A Linha Vermelha - Evelyn Anthony

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 A LINHA VERMELHA Evelyn Anthony LIVROS CONDENSADOS SELECÇÕES DO RIDER.S DIGEST A LINHA VERMELHA Evelyn Anthony fa6 A minúscula igreja siciliana era o último lugar que a enfermeira inglesa Angela Drummond teria imaginado para o seu casamento. Mas está-se em plena guerra e ela sabe que Steven Falconi, o atraente capitäo americano, é o único homem que alguma vez amará. E, para além disso, Angela está grávida de Steven ... Mas a felicidade conjugal é rapidamente despedaçada pela revelaçäo do passado desconhecido de Steven, e, horrorizada, Angela regressa apressadamente a Inglaterra. Porém, anos mais tarde, quando a linha que ligava os seus destinos os volta a reunir, a chama daquele romance antigo reacendece-se num drama aPaixonado de amor, ciúme e traiçäo. Capítulo I ESTAVA escuro e fresco dentro da igreja. Cheirava a incenso e a estearina. Havia imagens de Nossa Senhora com o Menino e de santos em contemplaçäo. As imagens eram pintadas de várias cores, entre as quais o dourado, e as suas coroas e imitaçöes de jóias brilhavam sob a luz ténue. Era o último lugar no Mundo em que teria pensado quando imaginava o dia do seu casamento. Agarrou-se ao braço dele enquanto percorriam uma coxia lateral perto do altar. --Senta-te aqui, querida. Vou procurar o padre--disse Steven. Angela sentou-se numa frágil cadeira de madeira, pois a igreja näo tinha bancos corridos. Haviam subido de carro a íngreme encosta pelo caminho estreito e sulcado que conduzia à aldeia, a qual parecia ter nascido da rocha, de tal forma se agarrava à colina. Tinham deixado o jipe na pequenina pia a perto da igreja, e Steven pegara-lhe na mäo, levando-a pelas ruas empedradas para Lhe mostrar a casa onde o seu avô nascera. Era pobre e humilde, tinha janelas minúsculas e a porta era täo baixa que nenhum adulto a poderia transpor sem se curvar. Sardinheiras vermelho-vivo floresciam em pequenos vasos e nas fendas das paredes. Estava um calor of uscante, e a poeira vermelha siciliana pairava no ar que respiravam. --Também se chamava Stefano--disse-lhe Steven.--É o nome que .amos dar ao nosso rapaz. Voltemos para a igreja. 3SO Angela interrogava-se se Steven teria encontrado o padre. ocorreu-Lhe subitamente que devia rezar. Mesmo naquele lugar desconhecido, de odores doentios e velas a derreter, deveria pedir a bênçäo de Deus para o dia do seu casamento, täo

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    A LINHA VERMELHAEvelyn Anthony

    LIVROS CONDENSADOS

    SELECES DO RIDER.S DIGEST

    A LINHA VERMELHA

    Evelyn Anthony

    fa6A minscula igreja siciliana era o ltimo lugar que aenfermeira inglesa Angela Drummond teria imaginado para o seucasamento. Mas est-se em plena guerra e ela sabe que StevenFalconi, o atraente capito americano, o nico homem quealguma vez amar. E, para alm disso, Angela est grvida deSteven ...

    Mas a felicidade conjugal rapidamente despedaada pelarevelao do passado desconhecido de Steven, e, horrorizada,Angela regressa apressadamente a Inglaterra.Porm, anos mais tarde, quando a linha que ligava os seusdestinos os volta a reunir, a chama daquele romance antigoreacendece-se num drama aPaixonado de amor, cime e traio.

    Captulo I

    ESTAVA escuro e fresco dentro da igreja. Cheirava a incenso ea estearina. Havia imagens de Nossa Senhora com o Menino e desantos em contemplao. As imagens eram pintadas de vriascores, entre as quais o dourado, e as suas coroas e imitaes

    de jias brilhavam sob a luz tnue. Era o ltimo lugar noMundo em que teria pensado quando imaginava o dia do seucasamento.Agarrou-se ao brao dele enquanto percorriam uma coxia lateralperto do altar.--Senta-te aqui, querida. Vou procurar o padre--disse Steven.Angela sentou-se numa frgil cadeira de madeira, pois a igrejano tinha bancos corridos.Haviam subido de carro a ngreme encosta pelo caminho estreitoe sulcado que conduzia aldeia, a qual parecia ter nascido darocha, de tal forma se agarrava colina. Tinham deixado ojipe na pequenina pia a perto da igreja, e Steven pegara-lhe

    na mo, levando-a pelas ruas empedradas para Lhe mostrar acasa onde o seu av nascera. Era pobre e humilde, tinhajanelas minsculas e a porta era to baixa que nenhum adulto apoderia transpor sem se curvar. Sardinheiras vermelho-vivofloresciam em pequenos vasos e nas fendas das paredes.Estava um calor of uscante, e a poeira vermelha sicilianapairava no ar que respiravam.--Tambm se chamava Stefano--disse-lhe Steven.-- o nome que.amos dar ao nosso rapaz. Voltemos para a igreja.3SO

    Angela interrogava-se se Steven teria encontrado o padre.ocorreu-Lhe subitamente que devia rezar. Mesmo naquele lugar

    desconhecido, de odores doentios e velas a derreter, deveria

    pedir a bno de Deus para o dia do seu casamento, to

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    diferente do que imaginara. Pensou na igreja da sua terra, no

    Sussex, que a sua mae ajudava a ornamentar com flores e onde,uma vez por ms, o seu pai fazia as leituras na missa. Semprepartira do princpio de que o proco que a baptizara a haveriade casar com um jovem sem rosto; as damas de honor em filaatrs deles, os bancos cheios de amigos e os familiares de

    fatos elegantes e chapus floridos. Nessa altura, no haviauniformes, pois isto fora imaginado antes da guerra. Agora, oseu irmo j no podia ser seu padrinho, pois morrera duranteum bombardeamento areo sobre a Alemanha em 1942. Angelaacabara o curso de enfermagem e partira para a Europa, emuitos mais jovens tinham morrido.Fechou os olhos e tentou que os seus pensamentos setransformassem numa espcie de orao."Eu amo-o; por favor, dai-nos a felicidade."o padre estava sentado na sacristia. olhou para o capitoamericano e disse pausadamente:--Porque vem aqui? Ns estamos em paz, agora. No o queremos

    por c.--No foi por isso que vim--foi a resposta.--Vim apenas pormim prprio.--Voc veio para trazer de novo os homens de sangue--disse opadre. Usava culos e tirou-os para os limpar manga.--Asnotcias tambm chegam a Altofonte. os Americanos esto atrazer-vos de volta para nos pilharem, tal como vocs fizeramdurante anos at serem expulsos. Altofonte pobre, nopodemos dar-vos nada. No h nada aqui para os Falconi.--Vim aqui para me casar--disse Steven Falconi baixinho.--tudo o que quero de si. Trouxe a minha namorada, ela est lfora espera.--No.--o padre levantou-se.--Eu no o casarei. H sangue nas

    suas mos.--Ela est grvida de mim. Em nome da honra, peo-lhe que noscase.--No--respondeu o padre. Abriu a porta da sacristia para aigreja e viu uma rapariga com um uniforme de enfermeirasentada na escurido.--Eu no perdoarei o seu pecado. Pegue nasua mulher e saia d minha igreja.Steven Falconi no se mexeu.

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    --Se nos casar, padre, ser deixado em paz. Garanto-lhe que

    nunca llnliS nos ver nem ouvir falar de ns.Era o experimentado e provado mtodo de negociao: faz-me umor e em troca prometo-te outro; se recusares ... Nesse caso,nunca ,\ ia escolha. E o padre sabia que agora tambm nohavia escolha.--Jura?--Pela honra da minha famlia--foi a resposta, e ele sabia queuele juramento nunca fora quebrado, tal como o juramento dosiln

    Cl().--Que Deus Lhe perdoe. E a mim tambm--suspirou o padre.--Tomou uma deciso sensata--disse Falconi.--No se arrepe

    nder.--Recordo-me do seu av--murmurou o padre, no olhando para.ven.--Eu ainda era criana, mas lembro-me dele: era um

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    assassino.

    No HAVIA nada naquele dia que pudesse ter feito AngelaDrummond prever fosse o que fosse quando entrou ao servio.Parecia um dia como qualquer outro. o hospital de campanhafora montado aps os Americanos terem ocupado Palermo; Angela

    chegara, vinda de Trpoli. o rapaz americano de quem estava acuidar perdera as duas pernas quando o seu tanque passarasobre uma mina. Estava inconsciente e, por experincia, Angelasabia que ele ia morrer. Enquanto se inclinava para sentir oseu pulso enfraquecido, ouviu uma voz atrs de si.--E o tenente Scipio, sra. Enfermeira?Angela endireitou-se e respondeu:--E, sim. Lamento, mas no pode entrar aqui. Vai ter de sair.o homem era alto e muito moreno, tinha as divisas de capitode infantaria no seu uniforme de combate.--Crescemos juntos. Ele est muito mal?--Est--respondeu Angela em voz baixa.--Perdeu ambas as

    pernas. Por favor, capito, no deviam t-lo deixado entrar.--Eu volto amanha. Trate bem dele.--Tratamos bem de todos. Agora, se faz favor ...Steven inclinou a cabea e saiu. Angela percebeu que eleestava o ido. "Que desperdcio !", pensou, assim como jhavia pensado ceira de tantos leitos de morte. Umdesperdcio, tal como o seu atirado para o esquecimento sobreuma cidade alema em cha

    linfermeira Drummond!--o tom de voz da enfermeira-chefe er"ldo.--o que que anda a fazer?I )esculpe. Estava mesmo a acabar de ver o pulso do doente.3S2

    --Mas isso no demora cinco minutos, enfermeira, e h estempo que anda por a. Chegue aqui, se faz favor. Ajude-me amud este penso.Quando o capito americano voltou no dia seguinte, estava oubdoente no lugar de Scipio. o capito foi directamente ter comela.--Ele no est l--disse ele.--o tenente Scipio foi-se embora.onde que ele est?--Morreu ontem noite--respondeu Angela.--Lamento.--Foi melhor para ele--disse o capito baixinho.--Ele noteria querido viver daquela maneira. obrigado por ter tratado

    dele.--Pobre rapaz, s desejava ter podido fazer mais...--Subitamente, os seus olhos encheram-se de lgrimas eAngela virou-se de costas para ele.--Por favor, v-se embora.Arranjo problemas se a enfermeira-chefe o encontra aqui.--Quando que sai de servio?Angela respondeu sem pensar, enxugando as lgrimas. Eraimperdovel perder a compostura e chorar.--As sete e meia, porqu?--Eu espero-a l fora--disse ele.--Chamo-me Steven Falconi.Gostaria de Lhe agradecer por ter cuidado do meu amigo.No era inteno dela permitir-lhe que a levasse de carro ajantar a Palermo. Ele parecia saber exactamente onde havia boa

    comida sicillana.--onde que voc e aquele pobre rapaz cresceram?--perguntou.--Em que stio da Amrica vive?

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    --Em Nova lorque--respondeu Steven.--Scipio andava dois anos

    atrs de mim na escola, mas a famlia dele conhecia a minha.Licenciei-me e alistei-me no Exrcito, mas ele j se tinhaalistado h mais tempo. Durante semanas, a mae delelamentou-se minha, no queria que ele se alistasse. Est agostar da comida?

    --Estou, a melhor que j comi.--Eu digo-lhes--disse ele.Ele falava italiano fluentemente. o dono do pequeno caf nuncase afastava muito. Angela teve a sensao de que ele estavasempre a observar Falconi.Era quase meia-noite quando ele a levou a casa.--Volto amanha--declarou.--A mesma hora?--Amanha saio s trs--respondeu Angela.-- o meu dia defolga.--Se quisesse, podamos dar uma volta pelo campo--sugeriu ele.Permaneceram de p junto ao jipe, sem se tocarem.

