A Matriz Marxista

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Trabalho apresentado em curso de especialização em Gestão Pública

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  • A matriz Marxista e suas influncias sobre a realidade atual

    Na semana passada fizemos um estudo sobre a matriz Liberal,

    cujo pensamento, baseado no Jusnaturalismo, centrava no indivduo a

    origem do Direito e da ordem poltica legtima. Para os liberais todos so

    iguais por natureza e portadores de direitos naturais aos quais os

    indivduos no podem abdicar - os direitos liberdade e propriedade -

    e rejeitaram a histria como fonte do conhecimento da natureza e dos

    fundamentos de uma ordem legtima e apegaram-se estritamente

    razo.

    Nesta semana o estudo sobre a matriz Marxista, baseada no

    pensamento de Karl Marx. Enquanto que para os liberais a histria era

    negada, para Marx a histria passa a ser o objeto central de sua

    reflexo, inspirado pela dialtica hegeliana. Marx fez uma crtica do

    idealismo de Hegel da economia poltica inglesa, dialogando com ambas

    as correntes de pensamento da poca, e para ele a histria no seria

    simplesmente uma sucesso temporal de fatos e de diferentes formas

    de organizao social da produo, dominao e representao do

    mundo, mas teria um motor que seria a luta de classes, que conduziria a

    uma determinada finalidade. O movimento da histria no seria aleatrio

    ou indeterminado, nem contnuo, mas ocorreria atravs de contradies.

    Segundo Marx, .esse movimento da Histria no ocorreria no plano das

    idias, mas no plano material das relaes de produo. Esse mtodo

    de estudo Marx chamou de materialismo dialtico.

    Para o pensamento marxista, as classes sociais podem ser

    identificadas e definidas por sua insero no processo produtivo, e em

    cada perodo histrico "as classes fundamentais de uma sociedade

    seriam aquelas diretamente ligadas ao modo de produo dominante"

    (COELHO, 2009). Isso levou Marx a estudar os modos de produo

    anteriores ou estranhos ao capitalismo. Segundo os estudos de Marx

    relacionados a esses modos de produo, a classe dominante dispunha

    de meios legais para coagir a classe dominada a trabalhar em seu

  • benefcio. Com o capitalismo, cujas classes fundamentais eram a

    burguesia (proprietria de todos os meios de produo) e o proletariado

    (dono apenas da fora de trabalho), isto no ocorreria.

    Os trabalhadores (proletariado) agora eram formalmente livres e

    negociavam sua fora de trabalho burguesia atravs de contratos

    salariais. De acordo com o pensamento marxista, na realidade "a

    igualdade formal entre burgueses e proletrios perante o Estado e no

    mercado estaria a mascarar, de fato, a dominao e explorao dos

    primeiros sobre os segundos. Destitudos de todas as posses, aos

    proletrios s restaria vender a sua fora de trabalho burguesia para

    sobreviver, no havendo, portanto, verdadeiramente liberdade e escolha

    para aqueles que nada possuam" (COELHO, 2009). Com esse

    estabelecimento de idias, Marx desmascara a tica liberal dos

    capitalistas, a da igualdade e liberdade dos homens fundada nas leis da

    natureza, para demonstrar que na realidade existia uma prevalncia dos

    interesses econmicos da burguesia.

    A todas essa relaes sociais que parecem to naturais no

    capitalismo, Marx chamou de fetichismo da mercadoria. Quando o

    capitalismo transforma todos os fatores de produo (dinheiro, terra,

    mo de obra, etc.) em mercadoria de troca, estabelece que as relaes

    sociais oriundas das relaes de produo, essencialmente humanas,

    em relaes entre coisas, em mercadoria, em fetiche, o que ficou muito

    bem explicado no texto do Carcanholo.

