A mediação sócio-cultural: um puzzle em construção

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    A MEDIAO SCIO-CULTURAL:

    UM PUZZLEPUZZLE EM CONSTRUOPUZZLE

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    (2) A Mediao Scio-Cultural: Um Puzzle em Construo

    PROMOTOROBSERVATRIO DA IMIGRAO

    www.oi.acime.gov.pt

    COORDENADORPROF. ROBERTO CARNEIRO

    [email protected]

    AUTORES ANA OLI VEIRACARLA GALEGO

    COLABORAOLAURA GODINHO

    EDIO ALTO-COMISSARIADO PARA A IMIGRAO

    E MINORIAS TNICAS (ACIME)PRAA CARLOS ALBERTO, N 71, 4050-440 PORTO

    TELEFONE: (00 351) 22 2046110 FAX: (00 351) 22 2046119E-MAIL: [email protected]

    EXECUO GRFICA ANTNIO COELHO DIAS, S.A.

    PRIMEIRA EDIO1500 EXEMPLARES

    ISBN989-8000-02-3

    DEPSITO LEGAL227465/05

    LISBOA, MAIO 2005

    Oliveira. Ana. e outro

    A Mediao Scio-Cultural: Um Puzzle em Construo (Observatrio da Imigrao:14)

    ISBN 989-8000-02-3I Galego. Ana MarquesII - Godinho. Laura Maria Marques

    CDU 364316314

    Biblioteca Nacional - Catalogao na Publicao

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    NDICE GERAL

    NOTA DE ABERTURA 7

    NOTA DO COORDENADOR 9

    A MEDIAO SCIO-CULTURAL:UM PUZZLE EM CONSTRUO 11

    INTRODUO 13

    I PARTE: TEORIA 21

    Captulo I - As Perspectivas da Mediao Scio-Cultural 21

    Mediao Scio-Cultural 21

    Enquadramento legal do Mediador Scio-Cultural em Portugal 31

    Captulo II - Contextos de Interveno da Mediao

    Scio-Cultural em Portugal 39

    A Imigrao 39

    As Minorias tnico Culturais 47

    A necessidade de descobrir o intercultural 53

    Excluso Social 56

    II PARTE : ESTRATGIA METODOLGICA 63

    Modelo de Anlise 63

    Enquadramento e objectivos do estudo 66Orientaes metodolgicas 68

    Objecto emprico 71

    Especificao dos instrumentos de recolha de informao 74

    Limitao do estudo 77

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    III PARTE: ANLISE DA INFORMAO 79

    Caracterizao em nmeros da Mediao em Portugal 79

    Anlise dos programas de formao 93Anlise das entrevistas 99

    Configuraes da actuao da Mediao Scio-Cultural em Portugal 99

    Percursos de formao 107

    Relaes interpessoais 110

    Insero scio-profissional 114

    Contributos para a Mediao Scio-Cultural 116

    Concluses 120

    a) Pouca clareza do Conceito 121

    b) Inexistncia de um currculo de formao centrado em prticas de mediao 122

    c) Campo de Actuao centrado em comunidades com problemas de excluso

    e de origem tnica especifica 124

    d) Funes pouco centradas num perfil especifico 125

    e) Acompanhamento e avaliao quase inexistentes 126

    f) Relaes Interpessoais e Institucionais positivas com os parceiros 127

    g) Instabilidade dos vnculos laborais 128 Pistas para o desenvolvimento de projectos futuros 129

    BIBLIOGRAFIA 133

    LEGISLAO 139

    NDICE DE FIGURAS

    Fig. 1 - Esquema Conceptual 16

    Fig. 2 - Modelo emprico para a anlise 65

    Fig. 3 - Bounded System 73

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    NDICE DE QUADROS

    Quadro 1 - Tipologia da mediao, por entidade formadora/empregadora 80

    Quadro 2 - Nmero de mediadores, por entidade formadora/empregadora e por ano lectivo 81

    Quadro 3 - Tempo de servio dos mediadores em exerccio no ano lectivo 2003/04 ou ano

    civil 2004, por entidade 85

    Quadro 4 - Grupo de pertena dos mediadores, por entidade 86

    Quadro 5 - Habilitaes escolares dos mediadores, por entidade 88

    Quadro 6 - Faixa etria dos mediadores, por ano lectivo 89

    Quadro 7 - Formao dos mediadores antes e depois do recrutamento, por entidadeformadora/empregadora 90