    --Gostava de Lhe mostrar esta parte da ilha--continuou Steven.montanhas so muito bonitas. Trago almoo e uma garrafa devinho.ha bem?--Sim, parece uma ideia excelente--respondeu Angela, esten I.ndo-lhe a mo, em que Steven pegou, aproximando-se mais dela.o rigada pelo jantar--disse ela.--obrigado por ter vindo. At amanha.--Boa noite--disse Angela, e Steven largou-lhe a mo.Ao dobrar a esquina dos alojamentos das enfermeiras, Angelaolhou de relance para trs e ele ainda l estava,observando-a. Ela acenou, e ele retribuiu-lhe o gesto.A sua colega de quarto, Christine, deixara a porta das

    traseiras aberta para o caso de Angela voltar tarde. Angelafechou-a e trancou-a. Desejou que Christine estivesse adormir, pois no Lhe apetecia responder a perguntas sobre oseu encontro.Mas Christine estava acordada. Era enfermeira profissional etrs anos mais velha do que Angela. Era uma amizade peculiarentre duas pessoas completamente diferentes: enquanto Angelaera tmida, Christine era extrovertida, no fazendo segredo dasua grande atraco por homens, e achava que era altura de ajovem colega arranjar um namorado.--Deves ter passado um bom bocado--comentou.--o que quefizeram?

    --Jantmos e conversmos.--Angela despiu-se rapidamente.--Mas gostaste--persistiu a sua amiga.--Pelo menos, ests comar disso. Vais v-lo de novo?--Amanha--respondeu Angela. Meteu-se na cama e acomodou-se.--Mas que rapidez!--comentou Christine.--Como que ele sechama?--Steven Falconi--murmurou.--Temos de levantar-nos s cinco emeia e eu estou morta de cansao. Conto-te tudo amanha.--Vou ver o meu homem amanha--disse Christine, desligando aluz de seguida.--Vou perguntar-lhe se o conhece.Conhecera o seu mais recente namorado h um ms. Contara aAngela que ele era casado, mas todos os simpticos o eram.Nada mais nada menos, que tenente-coronel; era um mos largas

    no whisky, nas meias de nylon e nas farras. Chamava-se WalterMcKie e era um dos manda-chuvas na administrao militar emPalermo. Na noite seguinte, se se lembrasse, ela perguntaria a

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    Walt quem era Falconi. Christine nunca vira aquele brilhocintilante nos olhos de Angela, embora ela354

    tivesse sado com vrios jovens of iciais em Trpoli, e umdeles, nitidamente, se tivesse apaixonado por ela.

    Angela continuava acordada na escurido muito tempo depois dea sua amiga ter adormecido. Fora uma noite estranha. Elefalara muito sobre Scipio e de como prometera mae dele olharpor ele quando estivessem no estrangeiro.--Ainda era um garoto--disse.--No teve tempo para saber o queera a vida. Quando o vi daquela maneira, sem as duas pernas,no pude deixar de sentir que o melhor seria ele morrer.--Eu sei--respondera Angela.--Mas eu mantenho sempre aesperana, mesmo quando no h esperana de eles melhorarem.Julgo que isso tem a ver com o facto de ser enfermeira. Nsqueremos curar, portanto sempre que algum morre umaderrota.

    A conversa continuara, e a vela que estava em cima da mesaardera at ao fim e tivera de ser substituda. Perderam anoo do tempo. Angela relatou-lhe alguns incidentesdisparatados durante a sua carreira de enfermagem para o fazersorrir. Reparou que ele no se ria muito. Tinha os olhos muitoescuros; uns belos olhos, pensou Angela, bem afastados um dooutro, num rosto admirvel com um nariz arqueado. No era umacara que se esquecesse. A voz dele era suave, como se medisseas palavras, como se o ingls fosse uma lngua que Lhe custaramuito a aprender correctamente. E sentada frente dele, nocaf mal iluminado, Angela sentira o poder intenso da suapersonalidade e, acima de tudo, uma irresistvel empatiasexual que a fazia tremer.

    Deitada na cama, sentiu-se de novo invadida por ela. No erauma coisa que pudesse explicar a Christine, nem ela prpria acompreendia totalmente. Mas nenhum homem jamais a fizerasentir-se assim. No conseguia deixar de pensar nele nem nopasseio s montanhas.

    A PARTIR de um certo ponto, no podiam continuar de carro. Nemmesmo o jipe conseguia vencer o trilho sinuoso e esburacadopela encosta acima. Por isso, ele procurou um lugar com algumasombra. Levara comida e vinho.Ele estava sempre a observ-la; sempre que Angela olhava paraSteven, ele estava a fit-la com aquele olhar penetrante.

    --Porque me olha dessa forma?--perguntou-lhe Angela.--Porque voc linda--respondeu ele.--Gosto de olhar para si.Incomoda-a?Angela bebeu o resto do seu vinho antes de responder:--Incomoda, sinto-me como se tivesse a cara suja. E eu no soun h ni F AP li7Pr

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    --Ento, o que ? o que Lhe dizem os seus outros namorados?--No tenho namorados--respondeu.--Voc a primeira pessoacom quem saio desde que vim de Trpoli. Na minha famlia,dizem que no sou mal-parecida, mais nada.

    --Isso a moderao inglesa--disse Stevenvagarosamente.-Fale-me sobre a sua famlia. onde que vive?

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    --Ah!--Ela suspirou.--Parece ficar to distante. A milhares dequilmetros desta guerra sangrenta e de toda esta desgraa.Vivo no campo, num lugar chamado Haywards Heath, no Sussex. uma zona agradvel e tranquila, e no seca e bravia como esta. verde e fresca e toda a gente se queixa quando chove e sepreocupa com os seus jardins se no chove. o meu pai mdico,tal como o meu av era. Somos gente vulgar, Steven, no temos

    nada de especial.--Irmos e irrnas?--Tive um irmo, chamava-se Jack. Morreu ao servio da RAF.Gostvamos muito um do outro. Eu era muito mais chegada a eledo que a qualquer um dos meus pais.--Lamento--disse ele.--Esta guerra desprezvel, mas vaiacabar em breve. E depois poder regressar a Haywards Heath eesquecer tudo isto.--E voc, a sua famlia grande?--perguntou ela.--No, somos apenas dois. Tenho um irrno mais novo.--E os seus pais?- o meu pai um homem forte, ns adoramo-lo, mas mesmo agora

    que j somos crescidos no discutimos com ele. Toda a gente orespeita. S nos tem feito bem.--A sua expresso suavizou-se eprosseguiu:-A minha mae ... muito especial. No capaz defazer mal algum. Nosei como hei-de escrever-lhe a contar o que aconteceu aScipio.Permaneceram sentados em silncio durante um bocado, e o calortremeluzia volta deles.--Eu bebo mais um pouco de vinho se ainda houver--disseAngela.Mas o vinho era forte e no Lhe tirava a sede, por isso elavirou o copo e deixou que o fluxo vermelho corresse pelo cho.--Sabe o que est a fazer, Angelina?--perguntou a voz dele a

    seu lado.--Isso uma libao aos deuses. of erecemos um poucodo nosso bom vinho aos deuses da Siclia para que eles no3estruam as nossas colheitas H muitos deuses na Siclia. Elesesto aqui, nossa volta. No os sente?Angela no respondeu. o vinho infiltrava-se no cho como sefosse sangue Ela permitiu que Steven a agarrasse e comeassea beij-la356

    devagar e depois impetuosamente. o cho era duro e a poeiradas rochas agarrava-se aos seus corpos nus sobre a terra seca.o ardor da paixo f-los oscilar de um lado para o outro,

    levando-os para fora da sombra da rocha, sob a qual seencontravam, para o brilho ofuscante do sol.--lo ti amo, amore mio--disse Steven docemente em italiano.--A srio?--perguntou ela.--No h necessidade de o dizeres...--Amo-te--disse ele em ingls.--Diz-me o mesmo em italiano.Angela tropeou nas palavras e ele repetiu-as at Angelaconseguir dizer:--lo ti amo, amore mio.Era a segunda vez que estavam juntos e a primeira que faziamamor. Angela engravidou imediatamente.

    PASSAVAM juntos todos os momentos livres. Steven alugara um

    pequeno quarto por cima do caf onde tinham jantado na

    primeira noite. Era simples e escassamente mobilado, mas tinha

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    uma grande cama de casal e uma chave na porta. Faziam amor numabandono ardente que a espantava, e, no entanto, ele erasempre meigo. Eram momentos de xtase e loucura e momentos dedescoberta, pois eles conversavam. Falavam um com o outro comoele nunca falara, nem imaginara conseguir faz-lo, com outramulher. Falava-lhe do seu amor por ela, dos seus sentimentos econversava mais sobre a sua famlia.

    --Falconi um nome siciliano--explicou-lhe.--A minha famlia originria de uma pequena aldeia no muito distante dePalermo. o meu av emigrou para a Amrica. Eram temposdifceis na Siclia. Foi num navio onde amontoavam osemigrantes como animais. Quando chegou a Nova Iorque, estavafaminto; percorreu as ruas at encontrar trabalho. Ganhoudinheiro e arranjou uma casa para a minha av ir tambm; elanunca aprendeu a falar ingls. A seguir, foram os meus pais elevaram-me; eu tinha sete anos. Tive de aprender ingls, demudar, de tornar-me numa pessoa diferente. Mas sempre conteicom a minha famlia e com outras famlias sicilianas como anossa. Elas mantiveram vivos os mesmos valores, as antigas

    lealdades. Muita gente no gostava de ns, vivamos num mundohostil. Aprendi a usar os meus punhos; e foi o meu pai quem meensinou a usar a cabea. Mandou-me para a faculdade,orgulhava-se de mim e queria que tivesse sucesso. Devo-lhetudo. o meu irmo Piero tambm. Ele no gostava de estudar eno foi para a faculdade, mas serviu o meu pai, tal como eu."Serviu." Era uma palavra esquisita, mas, tal como eledissera, o ingls era a sua segunda lngua.

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    --Vais adorar a minha mae--disse ele subitamente.--E elatambm vai adorar-te. Porque ests a corar dessa maneira? No

    percebes o 4ue eu quero dizer?--No tenho a certeza--respondeu Angela. Estavam a passear, eo vento vindo do mar fustigava-lhes o rosto.--o que que tuqueres dizer?Steven parou e abraou-a. Inclinou-lhe a cara para cima na suadireco e beijou-a delicadamente.--Vou casar contigo--afirmou.--No podemos, o Exrcito no o permite--sussurrou Angela.--Se tivermos de esperar, esperamos, mas havemos de casar.Nunca haver outra mulher na minha vida, alm de ti. Sabesisso, no sabes?--Sei. E comigo passa-se o mesmo--afirmou ela de olhos

    fechados, encostada a ele.Sentiu-se segura e amada e tudo parecia possvel. At mesmo ofim daquela guerra terrvel.

    - o QUE que acontece quando ele for colocado?--perguntouChristine.--Eles vo-se todos embora logo que o tempo estiverfavorvel. Walt diz que vai ser um banho de sangue. Se elemorrer, ficas a braos com um filho ilegtimo! Angela, ssensata--implorou-lhe ela --No podes deixar isto ir avante.Eu ajudo-te.--Christine olhou para a sua amiga eafirmou:--Tens pouco mais de seis semanas. Ningum saber.Angela sentou-se mais direita na cama. Ficara terrivelmenteenjoada na sala de lavagens e fora mandada para o seu quarto,

    para a cama. Sentia-se tonta, mas a terrvel nusea tinhapassado.

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    --Ele quer casar comigo--respondeu Angela. Acendeu um cigarro:tinha um gosto amargo.--Mas ele no pode e sabe-o muito bem, caramba!--retorquiuChristine.--Nunca obteria autorizao. Gostava muito que medeixasses falar com ele. ouve, se ele te ama, no te deixarir para diante com isso.

    --Tu no o conheces--afirmou Angela.--o Steven no um dos

    teus "ianques" normais. diferente: ele vai querer o beb. Eu que ainda no Lhe disse.

    --Ele no diferente de qualquer outro homem.--Christineafastou-se impacientemente.--Ah, eu conheo isso: ele ama-te equer casar contigo.--Hesitou e depois disse:--Desculpa-me quete diga, mas no passa de uma va promessa. Ele vai-se emboracom a esquadra inva3S8

    sora e nunca mais ouvirs falar nele. E ters a tua vidaarruinada paranada.--Eu no vou deitar a criana fora--disse Angela pausadamente.--Portanto, no voltes a tocar no assunto, est bem? Vouencontrar-me com Steven hoje noite e vou dizer-lhe.--Faz issso mesmo--disse Christine num tom sombrio.--E semudares de ideias, avisa-me. Agora, o melhor eu voltar paraa enfermaria. Digo que ests a dorrnir.--Saiu e fechou aporta.Angela apagou o cigarro. Por momentos, colocou a mo nabarriga. No tinha medo do que estava para vir.Christine, com a sua inflexibilidade e pragmatismo, no eracapaz de entender.

