A luta contra as transnacionais, pelos direitos e por soberania energética

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Cartilha do MAB

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ÁGUA E ENERGIA NÃO SÃO MERCADORIAS!

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EXPEDIENTE

A cartilha “A luta dos atingidos por barragens contra as transnacionais, pelos direitos e por soberania energética” é uma publicação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)

Projeto GráficoMDA Comunicação Integrada

Secretaria Nacional do MABAv. Thomás Edison, 301

Bairro Barra FundaSão Paulo/SP - CEP: 01140-000

Fone: (11) 3392.2660www.mabnacional.org.br

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Companheiros e companheiras!

O Movimento dos Atingidos por Barragens, em sua trajetória de quase 20 anos, tem procurado despertar e potencializar a organização de milhares de brasileiros atingidos pela construção de barragens que, com seu enga-

jamento, mobilizam-se por justiça social e defendem seu direito de permanência na terra.

Para qualificar ainda mais o processo de conscientização e participação dos atingidos na luta pela resistência e pela mudança estrutural deste país, achamos importante que todos nós elevemos nosso nível de compreensão da realidade para interferir coletivamente, enquanto movimento social nacional, pois nossos inimigos agem em todas as regiões do Brasil, assim como nos demais países da América Latina.

Esta cartilha tem o objetivo de propiciar a discussão interna no Movimento e com a sociedade em geral sobre temas ligados à soberania energética; ao cenário das hidrelétricas no Brasil; as estratégias e as táticas usadas pelas empresas na construção das obras; as violações dos direitos humanos; e nossa proposta de luta pelos nossos direitos.

Que este material seja discutido com o maior número de companheiros e companheiras em cada uma de nossas regiões, nos grupos de base e em todas as oportunidades de formação, pois como já dizia o grande mártir da Independência de Cuba, José Martí, “só o conhecimento liberta”, portanto, conheçamos e acredi-temos, teremos muitas vitórias!

Boa leitura, boa luta!

Coordenação Nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)São Paulo, dezembro de 2008.

APRESENTAÇÃO

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Os atingidos por barragens e os demais trabalhadores brasileiros vivem um período difícil e con-

traditório. Difícil por diversos motivos: quase não existem mais rios sem planos ou projetos de pequenas ou grandes barragens. As que já foram construídas atingiram mais de 1 milhão de pessoas, sendo que muitas destas foram excluídas de qualquer direito e as conquistas que tivemos foram depois de muita luta e or-ganização. Nas barragens em construção a regra das empresas tem sido excluir e diminuir os direitos das famílias. Mesmo com tantas barragens, em muitos países da América Latina mais de 40% da po-pulação não tem acesso à luz elétrica, e em todos os países, o povo paga caro para que as grandes empresas consumi-doras possam ter luz elétrica barata. Nas cidades, o povo convive com o fantasma do desemprego, o aumento do preço da comida, o aumento da violência e a destruição do meio ambiente. A vida do povo está cada vez mais difícil, estamos trabalhando cada vez mais (mais horas por dia e mais dias), mas sobra cada vez menos renda.

Mas há um Brasil com outra situação! Nunca os bancos e as grandes empresas, principalmente as estrangeiras, lucraram tanto. As empresas se instalam no Brasil e lucram com a exploração dos recursos natu-rais (energia, água, minerais, biodiversidade, etc) e dos produtos primários (soja, cana de açúcar, celulose, etc). O lucro do Itaú cresceu 30% e chegou a 1,9 bilhão de reais nos três primeiros meses de 2007, o Bradesco anun-ciou ganho líquido de 1,705 bilhão de reais. A Companhia Vale do Rio Doce, em 2007, obteve lucro superior a 20 bilhões de reais, ultrapassando a Petrobrás como a empresa que obteve os maiores lucros. A previsão de faturamento na geração das barragens de

Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira, em Rondônia, ultrapassará 365 mil reais por hora. E considerando o faturamento na tota-lidade (geração, transmissão e distribuição), significa mais de 950 mil reais por hora.

Um Brasil ricocom a população pobre. Por quê?

A primeira certeza que devemos ter é que não faltam riquezas, e sim que elas (a água, as indústrias, o comércio, as terras...) estão concentradas nas mãos das gran-des empresas e bancos. Vejamos o exem-plo das barragens: com todo o lucro que os empresários acumulam, o que justifica deixarem milhares de famílias excluídas? O problema está no modelo de sociedade capitalista que vivemos, onde os traba-lhadores do campo e da cidade produzem cada vez mais e geram as riquezas, mas não podem usufruir delas. Ou seja: quem produz todas as mercadorias são os ope-rários, quem produz quase toda comida são os camponeses, quem atende nos co-mércios são os trabalhadores, e assim por diante. Mas quem manda, quem lucra, quem tem o poder e aplica este modelo de sociedade violenta e excludente são as grandes empresas do capital privado. Es-tes são os inimigos do povo! Para facilitar a atuação das empresas, a maioria das es-truturas do Estado (governos, judiciário, polícia, meios de comunicação, etc) se coloca à serviço das empresas.

Motivadas pelos altos lucros que ge-ram as barragens e pela crise de falta de petróleo no mundo (crise energética), as empresas planejam construir muitas hi-drelétricas (hoje são 1.443 projetos em construção, inventariados ou com estudo de viabilidade). Sem organização, milhares de famílias serão expulsas de suas terras e do seu trabalho.

ELEMENTOS DA REALIDADE

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No mundo existem mais de 45.000 grandes barragens construídas que já expulsaram cerca de 80 milhões

de pessoas de suas terras. Além disso, exis-tem hoje em torno de 1.600 barragens em construção no mundo.

No Brasil, são mais de 2.000 barra-gens já construídas, destinadas à produ-ção de energia elétrica ou para abaste-cimento de água. Deste total, em torno de 400 são para geração de energia (156 delas são grandes hidrelétricas e 253 são pequenas centrais elétricas - PCHs). Es-tas barragens já expulsaram mais de 1 milhão de pessoas, sendo que, em mé-dia, 70% das famílias atingidas não rece-bem nenhum tipo de direito. O destino da maioria destas famílias acaba sendo

engrossar os bolsões de pobreza nas ci-dades, ficando sem emprego, sem terra e sem casa.

O Plano Decenal de Expansão de Energia Elétrica (PDEE 2007/2016) apre-senta um conjunto de 90 usinas hidrelé-tricas que totalizam uma geração previs-ta de 36.834 MW. Para os próximos anos (até 2.030), conforme o Plano Nacional de Energia (PNE 2030) há uma previ-são de acrescentar mais 130.113 MW de energia elétrica ao sistema brasileiro (deste total, 94.700 MW deverão ser de fonte hídrica (87.700 MW através de hi-drelétricas de grande porte e 7.000 MW de PCHs), com necessidade de investi-mentos na ordem de 286 bilhões de dó-lares (cerca de 500 bilhões de reais).

O CENÁRIO Das

HIDRELÉTRICAS NO BRASIL

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Por que tanto interesse e tantos projetos de barragens?

1 - Pela importância que elaassumiu na sociedade

Hoje a energia é o que impulsiona o movimento e o avanço da sociedade, tan-to das sociedades socialistas como capi-talistas, mas para as capitalistas a energia é indispensável, pois sem ela as indústrias e fábricas deixam de produzir e os empre-sários deixam de lucrar em grande escala. Um dos destinos da geração de energia elétrica em nosso país é abastecer os grandes consumidores, principalmente a chamada indústria eletrointensiva (in-dústria de celulose, alumínio, ferro, aço, entre outras) e os grandes supermerca-dos (shoppings). No Brasil, atualmente existem 665 grandes consumidores de energia e sozinhos consomem aproxima-damente 30% de toda energia elétrica brasileira, além disso, recebem energia ao preço de custo real.

Por exemplo: As mineradoras VALE e ALCOA e a produtora de celulo-se Votorantim, recebem energia do governo brasileiro a 4 centavos ao kWh (seus contratos são de 20 anos), enquanto a população brasi-leira paga 50 centavos pela mesma quantidade de energia consumida. Ou seja, com a privatização do setor elétrico as tarifas representam um verdadeiro roubo sobre toda popu-lação brasileira.

