A liquidação da sentença coletiva trabalhista otavio calvet

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A liquidação da sentença coletiva trabalhista Otavio Amaral Calvet 1 1. Conceito de interesses coletivos Antes de se adentrar propriamente na temática proposta para o presente trabalho, cabe uma breve distinção entre os conceitos de interesses difusos, coletivos em sentido estrito e individuais homogêneos, a fim de se estabelecer, posteriormente, o tratamento a ser adotado por ocasião da liquidação da sentença proferida em cada tipo de tutela coletiva. Interesses difusos são interesses ou direitos “transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato”, conforme dispõe o art. 81, parágrafo único, I do CDC. Nos interesses difusos, portanto, observa-se uma relação meramente fática entre os diversos lesados, de forma a ser impossível apontar-se o limite de vítimas ou interessados, razão pela qual são seus sujeitos indetermináveis. Logo, configura-se o interesse difuso sempre que indeterminados indivíduos sofrem, por um mesmo ato ou fato, uma lesão. Diz-se indivisível o interesse difuso por ser da sua própria substância a impossibilidade de reparação a apenas um único indivíduo, pois se um cidadão por conta própria conseguir tutela contra interesse difuso, todos os demais cidadãos indeterminados que detêm do mesmo interesse irão igualmente usufruir da mesma benesse. Pode-se exemplificar o interesse difuso com um dano ambiental ou uma propaganda enganosa, como faz Hugo Nigro Mazzilli 2 . Cita-se, ainda, o descumprimento pela Administração da vedação de contratação de empregados sem o devido concurso público (art. 37, II da CF), onde pode ser percebido que todos os indivíduos, indeterminados, que poderiam se inscrever em tal concurso não realizado sofreram dano. No que concerne aos interesses coletivos, inicialmente há que se registrar a utilização de tal 1 Otavio Amaral Calvet é Juiz do Trabalho do TRT-RJ, Mestrando em Direito do Trabalho na PUC-SP, Coordenador e Professor de Direito do Trabalho em Pós-Graduação lato sensu no Decisum Estudos Jurídicos-RJ e Professor Convidado da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas-RJ. 2 Mazzilli, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo, 15ª Edição, Ed. Saraiva, p. 46.

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Apostilinha sobre a liquidação de sentença trabalhista em ação coletiva.

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A liquidação da sentença coletiva trabalhista

Otavio Amaral Calvet1

1. Conceito de interesses coletivos

Antes de se adentrar propriamente na temática proposta para o presente trabalho, cabe uma

breve distinção entre os conceitos de interesses difusos, coletivos em sentido estrito e individuais

homogêneos, a fim de se estabelecer, posteriormente, o tratamento a ser adotado por ocasião da

liquidação da sentença proferida em cada tipo de tutela coletiva.

Interesses difusos são interesses ou direitos “transindividuais, de natureza indivisível, de que

sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato”, conforme dispõe o art.

81, parágrafo único, I do CDC.

Nos interesses difusos, portanto, observa-se uma relação meramente fática entre os diversos

lesados, de forma a ser impossível apontar-se o limite de vítimas ou interessados, razão pela qual

são seus sujeitos indetermináveis.

Logo, configura-se o interesse difuso sempre que indeterminados indivíduos sofrem, por um

mesmo ato ou fato, uma lesão.

Diz-se indivisível o interesse difuso por ser da sua própria substância a impossibilidade de

reparação a apenas um único indivíduo, pois se um cidadão por conta própria conseguir tutela

contra interesse difuso, todos os demais cidadãos indeterminados que detêm do mesmo interesse

irão igualmente usufruir da mesma benesse.

Pode-se exemplificar o interesse difuso com um dano ambiental ou uma propaganda

enganosa, como faz Hugo Nigro Mazzilli2. Cita-se, ainda, o descumprimento pela Administração

da vedação de contratação de empregados sem o devido concurso público (art. 37, II da CF), onde

pode ser percebido que todos os indivíduos, indeterminados, que poderiam se inscrever em tal

concurso não realizado sofreram dano.

No que concerne aos interesses coletivos, inicialmente há que se registrar a utilização de tal

1 Otavio Amaral Calvet é Juiz do Trabalho do TRT-RJ, Mestrando em Direito do Trabalho na PUC-SP,

Coordenador e Professor de Direito do Trabalho em Pós-Graduação lato sensu no Decisum Estudos Jurídicos-RJ e Professor Convidado da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas-RJ.

2 Mazzilli, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo, 15ª Edição, Ed. Saraiva, p. 46.

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termo em duas concepções diferentes: em sentido lato ou estrito. Na primeira, interesse coletivo

aparece como sinônimo de interesses transindividuais, de grupo, classes ou categorias de pessoas,

conforme efetuado no art. 129, III da Constituição da República.

Já em sentido estrito, refere-se aos interesses transindividuais indivisíveis de um grupo

determinado ou determinável de pessoas, reunidas por uma relação jurídica básica comum (art. 81,

parágrafo único, II do CDC).

Diferenciam-se os interesses coletivos dos difusos pelo fato de que naqueles os sujeitos são

determináveis e ligados por uma relação jurídica base. Exemplos: anulação de cláusula ilegal em

contrato de adesão; observância de condições de segurança e higiene no ambiente de trabalho;

anulação de cláusula ilegal em acordo coletivo ou convenção coletiva.

Por fim, os interesses individuais homogêneos são classificados como aqueles de grupo,

categoria ou classe de pessoas determinadas ou determináveis, que compartilhem prejuízos

divisíveis, de origem comum, normalmente oriundos das mesmas circunstâncias de fato, como

citado por Hugo Nigro Mazzilli3 e constante do art. 81, parágrafo único, III do CDC.

Assim, o traço distintivo quanto aos interesses individuais homogêneos repousa na

divisibilidade de seu objeto, de tal sorte que cada indivíduo pode por si próprio buscar a tutela

individual de seu interesse. Entretanto, pela relevância social que adquirem, seu tratamento deve

ser efetuado de forma coletiva. Exemplos: compradores de veículos com mesmo defeito de série;

empregados dispensados por encerramento das atividades do empregador; empregados lesados pelo

descumprimento de norma coletiva trabalhista.

2. Natureza jurídica da liquidação no Código de Processo Civil e na Consolidação das Leis do

Trabalho

Da disciplina processual civil, observa-se entendimento majoritário no sentido de que a

liquidação da sentença tem natureza jurídica de processo de conhecimento que serve como

preparatório ao processo de execução, quando o título judicial obtiver condenação ilíquida,

proferindo-se em tal processo verdadeira sentença de cunho declaratório com intuito de cumprir a

exigência para início da execução quanto à existência de título líquido e certo. 3 Mazzilli, ob. cit.

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Neste sentido, leciona Araken de Assis4:

“...ocorrendo condenação genérica, a ação de liquidação se afigura passo

indispensável para o título fechar a tríplice caracterização do art. 568 caput. Daí, o

caráter preparatório, relativamente à execução desta demanda. Ela não faz parte

desenganadamente da execução mesma, no que o código vigente andou bem,

negando-lhe a condição de incidente inicial do processo executivo; ao invés, gerará

processo autônomo.