    Quadro 8 - Tipo de formao recebida pelos mediadores antes do recrutamento, por entidade

    formadora/empregadora 90

    Quadro 9 - Tipo de formao especifica recebida pelos mediadores aps o recrutamento, por

    entidade formadora/empregadora 91

    Quadro 10 - Principais funes atribudas aos mediadores pelas entidades

    formadoras/empregadoras 92

    Quadro 11 - Durao e pr-requisitos dos cursos de mediadores, por entidade 95

    Quadro 12 - Eixos comuns programticos comuns nos cursos de formao sobre mediao 97

    Quadro 13 - Objectivos gerais dos cursos de formao em mediao 98

    Quadro 14 - Pblico alvo da mediao, por entidade 101

    Quadro 15 - Funes desempenhadas pelos mediadores, segundo os entrevistados 105

    NDICE DE GRFICOS

    Grfico 1 - Tempo de servio dos mediadores em exerccio no ano lctivo 2003/04

    ou ano civil 2004 (%) 84

    Grfico 2 - Grupo de pertena dos mediadores (%) 87

    Grfico 3 - Faixa etria dos mediadores, por ano lectivo (%) 88

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    NOTA DE ABERTURA

    O Observatrio da Imigrao (OI) do Alto Comissariado para a Imigrao e Minotnicas (ACIME), apresenta mais este estudo, da autoria de Ana Oliveira e CarGalego, com a colaborao de Laura Godinho, cujo tema a mediao scio-culturauma novidade que tem vindo a ser imposta pela prpria realidade social.Estudo inovador, utilizando fundamentalmente a anlise qualitativa, o estudo dcaso, as suas concluses so provisrias e prospectivas, como expressamentereferem as autoras. No entanto abrem-nos desde j a porta para uma compreenso

    mais objectiva e centrada do mediador scio-cultural, quer ele aja no mbito escola(ensino bsico e secundrio), quer noutras reas de interveno social.A mediao, tcnica ao servio de uma estratgia de integrao e coeso social,implica uma sistematizao dos seus modelos sociais e das metodologias de aplicao existentes.A qualificao do mediador scio-cultural (incluindo os pr-requisitos e critriosseleco) implica uma regulao ao nvel formativo, mas tambm instncias deacompanhamento do trabalho desenvolvido e contnua troca de experincias.Por outro lado, tendo surgido em Portugal em contextos de excluso social, a mediao pode tambm ser um precioso instrumento em reas diferentes, como a sadee a habitao, sempre que haja necessidade de fazer a ponte entre comunidadeshumanas diversas, portadoras dos seus prprios cdigos culturais.Dois outros tpicos so ainda tratados neste trabalho pioneiro: a necessidade deprofissionalizao, sem a qual a instabilidade profissional reinar e tambm a urgncia de uma entidade oficial reguladora que agindo ao nvel da formao, intervenoe comparao de experincias, possa dinamizar este precioso instrumento humanode incluso e coeso social.

    Cuidadoso e sugestivo, este elaborado estudo, se aproveitado por mediadores e instncias decisoras, poder ser um precioso arranque.

    Parabns s suas autoras.

    P E . A N T N I O VA Z P I N T O ALTO COMISSRIO PARA A IMIGRAO E MINORIAS TNICAS

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    NOTA DO COORDENADORA sociedade da diversidade e da multiculturalidade , em larga medida, a sociedaddo conflito.

    Samuel Huntington predi-lo no seu celebrado Choque de Civilizaes. E, at cerponto, a sua profecia tem vindo a tomar corpo neste atribulado incio de centria.

    Contudo, a guerra entre culturas ou a insolubilidade de diversos no aceitvel como lhistrica ou como inevitabilidade da nossa condio planetria. Acreditamos que ahibri-

    dao de culturas e a emergncia de novos paradigmas demiscigenao so cenriosbem mais provveis e desejveis do que a guerra sem quartel entre diferentes.

    Os hbridos culturais ou os seus correspondentesmutantes , quando identificadosem fases embrionrias tm a virtude deminar as formas binrias de pensar a diferena . Eles desafiam o simplismo de um entendimento maniqueu relativamente forma de ver e de entender a variedade humana.

    A formao de capital social o antdoto lei do dio e ao reino das identidadepredatrias que fazem da fora o seu nico argumento.

    O caminho certo assenta, pois, na densificao das redes humanas e sociais, naaposta nas instncias bsicas de socializao, no incremento dosdbitos e crditos sociais , no aprender e reaprender a viver juntos.

    A mediao tem vindo a ganhar rosto e presena como uma poderosa arma naluta contra o preconceito e a intolerncia. Com efeito, o mediador actua como uma

    ponte entre margens opostas, como um elo de ligao entre narrativas forjadas emcontextos diferenciados.