2 - Pela alta lucratividadedo negócio

No Brasil, as 30 maiores empresas de energia elétrica formam o setor com segundo maior lucro em 2007. Faturam nas obras de construção, venda de mate-riais, venda de equipamentos, construin-do as obras com financiamento público, superfaturando as obras, vendendo a energia a um preço muito caro para a população, e o governo subsidiando os preços para as grandes indústrias. No mundo, as obras de construção de bar-ragens movimentam aproximadamente 50 bilhões de dólares por ano.

Maiores empresas do setor da energia por lucro líquido

ajustado

Milhões de dólares

- em 2007 - 1. Petrobras (Estatal) 11.404,5 2. Tractebel Energia (Belga-Francesa) 549,6

3. AES Eletropaulo (EUA) 539,8 4. Chesf (Estatal) 538,2 5. CPFL - Paulista (Brasil) 535,2 6. Cemig Distribuição (Estatal) 482,3 7. Transmissão Paulista (Estatal) 454,0 8. Cemig GT (Estatal) 445,4 9. Furnas (Estatal) 440,9 10. Coelba (Espanha) 391,7 11. AES Tietê (EUA) 384,4 12. Copel Distribuição (Estatal) 301,9 13. Copel Geração (Estatal) 287,3 14. Comgás - Inglaterra / Países Baixos (Holanda) 286,7

15. Elektro (EUA) 258,6

Font

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3 - Pelo potencial hidrelétrico existente no Brasil

O aproveitamento do potencial hidrelétrico no mundo revela que na maioria dos países ricos e desenvol-vidos, os principais rios já foram utili-zados para construção de usinas. Nes-tes países, o aproveitamento chegou ao seu limite máximo, apresentando enormes dificuldades na construção de novas barragens. Com isso, a indústria de barragens (formada pelas empresas Siemens, Alstom, General Electric, VA Tech, etc) buscam encontrar novas regi-ões no mundo para manter seus negó-cios e altos faturamentos.

No Brasil, além de suprir a escassez energética de muitas multinacionais, os capitalistas hegemônicos estão buscando apropriar-se tanto do potencial hidrelétrico já implantado no nosso país como do po-tencial ainda possível de ser aproveitado. Isso se acelerou com as privatizações das estatais no início da década de 90.

Possuímos um dos maiores poten-ciais do mundo de geração de energia hidrelétrica, algo em torno de 10% do potencial mundial, cerca de 251.490 MW. Deste potencial, 30,9 % já são aproveita-dos. Em potencial perdemos apenas para Rússia (13%) e China (12%).

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sim, dependendo da usina, é possível armazenar grande parte da água para utilizá-la posteriormente.

e) O Brasil possui um dos sistemas mais efi-cientes do mundo, é o chamado “Siste-ma Interligado Nacional”, que permite levar energia de uma região para outra, conforme a intensidade das chuvas, fa-zendo os lagos das hidrelétricas funcio-narem como uma grande caixa de água.

Pelo fato de ser interligado pode pro-duzir um ganho de 22% só com sua efi-ciência. Ou seja, o sistema interligado permite o controle sobre todo rio, so-bre a bacia hidrográfica, inter-bacias e inter-regiões.

1 Eficiência energética é a capacidade que o sistema possui de perder o mínimo de energia possível no processo de transfor-mação de uma energia em outra. No caso da barragem, de trans-formar a energia me-cânica (fluxo da água) em energia elétrica através da turbina.

Distribuição do Potencialpor região do Brasil:

l 64% está na região norte;

l 21% está na região Sul;

l 8% no sudeste;

l 3 a 4% no nordeste;

l 2 a 3% no centro oeste.

Fonte: Empresa de Pesquisa Energética-EPE

4 - Pela eficiência da fonte hidráulica em produzir energia elétrica

a) A mesma água de um rio pode ser uti-lizada diversas vezes, basta que sejam construídas diversas hidrelétricas num mesmo rio, como se fosse uma escada-ria de usinas.

b) A fonte hidráulica apresenta alta produ-tividade. A energia hídrica possui alta eficiência energética, algo em torno de 94%. Já a energia elétrica de fonte térmi-ca, predominante no mundo, apresenta no máximo 30% de eficiência.1

c) É a fonte de menor custo de produção, pois a matéria prima utilizada nas tur-binas (água) não apresenta nenhum custo, está estocada no lago, por isso o custo médio para gerar 1 Mwh gira em torno de 20 dólares. Devemos lembrar que este baixo custo deve-se à negação dos direitos sociais pelas empresas e por não repararem os da-nos ambientais.

d) É uma energia dita “renovável”, alte-rando apenas sua intensidade de ge-ração conforme as estações do ano e a intensidade das chuvas. Mesmo as-

Mesmo com todas estas vantagens e o baixo custo para produzir, o Brasil tem a 5º tarifa de energia mais cara do mundo. Por quê?

Isto ocorre porque dentro do mode-lo de sociedade capitalista, a mercadoria “energia elétrica” produzida a baixo custo nas barragens não tem seu preço estabe-lecido pelo custo de produção real, e sim, pela fonte energética que tiver o maior

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custo de produção, no caso, pelo preço do petróleo. Isto aumenta muito o lucro das empresas: produz a energia barata, mas vende cara para a população. E neste ce-nário de crise do petróleo, a busca de al-ternativas energéticas, o grande potencial hidráulico nos países da América Latina e os altos lucros obtidos com a hidroeletricida-de, fazem com que ocorra uma aceleração na construção de hidrelétricas em todas as regiões do Brasil.

Quem são os donos da energia no Brasil?

Os chamados “donos da energia” têm sido uma fusão de grandes bancos (San-tander, Bradesco, Citigroup, Votorantim...), grandes empresas energéticas mundiais (Suez Tractebel, AES, Duke, Endesa, General Eléctric, Votorantin...), grandes empresas mineradoras e metalúrgicas mundiais (Al-coa, BHP Billiton, Vale, Votorantim, Gerdau, Siemens, General Motors, Alstom...), gran-des empreiteiras (Camargo Correa, Odebre-cht, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão...), e grandes empresas do agronegócio (Ara-cruz, Klabin, Amaggi, Bunge Fertilizantes, Stora Enso, etc).

Pelo organograma exibido abaixo, vemos que os planos de construção de hi-drelétricas, da forma como a produção de energia está organizada, são planos pensa-

dos para satisfazer interesses de grandes bancos e grandes empresas, chamadas multinacionais, que querem controlar prin-cipalmente a energia, a água, o rio e todas as riquezas para aumentar seus lucros.

No entanto, grande parte do dinheiro investido nestas empresas vem do Banco Na-cional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que tem acelerado a liberação de re-cursos, principalmente em cima do discurso do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Este banco, inclusive, mudou até seu estatuto para permitir maiores liberações.

Por exemplo:- A mineradora VALE teve um finan-

ciamento aprovado pelo BNDES há pouco tempo de 7,3 bilhões de reais;

- Para Hidrelétrica de Simplício (loca-lizada no rio Paraíba do Sul - RJ), o BNDES aprovou 1 bilhão de reais;

- Para a UHE Foz do Chapecó (na re-gião sul do Brasil), aprovou 1,6 bi-lhões de reais.

Como já mencionamos acima, estas empresas batem recordes de lucro ano após ano: 2007 foi o ano que as empresas de energia conseguiram os maiores lucros da história do setor elétrico brasileiro. As 17 maiores companhias de energia (excluindo a Eletrobrás) tiveram uma receita líquida de R$ 64 bilhões, sendo que R$ 12 bilhões fo-ram de lucro limpo.

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As empresas, os governos e os meios de comunicação divulgam todos os dias que as barragens são de “interes-

se público”, que será para o “desenvolvimen-to da região”, para “geração de empregos”, que será para “abaixar o preço da energia”, etc. Na verdade, estes projetos não são nem de interesse da classe trabalhadora brasilei-ra, e muito menos da população atingida pe-los lagos. Os verdadeiros interessados são as grandes empresas multinacionais. A seguir buscaremos explicar como elas agem para conseguir seus objetivos.