...qual, entretanto, a natureza deste ulterior processo? Ora, os atos praticados na ação

de liquidação, observáveis nos ritos previstos nos arts. 607 e 609 não implicam

deslocamento forçado de pessoas e de coisas, o que informa e governa a função

executiva. Toda a atividade do órgão judiciário, no curso da ação liquidatória, denota

a preponderância de atos cognitivos, destinado à obtenção de um valor, à

individuação de um objeto. É um processo de conhecimento.”

Em processo do trabalho, entretanto, a doutrina ainda se debate quanto à natureza ou não de

processo autônomo cognitivo para a liquidação da sentença.

Ocorre que a CLT no Capítulo V do Título X, quando trata da execução, dispõe, após alguns

artigos iniciais, sobre a liquidação da sentença, junto às disposição preliminares da execução.

Observa-se que o intuito do legislador, portanto, foi de dar tratamento conjunto à liquidação

e à execução, o que leva a crer que, em processo do trabalho, havendo necessidade de se liquidar o

título judicial, tal se dará em uma mera fase da execução.

Ademais, a doutrina trabalhista se inclina no sentido de que a própria execução deve ser

considerada com mera fase da ação de conhecimento, inexistindo ações distintas de conhecimento e

execução, a tudo se procedendo de imediato com a efetivação direta do comando jurisdicional.

Reforça referida corrente doutrinária o fato do juiz do trabalho poder, de ofício, instaurar a

execução, independentemente da iniciativa da parte, conforme art. 878 da CLT: “A execução poderá

ser promovida por qualquer interessado, ou ex officio pelo próprio Juiz ou Presidente ou Tribunal

competente, nos termos do artigo anterior.”

Admitida referida característica no processo do trabalho, existente desde 1943 e reforçada 4 Assis, Araken. Manual do Processo de Execução, 5ª Edição, Ed. Revista dos Tribunais, 1998, p. 264-265.

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atualmente pela própria doutrina civilista que, ao comentar recente alteração no CPC quanto à

execução das obrigações de fazer percebe que ali não mais existe processo autônomo de execução,

mas mera efetivação da medida, o que vem sendo nominado de “sincretismo processual”, pode-se

concluir que o processo do trabalho, como um todo, apresenta a característica do sincretismo,

funcionando cada uma das pretensões (cognitiva e executória) como meras fases de um mesmo

processo, conclusão esta em consonância com os anseios da celeridade e da simplicidade que

informam o processo trabalhista.

Partindo-se de tal premissa, nada justifica que a liquidação da sentença trabalhista seja

considerada como um processo autônomo. Ao revés, seja pelo tratamento dispensado pelo

legislador, seja pela característica mesma de ser mero procedimento preparatório ao início da

execução, deve a liquidação igualmente ser considerada mera fase e, não, processo separado do

principal.

Vale ressaltar que de todo seria inviável conceder-se autonomia científica à liquidação

trabalhista, já que o momento oportuno de se impugnar a liquidação pelo devedor e pelo credor

somente se dá após iniciada a execução, nos termos do art. 884, § 3° da CLT: “somente nos

embargos à penhora poderá o executado impugnar a sentença de liquidação, cabendo ao exeqüente

igual direito e no mesmo prazo”, causando verdadeiro contra-senso imaginar-se que já na execução

seria possível retornar-se à matéria decidida em sentença de liquidação. Lembre-se que o

contraditório na fase de liquidação é designado apenas como faculdade do juiz, entendendo-se,

inclusive, que caso utilizada referida opção (art. 879, §2° da CLT), sequer cabe recurso à decisão

proferida pelo magistrado encerrando a fase liquidatória.

Desse modo, conclui-se pela natureza da liquidação trabalhista como mera fase processual

preparatória da execução, como igualmente entende Manoel Antônio Teixeira Filho5:

“A doutrina predominante vê a liquidação como uma fase preparatória da execução.

Essa é, também, a nossa opinião, pois a liquidação foi instituída, finalisticamente,

para tornar possível a execução da obrigação expressa no título executivo judicial,

daí o sentido preparatório de que ela se reveste. A liquidação, em muitos casos, é

pressuposto essencial à execução. Laboram em erro, por isso, os que sustentam ser a 5 Teixeira Filho, Manoel Antônio. Execução no Processo do Trabalho, 6ª Edição, Ed. LTr, 1998, p. 305-306.

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liquidação processo incidente no de execução; como dissemos, a liquidação não se

apresenta como processo autônomo, senão que como fase preparatória daquela.

Logo, a liquidação antecede a execução, a despeito de reconhecermos que do ponto

de vista sistemático ela integra o processo de execução.

Stricto sensu, a liquidação pode ser entendida como uma espécie de elo, a

unir a sentença exeqüenda à execução propriamente dita”.

3. Espécies de liquidação no Código de Processo Civil e na Consolidação das Leis do Trabalho

Vicente Greco Filho6 entende que a liquidação da sentença “pode proceder-se de três

maneiras, conforme o tipo de providências necessárias à determinação do quanto. Faz-se a

liquidação por cálculo do credor, por arbitramento ou por artigos”.

Nesse sentido, observa-se que o Código de Processo Civil em seus arts. 603 e seguintes

contempla as três formas mencionadas por Greco Filho.

Ocorre que em processo do trabalho a CLT dispõe de forma diversa sobre a liquidação de

sentença, conforme se verifica do texto legal abaixo transcrito:

“Art. 879 - Sendo ilíquida a sentença exeqüenda, ordenar-se-á, previamente, a sua

liquidação, que poderá ser feita por cálculo, por arbitramento ou por artigos.

§ 1º - Na liquidação, não se poderá modificar, ou inovar, a sentença liquidanda nem discutir

matéria pertinente à causa principal.

§ 1o-A. A liquidação abrangerá, também, o cálculo das contribuições previdenciárias

devidas.

§ 1o-B. As partes deverão ser previamente intimadas para a apresentação do cálculo de

liquidação, inclusive da contribuição previdenciária incidente.

§ 2º - Elaborada a conta e tornada líquida, o Juiz poderá abrir às partes prazo sucessivo de

10 (dez) dias para impugnação fundamentada com a indicação dos itens e valores objeto da

discordância, sob pena de preclusão.

6 Greco Filho, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro, 3° volume, 12ª Edição, Ed. Saraiva, 1997, p. 44-

48.

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§ 3o Elaborada a conta pela parte ou pelos órgãos auxiliares da Justiça do Trabalho, o juiz

procederá à intimação por via postal do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, por

intermédio do órgão competente, para manifestação, no prazo de dez dias, sob pena de

preclusão.

§ 4o A atualização do crédito devido à Previdência Social observará os critérios

estabelecidos na legislação previdenciária.”

Em primeiro lugar, há que se observar que na liquidação por arbitramento e por artigos, a

Consolidação apenas menciona tais modalidades, não apresentando qualquer regramento sobre sua

utilização, donde se conclui haver omissão no texto celetista. Dessa forma, deve-se buscar na Lei

6.830/80 a supressão da lacuna apontada, conforme comando do art. 889 da CLT. Permanecendo a

omissão, finalmente busca-se no CPC o tratamento legal da matéria, na forma do art. 769 da CLT.

Dessa forma, pode-se concluir que no que diz respeito a essas duas modalidades de

liquidação, o procedimento a ser adotado é idêntico ao do Código de Processo Civil, pela omissão

existente no texto trabalhista e na lei dos executivos fiscais.

