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8º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política 1 a 4 de agosto de 2012 Gramado- RS Área Temática: Política, Direito e Judiciário. A MAGISTRATURA NO MARANHÃO E AS RELAÇÕES DE GÊNERO: origens, percursos e posicionamentos das juízas Dayana dos S. Delmiro Costa- UFMA/IFMA Igor Gastal Grill- UFMA

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8º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política

1 a 4 de agosto de 2012

Gramado- RS

Área Temática: Política, Direito e Judiciário.

A MAGISTRATURA NO MARANHÃO E AS RELAÇÕES DE GÊNERO:

origens, percursos e posicionamentos das juízas

Dayana dos S. Delmiro Costa- UFMA/IFMA

Igor Gastal Grill- UFMA

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A MAGISTRATURA NO MARANHÃO E AS RELAÇÕES DE GÊNERO:

origens, percursos e posicionamentos das juízas

Dayana dos S. Delmiro Costa*

Igor Gastal Grill**

A caracterização social dos ocupantes dos postos mais elevados de uma

instituição serve como expediente para a compreensão de uma gama de

aspectos interligados. Isto é, a composição de determinado segmento de “elite”

pode contribuir para revelar simultaneamente: 1) a posição das diferentes

esferas do espaço do poder umas em relação às outras, além de possíveis

cadeias de interdependências que estabelecem entre si; 2) as transformações

mais gerais dos princípios de estruturação social que regem determinada

configuração social; 3) papéis, regras, disposições, recursos, estratégias,

elementos dóxicos, crenças, representações que presidem dados universos

sociais que são indistintamente práticos e simbólicos.

O presente paper traz alguns resultados muito preliminares de um

estudo ainda em estágio exploratório sobre uma dimensão do judiciário

maranhense, a magistratura. Enfocando a presença de mulheres neste espaço;

o processo crescente de recrutamento de juízas verificado nas últimas

décadas; os percursos seguidos por um conjunto de casos até então

analisados (via entrevistas em profundidade); e as peculiaridades do que se

convencionou chamar de “feminização” da magistratura em condições muito

específicas, como são aquelas encontradas no Maranhão.

O referencial de análise adotado está fortemente inspirado na sociologia

política francesa. Em especial, as investigações que mobilizam o arsenal de

noções e procedimentos derivados do esquema analítico formulado por Pierre

Bourdieu e equipe. A partir desse enquadramento do olhar, foi possível

identificar, no caso francês, dois movimentos complementares e interligados: a

autonomização da instituição judiciária em relação ao poder político e as

* Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão. Professora de Sociologia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão- IFMA.

** Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do

Maranhão.

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modificações na forma de seleção dos magistrados. O que, por sua vez,

implicou em novos modelos de ação, papeis, regras, etc (GARRAUD, 2003,

2001).

Por meio das transformações morfológicas e sociológicas da população

identificadas na França, decorrentes dos novos modos de recrutamento, é

possível detectar que os magistrados paulatinamente são egressos de uma

origem social predominantemente situada em estratos intermediários da

estrutura social (“classes médias assalariadas”), distanciando-se dos notáveis

políticos locais (GARRAUD, 2003, 2001).

Sendo assim, a partir desses eixos, os estudos sobre a dinâmica de

estruturação das práticas sociais e profissionais no espaço jurídico têm

demonstrado as múltiplas relações entre essa instituição e o mundo da política

em diferentes contextos1. Na magistratura, por exemplo, tanto no processo de

estruturação interno (condições de entrada e promoção na carreira) quanto

externo (frente a Estado), observamos as distintas conexões do cenário jurídico

com o político.

Outro viés dirige-se ao tratamento da instituição judiciária à luz de “uma

perspectiva processual, construtivista e disposicional de análise” (GRILL, 2012,

p.2). Ou seja: “o de considerar indissociavelmente o caráter coercitivo das

instituições e o quanto elas devem aos investimentos (conscientes ou não) dos

agentes, no sentido da sua invenção, adaptação, consolidação, reforma,

reprodução, insubordinação, etc” (GRILL, 2012, p. 3). Sem deixar de

considerar, que a apreensão dos fatores acima elencados depende de fina

“análise de percursos individuais e suas imbricações com o modus operandi

em um domínio específico” (GRILL, 2012, p.4) e como tal procedimento

“funciona como instrumento heurístico para a reflexão centrada nos

ajustamentos entre disposições e regras/papéis prescritos” (GRILL, 2012, p.6).

Regras essas, que podem ser formais e informais, morais e pragmáticas2.

1 No contexto europeu, podemos destacar, os trabalhos de Roussel (1998); Garraud (2001) e

(2002), mais especificamente na França e as pesquisas de Vauchez (2001; 2009); Musella

(2001) na Itália. No Brasil desenvolveram estudos nesse sentido Engelman (2006); Grill e Reis

(2010); Almeida (2010), dentre outros.

2 Para uma discussão mais aprofundada, ver a resenha escrita por Grill (2012) sobre o livro

organizado por Lagroye e Offerlé (2010).

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Por fim, o ingresso de novos perfis nestas instituições, principalmente de

agentes que historicamente tiveram possibilidades restritas de acessos a

arenas de exercício de poder, é utilizado nesta agenda como fator que, ao

mesmo tempo, exemplifica o processo de diversificação social pelo qual passa

a instituição e seus indícios de descolamento em relação a outros domínios do

campo do poder. Além disso, evidencia a complexa e intrincada teia de

tensões, osmoses, conflitos entre forças conservadoras e subversivas, agentes

estabelecidos e outsiders que se desenha no seu interior.

Desse modo, os obstáculos para o acesso à magistratura e para a

atuação neste âmbito por parte das mulheres se mostraram significativamente

instigantes para o estudo da dinâmica de institucionalização do campo jurídico.

Dulong (2010), ao analisar práticas e condutas tidas como subversivas

nas instituições, se previne do julgamento moral e destaca como certas

condutas dos agentes são consideradas nocivas para a instituição por irem de

encontro aos valores considerados tradicionais, afrontando o princípio de

continuidade das mesmas. Destaca que os comportamentos subversivos

dependem tanto das propriedades da instituição como das propriedades dos

agentes, sem falar nas propriedades de situação.

A autora afirma que a participação das mulheres na política ou na

instituição jurídica pode ser vista como uma forma de subversão, porque elas

transgridem a divisão sexual do trabalho. Essa prática, tida como subversiva do

ponto de vista das relações sociais de sexo, é percebida de que forma pelos

guardiões da ordem institucional? Como já salientado, nossa pesquisa está

inserida nesse debate sobre o ingresso das mulheres no espaço jurídico. Vale

ressaltar as condições históricas que permitiram nesse espaço estruturado de

posições estruturantes as relações de poder sobre o ingresso de novos

segmentos na magistratura.