1. O único objetivo dasempresas é o lucro

O objetivo dos capitalistas quan-do vêm se instalar em uma região é um só: extrair muito lucro. Para isso, precisam apropriar-se das riquezas naturais mais estratégicas e explorar o povo. Para garantir este lucro, em taxas mais altas possíveis, no menor tempo possível, com o menor risco e por muitos anos, as empresas elabo-ram uma estratégia de dominação so-bre toda região (ou território) em que vão instalar seus planos.

Nas diferentes fases de implanta-ção dos seus projetos há um conjunto de interesses aliados a um conjunto de práticas que buscam garantir e dar susten-tação a seus objetivos. A isso chamamos de estratégias e táticas das empresas.

2. Como as empresas agem

A estratégia adotada pelas empre-sas geralmente é a mesma. Tentam es-conder que a riqueza dos empresários vem da exploração sobre o povo e so-bre a natureza. Buscam tornar os afeta-dos (prejudicados) e os descontentes em

“As empresas democratizaram

seu discurso,mas sua

prática écomo na

ditadura.”Hélio Mecca, agricultor

atingido pela UHE Itá-RS

seus aliados. As empresas defendem que a origem dos conflitos sociais e ambien-tais existentes em uma região é a falta de informações das “coisas boas que a obra traz” para essa enorme quantidade de gente “ignorante” que vivem no entorno das construções das barragens.

As empresas e os governos não entram em debate se deve ou não ser construída tal obra, ou a quem isso vai servir, etc. Toda estratégia é colocada para que os “indesejados” que habi-tam nesta região “DIGAM SIM” da for-ma mais obediente possível. Para obter este sim, até a polícia e o exército são colocados sobre o povo.

ESTRATÉGIAS E TÁTICASUSADAS PELAS MULTINACIONAIS NA

CONSTRUÇÃO DE HIDRELÉTRICAS

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Exército ameaça atingidos pela barragem de Tucuruí, PA

Antes de iniciar a construção de uma hidrelétrica, geralmente são elaborados levan-tamentos e estudos iniciais, feitos de forma discreta para evitar que a população desperte interesse e curiosidade sobre o que será im-plantado ali nesta região. É o tempo necessário para elaborar o plano do que será feito.

Montado o projeto da obra, aí vem uma fase de muita propaganda e promes-sas sobre as “coisas boas” que a obra vai trazer para a região. É o período que se ini-cia a implantação do projeto. Nesse período,

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a estratégia principal utilizada pelas empre-sas é o “convencimento através de promes-sas”, ou seja, desenvolvem um conjunto de ações para informar aos “desinformados” sobre os benefícios que esta obra ‘vai’ tra-zer para região.

Utilizam diferentes formas e práticas: estudos técnicos, governos, seminários, reuniões, uso do sistema S (Sebrae, Senai, etc), universidades, pesquisadores, escolas, empresas, falsas organizações, etc. Tudo isso para convencer e fazer com que a po-pulação aceite, apóie e até defenda seus projetos de exploração. Isso tem feito mui-ta gente ficar do lado das empresas sem se-quer saber o que está em jogo.

No caso do aparecimento de conflitos em torno da implantação, a estratégia de tratamento e a solução do conflito é sem-pre a individualização e o fracionamento, tratando a situação caso a caso (barragem por barragem, município por município, comunidade por comunidade, categoria por categoria, família por família) para nos enfraquecer, diminuir nossa capacidade de resistência e, desta forma, explorar ao máximo a fragilidade de cada família e de cada pessoa. A partir do momento que a população se encontra desorganizada e sem força, buscam então a solução “ne-gociada”. O uso da “negociação” é sempre para a desmobilização social. Buscam en-quadrar os descontentes (organizados) em espaços paritários de participação para neutralizá-los, é a chamada governança. Por isso insistem e querem que participe-mos dos foros de negociações, comissões, conselhos, mesas, equipes paritárias, etc, espaços sempre dominados por eles ou por seus aliados.

Instituições como o Banco Mundial e Centros de Investigação e Apoio das multinacionais criaram planos e manu-ais com técnicas e passos para poder controlar melhor a população, princi-palmente aqueles setores mais descon-tentes e mais organizados. Para implan-tar suas obras numa região, com “paz e harmonia” as empresas estabelecem um processo de despolitização dos con-flitos através de táticas de negociação direta e individualizada.

Em nome de oferecer “uma técnica de solução de conflitos rápida, ágil, flexí-vel e particularizada a cada caso” e “uma justiça menos dispendiosa (mais barata)”, tratam de psicologizar o dissenso e tecni-ficar seu tratamento através de manuais destinados a transformar os “pontos quen-tes” em “comunidades de aprendizado”. Os pontos ditos “quentes” são aqueles em que a sociedade se organiza para defender-se da dominação que sobre ela é exercida. As “comunidades de aprendizagem”, por sua vez, são os grupos “convidados” a se sub-meter a esta dominação sem fazer tantos questionamentos. As ações são realizadas para que a comunidade se desorganize e para que não dê tempo de raciocinar sobre a raiz dos problemas que a população vive.

Este receituário do conformismo, de alienação das pessoas, de instalação do medo e do desespero, ou até mesmo da ilusão, tem o objetivo de levar as comunidades a “DIZER SIM” aos grandes projetos de interesse das multinacionais. As técnicas que obtém suces-so no controle de conflitos sociais e ambien-tais, depois as empresas passam utilizar em outros lugares do país e do mundo como téc-nicas que “deram certo” para dominar e con-trolar o povo com o menor custo possível.

Para quem não entra no jogo deles, aí aplicam todas as regras da luta de classes (correlação de forças) para tentar neutrali-zar ou liquidar os setores mais organizados e conscientes. Inclusive os direitos historica-mente conquistados através de muita luta, para as empresas é uma questão de tempo e de correlação de força. Na hora em que a gente diminui a nossa organização e nossa força de luta eles tentam dar o golpe.

Isso acontece justamente nos países que exportam seus recursos naturais, atra-vés de barragens e minérios por exemplo. Para tornar aceitável este saqueio interna-cional sobre nossa economia, se faz neces-sário neutralizar, de algum modo, a ação das populações que resistem aos processos de concentração de recursos naturais nas mãos de grandes grupos econômicos (multinacio-nais e bancos). Principalmente projetos rela-cionados à gestão das águas, das terras, dos minérios, das fontes energéticas, da biodi-versidade e das obras de infra-estrutura.

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3. Mais barragens, menos direitos

A energia elétrica no Brasil tem garantido enormes lucros às empresas de energia princi-palmente porque as tarifas tem significado um verdadeiro roubo. Nos próximos anos as em-presas querem construir muitas hidrelétricas. Para aumentar ainda mais os lucros, querem diminuir ainda mais os gastos com os proble-mas sociais e ambien-tais que causam.

É notória, por parte das empresas, a tentativa de dimi-nuir a quantidade e a qualidade nos di-reitos da população atingida. Quando concedem algum direito, o fazem de maneira que não fortaleça a organi-zação dos atingidos ou então que a con-quista não se trans-forme em ganho de todos ou para todos, resultado da luta e organização.

Esta situação piorou a partir do mo-mento que a energia elétrica foi privatiza-da pelo governo FHC. Agora, mesmo com vários anos de governo Lula, a situação não se alterou e as empresas continuam agindo da mesma maneira: impediram a aplica-ção do conceito de atingido aprovado pela Eletrobrás, barraram a discussão da garan-tia de direitos mínimos ao atingidos, estão negando o direito ao reassentamento, etc.

Agora a novidade na prática das em-presas é ganhar o apoio da própria popu-lação atingida. É o que estão fazendo nas barragens de Cana Brava, Foz do Chapecó, Campos Novos, Barra Grande, Estreito e di-versas outras em todo o país. Nestas barra-gens citadas, as empresas criaram um fun-do (crédito rotativo chamado de Fundo de Desenvolvimento Regional) com o discurso de que este crédito vai “solucionar os pro-blemas sociais e gerar desenvolvimento às famílias”. Colocaram o SEBRAE para geren-ciar, trouxeram uma cooperativa de crédito

de São Paulo com um gerente já designado e financiam projetos de desenvolvimento para as famílias interessadas. Os juros são altos, mas a propaganda é enorme.