Gira controvérsia, entretanto, no que concerne à liquidação por cálculos. Em matéria civil, a

doutrina aponta que não mais existe a liquidação por cálculos do contador, tendo sido a mesma

substituída pela liquidação por cálculos do credor, utilizada quando a liquidação dependa de simples

cálculo aritmético.

Humberto Theodoro Júnior7, por exemplo, explica que “...Permite-se agora, com a atual

redação do art. 604, que o próprio credor elabore o demonstrativo do montante da dívida na data da

instauração da execução, desde é claro que tudo se faça mediante simples cálculo aritmético. Para

esse fim, a petição inicial da execução será instruída com ‘memória discriminada e atualizada do

cálculo’.”

Analisando-se o art. 879 da CLT, percebe-se que o legislador permitiu a elaboração da conta

tanto pelas partes quanto pelos órgãos auxiliares da justiça, bem como que o contraditório na

liquidação seja mera faculdade do juízo.

7 Theodoro Júnior, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, vol. II, 21ª Edição, Ed. Forense, p. 95.

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Aplicando-se tais preceitos, pode-se vislumbrar algumas possibilidades de tramitação da

liquidação, bem como de procedimento a ser adotado pelo juízo. Em primeiro lugar, a CLT foi

taxativa ao determinar a intimação prévia das partes para apresentação de seus cálculos, conforme

artigo 879, § 1°-B (As partes deverão ser previamente intimadas para a apresentação do cálculo de

liquidação, inclusive da contribuição previdenciária incidente), sendo certo que a apresentação da

contribuição previdenciária incidente decorre do recente acréscimo de competência da Justiça do

Trabalho para executar as contribuições previdenciárias decorrentes de suas próprias sentenças e

acordos (art. 114, § 3° da CF e art. 876, parágrafo único da CLT).

O preceito acima mencionado pode levar, numa interpretação mais açodada, à conclusão de

que também em processo do trabalho a liquidação por cálculos não mais subsiste, devendo ser

efetuada diretamente pelo credor. Entretanto, analisando-se o parágrafo segundo do mesmo artigo

celetista, vê-se que elaborada a conta e tornada líquida, poderá o juiz abrir prazo sucessivo às partes

para manifestações sob pena de preclusão, realizando contraditório em plena liquidação. Em tal

caso, não se pode ignorar que as manifestações das partes tem o intuito de acertamento do valor

liquidado, caso em que caberá ao juiz proferir decisão (de cunho interlocutório ante o sincretismo

do processo do trabalho) definindo o valor líquido do título executivo.

Por outro lado, o parágrafo terceiro do art. 879 da CLT institui que “elaborada a conta pela

parte ou pelos órgãos auxiliares da Justiça do Trabalho, o juiz procederá à intimação por via

postal do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, por intermédio do órgão competente, para

manifestação, no prazo de dez dias, sob pena de preclusão”. Referido preceito legal induz que a

liquidação por cálculos pode ser efetuada tanto pelas partes quanto pelos órgãos auxiliares da

Justiça do Trabalho, o que remete, nessa segunda parte, à antiga sistemática do Código de Processo

Civil quanto à liquidação por cálculos do contador.

A fim de se harmonizar referidos preceitos, observando-se inclusive a disciplina civil sobre a

matéria, entendemos, inicialmente, que no processo do trabalho resta inviável a aplicação da

liquidação por cálculos do credor, iniciando-se a execução por simples apresentação da memória do

cálculo já na petição inicial da ação executória.

Tal conclusão tem base, principalmente, na inaplicabilidade do art. 604 do CPC por falta do

pressuposto previsto nos arts. 889 e 769 da CLT, já que por haver no texto consolidado regra

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própria, não há que se buscar no CPC qualquer supressão de lacuna. Por outro lado, o sincretismo

do processo do trabalho, onde inexiste ação autônoma de execução, demonstra ser inaplicável a

apresentação de petição inicial de execução com memória de cálculo pelo credor, vez que não há

que se falar em petição inicial, mas mera continuidade do processo de conhecimento, inclusive de

ofício pelo juiz.

Em segundo lugar, pode-se concluir no processo do trabalho que a elaboração da conta, ou

seja, a realização da liquidação por cálculos pode se dar tanto pelas partes quanto pelos órgãos

auxiliares da Justiça do Trabalho, ressaltando-se que ordinariamente em cada Vara do Trabalho

existe funcionário na função de calculista, justamente para auxiliar o juiz na elaboração dos

cálculos, não havendo contadorias do juízo.

Assim, percebe-se que após intimar as partes para apresentação dos cálculos, tem a

faculdade o juiz do trabalho de determinar ao calculista a apreciação dos mesmos, elaborando-se

desde logo a conta, ou de ele próprio juiz fixar qual dos cálculos apresentados retrata a fiel

liquidação do julgado ou, ainda, determinar às partes o refazimento dos cálculos apresentados a fim

de se ajustar à sentença em liquidação.

Muito comumente, inclusive, determinam os juízes trabalhistas a apresentação de

contraditório já em tal fase da liquidação, enviando-se após as manifestações ao calculista para

verificação e acerto dos cálculos das partes para, finalmente, chegar-se à elaboração da conta.

Detém o juiz do trabalho, portanto, verdadeiro poder discricionário no sentido de condução

da melhor forma de realização da liquidação, não estando obrigado a realizar o contraditório já

nessa oportunidade, vez que assegura a CLT dois momentos posteriores para se praticar referido

princípio, que igualmente ocorrerão mediante escolha do magistrado: o contraditório antes da

execução e após a elaboração da conta (art. 879, § 2°); ou o contraditório já em execução e após a

garantia do juízo, em sede de embargos à penhora (art. 884, § 3°).

Assim, há de se concluir que, independentemente da condução da liquidação pelo juízo, que

afetará apenas o procedimento a ser adotado, não existe, no processo do trabalho, liquidação por

cálculos pelo credor, mas verdadeira liquidação por cálculos que podem ser elaborados pelas partes,

pelo calculista e, ainda, pelo próprio juiz.

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4. A liquidação nas ações coletivas (Leis 7437/85 e 8078/90)

4.1. Legitimação nas ações que tutelam interesses individuais homogêneos, interesses coletivos

em sentido estrito e, nas ações difusas e coletivas, quanto aos vitimados e seus sucessores

A Lei da Ação Civil Pública (7.347/85) remete a aplicação, na “defesa dos direitos e

interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que

instituiu o Código de Defesa do Consumidor” (art. 21), donde se conclui a identidade de tratamento

da matéria entre os dois diplomas legais, vez que igualmente o CDC remete a aplicação da LACP

aos seus trâmites (art. 90).

A análise de ambos diplomas demonstra, sem maiores dilações, que os legitimados para

propor a liquidação das sentenças coletivas (observando-se que nominaremos todas as ações para

defesa de interesses metaindividuais de coletivas, não se adentrando na discussão despicienda da

diferença de nomenclaturas entre a LACP e o CDC) são, conforme o art. 97 do CDC, as vítimas do

dano e seus sucessores e, ainda, os mesmos legitimados à ação coletiva contidos no art. 82 do CDC,

ou seja, o Ministério Público, a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal, as entidades

e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica,

especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos pelo código e as

associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins

institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos pelo CDC, dispensando-se a autorização

assemblear.

4.1.1. Natureza do objeto da liquidação

Ao contrário do que ocorre no processo de conhecimento, onde o interesse defendido em

juízo tem natureza difusa, coletiva ou individual homogênea, na fase liquidatória o objeto será

sempre personalizado e divisível.