Anne Boigeol (1996) menciona, em seu artigo sobre a difícil

implementação da igualdade de gênero na magistratura francesa, alguns

discursos dos deputados na década de 1930 que eram contrários à

participação de mulheres nas carreiras jurídicas. Estes utilizavam argumentos,

tais como, a incompatibilidade das atividades familiares das mulheres com a

profissão jurídica; atributos, que segundo eles, estariam relacionados à

condição feminina- sensibilidade, fraqueza, sedução- que seriam opostos ao

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que se esperava de um magistrado; afirmavam ainda que a presença de

mulheres poderia perturbar a paz do homem do tribunal. Boigeol (1996)

destaca alguns desses argumentos utilizados pelos deputados:

Faire entrer “la femme dans le prétoire”, c'est d'abord la faire sortir du rôle qui est naturellement le sien ; être femme c'est avant tout être mère de famille. (…)Faire entrer la femme dans le prétoire c'est ensuitemettre en danger la justice et ses agents. Avec les femmes, ce sont tous les attributs associés au sexe que l'on qualifie de “faible” qui investissent le lieu : sentiment, fragilité, faiblesse et... séduction, qui s'opposent à tout ce qui constitue les attributs du magistrat, rigueur, impartialité, rationalité, autorité... Non seulement les femmes n'ont pas les qualités nécessaires de raisonnement, de logique, de mise en oeuvre des connaissances juridiques, mais leur présence risque de perturber le cours de la justice, de troubler l'ordre du prétoire, c'est-à-dire de troubler les hommes du prétoire (BOIGEOL, 1996, p.111, grifos nossos).

No que concerne a estruturação do espaço jurídico no Brasil, este

apresenta uma série de especificidades em relação à dinâmica européia.

Diferentemente do que demonstram as análises de Bourdieu (2010a) sobre o

campo jurídico na França e na Alemanha, no contexto da estrutura do judiciário

brasileiro não observa-se uma oposição entre as posições de “teóricos” e

“práticos” - com a primeira “voltada para elaboração puramente teórica da

doutrina, monopólio dos professores” e a segunda com “a interpretação voltada

para a avaliação prática de um caso particular, apanágio de magistrados”

(BOURDIEU, 2010a, p.217). No Brasil, as concorrências em torno da definição

do direito legítimo de ser aplicado são determinadas tradicionalmente no

espaço dos “práticos”, tanto nas carreiras de Estado como entre os advogados.

No âmbito das faculdades de direito não é possível perceber uma

autonomização em relação ao mundo dos “práticos”, ao contrário está

imbricado a este (ENGELMANN, 2006).

Com a redemocratização política do Brasil, a partir do fim do regime

militar e da promulgação da Constituição de 1988, algumas mudanças podem

ser observadas em suas diferentes instituições, entre as quais se encontra o

poder Judiciário. A partir da década de 1990, conforme atesta o estudo de

Engelmann (2006), observa-se uma maior diversificação na atuação

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profissional entre os agentes jurídicos, bem como nas disciplinas que

fundamentam o conjunto de atividades nesse âmbito.

Engelman (2006) ao analisar a relação entre os processos de

diversificação do campo jurídico e as concepções de direito e de atuação

profissional no espaço jurídico do Rio Grande do Sul, identifica a existência de

dois pólos, um mais tradicional e outro socialmente mais diversificado. O autor

agrupa no primeiro pólo os bacharéis que estão associados as “grandes

famílias de juristas e políticos”, que detêm amplo capital social e posicionam-se

nas carreiras jurídicas e na gestão das faculdades de Direito mais tradicionais”

(ENGELMANN, 2006, p.12).

No segundo pólo, as tomadas de posição dos juristas caracterizam-se

pela busca de redefinições de concepções de direito e uso das carreiras

jurídicas. Neste pólo observa-se os investimentos em titulação acadêmica “há

uma tendência à valorização do ensino universitário de pós-graduação como

opção de carreira profissional”(ENGELMANN, 2006, p.12).

Como já salientado, nossa pesquisa encontra-se ainda em andamento,

nos faltam elementos para uma análise mais refinada sobre a diversificação do

espaço jurídico maranhense sob o recorte de gênero. No entanto, pode-se

afirmar que dentre os casos analisados (7 no total até então) apenas um foge

ao padrão de recrutamento considerado mais tradicional. Não no que se refere

a obtenção de títulos de mestrado ou doutorado, mas na origem social

diferenciada, no perfil crítico e politizado.

No Brasil, as dificuldades para entrada das mulheres nas carreiras

jurídicas ainda pode ser observada. Mesmo com a ocupação do cargo de juíza

por uma mulher em 1954, foi necessário o estabelecimento de critérios que

vedassem qualquer forma de discriminação nos concursos de ingresso na

magistratura. Antes de 1996, os candidatos podiam ser identificados pelo nome

nos exames, o que causava, segundo Bonelli (2011), uma alta eliminação de

nomes femininos. Com a omissão dessa identificação, a aprovação de

mulheres nessa etapa cresceu. Mas na avaliação oral, a vantagem feminina

desaparece, na entrevista com a banca, percebe-se a estratégia do

fechamento nessa carreira, ressalta Bonelli (2011):

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Avaliações subjetivas e pouco transparentes sobre a postura profissional desejada seguem existindo e controlando o ingresso na carreira. Este controle é interno, feito pelos desembargadores, os pares profissionais do topo da hierarquia judiciária, onde a predominância masculina permanece impressionante (BONELLI, 2011, p.106)

No Maranhão, em abril de 2011, ocorreu um caso ilustrativo nesse sentido.

Foi noticiado na imprensa, o fato de uma advogada que participava da prova

oral para o concurso de juiz estadual, e afirmava ter sido reprovada

injustamente, por não ter cedido aos galanteios de um dos membros da

comissão examinadora. O caso acabou chegando nas mãos da corregedora

nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, que solicitou à Polícia Federal a

busca e apreensão dos discos rígidos onde estavam armazenados os arquivos

de áudio correspondentes às provas orais do concurso3.

Apesar dos mecanismos de controle interno às profissões jurídicas, a

magistratura brasileira tem passado por algumas mudanças nas últimas

décadas, que vem alterando a composição social de seus quadros. Dentre os

aspectos destacados por Werneck Vianna et al. (1997) encontra-se a crescente

juvenialização e feminização, que segundo o autor, devem ser consideradas

como dimensões de um mesmo processo de mudanças na carreira, associada

a modificações em outros âmbitos.

Trabalhos sobre essa temática (Bonnelli 2009, 2011; Barbalho 2008;

Pugliesi 2003 e Sadeck, 2006) apontam algumas hipóteses para uma maior

heterogeneidade das carreiras jurídicas: a redemocratização política do Brasil a

partir do fim da ditadura militar e da promulgação da Constituição de 1988,

trazendo esperança de democratização das instituições públicas; o aumento do

número de vagas e cursos entre os setores públicos e privados no que diz

respeito ao ensino superior jurídico, a partir de 1960, com intensificação nos

anos de 1990 e adoção de concursos públicos na forma de recrutamento para

magistratura.