Para executar estes projetos a empresa envolve diversos atores da região como ins-titutos, ONGs, Universidades, profissionais das diversas áreas técnicas, etc. Não raro, envolvem pessoas com uma trajetória de

“esquerda”. Os pro-jetos visam sempre transformar os atin-gidos em “empreen-dedores”, de forma que não apareçam os conflitos. Outro fato que devemos considerar na práti-ca das empresas é o aumento da explo-ração dos trabalha-dores das próprias empreiteiras, ou seja, não respeitam nem seus próprios funcionários, como exemplificaremos adiante.

4. Centros de estudos dasmultinacionais e Banco Mundial ‘sugerem’ licenciamentoambiental submisso aosempresários

Recentemente foi tornado público o resultado do estudo realizado pelo Banco Mundial, por solicitação do Ministério de Minas e Energia. O estudo intitula-se "Licen-ciamento ambiental de empreendimentos hidrelétricos no Brasil: uma contribuição para o debate". O estudo é apresentado pelo governo, por empresas privados na-cionais e estrangeiras, e pelas Instituições Financeiras Internacionais, como o FMI, BIRD e Banco Mundial. Apresentam a es-tratégia para desmontar as leis e exigências ambientais do país.

Uma das sugestões propostas é a emissão de licenças únicas por bacia hidro-gráfica, um sinal verde para a construção de várias usinas numa mesma região. A Asso-

Família atingida pela Barragem de Cana Brava, GO.A Tractebel nega os direitos das famílias.

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ciação Brasileira da Infra-estrutura e Indús-trias de Base (ABDIB), que reúne as empre-sas privadas no país voltadas para o setor, há muito tempo faz pressão por redução do tempo e facilitação do licenciamento am-biental. O estudo atende este “pedido”.

Para as empresas ainda é pouco, ago-ra querem diminuir os gastos com com-pensações ambientais e sociais. “Incerteza regulatória e margem de lucro inferior ou igual à média internacional não atraem in-vestidores”, diz a chantagem na forma de “estudo técnico". Querem saber inclusive como impedir que o Ministério Público se interponha como revisor técnico do proces-so de licenciamento.

SOBRE QUEM E COMO AS EMPRESAS PRESSIONAM

[ Pressão sobre o Estado e os governos

Os chamados “donos da energia” querem e usam o Estado e os governos (fe-deral, estaduais e municipais) para servir aos seus interesses: garantir o máximo de lucro aos capitalistas da energia e ao mes-mo tempo desorganizar e controlar o povo. Vejamos algumas ações:

1. Em 2004 foi apresentado pelo gover-no o “novo” marco regulatório do setor elétrico. Estas são algumas das medidas desse marco:

l Licença Ambiental Prévia antes da licita-ção, ou seja, quando uma obra é leiloa-da já vem com a licença. Antes a grande queixa era de que uma empresa ganhava a licitação, mas depois tinha dificuldade de obter a licença para construir a obra.

l Leilões de energia: significa lucro ga-rantido para as empresas por 30 anos sem necessariamente gerar energia. Uma obra que passará a produzir ener-gia somente em 2010 ou 2012, já tem garantida a venda desta energia pelos próximos 30 anos. Depois de construí-da a hidrelétrica, caso esteja sobrando energia, a empresa continuará receben-do normalmente o dinheiro como se es-tivesse gerando energia.

l O custo de todo e qualquer investi-mento do setor elétrico é repassado na tarifa final através dos aumentos na conta de luz. Por isso a tendência é o povo pagar cada vez mais caro pela energia elétrica.

l Não é especifico só das empresas do se-tor energético, mas várias regras foram criadas para permitir a remessa dos lu-cros para o exterior.

2. Implantação das Parcerias Público-Pri-vadas (PPPs): há pouco tempo a priva-tização ocorria de forma direta, agora se tornou um pouco mais disfarçada. Nas PPPs, as empresas públicas po-dem ser apenas “sócias” minoritárias nas obras. Ou seja, sempre a empresa privada tem maior poder de decisão. No entanto é o BNDES (dinheiro públi-co) quem financia até 80% da obra. O povo paga e quem fica de dono são as multinacionais.

3. Divisão do IBAMA (IBAMA e Instituto Chico Mendes) buscando facilitar a li-beração das licenças: como menciona-mos acima, recentemente foi divulgado estudo feito pelo Banco Mundial por encomenda do Governo Federal cujo objetivo foi obter recomendações para agilizar os licenciamentos. Uma das constatações foi culpar principalmente os promotores públicos pelos atrasos na liberação das licenças. Aqui cabe lembrar que as Audiências Públicas exigidas pela legislação não passam de meras farsas. Muitas obras continuam operando sem Licença de Operação, e outras não sofrem nenhuma penaliza-ção apesar de não estarem cumprindo as chamadas condicionantes.

4. A falta de regras no tratamento sócio-ambiental: atualmente cabe a empresa interessada fazer o estudo e relatório de impacto ambiental (EIA/Rima). Com isso criaram uma “indústria” que define, por critérios próprios, quem tem ou não direito, quem vai ou não ser indenizado (conceito de atingido), qual vai ser o va-lor da indenização e como aplicar esta indenização. São as próprias empresas que definem isto.

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5. Programa de Aceleração do Crescimen-to (PAC): dos 503.9 bilhões de reais que estão previstos para serem gastos, 274,8 bilhões são para criação de infra-estru-tura na área da energia.

6. Facilitou e ampliou a liberação de re-cursos públicos para obras privadas principalmente através do BNDES que pode financiar até 80% do total da obra. Como as barragens na sua maioria são superfaturadas o BNDES acaba finan-ciando toda obra.

7. Violência e criminalização dos movi-mentos sociais e das lideranças: este é um dos elementos mais agravantes. É uma ditadura na barranca dos rios. Na UHE Estreito, um agricultor atingido pela barragem levou um tiro de capangas da empresa construtora da obra durante a mobilização. Sempre que os atingidos fazem alguma luta, são ameaçados, per-seguidos e processados. Em quase todas as obras em construção os serviços de inteligência, a polícia e grande parte do judiciário utilizam as mesmas práticas: ameaçam as famílias, perseguem, pro-cessam lideranças, prendem, multam através dos órgãos ambientais, etc. Por outro lado, é comum ver empresas re-formar prédios do judiciário ou até mes-mo ver denúncias de pagamento de diá-rias a policiais.

8. A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) é um verdadeiro ninho das em-presas privadas. Enquanto deveriam es-tar fiscalizando as empresas, na verdade o que mais fazem é conceder aumentos

nas tarifas de energia elétrica e liberação de novas hidrelétricas.

9. Os meios de comunicação, em sua maio-ria, que recebem concessão para pres-tar serviços públicos, na verdade não fazem isso e os governos não dão a mínima importância para este tipo de atitude. As empresas passam a finan-ciar através de patrocínios e de outras formas obscuras os meios de comu-nicação local (rádios, TVs, jornais,...) com o objetivo de divulgar notícias a seu favor ou até mesmo para omitirem notícias verdadeiras. Há casos em que rádios foram proibidas de dar espaço a pessoas que eram ligadas ao MAB e em outros casos as empresas exigiram a demissão de alguns trabalhadores de rádios ou cortariam os patrocínios.

[ Pressão sobre a sociedade

As ações iniciais das empresas são, principalmente, ganhar a opinião pública para legitimar e até mesmo buscar apoio para fazer coisas que contrariam os “valo-res” da sociedade, como expulsar agricul-tores violentamente e destruir o meio am-biente,, por exemplo.

Geralmente fazem um discurso de duplo caráter: cheio de promessas para a sociedade em geral ou de ameaças para os que resistem. No primeiro caso, são bastante otimistas e direcionados para o conjunto da população ou para algumas categorias específicas. Já o discurso de ameaças pressiona grupos ou toda popu-lação, fazendo com que ela assuma um sentimento de culpa caso questione ou coloque em risco as obras.

A seguir, relacionamos algumas formasde promessas e ou de ameaças:

l Dizem que as obras serão para “ge-ração de empregos”, e quem não concorda é porque não quer gerar empregos;

l Dizem que farão “aproveitamento da mão de obra local”. Para iludir o povo desenvolvem cursos de “qualificação técnica”, criando uma falsa esperan-ça na população;

As obras no rio Madeira são consideradas pelo governocomo prioritárias no PAC

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l Dizem que quem não concorda com a obra são os que “retardam o pro-gresso e o desenvolvimento da re-gião e do país”;

l Ameaçam a população com o discurso de que “caso as hidrelétricas não forem construídas faltará energia ao povo”, criando a falsa idéia de um apagão;

l Dizem que com a hidrelétrica vai aju-dar a diminuir o preço da energia ao povo;

l Dizem que a hidroeletricidade é a ener-gia mais limpa e vai ajudar para pre-servação do meio ambiente, etc.