    A aposta na funo mediadora significa a recusa da inevitabilidade do confronto semsoluo, a rejeio da pandemia do dio como resposta crescente mobilidade depessoas e de ideias, a negao da relatividade dos direitos humanos.

    Acima de tudo, e sobremaneira, a mediao sinnimo do valor do mtodo negocia

    entre partes que se respeitam e que aceitam dialogar de igual para igual. Dito pela

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    inversa, uma relao de desiguais dispensa a mediao j que o mais forte se imporsobre o mais fraco numa natural correlao de foras que no se equiparam.

    O recurso mediao parte, pois, de um pressuposto de inclusividade: a mediao a anttese da excluso de uma qualquer das partes mediadas.

    O enriquecimento de conceitos contemplado na evoluo de uma simples mediaocultural para a de uma nova dimenso social da mediao, trnsito que se tem vindopaulatinamente a acrescentar, representa a aquisio de uma justa conscincia dovalor da incluso como condiosine qua non de sucesso da actividade mediadora.

    O estudo levado a cabo pelas Dras. Ana Oliveira e Carla Marques Galego, com acolaborao de Laura Godinho, constitui um valioso contributo para a clarificao dodomnio de investigao ainda que, paradoxalmente, se conclua pela insuficienteclareza do conceito e para uma mais ampla compreenso da funo de mediaoem Portugal. Pela seriedade e empenhamento colocados na tarefa as autoras sodignas do nosso mais sincero reconhecimento e credoras de pblico aplauso.

    ainda oportuna uma palavra de apreo dirigida s Professoras Isabel Guerra e

    Helena Marujo pelo cuidado posto na anlise crtica deste estudo e ainda pelassuas importantes contribuies para esta publicao, sob a forma de comentrios ecrticas fundamentadas.

    Sendo o ACIME uma estrutura vocacionada para o exerccio de uma constantemediao entre nacionais e estrangeiros, entre autctones e imigrantes, a reali-zao deste estudo e a sua divulgao atravs da presente publicao enriqueceminequivocamente o seucorpus de reflexo e tero, seguramente, um impacto muitopositivo sobre polticas e prticas mediadores que, no seu seio, ou por seu interm-dio, tm lugar numa sociedade portuguesa crescentemente diversa e constantementedesafiada na sua capacidade integradora.

    R O B E RT O C A R N E I R OCOORDENADOR DO OBSERVATRIO DA IMIGRAO DO ACIME

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    A MEDIAO SCIO-CULTURALUM PUZZLE EM CONSTRUO

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    INTRODUO

    Em Portugal, a mediao - rea de interveno em contextos multiculturais -, aprsenta como referencial temporal para as suas origens a dcada de 90. Este aconteci-mento surge na sequncia da entrada de Portugal na ento Comunidade EconmicaEuropeia (actual Unio Europeia), o que permitiu o acesso a projectos internacionaque deram a conhecer outros contextos e organizaes sociais para quem a estrat-gia da mediao era fundamental.

    Desde ento, a figura do mediador e o conceito de mediao tm vindo a ganharsignificado e expresso social no nosso pas, com uma maior incidncia nos meioescolares, embora de um modo desregulado.

    Embora a institucionalizao da figura do mediador scio-cultural, atravs da unformizao dos critrios de recrutamento e de formao, esteja prevista na Le105/2001, h ainda um longo caminho que est por fazer. Contudo, nos ltimosanos, esta valncia profissional tem vindo a ganhar terreno e a afirmar-se como umactividade fundamental para satisfao das necessidades sociais dos jovens maisdesfavorecidos, nomeadamente aqueles que provm de minorias tnicas.

    A afirmao da mediao scio-cultural prende-se, em certa medida, com o actuapanorama da imigrao em Portugal. Isto, porque se assiste a uma nova configurao social, levando a que alguns autores falem de uma segunda vaga de imigrao

    dada a diversidade dos pases de origem. Ora, esta nova vaga apresenta algumascaractersticas especficas que introduzem na nossa sociedade contrastes sociais eculturais, conduzindo a limitaes na integrao social por parte destes novos grupos, que designamos de minorias tnicas.

    A mediao scio-cultural vislumbra-se como uma mais-valia na promoo de projtos, ao visar a participao das famlias e da comunidade em geral na procura desolues adequadas a uma mudana na relao educacional, assumindo especial

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    relevncia na promoo e integrao de crianas e jovens pertencentes a grupostnicos minoritrios.

