A LITERATURA INFANTOJUVENIL BRASILEIRA PROIBIDA … · Jaime dos Reis Sant ... Neste ponto do...

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SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM LEITURA, LITERATURA E LINGUAGENS: Novas topografias textuais 04 a 06 de outubro de 2017 UPF-Passo Fundo (RS), Brasil 1 A LITERATURA INFANTOJUVENIL BRASILEIRA PROIBIDA NAS ESCOLAS DE ENSINO BÁSICO: ENTRE A CENSURA E O CONTROLE SOCIAL Jaime dos Reis Sant’Anna i (UEL) 1 INTRODUÇÃO Para o trabalho de formação de leitores literários competentes, o protagonismo do professor de Língua Portuguesa quando da escolha das obras é uma conquista relativamente recente e que ainda está em processo de consolidação. Todavia, observa-se um crescente movimento na sociedade brasileira, a exemplo do que ocorre também em outros países, em direção ao controle rigoroso e até à censura de algumas obras literárias selecionadas pelos docentes do ensino básico junto às escolas públicas e privadas. Não são poucos os casos quer os amplamente publicizados pelas plataformas comunicacionais, quer os se restringem ao âmbito das comunidades escolares em que que escolas e professores se veem constrangidos pelas ações da chamada “sociedade organizada” e que retrocedem até ao ponto de recolher as obras e desistir dos projetos de leitura. Por isso, torna-se necessário discutir o tema, sobretudo tendo em vista o posicionamento do professor em meio ao acirramento de ânimos que costumam nortear tais embates. Nessa comunicação, apresentamos os primeiros resultados de uma pesquisa acadêmica realizada no âmbito da Universidade Estadual de Londrina, acerca da censura e/ou controle social sobre obras da literatura infantojuvenil em ambientes escolares. Para dar início a este debate, propomos a discussão em a partir de uma tríplice articulação teórico-metodológica. Em um primeiro momento, é necessário discutir o conceito de censura quer aquela pertinente às ações do Estado organizado, quer aquela que se consolida na atualidade por meio das mobilizações de organizações não-governamentais, sobretudo quando se articula de maneira rápida (e eficiente), utilizando as facilitações comunicacionais das redes sociais disponíveis do ciberespaço, tais como facebook, instagram e twiter. Neste ponto do estudo, i Professor de Literatura Infantojuvenil e de Prática de Ensino de Literaturas; docente-pesquisador, orientador no ProfLetras Mestrado Profissional em Letras da Universidade Estadual de Londrina. Autor de Literatura e Ideologia (Novo Século, 2003) e de O sagrado em José Saramago: em que creem os que não creem (Fonte Editorial, 2009). E-mail: [email protected]

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    A LITERATURA INFANTOJUVENIL BRASILEIRA

    PROIBIDA NAS ESCOLAS DE ENSINO BSICO: ENTRE A

    CENSURA E O CONTROLE SOCIAL

    Jaime dos Reis SantAnnai (UEL)

    1 INTRODUO

    Para o trabalho de formao de leitores literrios competentes, o protagonismo do

    professor de Lngua Portuguesa quando da escolha das obras uma conquista relativamente

    recente e que ainda est em processo de consolidao. Todavia, observa-se um crescente

    movimento na sociedade brasileira, a exemplo do que ocorre tambm em outros pases, em

    direo ao controle rigoroso e at censura de algumas obras literrias selecionadas pelos

    docentes do ensino bsico junto s escolas pblicas e privadas.

    No so poucos os casos quer os amplamente publicizados pelas plataformas

    comunicacionais, quer os se restringem ao mbito das comunidades escolares em que que

    escolas e professores se veem constrangidos pelas aes da chamada sociedade organizada e

    que retrocedem at ao ponto de recolher as obras e desistir dos projetos de leitura. Por isso,

    torna-se necessrio discutir o tema, sobretudo tendo em vista o posicionamento do professor

    em meio ao acirramento de nimos que costumam nortear tais embates.

    Nessa comunicao, apresentamos os primeiros resultados de uma pesquisa acadmica

    realizada no mbito da Universidade Estadual de Londrina, acerca da censura e/ou controle

    social sobre obras da literatura infantojuvenil em ambientes escolares. Para dar incio a este

    debate, propomos a discusso em a partir de uma trplice articulao terico-metodolgica.

    Em um primeiro momento, necessrio discutir o conceito de censura quer aquela

    pertinente s aes do Estado organizado, quer aquela que se consolida na atualidade por meio

    das mobilizaes de organizaes no-governamentais, sobretudo quando se articula de

    maneira rpida (e eficiente), utilizando as facilitaes comunicacionais das redes sociais

    disponveis do ciberespao, tais como facebook, instagram e twiter. Neste ponto do estudo,

    i Professor de Literatura Infantojuvenil e de Prtica de Ensino de Literaturas; docente-pesquisador, orientador no

    ProfLetras Mestrado Profissional em Letras da Universidade Estadual de Londrina. Autor de Literatura e

    Ideologia (Novo Sculo, 2003) e de O sagrado em Jos Saramago: em que creem os que no creem (Fonte

    Editorial, 2009). E-mail: [email protected]

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    ancorados em textos tericos de autores como Robert Darnton, Fernando Baz e Peter Hunt,

    buscaremos identificar o perfil dos principais grupos sociais responsveis pelas aes que

    resultaram em proibies e a maneira como tais instncias censoras refletem alguns

    motivadores ideolgicos que norteiam suas aes repressivas, cujos exageros refletem certa

    ignorncia de parcelas da sociedade.

    Em seguida, discutiremos alguns casos paradigmticos de obras da literatura

    infantojuvenil brasileira contempornea que foram cerceadas e/ou censuradas em ambientes

    escolares, cada uma delas escolhias como forma de exemplificar um tipo especfico de censura

    aplicada a este tipo de literatura. Neste sentido ainda que sem o aprofundamento merecido ,

    abordaremos trs ttulos que foram objeto de censura ou controle social em ambientes escolares,

    elencando e rebatendo as alegadas razes para a sublevao contra elas. Trata-se do juvenil

    A marca de uma lgrima, do escritor paulista Pedro Bandeira, publicado em 1985; o infantil A

    mquina de brincar, do escritor e crtico literrio gacho Paulo Bentancur (com ilustraes de

    Os figuras), publicado em 2005; e o infantil Enquanto o sono no vem (com ilustraes de

    Ana Maria Moura), do escritor e artista cnico carioca Jos Mauro Brant, publicado em 2003.

    A censura envolvendo este ltimo caso, em particular, nos servir para o

    encaminhamento de uma proposta de postura do docente em face s aes coibitivas, sobretudo

    devido publicao da Nota Tcnica sobre o livro Enquanto o sono no vem, pelo CEALE

    (Centro de Alfabetizao, leitura e escrita da Faculdade de Educao da Universidade federal

    de Minas Gerais), rgo responsvel junto ao Ministrio da Educao pela avaliao das obras

    que compem as ltimas edies do Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE), de cujos

    acervos a obra faz(ia) parte.

    Por fim, apontaremos para a necessidade de um amplo debate sobre o processo de

    seleo das obras da literatura infantojuvenil que, no obstante reconhea a importncia do

    acompanhamento dos variados segmentos da sociedade brasileira, mantenha o protagonismo e

    a autonomia dos docentes de lngua materna no processo de escolha e trabalho com as obras da

    literatura infantojuvenil no processo de formao de leitores crticos, visando ao aprimoramento

    de sua formao inicial ou continuada no que se refere abordagem de temas e linguagens

    polmicos.

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    2 CONCEITO AMPLO DE CENSURA E A CENSURA DOS TRS ESSES NA

    LITERATURA INFANTOJUVENIL BRASILEIRA CONTEMPORNEA

    Neste artigo, e em decorrncia dos propsitos inicialmente estabelecidos na proposta de

    discusso discutir a proibio, censura ou controle social de obras da literatura infantojuvenil

    brasileira em ambientes escolares para alm de restringirmos o uso do termo censura para

    designar o fenmeno de cerceamento das liberdades de expresso e publicizao de ideias

    imposto pelo Estado, utilizaremos a palavra censura para nos referirmos tambm s aes

    inibidoras movidas por grupos organizados fora do aparelhamento do Estado, mas que

    semelhantemente atingem a autonomia do professor de Lngua Portuguesa quando da escolha

    das obras literrias com as quais deseja trabalhar a formao de leitores.

    Robert Darnton, na obra Censores em ao: como os Estados influenciaram a literatura,

    aps estudar em trs momentos fulcrais de coibio da circulao de literatura e demais

    atividades intelectuais, como a Frana dos Bourbon, no sculo XVIII, a ndia sob ocupao

    britnica, no incio do sculo XIX e a Alemanha Oriental, na segunda metade do sculo XX,

    restringe o uso do termo censura s aes orquestradas pelo Estado, em sua natureza

    totalitria.

    Todavia, compreendemos, seguindo as reflexes do prprio Darnton (2016, p. 273), que

    a banalizao da censura como um conceito contrasta com a experincia da censura entre

    aqueles que a sofreram. Para Darnton, as sanes censrias impostas pelo Estado e cuja

    essncia, a nosso ver, tambm se aplicam aos casos atuais de origem no-governamental - so

    arbitrrias e que se revestem de um verniz de legalidade. Neste sentido, no causa surpresa que

    os movimento cibernticos voltados para a censura de obras de literatura infantojuvenil nas

    escolas de ensino bsico aludam s preocupaes laicas que devem nortear a proteo de

    crianas e adolescentes na sociedade. Nesse sentido, evocam o artigo 70 do Estatuto da Criana

    e do Adolescente (ECA) explcito: dever de todos prevenir a ocorrncia de ameaa ou

    violao dos direitos da criana e do adolescente.

    Desta forma, seja o conjunto de textos literrios escolhidos pelo sistema como no caso

    especfico dos acervos selecionados por iniciativa governamental, por meio de aes como o

    PNBE , seja o ttulo escolhido a partir de uma proposta pessoal do professor de lngua materna,

    o trabalho com a literatura tem sido alvo de inmeras e variveis intentonas, muitas vezes

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    chamadas de aes cidads com vistas ao controle social acerca do que ocorre nas escolas,

    mas que, na maioria dos casos, resultam em cerceamento da liberdade de escolha das obras com

    as quais se pretende a formao do leitor no ensino bsico.