    --Por amor de Deus !--insistira ela.--No se trata de um beb, pouco maior do que uma cabea de alfinete.Angela nem tentara explicar-lhe que a questo no era aquela.Era o filho de Steven. Tudo o que importava era o seu amor porele e o dele por ela, e no tinha quaisquer dvidas acercadesse amor. Ele no podia casar com ela, mas isso tambm noimportava. Haveriam de arranjar maneira de ficarem juntosquando a guerra acabasse. A invaso de Itlia estava muitoprxima, e no acreditava que ele morresse. Aps algum tempo,levantou-se, ps a touca e o avental e regressou enfermana.A enfermeira-chefe levantou os olhos por instantes quandoAngela se apresentou de volta ao servio.

    --Tem a certeza de que se sente melhor, enfermeira? Ainda bem,h muito que fazer.observou Angela enquanto fingia ler umas fichas na suasecretria. Ela nunca estivera enjoada. Se fosse umaintoxicao alimentar, no podia ter melhorado to depressa.Toda a gente sabia do caso dela com o capito americano. Eleestava sempre l fora espera dela. Era uma boa profissional,e a enfermeira-chefe esperava que ela no tivesse feito umagrande asneira. Caso tivesse, no haveria contemplaes.

    --vou CASAR contigo.--Steven conduzira-a at ao cais, onde sesentia a brisa fresca do mar. Estava escuro e eles estavam

    abraados.--No podes--disse-lhe ela.--Depois da guerra, casamos.--E o meu filho nasce bastardo?--Praguejou em italiano.

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    Angela nunca o vira zangado. Sentia-se calma, feliz econfiante.--Como que sabes que vai ser um rapaz?--perguntou ela numtom provocador.--Rapaz ou rapariga, no deixa de ser o meu filho. o nossofilho.

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    No leves isto a brincar, Angelina. Vou encontrar uma soluo,nem que eu tenha de ...--Interrompeu-se e afastou-a um poucodele.Queres casar comigo, no queres?--No fao questo--disse ela.--Amo-te, e isso que importa.Steven franziu o sobrolho e disse:--No ests a perceber. Para mim, importante que o meu filhoseja um Falconi nascido no seio da minha famlia. E que eleste aceitem. E vo aceitar-te, cara mia, vo adorar-te eficaro muito felizes por ns. Mas isso no acontecer se a

    criana nascer em desonra.Desonra! Calmamente, Angela comentou:--Steven, isso parece um conceito medieval. No podemos casarpor no obtermos autorizao. Faz parte da poltica americanano permitir este tipo de coisas. No podemos fazer nada, ano ser ter o beb e casar logo que nos seja possvel.--ouve, minha querida--disse ele.--Dentro em breve, sereicolocado longe daqui. E o que ser de ti quando me for embora:sers apenas mais uma rapariga que foi enganada por umamericano? isso que vai parecer. No, no, minha Angelina.Vais casar comigo e toda a gente o saber.Voltou a abra-la. Angela teria sido capaz de enfrentar ofuturo, segura do amor e da promessa dele. Mas o que era

    possvel para ela, era inconcebvel para ele.--Vou tomar conta de ti--disse ele.--De ti e do beb. S huma maneira de o fazer. Confias em mim? Fars o que eu tepedir?Angela inclinou a cabea afirmativamente, esforando-se porconter as lgrimas.--Sexta-feira o teu dia livre?

    Steven beijou-a numa face e depois na outra e, finalmente, comgrande ternura, nos lbios.--At l arranio uma soluco--declarou ele.

    SARAM da pequena igreja fresca e sombria para a luzencandeante do Sol. Pararam por instantes, e ele fez deslizaro seu brao volta dela. C fora, a rua estava vazia no calordo meio-dia. No havia festa de casamento nem amigos para osfelicitar, e Angela nem sequer levava uma flor. Mas a famliadele aceitaria o casamento, aceit-la-ia a ela e ao filho deambos.Fora uma cerimnia apressada em italiano. Steven sugerira queAngela respondesse em ingls, mas o padre estava mal-humoradoe recusou a sugesto de Steven. Virou-lhes as costas e diriiu-se rapida

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    mente para a sacristia, tirando a estola durante o percurso.Mas era umcasamento vlido, ficaria assente nos registos da

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    igreja.Steven olhou-a com ternura.--No foi l um grande casamento para ti, querida--disse ele.Mas eu hei-de compensar-te.--Foi um casamento lindo--afirmou Angela.--o padre que noera muito simptico. Acho que deve ter sido por eu no sercatlica.

    Ele levou-a at ao jipe, estacionado na minscula piazza.--Espera at chegarmos a Nova Iorque--prometeu-lhe, j aovolante.--Vamos ter uma destas festas: recepo, baile; toda atua famlia de Inglaterra. Ns sabemos como festejar umcasamento.--Steven--interrompeu ela--, isso soa tudo maravilhosamente,mas eu na realidade no fao questo. Estou casada contigo eisso que importante.--Vamos ter uma lua-de-mel--continuou Steven.--Levo-te Florida, s Baamas ... o meu tio tem uma casa em Palm Beach.Ns tambm havemos de ter.--Se continuas assim, comeo a pensar que s rico--disse

    Angela.--No somos pobres--esclareceu ele, sorrindo.Tinham ainda algumas horas at Angela ter de voltar para ohospital. Deslocavam-se agora a grande velocidade em direcoa Palermo. Passaram por um comboio de camies do ExrcitoAmericano. os soldados assobiaram a Angela e ela voltou-se noassento para Lhes acenar.--Pra de acenar a esses raggazi, querida--disse ele.--sminha.--Mas que bela coisa para chamar aos teus prpriossoldados!-protestou Angela.--Significa rufies, no significa?--A partir de agora, significa todos os outros homens.

    --ELE DEU-LHE um relgio--anunciou Christine.--De ouroverdadeiro. Ela mostrou-mo. Sabes, Walt, ela deu-me a entenderque eles se tinham casado. Tem estado enjoada quase todas asmanhas. Tenho conseguido encobri-la, mas a Irma Hunt j andade olho nela. No sei quanto tempo mais vai conseguir escapar.Walter McKie estendeu o brao sobre a mesa e deu-lhepalmadinhas na mo.--Deixa de te preocupares com ela--aconselhou-lhe.--Falconiparece ser honesto. Dizem que ele est to louco por ela comoela por ele. Eles ho-de encontrar uma soluo.Christine abanou a cabea.--Tu nunca o viste, eu j. Fui a Palermo com a Angela beber um

    copo. H qualquer coisa de estranho nele; ela sempre disse queele no

    A Linha Vermelha 361

    um ianque tpico e tem razo. Walter, podias tirar informaessobre ele'?--Tirar informaes?--perguntou Walt, surpreendido.--Se casado--sugeriu Christine.--Isso consta da ficha dele.Walter McKie sorriu-lhe e comentou:

    --Se calhar, ele simplesmente no o teu gnero.--Bem podes diz-lo--admitiu ela.--De qualquer maneira, eu no

    gosto de italianos.--Christine sorriu.--Gosto dos homenslouros e entroncados com belos olhos azuis. Faz-te lembraralgum?

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    --Acho que sim--respondeu ele, e mandou vir mais outra bebidapara ambos.--Prometes que vais tentar obter informaes?--perguntou-lheChristine .--Est bem, se isso te faz mais feliz. Mas no contes commuita rapidez. Vamos estar muito ocupados nos prximos dias.--Meu Deus !--exclamou Christine.--Queres dizer que est para

    breve?--A qualquer momento--retorquiu Walt.--Est toda a gente depreveno espera do boletim meteorolgico.--Graas a Deus que tu no vais--disse ela.--Vai ser uma batalha dos diabos. J era bastante difcilaqui, quanto mais no continente italiano, que iro defendercom unhas e dentes. Penso que vais estar muito ocupada nohospital. Isso ir fazer que no penses em muitas coisas.--Acho que sim--Christine beberricou o seu vinho.--Engraado,Angela no me disse que o Falconi estava de preveno.--Talvez ele no Lhe tenha dito. Ele vai. A diviso dele estdesignada para constituir a segunda fora de apoio. Bem, agora

    vamos esquecer este assunto, est bem, Chris?--Sim, est bem--concordou ela.--Estou esfomead

    o 5 o coRpo do Exrcito Americano partiu de barco para Palermono dia 9 de Setembro de 1943. Walter McKie tinha razo aoafirrnar que a batalha seria difcil e sangrenta. o hospitalestava apinhado de feridos. Angela trabalhava at estarcompletamente exausta, mas sentia-se feliz. Por qualquermilagre, Steven ficara na Siclia. Era necessrio como oficialde ligao s autoridades civis da parte sul da ilha.Encontravam-se esporadicamente e por pouco tempo na zona dohospital. Ele andava preocupado com ela: estava magra e plidae chorava frequentemente quando algum ferido morria.

    Porque que no desistes?--perguntou-lhe ele.desmobilizao. Mandam-te para casa assim que souberem queests grvida.--Caminhavam sob as rvores, Steven parou eabraou-a.-Eu podia arranjar maneira de ires para os EstadosUnidos. A minha famlia tomaria conta de ti.Angela ergueu a cabea e fitou-o.--Steven, isso impossvel. Ningum conseguiria isso.--Eu podia tentar--insistiu ele.--ouve7 cara. Eu hei-de ter deir para Itlia um dia destes. Eles vo querer-me l.--Tu disseste que no--protestou ela.--No para Salerno--disse Steven.--Para Npoles, quandoestiver limpa dos Alemes, para fazer o mesmo tipo de trabalho

    que tenho feito aqui. Quero-te fora da SicRia antes de me irembora. Fazes isso? Por mim e pelo beb?--No posso. No posso ir-me embora enquanto isto continuarassim. Fico at no poder continuar mais. Agora, tenho deregressar. Beija-me e tenta compreender: eu tambm tenho umdever, e aqui.Ele acompanhou-a, e Angela voltou-se e acenou-lhe enquanto seapressava a entrar. Ele no compreendia. Amava-a demasiadopara se preocupar com princpios. Ela devia pensar nela e na

    criana em primeiro lugar. Tinha de haver uma maneira de amandar para os Estados Unidos. Tinham-lhe ensinado que haviasempre uma maneira.

    A CIDADE de Npoles encontrava-se sob o controle dos Aliados.A Itlia rendera-se, mas os alemes que l se encontravam

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    continuavam a lutar, e a lutar com todas as foras.Steven Falconi chegou ao quartel-general em Palermo com maisquatro homens de uniformes americanos. Ele era o nicooficial. Conduziram-nos ao gabinete de um coronel, que exibiaas divisas dos Servios Secretos Americanos. Este levantou-seda sua secretria e cumprimentou-os um a um.--Capito Falconi. Sargento Brassano, sargento Rumoranzo, cabo

    Cappelli e soldado Luciano. Conhecem-se uns aos outros,espero?--As nossas famlias conhecem-se--respondeu Steven Falconi.o coronel of ereceu cigarros e exibiu uma garrafa de whisky.Aceitaram a bebida e os cigarros e ficaram a observ-lo a elee a observarem-se uns aos outros com a prudncia sombria que ocoronel se habituara a ver entre homens daqueles.--Com os vossos antecedentes familiares, os senhores, capitoFalconi, Brassano e Cappelli, proporcionaram a ligao muitonecessria com as autoridades civis aqui na Siclia. o Sul deItlia ser mais difcil, embora Rumoranzo e Luciano tenhamcontactos napolitanos. A cada um de vs sero atribudos

    certos sectores da administrao civil, cuja colaboraopretendemos que obtenham. E to importante quanto isto, descobrirem quem no de confiana, quem poder estar atrabalhar para os fascistas.--Entendido. Creio que conseguiremos pr essas pessoas nalinha --afirmou Steven Falconi.os outros assentiram com a cabea. o que se chamava Rumoranzodisse num ingls com muito sotaque:--No se preocupe, meu coronel. Esses tipos conhecem-nos. Elesvo alinhar connosco, e isso significa que vo alinharconSigo.o coronel levantou-se e declarou:--Cavalheiros, o Governo dos Estados Unidos ficar-vos- muito

    grato pela ajuda que nos esto a dar. Agora, se fizerem favor,vo at ao gabinete do major Thompson, ele poe-vos a par detodos os pormenores. Bom dia e boa sorte.Apertou a mo a todos e abriu-lhes a porta. Depois de afechar, voltou para a sua secretria e serviu uma bebida.Rumoranzo fora libertado da Priso de San Quentin: a sua penapor extorso e assalto mo armada fora comutada em troca dosseus servios especiais no Exrcito Americano. Luciano era umassassino cuja condenao cadeira elctrica fora suspensapela mesma razo. Cappelli era um conhecido membro de umaquadrilha de criminosos e um assassino, sem condenaes, mascom um processo suspenso por fraude. Brassano of erecera os

    seus servios para resgatar um parente prximo. Falconi pusera disposio a sua instruo e inteligncia em troca daanulao de um processo fiscal que teria mantido os Falconi emlitgio com as finanas durante os dez anos seguintes. Eram aescumalha do planeta, na opinio do coronel, mas eram precisosse os Aliados queriam governar a Siclia e a Itlia e eliminartoda e qualquer resistncia fascista clandestina.o coronel estava ao telefone quando o seu colega, o major

    Thompson, entrou. Ambos eram veteranos do FBI.--Senta-te, Jim.--Depois, quando desligou o telefone,explodiu: --Maldito transporte ! No h nenhum avio militardisponvel. Temos de os mandar num navio de abastecimento.