    A avaliao que se tem vindo a fazer das actividades levadas a cabo pelos media-dores culturais nas escolas portuguesas, tem-se revelado muito positiva, uma vezque fomenta a ligao das famlias escola, reforando o dilogo intercultural eo sucesso educativo. Tal facto tem contribuido para a importncia e utilidade domediador cultural noutras reas em que o conhecimento dos cdigos culturais dosutentes um factor importante para a qualidade do servio prestado e para reforara coeso. A ttulo de exemplo, referimos o trabalho que tem vindo a ser desenvolvidopelo Centro Nacional de Apoio ao Imigrante.

    A figura do mediador, face a esta situao, ganha uma nova dimenso, projectandoe evidenciando a sua categoria socio-profissional, justificando cada vez mais a neces-sidade da sua interveno em contextos socio-culturais desfavorecidos.

    Neste sentido, enquadrando-se este estudo na linha de interveno do ACIME, em

    articulao com o Observatrio da Imigrao, pretendemos aprofundar qual o papeldos mediadores scio-culturais em Portugal como facilitadores da integrao deminorias tnicas, com o objectivo de se conhecer a situao actual das suas prticasde actuao no nosso pas, com a finalidade de se elaborar um Plano de Aco ondese delineie o perfil scio-profissional destes jovens.

    O manto terico apresentado por ns neste estudo o resultado de uma investigaode natureza sociolgica, conduzida numa perspectiva construcionista.

    As razes do nosso posicionamento prendem-se com o facto de o construtivismofocalizar mais a ateno na compreenso dos processos sociais e recursos, os quaisconstituem a base para o significado social, do nosso objecto de estudo, que nestecaso concreto a mediao scio-cultural em Portugal.Na prossecuo deste delineamento, afastamo-nos da concepo positivista, quebaseia os seus estudos numa relao linear entre sujeito/objecto, no por desvalo-

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    rizao desta, mas por considerarmos que esta problemtica beneficiaria se fizessemos um tipo de abordagem que permitisse uma imbricao mais profunda nos

    complexos processos de relao social decorrentes da actuao dos mediadores, demodo a constituir-se um conhecimento mais estruturado da mediao scio-culturaem Portugal. Nesta perspectiva, o conhecimento mais facilmente caracterizadocomo uma questo de consenso do que de confirmao de uma verdade1.

    Deste modo, abordar a realidade social da mediao scio-cultural em Portugal soo ponto de vista construtivista partir, essencialmente, do ponto de vista dos actoreque, por meio do discurso, nos transmitem as interpretaes das suas vivncias eexperincias no decorrer das suas aces e relaes com outros actores e institui-es (Gergen, 2003). Isto porque, as descries e explanaes da mediao dadaspelas pessoas, constituem formas de aco social.

    Partindo ento das interpretaes dos actores, a ambio do pensamento construti-vista proporcionar entendimentos mais alargados das categorias ou rtulos maicomuns, mostrando discrepncias na sua concretizao no quotidiano (Graue e.

    Walsh, 2003: 58). Estas discrepncias tornam-se visveis por meio das comparaeentre os diferentes discursos e os diferentes contextos sociais e institucionais damediao scio-cultural.

    Um outro aspecto interessante proposto pela perspectiva construtivista tem a ver como modelo de aquisio do conhecimento, o qual tem na sua base as ideias vigentesacerca da gerao de conhecimento e sua acumulao (Graue e Walsh, 2003).

    Considerando ento que o conhecimento muda medi-da que as ferramentas e ideias de que dispomos paraexplorar o mundo vo evoluindo ao longo do tempo eatravs dos vrios espaos, procuraremos compreendere conhecer como que a mediao scio-cultural se foiconstituindo como fenmeno social, atendendo no sao contexto histrico, como tambm aos contextos cultu-

    1 Esta ideia rompe a defi-nio de teoria como ummodelo a partir do qual seconfirmam ou infirmam reali-dades conducentes a verdadesuniversais inquestionveis. Isto, distingue-se do paradigmapositivista.

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    rais e sociais. Pois, como referem Graue e Walsh, aquilo que sabemos est inextrica-velmente ligado ao tempo e ao espao em que o conhecimento foi adquirido (idem:

    57). Assim, em virtude da sua natureza social, o conhecimento fornece um lxicopartilhado pelos diversos actores, o qual serve de base comunicao e aco.

    A composio da apresentao deste estudo est estruturada em trs partes. Emcada uma delas procura-se reflectir sobre as diferentes etapas desenvolvidas noprocesso de investigao sobre a mediao scio-cultural, que, grosso modo, sededicam reviso bibliogrfica, metodologia e apresentao e anlise da infor-mao recolhida.