    Para Laura Canteros (apud COMINO, 2005, n.p.), secretria da ALIJA (Associao de

    literatura infantil e juvenil da Argentina), as aes persecutrias recaem sobre obras que, de

    alguma maneira, abordam temas tabus, que facilmente se convertem em polmicas junto a

    parcelas da sociedade menos esclarecidas. Segundo a pesquisadora, tais temas proibidos se

    resumem ao que ela chama de trs esses, a saber: S de sexo, de qualquer classe em texto ou

    imagem; S de Satans, ou tudo o que se atenha s Sagradas Escrituras; e S de Soez (grosseiro,

    em portugus), [ou seja], nada de palavras ruins, [pois] todas as crianas devem falar como se

    usassem um manual de boas maneiras. Aos tabus proibidos na literatura infantojuvenil sexo,

    satans (sagradas escrituras) e palavras chulas poderamos acrescentar outros esses, como os

    problemas sociais. Trata-se de um tema complexo, pois se de um lado o banimento da censura

    no prescinde da construo de algum tipo de controle social, por outro, entendemos que h

    riscos em um controle social descontrolado, cuja exacerbao precisa ser evitada.

    Segundo crtico britnico Peter Hunt, grosso modo, no a m linguagem em si que

    poderosa em todo caso, poucos de ns ousamos imprimir a linguagem do parquinho , mas

    seu aparecimento impresso que lhe d uma fora diferente. Para ele, e partir das reflexes

    pronunciadas por Jill Paton Walsh: O que est impresso ainda tem uma qualidade especial aos

    olhos de muita gente. O que est em um livro de algum modo oficial, santificado (HUNT,

    2010, p. 208).

    No pura coincidncia, conclui Hunt, que tenha a Bblia Sagrada o primeiro livro

    impresso por Johannes Gutenberg, na segunda metade do sculo XV: o livro passa a carregar

    uma urea sagrada e qualquer m palavra nele impressa, chula ou obscena, torna-se uma mcula

    pecaminosa para os leitores. Em outros termos: no parquinho ou nos corredores da escola, a

    criana fala e ouve palavras e frases inadequadas e isto tolerado e/ou corrigido dentro de certos

    limites; mas o mesmo no ocorre quando se trata das mesmas palavras e frases impressas em

    um livro voltados para o pblico infantil ou juvenil que frequenta as escolas.

    Alguns casos de censura ou controle social sobre obras da literatura infantojuvenil

    brasileira so curiosos. Ana Maria Machado teve, no Paran, uma tentativa de proibio de seu

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    livro Tapete mgico, voltado para o pblico equivalente ao Ensino Fundamental I. A obra em

    questo se compe de narrativas mitolgicas e folclricas de quatro pases: um touro de lngua

    de ouro; um heri que decide sair pelo mundo procura de uma noiva; uma mulher que se

    transforma em serpente da cintura para baixo; e irmos gmeos que brigam desde o nascimento.

    Dentre os motivos alegados estava a presena de narrativas mitolgicas e folclricas de

    diferentes pases e que atentam aos preceitos cristos professados pela mantenedora do

    Colgio.

    Machado relata, em conferncia proferida na Academia Brasileira de Letras, em 2008,

    os diversos telefonemas do editor de seu livro O menino Pedro e seu boi voador, publicado em

    originalmente em 1978. O editor sugere mudana no episdio em que o personagem Pedro

    chega jogou futebol e chega em casa, toma um banho demorado; e enquanto toma o banho

    demorado pensa uma srie de coisas. A escritora sups que a editoria estivesse preocupada

    com insinuaes sexuais referentes ao menino trancado no banheiro: masturbao? Mas se

    tratava de uma outra ordem de preocupaes e que se refletem neste tipo de controle a

    interveno censria. Diz a escritora: Numa das ltimas edies, a editora resolveu tirar o

    adjetivo demorado porque no faz bem pro planeta tomar banho demorado (MACHADO,

    2014).

    O texto literrio voltado para o pblico juvenil Crianas na escurido, de Jlio Emlio

    Braz (Saraiva, 1992) em que se narra os conflitos de oito crianas em situao de risco social

    foi recolhido de uma instituio de ensino de Londrina, PR, pois a construo de algumas das

    personagens emblemticas da obra podia fazer lembrar prticas similares realizadas por

    empresrios pais de alunos daquela escola particular.

    Ainda em Londrina, PR, foi desaconselhado pela coordenao de uma escola privada o

    trabalho com a obra juvenil Meu pai sem terno e gravata (Moderna, 1992), de Cristina

    Agostinho, pois os conflitos enfrentados pela protagonista em face ao desemprego, primeiro do

    pai, depois da me, e as adaptaes decorrentes desta nova realidade, podiam ser tomadas como

    provocao a meninos e meninas que estivessem vivendo drama semelhante em seus lares.

    Lembro-me que, quando eu cursava o 1 Ano do Ensino Mdio, em 1977 ainda durante

    os anos de chumbo da Ditadura Cvico-militar meu professor de Lngua Portuguesa

    orgulhosamente se apresentou turma como algum prximo escritora paulistana Luclia

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    Junqueira de Almeida Prado, autora dentre outras obras, do clssico juvenil Uma rua como

    aquela. Ele trazia para a sala de aula um exemplar autografado do livro de contos Depois do

    aguaceiro, de 1976, de cujo lanamento ele havia participado na noite anterior. Mas ele nunca

    trabalhou com o livro, pois a obra, a despeito de ter sido produzida por uma autora consagrada

    na literatura voltada para o pblico infantojuvenil, era uma coletnea de narrativas que

    abordavam temas-tabus, sobretudo relacionadas a sexo, tais como o adultrio, o

    desvirginamento, anedotas picantes. O conservadorismo do professor o impedia de abordar com

    seus alunos adolescentes um texto literrio que mencionasse questes ligadas a sexo, assunto

    proibido.

    Curioso que minha turminha, formada por garotos com 15 ou 16 anos, comentava cada

    conto com bastante empolgao, destacando todos os elementos da narrativa com entusiasmo

    que causou inveja muitos anos enquanto professor de prtica de leitura literria no ensino

    bsico...

    3 TRS ESSES PROIBIDOS: ESTUDO DE CASOS PARADIGMTICOS DE

    CENSURA NA LITERATURA INFANTOJUVENIL BRASILEIRA

    COMTEMPORNEA

    Passamos ao estudo de trs casos paradigmticos de censura e/ou controle social da

    literatura infantojuvenil brasileira ocorridos no cenrio atual da educao bsica.

    3.1 A mquina de brincar (2005), de Paulo Bentancur

    O primeiro uma coletnea de poemas intitulada A mquina de brincar, de Paulo

    Bentancur, publicado em 205 pela Editora Bertrand Brasil. A obra com ilustraes e projeto

    grfico de tima qualidade concebidos por Os figuras contm 25 poemas elaborados para

    o pblico infantil, e dividida em duas partes: I. Para ler no claro; II. Para ler no escuro. A capa

    estampa a ilustrao calcada na tcnica da tela dupla dividida pela linha horizontal (imaginria

    ou real) em que se v o retrato bifronte do mesmo menino, deitado na cama de seu quarto, com

    um livro aberto nas mos. Destacam, a princpio, as marcas identitrias distintas do dia (cu

    azul, pequenas nuvens brancas, montanhas verdejantes, sol nascente, cabelos bem penteados,

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    olhos pequenos, boca sorridente, luz natural, cobertas claras) e as marcas identitrias da noite

    (escurido, estrelas, lua, morcego, luz de luminria artificial, cabelos espetados, sobrancelhas

    erguidas, boca arregalada, olhos esbugalhados).

    A Parte I do livro (para ler no claro) traz nove poemas dentre os quais destaca-se o

    poema que d ttulo obra impressos em papel de fundo branco, com ilustraes coloridas,

    alegres, tratando de temas variados como a letra tagarela, a mquina de brincar, cartola de

    mgico, filosofia do espelho e muitos versos zoo-antropomrficos. A ilustrao de pgina

    inteira que abre esta parte (p.5) traz a figura do mesmo menino deitado em sua cama, porm

    com marcas totalmente dia, ressaltando na figura os traos de alegria. Na pgina 18,

    encontramos a sntese da proposta no dstico Brincar no brinquedo! / Tem mil e um

    segredos.

    A Parte II do livro (para ler no escuro) comea na pgina 29, com a ilustrao que

    estampa o mesmo menino deitado na cama de seu quarto com o livro aberto nas mos; todavia,

    os traos da ilustrao revelam as marcas identitrias totalmente noite. Todos os poemas so

    impressos em pginas com fundo escuro, cujas ilustraes so marcadas por traos

    aterrorizantes. Os poemas versam sobre Criaturas das trevas, em versos como A velhinha

    entrevada / na mais funda das trevas /gritava (p.31); ou sobre O que a bruxa escreveu, com

    versos como Versos de bruxa so / perigosos como cobra / no rimam, no tocam msica / e

    envenenam as palavras (p.34); ou sobre A visita da morte, como versos como A morte

    chegou sem pressa / Ficou olhando o menino / que escutava as paredes / cheias de frestas e

    aranhas (p.39); ou sobre O tmulo aconchegante, com versos como Meia-noite ou meio-

    dia / tanto faz, no importa / O defunto est dormindo / seja qual for a hora (p.42).

    No obstante os poemas da Parte II, dos quais alguns versos esto acima reproduzidos,

    abordarem temas soturnos da noite, nada neles se distancia do mundo de Hqs, cartoons, jogos

    de vdeo games com os quais as crianas precocemente j esto inseridas. Todavia, dois poemas

    causaram reao agressiva em parcelas da sociedade e repercutiram no ciberespao, provocando

    a censura da obra de Paulo Bentancur.

    No poema O que deus nos deu, por abordar a dificuldade em se acreditar em uma

    figura divina desconhecida, distante e que no se manifesta em momentos em que dele se espera

    uma interveno. Os versos que causaram especial repdio se apresentam em forma

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    interrogativa, de questionamento, de abertura reflexo sobre o relacionamento com o sagrado:

    Deus s uma ideia? / Deus o nome de uma esperana? / Deus um pedido de socorro? e,

    sobretudo, o verso que encerra o poema: No que o capeta venceu?.

    O outro poema objeto da polmica ciberntica travada contra o livro de Bentancur,

    classificado como blasfemo, intitula-se O diabo que me carregue (p.35). Nele, o eu lrico faz

    a invocao ao diabo no primeiro verso de cada uma das cinco estrofes, como vemos na

    primeira: Diabo, meu grande amigo / vem, vem brincar comigo / A tua cara malvada / deixa

    Maria assustada. No obstante a publicao do livro ser de 2005 e de estar no PNAIC h alguns

    anos, a reao no meio religioso somente ocorreu em 2014, com a veiculao em site gospel de

    matria intitulada Livro infantil distribudo em escolas pblicas chama o diabo de amigo e

    Deus de covarde. A reao dos internautas foi veemente. Apresento dois exemplos, pinados

    to somente para dar a dimenso do repdio violento: Esse autor ridculo a editora outra.