3 Para maiores detalhes:

http://www.istoe.com.br/reportagens/141509_CANTADAS+INDECOROSAS+NOS+TRIBUNAIS

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Alguns dados permitem realizar comparações que revelam essas

mudanças no espaço jurídico e nas relações de gênero4 no Brasil. Até o final

dos anos 1960, apenas 2,3% dos magistrados eram mulheres. No fim da

década de 1970, a participação feminina subiu para 8%. Em 1993 foi a 11% e

em 2005 pulou para 22,4%5.

A questão em pauta nesta exposição e que orienta a pesquisa mais

ampla em andamento é como essa crescente feminização se processa em um

estado com características ímpares no contexto nacional. Como interagem com

práticas patrimonialistas no âmbito do funcionamento do poder público e

faccionalistas nas disputas políticas, assim como entre uma “elite” altamente

concentrada, interligada por forte inter-conhecimento e inter-reconhecimento e

presente em múltiplas dimensões do exercício da dominação via redes de

parentesco? Quer dizer, é possível afirmar que presença das mulheres na

magistratura: 1) está ligada a transformações mais gerais na estruturação das

relações de poder entre espaços sociais, camadas sociais e sexos? 2) é

acompanhada de uma diversificação social relevante da topografia do judiciário

e de uma autonomização em relação ao pólo do poder político, em especial

das disputas faccionais?

Como mostraram Grill e Reis (2010) em trabalho anterior sobre alianças

e concorrências entre profissionais do mundo jurídico, do jornalismo e da

política, o que se verifica neste universo é uma:

configuração histórica marcada pela justaposição entre as múltiplas dimensões, lógicas e recursos de luta (inclusive sendo monopolizados por “famílias” e círculos restritos de uma elite com participação em distintas instâncias e fundados em redes de inter-conhecimento), sendo os diferentes protagonistas dos “casos” (políticos, jornalistas, advogados, juízes, etc.), assim como as instituições (partidárias, empresas de comunicação, escritórios de advocacia, instâncias jurídicas), partes integrantes de lutas entre facções. Não é possível, então, simplesmente transpor os modelos de análise que constatam as transformações internas e externas simultâneas aos diferentes campos (jurídico, midiático e político); a

4 Adoto a perspectiva de Scott (1990) cuja contribuição serviu para se pensar a diferença

sexual e a sexualidade como construções sociais que sofrem variações históricas e culturais. A autora ressalta ainda que “o gênero” é um elemento constitutivo das relações sociais, sendo estas relações significantes de poder. 5 Dados extraídos da pesquisa “Magistrados: uma imagem em movimento” de Sadek (2006)

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existência de posições homólogas em cada um deles; a imposição de critérios de excelência ligados à capacidade crítica ou ao ideal de independência; e os usos feitos pelos diferentes protagonistas da legitimidade conquistada em um espaço político mais ampliado e diversificado (Grill e Reis, 2010, p.5)

Trataremos agora, então, dessas questões referenciando o contexto

maranhense.

Mulheres na Magistratura Maranhense

Com quase duzentos anos de história, o Tribunal de Justiça do

Maranhão é o terceiro mais antigo do Brasil6. O meio de recrutamento de juízes

de direito que foi adotado no Estado por vários anos, foi a livre nomeação pelo

governador, escolhido dentre promotores públicos com mais de três anos de

exercício e bacharéis em direito com mais de quatro anos de prática forense.

Com a Reforma Constitucional de 20 de março de 1924, foi instituído no

Maranhão, o concurso como forma de seleção para o cargo de juiz de direito,

fato que resultou na publicação em outubro de 1925, do edital para realização

do primeiro concurso para ingresso na magistratura maranhense.

Ao observarmos as diferentes condições de entrada na magistratura no

Maranhão, percebemos que quando prevalecia nomeação por parte do

governador, nenhuma mulher aparece como juíza, demonstrando que esta é

uma carreira que foi estruturada de forma predominantemente masculina. No

entanto, a forma de recrutamento não é o único aspecto que deve ser

considerado na diferenciação na composição por gênero na magistratura, mas

o próprio período que os cursos jurídicos foram criados no Brasil, primeira

metade do século XIX. Nesse período, os espaços públicos eram reservados

aos homens, causando uma entrada tardia das mulheres em diversos espaços,

dentre os quais a magistratura.

6 O primeiro tribunal do Brasil foi instalado em 1609, com sede na Bahia, mais de um século

depois foi criado o segundo tribunal, Tribunal da Relação do Rio de Janeiro em 1751. É em

1811 que se institui no Brasil o seu terceiro Tribunal, a Relação Maranhense, instalada em São

Luís a 04 de novembro de 1813, jurisdicionando do Ceará ao Amazonas.

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No entanto, a composição social dos quadros da magistratura brasileira

vem sofrendo algumas alterações ao longo dos anos. Bonelli (2001) ao analisar

a composição social dos desembargadores e o processo de profissionalização

do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, retoma três perspectivas que

discutem a temática da magistratura brasileira. Na primeira vertente, a autora

destaca os estudos de Schwartz (1979) e Carvalho (1996), o primeiro detém

sua análise sobre o Tribunal da Relação da Bahia no período colonial e sua

inserção na sociedade local e o segundo focaliza o papel da magistratura no

Império, ambos enfatizam a importância do processo de socialização durante a

formação educacional em Coimbra e a experiência profissional para unificação

dessa elite, destacando os valores comuns partilhados na carreira e a

homogeneidade político-ideológica. Os desembargadores eram vistos por

Schwartz (1979) como o corpo mais profissionalizado da burocracia que o

Brasil possuía. Para Carvalho (1996), os magistrados ajustavam-se ao objetivo

centralizador do Estado na ordem imperial, situando-se na iniciativa do poder

central em ampliar a jurisdição da burocracia sobre as atividades antes

desenvolvidas pelas redes clientelísticas das oligarquias locais.

Na segunda vertente, Bonelli (2001) ressalta as análises desenvolvidas

Flory (1986), Graham (1997) e Koerner (1998). Nesses estudos não se observa

mais a visão dos juízes como corporação profissional coesa e sim uma luta

intra-elites, entre juízes togados e juízes de paz durante o período imperial.