Na sistemática do Código de Defesa do Consumidor, proferida a sentença na ação coletiva

reconhecendo-se o dano, ainda que em tutela difusa ou coletiva, podem o indivíduos vitimados

ingressar diretamente com a sua liquidação individual pretendendo a quantificação e execução de

sua indenização própria, havendo verdadeira ampliação dos limites subjetivos e objetivos da coisa

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julgada, já que a ação de conhecimento tramitou entre um dos legitimados do art. 82 do CDC e o

causador do dano.

Assim, as vítimas, que não participaram do processo do conhecimento, tem a faculdade de,

uma vez reconhecido o dano, pretenderem diretamente a quantificação do seu dano pessoal, como

autoriza o art. 103, § 3° do CDC, verbis:

“Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, combinado com o art. 13 da Lei n° 7.347,

de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente

sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste código, mas, se procedente o

pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à

execução, nos termos dos arts. 96 a 99.”

Ora, se cada vitimado pode promover sua próprio liquidação, há de se concluir que

efetivamente o objeto da liquidação deve ser personalizado e divisível, como acima já explanado.

Como conseqüência imediata, há de se observar que cada vitimado promovendo sua própria

liquidação será legitimado ordinário, enquanto que, no caso da liquidação ser promovida por um

dos legitimados o art. 82 do CDC, igualmente o objeto será divisível, até porque a extensão do dano

de cada vítima é diverso, e, ainda, em tal hipótese a legitimação afigura-se extraordinária, em

verdadeira substituição processual.

Em conclusão idêntica pode-se citar Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery8

“Legitimados do CDC 82. Trata-se de hipótese de substituição processual concorrente,

porque o titular do direito também pode agir em juízo”.

4.2. Legitimação nas ações coletivas que tutelam interesses difusos

Como bem ressaltado por Hugo Nigro Mazzilli9, “no tocante à sentença condenatória que

verse interesses difusos, porém, só os co-legitimados à ação civil pública ou coletiva podem

promover sua liquidação; o indivíduo não poderá requerer a liquidação de sentença nessa

hipótese, salvo apenas se, como cidadão, detiver legitimidade para propor ação popular com o

mesmo objeto.” 8 Nery Junior, Nelson e Nery, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil Comentado e legislação

processual civil extravagante em vigor, 3ª Edição, Editora Revista dos Tribunais, p. 1404. 9 Mazzilli, ob. cit., p. 406.

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Explica-se tal posicionamento, eis que aqui leva-se em consideração a reparação difusa e,

não, o dano individual de cada vitimado. Obviamente, se se considerar cada vítima pretendendo a

reparação de seu dano, há de se aplicar a legitimação mencionada no item 4.1 supra. Ao reverso, se

se enfocar a providência difusa, efetivamente apenas o co-legitimado do art. 82 do CDC poderá

promover à liquidação em análise.

Nesta última hipótese, pode-se observar que a natureza do objeto da liquidação também

seria indivisível, revertendo-se ao fundo específico o valor a ser apurado a título de indenização.

5. Aplicação subsidiária das Leis 7437/85 e 8078/90 ao Processo do Trabalho

Adentrando-se efetivamente em matéria de ações coletivas trabalhistas, incumbe-se, antes de

tudo, investigar se os diplomas civis que regem as ações coletivas encontram aplicação em processo

do trabalho.

A Consolidação das Leis do Trabalho preocupou-se, em matéria processual, com os

chamados dissídios individuais e coletivos, conforme seu art. 763: “o processo da Justiça do

Trabalho, no que concerne aos dissídios individuais e coletivos e à aplicação de penalidades,

reger-se-á, em todo o território nacional, pelas normas estabelecidas neste Título.”

Curioso perceber-se, em primeiro lugar, o avanço ideológico do processo trabalhista, onde

há décadas instituiu-se disciplina própria para lides de cunho coletivo, tutelando os interesses das

categorias de trabalhadores e empregadores. Já reconhecia a legislação trabalhista, portanto, algum

tipo de tutela coletiva de interesses, mas limitada à noção de coletividade à categoria como definido

pelo art. 511 da CLT em seus parágrafos primeiro e segundo.

Entretanto, em que pese o caráter inovador do processo trabalhista, a onda de acesso à

justiça pela molecularização das lides, advinda no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei da Ação

Popular e, de forma mais consistente, pela Lei da Ação Civil Pública em 1985 e, finalmente, pelo

Código de Defesa do Consumidor em 1990, entre outras leis esparsas sobre a matéria, em sede

trabalhista houve verdadeira inversão de valores, seja pela tacanha interpretação oferecida pelo

Tribunal Superior do Trabalho acerca da legitimação dos sindicatos contida no Enunciado 310

daquela corte, seja pela ausência de legislação específica trabalhista gerando incerteza sobre a

aplicabilidade dos preceitos comuns a essa matéria.

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Atualmente, depois de mais de uma década de existência da Constituição da República de

1988, observa-se movimento efetivo na área do trabalho a fim de se buscar a tutela jurisdicional

coletiva como forma de se viabilizar o acesso do trabalhador à justiça, bem como para possibilitar

maior pacificação social, tanto que o Colendo Tribunal Superior do Trabalho logrou cancelar em 25

de setembro de 2003 o malfadado Enunciado 310 que por anos engessou o desenvolvimento da

matéria em sede trabalhista, esperando-se que, a partir de agora, sindicatos, advogados,

procuradores e juízes reconheçam a importância da busca da justiça na seara coletiva.

Assentada a idéia de que na legislação trabalhista a tutela coletiva diz respeito apenas à

estipulação de condições de trabalho e litígio de greve, como se observa dos arts. 856 e seguintes,

indaga-se se seria possível aplicar-se a legislação comum à tutela coletiva trabalhista, sempre que

ocorrer lesão ou ameaça a direito difuso, coletivo ou individual homogêneo de cunho trabalhista.

Tratando-se de processo de conhecimento e sendo flagrante a omissão do texto celetista,

autoriza o art. 769 da CLT a aplicação do direito processual comum, “exceto naquilo em que for

incompatível com as normas deste Título.” Ora, que há omissão na CLT ninguém duvida, estando

preenchido o primeiro requisito para a aplicação subsidiária do processo comum. Por outro lado,

não se vislumbra qualquer incompatibilidade na tutela jurisdicional coletiva comum com a tutela

trabalhista. Ao contrário, a hipossuficiência do consumidor que inspirou o Código de Defesa do

Consumidor sempre foi o mote da legislação trabalhista, encontrando amplo respaldo nessa área a

aplicação de princípios e procedimentos que visam favorecer uma das partes da relação jurídica que

se encontra em plano de desigualdade.

Assim, resta superado o segundo óbice do art. 769 da CLT, pois plenamente compatível com

o processo do trabalho os motivos e anseios que levaram à criação, na área comum, da tutela

jurisdicional coletiva.

Ademais, como bem ressaltado por José Cláudio Monteiro de Brito Filho10, o próprio inciso

V do art. 1° da Lei 7.347/85 autoriza a utilização da ação civil pública, e por conseqüência do

Código de Defesa do Consumidor (art. 21), a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, donde se

conclui que os interesses difusos, coletivos propriamente ditos e individuais homogêneos

10

Brito Filho, José Cláudio Monteiro de. O Ministério Público do Trabalho e a Ação Civil Pública, in Anais XV CONAT, Consulex, out. 1992, p. 154.