    E no fossem satanistas mnimo querem causar polmica e Essas aberrao que quer coloca

    lixo a qualquer custo e as nossas custas. Uma besta destas ainda acha outro animal imundo pra

    concordar.

    Para aqum de avaliar a qualidade literria da obra infantil de Bentancur, prevalece a

    iconoclastia. Melhor prevenir e retirar o veneno das proximidades de nossas crianas. Como

    disse Peter Hunt, nesses casos, aceita-se o direito de ter veneno em casa; mas no se pode

    aceitar que seu dono o distribua como bom alimento (HUNT, 2010, p. 189). Mas, em todo

    caso, ningum duvida que se trate de veneno.

    3.2 A marca de uma lgrima (1985), de Pedro Bandeira

    Quando foi lanado o romance de Pedro Bandeira A marca de uma lgrima, em 1985,

    o Brasil passava por um momento que alguns chamavam de desbunde. Sobretudo porque o

    pas tinha vido sob o regime ditatorial imposto por um golpe cvico militar, em 1964, e sofrera

    quase duas dcadas de intensa represso poltica e de arguta censura s produes artsticas,

    quer na literatura, teatro, cinema e televiso.

    Na literatura, em particular, como aponta Ana Maria Machado, driblava-se a censura

    com a produo de uma elaborada literatura infantojuvenil que conseguia, ardilosamente,

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    criticar o regime antidemocrtico e denunciar as desigualdades sociais. Segundo Machado,

    surgiram no final dos anos 1960 e incio de 1970, alguns autores em geral, oriundos de

    variados setores artsticos que, escrevendo para o pblico infantojuvenil, conseguiu criar

    espaos alternativos para a publicao de textos crticos, notadamente a partir de dezembro de

    1968, quando o AI-5 (Ato Institucional nmero 5) fechou o Congresso, censurou a imprensa,

    proibiu reunies, demitiu professores, prendeu centenas de pessoas. Neste contexto de

    perseguio e censura, autores como Ziraldo, Lgia Bojunga, Joo Carlos Marinho, Ruth Rocha,

    Joel Rufino dos Santos e a prpria articulista, comearam a publicar contos numa revista para

    crianas, na Revista Recreio, com 250 mil exemplares vendidos semanalmente (MACHADO,

    2011, p. 111). Destacam-se, segundo Machado, quatro livros de Ruth Rocha, editado neste

    contexto de censura: O reizinho mando; O que os olhos no veem; O rei que no sabia de

    nada; Era uma vez um tirano. Todos eles, ainda de acordo coma avaliao de Machado,

    retratando, criticando, denunciando a tirania de governos ditatoriais: A explicao que os

    analistas geralmente deram que os militares no liam para os filhos e netos. Assim, no tinham

    a menor ideia sobre o que estvamos fazendo, apesar das grandes vendagens (MACHADO,

    2011, p. 113).

    No fim deste perodo, surge o romance de Pedro Bandeira. Devido quele contexto

    efervescente, a obra foi tomada como nova literatura cor de rosa, gua com acar, proibida

    para diabticos. Em A marca de uma lgrima, Bandeira estabelece uma relao dialgica com

    a pea Cyrano de Berjerac, de Edmond Rstand, produzida e encenada na Frana do sculo

    XIX. No hipotexto (texto de partida) francs, Cyrano apaixonado por Roxane, mas tem medo

    de declarar seu amor, pois sente vergonha de sua aparncia, sobretudo do avantajado nariz.

    Assim, pede ajuda ao belo Cristina, a partir do qual, feito um ventrloquo, afirma poeticamente

    a profundidade de seu amor, sempre escamoteando sua aparncia. No romance de Bandeira, o

    mesmo conflito retomado; todavia, alguns mecanismos de intertextualidade modificam o

    hipertexto (texto de chegada), adaptando-os s inter-relaes amorosas de adolescentes, cuja

    idade gira em torno de 15 anos, em uma escola privada de So Paulo, nos anos 1980. Muito

    conflito amoroso, falta de correspondncia amorosa, cartas de coita de amor, lgrimas, etc; tudo

    dentro de um roteiro romntico que vem sensibilizando adolescentes apaixonadas.

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    No entanto, a despeito das vicissitudes romnticas da obra de Bandeira, e da tima

    recepo que o romance teve junto ao alunado, sobretudo do Ensino Fundamental II, ao longo

    de suas quatro edies, mais de 500 mil exemplares vendidos, estoura a censura obra. A

    principal razo do repdio a questo sexual. A personagem Isabel (equivalente a Cyrano, na

    pea de Rstand), narrando em primeira pessoa seus conflitos amorosos acerca do belo e

    distante Cristiano, registra algumas fantasias sexuais com o colega adolescente, em cuja

    imaginao menciona frases erticas como Quer tirar minha calcinha agora, Cristiano?

    (BANDEIRA, 2010, p. 29); ou quando escreve um poema sobre o amado, com referncias

    erticas a cobras e aranhas (BANDEIRA, 2010, p. 59-60); ou quando toca seu corpo,

    descobrindo-se um ser dotado de corpo sexual (BANDEIRA, 2010, p. 67-68); ou quando relata

    um sonho ertico em que lhe aparece o adolescente Cristiano como um prncipe que lhe faz

    carcias pelo corpo (BANDEIRA, 2010, p. 18-120).

    Confesso que havia lido o lido nos anos 1980 e nada me despertara acerca do erotismo

    da obra. Reli o texto no incio do sculo XXI para atualizar minhas aulas de Literatura

    Infantojuvenil na Universidade Estadual de Londrina. Mas, ao reler os fragmentos apontados

    por pais de alunos de uma escola privada de Londrina e o pedido que me foi encaminhado

    quanto a uma avaliao da obra, tudo me pareceu estranho. Seria A marca de uma lgrima uma

    obra inadequada para a formao de alunos dos ltimos anos do Ensino Fundamental II? O

    reestudo da obra me mostrou o quanto a leitura isolada dos fragmentos classificados por pais

    como exageradamente erotizados e, por isso mesmo, inadequados para seus filhos em torno de

    14 ou 15 anos, fazia sentido. Quando me coloquei em favor da manuteno da obra no trabalho

    de sala de aula para a formao de leitores crticos, j era tarde. A obra indecente do autor de O

    mistrio da feiurinha j havia sido recolhida pelos coordenadores e diretores pedaggicos da

    escola.

    3.3 Enquanto o sono no vem (2003), de Jos Mauro Brant (ilustraes de Ana Moura)

    A censura obra de Brant um caso mais recente, tendo ocorrido em 2017. As primeiras

    reaes obra comearam nas cidades de Vila Velha e Cariacica, no Esprito Santo. As redes

    sociais repercutiram o caso e logo foi noticiado nos grandes jornais da regio Sul. Internautas

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    envolvidos na denncia, apontavam que a obra incentivava a violncia contra a criana (por

    meio de uma estria que se parecia com a famosa estria do Homem do saco, largamente

    conhecida na tradio rural) e que incentivava o incesto entre pai e filha, n uma trama proposta

    pelo pai criana, como forma de se livrarem da me. Quando as professoras da rede municipal

    de Rolndia, PR, abriram as caixas com os livros dos acervos do PNBE, imediatamente retiram

    o livro Enquanto o sono no vem, de Jos Mauro Brant e colocaram nas redes sociais a grande

    feito heroico. Em seguida, a cidade Londrina, por meio de sua secretria municipal de

    Educao, recolhia centenas de exemplares. Em entrevista a diversas redes de televiso e rdios,

    perguntada se j havia lido a obra, secretria afirma, com o livro numa das mos, que ainda no

    o lera, mas avisava com veemncia: J ordenei o recolhimento da obra e pedi um parecer

    tcnico-pedaggico para justificar o recolhimento e a devoluo ao Ministrio da Educao.

    Ao cabo desta pendenga, 197 mil exemplares do livro de poemas de Brant foram recolhidos

    pelo MEC.

    A obra tem uma proposta criativa: oito lendas conhecidas na regio do sul da Bahia,

    norte de Minas Gerais e partes do Espirito Santo, foram recolhidas, semelhana do que fez o

    folclorista Lus da Cmara Cascudo e, a partir de mecanismo intertextuais que travavam uma

    estreita relao dialgica com as lendas, verteram-se as lendas em versos, moda dos

    romances medievais. Ao trmino da obra, cujo projeto editorial se destaca pela alta qualidade

    e esmero, canes sobre cada lenda eram publicadas como apndices, incluindo a as partituras

    para reproduo em sala de aula ou para uso nas atividades de contao de estrias.

    Algumas semanas aps o imbrglio, o CEALE (Centro de Alfabetizao, leitura e

    escrita da Faculdade de Educao da Universidade federal de Minas Gerais), entidade

    responsvel junto ao Ministrio da Educao pela avaliao das obras que compem as ltimas

    edies do PNBE, emitiu uma Nota Tcnica sobre o livro Enquanto o sono no vem. Mas o

    estrago j estava feito: autor e obra se desmancham, ante a ignorncia, a intolerncia e

    irresponsabilidades.

    Na Nota, disponvel no site da UFMG/CEALE, encontramos a detalhada explicao,

    ponto a ponto, das razes que levaram os avaliadores recomendao da obra e por que

    ratificavam a deciso. Elementos estticos, temticas, discusses sobre psicanlise, estudo

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    analtico-interpretativo da obra elementos presentes na Nota publica pelo CEALE no

    puderam reverter o que j estava feito.

    4 CONSIDERAES FINAIS

    Abordar a censura na literatura infantojuvenil brasileira contempornea em ambientes

    escolares uma forma de capacitar os professores de Lngua Portuguesa e demais educadores,

    no que tange s inquietaes que dominam o cenrio conservador de segmentos da sociedade

    brasileira.

    Evidencia-se a necessidade de capacitao dos docentes responsveis pela formao de

    leitores literrios para que possam agir com autonomia junto aos rgos que tem se apresentado

    repressores. As redes sociais, importantes parceiros no processo de educao, acabam por

    contribuir para o que se pode chamar de efeito manada, levando de roldo milhares de pessoas

    incluindo a professores e professoras envolvidos com a educao bsica a se posicionarem

    preventivamente contra a obra literria. Membros da sociedade civil, sem conhecimentos

    especializado de literatura voltada para o pblico infantojuvenil, tais com delegados de

    delegacias da criana e do adolescente, procuradores da infncia, defensores pblicos,

    sacerdotes catlicos e religiosos, se apresentam precipitadamente condenando as obras,

    espalhando pnico entre os pais e incrementando a intolerncia.