Flory (1986) analisou os conflitos jurisdicionais no Brasil no período de 1808 a

1871, o autor identificou que os juízes de paz e o tribunal do júri, eram

controlados pelas elites locais enquanto que os magistrados profissionais

estavam aliados ao governo central. Os magistrados profissionais eram

avessos a um sistema judicial que atribuía poderes aos juízes de paz e ao

tribunal de júri. Graham (1997) desconstrói a imagem de um judiciário

impessoal destacando a intensa participação da magistratura brasileira nas

práticas clientelísticas. Existia uma hierarquia profissional no âmbito do sistema

judicial, mas Graham (1997) demonstra que a ascensão do juiz estava sujeita

às regras do apadrinhamento do poder central. “O contraste entre o juiz de

direito e o não-letrado estava longe dos valores da autonomia profissional,

predominando o pertencimento de classe sobre a existência de um ideário

próprio da corporação” (Bonelli, 2001).

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No Brasil, o sistema de justiça dual, com a justiça federal e a justiça dos

estados, estabelece-se na República. Sendo que na primeira fase da

República, segundo Koerner (1998), o Judiciário estadual ainda é marcado pela

ausência de autonomia dos magistrados, os cargos são ocupados por meio de

nomeação política e os juízes são impossibilitados de julgar atos

governamentais. Os magistrados continuavam exercendo atividades para além

da esfera judicial, atuando no âmbito policial, administrativo e político.

Observamos no Brasil um processo de delimitação de fronteiras com a

política, em 1850 com a Lei que dava incentivos para que os magistrados

permanecessem na função e não seguissem ao mesmo tempo a carreira

judicial e a política. Mas é a reforma judiciária de 1871 que vai promover a

ampliação de algumas características burocráticas da magistratura, por meio

de uma ascensão mais padronizada na carreira, estabelecimento de garantias

como a inamovibilidade e a irredutibilidade dos vencimentos, separação das

funções de polícia das judiciais e aumento do número de juízes de direito em

detrimento dos juízes não letrados. Entretanto nesse período, mesmo com as

conquistas promovidas pela reforma, faltava autonomia para magistratura, pois

os juízes não podiam selecionar seus pares, ainda prevalecia a nomeação de

fora para dentro.

O processo de burocratização aos poucos favorece a coesão entre os

magistrados, o que estimulará mais adiante a mobilização por formas

profissionalizadas de recrutamento e por padronização dos critérios de

promoção. Como dito anteriormente, no Maranhão o concurso foi

implementado pela primeira vez, como forma de seleção para o cargo de juiz

de direito, em outubro de 1925.

A terceira vertente apresentada por Bonelli (2001) é aquela cujos

argumentos dos autores focam-se em visões de homogeneidade em relação ao

passado da magistratura brasileira, devido aos mecanismos de controle às

profissões jurídicas e de heterogeneidade em relação a magistratura atual.

Dentre os aspectos destacados por Werneck Vianna et al (1997) encontra-se a

crescente juvenialização e feminização, que, segundo os autores, devem ser

consideradas como dimensões de um mesmo processo de mudanças na

carreira, associada a modificações em outros âmbitos.

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Ao trazermos essa discussão para o contexto maranhense, observamos

as mudanças no que se refere especificamente à entrada de mulheres na

magistratura, a partir de meados da década de 1970. Em 1976 identificamos a

1ª desembargadora: Judith Pacheco; em 1998 a Comissão Examinadora de

Concurso teve entre seus membros uma mulher, a desembargadora Maria

Madalena A. Serejo7. Nos anos 1999/2000 uma mulher assume o cargo de

Corregedor-Geral da Justiça, e a mesma assume em seguida, no ano de 2002

o cargo de presidente do Tribunal de Justiça: Etelvina Gonçalves. Esta foi

também a 1ª mulher a assumir a presidência da Associação dos Magistrados

do Maranhão- AMMA. Podemos afirmar, portanto, que se antes a magistratura

no Maranhão era vista como um espaço mais homogêneo, a composição atual

demonstra algumas mudanças em relação ao ingresso feminino. Quando os

dados relativos ao gênero são analisados segundo o ano do concurso, torna-se

visível o aumento do número de mulheres, conforme pode ser verificado no

quadro abaixo:

QUADRO 1- MULHERES NO CONCURSO PARA JUIZ DE DIREITO NO MARANHÃO

ANO DO CONCURSO

TOTAL APROVADOS

MULHERES APROVADAS

% MULHERES

1926 1 0 0%

1945 14 0 0%

1955 28 3 11%

1967 25 1 4%

1970 15 5 33%

1975 5 2 40%

1986 30 9 30%

1989 24 7 29%

1991 56 14 25%

1998 36 17 47%

2001 26 8 31%

2009 58 17 29%

Fonte: Construído com base nos dados de CUNHA (2002) e site do TJ-MA

Observamos por meio do quadro acima que o aumento do número de

mulheres na magistratura maranhense se intensifica nos anos de 1990, com

7 Dados extraídos da pesquisa de CUNHA (2002)

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destaque para o concurso de 1998, que teve entre os 36 aprovados, 17

mulheres, correspondendo a 47%.

No entanto, cabe destacar que apesar do aumento observado do número

de mulheres entre os juízes no Maranhão, as que conseguem ocupar posições

de destaque geralmente estão vinculadas à famílias de político-profissionais do

estado. Entre as trajetórias representativas desse imbricamento entre as

esferas “política” e “jurídica” que evidenciam a capacidade de gestão do capital

de relações sociais advindo do grupo familiar, podemos mencionar alguns

casos, tais como a duas desembargadoras aposentadas: Etelvina Gonçalves e

Madalena Serejo e a desembargadora Nelma Sarney.

Etelvina Ribeiro Gonçalves nasceu em Teresina (PI), passou a morar no

Maranhão em 1951, iniciou suas atividades na magistratura em 1970,

passando pelas comarcas de Icatu, Santa Inês, Imperatriz e Codó, até chegar à

capital, em maio de 1990. Foi promovida desembargadora em 1993, já no ano

seguinte foi eleita presidente da Associação dos Magistrados do Maranhão.

Como já salientado, foi eleita corregedora-geral da Justiça e posteriormente

presidenta do Tribunal para o biênio 2002- 2003. O pertencimento à elite

política e jurídica maranhense da ex-desembargadora, se expressa nas

relações de parentesco com o juiz Tales do Amarante Ribeiro Gonçalves, pai

do atual prefeito de São Luis, João Castelo Ribeiro Gonçalves (PSDB), que é

primo de Etelvina Gonçalves. João Castelo já ocupou diversos cargos na

política maranhense. Foi eleito deputado federal pelo Maranhão em 1970 e

reeleito em 1974, foi indicado governador do Maranhão em 1978. João Castelo

conseguiu obter êxito nas eleições de 1982 para senador. Em 1985, sua

esposa, Gardênia Gonçalves, é eleita prefeita de São Luis. Em 2002, João

Castelo reelege-se deputado federal e em 2008 foi eleito prefeito de São Luís.