    Abrindo um parnteses, lembro de um vdeo a que assisti em uma

    das disciplinas da graduao, onde era apresentado o valor de uma

    determinada marca. No vdeo era explicado o seguinte: imagine um

    determinado produto, um porta nquel, por exemplo, feito todo em couro,

    costurado mo por habilidoso arteso, com excelente acabamento,

    vendido a R$ 15,00 na oficina do mesmo (arteso). Talvez at

    achssemos caro, regatessemos o preo. Agora, imaginemos o mesmo

    produto, fabricado pelo mesmo arteso, na mesma oficina, com o

    mesmo acabamento, mas que terceirizado para uma marca famosa,

  • recebendo a mais apenas uma etiqueta, uma marcao no couro e uma

    embalagem escritos Louis Vuitton, vendido no mais na oficina do

    arteso, mas em uma loja de luxo a R$ 1.300,00 (identifiquei o mesmo

    nos slides da CATWALK). Esse valor "irreal" que o produto toma um

    exemplo claro desse fetichismo descrito por Marx e explicado por

    Carcanholo, onde o poder que a mercadoria (no caso, o porta-nquel)

    exerce sobre quem ir compr-lo no est na materialidade do produto

    em si, mas na marca que algo etreo.

    Avanando no estudo do capitalismo Marx foi alm de Adam

    Smith, que j havia identificado o trabalho humano como principal fonte

    geradora de riqueza de uma sociedade, o que tambm percebido no

    vdeo "A origem da Riqueza", parte do material de estudo. Para Marx, a

    fora de trabalho era responsvel por toda criao de valor, at mesmo

    do capital.

    Marx ainda desenvolveria um conceito fundamental, a idia de

    mais valia, onde a acumulao de riquezas fruto no do trabalho em

    si, mas pelo valor produzido no pago aos trabalhadores. Para os

    capitalistas, era primordial extrair constantemente mais-valia dos

    trabalhadores, para que se pudesse reinvestir mais na produo e

    consequentemente gerar mais riqueza. Como os trabalhadores geravam

    um custo, houve um investimento maior em maquinrio e tecnologia,

    acarretando menor investimento em trabalho humano. Para Marx essa

    lgica acarretaria duas principais consequncias, dentre outras:

    acumulao de capital, onde as empresas mais produtivas

    eliminariam do mercado as menos produtivas, gerando a

    longo prazo o oligoplio e finalmente o monoplio;

    diminuio do nmero de trabalhadores e aumento do

    nmero de desempregados.

    necessrio lembrar que a classe trabalhadora estava inserida

    no mercado tambm como consumidora, e estas duas tendncias levaria

    ao fim do prprio capitalismo, j que este tem como condio necessria

  • sua sobrevivncia o mercado, que desapareceria caso houvesse

    monoplio, e a mais-valia, extrada de uma mo-de-obra agora cada vez

    mais reduzida.

    Seguindo este pensamento, Marx props dois caminhos para a

    humanidade:

    o da barbrie que resultaria da acumulao de capital e

    riqueza nas mos de poucos, com dissolvimento das

    demais classes sociais em apenas duas, a dos burgueses

    proprietrios e a dos proletrios, com aumento significativo

    da misria;

    o do socialismo, que no ocorreria naturalmente, mas

    atravs de uma organizao do proletariado em fora

    poltica, que tomaria o poder e que agiria conforme os

    interesses prprios, que seriam tambm os da maioria.

    Para Marx, o caminho a ser seguido era o do socialismo, e o

    proletariado deveria, tal como a burguesia havia feito anteriormente

    atravs da Revoluo Francesa, construir uma viso de mundo prpria,

    tornando-se a ideologia dominante, tendo antes que "desenvolver a

    conscincia dos seus prprios interesses de classe para transform-los

    em interesses coletivos" (COELHO, 2009). Caberia ao Partido

    Comunista o papel de "organizar politicamente a classe operria,

    desenvolver a sua conscincia de classe e conduzi-la na tomada do

    poder" (COELHO, 2009).

    Marx entendia que todo governo em uma sociedade de classes

    seria sempre uma ditadura da classe dominante. A diferena que, sob

    o capitalismo, a sociedade viveria sob a ditadura da minoria, a

    burguesia, enquanto que sob o socialismo iria se viver sob a ditadura da

    maioria, o proletariado.