    Por isso, reafirmamos a necessidade do debate pblico acerca do assunto e a abordagem

    do tema nos cursos de formao continuada dos docentes envolvidos com a formao de

    leitores literrios no ensino bsico.

    REFERNCIAS

    AGUILAR, Elisa Corona. Nios, niggers, muggles: sobre literatura infantil y censura.

    Mxico, DF: Deletur, 2016.

    A LINEA. https://www.youtube.com/watch?v=vbR_l1VnKm4

    BEZ, Fernando. Histria universal da destruio dos livros: das tbuas sumrias guerra

    do Iraque. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.

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    BANDEIRA, Pedro. A marca de uma lgrima. So Paulo, Moderna, 2010.

    BENTANCUR, Paulo. A mquina de brincar. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2005.

    BRANT, Jos Mauro. Enquanto o sono no vem (ilustraes de Ana Maria Moura). Rio de

    Janeiro, Rocco, 2003.

    DARNTON, Robert. Censores em ao: como os estados influenciaram a literatura. So

    Paulo: Companhia das letras, 2016.

    ______. Os best-sellers proibidos da Frana pr-revolucionria. So Paulo: Companhia das

    Letras, 1998.

    DIREITO E LITERATURA. Disponvel em:

    . Acesso em: 06 jun. 2017.

    EISNER, Will. Um Contrato Com Deus & Outras Histrias de Cortio. So Paulo: Devir,

    2007. n 9537.

    LEITO, Brbara Jlia Menezello. Bibliotecas pblicas, bibliotecrios e censura na era

    Vargas e regime militar. Rio de Janeiro: Intercincia, 2011.

    MARCELINO, Douglas Attila. Subversivos e pornogrficos: censura de livros e diverses

    pblicas nos anos 1970. Rio de Janeiro: Arquivo nacional, 2011.

    HUNT, Peter. Crtica, teoria e literatura infantil. So Paulo: Cosacnaify, 2010.

    https://ephemerajpp.com/2010/11/09/censura-%E2%80%93-despachos-da-direccao-dos-

    servicos-da-censura-relativo-a-livro-de-joao-da-silva-correia/

    MATEO, Roberto Martnez. Uma revisin de la censura em la Literatura Infantil y Juvenil

    (LIJ) taducida del ingls em Espaa desde la etapa franquista a la actualidad. In: Quaderns de

    Filologia: estudis literaris. Universitat de Valncia, 2015. Disponvel em:

    . Acesso em: 28 maio 2017.

    PAIVA, Aparecida. A voz do veto: a censura catlica leitura de romances. Belo Horizonte,

    MG: Autentica, 2007.

    PRESTES, Daniel. Censores dm ao. Disponvel em:

    . Acesso em: 24 maio 2017.

    REIMO, Sandra. Probo a publicao e circulao... censura a livros na ditadura militar.

    In: Estudos avanados. Vol. 28, n. 80. USP: SP, jan./abr. 2014.

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    SCHMITT, Silvana Lazzarotto; FIUZA, AlexaNdre Felipe. Controle e Censura literria nas

    ditaduras argentina(1976-1983) e brasileira (1964-1985). In: Infncia, sociedade e educao.

    Cascavel, PR: Unioeste, 2010.

    TRINDADE, Andr Karam; ROSENFIELD, Luis. DIREITO CONTRA LITERATURA:

    LIBERDADE, CENSURA E DEMOCRACIA. Espao Jurdico Journal of Law [EJJL],

    [S.l.], v. 14, n. 2, p. 495-510, out. 2013. ISSN 2179-7943. Disponvel em:

    http://editora.unoesc.edu.br/index.php/espacojuridico/article/view/2708/2097>. Acesso em:

    11 Jun. 2017.

    VARGAS, Andrea Quilian de; SANTOS, Elaine. Tropical sol da liberdade, memrias de um

    esprito libertrio. In: Literatura e autoritarismo: processos de identificao e polticas da

    (in)diferena. UFSM: Santa Maria, RS, 2011. Disponvel em:

    . Acesso em: 15 abr.

    2017.

    REFERNCIAS ON LINE (contra censura)

    https://professorescontraoescolasempartido.wordpress.com/vigiando-os-projetos-de-lei/

    https://xocensura.wordpress.com/

    http://gibitecacom.blogspot.com.br/2009/06/censura-nas-bibliotecas-escolares.html

    REFERNCIAS ON LINE (FAVOR censura)

    http://www.escolasempartido.org/livros-didaticos/344-flagrante-de-doutrinacao-ideologica

    https://www.facebook.com/Professornaoeeducador

    http://dererummundi.blogspot.com.br/2009/10/sobre-saramago.html

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    A INTERNET COMO FONTE DE TEXTOS AUTNTICOS

    PARA A AULA DE LNGUA ADICIONAL E A SELEO DE

    SITES APROPRIADOS PARA O USO PEDAGGICO: UMA

    APLICAO PRTICA DO ROTEIRO DE AVALIAO

    Jancileidi Hbneri (UFFS)

    1 INTRODUO

    Ao se pensar o ensino de lngua adicional hoje, difcil fugir da automtica relao entre

    esta ao pedaggica e uma to referida metodologia de ensino estruturada que, por

    consequncia, eleva o livro didtico ao posto de figura central do processo.

    O uso do livro didtico legitimado pelo nome da editora ou do autor e, dessa forma,

    utilizado por instituies de ensino e muitos professores de lngua adicional de olhos fechados.

    Apesar desta ser uma questo muito sria, o foco deste trabalho no propriamente questionar

    o uso do livro didtico. Em contrapartida, com base nesta realidade, o que nos move a vontade

    de complementar esta prtica pedaggica de maneira que a aula de lngua adicional consiga

    aproximar os contedos trabalhados da realidade do aluno.

    Se tomarmos as diretrizes dos documentos oficiais que apresentam os parmetros para

    o ensino de lngua adicional no Brasil e no Rio Grande do Sul (BRASIL, 1998; RS, 2009), o

    foco central deste processo est na interao entre as pessoas e na comunicao propriamente

    dita, veiculando ideias atravs da lngua em questo. No entanto, a passagem entre o que se

    defende enquanto princpios e concepes e o fazer efetivo da sala de aula no ocorre de forma

    automtica.

    Muitas vezes, as amostras da lngua oferecidas pelo livro didtico para anlise so

    dissociadas de contexto e servem puramente para atividade de foco gramatical, sem carregar

    em seu contedo a questo da interao social existente na comunicao em meio real. Marisa

    Lajolo (1985), h tempo, alertava para o fato de que, em situaes escolares, comum o texto

    virar pretexto intermediando outras aprendizagens que no ele mesmo.

    Tal fato ressalta a necessidade de os professores buscarem boas fontes de textos situados

    i Especialista em Ensino e Aprendizagem de Lngua Inglesa pela UPF, mestranda em Estudos Lingusticos pela

    UFFS e professora de lngua inglesa no Centro de Lnguas da URI-Erechim. E-mail: [email protected].

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    em contextos comunicativos que vm ao encontro das necessidades e dos interesses dos alunos,

    pois somente assim que o ensino de lnguas pode fazer sentido. Este material contextualizado,

    autntico e de grande valia para o processo de aprendizagem pode ser encontrado muito

    facilmente na Internet.

    Com isso, o presente trabalho busca retomar estudos realizados anteriormente, nos quais

    desenvolveu-se um roteiro de anlise de sites que pode ser uma valiosa ferramenta ao professor

    de lngua adicional. E nesta perspectiva que sero discutidos critrios para guiar o professor

    durante a escolha dos sites a serem utilizados em aula e se dar, tambm, a aplicao prtica da

    ferramenta supracitada por meio da anlise de um site escolhido pela pesquisadora.

    2 REVISO TERICA

    A fim de iniciar esta reflexo em torno do presente objeto de estudo, tomemos por base

    o questionamento: para que serve o ensino de lngua adicional na escola?

    Ainda que atenda a diferentes demandas e necessidades, o ensino de lngua adicional

    tem (ou deveria ter) na emancipao, na autonomia e na construo da identidade do sujeito sua

    principal preocupao, pois, atravs da linguagem, o aluno pode se afirmar como ser humano e

    como cidado. Segundo os Parmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998), esta prtica

    deve possibilitar o engajamento discursivo do aluno a fim de lev-lo a aprender mais sobre si

    mesmo e sobre os diversos valores culturais, polticos e sociais que marcam o mundo em que

    vive.

    Este trabalho, portanto, est fundamentado na abordagem scio-cultural do letramento

    que, com a contribuio de Barton e Hamilton (1998 apud FIGUEIREDO, 2009, p.33) pode ser

    entendido como

    [] primeiramente algo que as pessoas fazem; uma atividade situada no espao entre

    pensamento e texto. Letramento no reside apenas nas cabeas das pessoas como um

    conjunto de habilidades a serem apreendidas, assim como tambm no est s no papel,

    capturado como textos a serem analisados. Como toda a atividade humana, letramento

    essencialmente social e est localizado na interao entre as pessoas. (BARTON;

    HAMILTON, 1998, p.03 apud FIQUEIREDO, 2009, p. 33)

    Nesta perspectiva, ressalta-se tambm as ideias de Almeida Filho (2008), segundo o

    qual, no processo de ensinar e aprender um idioma, deve-se tomar o sentido ou a significao

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    como requisito central. por isso que ressaltamos a necessria interao do estudante com o

    texto e com colegas e professores, pois de nada adianta decodificar o que est escrito se no

    possvel entender toda a significao veiculada atravs do cdigo.