Madalena Serejo nasceu em Buriti (MA), graduou-se em Direito pela

UFMA em 1963. Também iniciou suas atividades judicantes em 1970, chegou a

última entrância em 1986. Foi diretora do Fórum Desembargador Sarney

Costa, supervisora do Juizado Informal de Pequenas Causas, juíza eleitoral e

juíza auxiliar da Corregedoria Geral da Justiça. Em 1997 foi promovida para o

cargo de desembargadora, Foi vice-presidente do Tribunal de Justiça na

gestão do desembargador Milson de Souza Coutinho (2004-2005) e

supervisora dos Juizados Especiais naquele biênio. Assumiu a presidência do

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TJ, em sucessão ao desembargador Raymundo Liciano. Com 38 anos de

magistratura, Madalena Serejo se aposentou em 2008. O percurso social de

Madalena Serejo e a relação entre as posições alcançadas no espaço jurídico

e as tomadas de posição no interior das lutas jurídicas e políticas no Maranhão,

pode ser evidenciada na atuação política do “casal” Márcia Regina Serejo

Marinho (filha da ex-desembargadora) e Paulo Celso Fonseca Marinho.

Márcia Marinho teve sua primeira incursão política aos 31 anos, em

1994, assumindo como deputada federal, filiada ao PSC (mesmo partido do

marido). Formada em Medicina pela Universidade Federal do Maranhão, foi

Secretária Municipal da Criança e Ação Social em 1993 em Caxias (MA),

período em que seu esposo, Paulo Marinho, era prefeito do referido município.

Em 1996, Márcia Marinho muda de partido indo para o PSDB. Disputou

as eleições de 2000, sendo eleita prefeita de Caxias (MA) pelo PFL (atual

DEM, partido que até pouco tempo pertencia a atual governadora do

Maranhão, Roseana Sarney). Em 2002, seu esposo reelege-se pela terceira

vez deputado federal. Foi Gerente Regional do município de Pedreiras (MA),

em 2000, à época do governo de Roseana Sarney. O “casal” Paulo Marinho e

Márcia Marinho demonstraram em diferentes campanhas vinculações com a

“família Sarney” (COSTA et al 2011, p. 30-31).

Observamos, por meio das movimentações entre Márcia Marinho e seu

marido, tanto na prefeitura de Caxias (MA) como no cargo de deputado federal,

a interdependência entre os princípios que regem as lutas políticas locais,

estaduais e nacionais. Possibilitando Márcia Marinho ser uma das poucas

mulheres maranhenses a ocupar o cargo de deputada federal8

Outra trajetória representativa de mulher juíza no Maranhão, cujos

familiares ocupam há vários anos posições de destaque na vida política do

estado é a de Nelma Sarney.

Nelma Sarney nasceu em São Luís (MA), graduou-se em direito na

UFMA. Ingressou na magistratura em 1986, ocupando sucessivamente as

Comarcas de Alcântara, Ribamar e Itapecuru-Mirim. Foi diretora do Fórum

Desembargador Sarney Costa no biênio 1994/1995. O capital de relações

8 Em um espaço de 24 anos (de 1982 a 2006) apenas 4 mulheres foram eleitas deputada federal no

Maranhão: Roseana Sarney, Márcia Marinho, Nice Lobão e Terezinha Fernandes. Para maiores detalhes ver COSTA (2009).

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sociais dos agentes jurídicos, em alguns casos, pode ser ampliado por meio de

alianças matrimoniais. A desembargadora Nelma Sarney é casada com Ronald

Sarney, irmão do senador José Sarney, pai de Roseana Sarney9. O próprio

nome do Fórum Desembargador Sarney Costa é em homenagem ao pai de

José Sarney. O cunhado da desembargadora Nelma Sarney, José Sarney foi

deputado, senador pelo Maranhão entre 1971 e 1985, governador do

Maranhão entre 1966 e 1971, Presidente da República de 1985 a 1990. Após

deixar a presidência, Sarney continuou sua trajetória política como senador

pelo estado do Amapá. Foi presidente do Senado Federal de 1995 a 1997, de

2003 a 2005, cargo que ocupa novamente desde 2009. Além de pai da atual

governadora do Maranhão, Roseana Sarney, tem como filhos o deputado

federal Sarney Filho e o empresário Fernando Sarney.

As relações de parentesco das três agentes aqui estudadas evidenciam

como o capital social acumulado por esses grupos familiares ajudam na

ocupação de postos das diferentes esferas do espaço do poder.

Na justiça de primeiro grau no Maranhão, em 2001 do total de 203 juízes,

68 eram mulheres, atualmente dos 275 magistrados, 96 são mulheres. Entre os

níveis de progressão nessa instância10, a entrância intermediária é a que

apresenta um maior número de magistradas, 41 mulheres e 66 homens,

enquanto que entre os 98 juízes que ocupam a entrância final, apenas 29 são

juízas.

Na justiça de segundo grau, ocupam o quadro do Tribunal de Justiça do

Maranhão, 27 desembargadores, sendo 5 mulheres11. No quadro de

desembargadores do TJMA observamos a heterogeneidade social apontadas

pelas pesquisas de Werneck Vianna et al (1997). Em relação à localidade de

nascimento, o TJMA é constituído por 15 desembargadores naturais de São

Luís, 10 de diferentes cidades do interior do estado e dois desembargadores de

outros estados brasileiros. No que concerne à formação educacional,

9 Sobre a trajetória política de Roseana Sarney ver Gonçalves (2006)

10 Os níveis de progressão na primeira instância da carreira são: juiz substituto, entrância

inicial, entrância intermediária e entrância final.

11 São desembargadoras no Maranhão: Cleonice Freire, Anildes Chaves Cruz, Nelma Sarney

Costa, Maria dos Remédios Magalhães, Maria das Graças Mendes.

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observamos uma maior homogeneidade, com quase totalidade dos juízes

formados pela Universidade Federal do Maranhão, apenas um desembargador

se formou pela Universidade Federal do Piauí. Quando observamos esses

dados sob o recorte de gênero, entre as 5 desembargadoras, 3 são naturais da

capital e duas de municípios maranhenses localizados no interior. No que se

refere à formação educacional todas são formadas pela Universidade Federal

do Maranhão.