    Porm, segundo o pensamento marxista, o socialismo, seria

    apenas uma breve fase do capitalismo ao comunismo, no decorrer do

    qual o proletariado utilizaria da fora do Estado para acabar com a

  • sociedade de classes, restabelecendo a igualdade inicial entre os

    homens. Mas segundo o texto da bibliografia oferecido para anlise e

    claramente percebido por todos, "o desenrolar dos acontecimentos

    polticos e econmicos na Europa e nas sociedades capitalistas, em

    geral, iria tomar uma direo diferente da imaginada por Marx"

    (COELHO, 2009).

    .Entendendo agora um pouco mais sobre os fundamentos da

    matriz marxista e tratando ao que foi proposto para a semana, fica

    menos difcil a tarefa de contextualizar as influncias sobre a realidade

    atual. Buscarei essa contextualizao utilizando o PT como exemplo.

    Lendo o Manifesto de Fundao do Partido dos Trabalhadores,

    observa-se que foi redigido baseado no pensamento marxista:

    :

    O Partido dos Trabalhadores surge da necessidade sentida por milhes de brasileiros de intervir na vida social e poltica do pas para transform-la. A mais importante lio que o trabalhador brasileiro aprendeu em suas lutas a de que a democracia uma conquista que, finalmente, ou se constri pelas suas mos ou no vir. A grande maioria de nossa populao trabalhadora, das cidades e dos campos, tem sido sempre relegada condio de brasileiros de segunda classe. Agora, as vozes do povo comeam a se fazer ouvir por meio de suas lutas. As grandes maiorias que constroem a riqueza da Nao querem falar por si prprias. No esperam mais que a conquista de seus interesses econmicos, sociais e polticos venha das elites dominantes. Organizam-se elas mesmas, para que a situao social e poltica seja a ferramenta da construo de uma sociedade que responda aos interesses dos trabalhadores e dos demais setores explorados pelo capitalismo.

    Em sua carta de princpios, O Partido dos Trabalhadores define-

    se, programaticamente, como um partido que tem como objetivo acabar

    com a relao de explorao do homem pelo homem. No mesmo

    documento destaca, ainda, que O PT afirma seu compromisso com a

    democracia plena, exercida diretamente pelas massas, pois no h

    socialismo sem democracia, nem democracia sem socialismo.

    Mas ser que assim que acontece realmente? Lembro que a

    Carta de Princpios data de 1979 e o Manifesto de Fundao de 1980,

  • anteriores ao perodo em que a Globalizao passou a ser mais

    discutida e estudada, a dcada de 1990, momento em que a hegemonia

    do capitalismo, a partir de seu vis neoliberal, comea a se afirmar.

    No incio da dcada de 90, o Brasil elegia Collor de Mello como

    presidente, com seu discurso neoliberal, o de Estado mnimo associado

    ao conceito de Globalizao do mercado. Coincide com a crise no Leste

    Europeu, sobretudo aps a reforma poltica da URSS, com a Perestroika

    e a Glasnost. O Partido Comunista Brasileiro (PCB) sofreu muito com

    essa onda liberal. Sua presena na poltica nacional, assim como no

    movimento sindical praticamente desapareceu. O PT, receoso de

    tambm sofrer as consequncias desta onda, afasta-se do discurso da

    luta de classes e passa a discursar sobre a tica na postura poltica. Mas

    a tica vigente a tica de mercado, o qual os neoliberais desejam livre.

    Weber (apud RAUDE-MATTEDI) parece negar a influncia das

    normas sociais, definindo o mercado "livre" como um mercado "no

    comprometido por normas ticas". Weber considera que o mercado

    moderno representa "relaes impessoais" entre os seres humanos.

    Como dominado por interesses materiais individuais, tal mercado

    contrrio a toda "confraternizao", "piedade" e "comunidade".