    Trata-se, portanto, de priorizar o ensino comunicativo da lngua explicado aqui atravs

    das palavras de Almeida Filho:

    O ensino comunicativo aquele que no toma as formas da lngua descritas nas gramticas

    como o modelo suficiente para organizar as experincias de aprender outra lngua, mas sim

    aquele que toma unidades de ao feitas com linguagem como organizatrias das amostras

    autnticas de lngua-alvo que se vo oferecer ao aluno-aprendiz. (ALMEIDA FILHO, 2008,

    p. 49-48)

    Reitera-se, dessa forma, o objetivo principal do ensino de lnguas que levar o aluno a

    entender que a linguagem sempre uma prtica social que carrega em si valores, ideais e

    diferentes vises de mundo. E para que este objetivo seja atingido, necessrio que o professor

    tenha em mente o que os Referenciais Curriculares do Rio Grande do Sul (RS, 2009, p. 135)

    afirmam: o texto a matria-prima para a aula.

    a partir da discusso de textos e do posicionamento diante deles que o aluno ser capaz

    de chegar aos discernimentos requeridos de leitores proficientes. Ento, a qualidade dos textos

    oferecidos em aula questo crucial para o sucesso do processo de ensino e aprendizagem de

    uma lngua adicional. frente a esta necessidade que se discute a questo da importncia dos

    textos autnticos escolhidos pelo professor.

    Entenda-se aqui, como texto autntico, o uso real da linguagem em seus variados

    gneros a fim de veicular uma mensagem socialmente. Segundo Kramsch (1993), este tipo de

    texto caracteriza uma oposio linguagem artificial pr-fabricada dos livros-texto e dos

    dilogos instrucionais, ou seja, uma forma no-pedaggica e natural de uso da linguagem. So

    exemplos de textos autnticos propagandas, bulas de remdio, receitas de culinria, cartas, entre

    outros.

    Dessa forma, esta pesquisa toma o ensino de lngua adicional a partir de uma viso da

    linguagem como prtica social, preocupando-se com a seleo adequada de textos autnticos e

    levando em conta a necessidade de abordar diferentes gneros discursivos nas atividades junto

    aos alunos.

    Com base nesta preocupao, ressaltamos o papel da Internet como ferramenta aliada

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    do professor de lngua adicional. Primeiramente, pelo fato de a Internet ser uma das principais

    fontes de textos autnticos em outras lnguas que est mo dos professores brasileiros. Alm

    disso, em oposio ao livro didtico, a oferta de material atualizada e de grande diversidade

    temtica. Qual seria outra fonte com tantas opes de gneros textuais, barata e de fcil acesso?

    Para Baladeli e Alto (2009), difcil encontrar um recurso melhor para minimizar a escassez

    de material de apoio e de pesquisa.

    Assim, o trabalho do professor de lngua adicional tendo a Internet como recurso

    pedaggico, tem condies de proporcionar o contato dos alunos com uma variedade de

    materiais produzidos na lngua alvo que veiculam questes culturais e posicionamentos dos

    interlocutores que devem ser explorados. Segundo Baladeli e Alto (2009), este auxlio leva

    construo de uma prtica dinmica, desafiadora e contextualizada, que exatamente o

    necessrio.

    A web disponibiliza dois tipos de sites quando se pensa em utiliz-la para fins

    educacionais nas aulas de lngua adicional. Tomando Dudeney e Hockly (2007) como base,

    pode-se dizer que existem sites prprios para o ensino da lngua e sites autnticos. Os sites

    autnticos, em nmero muito maior na rede, so o foco deste trabalho e trazem uma variedade

    imensa de possibilidades aos professores de lnguas, embora no tenham sido diretamente

    organizados para suas necessidades profissionais.

    Utilizar sites autnticos apropriados ao nvel do conhecimento lingustico dos alunos,

    partindo de uma escolha consciente, um ponto positivo para a prtica pedaggica, pois far

    com que os textos explorados em aula sejam vinculados realidade, possivelmente do interesse

    dos alunos e adequados as suas necessidades de aprendizagem. para isso que a partir deste

    ponto discutiremos critrios que ajudaro o professor na escolha de sites e textos autnticos de

    qualidade para uso em sala de aula.

    O papel do professor como facilitador em meio insero de recursos computacionais

    na educao imprescindvel. Como figura central na organizao do processo de

    aprendizagem, cabe a ele conhecer as potencialidades oferecidas pelo computador e pela

    Internet em sua disciplina, refletindo sobre a relevncia e a viabilidade desses recursos no

    contexto em que atua. (BALADELI; ALTO, 2009)

    Nesta perspectiva, toma-se, a partir deste ponto, as ideias de Dudeney e Hockly (2007)

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    registradas no livro How to teach English with technology a fim de discutir o que o professor

    pode fazer para avaliar o contedo disponvel na web antes de lev-lo para a sala de aula. Os

    autores citados sugerem quatro critrios que podem servir como ponto de partida para a

    avaliao dos sites. So eles: a.) preciso; b.) atualidade; c.) contedo; d.) funcionalidade.

    Quando se fala em preciso, busca-se verificar se o contedo apresentado no site

    confivel e correto. Para tal, sugere-se checar por quem ou por qual instituio o site foi criado.

    Assim, medida que sabemos quem disponibiliza os dados na pgina, certificando-nos de que

    uma organizao confivel, possvel ter certeza de que no estamos levando nenhum dado

    incorreto para a sala de aula.

    Isto far, tambm, com que o professor tenha certeza de que est disponibilizando aos

    seus alunos uma boa amostra da lngua em estudo, pois verificam-se interlocutores situados em

    um contexto de comunicao formal no qual as informaes normalmente so veiculadas

    atravs de textos bem escritos.

    Mas h, ainda, outra estratgia possvel sugerida pelos autores a fim de verificar a

    preciso dos dados disponveis no site. Pode-se fazer uma comparao de dados com outras

    pginas e com enciclopdias disponveis online para que o professor possa se certificar de que

    as informaes contidas no texto so verdadeiras.

    Quanto questo da atualidade, sugere-se sempre buscar no site informaes sobre a

    ltima data de atualizao. s vezes esta informao est disponvel e bem visvel aps a

    expresso em ingls last updated. Esta uma forma precisa para saber se as informaes so

    atuais ou no. Se o site no disponibilizar este dado especificamente ou se o professor ainda

    tiver dvidas, possvel tentar outras estratgias que ajudam a verificar a atualidade dos dados,

    como confrontar as informaes com outros recursos, buscando outros sites ou outras fontes,

    no necessariamente na Internet.

    J quando a questo o contedo, deve-se levar em conta, principalmente, o nvel

    lingustico dos alunos e suas necessidades de aprendizagem. a que se torna necessrio

    conhecer bem a turma e saber quais os assuntos que seriam interessantes e estimulantes de

    acordo com suas preferncias, bem como o nvel de dificuldade adequado. Segundo os

    Referenciais Curriculares do Rio Grande do Sul, essa escolha deve levar em conta valores

    ideolgicos e culturais presentes no texto e a relao com o conhecimento prvio dos alunos

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    (RS, 2009, p.161)

    Dudeney e Hockly (2007) sugerem tambm analisar a estrutura visual do site se o

    trabalho for desenvolvido online. A lgica da organizao dos links, a combinao de cores, as

    fontes utilizadas entre outros aspectos, so de suma importncia no momento de guiar os alunos.

    Estas caractersticas do site, quando mal pensadas ou organizadas, podem levar os alunos a se

    perderem durante o desenvolvimento do trabalho, especialmente se esto em um laboratrio

    multimdia, no qual cada aluno ou cada dupla realiza as atividades em computadores separados.

    O quarto e ltimo critrio sugerido por Dudeney e Hockly (2007) a funcionalidade.

    Segundo eles, o professor deve testar o funcionamento do site antes de lev-lo para a sala de

    aula. Isto quer dizer que necessrio percorrer todo o caminho a ser utilizado em aula, testando

    links, sons, animaes, etc. O professor precisa ter certeza de que tudo funcionar

    adequadamente. Do contrrio, se algum link no funcionar, se faltarem informaes ou se a

    velocidade da conexo exigir muito tempo de espera para baixar vdeos ou outras mdias, a

    atividade proposta pode se tornar frustrante para os alunos.

    Assim, com o intuito de auxiliar o docente na tarefa de seleo de material autntico,

    ser apresentada, no decorrer do texto, uma proposta de roteiro de anlise de sites baseada nos

    critrios aqui descritos.

    2.1 Procedimentos Metodolgicos

    Em estudos prvios, aps a realizao do levantamento terico, deu-se a elaborao de

    um roteiro de anlise. Para tanto, tomou-se como base os critrios de avaliao de sites

    sugeridos por Dudeney e Hockly (2007) com a finalidade de listar perguntas para guiar o

    professor de lnguas durante a escolha dos sites e dos textos que apresentar aos alunos. Alm

    dos questionamentos sugeridos pelos autores, outras perguntas foram acrescentadas pela

    pesquisadora com o intuito de abranger todas as caractersticas dos sites que podem interferir

    no desenvolvimento de atividades pedaggicas de qualidade.

    O roteiro conta com 20 perguntas fechadas de resposta sim ou no. Os questionamentos

    guiam o professor enquanto ele busca as informaes necessrias no site e, a partir disso, quanto

    mais respostas afirmativas o professor puder assinalar, mais adequado ao uso em sala de aula o

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    site .

    A proposta consiste em avaliar, primeiramente, a veracidade e a atualidade do contedo

    veiculado pelo site em questo. Ento, busca-se aproximar o site dos alunos que se tem em

    mente durante a preparao das atividades, verificando se o contedo, ou seja, a temtica, a

    aparncia e o nvel lingustico so apropriados realidade da turma. E, por fim, o questionrio

    aborda a funcionalidade do site, que tambm de suma importncia para o desenvolvimento de

    atividades online.

    Partindo do referido estudo prvio que culminou na elaborao do roteiro de anlise, o

    presente trabalho desenvolveu a aplicao prtica desta ferramenta ao buscar um texto autntico

    online para uso pedaggico com alunos de 11 e 12 anos que estavam trabalhando, no livro

    didtico adotado pela escola, uma unidade que aborda tipos de comida e hbitos alimentares.

    Tendo em mente a idade e a preferncia dos alunos, dentre tantas possibilidades

    disponveis na web, deu-se a escolha do site de uma revista americana www.seventeen.com, que

    apresenta notcias e novidades que podem interessar faixa etria em questo. Tambm foi de

    fundamental importncia para a escolha, a recente postagem do texto 6 Scary Things That

    Happen To Your Body When You Skip Meals.i, que vem ao encontro das atividades

    desenvolvidas com base no livro didtico e pode proporcionar boas reflexes a respeito dos

    hbitos alimentares dos alunos. O texto e o site foram, ento, avaliados com base nos

    questionamentos do roteiro de anlise conforme o que segue.

    2.2 Anlise

    A anlise do site e do texto escolhidos se deu com vistas a abarcar os quatro aspectos

    destacados por Dudeney e Hockly (2007). Assim, os questionamentos do roteiro foram

    respondidos a fim de verificar a preciso, a atualidade, o contedo e a funcionalidade da

    ferramenta. Na sequncia, possvel observar estes questionamentos e os respectivos

    apontamentos feitos durante a anlise.