O estudo de Pugliesi (2003) demonstrou que a Justiça do Trabalho no

Brasil tende a ter uma feminização mais intensa. O número acentuado de

juízas na justiça do trabalho também se confirma no Maranhão. Entre as 23

varas trabalhistas, 15 são ocupadas por juízas (8 titulares e 7 substitutas),

como demonstram os quadros abaixo:

QUADRO 2- JUÍZAS DO TRABALHO- MARANHÃO

Juíza Titular Vara do Trabalho

JUACEMA AGUIAR COSTA 1ª vara de São Luís

SOLANGE CRISTINA PASSOS DE CASTRO CORDEIRO

4ª vara de São Luís

NOÉLIA MARIA CAVALCANTI MARTINS E ROCHA

5ª vara de São Luís

LILIANA MARIA FERREIRA SOARES BOUÉRES

Vara de Bacabal

MARIA DO SOCORRO ALMEIDA DE SOUSA

Vara de Caxias

FERNANDA FRANKLIN DA COSTA RAMOS BELFORT

1ª vara de Imperatriz

ERIKA GUIMARÃES GONÇALVES 2ª vara de Imperatriz

MARIA DA CONCEIÇÃO MEIRELLES MENDES

Vara de Pedreiras

Fonte: Construído com base nos dados do site do TRT

Juíza Substituta Vara do Trabalho

LILIANE DE LIMA SILVA 1ª vara de São Luís

MÁRCIA SUELY CORREA MORAES 5ª vara de São Luís

CAROLINA BULAMARQUI CARVALHO 6ª vara de São Luís

ELZENIR LAUANDE FRANCO 2ª vara de São Luís

GABRIELLE AMADO BOUMANN 3ª vara de São Luís

ANGELA CRISTINA CARVALHO MOTA LUNA

Vara de Imperatriz

JOANA D‟ARCK SANCHES DA SILVA RIBEIRO

Vara de Balsas

Fonte: Construído com base nos dados do site do TRT

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Ao entrevistar as juízas do trabalho, Pugliesi (2003) identificou três

motivos principais para essa opção de atuação: a experiência na área; a

associação da profissão com características da identidade feminina e

concursos menos discriminatórios. Segundo os depoimentos das juízas, a

imagem negativa sobre a Justiça do Trabalho não está associada ao ingresso

das mulheres na carreira e sim o acesso pode ter sido uma conseqüência de

tal desprestígio, uma vez que devido à sua origem administrativa e a presença

dos juízes classistas, marcam o TRT com menor importância social em

comparação às outras áreas.

O aumento da participação das mulheres na magistratura em alguns

contextos europeus, como a França, está associado a uma perda do prestígio

social da carreira, a uma depreciação dos vencimentos dos juízes, o que

causou um menor interesse dos homens. No Brasil, não parece ser esse o

caso, ao contrário ainda é bastante competitivo o concurso para juiz, mesmo

com as dificuldades apresentadas no início da carreira em especial ao que se

refere às passagens por municípios com pouca infra-estrutura.

No Maranhão, foi possível observar por meio das entrevistas as

diferentes condições de trabalho entre as magistradas que exercem sua função

nas comarcas de entrância inicial e intermediária das que atuam em São Luís

(entrância final). Entrevistamos até o momento 7 magistradas12, destas 4 atuam

na capital e as demais em cidades do interior do estado. Todas se formaram na

Universidade Federal do Maranhão, 6 foram aprovadas no concurso na década

de 1990. O tempo médio de intervalo entre a graduação no curso de direito e o

ingresso na magistratura é de 6 anos. Dentre as atividades profissionais

exercidas pelas juízas antes do ingresso na carreira destaca-se a advocacia.

Observamos ainda casos de provenientes do serviço público e de atuação

como promotora. Ainda não observamos nenhum caso de exercício da

docência em universidades ou na Escola Superior da Magistratura.

Em todos os casos foi possível identificar laços de parentesco com

profissionais da área jurídica, nos diferentes ramos, advogados, promotores,

12

Todas as entrevistas só foram possíveis, devido aos contatos prévios por parte de conhecidos das magistradas ou indicação de outras juízas por parte das entrevistadas. Uma entrevista foi realizada na Corregedoria, três no Fórum Desembargador Sarney Costa e três na residência das juízas.

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desembargador, o que pode indicar a tendência à apropriação da carreira

jurídica por parte de familiares que investiram recursos para garantir a

reprodução de sua posição nos espaço jurídico. Werneck Vianna et al (1997)

demonstraram em sua pesquisa que dentre os magistrados em atividade

26,6% declaram ter algum parente magistrado, 14,1% afirmaram ter algum

promotor na família e 4,3% algum defensor público. Como a pesquisa ainda

encontra-se em andamento não é possível verificar se o recrutamento

endógeno é significativo em relação às juízas em termos comparativos.

Segue abaixo o quadro com o perfil social das juízas entrevistadas13.

13

No quadro sinótico e nos depoimentos buscamos proteger a identidade das entrevistadas, não utilizamos, portanto, os nomes das juízas considerando a relação de confiança instituída entre pesquisador e pesquisado.

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QUADRO 3- QUADRO SINÓTICO DOS PERCURSOS DAS JUÍZAS ENTREVISTADAS

JUÍZA

PROFISSÃO ANTERIOR À

MAGISTRATURA

ANO DE

APROVAÇÃO NO

CONCURSO

INSTITUIÇÃO E ANO DE

FORMAÇÃO

LAÇOS DE PARENTESCO

COM PROFISSIONAIS

DA ÁREA JURÍDICA

Nº DE FILHOS

ESCOLARIDADE DOS PAIS

OCUPAÇÃO DOS PAIS

Juíza A Advogada 1993 UFMA- 1978 Cônjuge- Advogado

2 Mãe e Pai- Superior

Completo

Mãe- Nutricionista

Pai- Engenheiro

Juíza B Técnica Administrativa do

INSS;

Técnica Administrativa na Caixa Econômica

Federal;

Advogada;

Analista Judiciária do TRE.

1996

UFMA- 1989

Cônjuge- Advogado

2

Mãe e Pai- Ensino Médio incompleto

Mãe e Pai- Pequenos

Agricultores

Juíza C Servidora Pública na Justiça Federal

(assessoria jurídica)

1998 UFMA- 1992 Não se aplica Não se aplica

Mãe e Pai- Superior

Completo

Mãe- professora

Pai- professor universitário e economista.

Juíza D Promotora de Justiça

1993 UFMA- 1987 Mãe 3 Mãe- Superior Completo Pai- não informado pela

entrevistada

Mãe- professora e

advogada

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Juíza E Advogada 2004 UFMA- 1998 Pai 2 Mãe e Pai- Superior Completo

Pai- Procurador de Justiça

Mãe- professora de

História

Juíza F Advogada 1993 UFMA Pai- procurador Tio- procurador

Irmão- advogado

Primos-advogados

2 Mãe- Ensino Médio Completo

Pai- Superior Completo

Pai- Procurador do Estado

aposentado Mãe- do lar

Juíza G Advogada

Assessoria jurídica

1998 UFMA Pai- desembargador

Irmão- advogado

Não se aplica

Mãe e Pai- Superior Completo

Mãe- Enfermeira e Professora da

UFMA Pai-

Desembargador

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Quando questionadas sobre a importância de descender de uma “família”

dedicada às atividades jurídicas, observamos, em alguns relatos, o destaque

que algumas juízas deram para momentos da infância que retratam a influência

familiar para opção da carreira jurídica.