As empresas interessadas nas obras, como a Tractebel, Alcoa, Votorantin, Bra-desco, Vale, etc, não aparecem com seus verdadeiros nomes para evitar que a popu-lação da região saiba de fato quem são os beneficiados. Criam e utilizam nomes como se fossem do local (Consórcio Foz do Cha-pecó, Consórcio Madeira Energia, Consór-cio Estreito, etc). Esses nomes são máscaras e isso confunde muita gente!

Outra forma bastante utilizada são os “financiamentos”, “patrocínios” ou até mesmo doações a determinadas pessoas e/ou entidades, com recursos contabilizados nos custos gerais da obra. Financiam pequenos projetos para co-munidades e bairros, financiam reforma de prédios do fórum, de delegacias, construção de casas para alguns po-licias, fazem doação de ambulâncias para o corpo de bombeiros, etc.

Além disso, compram espaços nos veículos de comunicação, patroci-nam programas e fazem propagandas em horários nobres. Se não bastasse, financiam campanhas de governado-res, deputados, prefeitos e vereadores ou líderes de entidades para deixá-los de “rabo preso”, como se diz popular-mente. Na verdade é uma forma de fazer estas pessoas trabalhar a serviço dos interesses destas multinacionais. Tem um ditado popular que diz: “Quem paga a banda, escolhe a música”.

Buscam comprar líderes comunitários, presidentes de associações, de sindicatos,

de cooperativas. E fazem isso das mais di-ferentes formas: dando dinheiro, dando estrutura, financiando pequenos projetos, convidando para eventos, etc. Mas a lista não acaba aí, compram também estudio-sos, professores, pesquisadores, setores das universidades através de projetos de pesquisa ou extensão que são financiados em forma de parcerias.

Por fim, criam comitês e frentes pró-barragem, envolvendo fundações, insti-tutos, políticos, cooperativas, sindicatos, imobiliárias, governos, partidos, mídia, ju-diciário, etc, para ajudar a fazer pressão e propaganda a favor da obra.

As pessoas e entidades que, num pri-meiro momento, são envolvidas no processo de legitimação de obra, depois são abando-nadas pelas empresas. Em diversos lugares do Brasil as situações são as mesmas, depois que a barragem já está instalada e gerando energia, as empresas donas das barragens se retiram da região, encerram contratos e convênios, enganando pessoas e entidades.

[ Pressão sobre os atingidos por barragens

Depois de ganhar a opinião pública vem a construção da obra, a retirada das famílias e remoção das comunidades. O grande objetivo das empresas é fazer tudo isso gastando o mínimo possível, pois me-nos custo significa mais lucro.

Outro fator importante é fazer a obra dentro do cronograma estabelecido, ou seja, atraso significa perder dinheiro. Como a pro-dução da energia é muito lucrativa e tem um retorno imediato, quanto antes estiver ge-rando energia melhor para a empresa.

Casa queimada durante despejo de família na UHE Foz do Chapecó

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Aqui nos parece que foi onde as empresas mais qualificaram sua atuação. “Vendem” uma imagem da barragem como sinônimo de desenvolvimento, como única forma de promover desen-volvimento, principalmente para regiões pobres e sem acesso a políticas públi-cas. Este encantamento inicial encontra apoio em parte da sociedade e até boa parte dos atingidos são enganados por este discurso.

Mas o tempo e a realidade, prin-cipalmente perante a população direta-mente envolvida, desmentem este dis-curso. Parece que no último período, as empresas se deram conta que o discurso e a promessa de desenvolvimento para a “sociedade” já não atende mais seus objetivos. Agora tentam “liberar” pe-quenos projetos ou criam fundos de de-senvolvimento para propagar a idéia de empreendedorismo.

Ao mesmo tempo, as empresas não querem aumentar a concessão de direitos aos atingidos. Então criam e qualificam uma série de artimanhas voltadas prin-cipalmente para neutralizar e acalmar os atingidos pela barragem e não deixar for-talecer sua organização.

Formas de indenizaçãoaplicadas pelas empresas

O plano de ação para retirar a população atingida se desenvolve seguindo vários passos. Este plano de ação ocorre paralelamente aos “passos utilizados na construção e viabilização de toda hidrelétrica”.

A construção de barragens ini-ciou-se a mais de 100 anos aqui no Brasil. Mas os primeiros direitos das famílias passaram ser reconhecidos apenas a partir dos anos 80. Todos os direitos que existem hoje são frutos de muita luta e organização. Nada foi ganho, tudo foi conquistado. Nova-mente as empresas querem diminuir os direitos, negando ou até dimi-nuindo as formas de indenização.

Para aquelas famílias que con-seguem o direito, a principal opção

aplicada e utilizada pelas empresas é a indenização em dinheiro, apro-ximadamente 60% a 70% das famí-lias são obrigadas a receber desta forma, pois custa mais barato para as empresas. Depois a empresa busca liberar a chamada carta de crédito (20%). O reassentamento é algo que as empresas buscam evi-tar, pois isso mantém as famílias organizadas além de custar mais caro para a empresa. A recupera-ção das comunidades ribeirinhas é outra coisa que as empresas evitam reconhecer. E se falarmos em inves-timento para o desenvolvimento da região é praticamente zero.

A seguir explicaremos como as empresas fazem para retirar a

população atingida

1. Fase de elaboração dos estudos e re-conhecimento da região, para pensar o plano de retirada das famílias. A retirada das famílias se dará após a liberação da Licença de Instalação da obra e quanto mais rápida é a cons-trução da obra, maior é a pressão so-bre as famílias.

2. Depois de montado o plano, vem en-tão a chamada “limpeza” do territó-rio: com a Licença de Instalação, as empresas passam a fazer o trabalho de retirada da população para poder implantar a barragem. Muitas famí-lias são expulsas sem receber ne-nhum tipo de direito e outras rece-bem valor injustos.

A primeira área a ser “limpada” é o canteiro de obras. Nesta área as em-presas aplicam práticas e métodos que servirão de exemplos pedagógicos, in-denizações altas para alguns, direito ne-gado e/ou despejo judicial para outros, queima de casas, etc.

Depois da “limpeza” do canteiro, vem a fase de “limpeza” das demais comunidades. Como fazem esta limpeza? Através da aquisição de propriedades.

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A prática principal é a aquisição so-mente das terras dos proprietários, chamamos isto de concepção territo-rial patrimonialista. Para as empresas, atingido é só o proprietário de terra encoberta pelo lago com o título/es-critura da terra. Neste conceito não há propriamente prejuízos e nem famílias atingidas e menos ainda qualquer coisa que possa ser entendida como direito dos atingidos. O que há é o interesse de desapropriação do território por in-teresse público exercido pela empresa. Neste sentido, o “problema” se reduz a negociar apenas com os proprietários o valor da propriedade.

Para adquirir esta propriedade a empresa faz um levantamento e elabora uma proposta de valor a ser pago pela indenização. O mais estranho neste pro-cesso é que a empresa interessada que “contratou” os estudos de viabilidade da obra, é quem por seus critérios defi-ne quem são os atingidos e qual o tipo de indenização ele tem direito (o valor, a carta de crédito, o reassentamento, o remanescente). Por fim é ela quem apli-ca o direito.

Se a família achar injusto e não aceitar, a empresa torna a vida desta família um verdadeiro inferno, pres-sionando e ameaçando. Se não houver uma “negociação amigável” para se chegar a um acordo, a em-presa encaminha para a disputa judicial, ou seja, faz o depósito em juízo do valor que a empresa acha justo e encaminha o des-pejo desta família. A demora do setor judiciário, que pode levar anos até o julgamento final, faz as famílias aceitarem os baixos valores pagos. É muito comum ocorrer isso.