    A. Preciso

    i 6 Coisas Assustadoras Que Acontecem Ao Seu Corpo Quando Voc Pula Refeies. (traduo nossa)

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    1. A pgina apresenta um link com informaes sobre o autor ou a instituio

    responsvel?

    Sim. Clicando no link About us, encontramos informaes sobre os responsveis pela

    verso online e escrita da revista.

    2. O autor reconhecido por saber sobre o assunto em questo?

    Sim. Observando o site, pode-se dizer que este apresenta uma nfase maior nos assuntos

    relativos moda, beleza, sade e entretenimento direcionados ao pblico jovem feminino, mas

    que podem interessar tambm ao pblico masculino. A revista vem sendo publicada h 73 anos,

    uma tradio que confere um maior reconhecimento aos artigos publicados.

    3. possvel contatar o responsvel atravs do site?

    Sim. A pgina apresenta todos os contatos, incluindo email e endereo, clicando no link

    Contact us.

    4. Os dados apresentados conferem com os de outra fonte de confiana?

    Sim. Para realizar essa conferncia visitamos pginas de outras revistas que abordam o

    mesmo tipo de assunto. Os dados apresentados no artigo escolhido para o trabalho em sala de

    aula est em consonncia com as informaes encontradas em artigos semelhantes das revistas

    Womens Health e Mens Fitness.

    5. Linguisticamente, o contedo apropriado para os aprendizes de lngua

    adicional?

    Sim. O artigo bem escrito, mas dentro da informalidade caracterstica das revistas

    destinadas a esta faixa etria. O texto apresenta grias, abreviaes e emoticons, alm de utilizar

    pontuao e letras maisculas para destacar alguns termos de forma bastante informal. Pode-se

    dizer que este um ponto positivo para a utilizao do artigo, medida que os marcadores

    conversacionais e toda a informalidade presentes no texto proporcionam uma aproximao de

    seu contedo com os alunos em questo.

    B. Atualidade

    6. A pgina apresenta informaes de quando foi atualizada pela ltima vez?

    7. Se no, existem outros dados como comentrios ou postagens atuais?

    Sim. Todas as postagens so datadas, inclusive as informaes do site disponveis nos

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    links About us e Contact us. As publicaes so normalmente dirias, mas a pgina no permite

    comentrios dos usurios.

    8. As informaes esto atualizadas em comparao com outras fontes?

    Sim. As informaes contidas no texto escolhido, conforme j mencionado, esto em

    consonncia com outras fontes, mas, como no se trata de uma notcia ou de um fato especfico

    com tempo definido, a atualidade do texto no fica to visvel, pois o assunto de certa forma,

    atemporal.

    C. Contedo

    9. O site parece interessante no ponto de vista dos alunos?

    Sim. Por ser desenvolvido para adolescentes, o site apresenta artigos contendo assuntos,

    linguagem e ilustraes voltadas a esta faixa etria. Esta caracterstica o torna interessante aos

    olhos dos alunos em questo.

    10. A combinao de cores favorece a leitura e o trabalho em aula?

    Sim. Os textos apresentam fundo branco e letra preta, o que facilita a leitura. So as

    ilustraes que deixam a pgina mais informal e divertida, pois so vivas, coloridas e motivam

    o jovem leitor.

    11. Os links so organizados de uma forma que facilitaria o trabalho?

    Sim. Alguns links dos assuntos mais pesquisados na revista so apresentados no topo

    da pgina e os demais pode ser acessados atravs do menu, no canto superior esquerdo.

    12. O nvel de dificuldade lingustica do texto a ser utilizado compatvel com o

    conhecimento dos alunos?

    De certa forma sim. O texto apresenta vocabulrio e estruturas que ainda no foram

    trabalhados com os alunos em aula, mas se o vocabulrio for explorado em atividades anteriores

    leitura, o entendimento seria facilitado.

    13. A temtica vem ao encontro dos interesses da faixa etria dos alunos?

    Sim. A princpio, a temtica no parece ser interessante aos olhos de alunos de 11 ou 12

    anos, mas a abordagem, devido forma como as ideias so expressas, escolha de vocabulrio

    e insero de marcadores conversacionais, fazem com que a temtica se aproxime dos

    interesses da faixa etria.

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    14. possvel adaptar o contedo do site ao plano de aula em desenvolvimento?

    Sim. O plano em desenvolvimento promove discusses em torno dos hbitos

    alimentares e das refeies em geral, e busca o desenvolvimento das habilidades comunicativas

    para que, ao final, os alunos sejam capazes de falar sobre seus hbitos alimentares, as refeies

    que fazem durante o dia e suas preferencias em relao alimentao.

    15. Pensando nos objetivos da aula, o contedo til a fim de atingi-los?

    Sim. Os objetivos principais da aula em questo so voltados comunicao dos hbitos

    alimentares e, consequentemente, da frequncia com que os alunos comem determinados tipos

    de comida. Portanto, o texto pode leva-los a refletir em torno de seus hbitos e, dessa forma,

    ajuda a atingir os objetivos da aula.

    D. Funcionalidade

    16. O site limpo, claro, fcil de navegar e sem propagandas ou pop-up que

    dispersam a ateno dos alunos?

    Sim. O site fcil de navegar e no apresenta pop-ups que possam dispersar a ateno.

    Algumas propagandas so apresentadas ao lado dos artigos, mas so limpas e no atrapalham a

    leitura.

    17. Quando testados, os links, o som, as animaes e os vdeos funcionaram bem?

    Sim. Apenas os links foram testados, pois o texto escolhido no apresenta animaes,

    sons ou vdeos. O nico link apresentado funciona bem e direciona o leitor a outro artigo da

    revista que contem fotos e receitas de pratos saudveis.

    18. A pgina prtica, sem arquivos pesados que levem tempo para baixar?

    Sim. Os arquivos so de fcil acesso e abrem rapidamente.

    19. Voc consegue acessar o contedo sem ter programas especficos instalados em

    seu computador?

    Sim. A pgina no apresenta nenhum arquivo difcil de acessar e no exige programas

    especficos.

    20. A escola conta com o suporte necessrio para a utilizao do site em aula?

    Sim. A leitura pode ser realizada no laboratrio de informtica da escola que conta com

    os equipamentos necessrios.

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    Com base na quantidade de respostas afirmativas obtidas durante a aplicao do roteiro

    de anlise no site escolhido, consideramos adequado o uso pedaggico do texto 6 Scary Things

    That Happen To Your Body When You Skip Meals com a turma em questo.

    Consideramos importante ressaltar, neste momento, que o objetivo principal deste

    trabalho a aplicao prtica da ferramenta desenvolvida. Portanto, no cabe, aqui, abordar

    como este texto ser utilizado em sala de aula, apesar de sabermos que esta questo tambm

    merece nossa ateno devido a sua importncia. Assim, levantamos a possibilidade de abordar

    as formas como o texto autntico online escolhido e analisado pode ser trabalho em sala de aula

    em estudos futuros.

    3 CONSIDERAES FINAIS

    Ao se tomar a Internet como importante ferramenta de apoio no ensino de lngua

    adicional, necessrio considerar tambm o excesso de informaes nem sempre verdadeiras

    ou apropriadas para a prtica docente disponveis neste meio. Levando em conta esta realidade,

    a busca por textos autnticos que venham a requintar o ensino de lngua adicional, carrega em

    si uma preocupao a mais. Assim, a necessidade de avaliar os sites a serem utilizados em aula

    norteou o presente trabalho, pois tal avaliao de suma importncia para o sucesso do uso

    pedaggico de recursos disponveis online.

    Nessa perspectiva, lanamos mo de uma ferramenta previamente desenvolvida com

    base nos critrios de avaliao de sites autnticos propostos por Dudeney e Hockly (2007). O

    roteiro de anlise que conta com 20 perguntas, foi pensado com a finalidade de guiar o professor

    durante a escolha de sites e textos online que podem ser inseridos na sua prtica pedaggica.

    Com o intuito de servir de modelo de abordagem e postura diante da vasta oferta de

    material disponvel na web, este estudo apresentou a anlise do texto 6 Scary Things That

    Happen To Your Body When You Skip Meals, disponvel no site www.seventeen.com,

    verificando que ambos so prprios para o uso pedaggico com a turma em questo, aqui no

    especificada, no momento da escolha do site.

    Sabendo da importncia do input de qualidade durante as aulas de lngua adicional e da

    motivao dos alunos em relao temtica dos textos apresentados, pode-se dizer que o

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    referido estudo, se tomado com ateno e propriedade, de grande relevncia para o sucesso

    da utilizao de sites junto s turmas.

    Muitas vezes, a utilizao das tecnologias digitais pode se dar simplesmente para

    diversificar as atividades sem preocupao em definir propriamente os objetivos do trabalho.

    Lembramos que o necessrio, pelo contrrio, atrelar as atividades online a um projeto

    pedaggico com objetivos claros para que os contedos curriculares possam ser explorados de

    forma significativa, por meio de textos autnticos, atuais, precisos e apropriados para os alunos

    em todos os sentidos.

    Portanto, destacamos que a analise explanada no presente trabalho apenas um recorte

    do processo de insero do texto analisado na prtica pedaggica da pesquisadora. A

    continuidade desta pesquisa por meio da anlise das possveis abordagens deste texto diante

    dos alunos tambm pode trazer importantes contribuies para a ao docente no ensino de

    lngua adicional.

    REFERNCIAS

    ALMEIDA FILHO, J. C. P. Dimenses comunicativas no ensino de lnguas. 5. ed. Campinas:

    Pontes Editores, 2008.

    BALADELI, A. P. D.; ALTO, A. A Internet como ferramenta pedaggica no processo de

    ensino e aprendizagem de Lngua Inglesa. Revista Lnguas e Letras. v. 10, n. 18, 2009.

    Disponvel em:

    .

    Acesso em: 23 jul. 2017.

    BRASIL, Ministrio da Educao. Parmetros Curriculares Nacionais para o Terceiro e

    Quarto ciclos do Ensino Fundamental: Lngua Estrangeira. v. 9, 1998. Disponvel em:

    Acesso em 16 jul. 2017.

    DUDENEY, G. HOCKLY, N. How to teach English with technology. Essex: Pearson, 2007.