Meu pai se formou em direito pela UFMA. Ele foi uma influência muito grande na minha vida, eu sou muito apegada ao meu pai, sempre fui. Em 1978 meu pai passou no concurso da magistratura e foi ser juiz no interior do Maranhão, trabalhou em Loreto por cinco anos e nesse período foi um período um pouco difícil pra mim, porque eu tinha sete anos de idade e eu sofria muito com a ausência , quando ele ainda advogava,ele ia estudar aí eu vestia camisa dele, dizia que eu ia ser advogada, nesse tempo eu já tinha essa cabeça e ele ria comigo, brincava e eu gostava muito de estudar. Eu me recordo que minhas férias sempre eram na comarca que meu pai trabalhava, acho que por isso que eu não sofro o impacto do interior, diferente de alguns colegas que têm dificuldade de adaptação (entrevista com Juíza, casada, sem filhos).

Como a minha família tem muito advogado eu pelo menos desde nova eu vivi tudo isso da profissão. Eu era pequena tinha 7 anos meu pai fazia direito, quando ele ia para faculdade ele me levava, assistia muitas aulas, todo mundo me conhecia. Então a conversa lá em casa era isso. Eu tenho um tio, que é irmão da minha mãe, que era procurador do estado do Piauí então as pessoas que freqüentavam a casa da minha mãe, ainda hoje a maioria dos amigos do meu pai que era procurador, as conversas que geravam era em torno de direito (entrevista com Juíza, casada, 2 filhos).

A trajetória de um juiz de primeiro grau começa usualmente em comarca

situada no interior do estado. As juízas entrevistadas relataram os desafios

enfrentados pelos magistrados nessas condições, tais como a distância das

comarcas, a inexperiência, o fato de ser mulher, a exposição a juízos únicos,

submetidas a uma multiplicidade temática, elas precisam atuar na justiça cível,

administrativa e penal.

Quando questionada sobre o começo de suas atividades na magistratura

uma juíza relata:

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(...) Ah, foi horrível. Porque quando eu fiz, eu sabia que ia passar muito tempo no interior – como de fato estou até hoje – mas eu não imaginava que fosse tanto. Então assim, eu era muito acostumada, sempre urbana, embora São Luís na época não fosse lá uma grande cidade, mas eu tinha verdadeiro horror ao interior, não gostava de ir para o interior... E para mim foi um choque, porque a cidade que eu fui era chamada Governador Eugênio Barros, uma cidade que fica ali atrás do município de Presidente Dutra, mais ou menos 4h30 de estrada daqui até lá, as estradas estavam péssimas, era muito cansativo e eu ia e vinha todo final de semana, porque eu tinha uma necessidade de estar perto da minha família e de estar em São Luis. (...) E outra coisa, tinha um agravante: eu era primeira juíza daquela cidade, porque lá tinha sido instalada a comarca e tinha um juiz respondendo, e eu fui a primeira... a primeira mulher(...) Tem coisas que agente vivencia só na prática, tem coisas que a lei não abrange, que a gente tem que fazer uma analogia e eu sentia assim meio... foi muito difícil esse começo. Mas, assim, o que era mais difícil, também, era trabalhar inicialmente com a parte criminal, porque a gente, quando vai para essas comarcas, a gente é tido como clínicos gerais. (...) Então é muito difícil, mas com o tempo termina ficando uma coisa corriqueira vai embrutecendo mais um pouquinho, vai ficando um pouco mais seco para enfrentar essas situações, principalmente no âmbito criminal (entrevista com Juíza, solteira, sem filhos).

Percebemos no relato acima que a socialização como magistrada iniciou-

se fora da lógica urbana da capital, com as dificuldades de deslocamento

semanal entre a comarca e São Luís. Notamos que a entrevistada destacou

como agravante o fato de ela ser a primeira mulher juíza a atuar na comarca,

talvez por considerar que essa condição se afasta do papel esperado para o

exercício da judicatura.

Bourdieu (2010b) ao estudar como as estruturas de dominação social

masculina se estabelecem na sociedade cabila, demonstra os mecanismos

responsáveis por essa naturalização dos papéis do homem e da mulher. O

autor explica os processos que são responsáveis pela transformação do

arbitrário cultural em natural. Bourdieu (2010b) afirma que a divisão entre os

sexos está presente tanto em estado objetivado nas coisas, em todo mundo

social, como em estado incorporado nos corpos e nos habitus dos agentes.

Nesses termos, quando observamos no relato da entrevistada a caracterização

de sua situação de primeira mulher juíza na comarca como “agravante”,

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demonstra a existência de uma divisão socialmente construída entre os sexos,

como algo evidente, natural.

Em outros depoimentos também foi possível identificar situações

ilustrativas de como “a divisão entre os sexos parece estar “na ordem das

coisas”, como se diz por vezes para falar do que é normal, natural, a ponto de

ser inevitável” (BOURDIEU, 2010, p. 17). O ambiente do interior do estado no

Maranhão é destacado como um espaço ainda bastante machista por outra

entrevistada, conforme relato abaixo:

(...) porque agente começa nossa carreira no interior, onde o povo ainda tem uma concepção onde o papel da mulher é muito retraído, arcaico. Então eu senti um pouco de... de... não chega ser discriminação, é o um menosprezo pelas minhas decisões pelo fato de eu ser mulher e está decidindo uma causa numa área, uma região ainda cheia de machistas, de homens autoritários, ainda com aquele ambiente familiar onde o homem que predomina, onde o homem é quem dá a ultima opinião, nesse aspecto eu senti um pouco, mais com o passar do tempo, fui mostrando meu trabalho e isso foi diminuindo (entrevista com Juíza, casada, mãe de dois filhos).

A carreira jurídica para mulher eu acho que é mais difícil do que para o homem. E eles mesmos, quase todos os homens, se for fazer uma pesquisa, uma enquete, eles vão dizer isso. Porque além de você ser juíza, você tem que ser mãe, mulher e também se impor, porque as pessoas quando chegam nunca esperam encontrar uma juíza (...). Elas esperam encontrar um juiz homem, depois se for uma juíza elas nunca esperam encontrar uma juíza jovem, elas esperam encontrar aquela... Uma velhinha chegou e disse: “Você que é a juíza?”, “Sim, sou eu”, “Ah, eu pensei que juíza era gorda, velha (risos)” Eu acho que em regra tem que se impor mais, nesse aspecto de, de marcar, eu acho que fica aquela coisa de, assim, eles acham que mulher é mais... como é a palavra?... Aquela coisa dócil, meiga, a gente precisa proteger, mas não, e a mulher magistrada não pode passar essa imagem, né? (entrevista com Juíza casada, possui um casal de filhos).