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trabalhistas igualmente podem ser objeto de defesa por via de tais diplomas, ou seja, pelas ações

coletivas da área processual comum.

Ressalva-se que, na prática, existe apenas algum tipo de diferenciação acerca do

procedimento adotado na utilização da ação coletiva na área trabalhista, pois a fim de

compatibilizar o processo do trabalho ao comum coletivo, a praxe vem fazendo com que as

especialidades do processo do trabalho sejam mantidas, tais como a apresentação de defesa em

audiência após a tentativa conciliatória, “arquivamento” da ação em caso da ausência da parte

autora na audiência, produção de provas na oportunidade da audiência, irrecorribilidade das

decisões interlocutórias etc.

Ainda em abono da mencionada aplicação subsidiária, a Lei Complementar n. 75/93 em seu

art. 83, III da LC 75/93, dispõe expressamente a competência do Ministério Público do Trabalho

para propor “ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses

coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos”. Finalmente,

como leciona Ibraim Rocha11 o art. 84 do mesmo diploma legal, fixa que incumbe ao Ministério

Público do Trabalho, “no âmbito das suas atribuições, exercer as funções institucionais previstas

nos Capítulos I, II, III, IV do Título I, que trata das atribuições do MPT, e, como no Capitulo II do

Título I, no seu artigo 6°, VII, d, há previsão normativa de que o MPT pode promover a ação civil

pública para a defesa de “outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos

e coletivos”, temos a necessária e lógica conclusão de que é atribuição do MPT a defesa dos

interesses individuais homogêneos no campo das relações do trabalho, já que este compõe o MPU

e o artigo 84 lhe incumbe as funções institucionais, previstas no Capítulo II do Título I”.

Dessa forma, há diploma legal prevendo a aplicação da ação civil pública em sede

trabalhista, restando fora de dúvida a possibilidade de utilização de referida ação na defesa de

direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos trabalhistas.

6. Juízo competente para a liquidação das ações coletivas trabalhistas

Dispõe o art. 98, § 2° do CDC, quando trata da execução de sentenças coletivas acerca de

direitos individuais homogêneos: 11

ROCHA, Ibraim. Ação Civil Pública e o Processo do Trabalho, p. 66-67, 2ª Ed., LTr, 2001.

Page 14: A liquidação da sentença coletiva trabalhista   otavio calvet

“É competente para a execução o juízo:

I - da liquidação da sentença ou da ação condenatória, no caso de execução individual;

II - da ação condenatória, quando coletiva a execução.”

Com base em tal preceito legal, pode-se vislumbrar que dois são os tipos de execução

provenientes das ações coletivas, a individual e a coletiva. Inclusive, como já acima mencionado,

podem os vitimados promover liquidação e execução individuais em que pese não terem sido parte

em ação coletivas, nos termos do art. 103, § 3° do CDC. Ademais, deixam os artigos 97 e 98 do

CDC bem clara a possibilidade da liquidação e execução ocorrerem tanto de forma individualizada

quanto de forma coletiva.

Entretanto, na sistemática tanto da LACP quanto do CDC, há uma verdadeira preferência

pela liquidação e execução individualizadas, já que em tal fase, em se tratando de danos

individualizados, a cada interessado cabe demonstrar a extensão de seu dano e, conseqüentemente, a

reparação devida, tanto que seu art. 99 dá preferência, no caso de concurso de créditos individuais e

coletivo, ao crédito individual e, ainda, no art. 100 determina que apenas não havendo habilitação

de número compatível de indivíduos deve se proceder à liquidação e execução coletivas, como

abaixo transcrito.

Diferentemente, como já lembrado por Mazzilli, se se tratar de liquidação e execução de

dano difuso, sem ocorrência de individualização de vítimas, há de ser a liquidação e a execução

apenas coletiva, com legitimação dos entes constantes do art. 82 do CDC.

Assim, a fim de se fixar a competência para a liquidação, em primeiro lugar há que se

distinguir o tipo de liquidação que será efetuada: se individualizada ou se coletiva.

Em caso da liquidação coletiva, há de se aplicar a regra do citado art. 98, § 2°, II do CDC,

pois se a liquidação é procedimento preparatório da execução e esta deve ser procedida no juízo que

proferiu a sentença condenatória, não há razão lógica ou jurídica para que a liquidação seja

realizada em juízo diverso. Assim, em se tratando de liquidação coletiva o juízo competente é

aquele que proferiu a sentença coletiva condenatória.

Referida conclusão, inclusive, pode ser pacificamente aplicada em processo do trabalho,

pois segue a regra geral da CLT quanto à competência para a liquidação e execução do juízo que

proferiu a sentença, conforme se observa do art. 877: “É competente para a execução das decisões

Page 15: A liquidação da sentença coletiva trabalhista   otavio calvet

o Juiz ou Presidente do Tribunal que tiver conciliado ou julgado originariamente o dissídio.”

No que diz respeito à liquidação individualizada, ainda existe certa discrepância na doutrina

comum, sendo que a trabalhista pouco se manifestou sobre o tema.

Em matéria comum, Ada Pellegrini Grinover12 demonstra que o veto presidencial ao

parágrafo único do art. 97 do CDC, que dispunha que “a liquidação de sentença, que será por

artigos, poderá ser promovida no foro do domicílio do liquidante, cabendo-lhe provar, tão-só, o

nexo de causalidade, o dano e seu montante”, foi de todo equivocado e, pior, sem qualquer efeito.

Ensina a doutrinadora que “permaneceu íntegro o § 2°, inc. I, do art. 98 – que se refere ao

juízo da liquidação da sentença ou da ação condenatória, para a execução individual. Assim, fica

claro que diversos podem ser o foro e o juízo da liquidação da sentença e da ação condenatória,

nas ações coletivas de que trata o Capítulo II do Título III...E quais serão esses foro e juízo da

liquidação da sentença, alternativos aos foro e juízo da ação condenatória? A resposta está no art.

101, inc. I do Código: a ação de responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços pode

ser proposta no domicílio do autor”.

Mazzilli13 chega à mesma conclusão acima, pois ao comentar o veto ao parágrafo único do

art. 97 do CDC ensina que “mesmo suprimida essa forma de competência, continuam válidas e

prevalentes as razões que a determinaram. Com efeito, os incs. I e II do parágrafo único do art. 98

do mesmo estatuto são claros em dissociar o juízo da liquidação da sentença do juízo da ação

condenatória, e estes dispositivos foram regularmente sancionados... E mais. No caso de execução

individual, diz a lei ser competente o juízo da liquidação da sentença ou o da ação condenatória.

Isso significa que a lei está permitindo ao credor liquidar a sentença em foro diverso do da ação

condenatória, assim contrariando a regra geral. Se a lei assim o fez, é porque desejava favorecer o

credor, permitindo-lhe liquidar a sentença em seu domicílio. Ademais, a aplicação analógica do

art. 101, I do CDC, conforta o reconhecimento da competência em favor do foro do domicílio da

vítima ou sucessores. Foi inócuo, portanto, o veto aposto ao parágrafo único do art. 97 do CDC.”

Apenas para reforçar a corrente em análise, adotada majoritariamente na área comum,

12

Grinover, ob. cit., p. 788-789. 13

Mazzilli, ob. cit., p. 409-500.