    Algum problema?--Nenhum--disse o major Thompson--, mas que bando desprezvel!Falconi o que me fica mesmo atravessado na garganta:

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    educao na faculdade, boas maneiras ... at falacorrectamente italiano. Ele fez um pedido.--Que tipo de pedido?--perguntou o coronel asperamente.--Quer uma passagem para os Estados Unidos para uma dama queest rvida dele.364

    --Ests a brincar! siciliana?--No, inglesa. E enfermeira no Hospital de Tremoli.--Por amor de Deus ... o que que respondeste?--Disse que no era possvel, e ele no gostou. Disse que iafazer muito por ns e, por isso, devamos fazer-lhe estefavor. J conheces a conversa, Bill: "Esto em dvida paracomigo" e disparates deste tipo.--E ento?--o coronel inclinou-se para a frente.Se fosse uma rapariga siciliana, teria compreendido, mas assimno. Eles nunca casam com algum de fora. Era um pedidoinconcebvel, e a sua total desfaatez f-lo entrar emebulio.

    --Disse-lhe que ia ver o que podia fazer. A seguir, houve umacoincidncia--continuou Thompson.--Um coronel do departamentojurdico andava a fazer perguntas sobre o Falconi nodepartamento do pessoal. Disse que havia uma enfermeiraenvolvida e queria saber se o Falconi era honesto. Deram-lherespostas evasivas e vieram ter comigo. Eu disse: "Digam-lheque o fulano est limpo. No tem mulher nem cadastro." o que que eu fao, Bill? No podemos satisfaz-lo, e ele sabe-o, masse Lhe dizemos que no, ele h-de arranjar maneira de sevingar de ns. o que fazem sempre.--V se consegues falar com esse coronel. Como que ele sechama?--McKie--disse Thompson.--Andei a informar-me sobre ele. Anda

    metido com uma outra enfermeira que unha com carne com a doFalconi. Acho que por isso que ele andava a fazer perguntas.--Vamos dar-lhe umas respostas, Jim--foi a concluso.--Se essaenfermeira for uma pessoa minimamente decente, ela resolve-noso problema quando souber quem realmente o seu namorado.

    --SENTE SE, Miss Drummond. Quer um cigarro?--No, obrigada.Era um pequeno gabinete no edifcio municipal em Palermo. Abandeira americana estava hasteada por cima da entrada. opresidente da Camara e os seus funcionrios tinham-se mudadopara darem lugar s foras ocupantes. Walter McKie levara-a de

    carro at cidade. o major Thompson puxou de um cigarro LuckyStrike e acendeu-o. "Bonita rapariga", pensou. Loura e deolhos azuis. Ela parecia nervosa e apreenslva.Fora necessria muita capacidade de persuaso para a levar. Enaquele momento ainda no sabia por que razo ali estava,apenas sabia que tinha a ver com o capito Falconi, quepartira trs dias antes para Npoles.

    A Linha Vermelha 365

    --Sr. Major, aconteceu alguma coisa a Steven?--perguntousubitamente.--No--respondeu o major.--So amigos ntimos, depreendo?

    --Sim, somos. o que que se passa, Sr. Major?--perguntouAngela, corando.--Antes de embarcar, o capito Falconi pediu-me que arranjasse

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    uma passagem para a Amrica para si--explicou.Tinha um olhar frio e lgubre e fazia-a sentir-se hostil.--Ele falou-me nisso--admitiu Angela.--Eu disse-lhe que nopodia abandonar o meu lugar no hospital.--Seria totalmente ilegal--continuou Thompson.--Ele tinhaconhecimento disso, claro, mas mesmo assim tentoupressionar-me. Por isso, pensei que seria melhor falar consigo

    antes de fazer o que quer que fosse.Angela pensou que Steven estava a ser acusado e no hesitou.--Vou ter uma criana--disse.--Foi por isso que ele pediu. Nocaso de Lhe acontecer alguma coisa, ele queria que euestivesse onde a sua famlia podia olhar por ns.Ela tinha coragem, concluiu Thompson. No os deixava acusaremFalconi.--o que que sabe sobre Steven Falconi, Miss Drummond? o que que ele Lhe contou sobre a famlia dele?--No estou a perceber--disse ela.--Walter, o que vem a seristo? Gostava de me ir embora.--ouve-o, Angela--pediu McKie, pondo-lhe a mo no brao.

    --Miss Drummond.--Thompson apagou o cigarro e fitou-a.--Jouviu falar na Mafia?--Mafia? Creio que no.--ouviu falar de gangsters na Amrica? Viu filmes sobreeles?-Tinha uma voz to feia e montona, deliberadamentemonocrdica.-o seu amigo Falconi nasceu na Siclia. A famlia originria de Altofonte.Por instantes, Angela viu as casas cor-de-rosa na encosta e aigreja onde tinham casado.--Eu sei--disse.--Houve muita gente da Siclia que foi para os Estados Unidos.E da Itlia. Levaram consigo a Mafia: assassnios, extorses eprostituio; tudo o que h de mau. Foi isso que levaram para

    a Amrica. E Steven Falconi isso mesmo; e por essa razoque ele c est.--Levantou-se e entregou-lhe um dossier.--Leiaisto, Miss Drummond.--o que isto?--indagou Angela, erguendo os olhos para ele.366

    -- o cadastro policial de Falconi. No vai encontrarquaisquer condenaes. Nunca conseguimos provar nada. osFalconi h muito tempo que dominam o mercado negro da regioleste americana. Esto metidos em tudo: jogo, droga eprincipalmente no mercado de trabalho. Infiltraram-se nossindicatos: quem no paga as quotas no trabalha. Quando

    algum refila, primeira vez espancado e morto sereincidir.o dossier de capa azul estava aberto no colo de Angela. Afotografia dele encontrava-se no canto superior direito."Intimidao com ameaas", leu Angela. "No foi instauradoprocesso por falta de provas." Ligaes familiares. Av:

    Stefano Falconi. Emigrou para os EUA em 1928 para escapar condenao por trs assassnios em Altofonte. Condenado porcontrabando de bebidas alcolicas, cumpriu a pena de priso.Preso por acusaes relacionadas com o assassnio, noesclarecido, do chefe de uma famlia rival. Libertado porfalta de provas. Instalou a famlia Falconi na regio leste.

    Morreu no hospital na sequncia de tentativa de homicdio em1933. Pai: Luca Falconi. Cobrador de dvidas da Mafia emPalermo. Emigrou para os EUA em 1930. Naturalizou-se em 1931.

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    Chefe da famlia Falconi da costa leste desde 1933. Nenhumacondenao criminal nos EUA, mas acusaes de tentativa dehomicdio ... actualmente sob investigao do Ministrio dasFinanas .--No acredito nisto. No verdade--declarou Angela.-- verdade. Ele um gangster--disse McKie.Av, pai e filho. A minha famlia. Steven falava neles com

    tanta frequncia que ela at j tinha uma imagem deles. Comooutras famlias italianas: uma data de tios, tias e primos ...Angela olhou primeiro para Walter McKie e depois paraThompson, impassvel atrs da sua secretaria.--Ele est no Exrcito--conseguiu articular.--Ele no podia...--Ele no tem nenhuma condenao--respondeu Thompson.-No que isso importe, no caso de tipos como ele. o que que eleLhe disse que estava a fazer aqui na Siclia? Serviosadministrativos?--Sim, qualquer coisa parecida.--Bem, podia chamar-lhe isso. Ns at libertmos assassinos da

    priso para virem para c. Sabe, as pessoas daqui tm medo defulanos como o Falconi e isso f-las colaborar connosco. porisso que ele est agora em Npoles. Ainda quer ir para osEstados Unidos, Miss Drummond? Quer o seu filho educado pelosFalconi?Angela levantou-se. Dirigiu-se secretria e colocou l odossier.--No acredito que o meu Steven seja este homem--declarou.Conheo-o e sei que ele no era capaz de fazer estas coisas.Mas no

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    pos o pronunciar-me sobre o resto. Agora, gostaria de ir-meembora, Major, se no h mais nada.Ele dirigiu-se porta e abriu-lha.--No quer a passagem para os Estados Unidos?--No--disse Angela, sem Lhe dar um aperto de mo.--Sabe umacoisa, ns casmo-nos. Na igreja de Altofonte.Thompson inclinou a cabea afirmativamente.--Eu calculei isso. Eles no se importam de matar, mas noaceitam de modo nenhum um filho bastardo. contra a suahonra.Angela transps a porta sem responder. McKie apanhou-a na rua.--Queres ir j embora?

    --Quero. Eu disse enfermeira-chefe que no me ausentaria pormais de uma hora.--Quando se aproximavam do hospital, Angelapuxou a manga para cima, exibindo o belo relgio.--Ele deu-meisto --disse e, enfiando a mo por dentro do colarinho dabata, puxou um fio com um anel de ouro.--E isto. Vieram do

    mesmo ourives, mas eu passei l noutro dia e a loja estavaselada. Como que ele arranjou o relgio e o anel?McKie no gostou do aspecto dela e disse:--o que que isso importa? Lamento, Angela. Lamento quetivesses de o saber.--Virou o jipe para o trio dohospital.--o que me preocupa a mim e Chris o beb. Como que te vais arranjar?

    --Vai estar tudo bem comigo.--Desceu do jipe e olhou para ele.--Terei uma parte dele na minha vida. Isso j alguma coisa.Adeus, Walter.

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    --At breve--bradou-lhe ele.Ela inclinou a cabea e estugou o passo medida que seaproximava da entrada.A enfermeira-chefe olhou para o relgio. Reparou que aenfermeiraDrummond estava com uma cor terrvel e conteve a repreensopor ter chegado uns minutos atrasada.

    --Irma--disse Angela.--Gostaria que me marcasse uma reuniopara eu falar com a directora.A Irma Hunt tinha esperana de que Angela se fosse embora delivre vontade.Muito bem. Eu pergunto-lhe quando poder receb-la,enfermeira.

    --oH, ANGELA ! Vou sentir a tua falta, mas ests a tomar aatitude certa.--Tambm vou ter saudades tuas.--Abraaram-se, e Angela repa368

    rou que Christine estava quase a chorar, tal como ela.Mantivera-se calma, quase distante, durante a entrevista,mesmo quando a directora Lhe referira a desonra que ela fizeracair sobre o servio de enfermagem e a sua famlia. No fim,tivera um pouco de compaixo dela.--Ainda muito nova--afirmara.--Tem a vida sua frente. Devepensar na adopo, tenho a certeza de que os seus pais Lheaconselharo que esse o melhor rumo.--Se assim fizerem--afirmara Angela, aps uma pausa--, no olevarei em considerao. Adeus, Sra. Directora, eobrigada.--Fechara a porta atrs de si.--Prometes que te mantns em contacto?--perguntava-lhe agoraChristine .

    --Prometo--Angela voltou a abra-la mais uma vez.--E dsaudades minhas ao Walter, est bem? Diz-lhe que lamento noter podido despedir-me dele.--Eu digo-lhe--agradeceu Christine.--Ele teve de o fazer: nopodia deixar-te continuar na ignorncia. Foste muitocompreensiva em relao atitude dele, Angie, e issosignifica muito para mim, eu gosto muito dele.--Eu sei que gostas, e ele tambm gosta de ti. Foi muito bomtrabalhar contigo, foste uma amiga de verdade. olha, tomaisto. um presente.--Meteu uma caixinha no bolso da bata deChristine.--Assim, vais deixar de chegar atrasada--disse-lhe,e comeou a descer rapidamente as escadas.

