes

    dos psicolinguistas, as evi