Page 16: A liquidação da sentença coletiva trabalhista   otavio calvet

Nelson e Rosa Nery14 assentam que “como permaneceu íntegro o juízo da liquidação e execução

(CDC 98 e § 2°), mesmo vetado o dispositivo atua normalmente nas ações de consumo, conforme

aplicação do CDC 98, 98 § 2° e 101 I”.

Assim, pode-se concluir que a liquidação individualizada ocorrerá no foro do domicílio do

autor, garantido-se o efetivo acesso à justiça e, ainda, viabilizando-se a distribuição das ações de

liquidação individuais entre os vários juízos de uma mesma comarca, a fim de não se sobrecarregar

uma única Vara que julgou a ação coletiva que, em função de uma única ação de conhecimento de

tutela coletiva, pode se ver atrelada a centenas ou milhares de liquidações e execuções individuais.

Em matéria trabalhista há que se indagar se o mesmo entendimento pode ser aplicado.

Apesar do contido no art. 877 da CLT, que atribui a competência para a execução e, por

conseqüência, para a liquidação ao juízo que proferiu a sentença condenatória ou que homologou o

acordo judicial, não há qualquer fundamento jurídico para se adotar entendimento diverso daquele

prevalecente na área comum.

A liquidação individual ocorre por habilitação dos lesados ou seus sucessores, mesmo que

não tenham, por si próprios, participados da fase de conhecimento, seja em tutela de direitos

individuais homogêneos, coletivos ou difusos.

Ora, imagine-se uma ação coletiva julgada em Manaus onde o juiz de primeiro grau

reconheceu que determinada empresa, que possui filiais em todo o território nacional, deve deixar

de produzir um determinado tipo de produto que contém em sua composição material tóxico que

afeta a saúde dos trabalhadores que manipulam tal substância. Evitando-se a discussão acerca da

limitação contida no art. 16 da LACP pela redação determinada pela Lei 9494/97 (tida por

inconstitucional pela doutrina majoritária), a decisão proferida no exemplo em análise faz coisa

julgada erga omnes em todo o território nacional, de forma a que além da empresa ficar obrigada a

não mais produzir referido tipo de produto, cada um dos empregados vitimados pelo manuseio da

substância tida por tóxica poderá, individualmente, liquidar e executar sua indenização pelo dano

sofrido, nos termos do art. 103, § 3° do CDC.

Imagine-se, agora, um empregado que recebe salário mínimo e trabalha no interior do Rio

Grande do Sul ter que arcar com as despesas de viagem e hospedagem para propor sua liquidação 14

Nery, ob. cit., p. 1404.

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individual no foro de Manaus. Fica óbvio que, se assim se procedesse, fixando-se a competência

pela regra do art. 877 da CLT, restaria inviabilizado acesso à justiça de referido empregado e

esvaziando-se o conteúdo da ação coletiva, pois restaria como única solução ao trabalhador ajuizar

nova ação de conhecimento para reconhecimento do seu dano individual, novamente discutindo se a

substância em questão prejudica sua saúde ou não, induzindo-se a possibilidade de decisões

conflitantes e, pior, argüições outras como litispendência, coisa julgada ou, até mesmo, falta de

interesse de agir do indivíduo face ao art. 103, § 3° do CDC.

Por outro lado, em matéria trabalhista de há muito existe a execução dos chamados dissídios

coletivos, que na utilização do poder normativo da Justiça do Trabalho, criam regras jurídicas

aplicáveis abstratamente às categorias envolvidas, de trabalhadores e de empregadores.

Dispõe o art. 872 da CLT que “celebrado o acordo, ou transitada em julgado a decisão,

seguir-se-á o seu cumprimento, sob as penas estabelecidas neste Título”, continuando em seu

parágrafo único: “Quando os empregadores deixarem de satisfazer o pagamento de salários, na

conformidade da decisão proferida, poderão os empregados ou seus sindicatos, independentes de

outorga de poderes de seus associados, juntando certidão de tal decisão, apresentar reclamação à

Junta ou Juízo competente, observado o processo previsto no Capítulo II deste Título, sendo

vedado, porém, questionar sobre a matéria de fato e de direito já apreciada na decisão.”

Instituiu a CLT, portanto, uma ação específica para que o indivíduo lesionado pela não

aplicação por parte do empregador da sentença normativa, hoje também pelo descumprimento de

acordo coletivo e de convenção coletiva na forma da Lei 8.984/95, busque a reparação por seu dano

individual.

Certamente, não há que se confundir a chama “ação de cumprimento” do processo do

trabalho, com a liquidação e execução individualizadas das ações coletivas do processo comum, vez

que naquelas a própria CLT remete ao processo ordinário, ou seja, determina que individualmente o

empregado maneje nova ação de conhecimento a fim de demonstrar em cognição exaustiva o

descumprimento pelo empregador da sentença normativa, da convenção coletiva de trabalho ou do

acordo coletivo de trabalho.

Já em sede de tutela coletiva, não mais se faz necessário o ajuizamento de nova ação de

conhecimento, mas de mera liquidação e execução pelo vitimado ou seu sucessor.

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Entretanto, o intuito existente na sistemática da ação de cumprimento trabalhista é idêntico

ao da liquidação individualizada do CDC, ou seja, viabilizar que o vitimado busque

individualmente a reparação do seu dano em juízo diverso daquele que proferiu a sentença coletiva,

viabilizando o acesso à justiça. No mesmo sentido, Nelson e Rosa Nery15 ao comentar o art. 97 do

CDC:

“Na verdade trata-se de verdadeira hipótese de habilitação dos interessados. Nada tem a

ver com a habilitação de que trata o CPC 1055. Assemelha-se à habilitação na ação de

cumprimento (CLT 872), embora esta seja de conhecimento, sendo que a de que trata a

norma sob comentário (liquidação ou execução) é oriunda de sentença condenatória. O an

debeatur já restou fixado na sentença de condenação genérica proferida na ação coletiva.

Aqui, o objetivo é a fixação do quantum debeatur.”

Por outro lado, caso mantida a competência do juízo que proferiu a sentença condenatória,

todo o benefício da tutela coletiva em termos de acesso à justiça e celeridade pela molecuralização

das lides restaria comprometido pela aglutinação de milhares de liquidações e execuções num só

juízo e detrimento dos outros.

Seguindo-se referido raciocínio, seja pela existência da ação de cumprimento trabalhista,

seja pela plena compatibilidade dos princípios que regem a defesa do consumidor à defesa do

trabalhador, conclui-se ser completamente compatível a liquidação individualizada no foro diverso

daquele em que proferida a sentença condenatória, utilizando-se como competente o foro do

domicílio do autor, tal qual majoritariamente entende-se em sede comum.

7. Modalidade da liquidação em ações coletivas que tutelam interesses difusos, coletivos e

individuais homogêneos

Assentada a aplicação das ações coletivas do processo comum ao processo trabalhista e,

ainda, a competência do foro do domicílio do autor à liquidação individualizada, resta indagar qual

a espécie de liquidação a ser utilizada quando se tratar de sentença coletiva em tutela de interesses

individuais homogêneos, coletivos em sentido estrito e difusos. 15

Nery, Rosa e Nelson, ob. cit., p. 1404.