    Christine abriu a caixa. L dentro estava o relgio de ouroque Steven Falconi dera a Angela.

    o NAVIo-HoSPITAL atracou em Southampton. Angela conseguira

    obter a passagem ajudando a cuidar dos feridos que estavam aser repatriados da campanha italiana. No escrevera a Steven,embora tivesse recebido cartas de Npoles. No as abrira, poisno confiava em si mesma. Mais tarde, quando estivesse emsegurana em Inglaterra, talvez viesse a ler o que ele Lhedizia.Nos fins de outubro, bem cedo pela manha, Southampton era umacidade cinzenta e fria. Quando atracaram, caa uma chuva

    miudinha. No tinha ningum sua espera: os pais apenashaviam recebido uma carta dizendo que ia regressar a casa eque telefonaria quando chegasse. No queria mago-los tomando

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    uma atitude cobarde de escrever a contar aquilo que deveriaser dito cara a cara.A voz da sua mae ao telefone soava distante e entrecortada.Angela tinha poucas moedas inglesas para o telefone.

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    --Angela, querida Angela. onde ests?--Estou em Southampton, vou apanhar o comboio para casa ...No, no, estou ptima. Como esto os pais?... No sei,depende de quando conseguir apanhar o comboio ... Sim, estoudesejosa de v-los. Adeus, maezinha.Empurrou a porta da cabina telefnica e um soldado impacientedeu-lhe um encontro ao passar por ela.r- --Desculpe, tenho de telefonar minha mulher ...--Duranteum breve instante, fitou Angela e interrogou-se que motivoteria ela para chorar.

    --CoMo que pode estar a dizer que no h linha para esse

    nero? E o Hospital Militar de Palermo, por isso no me venhacom essa conversa de no haver linha. Tente outra vez.o Hospital Militar! Ento ele no sabia, pensou a telefonistado Exrcito. Retirou os auscultadores e levantou-se.--Espere s um momento, por favor. Vou chamar uma pessoa.-Saiuapressadamente do gabinete para ir procura do sargento. Noera ela que ia dar as ms notcias quele abominvel oficialianque.Falconi estivera ocupado durante os ltimos quinze dias,encon~ando-se com grupos de guerrilheiros no interior bravioda regio da albria, sem qualquer comunicao com Npoles.No o esperava nhuma carta de Angela, e ele enviara-lhe trsseguidas, por vias milires, antes de ter partido para o

    interior. As linhas civis de comuni ao estavam cortadas, porisso, naturalmente, ele deslocara-se ao servio detelecomunicaes militares. Eram IO da noite e apenas amal-humorada telefonista do Exrcito Ingls se encontrava deservio No deveria ter perdido a pacincia com ela, deviater-se mantido calmo.--Boa noite, capito. Em que posso ajud-lo?Havia uma expresso hostil nos olhos do homem. A telefonistatinha ido ter com ele e queixara-se, claro. Tambm no iaobter muita.olaborao do sargento.--Tenho que ligar para este nmero. muito importante. A sua

    lefonista disse que no havia linha. H mais de uma semana quefoi stabelecida a comunicao na Sicl1ia, por isso sei que hlinha. Faz o avor de tentar?--pediu Steven.

    --No h linha para o Hospital Militar de Palermo, meucapito. I completamente destrudo por um bombardeamento estamanha-nformou o sargento num tom neutro.Fora algo inesperado, contaram-lhe. Um Heinkel alemo, fora da370

    rota e em dificuldade, vindo da testa de ponte na praia emSalerno, alijara a sua carga por cima da Sicl1ia, e o hospitalfora atingido. Tudo indicava que o piloto estava ferido ou

    moribundo, porque o avio se despenhara nas montanhas logo aseguir.Steven fora colocado a bordo de um avio de reconhecimento.

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    Quando aterraram, estava um jipe e um condutor sua espera.oitenta por cento de baixas, disse-lhe o condutor, quando seaproximavam do local devastado. Enfermeiras e doentes aindaestavam a ser retirados dos escombros. Alguns tinham sidoidentificados, outros estavam irreconhecveis. Steven avanoucom cuidado por entre os escombros, procurando algum,qualquer pessoa que Lhe pudesse dizer se Angela Drummond fora

    salva. Havia uma lista de baixas, gritou-lhe um trabalhador dabrigada de salvamento, l em baixo, no armazm junto ViaPressoli, para onde estavam a levar os mortos paraidentificao.Era um armazm de carne e a temperatura estava baixa. Assimque entrou, o frio e o cheiro a morte quase Lhe deram a voltaao estmago. Um enfermeiro deu-lhe uma lista dactilografada.-- o cos--admitiu.--Metade dos corpos nunca viro a seridentificados. Enfermeiras, doentes, empregados da limpezaitalianos. um inferno, meu capito. pior do que qualquercombate onde j estive.o nome dela no se encontrava na lista. Steven ouviu o

    enfermeiro dizer:--Temos aqui objectos pessoais. Quer dar uma vista de olhos?Havia manchas no relgio de ouro, manchas de sangue, e omostrador estava estilhaado. Steven tirou-o da caixa.--Reconhece-o?--perguntou-lhe o enfermeiro, fitando-o.No obteve resposta. Afastou-se, deixando o capito a ss. Eramelhor deix-lo chorar.

    Captulo 2

    A NEBLINA matinal levantara, e tarde estava um belo dia deoutono. Angela apanhou uma boleia da Estao de Sevenoaks epercorreu a p os ltimos oitocentos metros at aldeia,

    perto de Haywards Heath. A sua infncia e adolescnciaergueram-se para a receber l estava a pequena escola ondeandara com Jack antes de ambos terem ido para aquelas que opai chamava as "escolas apropriadas". o relvado com o memorial guerra no centro. "Em memria daqueles que deram a vida aoservio do Rei e da Ptria na Grande Guerra, 1914-1918. ossell nomes sero sempre recordados." Sabia as palavras de cor.outros nomes, outra guerra: de 1939 at quando?- casa ficava ali perto. L estava o velho muro de tijolos dosculo, com o porto de ferro, sobre o qual se inclinava o telhadode telha vermelhas. A polida placa de bronze do pai brilhava

    ao sol da tar.ie: . Dr. Hugh Drummond, Membro e Licnciadopela Faculdade Real 1 edicina." Iria ele compreender?

    ocou campainha, que tiniu desafinadamente no hall. Depois,oi I os passos apressados. Estava mesmo a imaginar a sua mae acorr er l ara a porta. Esta abriu-se, e l estava ela debraos abertos, com otrs. A expresso de ambos era de alegria, uma calorosarecepo r a filha sobrevivente. Foi ento que se apercebeudo que tinha para Lhe dizer.

    at tarde, exausta da longa viagem. o pai estivera noconsultrio durante a manha e depois juntou-se-lhes para o

    almoo, como sempre fizera. No havia cedncias escassez nemao racionamento. A mesa da sala de jantar estava polida eposta, e a mulher-a-dias, que l trabalhava desde que Angela

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    era beb, lavou a loua a seguir.--Meu Deus, engordaste, Angela--disse-lhe a mae.--Esse vestidoest-te bastante apertado. Foi da boa e farta comida italiana,no?--Mae e pai--disse Angela.--Tenho uma coisa para vos dizer.No da comida, lamento. Vou ter um beb.A mae estava a servir ch. No havia caf. Parou, o bule ficou

    suspenso e, lentamente, comeou a corar. o pai foi o primeiroa falar:--Espero que seja uma brincadeira, mesmo sendo de mau gosto.--No.--An ela tentava manter a voz firme.--Eu no iria hrin372

    car com uma coisa destas. Estou grvida, por isso que fuimandadapara casa.--olhou para os seus rostos magoados ecomeou a dizer:Lamento imenso ...Mas a mae irrompeu em lgrimas e o pai perdeu a cabea.--Estamos desgraados. Completamente desgraados. J te

    apercebeste disso?--No esperou resposta.--No pensaste comoiramos sentir-nos? E a tua mae? J no passou o suficientecom a morte de Jack? E quem o pai dessa criana?--Acalma-te, querido--pediu-lhe a mae.--No teenerves.-Depois, explicou filha:--No tem passado nada bemultimamente.--No quero aborrecer nenhum dos dois--disse Angela.--Nosabia que no tem passado bem, pai. No devia ter dito nada. opai da criana morreu. Quem me dera no ter vindo para casa.Levantou-se e saiu da sala vacilando, porque comeara achorar. No havia chave na porta do seu quarto. Queriafechar-se l dentro, no fossem eles mudar de ideias indo lacima falar com ela, queria chorar a sua dor longe deles. Mas

    claro que a mae foi ter com ela pouco depois, sentou-se nacama e tentou reparar o erro.--o pai no queria dizer aquilo, s que ficou aborrecido.Conversmos um com o outro sobre o assunto e claro quefaremos tudo o que pudermos por ti. Deves compreender,querida, que um grande choque para ns.--Eu sei que .--Angela sentia-se muito fatigada. olhou para amae e perguntou:--No esteve apaixonada, mae? No se lembra doque sentia?--Claro que lembro--protestou a mae.--Mas nunca teria feitonada at me casar.--Eu casei-me--disse Angela, comeando a pentear-se sem grande

    convico.--o qu? Mas nunca nos disseste nada do casamento.--No sei se vlido aqui. Mas ele quis, por isso arranjou umpadre na Siclia para nos casar. Ele era americano. Queria queeu fosse para os Estados Unidos ter com a famlia dele.--Porque no foste?--perguntou a mae num tom hesitante.--Tinha uma boa razo--disse Angela.--Mas agora que ele morreuisso j no importa.--E o beb, Angela. Vais ficar com ele?Angela pousou o pente alinhado com as suas velhas escovas deprata e os pequenos frascos de vidro com tampas de prata.--No me diga que queria que o seu neto fosse adoptado?

    --Talvez seja a melhor coisa para ti--foi a resposta.--Mas no

    A Linha Vermelha 373

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    h qualquer necessidade de falar sobre isso agora. Vem at labaixo. Temos de decidir o que vamos dizer s pessoas.

    --Isso No Fol um casamento--resmungou Hugh Drummond.Um ritual qualquer, sem nenhuma prova legal. Ele s te quisenganar, Angela.

    No valia a pena tentar explicar a atitude de Steven. Angelalembrou-se dos comentrios de desprezo do major Thompson:"Eles no se importam de matar, mas no aceitam de modo nenhumum filho bastardo." o que que o pai diria disto?--Estive a pensar--disse Angela.--No devia ter-vos trazidoeste problema. Tenho algum dinheiro, posso ir para Londres,arranjar emprego e ter l o beb. Seria o melhor, no acham?--No, no seria!--retorquiu o pai.--No sejas pateta, Angela.Claro que ficas aqui. a tua casa. Podes ter a criana nohospital da aldeia. Portanto, nem sequer penses fazer qualqueroutra coisa, por favor.No era um homem dado a demonstraes de afecto. Achava que os

    seus filhos deviam intuitivamente reconhecer o seu amor poreles, mas Angela nunca o reconhecera e no se apercebeu doremorso por detrs da severa reprovao. Joy Drummondcompreendia-o.--Querida Angela, o teu pai e eu amamos-te e queremosajudar-te. Apenas ficmos chocados e preocupados. Tu nousaste de muito tacto, pois no?--No era muito fcil para mim--respondeu Angela lentamente.--Mas de qualquer maneira, como a mae disse, temos de arranjaruma histria. Podemos dizer apenas que me casei na Siclia eque o meu marido morreu em Salerno.--Ests decidida a ficar com a criana?--Sim. Totalmente decidida.

    --Que nome Lhe vais dar?--perguntou a mae.--Como que ele sechamava?--No interessa. No quero que a criana tenha um nomeitaliano.--Disseste que ele era americano--protestou Joy Drummond.--Americano de origem italiana--explicou Angela.--Irei pensarnum apelido ingls.--E contigo--disse-lhe o pai.--Tenho consultas dentro de meiahora. Sabia-me bem uma chvena de ch.--Vou fazer--prontificou-se Angela.--No, no. Tu ficas a sentada.--A mae saiu apressadamente.Fez-se um grande silncio. o pai acendeu o cachimbo e tirou

    umas tuma3,,S agreSsivamente.374

    --Quero que saiba uma coisa: eu estava apaixonada porele--disse Angela.--Depois da maneira como ele te tratou? Abandonando-te nesseestado?--No, no foi ele, fui eu que o abandonei. Eu contei mae.Ele queria que eu fosse para a Amrica e que esperasse por elejunto da sua faml1ia. Eu disse-lhe que no. Arranjei maneirade me mandarem para casa e depois soube que ele tinha morrido.--No te percebo. Porque que o deixaste?

