A MÁQUINA DE FAZER ESPANHÓIS -...
Transcript of A MÁQUINA DE FAZER ESPANHÓIS -...
A MÁQUINA DE FA ZER ESPANHÓIS
P R O F. L U C A S C Y R I N O
M E S T R A N D O E M L E T R A S / U F R G S
TABACARIAÁLVARO DE CAMPOS (FERNANDO PESSOA)Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa,
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei-de pensar?
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Génio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho génios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicómios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora génios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas —
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas —,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistámos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordámos e ele é opaco,
Levantámo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.
(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folhas de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, sem rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.
(Tu, que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno — não concebo bem o quê —,
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)
Vivi, estudei, amei, e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente.
Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.
Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-te como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.
Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olhou-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, e eu deixarei versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?),
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.
(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o: é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.
PORTUGAL PANORAMA HISTÓRICO
DATA EUROPA PORTUGAL
Séc. XV-XVIII expansionismo protagonista
1870 Nacionalismo
X
imperialismo
1880 Fim do expansionismo declínio
(independências)
1890 Ultimatum (Inglaterra)
1910 República
PORTUGAL PANORAMA HISTÓRICO
DATA EUROPA PORTUGAL
1914 I Guerra Mundial
1917 Revolução Soviética
1918 Ascenção do fascismo Golpe Militar
X
comunismo
PORTUGAL PANORAMA HISTÓRICO
DATA EUROPA PORTUGAL
1926 Salazarismo
1928 Salazar – Ministro de Estado
1932 Estado Novo
1936-1939 Guerra Civil Espanhola
1968 Morte de Salazar
1974 Revolução dos Cravos – III República
1986 Ingresso na UE
O AUTOR
• Quase português, quase angolano – cisão do homem contemporâneo e
cosmopolita
• Sentimento lusitano
• Valter Hugo Lemos – Angola, 25 de setembro de 1971.
• Prêmio Saramago 2007: José Saramago considerou o romance o remorso de
baltazar serapião um tsunami literário: "Por vezes, tive a sensação de assistir a
um novo parto da Língua portuguesa"
ESTRUTURA DO ROMANCE
• 22 capítulos 20 em 1ª pessoa: ausência de pontuação (liberdade)
2 em 3ª pessoa: rigor formal (ditadura)
• Influência artística – José Saramago
• Intertextualidade – Fernando Pessoa (Álvaro de Campos)
• Oposições: democracia X ditadura (contexto histórico)
Orgulho português X Europa
CAPÍTULOS• capítulo um – o fascismo dos bons homens
• capítulo dois – a brancura é um estágio para a desintegração final
• capítulo três – o amor é uma estupidez intermitente mas universal
• capítulo quatro – um ataque de qualquer coisa
• Capítulo Cinco –Teófilo Cubillas
• capítulo seis – beleza de nobre e fome de miserável
• capítulo 7 – herdar Portugal
• capítulo 8 – o silva da europa
• capítulo 9 – o tempo não é linear
• capítulo 10 – os olhos pequenos demais para verem uma coisa tão grande
• capítulo 11 – o esteves a transbordar de metafísica
• capítulo 12 – a promoção da beleza de se ser pobrezinho