Page 19: A liquidação da sentença coletiva trabalhista   otavio calvet

Inicialmente, não se pode olvidar que uma mesma ação coletiva pode tratar,

simultaneamente, de diferentes tipos de interesses. Assim, uma ação coletiva trabalhista pode

envolver tanto o aspecto coletivo de se coibir uma prática discriminatória dentro da empresa, por

exemplo e, ao mesmo tempo, o aspecto individual homogêneo de pretender a reparação dos

indivíduos lesados. Por outro lado, caso o objeto dessa mesma ação fosse apenas coletivo, quanto

ao reconhecimento da prática discriminatória, o art. 103, § 3° da CLT autorizaria a liquidação

individualizada das vítimas e seus sucessores, ante a ampliação dos limites subjetivos e objetivos da

coisa julgada.

Por outro lado, não disciplina a LACP nem o Código de Defesa do Consumidor as possíveis

espécies de liquidação das sentenças coletivas, sendo certo que o único dispositivo que tratava da

matéria restou vetado como acima explanado, concernente ao parágrafo único do art. 97 do CDC.

Assim, faz-se imperiosa a aplicação subsidiária, em processo comum, dos dispositivos do

Código de Processo Civil concernentes à liquidação de sentença, por força tanto do art. 19 da LACP

quanto do art. 90 do CDC.

Em processo trabalhista, há de se indagar: em ação coletiva trabalhista, a omissão quanto às

espécies de liquidação determina a aplicação do CPC ou da CLT?

Numa interpretação literal, poder-se-ia concluir que a LACP e o CDC somente contém

previsão de aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, o que impediria a aplicação da CLT

na matéria em análise.

Ocorre que, numa interpretação sistemática, a conclusão é diametralmente oposta. A

utilização das ações coletivas de conhecimento do processo comum como um todo na área

trabalhista, advém do fato de não existir, em processo do trabalho, norma específica sobre a matéria,

bem como por inexistir incompatibilidade do instituto processual comum com o processo

trabalhista, tudo conforme art. 769 da CLT.

Assim, tem-se que para se atender ao requisito da compatibilidade entre o processo do

trabalho e o comum, cada etapa do procedimento da ação coletiva deve guardar consonância com o

processo trabalhista. Ora, omissa tanto a LACP quanto o CDC, deve-se preferir a aplicação em

sede trabalhista dos dispositivos constantes em sua legislação especial, preterindo-se a aplicação de

qualquer instituto do CPC que contenha previsão expressa no texto celetista de forma diversa.

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Dessa forma, sendo certo que a Consolidação das Leis do Trabalho contém norma expressa

sobre as formas de liquidação (cálculos, arbitramento e artigos) como já fundamentado alhures, não

há que se aplicar as espécies de liquidação do CPC, sob pena de incompatibilização dos institutos.

Curioso, entretanto, que a CLT apesar de fixar as espécies de liquidação tem regramento

apenas para a liquidação por cálculos, fazendo atrair novamente a aplicação do processo comum

quanto ao procedimento a ser adotado nas liquidações por artigos e por arbitramento.

Assim, pode-se concluir que apenas a liquidação por cálculos deve observar o procedimento

específico da Consolidação das Leis do Trabalho, adotando-se o Código de Processo Civil quanto às

demais.

Estabelecida a legislação a ser aplicável, resta indagar-se qual modalidade de liquidação

deve ser adotada em cada caso específico, lembrando-se da possibilidade de uma mesma sentença

coletiva abranger diferentes tipos de condenações, o que resultaria em diferentes liquidações

simultâneas.

7.1. Direitos individuais homogêneos

A sentença coletiva proferida em sede de interesses individuais homogêneos é sempre

genérica, fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados (art. 95 do CDC).

Assim, como instituído no parágrafo único do art. 97 do CDC, que restou vetado, a

liquidação individual deve ser por artigos, pois do comando genérico da sentença haverá

necessidade de cada suposto vitimado demonstrar fato novo concernente à existência do dano, sua

extensão e o nexo de causalidade.

O veto presidencial, portanto, mais uma vez demonstra-se totalmente ineficaz, pois havendo

necessidade de se liquidar individualmente o dano reconhecido na sentença coletiva genérica e pela

aplicação subsidiária do CPC (bem como da CLT), a única forma possível de se verificar que cada

vítima ou seu sucessor tem direito a receber a indenização equivalente é procedendo-se à apuração

de prova quanto à ocorrência do dano individual e seu nexo de causalidade com a responsabilidade

reconhecida no comando coletivo.

Logo, dentre as modalidades de liquidação, a por artigos apresenta-se como única alternativa

possível de se apurar o dano individualizado em ações que tutelam interesses individuais

Page 21: A liquidação da sentença coletiva trabalhista   otavio calvet

homogêneos, disciplina esta aplicável tanto ao processo comum quanto ao trabalhista.

7.2. Direitos coletivos em sentido estrito e difusos

Em se tratando de direitos coletivos em sentido estrito ou difusos, a espécie de liquidação a

ser utilizada dependerá do interesse estar individualizado ou não após o comando jurisdicional.

Sendo os direitos coletivos e difusos indivisíveis, a sentença proferida em tais ações poderá

ensejar uma liquidação meramente coletiva ou, ainda, a liquidação individualizada, quando as

vítimas ou seus sucessores pretenderem utilizar da faculdade prevista no art. 103, § 3° do CDC.

Como exemplo, pode-se imaginar uma ação coletiva visando a anulação de regulamento de

empresa que contém a chamada “quarentena”, ou seja, a proibição do empregado trabalhar para

empresa concorrente após extinto o pacto laboral, permanecendo obrigatoriamente em período de

inação.

O regulamento de empresa, conforme doutrina majoritária trabalhista, não constitui fonte

formal do direito, pois possui um sentido concreto incorporando-se ao contrato de trabalho como se

fosse uma de suas cláusulas. Assim, no exemplo em análise, a ação de cunho coletivo em sentido

estrito pretenderia anular o regulamento de empresa, que obriga coletivamente os empregados,

extirpando de cada contrato individual a cláusula nula concernente à inação obrigatória, que fere o

princípio da liberdade de trabalho.

Proferida a sentença coletiva trabalhista, declara-se em âmbito coletivo a nulidade do

mencionado regulamento, ficando cada empregado liberado do cumprimento do período de

“quarentena”. Referida sentença, inclusive, sequer necessita de liquidação, ante o cunho

declaratório de seu comando.

Entretanto, imagine-se um ex-empregado que, por um ano, não conseguiu nova colocação

no mercado, ou que laborou apenas em funções desviadas de sua formação profissional, em razão

do cumprimento da cláusula nula, impedido que foi de obter o resultado de seu trabalho. Esse

indivíduo poderia, individualmente, pretender com base no art. 103, § 3° do CDC a liquidação e a

execução do seu dano individual, uma vez já reconhecida a responsabilidade do réu quanto à

abusividade de seu regulamento de empresa.

Logo, no exemplo supra, haverá a liquidação por artigos individualizada, demonstrando o

Page 22: A liquidação da sentença coletiva trabalhista   otavio calvet

ex-empregado o nexo de causalidade, o dano e sua extensão.

Outro exemplo interessante seria a ação coletiva tutelando interesses difusos de empregados

com o intuito de coibir que determinada empresa adote critérios discriminatórios no enquadramento

de empregados dentro de sua estrutura hierárquica.

