A Literatura Hispano-Americana

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    A literatura hispano-americana como processo formativo

    Adriana Binati Martinez (UNICENTRO)

    La literatura es un conjunto de obras, autores y lectores: una sociedad dentro de lasociedad. Hay excelentes poetas y novelistas colombianos, nicaragenses yvenezolanos pero no hay una literatura colombiana, nicaragense o venezolana.Todas esas literaturas son inteligibles solamente como partes de la literaturahispanoamericana(PAZ, 1981).

    A discusso proposta por Octavio Paz no ensaio Alrededores de la

    literatura hispanoamericana apresenta um questionamento sobre a nacionalidade de

    literatura(s) que tem sua origem atrelada ao processo histrico-cultural da

    Colonizao da Amrica. O ponto central da polmica reside no fato de que pases

    que sofreram o processo da Colonizao encontraram a partir do conceito de

    nacionalidade o respaldo de distino com as literaturas do colonizador em seus

    anseios e projetos de identidade literria. Sem querer estabelecer um estudo histrico

    sobre as problemticas do conceito de nacionalidade literria na Amrica Latina,

    apontamos que parte da crtica atual argumenta sobre a necessidade de ampliaodas concepes tericas e analticas que evidencie as implicaes de ordem

    ideolgicas e polticas sobre essa temtica histrico-literria. Igualmente h a

    proposio de que haja estudos de textos literrios onde se aprecie esses

    questionamentos no nvel discursivo e simblico das obras. Realizada essa breve

    explanao sobre algumas das contendas no panorama da crtica atual sobre a

    histria da(s) literatura(s) latino-americana(s), argumentamos que a nossa proposta e

    objeto de estudo, at o presente momento, centra-se na busca de apreciar alguns

    textos tericos e ensasticos de crticos literrios da Amrica Hispnica que, ao longo

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    de um exerccio intelectual em vrias produes, estabelecem um dilogo coeso sobre

    o exame dessa(s) literatura(s). Isto , existe um legado crtico interno sobre a

    apreciao das obras literrias produzidas na Amrica Hispnica a partir de uma

    reviso historiogrfica heterognea, bem como a considerao e abordagem de que

    essa(s) literatura(s) seja(m) examinada(s) a partir do conceito de processo formativo.

    Em outras palavras, h um ponto de coeso entre os autores quanto ao fato de que

    a(s) obra(s) literria(s) seja(m) estudada(s) por uma outra perspectiva que a tradicional

    (a partir da chegada do Colonizador e os textos de fundao do continente) ou pela

    reivindicao da independncia literria pelo prisma da nacionalidade das colnias

    espanholas. Considerando que a nomenclatura literatura latino-americana abarca asobras desenvolvidas em pases da Amrica que foram colonizados pelos pases

    europeus Espanha, Portugal e Frana1, entendemos que a literatura hispano-

    americana est contemplada na nomenclatura supracitada. Assim, os autores que

    selecionamos so ngel Rama, Antonio Cornejo Polar, Alejo Carpentier e Octavio Paz,

    sendo a matriz de discusso alguns dos trabalhos desenvolvidos pelo crtico

    brasileiro Antonio Candido. Na obra Literatura e sociedade, Antonio Candido prope

    que:

    [...] Para estudar a literatura na Amrica Latina h dois ngulos que podem gerardois tipos de teorias e metodologias. Ambos so vlidos e no devem serconsiderados mutuamente exclusivos; e sim correspondentes a dois momentosdialticos do processo global: a literatura como prolongamento das literaturasmetropolitanas e como ruptura em relao a elas (CANDIDO, 2000, p. 99).

    Assim, encontramos na obra crtica desses autores a perspectiva da

    universalidade da literatura latino-americana como caracterstica estrutural e

    ideolgica do objeto artstico justificada por razes estticas, lingsticas e histricas,

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    na medida em que apresentam a impossibilidade de haver um distanciamento total

    com o legado europeu na confeco das literaturas da Amrica Latina, bem como a

    contribuio de outras civilizaes que participaram do processo histrico-social da

    Colonizao. De modo que, nesses trabalhos o perodo da Colonizao importante

    no como marco inicial da literatura latino-americana (conforme apontam os estudos

    histricos diacrnicos), mas, sobretudo, como momento histrico-cultural que

    problematiza as formaes identitrias das naes latino-americanas.