• capítulo treze – a máquina de roubar a metafísica a um homem
• capítulo catorze – cidadãos não praticantes
• capítulo quinze – velhos da cabeça
• capítulo dezasseis – a memória seletiva
• Capítulo Dezassete –A máquina de fazer espanhóis
• capítulo dezoito – deus é uma cobiça que temos dentro de nós
• capítulo dezenove – somos um povo de caminhos salgados
• capítulo vinte – o que couber aí é pequeno
• capítulo vinte e um – precisava deste resto de solidão para aprender sobre este resto de companhia
• capítulo vinte e dois – as melhoras da morte
PERSONAGENS
• antonio jorge da silva (protagonista)
• laura
• elisa (filha) + genro e netos
• filho
• esteves sem metafísica
• américo
• pereira
• anísio (religioso, coleciona estátuas)
• silva da europa
• marta
• dr. bernardo
• enrique (espanhol com dupla
nacionalidade)
• medeiros
• d. leopoldina
• inspetores: Isaltino de Jesus, Jaime
Ramos
TEMAS PRINCIPAIS• Traquinagens entre idosos: nostalgia
da juventude
• lar da feliz idade – 93 idosos
• ala esquerda – “quase morte”
• incêndio: abrir espaço
• Amor
• Morte
• Perda
• Passado
• Amargura
• Arrependimento
• Solidão
• Remissão
• Portugal
• Salazarismo X democracia
• 1971 – antonio jorge entrega um
jovem ao Salazarismo
A MÁQUINA DE FAZER ESPANHÓIS
=
METÁFORA PARA O PORTUGUÊS QUE QUER SER EUROPEU,
QUE QUER SAIR DE PORTUGAL
(PORTUGAL E ESPANHA PÓS-FRANCO)
O SONHO PORTUGUÊS NO SÉCULO XXI
EXPANSÃO (SÉCULO XV-XVIII)
RETERRITORIALIZAÇÃO (SÉC. XIX)
DITADURA (SÉC. XX)
NOVA EXPANSÃO (SÉC. XX-XXI)
TRECHOS
somos bons homens, não digo que sejamos assim uns tolos, sem a
robustez necessária, uma certa resistência para as dificuldades, nada
disso, somos genuinamente bons homens e ainda conservamos uma
ingénua vontade de como tal sermos vistos, honestos e
trabalhadores seremos sempre bons homens, nós, os portugueses,
somos mesmo,
ponha isso na sua cabeça, colega silva, e a mim ninguém me apanha diminuído
como outrora, somos europeus, eu sou um silva da europa, isso é que ainda há
muitos que não o são, só porque ainda não o aceitaram ou não o perceberam,
mas, sabe o que lhe digo, é inevitável, vai chegar a todos, é tempo, é tempo, um
dia seremos cidadãos de um mesmo mundo, iguais, todos iguais e felizes nem que
seja por obrigação, estamos a alastrar, como nos compete, e um dia ainda
deixaremos de ser silvestres, agrestes, isso de ir como o mato, porque estaremos
cada vez com melhores maneiras, sofisticados e cheios de nuances de interesse,
subtilezas como as que assistem aos grandes caracteres, um dia, caramba,
estaremos até cheios de razão
perder quem não se pode perder, foi como se me dissessem, senhor silva, vamos
levar-lhe os braços e as pernas, vamos levar-lhe os olhos e perderá a voz, talvez
lhe deixemos os pulmões, mas teremos de levar o coração, e lamentamos muito,
mas não lhe será permitida qualquer felicidade de agora em diante
a laura morreu, pegaram em mim e puseram-me no lar com dois sacos de roupa
e um álbum de fotografias, foi o que fizeram, depois, nessa mesma tarde, levaram
o álbum porque achavam que ia servir apenas para que eu cultivasse a dor de
perder a minha mulher, depois, ainda nessa mesma tarde, trouxeram uma imagem
da nossa senhora de fátima e disseram que, com o tempo, eu haveria de ganhar
um credo religioso, aprenderia a rezar e salvaria assim a minha alma
no lar, por todo o lar, as paredes são brancas e entre o vazio mais
intenso do céu e a candura das paredes não há diferença, sentimo-
nos cegos, qualquer mancha ou imperfeição na planura do estuque já
é uma excepção que aprendemos a observar e nos ajuda a quebrar o
mesmismo abundante em nosso redor, um dia, havemos de esboroar-
nos na luz. esta brancura é um estágio para a desintegração final.