As famílias que vivem na co-munidade são os verdadeiros donos das terras e não precisam “provar” sua ati-vidade para perceber que dependem desta região, mas a grande parte acaba com direi-to negado. Quando a empresa chega com as Licenças e o poder de “desapropriação” por utilidade pública, passa a ser dona das ter-

ras e a situação se inverte: os donos deixam de ser donos e a empresa (invasora) passa a ser a dona das terras. O próximo passo dado pela empresa é negar o direito aos atingidos, para mostrar que a empresa é quem detém o poder de agora em diante.

Não ter direito é igual a não existir. Para reverter o caso negado ou o valor das indenizações, a família de vítima passa a ser suspeita, pois é ela que terá de provar que tem direito. A empresa passa a exigir todo o tipo de provas e documentos e in-formações, mas tudo para gerar um grande apavoramento e desespero. Com medo de perder tudo muitas famílias acabam acei-tando qualquer “migalha” oferecida pelas empresas ou aceitando a condição de direi-to negado. Muitas ainda saem endeusando a própria empresa.

Empresas superexploram seus próprios operários

A situação dos trabalhadores/as nas hidrelétricas é de superexploração. Isso tem causado revoltas cada vez mais freqüentes. Em março de 2008, aproximadamente dois mil funcionários da barragem Foz do Chape-có (no rio Uruguai) se revoltaram dentro do canteiro de obras, incendiaram caminhões, alojamentos, saquearam os caixas eletrôni-cos, etc. Por três dias a empresa perdeu o controle total da construção no canteiro.

Inconformados, operários destruíram alojamentosdo canteiro de obras da UHE Foz do chapecó

Quais são as queixas mais freqüentes dos trabalhadores/as?

_ Baixos salários;

_ As jornadas de trabalho são longas, na maioria sem direitos trabalhistas, pois

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grande parte os serviços é terceirizado e através de contratos temporários;

_ O trabalho é insalubre e sem segurança;

_ As empresas trouxeram os trabalhadores de estados distantes e agora não pagam a pas-sagem de volta para a região de origem;

_ Grande parte dos operários não pode sair do canteiro de obras nem para de-positar dinheiro para suas famílias que moram longe;

_ Há excesso de violência dos seguranças da obra com relação aos trabalhadores e as condições são bem diferentes das promes-sas e das propagandas da própria empresa;

_ O canteiro de obras tem cerca e valas;

_ A alimentação é de péssima qualidade.

O caso de Foz do Chapecónão é o único!

No dia 24 de março de 2008, um grupo de 1200 operários que trabalham na construção do complexo industrial da Votorantim Celulose e Papel e da empre-sa International Paper, em Três Lagoas (MS), se revoltaram e atearam fogo em um dos pavilhões, reclamando de falta de comida e condições de trabalho. Re-centemente, na UHE Estreito (TO/MA), ocorreu reação semelhante.

Além dos próprios trabalhadores das obras, os trabalhadores do setor elétrico também são muito prejudicados. Em Minas Gerais, por exemplo, os eletricitários estão vi-venciando uma mudança drástica na sua re-

lação de trabalho. Os trabalhadores terceirizados que prestam serviços para a Companhia Energética de Mi-nas Gerais (Cemig) recebem salários menores que trabalhadores que ain-da são da empresa, possuem menos direitos e piores condições de traba-lho. Além disso, devido o treinamento precário, são eles as principais vítimas de acidentes graves e fatais. De 1999 até junho de 2007, 68 trabalhadores morreram prestando serviço, dentre as vítimas, 48 eram trabalhadores ter-ceirizados pela Cemig, judicialmente co-responsável pelos acidentes.

As cercas estão em volta de todo o canteiro de obrasimpedindo os operários de saírem por qualquer lugar.

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O MAB e alguns pesquisadores sem-pre afirmaram que são os atingidos por barragens, em específico, e o

povo brasileiro, de modo geral, quem paga a conta dos grandes projetos hidrelétricos do país e do baixo preço da energia pago pelas grandes empresas.

Em breve isto poderá ser provado por A + B. Uma comissão especial criada pelo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), da Secretaria Especial dos Direitos Humanos ligado ao Ministério da Justiça, está analisando denúncias de violações de direitos humanos na constru-ção de hidrelétricas. A comissão realizou visitas a todas as regiões do país e está ana-lisando os seguintes casos:

- Usina hidrelétrica de Tucuruí, no Pará;

- Barragem de Acauã (captação água), na Paraíba;

- PCH’s de Emboque e Fumaça, e Bar-ragem de Aimorés, em Minas Gerais;

- Usina hidrelétrica de Cana Brava, em Goiás;

- Usina hidrelétrica de Foz do Chapecó (Rio Grande do Sul e Santa Catarina).

Os resultados preliminares do traba-lho da comissão confirmaram aquilo que o MAB sempre denunciou: o “progresso” causa retrocesso nas condições de vida da população atingida.

O Brasil reconhece o direito de toda pessoa humana ao “não retrocesso nas suas condições de vida”. Este direito está reconhecido pelo artigo 11 do Pacto Inter-nacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), nos seguintes termos: “é obrigação do Estado (governo) garantir um nível de vida adequado para si próprio e para sua família, inclusive a alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim

“O povo bate na barragem dura até que fura!”

Dito popular deatingidos porbarragens doEquador

como uma melhora contínua nas suas con-dições de vida”.

Ao dizer que está garantida uma me-lhora contínua das condições de vida, está se afirmando que as obras e ações do Esta-do (governo), como as barragens e outros grandes projetos, devem melhorar as con-dições de vida dos atingidos, e não piorar! Ou seja, não pode haver retrocesso. Por exemplo, se antes da obra, os pescadores tinham a sua atividade de pescadores e com ela sobreviviam, depois da obra, estas pessoas não podem perder suas atividades, ou deve lhe ser garantido outra atividade. Outro exemplo: se antes da obra as pessoas tinham direito à posse da terra e a moradia, não podem ficar sem terra ou moradia de-pois da obra.

Todavia, não é isto o que vem aconte-cendo no Brasil. Em todos os casos analisa-dos pela comissão, os indícios são de que, cada vez mais as condições de vida pioram: alimentação, moradia, perda de atividades econômicas, perdas ambientais. Também está sendo comprovado que não estão ocorrendo “justas e prévias” indenizações aos atingidos, e que ocorrem uma série de violações de direitos humanos.

Os estudos de caso têm provado que as violações de direitos mais comuns são:

a) violação do direito à informação, na me-dida em que não são realizadas audiên-cias públicas nos municípios e comunida-des atingidas, como tampouco tiveram os cidadãos acesso a outras fontes de informação acerca da situação que vi-venciariam, ou seja, quando teria início a construção, quando se daria o enchi-mento do lago, a que tipo de reparação teriam direito, que casas e outras edifica-ções seriam alagadas etc.

BARRAGENS É VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS: OS ATINGIDOS PAGAM A CONTA

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b) violação do direito ao trabalho:

- daqueles que eram agricultores e que foram reassentados em áreas que não lhes permitam trabalhar na agricultura;

- dos não proprietários aos quais não foi dado oportunidade de reinserção pro-dutiva, resultando grave desemprego;

- na medida em que a supressão das condições ambientais pré-existentes inviabilizou as capacidades técnicas de muitos atingidos, e em outros casos ocorreu a eliminação das condições de exercício de qualificações profissionais sem uma adequada requalificação dos trabalhadores ou reposição daquelas condições;

c) violação do direito à propriedade e a jus-ta indenização, na medida em que pro-prietários não receberam indenizações pela desapropriação de seus imóveis ou receberam indenizações que não recom-puseram sua situação anterior;

d) violação do direito à moradia, visto que:

- as populações reassentadas foram alo-jadas em construções inadequadas, ou seja, em condições piores às anteriores;