    FIGUEIREDO, L. M. S. O Ensino-Aprendizagem de Lngua Inglesa como Prtica de

    Letramento: por uma Interveno Hbrida e Desestabilizadora. SINAIS Revista Eletrnica -

    Cincias Sociais. Vitria: CCHN, UFES, Edio n.05, v.1, Setembro. 2009. pp. 27-44.

    KRAMSH, C. Context and culture in language teaching. Oxford: Oxford University Press,

    1993.

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    LAJOLO, M. O texto no pretexto. IN: ZILBERMAN, Regina (org.) Leitura em crise na

    escola. 5. ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985. p.51-62.

    RIO GRANDE DO SUL. Secretaria do Estado de Educao. Referenciais Curriculares:

    Lies do Rio Grande linguagens, cdigos e suas tecnologias. v.1, 2009. Disponvel em

    . Acesso em: 16 jul. 2017.

    TRANEL, Kim. 6 Scary Things That Happen To Your Body When You Skip Meals.

    Disponvel em: . Acesso em: 28 ago. 2017.

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    A (INTER) AO ENTRE A VARIAO LINGUSTICA E A

    HISTRIA EM QUADRINHOS: PRTICAS DOCENTES

    Jane Kelly de Freitas Santos i (UPF)

    Joo Ricardo Fagundes dos Santos ii

    1 INTRODUO

    por meio da linguagem que estabelecemos relaes com o meio em que vivemos, que

    nos apropriamos do mundo e nele (inter) agimos. Isso torna a lngua um objeto vivo, com

    diversas variaes e situaes de uso que no podem ser consideradas como erro, j que os

    falantes se entendem e comunicam.

    Por estar em constante movimento, diretamente relacionada com fatores histricos,

    socioculturais, econmicos, geogrficos, a lngua manifestada verbalmente com distintas

    variaes, que so diferenas de realizaes lingusticas falada por locutores de uma mesma

    lngua. Assim, compreende-se que a linguagem padro ou tambm denominada norma culta e

    a linguagem popular so variantes de uma mesma lngua, da Lngua Portuguesa, e por isso no

    seria correto consider-las em nenhuma de suas variaes, enquanto erro. O que acontece

    que em toda lngua do mundo existe um fenmeno chamado variao, isto , nenhuma lngua

    falada do mesmo jeito em todos os lugares, assim como nem todas as pessoas falam a prpria

    lngua de modo idntico (Bagno, 2002, p. 52).

    por isso que em sala de aula, alm de se abordar a norma culta (funo social da

    escola), o professor deve desenvolver trabalhos com a lngua em uso, evidenciando diferentes

    variantes lingusticas e mostrando que, alm de existirem, essas lnguas diferentes dentro da

    mesma lngua portuguesa brasileira, elas so importantes para a formao cultural da sociedade

    e da identidade.

    Dessa forma, com a inteno de aproximar os estudantes do seu contexto sociocultural,

    buscando instigar a reflexo sobre variao lingustica e consecutivamente evitar o preconceito

    i Mestre em Educao pela Universidade de Passo Fundo (UPF - Bolsista Taxa CAPES). Licenciada em

    Pedagogia pela Universidade Estadual do Oeste do Paran (UNIOESTE Campus Foz do Iguau) Brasil. E-

    mail: [email protected] ii Licenciado em Letras, Portugus - Ingls e Respectivas Literaturas, pela Universidade de Passo Fundo (UPF)

    Brasil. E-mail: [email protected].

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    lingustico, propomos possibilidades de trabalhos que envolvem o gnero histria em

    quadrinhos e tirinhas, que alm de ser de interesse e da realidade dos estudantes, rico em

    linguagem popular.

    As indicaes pedaggicas so tirinhas do Chico Bento e da Turma do Xaxado,

    personagens que exemplificam e expressam o uso da linguagem coloquial retratando situaes

    tipicamente brasileiras, aproximando os estudantes da realidade popular. Neste sentido, luz

    da Sociolingustica abordada por Bagno (2002), busca-se evidenciar possibilidades de

    desenvolver estratgias que, alm de trabalhar a norma padro da lngua, mostrem aos alunos a

    importncia de conhecer e valorizar as variaes lingusticas, prestigiando os conhecimentos,

    culturas e saberes populares dos alunos, que servem de ponto de partida para significaes

    posteriores.

    2 SOCIOLINGUSTICA E HISTRIAS EM QUADRINHOS: UMA COMBINAO

    SIGNIFICATIVA

    A realidade sociocultural e a extenso territorial do Brasil fazem com que a Lngua

    Portuguesa sofra uma grande variao. J que o falante tem autonomia no seu uso, a lngua em

    uso se altera devido a vrios fatores, que vo desde classe social, escolaridade at a formalidade

    na situao de fala. Dessa forma, torna-se indispensvel a discusso sobre a variao lingustica

    e a possibilidade de fazer com que os estudantes possam refletir sobre essa diversidade de usos.

    2.1 Sociolingustica: valorizao da lngua em uso

    Assim, h anos os linguistas procuram pesquisar as variaes da lngua, a forma

    individual que cada falante se expressa. Essas pesquisas resultaram em uma base terica que

    norteia as reflexes deste artigo, denominada sociolingustica. Ramo da Lingustica que estuda

    as relaes entre a lngua e a sociedade, a sociolingustica deixa de lado alguns conceitos da

    Gramtica Tradicional e visa as vivncias socioculturais do falante. Os autores elencados para

    dilogo; Bagno (2002), Faraco (1998), Bortoni-Ricardo (2004), debruam seus estudos na

    compreenso dos processos de socializao, cultura e valorizao da lngua materna. Assim, a

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    maior preocupao da sociolingustica so as manifestaes de uma lngua, principalmente

    falada, levando em conta todas as influncias externas e internas no modo de se comunicar.

    A lngua no est desvinculada s mudanas que a sociedade sofre. Muito pelo contrrio,

    por no ser um sistema perfeito e finalizado, a lngua muda, renova-se, adapta-se conforme a

    evoluo da sociedade. A variedade lingustica o espelho da sociedade e, sendo assim, com

    uma sociedade to heterognea, no existe a possibilidade de somente uma forma de falar.

    Para Bagno (2002), a Sociolingustica, desde o seu surgimento se mostra preocupada

    com as questes educativas. O autor defende que a escola deve valorizar, compreender e aceitar

    as variedades lingusticas dos alunos, no taxar como erro expresses que no fazem parte da

    norma culta. O autor complementa ainda que o que pode ser considerado enquanto erro, na

    verdade so heranas culturais:

    O que quero mostrar muito simples: Quero mostrar que muitas coisas que a gente pensa

    que est errada, que fala de gente ignorante, na verdade no nada disso. De fato, esses

    supostos erros so heranas muito antigas, vestgios de outros tempos, verdadeiros fsforos

    lingusticos (BAGNO, 2004, p.79).

    Mesmo assim, muitas prticas escolares defendem como certo a norma padro sem levar

    em conta o contexto de fala de cada pessoa, sua comunidade, sua rotina, sua forma de falar e

    de ser entendido pelos que o rodeiam. Fazendo isso, a escola acaba por valorizar a forma de

    falar prestigiada pela gramtica, que deve sim ser estudada, mas no como a nica forma de

    comunicao.

    Quando a linguagem utilizada pelos alunos no valorizada na escola, o professor acaba

    por distanciar o processo de ensino e de aprendizagem do cotidiano dos alunos, da realidade

    vivenciada por eles fora da sala de aula, dificultando que as atividades sejam motivadoras e

    interessantes.

    Um trabalho pedaggico que aborda as tantas variaes existentes no cotidiano dos

    alunos, relacionando-as com as normas gramaticais, alm de aproximar os alunos tambm torna

    mais significativa a conduo do trabalho com a lngua. Porm, muito se discute sobre essa

    forma de conduo, pois ainda se tem a ideia de que trabalhar a variao lingustica em sala de

    aula deixar o aluno falar errado. Cabe ressaltar o que diz Marcos Bagno em uma entrevista

    revista Carta Capital:

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    [...] nenhum linguista srio jamais disse ou escreveu que os estudantes usurios de variedades

    lingusticas mais distantes das normas urbanas de prestgio deveriam permanecer ali,

    fechados em sua comunidade, em sua cultura e em sua lngua. [...] defender uma coisa no

    significa automaticamente combater a outra. Defender o respeito variedade lingustica dos

    estudantes no significa que no cabe escola introduzi-los ao mundo da cultura letrada e

    aos discursos que ela aciona. Cabe escola ensinar aos alunos o que eles no sabem! Parece

    bvio, mas preciso repetir isso a todo momento. (BAGNO, 2011).

    Na escola, o processo pedaggico deve fazer refletir sobre a lngua e suas mais variadas

    situaes de uso. Assim, o estudante deve conhecer as diversas variedades lingusticas de seu

    meio para poder adequar e escolher qual se enquadra em cada situao. Os professores iro sim

    ensinar a norma padro, para ser utilizada em situaes formais que a exigem, mas tambm

    abriro espao para o uso de outras formas de se comunicar. A viso que deve ser evitada

    (...) a ideologia da necessidade de dar ao aluno aquilo que ele no tem, ou seja, uma

    lngua (BAGNO, 2004, p.62), pois ele tem sua bagagem quando chega escola, que faz parte

    de sua identidade e cultura. Esse conhecimento prvio deve ser valorizado, sua variedade

    lingustica, por mais distante da linguagem padro ela seja. Essa valorizao vai alm da lngua,

    um reconhecimento do prprio estudante, como um indivduo inteligente e capaz de se

    comunicar.

    Tanto na escola quanto na sociedade em geral, ainda presenciamos muitas situaes

    onde a variedade padro da norma culta defendida como a forma certa de se falar, e as

    demais variaes como a forma errada, desvalorizando os falantes e desmerecendo sua forma

    de se expressar e comunicar. Esses casos so nomeados por preconceito lingustico, quando

    um indivduo discriminado pelo seu modo de falar. Esses atos vo muito alm de desmerecer

    a variedade utilizada, o preconceito lingustico atinge diretamente o falante, como lembra

    Scherre (2005, p. 42) com frequncia, banem-se da escola no as formas lingusticas

    consideradas indesejveis, mas, sim, as pessoas que as produzem. Isso se d pelo fato da lngua

    ser parte fundamental da identidade de cada indivduo, tanto individual quanto social.

    Portanto, o preconceito lingustico na verdade o preconceito social que divide as

    pessoas que falam certo daquelas que falam errado, j que, normalmente, aqueles que usam

    as variantes da lngua popular so considerados inferiores em relaes econmicas e sociais

    comparados com os que usam o portugus padro.