Em primeiro lugar justifica-se a caracterização do interesse difuso pois não apenas os atuais

empregados de tal empresa podem estar sofrendo a discriminação, mas toda a coletividade

indeterminável da população economicamente ativa que potencialmente pode se candidatar a

emprego nessa empresa detém o interesse de não ser discriminado.

Caso a sentença coletiva acolha o pedido reconhecendo a prática discriminatória, poderá

haver conteúdo mandamental na decisão no sentido de se recolocar os empregados nas funções

pertinentes, afastando-se o critério discriminatório imposto pelo empregador, bem como o pleito

individual de ressarcimento dos prejuízos sofridos em decorrência do período laborado em função

inferior decorrente da discriminação, inclusive o dano moral.

Logo, mais uma vez vislumbra-se a necessidade de liquidação por artigos por liquidação

individualizada em ação de caráter difuso.

Entretanto, tratando-se ação eminentemente difusa ou coletiva em sentido estrito, poderá ser

utilizada, ainda, e conforme a necessidade, de liquidação por cálculos ou por arbitramento,

conforme dependa a apuração do valor da condenação de simples cálculos aritméticos ou em

decorrência de determinação da sentença ou pela natureza do objeto da execução, respectivamente.

8. Conclusão

A tutela jurisdicional coletiva apresenta vários fatores positivos que encontram ampla

aplicação na seara trabalhista. Conforme entendimento praticamente unânime da doutrina, a defesa

coletiva de interesses metaindividuais possibilita, entre outras coisas, a celeridade do processo, o

tratamento uniforme da matéria pelo Poder Judiciário, evitando-se as odiosas decisões conflitantes e

garantido-se efetivo acesso ao judiciário, impondo de forma coletiva resultado que,

individualmente, beneficiaria apenas ao autor do dano.

Na área trabalhista há que se lembrar, ainda, o efeito positivo de se despersonalizar a busca

dos direitos judicialmente, pois ninguém desconhece que, mesmo nos mais altos escalões e dentre

Page 23: A liquidação da sentença coletiva trabalhista   otavio calvet

profissionais intelectualizados, há verdadeiro tratamento discriminatório ao empregado que busca

na Justiça do Trabalho a reparação das lesões aos seus direitos ou mesmo a tutela preventiva frente

à ameaça pelo empregador da referida lesão. Em sede trabalhista, demonstra a prática que a as lides

ajuizadas perante a Justiça do Trabalho compõem-se de, basicamente, desempregados, seja pelo

medo decorrente do tratamento discriminatório, seja porque o empregador, comumente, dispensa o

chamado empregado “problemático”, identificando este como o trabalhador que se insurge contra

lesões sofridas no emprego, quadro este que se espera ver modificado pelo cancelamento do

Enunciado 310 do TST.

Dessa forma, a existência de legitimado outro que não o próprio empregado, viabilizada a

tutela imediata dos direitos trabalhistas, havendo largo campo de aplicação no processo do trabalho

mormente das ações coletivas em tutela de direitos individuais homogêneos, já que a errôneas

práticas adotadas por um empregador geralmente surgem como regra dentro de seu

empreendimento, alcançando toda a massa de empregados.

Por outro lado, a busca individual pelo emprego dos direitos trabalhistas afigura-se pífia

perto do ganho do mau empregador que, gerenciando o chamado “passivo trabalhista”, aufere

lucros com o descumprimento das normas do trabalho, contando com a baixa iniciativa operária no

sentido de provocar a tutela judicial, bem como na demora da entrega da prestação jurisdicional e,

ainda, com as vicissitudes do processo que, em seu longo caminho, às vezes beneficia o causador do

dano, como por exemplo a dificuldade que encontra o empregado de produzir determinada prova,

principalmente a pericial.

Assim, resta fora de dúvidas a necessidade de valorização dentro da Justiça do Trabalho

desse instrumento que, ao menos, auxilia na superação das dificuldades apontadas, ampliando-se a

utilização das ações coletivas como meio idôneo de proteção aos empregados.

A fim de se motivar a aplicação do instituto em análise, pode-se fixar as seguintes

conclusões decorrentes do presente estudo, no que concerne à liquidação da sentença coletiva

trabalhista:

a) a liquidação em processo do trabalho constitui mera fase processual ante o sincretismo

processual que informa esse ramo da ciência jurídica;

Page 24: A liquidação da sentença coletiva trabalhista   otavio calvet

b) as espécies de liquidação da sentença trabalhista são por cálculos, por arbitramento e por

artigos;

c) permanece a existência, em processo do trabalho, da liquidação por cálculos, cujo

procedimento é fixado mediante faculdade do juiz do trabalho, sendo inaplicável a

liquidação pelo credor do Código de Processo Civil por não haver omissão na CLT (arts.

889 e 769);

d) as liquidações por arbitramento e por artigos devem seguir o procedimento do Código de

Processo Civil ante a omissão do texto consolidado;

e) nas ações coletivas a liquidação pode ser tanto individualizada quanto coletiva;

f) a legitimação nas liquidações individualizadas é preferencialmente das vítimas e seus

sucessores, em legitimação ordinária;

g) a legitimação nas liquidações coletivas quando não houve habilitação de número suficientes

de indivíduos é idêntica à legitimação para a ação coletiva nos moldes do art. 82 do CDC;

h) a competência para a liquidação individualizada concerne ao foro do domicílio do autor,

desvinculando-se do foro do juízo que proferiu a ação condenatória;

i) a competência para a liquidação coletiva permanece na regra geral do processo civil e do

processo do trabalho, ou seja, no foro do juízo que proferiu a ação condenatória;

j) a modalidade da liquidação a ser adotada depende da espécie de pleito acolhido na sentença

coletiva, podendo haver mais de uma espécie numa mesma sentença, o que acarreta mais de

um tipo de liquidação;

k) em sentença coletivas proferidas em ações coletivas que tutelam interesses individuais

homogêneos, cujo comando é sempre genérico e reconhecedor da responsabilidade do réu

pelo dano, o indivíduo deve utilizar da liquidação por artigos, demonstrando o nexo de

causalidade, o dano e sua extensão;

l) em sentença coletivas proferidas em ações coletivas que tutelam interesses difusos ou

coletivos em sentido estrito, a liquidação pode ser por cálculos ou por arbitramento,

conforme dependa-se de meros cálculos aritméticos ou por determinação da sentença ou

pela natureza da condenação;

Page 25: A liquidação da sentença coletiva trabalhista   otavio calvet

m) em sentença coletivas proferidas em ações coletivas que tutelam interesses difusos ou

coletivos em sentido estrito, a liquidação pode também ocorrer de forma individualizada na

forma do art. 103, § 3° do CDC que amplia os limites subjetivos e objetivos da coisa

julgada, hipótese em que se utilizará a liquidação por artigos, nos moldes dos interesses

individuais homogêneos;

n) em caso de liquidação por cálculos, deve-se utilizar subsidiariamente às Leis 7.347/85 e

8.078/90 a Consolidação das Leis do Trabalho e, não, o Código de Processo Civil, ante a

incompatibilidade da liquidação pelo credor prevista no diploma comum com o processo

trabalhista, que possui regra própria sobre a matéria.

BIBLIOGRAFIA

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Tribunais, 1998, p. 264-265.

Brito Filho, José Cláudio Monteiro de. O Ministério Público do Trabalho e a Ação Civil Pública,

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