- parte da população deslocada não re-assentada recebeu indenização insufi-ciente para garantir uma moradia ade-quada, ou não recebeu nenhum tipo de indenização (trabalhadores rurais);

e) violação direito à educação, uma vez que houve uma degradação das condições de acesso à educação adequada;

f) violação do direito à saúde em razão da inexistência de postos médicos nos re-assentamentos ou alternativas de aten-dimento médico acessíveis; bem como precariedade ou inexistência de infra-estrutura de saneamento básico;

g) violação do direito à alimentação, na me-dida em que ocorre o comprometimen-to da dieta alimentar das famílias com o comprometimento da agricultura de vár-zea, a redução dos estoques pesqueiros e de espécies vegetais tradicionais;

h) violação do direito ao meio ambiente seguro e sadio, na medida em que as barragens causam graves danos para as

populações que dependiam do seu meio ambiente original para sobrevivência (pescadores, ribeirinhos, indígenas, etc), algumas inclusive, sem estudo prévio de impactos ambientais;

i) violação dos direitos culturais, na medida em que a construção de barragens oca-siona a perda dos conhecimentos e cos-tumes tradicionais, que conformavam a identidade histórica das pessoas e dos lugares, e também ligada ao sentimento religioso das famílias, pela perda de lo-cais tradicionais de culto e onde estavam enterrados seus antepassados, ocorren-do inclusive, casos de cemitérios que não são removidos e ficam embaixo d’água;

j) violação do direito à razoável duração do processo legal e ao acesso a justi-ça, na medida em que os atingidos não possuem condições de pagar advoga-dos para ingressar com ações judiciais e que na maioria dos casos não há de-fensoria pública, e ainda, aqueles que conseguem ingressar com ações judi-ciais, pela excessiva demora no julga-mento dos processos;

O caso da Barragem de Acauã é em-blemático, pois até o Ministério Público Fe-deral da Paraíba entrou com uma ação civil pública contra o estado e a União por não ter disponibilizado os meios de vida que os moradores possuíam antes da barragem. O reservatório, concluído em agosto de 2002, provocou o deslocamento de aproximada-mente 4.500 pessoas (cerca de 800 famílias) que viviam às margens do rio e dali tiravam seu sustento. As águas atingiram as zonas rurais das mencionadas cidades, inundan-do completamente esses povoados.

Para o Ministério Público Federal, a remoção das comunidades situadas na ba-cia da Barragem de Acauã trouxe desestru-turação para as economias familiares dos atingidos, provocando carências derivadas da suspensão das atividades produtivas e do deslocamento para conjuntos habitacionais sem nenhum serviço de atendimento e ativi-dades essenciais para a vida. “A situação de milhares de pessoas lançadas ao desamparo de conjuntos habitacionais situados no meio do nada, impossibilitando a seus habitantes o exercício de qualquer atividade produtiva

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da obra e que se pautam pelo lucro; po-de-se afirmar que a construção de bar-ragens constitui uma afronta ao direito à dignidade da pessoa humana, na me-dida em que, no seu conjunto, as viola-ções de direitos humanos ocorridas na implementação de barragens, impossibi-litam a reestruturação da vida individual e coletiva, com graves impactos sobre a identidade, a estima e as perspectivas de futuro dos atingidos. Os atingidos precisam lutar por um novo modelo de desenvolvimento e dentro deste, um novo modelo energético, onde o desen-volvimento seja concebido como “um processo econômico, social, cultural e político abrangente, que visa o constan-te melhoramento do bem-estar da popu-lação e de cada pessoa, na base de sua participação ativa, livre e significativa e na justa distribuição dos benefícios re-sultantes dele” (Declaração sobre o di-reito dos povos ao desenvolvimento, de 18/10/1993, da Comissão dos Direitos Humanos da ONU).

reclama, urgentemente, a adoção de medi-das que venham a suprir as carências mais elementares (alimentação, escola, creche, saúde pública, infra-estrutura, transporte público, lazer, segurança pública) da popu-lação deslocada, até que se cumpra a obri-gação governamental de lhes conferir uma convivência sustentável em seus novos la-res”, argumenta o Ministério Público.

Citamos o caso de Acauã, mas assim também acontece em Tucuruí, no Pará; em Cana Brava, no estado de Goiás, e na maioria dos lugares onde as barragens são construídas, e depois de muitos anos da obra concluída as famílias ainda esperam solução para seus problemas, criados em função da obra.

De um modo geral, hoje no Brasil, onde não há legislação que assegure e estabeleça quais são os direitos dos atin-gidos por barragens, nem há um órgão público encarregado de realizar as inde-nizações e reassentamentos dos atingi-dos, que ficam na mão dos proprietários

Conjuntos habitacionais para onde foram deslocados os atingidos pela barragem de Acauã

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Como vimos, a raiz do problema energético nacional está na lógica do sistema que faz da energia uma

mercadoria e que, ao persistir esta lógica, não haverá tecnologia A ou B que resolva a questão da população pobre.

É impossível pensar em economia de energia quando se quer vender o máximo para obter o máximo de lucro. Da mesma forma, é impossível pensar em usos e fontes que sejam mais favo-ráveis ao povo e menos prejudiciais ao meio ambiente quando o único objetivo é a acumulação de riquezas nas mãos de poucos. Fontes variadas (água, sol, ven-to, biomassa,etc) existem e podem ser usadas para o bem estar de todo o povo, porém, não haverá fonte ou tecnologia que favoreça a maioria, se não houver uma organização econômica, política e social que se coloque para o bem de toda a humanidade.

Pensar, neste momento, em uma nova política é começar pensar em no-vos princípios norteadores para as nossas ações e lutas. Na construção de um pro-jeto popular energético o MAB definiu os seguintes pontos como princípios que de-vem nortear esta construção:

1. Prosseguir e fortalecer a luta contra as barragens;

2. Lutar para que a energia esteja nas mãos do Estado brasileiro, a serviço e sob controle do povo brasileiro;

3. Lutar para garantir todos os direi-tos dos atingidos por barragens, o acesso as políticas públicas, in-cluindo a luta para resgatar a dívida social e ambiental nas barragens já construídas;

NOSSAS PROPOSTAS

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4. Lutar para que a energia não se fir-me como simples mercadoria para dar lucro aos grupos empresariais que a comercializam;

5. Lutar para que o seu uso seja ra-cional e atenda as necessidades vitais do povo brasileiro, em pri-meiro lugar. Portanto, devemos nos colocar contra modelos de produção cuja finalidade é expro-priar os recursos naturais e ener-géticos brasileiros;

6. Lutar para que a energia seja institu-cionalmente garantida a todas as fa-mílias brasileiras, como direito. Isto significa empreender uma luta nacio-nal, no campo e na cidade, pelo “di-reito à energia elétrica”;

7. Lutar por tarifas subsidiadas para produção de bens e serviços desti-nados à melhoria da qualidade de vida do povo brasileiro, priorizando a alimentação, a moradia, a educa-ção, a saúde, o transporte e o lazer das maiorias;

8. Lutar pela suspensão dos subsí-dios aos grandes consumidores, em particular às indústrias ele-trointensivas;

9. Lutar pela diminuição das tarifas da energia elétrica com isenção no pagamento de até 100 kwh/mês para todas as famílias brasileiras, e que o preço do que for consumi-do acima dos 100 Kwh/mês tenha igualdade com o valor pago pelas grandes empresas;

10. Lutar para que as múltiplas fon-tes de energia sejam prioritaria-

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as empresas de energia elétrica bra-sileira, com a finalidade de aumentar brutalmente o preço da energia elé-trica para o povo brasileiro;

12. Lutar para que a classe traba-lhadora brasileira – assalariada e camponesa – participe em todos os processos de planejamento e organização da produção e distri-buição da energia, no âmbito da sociedade brasileira.

mente selecionadas pelos critérios de economicidade e sustentabili-dade ambiental, visando o aten-dimento das necessidades funda-mentais da vida para esta e para as gerações futuras;

11. Lutar para superar o discurso da es-cassez de energia já impregnado em parte da população que teme ficar sem luz, pois este discurso foi monta-do pelos capitalistas que adquiriram

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Na história de lutas e conquistas das populações atingidas por barragens tem sido assim: quando os gover-

nos e as empresas do setor elétrico deci-dem construir uma barragem para produzir energia, a população que será atingida é a última a ficar sabendo do que irá acontecer com a vida de suas famílias, com as terras, com os postos de trabalho, com as comuni-dades, com o rio.

De forma mais organizada foi nos anos 80 que as populações atingidas ar-ticularam uma forte luta de resistência e através desta obtiverem várias conquis-tas importantes.