    Angela decidiu que no podia contar-lhe, no podia arriscarque o pai se virasse contra o beb se soubesse a verdadeacerca de Steven.

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    --Tive uma boa razo, mas tudo o que posso dizer. Tenho derecomear uma nova vida para mim e para o beb e tentar prtudo para trs das costas. Mas no vai ser fcil.--Claro que no vai--concordou o pai.--Principalmente seencontrares algum e quiseres casar. Mas isso ainda est muitodistante. Acho que melhor que o meu colega Jim Hulbert teassista e faa o parto. E um bom tipo e sabe do seu ofcio.

    Ah!--Levantou-se assim que a mulher regressou sala.--Joy,d-me esse tabuleiro ... est bastante pesado.--Angela, ch e bolachas? Agora melhor tirares duas--disse amae com um dos seus alegres sorrisos, mas tinha os olhosvermelhos, como se tivesse estado a chorar.--obrigada, mae. Uma bolacha chega.o pai foi para o consultrio, e Angela ajudou a preparar ojantar.--Vais precisar do carto de racionamento e de sumo de laranjaextra e de leo de fgado de bacalhau para o beb--disse amae, conversadora.Angela sentia que aquilo era bizarro, irreal: o sumo de

    laranja e as vitaminas grtis fornecidos por um governoatencioso; o filho de um gang ter da Mafia aninhado no seuventre; a recordao do sol escaldante da Sicl1ia sobre osseus corpos nus da primeira vez que fizeram amor."Se quiseres casar", dissera o pai. Mas no voltaria a haveroutro homem depois de Steven FalconiDirigiu-se mae e abraou-a.--obrigada--disse em voz b oDng; o p r mD

    A CARTA de Walter McKie chegou no correio da manha. Angelaabriu-a enquanto tomava o pequeno-almoo com a mae. o paitivera de sair cedo, depois de ter recebido uma chamada.

    A Linha Vermelha 375

    --Angela, ests a sentir-te bem?--perguntou Joy Drummond.Angela cobriu o rosto com as mos. Por momentos, sentiu tudo sua volta esbater-se, como se fosse desmaiar com o choque.--o que ? o que aconteceu?--perguntou a mae, aproximando-sedela.--A minha melhor amiga morreu.--Angela continuava a segurar afrgil folha da carta.--o hospital foi bombardeado logo aseguir a eu me vir embora. Ela morreu, mae. Morreram quasetodos. oh, Chrissie, Chrissie ...--Angela chorava.

    --No podes ficar assim--advertiu Joy.-- mau para o beb.--o hospital estava cheio de feridos--continuouAngela.--Ningum teve hiptese. Mae, acho que vou vomitar.Posteriormente, deitada na cama, voltou a ler a carta. Stevenregressara da Sicl1ia procura dela e partira convencido deque ela se encontrava entre os mortos. Thompson arranjara-lheum voo de regresso a Npoles ainda no mesmo dia. No Lhecontara nada acerca dela, por isso no havia motivo parapreocupaes. Steven agora no tentaria encontr-la.

    o RAPAZ nasceu no dia 18 de Maio de 1944. o trabalho de partofoi rpido e a parteira assistiu-a. No houve necessidade dechamar Jim Hulbert. os pais dirigiram-se apressadamente para o

    hospital local, levando flores do jardim.--Quatro quilos. E um latago--observou Hugh Drummond.-- muito moreno. Tem imenso cabelo preto!--anunciou Joy

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    Drummond.--os Italianos so morenos--disse o pai de Angela com certairritao.--Como te sentes, Angela?--perguntou-lhe a mae.--Estou ptima--disse.--Ele lindo, no ?--Sim--concordou a mae. Tocou no cimo da cabea do beb com umdedo. Pobre coisinha. Sem pai. Angela escolhera para si o

    apelido Lawrence, a partir de um parentesco distante. Acriana iria ser registada com esse nome.Dezanove dias depois, iniciou-se a invaso da Europa, e estava vista o fim da guerra. A Alemanha j se rendera quando serealizou o baptismo da criana na igreja da aldeia.Chamaram-lhe Charles Steven Hugh Depois, houve uma festa l emcasa, e os Drummonds divertiram-se muito. Sentiam-separticularmente satisfeitos por Jim Hulbert dar tanta atenoa Angela. No disseram nada um ao outro, mas a esperana eramtua. Ficaria tudo resolvido se desse nalguma coisa.376

    No DIA 18 de Maio de 19SO--no sexto aniversrio do seu filho,Charlie--, Steven Falconi casava-se em Palm Beach. Primeiro,houve uma grande missa nupcial na Igreja de Santa Margarita eseguidamente uma gigantesca recepo em casa do seu tio. Anoiva era linda: cabelos escuros, olhos pretos e brilhantes eum aspecto geral voluptuoso. Clara Fabrizzi era a filha nicade Aldo Fabrizzi, que controlava a zona do vesturio do EastSide de Nova Iorque e que acabara de adquirir uma cadeia dehotis na costa da Florida. Era um casamento de dinastias, osFabrizzi aliando-se aos Falconi.Faziam um belo par, abrindo o baile naquela noite. Ele eraalto e conhecido como heri da guerra, tendo recebido amedalha de mrito por servios prestados ptria. Ela tinha

    vinte e um anos e estava loucamente apaixonada pelo homem como qual a sua famlia queria que se casasse. o seu vestidocustara uma fortuna. Tal como o colar de diamantes. que fora opresente de casamento do pai.os pais de ambos estavam a observar os respectivos filhosrodopiando na pista de dana ao ar livre. Fabrizzi era baixo eforte; fora jogador de boxe na sua juventude e ainda caminhavadando os ligeiros saltos de um homem habituado a movimentar-seno ringue.--Fazem um belo par, o seu rapaz e a minha pequena. Vo ter

    filhos lindos--comentou para Luca Falconi.

    Este fez um aceno de cabea satisfeito. Estava contente comtodo o compromisso e ainda mais porque o seu filho encontrarauma esposa altura e finalmente assentaria. A guerra fora mpara ele em muitos aspectos. Quando regressou a casa, ele eraum estranho. Sentiam-se orgulhosos da sua medalha, maszangados por ele se ter arriscado tanto. Qual fora anecessidade da transferncia para uma unidade de infantaria ede ir parar pior parte da batalha nos arredores de Roma?--No tinhas o direito de o fazer, Steven--dissera-lhe Luca.Um dia sers o chefe da famlia. Podias ter morrido ... e paraqu?--Pelo mesmo que os outros que no voltaram para casa--disseSteven.--Pelo direito a viver uma vida decente.

    --Diz-me, o que que isso te ensinou? Quero saber--pediu Lucacalmamente .--Fez-me ficar farto de mortes. No quero voltar vida

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    antiga, p lpa--declarou Steven.--Que vida queres? Queres deixar-nos? Queres deixar a famlia?--perguntou-lhe Luca.--No. Amo-o a si, mae e a Piero. So tudo o que me restaagora. Mas a forma como fazemos os nossos negcios, noconsigo voltar a essa vida--respondeu Steven.

    --Sabias que s vezes tnhamos de ser duros--lembrou-lhe opai. --Nunca te pedi para fazeres nada disso. Essa era a partede Piero. Tu eras o inteligente, o culto, aquele que era capazde transformar uma folha de balano numa partitura de msica... E, alm do mais, as coisas mudaram. Agora, os tempos sooutros. Somos pessoas respeitveis, legalistas. Bem, quaselegalistas--declarou, sorrindo.--Podemos ter que contornar umpouco as leis s vezes. Mas nada de violncias. Isso pertenceao passado.--Deixe-me pensar um pouco. D-me algum tempo--pediu Steven.Ento, ele regressara e assumira as suas responsabilidades. Umexcelente gestor e um verdadeiro financeiro.

    --Vai ser um bom marido--assegurou Luca a Fabrizzi.--No andaatrs de mulheres. No joga. Conhece o meu filho: no temvcios.--No tem vcios--concordou Fabrizzi.--A no ser gostar deestar sempre a trabalhar. Mas a minha Clara vai ensin-lo adivertir-se. Vai ser um homem de sorte.--Por falar em sorte e em jogo. Que tal abrirmos um casino noestado do Nevada?--perguntou Falconi.-- o Musso quem controla l o jogo, j sabe.--Juntos somos maiores do que Musso--observou Luca.--Por que que h-de ser ele a ficar com o bolo todo? Pense nisso.Fabrizzi assentiu com a cabea.--Vou pensar nisso. Falamos amanha, talvez. melhor eu ir

    danar com a minha mulher.Falconi bebeu champanhe. o jogo significava muito dinheiro ecada vez mais dinheiro. Estava na altura de dar um abano aTony Musso e ver o que acontecia. At podia ser que ele fossederrotado.

    EsTou to feliz--suspirou Clara enquanto rodopiavam.Arnas-me, no amas, Steven?--os seus belos olhos estavamcristalinos do amor que sentia por ele.

    --Sabes que sim.--Steven respondeu-lhe e apertou-a mais contrasi.

    Ela era tudo o que um homem podia desejar: apaixonada e bela.Steven comprara uma magnfica casa, com a fachada em arenitocastanho-avermelhado7 na zona leste, na rua 52, em NovaIorque. o pai estava a construir-lhes uma casa de frias emPalm Beach como prenda de casamento.Clara era uma rapariga com instruo; isso era importante paraele. No teria sido capaz de casar com uma rapariga cujosinteresses no378

    fossem alm da casa e dos bambini. Clara gostava de ir aconcertos e teatros. Sabia apreciar arte moderna, que ele noconseguia entender, mas se ela queria quadros, ele no se

    importava. Acreditava que o seu amor por ela cresceria epreencheria o vazio na sua vida. Tentara deixar-se matar porcausa do desgosto que sentia por ter perdido Angela e a

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    criana. Procurou alvio matando aqueles que tinham morto asua amada e condecoraram-no por isso. Ainda sonhava com aqueleterrvel deserto cheio de p, com o cheiro de corpos a arder,e acordava alagado em suor.Tinham alugado uma casa em Boca Raton para a primeira parte dalua-de-mel. o pessoal fora escolhido a dedo. Eram gente dosFalconi, e a casa estava guardada dia e noite. Havia inimigos

    ao longo daquela costa. Jantaram no terrao, com a Luabrilhando como uma medalha de prata no cu e o barulho dasondas sussurrando contra as rochas.--Caris ima. Tens muita fome?--perguntou Steven, erguendo oseu copo para ela--Tenho fome de ti. No quero comida, meu amor--foi a respostade Clara.Apesar da sua virgindade, Steven no precisou de Lhe ensinarnada. Clara despiu-se e ficou de p, branca e nua, suafrente. Mas no fogo da paixo que o envolvia elatransformou-se numa outra mulher nos seus braos, e a cama delenis de seda pareceu-lhe a terra poeirenta da Siclia. o

    nome escapou-se-lhe da boca inconscientemente:--Angelina!"Angelina!" Clara gelou enquanto Steven dormia a seu lado, comum brao por cima dela, prendendo-a cama. Levantou-lhe obrao e afastou-se, tremendo. Sentia o gosto salgado daslgrimas na boca. Enfiou pela cabea a camisa de dormir porestrear, rolou para o extremo oposto da cama e soluou naalmofada.Quando Steven acordou de manha e a puxou para si, ela ficouhirta e afastou-se.--Fala-me de Angelina. Disseste o nome dela ontem noite.Fala-me dela.Steven autoconvenceu-se de que tinha essa obrigao para com

    ela. Magoara-a e humilhara-a e tinha de endireitar as coisasentre os dois. Levou-a at ao terrao, sob o sol damanhazinha, e segurou-lhe a mo enquanto contava o queacontecera na Siclia sete anos antes. Clara escutou,observando o rosto dele, avaliando todas as variantes da suavoz. Viu o desgosto nos olhos de Steven ao reviver o pesadelodo hospital devastado. E quando Lhe relatou a parte em queencontrou o rel io com as manchas de san ue. ele desviou o

    olhar.