    De acordo com Resolues do II Congresso Nacional do Partido

    dos Trabalhadores, "O PT defende, desde 1994, a necessidade de uma

    Revoluo Democrtica, capaz de construir um Brasil livre, igual e

    solidrio, socializando riqueza, poder e conhecimento". Mas no seria

    isso algo incompatvel com a lgica do mercado, quando atentamos ao

    que Weber diz?

    Aps perder trs eleies presidenciais o PT passa a trilhar outro

    caminho para chegar ao poder, desta vez atravs de aliana com parte

    do empresariado.

    Outro posicionamento histrico apresentado no Programa de

    Governo era o compromisso com as classes populares. Porm a

    proposta de um novo contrato social, quando posto no contexto poltico

  • de sua relao com a conjuntura de 2002, se apresenta dbio. Ou seja,

    o novo contrato pode ser entendido como a aliana com fraes das

    classes dominantes e, portanto, tambm com as velhas oligarquias. Eis

    o que est escrito no referido Programa:

    S um novo contrato social que favorea o nascimento de uma cultura poltica de defesa das liberdades civis, dos direitos humanos e da construo de um Pas mais justo econmica e socialmente permitir aprofundar a democratizao da sociedade, combatendo o autoritarismo, a desigualdade e o clientelismo. Na busca de um novo contrato, a mobilizao cvica e os grandes acordos nacionais devem incluir e beneficiar os setores historicamente marginalizados e sem voz na sociedade brasileira. S assim ser possvel garantir, de fato, a extenso da cidadania a todos os brasileiros.

    Mais sobre essa mudana de direo do PT pode ser observada

    na Carta ao Povo Brasileiro, de junho de 2002:

    O povo brasileiro quer mudar para valer. Recusa qualquer forma de continusmo, seja ele assumido ou mascarado. Quer trilhar o caminho da reduo de nossa vulnerabilidade externa pelo esforo conjugado de exportar mais e de criar um amplo mercado interno de consumo de massas.[...] Premissa dessa transio ser naturalmente o respeito aos contratos e obrigaes do pas. [...] H outro caminho possvel. o caminho do crescimento econmico com estabilidade e responsabilidade social. As mudanas que forem necessrias sero feitas democraticamente, dentro dos marcos institucionais.

    Toda essa publicao acenava para o empresariado e

    investidores internacionais que caso o PT assumisse o poder, no

    haveria mudana no modelo neoliberal at ento tocado pelos governos

    anteriores. E nada mudou desde que Lula se tornou presidente, com o

    PT instituindo alguns programas de governo claramente

    assistencialistas; aliando-se a partidos com prticas polticas da direita,

    etc.

    Poderia eu aqui falar ainda do Oramento Geral da Unio, que

    privilegia o pagamento da dvida e do financiamento ao Mercado, em

    detrimento com gastos pblicos como sade e educao; das diversas

  • denncias de corrupo; do no investimento em obras de infra-

    estrutura e etc., mas acho que j me estendo por demais.

    Utilizando o exemplo dado, fica a percepo que o PT, que em

    sua concepo teve o pensamento da matriz marxista como pedra

    fundamental, se rendeu de certa forma ao neoliberalismo.

    Referncias:

    CARCANHOLO, Reinaldo A. O fetichismo. Disponvel em: . Acesso em: 02 Maio 2014.

    CATWALK [slides]. Disponvel em: . Acesso em: 02 Maio 2014.

    COELHO, Ricardo Corra. Estado, Governo e Mercado. Florianpolis : UFSC / Braslia : CAPES, 2009.

    ILHA das flores [vdeo]. Disponvel em: . Acesso em: 02 Maio 2014.

    RAUD-MATTEDI, Ccile. A construo social do mercado em Durkheim e Weber: anlise do papel das instituies na sociologia econmica clssica. Rev. Bras. Ci. Soc., So Paulo , v. 20, n. 57, Fev. 2005. Disponvel em: . Acesso em: 03 Maio 2014.

    SOBRE a origem da riqueza. [video]. Disponvel em: . Acesso em: 02 Maio 2014.