    Uma obra fundamental para compreenso dessa coerncia de um legado

    crtico interno Formao da literatura brasileira: momentos decisivos de Antonio

    Candido. Desde a sua primeira publicao, em 1959, a obra do crtico brasileiroestabeleceu um divisor de perspectivas crtico-histrica e analtica na questo da

    origem da literatura brasileira utilizando os conceitos metodolgicos de

    manifestaes literrias e sistemas literrios. Segundo o autor, a literatura um

    sistema dinmico que tem como componente a relao inter-humana estabelecida

    entre autor e leitor mediante a linguagem simblica da literatura. Em conjuno, os

    trs elementos (autor obra pblico) estabelecem a diferenciao entre os

    conceitos metodolgicos propostos por Antonio Candido. Em linhas gerais, o autor

    igualmente reflete a literatura brasileira como um processo formativo que leva em

    considerao quando h uma tradio literria interna e a constituio de um pblico

    leitor legitimado nesse espao, como tambm a configurao de particularidades que

    definem a literatura brasileira como individual no legado literrio universal, havendo,

    assim, a consolidao do sistema literrio brasileiro. Nota-se nos trabalhos de Antonio

    Candido a sua viso sociolgica no sentido de que a literatura fruto da sociedade,

    logo, importante para a sua cultura.

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    Tal perspectiva correlata s dos estudos de ngel Rama que tratava a

    literatura como elemento integrante da cultura, e no como um mero objeto artstico

    independente do sistema cultural das civilizaes. A partir da multidisciplinaridade os

    estudos de ngel Rama sobre as narrativas latino-americanas transcendem o objeto

    artstico (a obra literria). Em outras palavras, inserindo a obra em contextos literrios

    e avaliando-a como parte de um processo histrico-cultural ngel Rama discutiu sobre

    a importncia da literatura na sociedade da Amrica Latina. Assim, a noo de cultura

    serve como postulado terico e metodolgico que o crtico em questo teve como

    base de toda sua produo intelectual. Igualmente, os estudos de ngel Rama

    desenvolveram os conceitos de comarcas e de gerao para tratar dasespecificidades dos sistemas literrios latino-americanos. Em linhas gerais, o termo

    comarcas refere-se ao territrio geogrfico, social e cultural das regies da Amrica

    Latina que, em alguns estudos, correlacionam as dimenses geogrficas do Brasil e

    da Amrica Hispnica. Se o termo nao era insuficiente para analisar as literaturas

    latino-americanas devido prpria amplitude do territrio geogrfico e cultural o

    termo comarcas analisaria como que as especificidades culturais, territoriais e sociais

    das regies do continente latino-americano so elementos constituintes desses

    sistemas literrios. A razo e a importncia do conceito criado por Rama visam a

    apreciar como que as obras literrias que abordam a tradio regional em paralelo

    com a tradio universal, partem da concepo de homogeneidades (cultural,

    geogrfica e lingstica) para a construo da cosmoviso literria que,

    simbolicamente, representaria o universo cultural da Amrica Latina. Nessa avaliao,

    h nos estudos de Rama, por exemplo, a apresentao de que na literatura da

    Amrica Latina predominou as abordagens das macrorregies (ou sistemas nacionais)

    e das microrregies (ou subsistemas regionais), sendo que o processo de

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    transculturao na narrativa no sculo XX ocorre a partir dos subsistemas culturais

    para chegar ao significado das comarcas da Amrica Latina. Em outras palavras,

    isso significa que um sistema no exclui o outro, mas sim o engloba. O resultado

    dessa unio a apresentao de um sistema orgnico que Rama classificou como

    cultura integrada. Quanto ao significado do conceito gerao, ngel Rama buscou

    compreender como que determinados grupos de intelectuais constroem

    conscientemente projetos culturais, tais como os escritores das geraes romntica e

    realista da Amrica Hispnica que reivindicavam a autonomia da literatura hispano-

    americana na grande maioria do sculo XX. Ou seja, para o autor, os escritores no

    so apenas sujeitos contemporneos, sobretudo so grupos de intelectuais engajadosna promoo da cultura interna das sociedades. Por essa razo o crtico trabalha sob

    a viso de cultura militante que seria justamente essa atitude consciente e tambm

    poltica dos escritores de se fazer projetos culturais que indicassem o progresso das