    A Linha Vermelha 379

    --Ningum mencionou nada disso ao meu pai. No foi uma atitudemuito digna--comentou Clara.--Ningum sabia--protestou ele.--s a nica pessoa no Mundo aquem eu contei. Morreram e j acabou tudo. Eu amo-te, Clara.No sei como que aconteceu aquilo ontem noite, mas tens deesquecer.--No tinhas necessidade de casar com ela.--Clara falava agorade uma forma bastanta fria.--Ela no era siciliana. Como quesabias que o filho era teu? Para alm de ti, com quantoshomens que ela tinha ido para a cama?Steven sentiu um sbito assomo de clera.--Nunca mais voltes a falar dela dessa maneira, Clara. J te

    disse que ela morreu e que no precisas de ter cimes. Agora,vai vestir-te para Irmos nadar.--Como que ela era?

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    Steven sentiu a raiva a surgir de novo com a insistncia dela.Apetecia-lhe mago-la pelo que dissera sobre Angela e acriana.--Nada parecida contigo. Loura e de olhos azuis. Muito bonita.Voltou-se e entrou.--J te disse para te ires vestir.As mulheres no desobedecem aos seus homens: no sendo ao pai,era a um irmo e depois ao marido. Clara levantou-se e

    seguiu-o para dentro de casa."No preciso de ter cimes", disse ela para consigo. "Elamorreu ela e a criana. Mas ouvi-o chamar pelo nome dela emvez do meu e vi a expresso dele ao falar nela. Se estivesseviva, eu podia ir ter com omeu pai e ele saberia o que fazer. Mas morreu e no possotocar-lhe ..."

    PARTIRAM para a Europa no Queen Elizabeth. Estavamreconciliados porque tinham de estar. Havia demasiado em jogopara alm da felicidade individual de ambos, e cada um delesaceitava o facto sua maneira.

    Steven convenceu-se a si mesmo de que Clara ainda era muitonova fora estragada com mimos pelos seus pais. Mas elaamava-o, e Steven abia que iria ter de aceitar os seus cimes.Tudo passaria com o tempo medida que ela se tornasse maismadura e mais autoconfiante.Clara sofria. Toda a vida fora protegida do menordesapontamento lu frustrao. Agora, sentia-se desesperadapelo sofrimento de amar o eu marido e no o possuirtotalmente. A suspeita torturava-a e por isso vbservava-oconstantemente. Tentava agradar-lhe e nunca tinha a certeza deo conseguir. o fantasma de uma mulher troava dela nos braosde Steven, assim como o fantasma de uma criana. Tinha deconquistar Steven7 e a forma de o conseguir era dar-lhe um

    filho o mais depressa380

    possvel. Ajoelhava-se junto cama e rezava Virgem e aossantos para ficar grvida.Foram muito felizes em Paris. o esplendor da magnfica cidadefrancesa encantou Clara. Visitou todas as galerias de arte e,

    para Lhe agradar, Steven comprou vrios quadros dispendiososde arte moderna para a nova casa. Fizeram vrias compras deroupas. Clara apaixonou-se pelos modelos Dior, que Lheassentavam muito bem. E Steven teve generosos presentes de

    gravatas e camisas Charvet e um magnfico relgio Boucheron deplatina. Clara ficava a seu lado, observando as reaces dele,perguntando vezes sem fim se ele gostava disto ou daquilo. Nofundo, era uma criana, pensava Steven: extravagante,impulsiva e exigente. os extremos da personalidade delasurpreendiam-no. Por baixo da fachada de cultura e educao,escondia-se uma simples mulher siciliana, pura no seu amor ecruel no seu dio. E esperta.Um dia, enquanto subiam a p, de brao dado, o FaubourgSaint-Honor, Clara perguntou-lhe:--Gostas tanto disto aqui como eu, caro, no gostas?--Acho que sim--concordou Steven.--Ento, porque no compramos um apartamento aqui?--sugeriu,

    triunfante.--Talvez pudssemos voltar na Primavera, quando noests to ocupado.Steven parou, apanhado pela surpresa. os olhos dela brilhavam

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    entusiasmo.--Eu at j andei a informar-me--admitiu ela.--H um apartmento encantador venda perto dos Invalides. No podemos ir Iv-lo?--Clara, minha querida, mas uma ideia louca. No amos passtempo nenhum aqui. Havemos de ter filhos, e no vamos quererdeix -los.

    Filhos. Clara mordeu os lbios. Nessa mesma manha, soubera queno estava grvida. A ideia de um pequeno "poiso" em Paris erauma espcie de compensao para esse desapontamento.--Podamos ao menos ir v-lo--disse.--Ia fazer-te umasur-presa Hoje tarde, ia v-lo e compr-lo para ns. Talvezo devesse ter feito.--Talvez no. Eu no gosto desse tipo de surpresas, querida. 'ests aborrecida, vamos l v-lo, mas no para comprar, nemcoi parecida.Fora um erro ter-lhe feito a vontade. Assim que o porteiroLhes abn a porta, Steven apercebeu-se disso. o magnfico salotinha mais nove metros de comprimento, uma bonita lareira de

    mrmore estilA Linha Vermelha 1

    Lus XVI e uma magnfica tapearia Beauvais a todo ocomprimento de uma parede; grandes janelas espreitavam o Sena.Clara abriu uma delas e saiu para a minscula varanda. Noolhou para Steven, os seus instintos diziam-lhe para no opressionar; a beleza daquela sala magnfica devia provocar osseus efeitos.A sala de jantar era comprida e estreita, forrada a sedacarmesim, e o cho de tacos fazia ressoar os passos. o quarto,que era pequeno e no tinha vista, apenas precisava de uma

    pintura agradvel e de uma bonita cama. As ideias afluam-lhe cabea, mas paravam na sua boca. Clara sabia que ele noacederia. Regressou ao grande salo, comprimindo ligeiramenteos lbios, e perguntou docemente:--Sei que no podemos ficar com ele, caro, mas no umamaravilha?

    --Tem tudo. Se no morssemos a cinco mil quilmetros dedistncia ... obrigado--disse Steven ao agente, que percebeuque no ia concretizar-se a venda.--No vai ter problemas emvend-lo.Clara deu-lhe o brao enquanto caminhavam para a rua e

    comentou:--Bem, no faz mal. Foi divertido ver.Steven ficou surpreendido por Clara ter cedido to facilmentee rato porque ela continuou bem-humorada dllrantt r c

    CoRREu tudo mal em Monte Carlo, onde haviam planeado um clmaxromantico, antes de regressarem de avio a Nova Iorque.Tinham reservado uma suite no Htel de Paris, sobranceiro aoporto. Grandes arranjos de flores e champanhe esperavam-noscom os cumprimentos da gerncia. o tempo estava magnfico; omar brilhava como um grande diamante azul, e os iatesflutuavam em arrogante esplendor nos seus ancoradouros. Haviauma noite de gala no casino, para a qual haviam sido

    convidados graas a um amigo influente que devia um favor aosFabrizzi.Clara estava primorosa com um vestido Dior de seda creme que

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    condizia perfeitamente com a sua pele branca e o cabelo pretosedosoque Lhe chegava aos ombros. Levava o presente do pai aopescoo, e os bnncos de diamantes oferecidos por Steven nasorelhas. Entrou no casino pelo brao do seu alto marido e foialvo de olhares de admirao. Tinha um rubor de felicidade norosto, em parte devido ao segredo que escondia a Steven. o

    apartamento parisiense era seu. Conclura o negclo antes dese ter vindo embora.Houve um magnfico jantar com sete pratos, realados com osmelhores vinhos e champanhes. A seguir, os convidados puderamjogar Vont; de e foi ento que Steven se animou. Reparou emtodos os deta382

    Lhes para futuras referncias: a decorao imponente, asflores fora dapoca, a indumentria e postura impecveis detodos os elementos do pessoal .A gala foi honrada pela presena do prncipe com uma grande

    comitiva. Clara fitou-o com bvia curiosidade e por instanteso prncipe retribuiu o seu olhar, tentando identificar aquelanova beldade. Steven no estava impressionado com a realeza,mas sim encantado com a fonte de onde a famlia real retiravatanto rendimento. Na sala de jogos, decorria todo o tipo dejogos, desde a simples roleta ao pesado silncio da sala debacar, onde se perdiam muitas fortunas e se faziam algumas.Classe! Era essa a chave de todo aquele espao: discreto,opulento, desafiando a clientela a provar que tinha o dinheiroe a ousadia para l Jogar.Mesmo os maiores e mais elegantes casinos controlados pelafamlia Musso em Las Vegas eram de segunda qualidadecomparados com aquele, onde perder dinheiro fora transformado

    em privilgio. Steven aproximou-se um pouco mais da mesa debacar. Uma mulher loura, ostentando rubis e diamantessuficientes para saldar a dvida nacional, jogava com umaconcentrao demonaca. Estava a ganhar, as fichasapinhavam-se at ao seu cotovelo. Depois de cada lance,

    empurrava algumas at abertura na mesa para o croupier.--Merci, Altesse--dizia sempre este, e fazia uma pequenavnia.Algum perto de Steven murmurou-lhe em ingls:--Nunca pensaria que os Alemes perderam a guerra ao olharpara aquilo,pois no?

    --E alema?--perguntou Steven.o homem, que rondava os trinta e cinco anos, tinha um rostoalongado de ingls e arrastava ligeiramente as palavras.-- a princesa Beatrix von Arentz--respondeu.--Vem todas asnoites aqui, e nunca sai dessa mesa a no ser quando encerra.--Est a ganhar uma quantidade de dinheiro !--realou Steven.--No tanto quanto perdeu--contraps o ingls.--os casinos socomo os corretores de apostas: no fim, costumam dar semprelucro. Joga?--No--respondeu Steven.--E a bela senhora?Clara estava bem junto a Steven, imvel e silenciosa. o inglsapresentou-se:

    --Chamo-me Ralph Maxton, sou o relaes pblicas deste casino.--A minha esposa tambm no joga--respondeu Steven. Chamo-meSteven Falconi. Muito prazer em conhec-lo.

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    A Linha Vermelha 383

    De repente, ouviram-se aplausos. A princesa ganhara umaenormssima aposta. Era bela no seu estilo magro, nrdico, comolhos azul-claros. Ela exibiu um sorriso resplandecente.--Leva-me para casa--disse Clara a Steven em italiano.

    Ele voltou-se, surpreendido, e indagou:--Porqu? o que que se passa?Clara respondeu-lhe num murmrio furioso:--J estiveste a olhar para aquela loura tempo suficiente. Euvou-me embora.Steven voltou-se para o ingls e disse:--Com licena--e seguiu a mulher.--Espera um minuto, Clara. Tuj te divertiste, mas eu ainda no estou pronto para ir. Istoso negcios, percebes?--o que que queres fazer? Tentar engat-la depois de eu meir embora?Falavam em voz baixa, mas era bvio que estavam a ter uma

    discusso. Steven viu um dos empregados dirigir-se-lhes comuma expresso que dizia: "No permitimos situaesdesagradveis."--Est bem--acedeu.--Vamos. Mas garanto-te, Clara, que vamosesclarecer isto!Clara no tinha medo dele. De regresso ao hotel, arrancou ocolar e os brincos, atirando-os ferozmente pelo quarto.--Ficaste especado a olhar para aquela cabra. Eu bem vi!Loura, como a outra pega!--disse ela aos gritos.Steven no Lhe bateu. Tinha medo de no conseguir parar.observou aquela fria a gritar a poucos metros de distncia,depois virou-lhe costas e saiu do quarto. ouviu qualquer coisaa partir-se quando fechou a porta. Desceu para o bar e pediu

    um whisky com gelo.() bar estava bastante cheio. As pessoas no lhe importavam.PreciSL de se sentar algures, sozinho, e tragar aquela bebidao mais depres ,l possvel. "Que diabo vou eu fazer com ela?",

    perguntava a si mesmo o primeiro whisky ateou-lhe um fogo noestmago, mas no o aJudou a encontrar a resposta. o segundoprovocou-lhe uma disposio de sinceridade amarga.Pensara estar apaixonado por ela; no estava. Tinha-se deixadocegar pelo desejo sexual e as vantagens de uma combinao deforascom a famlia Fabrizzi. E com o seu sexto sentido feminino,

    ela adivinh ra a verdade. Uma vida de inferno estendia-se frente deles, a no er que I`osse possvel fazer-se algumacoisa. odiava os cimes dela que irrornpiam num temperamentoviolento; em poucos anos ela ficaria umimllegera. Havia umremdio simples para aquilo, que era dar-lhe .----

    - ,j----

    -- `G _ / - j 9

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    uma lio de uma vez por todas. Se a pusesse de cama por uns

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    dias, pacincia. o homem tem de ser o chefe. o pai delacompreenderia.Mas ele no era capaz de o fazer. Steven Falconi engoliu oresto do whisky. Se nunca tivesse conhecido Angela, talveztivesse posto a mo na mulher. Mas agora ... No foi porquerer que pensou em Angela. Conseguia v-la to claramente,ouvir to nitidamente a sua voz. Tivera uma paixo por ela

    como nunca teria por Clara. No entanto, ela era a melhorproteco que Clara podia ter contra aquela situao. Ele noconseguiria espanc-la porque conhecera Angela. A ironia dasituao f-lo sorrir.