durante os meus pesadelos imaginava-me num dos quartos da ala esquerda a
babar sobre os lençóis e a ver dezenas de abutres voarem no céu diante da
janela. a máscara de oxigénio tapava-me a boca e eu não podia gritar, queria pedir
que fechassem as portadas antes que os pássaros entrassem e me tomassem por
morto, subitamente debicavam-me o corpo e eu ia permanecendo vivo e, até não
ter corpo nenhum, a consciência não me abandonava, eu agoniava por achar que
a morte não dependia do corpo, condenando-me a padecer daquela espera para
todo o sempre, o estupor do corpo já desfeito e a morte sem o perceber, sem
fazer o que lhe competia por uma crueldade perversa que eu nunca previra
desde que o meu filho partiu para a grécia, metido lá para atenas a
dar aulas numa universidade, subiu--lhe à cabeça um certo estatuto
antigo, ficou de filosofia cara e não o vi nunca mais. tinham passado
seguramente três anos sem que ele viesse a portugal e, depois de ter
escolhido não vir ao funeral da mãe, era um filho sepultado para mim
o lar da feliz idade, assim se chama o matadouro para onde fui metido
é um crime, põem estes fumos nos quartos dos velhos, põem sim, que
quando eu cheguei já aqui alguém me contara que o faziam, devem ter
quem dê mais para entrar, têm de despachar estes velhos, tome tento no
que lhe digo, eles têm de despachar estes velhos para meterem aqui
outros com maior pagamento, muitos destes velhos perdem as fortunas e
ficam abandonados, não vai ser por caridade que alguém lhes enfia os
tubos para respirarem e lhes muda os lençóis
no dia quinze de janeiro de mil novecentos e vinte e oito João esteves era um
moço de vinte anos cuja vida corria difícil
entrou na tabacaria de sorriso educado, cumprimentou o senhor fernando
pessoa que ali estava de breve conversa com o dono do estabelecimento e
depois cumprimentou o próprio dono do estabelecimento e pediu o jornal de
sempre [...], e joão esteves saiu da tabacaria sem mais nada, inconsciente de que
plantara no terreno fértil da criatividade de fernando pessoa um poema eterno,
ele sabia o nome do poeta, sabia que era dos escritórios, sempre aprumado de
fato e chapéu muito melhor do que o seu
Em seu prefácio para a obra A máquina de fazer espanhóis, Caetano Veloso afirma que Valter Hugo Mãe optou pela quase exclusão das letras maiúsculas, travessões e pontos de interrogação sabendo que, além da influência de Saramago, estaria sendo influenciado pelo “experimentalismo estético/ético/existencial que explodiu no período que, mesmo começando nos anos 1950 e prosseguindo pelos 1970 adentro, aprendemos a chamar de ‘anos 60’”. Entretanto, no capítulo em que a polícia entra no Lar da Feliz Idade, “A máquina de fazer espanhóis”, as formas tradicionais da gramática são aplicadas. Este fato pode ser explicado pela ideia de que:
a. a questão formal de tanto a arte gráfica da obra, quanto a pontuação estarem ligadas à influência de Fernando Pessoa na obra; ele, sem relação com polícia e política, não teria, assim, motivos para influenciar estes dois capítulos.
b. o uso da formalidade gramatical pode ser entendido como uma crítica à repressão policial existente nestes dois capítulos; logo, o abandono das normas na literatura torna-se uma forma de resistência à repressão.
c. Valter Hugo pode estar se posicionando a favor do militarismo, uma vez que sua adaptação às normas gramaticais está associada aos benefícios que a Ordem e a Lei causaram nos capítulos em que a gramática normativa é seguida.
d. uma vez que a fuga aos padrões tradicionais de escrita apresentam dificuldades ao entendimento do leitor, Hugo Mãe propõe que com a ordem policial teremos melhor entendimento de mundo e, logo, maior igualdade social.
e. A máquina de fazer espanhóis, por ser a única obra do autor em que as normas gramaticais são desviadas, é, deste modo, aquela que mais destoa das influências de Saramago, que jamais escreveria sem todas as pontuações previstas pela gramática normativa.
RESOLUÇÃO:
LETRA B
Valter Hugo Mãe se coloca como um autor de posicionamento político de esquerda em todas as
suas obras. Logo, qualquer alternativa que faça apologia aos regimes militarizantes estão erradas.
Caetano Veloso, ao escrever o prefácio de uma das edições d’a máquina de fazer espanhóis,
comenta que é de praxe as literaturas resistirem às opressões da direita por meio da criação de
novas formas estéticas. Podemos observar isso na poesia concretista brasileira, por exemplo, que
criticava a censura ditatorial. Deste modo, os únicos dois capítulos da obra que tratam da
presença policial, desvirtuam da estética utilizada pelo autor em muitas de suas obras: a ausência
de todos os sinais de pontuações e letras maiúsculas. Neste capítulo não há liberdade na escolha
de letras maiúsculas, não há liberdade no uso de pontuação.