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    Contudo, engana-se quem acha que o domnio desse portugus padro, baseado

    somente na norma culta, ser uma algo milagroso que vai mudar a realidade do indivduo. Cada

    pessoa tem suas razes na fala e o reconhecimento delas que tornar o falante mais confiante

    e reflexivo em relao lngua. Assim, compreendemos que o professor deve demonstrar as

    diversas variantes, a de prestgio (norma padro) e tambm levar os estudantes a reconhecerem

    as demais variaes, regionais, populares, respeitando-as e valorizando-as. Por meio de

    situaes onde os estudantes interajam e investiguem as variedades lingusticas, refletindo

    assim sobre a lngua e podendo chegar ao entendimento do que adequado ou no, sem

    menosprezar nenhuma variedade. Marcos Bagno lembra que o espao de sala de aula [...] se

    transforme num laboratrio vivo de pesquisa do idioma em sua multiplicidade de formas e usos

    (BAGNO, 2002, p. 134).

    Lembramos tambm que um dos objetivos de atividades com variedades lingusticas

    orientar o uso da lngua de acordo com o contexto, levando os estudantes a pensarem sobre

    como usam a lngua em diferentes situaes. Essa reflexo sobre a lngua muito significativa,

    pois faz com que a pessoa reflita sobre seu uso da lngua e tambm sobre o uso das outras

    pessoas, evitando assim que os prprios estudantes pratiquem o preconceito lingustico.

    Nesse sentido, para abrir espao ao trabalho com variaes lingusticas, fazem-se

    necessrios textos que alm de terem a ocorrncia de diferentes variantes, tambm produzam

    discusses interessantes e significativas. Um gnero que cumpre estes critrios so as Histrias

    em Quadrinhos e Tirinhas pois retratam cenas urbanas, rurais, escritas, orais, formais ou

    informais, e engrandecem ainda mais o trabalho com textos autnticos em sala de aula.

    2.2 Histrias em quadrinhos: linguagem popular evidenciando diferentes culturas

    Desde a pr-histria, o homem conta suas experincias por meio de figuras, desenhos,

    sequncias de imagens. Com o passar do tempo, a maneira de se contar e explicar a realidade

    foi mudando e aos poucos foi ficando mais organizada. Os desenhos foram sendo divididos em

    cenas, em quadros, comeou a ganhar explicaes mais detalhadas, falas dos personagens,

    legendas, at termos contato com as Histrias em Quadrinhos (HQs) que conhecemos hoje.

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    Comeando como forma de humor, com histrias leves e engraadas, as HQs

    mostravam uma sequncia linear breve e simples, que ganhou o gosto do pblico infantil. Com

    a juno de texto e imagem, uma compreenso mais rpida e com um visual atrativo, as HQs

    foram evoluindo e ganhando a credibilidade de jovens e adultos. Como ressalta o estudioso da

    rea, Lovetro:

    O Brasil desenvolveu seu mercado de quadrinhos mais voltado ao pblico infanto-juvenil.

    Histrias de humor e de super-heris dominaram as bancas at pouco tempo. O

    desenvolvimento de um mercado de publicaes adultas, com textos mais densos e de valor

    plstico em nvel de outras artes como a pintura, deu-se h pouco mais de uma dcada

    (LOVETRO, 1995, p. 96).

    Antes vistos como leitura para passar o tempo, hoje as tirinhas e histrias em quadrinhos

    so de grande valia em sala de aula para se trabalhar com texto, compreenso e at mesmo uso

    da lngua. E ainda, para muitos estudantes, as HQs so o primeiro contato com o universo da

    leitura, como ressalta a estudiosa Valria Aparecida Bari (apud JUNIOR, 2008).

    Na verdade, os quadrinhos se tornaram quase sempre o primeiro contato de vrias geraes

    de crianas com o aprendizado da leitura e da escrita e de entretenimento, alm de um objeto

    de grande valor afetivo, sempre ligado infncia.(...) A Leitura de histrias em quadrinhos

    forma leitores que gostam de todo tipo de leitura, com a vantagem de criar tambm a cultura

    de leitura infantil e comunidades leitoras de grande abrangncia.

    Alm de aparecer em provas, concurso e livros didticos, esse gnero est cada vez mais

    presente no cotidiano escolar e j mostra seu grande valor discursivo. Primeiramente, por

    chamar a ateno e ser uma leitura rpida e acessvel. Depois, por mostrar realmente um bom

    uso da lngua, onde podem ser abordados diferentes assuntos, relao entre texto verbal e visual,

    crticas sociais, e at mesmo variao lingustica.

    Por esses motivos, escolhemos como gnero norteador do nosso trabalho as Histrias

    em Quadrinhos e Tirinhas de duas colees especficas, a Turma do Chico Bento e a Turma do

    Xaxado, pois so textos que alm de conterem traos culturais interessantes de serem

    trabalhados, tambm mostram as variedades lingusticas sendo evidenciadas e significativas no

    sentido geral do texto.

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    2.2.1 Mediaes a partir das tirinhas da Turma do Chico Bento

    Ao propor que as tirinhas e histrias em quadrinhos do personagem Chico Bento sejam

    trabalhadas em sala de aula, destacamos a importncia de valorizar a linguagem popular

    enfatizada de maneira clara e evidente nos textos de Maurcio de Sousa, criador do personagem

    que compe a Turma da Mnica, clssico das Histrias em Quadrinhos desde o incio dos anos

    60. Chico Bento fruto das observaes de Maurcio em relao ao homem do campo. O

    personagem simples, simptico, puro, representa o caipira, o homem que anda de p no cho,

    usa chapu de palha, caracterstico de pessoas que moram no interior. O cotidiano de Chico

    Bento retratado demonstrando suas atividades dirias: pescar, brincar com seus amigos, ir a

    escola, dormir em rede.

    O personagem, juntamente com Rosinha, Z Lel, Hiro, Z da Roa, Professora Dona

    Marocas, Padre Lino, formam a Turma da Roa, onde a realidade econmica, sociocultural e

    geogrfica do homem do campo retratada.

    O aspecto fundamental de anlise neste artigo diz respeito linguagem utilizada por

    Chico Bento e a Turma da Roa - linguagem coloquial - onde possvel reconhecer variaes

    da lngua em uso, situaes informais do uso da lngua. Nas histrias desse personagem,

    notamos expresses tpicas do caipira do interior. A forma de falar de Chico causou polmica

    por no privilegiar a norma culta do portugus. As crticas eram que essa forma de se expressar

    ensinava as crianas a falarem errado, exemplo ntido de preconceito lingustico. Porm,

    podemos perceber que a linguagem utilizada por Chico Bento est muito bem adequada ao

    contexto de suas histrias. Ele um menino do campo, que carrega enxadas, vara de pesca,

    anda descalo e conversa com pessoas que tm a mesma linguagem que ele. Chico Bento se

    comunica, isso que importante salientar em sala de aula.

    Observaremos a seguir duas tirinhas que podem auxiliar no trabalho com variao em

    sala de aula. Nelas, a linguagem coloquial de Chico Bento retratada e as atividades pensadas

    devem ir alm da compreenso dos elementos verbais e no-verbais. vejamos uma delas:

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    FIGURA 1

    No primeiro quadrinho Chico Bento oferece a Z Lel um copo de leite, a frase do balo

    - toma um leite, Z Lel? - construda gramaticalmente com a presena do vocativo, termo

    que invoca o receptor da mensagem, no segundo quadrinho Z Lel rasga as mangas de sua

    blusa e indagado por Chico Bento: pru que oc t rasgando a manga da camisa? Destacando

    a maneira como Chico se comunica com os que esto sua volta, a linguagem prpria e

    caracterstica do interior. No terceiro quadrinho, Z Lel explica o motivo de rasgar suas

    mangas: Dizem qui tom manga com leite faz mar! Existe, no contexto da tirinha a presena de

    aspectos relativos ao senso comum, conhecimento emprico em relao ao fato de manga com

    leite fazer mal.

    Alm do trabalho de compreenso do texto, que envolve a polissemia da palavra

    manga, devemos aqui ressaltar que tanto Chico quanto Z utilizam a variedade lingustica

    popular e mesmo assim se entendem, se comunicam. A linguagem que eles utilizam tambm

    est adequada ao contexto visual da tirinha, uma casa simples, com objetos simples, roupas sem

    luxo, personagens de ps descalo. Ainda, percebemos o uso de mitos populares, tradio

    tpica das reas rurais, que contribuem para a construo da situao de comunicao entre os

    locutores. Dessa forma, usar uma variante lingustica com caractersticas rurais na fala dos

    personagens o mais adequado, pois assim a linguagem confirma o contexto construdo pelos

    elementos visuais.

    Trabalhar estas tirinhas em sala de aula permite dialogar com os alunos sobre as

    situaes de uso da lngua, sobre as variedades e formas de comunicao adequadas a cada

    situao comunicativa. Vejamos mais uma tirinha que levanta essa discusso:

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    FIGURA 2

    Nesse texto, temos a fala da me de Chico, que pergunta: Cum qui ? Hoje oc s que

    salada pro armoo? O que aconteceu cos ovo?. Como parte da interpretao, precisamos levar

    em conta os elementos no verbais que deixam implcito que Chico no conseguiu colher os

    ovos, por isso pediu salada para o almoo. Agora, na discusso sobre sociolingustica, devemos

    levar em conta a cena: Chico est em casa, conversando com sua me, em uma situao bem

    informal. Ela utiliza vrias palavras aglutinadas, como Cum e cos, e ainda no concorda

    o plural em cos ovo. Essas caractersticas so claramente da variedade rural, o que condiz

    com a cena, onde a me de Chico cozinha em um fogo a lenha, em uma casa com galinheiro,

    entre outros elementos. Mais uma vez, percebemos que a linguagem est adequada e que est

    contextualizada com realidade dos personagens.

    Sobre esse texto, ainda cabe a discusso da valorizao da linguagem aprendida com a

    famlia. Em muitos casos, os pais dos alunos no tiveram a oportunidade de estudar e acabam

    conhecendo e usando somente a variedade aprendida em casa. Trabalhar a variao em sala de

    aula mostra para essas crianas que seus pais no esto errados por falarem diferente da norma

    padro, eles somente tem uma maneira diferente de se comunicar. Isso auxiliar com que o

    aluno no pratique preconceito lingustico com sua prpria famlia.

    Ainda sobre os textos do Chico Bento, uma discusso importante a ser levantada em

    sala de aula o grande preconceito que ainda se tem com o dialeto chamado caipira. Na

    maioria das vezes, essa variedade vis