    --Desculpe, tem lume?olhou de relance para a mulher, de p, junto sua mesa. "Ah",pensou, "ento tambm as tm aqui." Era muito atraente, estavaelegantemente vestida e usava um perfume caro. Steven no selevantou, acendeu-lhe o isqueiro e ela inclinou-se para achama.

    --obrigada. Est aqui instalado?--Estou. Gostaria de tomar uma bebida comigo?--Pensou em Clarae sentiu o apelo da vingana.

    --obrigada. Detesto estar s. Bebo uma taa de champanhe, sefaz favor386

    Ela falava muito bem ingls, e Steven apreciava o sotaquefrancs. Ele interrogou-se quanto seria a parada.--Tambm estou c hospedada--informou ela espontaneamente.--Venho todos os veres passar um ms. um hotel toconfortvel.

    Sorriu ao empregado que veio tomar nota dos pedidos e quemostrou deferncia para com ela.--Boa noite, madame.

    --Boa noite, Jacques.--Champanhe para a senhora--pediu Steven prontamente--e umwhisky com gelo para mim.--Chamo-me Pauline Duvalier. Quando o meu marido era vivo,passvamos mais tempo aqui. Ele gostava de jogar, mas a mimaborrece-me.--Apagou o cigarro, ainda meio por fumar.Steven reparou numa esmeralda quadrada na sua mo esquerda.avaliar por aquilo, a parada devia ser bastante elevada.

    --No me disse o seu nome--recordou-lhe ela.--Steven Falconi.--Podia ser monegasco--observou ela.--H por aqui mulIa gentede sangue italiano. Est sozinho no hotel?--No. A minha mulher est l em cima. A senhora muitoatraente, sabia?--Espero bem que sim--respondeu ela com uma gargalhada.--Evoc um homem atraente. Muito atraente. Estive a observ-loa embebedar-se e pensei: "Que pena! Que desperdcio!" Gostariade subir comigo at minha suite ?Steven levantou-se da mesa. Ainda estava bastante firme.--Talvez eu deva esclarecer uma coisa--disse ela.--Estou aconvid-lo porque eu quero. Quando vejo um homem que quero,

    no espero que ele me convide. Vamos?--Claro, porque no?--disse ele, e seguiu-a para o elevador.Era uma suite melhor do que a dele. Depois de entrarem, ela

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    voltou-se e sorriu.--Eu no sou uma poule de luxe--disse, brincando com eledelicadamente.--No tem de me pagar, Monsieur Falconi. Vamosat ao quarto?Ela acordou-o antes das S horas.--Dentro de meia hora, o pessoal da limpeza do hotel entra aoservio. Se se for embora agora, no encontrar ningum.

    Envergava um roupo de seda e estava a fumar um cigarro.Sorriu-Lhe de forma simptica, dizendo:--Gostei muito. Espero que voc tambm tenha gostado.

    A Linha Vermelha 7

    Steven saiu da cama e comeou a vestir-se.--Podamos voltar a encontrar-nos. Talvez volte a ter outradiscusso com a sua mulher--sugeriu ela.--Como que sabe isso?--perguntou.Ela encolheu os ombros.--Uma mulher solitria tem de ser cuidadosa. Fiz umas

    perguntas sobre si antes de me apresentar, e s pode haver umarazo para um homem em lua-de-mel estar sentado sozinho aembebedar-se. Se no voltar a saber de si, desejo-lhe bonvoyage, e talvez um dia se voltar a Monte Carlo ...--Abriu-lhea porta e estendeu-lhe a mo.--Adeus, Monsieur Falconi.Nem uma s vez se trataram pelos nomes prprios.

    CLARA ouviu-o entrar. As longas horas dessa noite tinhampassado sem Lhe ser concedida a graa do sono. Correu paraele, tropeando na camisa de dormir na sua nsia. Atirou osbraos volta do pescoo dele, e as lgrimas jorraram de novodurante o abrao.Sentiu o cheiro do perfume de outra mulher: Joy, o perfume

    mais caro do Mundo. Deu um grito de angstia.--onde estiveste? Esperei toda a noite.

    --Senta-te, Clara. Quero que me ouas com muita ateno.Afastou-a de si, forando-a a sentar-se na cama.--Estiveste com outra mulher--obrigou-se a dizer.--Tens razo, estive. E sempre que fizeres o que fizeste ontem noite no casino, irei procura de outra pessoa. Eu noestive a olhar para nenhuma loura no casino. A minha cabeaestava virada para os negcios, negcios de famlia, Clara. omeu pai e o teu acham que devemos entrar naquele tipo denegcio. Por isso, digo-te: queres-me

    fiel, queres que seja um bom marido? Ento, no voltes a fazero que fizeste e no voltes a falar da minha mulher, Angela. Eudisse: da minha mulher. Cala a boca, Clara. No digas nada.--Porque que no me bates?--perguntou-lhe.--Assim, matas-me.--Porque isso no te faria parar. Eu j te conheo: no tepreocupavas tanto como com isto. H uma mulher no hotel queposso ver sempre que eu quiser. contigo. Agora, eu vou tomarum duche. Pensa no assunto.Ela estava sentada na cama quando Steven voltou. Penteara ocabelo e pusera um pouco de cor nos lbios. Estendeu os seusbraos e disse:J fui suficientemente castigada. Perdoa-me.388

    Ele fez um esforo e abraou-a. Teve pena dela e odiou-se, maso seu corao estava frio e o seu esprito cansado.

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    Clara fechou os olhos e ficou muito quieta. Uma mulher nohotel. Havia de descobri-la. Fez esta promessa a si prpria aoencostar a cabea a ele enquanto pareciam estar em paz.

    o CHEFE dos porteiros no podia ajud-la. Fingiu no ver omao de notas que ela tirou da sua mala de mo. No queriacorrer o mais pequeno risco de perder o emprego.

    --Lamento imenso, madame--disse.--Talvez na recepo possamajud-la.Na recepo, recusaram-se a ver nos registos e a inform-laqual dos clientes era uma dama no acompanhada. Clara tinhapouco tempo. Vestira-se a correr e sara do quarto antes deSteven para fazer as suas averiguaes. Praguejou em silncio.Muito provavelmente, encontrara-a no bar. o cheiro a whiskyera to forte como o daquele perfume odioso quando Stevenregressara ao quarto de manha. Dirigiu-se ao bar. Estavamvrios casais a tomar uma bebida antes do almoo, e apenasduas mulheres sozinhas. Para uma, Clara nem sequer olhou, poistinha o cabelo grisalho e estava absorvida na leitura de um

    romance. A outra? Clara passou junto dela: o cheiro ao perfumeJoy feriu-lhe as narinas. Voltou para trs, para o balco dobar, e inclinou-se para a frente em direco ao jovem barman.--Aquela senhora ali no uma actriz famosa?--murmurou.--omeu marido disse-me que a conheceu ontem noite.--No, madame, Madame Duvalier. nossa cliente habitual,vem todos os anos. Talvez ela tenha dito isso para pregar umapartida a Monsieur Falconi.--Talvez.--Clara fez um sorriso feroz e foi procura deSteven.Nessa noite, Clara fez um telefonema para o pai em NovaIorque. A linha emitia pequenos estalidos.--Como est a minha menina?--perguntou o pai, como de costume.

    --oh, pai. Tenho sido to feliz, mas h uma coisa que est a

    correr mal. H uma mulher que anda a atirar-se a Steven. Papa,o que hei-de fazer?Houve uns momentos de silncio e depois voltou a ouvir a vozdele.--Deixa isso comigo, cara mia. Diz-me apenas o nome dessasenhora e onde mora ...Clara assim fez e em seguida disse:--obri ada pai--e desli ou.

    A Linha Vermelha 389

    Deviam apanhar o avio de regresso a casa no dia seguinte.Nessa noite, aninhou-se na cama junto de Steven e murmurou:--Estou contente por ir para casa. Quero ir para a nossaprpria casa.Steven afirmou que tambm gostava muito de o fazer. Alua-de-mel terminara. J era altura de Clara se tornar umamulher, dona de casa e em breve mae, e tambm de ele regressaraos negcios e ao mundo dos homens.

    ELE ossERvARA Pauline Duvalier durante trs dias. Primeiro nobar do hotel, depois no restaurante. Agora, estavam a trazer asua bagagem e o carro esperava na entrada.

    Era ela quem conduzia o Lagonda de antes da guerra. Seguiu-afacilmente pela sinuosa estrada acima da Moyenne Corniche,talhada na face da montanha bem acima da costa. Viu-a entrar

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    nos portes de uma grande e dispendiosa quinta.A ideia era parecer um assalto.Passou em frente aos portes, fez inverso de marcha maisacima e voltou de novo para trs. Transps os portes com ocarro. Havia grandes pinheiros que ofereciam sombra eprivacidade. Vivendo ela ali, teria de ser um trabalho feito luz do dia. os portes seriam fechados noite, e os faris do

    carro avistados a quilmetros de distncia. Saiu do carro emeteu a mo no bolso das calas. Era um homem entroncado erobusto, debaixo de uma camada de gordura prpria dameia-idade. o seu relgio mostrava que eram 11 .30. Ainda noeram horas do almoo. Caminhou nas pontas dos ps, mantendo-sena sombra, debaixo das rvores.Estava perto da casa quando a viu. Ela apareceu no terrao.Fumava um cigarro e mudara de roupa, vestindo calas largas euma blusa.Roubo com violncia. Pauline permaneceu ali durante algunsminutos. Depois, exactamente quando ele estava a pensar quetalvez tivesse de aproximar-se dela por trs, no terrao,

    ideia que no Lhe agradava l muito ela voltou-se e entrou.Ele seguiu-a at ao quarto. Ela no o viu nem o ouviu. Deu-lheum soco na nuca, e ela caiu sem dizer nada. Levantou-a do choe atirou-a Para cima da cama. Ela no sentiu nada, porquenunca recobrou os sentidos.

    ?uando terminou a tarefa, virou as gavetas e enfiou um colare dois brinco , e ouro no bolso. Deslizou l para fora eregressou ao carro. E \ a entado em frente a uns semforosno Beaulieu quando a empre, de Pauline a foi chamar para o almoo.390

    os mdicos do Hospital Americano de Nice disseram aosreprteresque duvidavam de que a infeliz senhora sobrevivesseaos ferimentos. Todos os ossos da cara tinham sido esmagados eperdera o olho esquerdo. A notcia foi cabealho dos jornaisnacionais.

    Captulo 3

    -- MulTo simptico da tua parte, Jim. Mas eu no quero voltara casar-me--disse Angela delicadamente.Estavam sentados junto lareira, e ele pegara-lhe na mo e

    pedira-Lhe, pela terceira vez nesse ano, que reconsiderasse.--Tens de pensar no futuro do rapaz e ele precisa mesmo de umpai. Gosto muito dele e ele de mim. o que eu mais quero fazer-te feliz, Angela.Nesta altura, j o seu pai se havia reformado por problemas decorao, e Jim Hulbert ficara com o consultrio com um sciomais novo. Jim era o esprito da bondade e honestidade.--Eu sei, Jim, mas no vale a pena pensares que vou mudar deideias. Estou perfeitamente a par de todos os argumentoscontra, mas tenho a certeza de que sou capaz de educar Charliesozinha. Na realidade, convidei-te para vires c a casa estanoite porque tenho uma coisa para te dizer.--Vais sair de c?--perguntou Jim com um ar abatido.

    --Sim, vou. Fui a uma entrevista de uma firma em Londres.Queriam um funcionrio de recursos humanos e aceitaram-me. omeu curso de enfermagem ajudou.

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    --E Charlie?--Charlie j tem oito anos e est mortinho por entrar nocolgio interno. o meu pai decidiu assumir os encargos daeducao dele at aos dezoito anos. Falei com Charlie sobre omeu novo emprego