    novas naes. Quanto a essa questo, destacamos a correlao com a proposta de

    Antonio Candido no que diz respeito tradio e conscincia entre os autores nessa

    construo de uma literatura prpria. Segundo ngel Rama, os impulsos modeladores

    dos sistemas literrios hispano-americanos independncia, originalidade e

    representatividade so inteligveis nas perspectivas da crise de identidade e de

    autonomia literria. Nos dois ltimos sculos (XIX e XX) os impulsos modeladores

    esto regidos pelo movimento pendular entre o plo externo (Ocidente) e o interno

    (Amrica). A partir do impulso da representatividade da regio, que modelou a viso

    nacionalista dos realistas do sculo XIX na medida em que a regio era concebida

    como cultura, a literatura hispano-americana dos primeiros decnios do sculo

    posterior apresenta duas perspectivas: a primeira cosmopolita e a segunda realista-

    crtica. Em resumo, a viso cosmopolita dos regionalistas promovia o mito da ptria

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    das naes emancipadas, ao tempo em que na gerao realista-crtica o progresso

    das naes, sobretudo das metrpoles (a capital urbana), esbarra nas questes

    polticas e econmicas. A disputa entre os regionalistas e os vanguardistas ocasionou

    na intensificao da ambivalncia narrativa: campo versus cidade, rural versus

    metrpoles, tradio versus modernizao. Porm, segundo ngel Rama, a

    importncia das divergncias literrias entre os dois grupos deve-se modernizao

    da representatividade das regies e de suas culturas.

    Nos direcionamentos propostos por Antonio Cornejo Polar h a mesma

    orientao dos estudos de Antonio Candido acerca da necessidade de avaliar a obra

    literria aqum de sua estrutura e de seus significados internos. Isto , nospressupostos crticos de Antonio Cornejo Polar h a perspectiva de que o mtodo

    analtico de sistemas literrios no trata de implantar afirmaes de teorias sociais,

    literrias ou histricas, mas justamente o contrrio. a prpria natureza discursiva da

    obra literria que permite reconhecer os questionamentos humanos e culturais que

    esto presentes na categoria simblica inter-humana da literatura, conforme

    argumenta o autor na obra O condor voa: literatura e cultura latino-americanas: [...]

    Trata-se de afirmar o que no deveria ter deixado de ser evidente: as obras literrias e

    seus sistemas de pluralidade so signos e remetem sem exceo possvel a

    categorias supra-estticas; o homem, a sociedade, a histria (CORNEJO POLAR,

    2000, p. 16). Portanto, na viso crtica de Antonio Cornejo Polar, a abordagem de

    sistemas literrios latino-americanos pertinente para estudos na rea visto que

    deflagram a heterogeneidade histrico-cultural dessas sociedades, ampliando assim

    os horizontes e as perspectivas crticas, como tambm possibilita a viso complexa e

    polmica de algumas questes evidenciadas em pases que tm em sua formao

    histrica a Colonizao:

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    [...] A conscincia de que nossa literatura produto de vrios e antagnicossujeitos sociais, com linguagens, racionalidades e imaginrios discordantes, bempoderia terminar numa afirmao prazerosa da harmonia entre os contrrios, algoassim como uma mestiagem que admite tudo, ou quase, sempre e quando o

    resultado no for demasiado negro ou acobreado (CORNEJO POLAR, 2000, p.51).

    Nessa mesma viso complexa e heterognea acerca da identidade e

    formao cultural da Amrica Latina, o escritor e crtico Alejo Carpentier argumenta

    que o sculo XX foi fundamental para que os escritores latino-americanos tomassem

    essa conscincia dada s razes da Colonizao. E, nessa abordagem, o crtico

    discorre que os vanguardistas latino-americanos do sculo XX ao buscar entender e

    definir sua identidade seja como sujeito, ou como literatura descobriram que

    tambm so universais, conforme expe no ensaio Um caminho de meio sculo:

    [...] E desde a guerra de 14-18 percebemos que j no podemos ficar margem dahistria universal, porque embora queiramos ignorar o que ocorre longe de nossascostas, do outro lado do oceano, nada do que acontece no mundo nos indiferente, e sofremos, bem ou mal, as conseqncias de tudo o que acontece(CARPENTIER, 1987, p. 161).

    O ensaio Alrededores de la literatura hispano-americana de Octavio Paz

    apresenta esse mesmo parmetro para discusso da literatura hispano-americana.