No estado do Paraná, foi apresen-tado um projeto de construir a barra-gem de Capanema no Rio Iguaçu, o povo se organizou, fez protestos, expulsou os técnicos da empresas, pressionou

as autoridades locais, fizeram passea-tas, trancaram estradas, arrancaram os marcos e sinalizações que as empresas fizeram e até hoje a barragem não saiu. Fato semelhante ocorreu no Rio Uru-guai onde queriam fazer a barragem de Itapiranga e no primeiro projeto da UHE Machadinho, na divisa do Rio Grande do Sul com Santa Catarina.

No Vale do Ribeira, em São Pau-lo e Paraná, há mais de 20 anos o povo luta contra as barragens e até agora ne-nhuma delas foi construída. Existe um primeiro projeto básico aprovado para construção no Alto Vale do Ribeira no

Paraná, mas o povo ainda resiste e impede a obra.

Na bacia do Rio São Francisco a Barragem de Itaparica foi cons-truída, os atingidos não consegui-ram impedir a obra. No entanto, o povo lutou muito, fizeram várias ocupações, abaixo - assinados, concentrações, muitas reuniões, audiências, e conseguiram com uma grande ocupação que durou mais de uma semana um dos pri-meiros projetos de reassentamen-to do Brasil com a participação dos atingidos, garantindo o direito até para quem não tinha terra. Nem tudo foi cumprido pela empresa construtora da barragem, proble-mas ainda existem, mas houve avanços porque o povo lutou.

Na barragem de Machadinho, no sul, quando a empresa dizia ter encerrado o processo das indeniza-

ções, muitas famílias estavam excluídas, estas se organizaram ocuparam a obra e garantiram reassentamento para mais 280 famílias. Portanto, afirmamos que onde tem luta e organização as empre-

NOSSOS DIREITOS,

SÓ A LUTA FAZ VALER

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“Para cada

problema uma

pauta, para

cada pauta

uma luta!”

Marcos são arrancados em Machadinho/RS, 1988.

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estes programas, exceto as cestas bási-cas, foram extintos, e também não exis-te perspectiva de serem renovados ou criados novos programas. Já faz mais de ano que estamos em diálogo e negocia-ção, e nada de concreto acontece. Nos-sa história mostra que as conquistas só acontecem com muita luta, e mais uma vez não será diferente, nós atingidos não devemos esperar calados.

Nos últimos anos, a luta dos atingi-dos tem, também, servido de exemplo e o MAB tem contribuído em lutas que, além de questionar as obras e garantir os direitos do povo atingido, discute com a população das cidades a questão de um novo projeto energético popular.

Entendemos de onde vem tanto lu-cro das empresas privadas que se apro-priam dos recursos naturais da Nação, usam para produzir e exportar outras riquezas naturais do País como os miné-rios, usam o dinheiro público para fazer as obras, não pagam imposto para expor-tar, geram pouquíssimos empregos e ain-da dizem que isto tudo é para o bem de toda a sociedade, dizem que isto é inte-

resse público.

Assim, o debate do novo projeto energético popular para o Brasil passa por estudarmos o atual modelo que na lógica capi-talista beneficia as grandes em-presas, que expulsa o povo de suas terras e se apropria da ener-gia vendendo-a por preços muito altos para as famílias brasileiras (cobram até 50 centavos por Kilo-wat/hora-mês).

Por isso muitas organizações e movimentos populares urbanos estão junto com o MAB fazendo grandes lutas para denunciar esta exploração e lutando para baixar o preço da luz. Em alguns estados as famílias que se organizaram já tive-rem conquistas: conseguiram baixar o preço da luz.

Centenas de trabalhadores foram até concessionárias de energia e entregaram a autode-

sas são obrigadas a respeitar os direitos, porém onde não houve um forte pro-cesso de luta e organização das famílias atingidas, geralmente estas populações são expulsas de suas terras, sem garan-tia de como continuarão suas vidas em outros lugares.

Além das lutas em cada local, exis-tem lutas nacionais conjuntas como em 2004, quando as negociações não avançavam com o governo Federal, o MAB decidiu fazer uma marcha, mais de 500 atingidos de vários estados ca-minharam durante 13 dias de Goiânia a Brasília, fazendo a denúncia dos pro-jetos de construção de barragens e o tratamento das populações atingidas. Além disso, exigiram o cumprimento da pauta emergencial e, naquele momen-to, vários programas de governo foram conquistados. Podemos citar, dentre eles: alfabetização para jovens e adul-tos, cestas básicas para 18 mil famí-lias, como forma de amenizar a miséria criada pela construção da barragem, um programa de educação ambiental e energético chamado Pecea. Hoje, todos

Educanda nas turmas de alfabetização de jovens e adultos

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claração que garante um descon-to na tarifa. Em Rondônia, uma moradora que participou da luta, em março de 2008 pagou 53 re-ais pelo consumo de 108 Kwh, no mês seguinte, depois de entregar a autodeclaração na distribuido-ra, pagou 37 reais por 119 Kwh. Ela teve um desconto de 16 reais. Em Brasília, um consumidor que antes de entregar a autodeclara-ção pagou 45 reais por 135 Kwh, com a tarifa social, pagou 32 reais por 142 Kwh. Ou seja, com a tarifa social o morador que participou das lutas pa-gou 13 reais a menos. Mesma situação aconteceu no RS com desconto de até 17 reais para outra família.

O momento que estamos vivendo exige cada vez mais que organizemos a luta. As populações atingidas sofrem

com os problemas causados pela obra, a pauta de negociações com o governo e empresas não avança. Nossa tarefa é: discutir os problemas e as necessidades com o povo e de cada problema tornar uma pauta, de toda pauta organizar a luta e de cada luta avançar rumo às con-quistas e vitórias.

Cada vez mais também preci-samos organizar o Movimento, fa-zer alianças com outros que com-partilham dos mesmos interesses que nós e realizar todos os tipos de lutas possíveis, para impedir que as riquezas nacionais fiquem nas mãos de quem só quer explo-rar o povo e destruir a natureza. Estas lutas são nossas e devem ser assumidas, organizadas e articu-ladas pelo MAB em todo o Brasil, com solidariedade e articulação com atingidos de outros países da América Latina e do Mundo.

Então devemos organizar o MAB em:- Comunidades e locais que serão ou já foram atingidos por barragens.

- Todos os lugares que tenha pessoas dispostas a assumir a luta.

Mobilização em Viçosa, MG

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Idéias centrais doII ENCONTRO NACIONAL DO MAB

Reunidos em Curitiba (*), estado do Paraná, Brasil, nos dias 13 a 17 de março de 2006, avaliando nossa história e o momento que vivemos, reafirmamos que:

1. Água e energia não são mercadorias. Água e energia são patrimônios do povo e de-vem estar sob o controle popular.

2. É necessário construir um modelo energético alternativo, com a utilização dos recur-sos naturais, que sirva aos interesses da classe trabalhadora, hoje e no futuro.

3. A luta é contra toda privatização da água e da energia (e reaver o já privatizado) e que se estende à luta contra as barragens e pelos direitos dos atingidos.

4. Lutamos também para combater a exportação de produtos de alta densidade energé-tica (eletrointensivos) utilizados para fins da acumulação capitalista.

5. O MAB é um movimento nacional, autônomo, de massa, de luta, com direção cole-tiva, em todos os níveis, com rostos regionais, sem distinção de sexo, cor, religião, partido político e grau de instrução.

6. Nossa principal forma de luta é a pressão popular.

7. Só o povo organizado e consciente é capaz de transformar, pela raiz, as estruturas opressoras na sociedade.

8. Nossa prática militante é orientada pela pedagogia do exemplo.

9. Construiremos alianças com movimentos e com a sociedade no nível nacional e in-ternacional.

10. A luta do MAB se alimenta no profundo sentimento de amor ao povo e amor à vida.

Água e energia não são mercadorias!Nossa terra, nosso rio, não se vende; nossa terra, nosso rio, se defende!

Terra Sim, Barragens não!Águas para a vida e não para a morte!

(*) Estiveram presentes 1.200 pessoas, de 15 estados (BA, CE, GO, MA, MG, MT, PA, PB, PR, RO, RS, SE, SC, SP, TO) com a maioria de jovens e 4 delegações latino-americanas(Argentina, Bolívia, Nicarágua, Venezuela),

além de outros movimentos, entidades, autoridades, estudantes e personalidades apoiadoras.

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