O preconceito em relação ao fato de ser mulher é destacado pelas

entrevistadas não apenas em relação aos usuários dos serviços jurídicos, mas

também no interior do próprio judiciário. Quando perguntamos sobra a atuação

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das mulheres nas carreiras jurídicas e as possíveis modificações nesse

aspecto, a juíza destaca:

Olha, eu acho que já melhorou bastante, já tem um progresso, mas eu acho que a própria instituição ela ainda continua valorizando mais o trabalho do juiz do que da juíza. Isso para mim ainda continua. Uma vez eu escutei um conselho de uma colega e eu nunca esqueci, logo que eu entrei na magistratura, ela era mais adiantada, já em terceira entrância, eu tava em primeira, ela disse: “Zezé, se tu conseguires que ninguém fale de ti, já tá ótimo, porque elogios tu não vai receber”. Então, é o que eu percebo hoje. Eu já fiz trabalhos excelentes que eu nunca recebi um elogio da Corregedoria, nem do Tribunal, e eu vejo colegas homens que já fizeram bem menos do que eu, mas que tem um reconhecimento... Então eu acho que isso desmotiva (...). Eu trabalhei muito tempo sozinha, levando toda a comarca junto, todos os colegas sabiam disso, com uma produtividade excelente, dando toda essa assistência que eu tô te falando, mas isso nunca foi valorizando pela minha instituição. Não que eu fizesse por isso, mas é que às vezes você via um colega que chegava lá, fazia um... trabalho bem menor – era páginas, era isso – e eu comecei, passei a observar que não era só comigo, que outras colegas também faziam excelentes trabalhos, mas isso não era valorizado. Então eu ainda sinto que a instituição, o Poder Judiciário, ele ainda tem um ranço de machismo, de “é o juiz”(Juíza, mãe de três filhos, divorciada).

Em sua fala a juíza destaca a ausência do reconhecimento de seu

empenho profissional e de suas colegas magistradas por parte do Poder

Judiciário, destaca, ainda, que fora advertida sobre isso, desde o princípio de

sua carreira ( a juíza entrevista encontra-se atualmente na entrância final).

Quando perguntamos as juízas como elas conciliavam a função de

magistradas com as atividades familiares, percebemos que as exigências de

uma carreira como a da magistratura incidem fortemente sobre a organização

da vida privada das juízas, sobretudo quando se tem filhos.

A dinâmica foi mais ou menos assim: primeiro que o casamento não agüentou... Meu marido não aceitava, acabou que houve um distanciamento muito grande, justamente por essa questão de passar tempo fora, de sair segunda e voltar sexta, então a gente... Ele hoje é um grande amigo meu e eu

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passei a sair e deixar meus filhos, uma época com a minha mãe, depois com ele, depois com a empregada, quando eles já estavam maiores, entendeu? E de lá, tentando gerenciar uma casa, né? Uma casa aqui e uma casa lá (Juíza, mãe de três filhos, divorciada). É mais difícil pra mulher, que é mulher, é juíza, é mãe... quando eu voltei a trabalhar ele tinha 4 meses, no inicio eu levava meu filho para Carutapera, eu tinha que amamentar nas porteiras das fazendas, eu parava e ali amamentava... foi um sofrimento. Quantas vezes ele adoecia não tinha hospital, não tinha nada, eu saia com esse menino correndo... uma vez ele passou muito mal o que era para tirar em cinco horas eu tirei em três... foi uma agonia, ele teve salmonella, pegou lá, quase morre. E isso foi só uma das agonias, olha que a gente passa cada coisa. A outra quando eu tava grávida dela, tava lá em Carutapera, tava grávida de dois meses, dois não acho que três meses, eram três meses, eu até pensava que era um menino e aí eu tô lá teve uma confusão, um assalto, entraram no Fórum, eram seis homens encapuzados, atrás de mim, tive que me esconder em banheiro, uma coisa assim terrível... achei que tinha perdido o bebê... depois fui no médico, descobri que não tinha perdido e ainda descobri que era uma menina. Então é isso que é o mais difícil que eu acho desse lado de você ser mãe e mulher. Quando ameaçam só você é uma coisa, a gente que é juiz, a gente recebe ameaça o tempo todo e você não pode fraquejar, porque se você fraquejar aqui quando você chegar na outra comarca isso também vai acontecer. Quando eu recebi minha primeira carta de ameaça de morte eles diziam, eu sei onde seu filho estuda, eu sei onde sua família mora, se você ama seu filho saia daqui (Juíza casada, possui um casal de filhos).

No caso acima não houve assassinato de juíza, diferente do ocorrido em

2011, com a juíza Patrícia Acioli, da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo, no Rio

de Janeiro, mas conforme relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o

Maranhão desponta como um dos mais inseguros para o exercício da

magistratura14. De 2008 a 2011, segundo levantamentos da Associação dos

Magistrados do Maranhão (AMMA), 23 Fóruns foram invadidos, com furto de

armas, processos e drogas.

14

Para maiores detalhes ver reportagem “A difícil missão de distribuir justiça”, no informativo Dia a Dia, da Associação dos Magistrados do Maranhão, ano 5, nº 47, setembro de 2011. O trabalho venceu a edição 2012 do prêmio AMB de Jornalismo.

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Considerações finais

Conforme exposto neste estudo, podemos afirmar que embora o

crescimento do número de magistradas, no judiciário maranhense, seja

significativo, ainda persiste relações muito desiguais entre gêneros, forte

controle de segmentos estabelecidos e pertencimentos dessas juízas aos

círculos de inter-reconhecimento da elite local entre as entrevistadas. Em

relação ao perfil social dos casos analisados, podemos destacar algumas

regularidades de origem familiar, nas relações de parentesco com profissionais

de carreira jurídica, escolaridade e ingresso precoce na magistratura.

Visto da perspectiva do gênero, a variável de origem familiar demonstra

entre as entrevistadas que as magistradas procedem, em maior número de

famílias com alta escolaridade, e especialmente com o pai exercendo

atividades vinculadas às altas posições entre as carreiras jurídicas. No que se

refere à escolaridade, todas se formaram na Universidade Federal do

Maranhão, ingressaram no curso de direito entre o final da década de 1970 a

década de 1990. Algumas juízas tiveram experiências de aprovação em

concursos anteriores, tais como promotora e analista judiciária, mas ainda

assim, quando comparamos o ano de formação com o período de ingresso na

magistratura, este fato sugere que a opção pelo concurso público nesta área é

majoritariamente precoce.

Referências Bibliográficas

ALMEILDA, F.N.R de. A Nobreza Togada: as elites jurídicas e a política da justiça no Brasil. Tese (Doutorado) – FFLCH- PPGCP- USP, 2010.

BARBALHO, R. M. A feminização das carreiras jurídicas: construções identitárias de advogadas e juízas no âmbito do profissionalismo”. Tese (Doutorado) PPGS- Centro de Educação e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Carlos, 2008.

BOIGEOL, Anne. “Les femmes et les Cours. La difficile mise en oeuvre de l'égalité des sexes dans l'accès à la magistrature”. In: Genèses, 22, 1996. pp. 107-129

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