    Por razes histricas, lingsticas e culturais, os hispano-americanos por correlao

    podemos tambm incluir os latino-americanos estaro sempre relacionados com

    suas culturas formativas, como a europia. Nesse sentido, buscar uma identidade que

    se distancie dessa cultura como a ideologia de nacionalidade pode, dependendo da

    abordagem, sugerir negar essa essncia complexa que est na base de nossa

    formao identitria. Assim como Alejo Carpentier, Octavio Paz argumenta que foram

    os vanguardistas do sculo XIX no caso especfico hispano-americano por ser esse

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    o recorte de discusso proposto no ensaio do autor que propiciaram o dilogo de

    duas literaturas (espanhola e hispano-americana) que tm o mesmo idioma: o

    castelhano. Foram esses escritores, segundo Octavio Paz, que melhor entenderam

    que sua especificidade identitria constitui-se de modo complexo e, tambm, dentro de

    uma formao universal. Com relao aos estudos de Antonio Candido, o ensaio de

    Octavio Paz aproxima-se da abordagem proposta pelo brasileiro na medida em que

    avalia que a literatura um sistema de escritor, obra e pblico leitor. Nessa base do

    sistema literrio est a capacidade e a linguagem inter-humana que o texto artstico

    propicia no tempo e no espao:

    La literatura es un tejido de afirmaciones y negaciones, dudas e interrogaciones.La literatura hispanoamericana no es un mero conjunto de obras, sino lasrelaciones entre esas obras. Cada una de ellas es una respuesta, declarada otcita, a otra obra escrita por un predecesor, un contemporneo o un imaginariodescendiente. Nuestra crtica debera explorar estas relaciones contradictorias ymostrarnos cmo esas afirmaciones y negaciones excluyentes son tambin, dealguna manera, complementarias. A veces sueo con una historia de la literaturahispanoamericana que nos contase esa vasta y mltiple aventura, casi siempreclandestina, de unos cuantos espritus en el espacio mvil del lenguaje... (PAZ,1981, p. 31).

    Assim, os estudos e abordagens tericas analticas sobre o conceitoprocesso formativo propiciam uma avaliao mais abrangente sobre a literatura

    latino-americana. Isto , nos estudos desses autores, h um rompimento da histria

    literria diacrnica da Amrica Hispnica e do Brasil, bem como argumentam sobre a

    importncia de que o conceito nacionalidade no suficiente para discutir a

    autonomia literria latino-americana. Ao fim e ao cabo, o que os estudos desses

    autores apontam e necessrio revis-los nessa coerncia de um legado crtico

    interno de mais de meio sculo em que medida uma abordagem sincrnica da

    historiografia literria dessas naes, utilizando-se de conceitos e mtodos analticos

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    como processo formativo e sistemas literrios, discute a representatividade

    dessas literaturas em uma dimenso cultural mais abrangente que a configure em um

    dilogo com outras literaturas, at mesmo, com as maternas.

    Referncias

    CANDIDO, Antonio. Formao da literatura brasileira:momentos decisivos. 8. ed. Belo

    Horizonte/ Rio de Janeiro: Itatiaia, 1997. v. 1.

    ______. Literatura e sociedade. 8. ed. So Paulo: Publifolha, 2000. (Col. GrandesNomes do Pensamento Brasileiro).

    CARPENTIER, Alejo. Um caminho de meio sculo. In: A literatura do maravilhoso.

    Traduo de Rubia Prates Goldoni e Srgio Molina. So Paulo: Editora Revista dos

    Tribunais/ Edies Vrtice, 1987. v. 1. (Col. O Vermelho e o Negro). p. 143-162.

    CORNEJO POLAR, Antonio. O condor voa: literatura e cultura latino-americanas.

    Organizao de Mario J. Valds. Traduo de Ilka Valle de Carvalho. Belo Horizonte:

    UFMG, 2000. (Col. Humanitas).

    FERNANDEZ MORENO, Csar. Qu es la Amrica Latina? In: ______. (Coord.).

    Amrica Latina en su literatura. Mxico: Siglo XXI Editores/ UNESCO, 1972. p. 5-18.

    PAZ, Octavio. Alrededores de la literatura hispanoamericana. In: In/ Mediaciones. 2.

    ed. Barcelona: Editorial Seix Barral, 1981. p. 25-37.

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    RAMA, ngel. Literatura e cultura na Amrica Latina. Organizao de Flvio Aguiar e

    Sandra Guardini T. Vasconcelos. Traduo de Rachel la Corte dos santos e Elza

    Gasparotto. So Paulo: Edusp, 2001. (Col. Ensaios Latino-Americanos).

    Nota

    1 A esse respeito baseamo-nos no texto Qu es la Amrica Latina? de Csar FernndezMoreno na obra Amrica Latina en su literatura.