    Assim, na primeira parte, com base em referencial terico diversificado, pretendeu-secontribuir para o alargamento do conhecimento das razes tericas da mediao, par-tindo de uma anlise scio-histrica, podendo esta vir a contribuir para a construode uma futura teoria da mediao.

    Partindo desta ideia, a primeira parte do estudo est subdividida em dois captulos,

    seguindo a lgica do esquema conceptual apresentada na figura 1. Esta subdiviso,contudo, no deve ser entendida como dimenso estanque, mas sim como algo emestreita relao, j que existe uma forte influncia dos contextos de interveno naorigem da mediao, a qual por sua vez influencia os modos de actuao nessesmesmos contextos.

    Fig. 1 Esquema Conceptual

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    No primeiro captulo, intituladoAs Perspectivas da Medicao Scio-Cultural , soabordadas em primeiro lugar, algumas perspectivas da mediao, apresentando a

    sua configurao inicial associada resoluo de conflitos e fazendo uma reviso dconceito, explanando as vrias configuraes que este foi desenvolvendo, dando paticular destaque mediao intercultural, mediao comunitria e mediao socialEste exerccio revelou-se particularmente importante por se considerar necessriaprofundar alguns conceitos que permitam, de algum modo, compreender melhor anatureza da actuao do mediador e, neste sentido, a sua importncia em contextosmulticulturais.

    Em segundo lugar, introduziremos as variantes da mediao scio-cultural realizadaem Portugal, enriquecendo esta abordagem com uma breve anlise da legislaoexistente nesta matria.

    No segundo captulo, com o ttuloContextos de Interveno da Mediao Scio- Cultural em Portugal , apresentaremos os contextos vulnerveis actuao da media-o, os quais justificam a sua prtica.

    Assim, numa linha de continuidade abordar-se- o tema da imigrao, numa visopanormica de como esta se processou no nosso pas e quais as suas caractersticase consequncias.

    Posteriormente, aprofunda-se o conceito de minorias tnicas e outros conceitos aele associados, necessrios para melhor entender que no se pode confundir comu-nidades imigradas e minorias tnicas, dado que a reivindicao poltica de umaidentidade prpria um elemento essencial de uma minoria tnica.

    Assente no fio condutor deste enquadramento, era necessrio tambm objectivar o que sentende por multicultural e intercultural, considerando a interculturalidade como um desafcapaz de reconhecer e valorizar a diferena. Pois no basta somente que as diferentes culturas consigam uma convivncia no respeito mtuo e na solidariedade, apesar do que isso spor si tem de positivo, mas uma interaco significativa das culturas em presena.

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    Por fim, ainda neste segundo captulo, reflectir-se- sobre o conceito de exclusosocial aliado ao conceito de minorias tnicas, j que a populao a quem a prtica

    da mediao se tem dirigido encontra traos de excluso social. Sendo a exclusoum fenmeno multidimensional, que abrange uma multiplicidade de trajectrias dedesvinculao, justifica-se, ento, a necessidade de analisar mais de perto comocriar instrumentos que permitam contrariar este fenmeno.

    A segunda parte do estudo dedicada fundamentao da metodologia adoptada,bem como especificao do objecto emprico e dos instrumentos de recolha deinformao na procura de conhecimento sobre o papel dos mediadores scio-cultu-rais, como facilitadores da integrao de minorias tnicas em Portugal.

    Comeamos por enquadrar e apresentar os objectivos que serviram de alicerce investigao empreendida. Posto isto, tendo como linhas orientadoras a inteno dedesenvolver um estudo de carcter exploratrio e os objectivos inerentes aos quaisj aqui fizemos aluso - justifica-se a escolha metodolgica cujo enquadramento seinsere no quadro da investigao qualitativa, tendo como procedimento fundamental

    o estudo de caso.

    De seguida, explica-se a constituio do objecto emprico que contou com a colabo-rao de nove entidades empregadoras e/ou formadoras de mediadores, seleccio-nadas de acordo com as caractersticas de casos tpicos, casos extremos e casosmarginais de mediao scio-cultural em Portugal.

    Foi dada tambm ateno s ferramentas seleccionadas para a operacionalizaodos objectivos propostos para este estudo, justificando e focalizando a sua utilidade.Por fim, evidenciam-se as dificuldades e limitaes que enformam este estudo, cujasimplicaes no comprometeram a validade do trabalho desenvolvido.

    A terceira parte do estudo dedica-se apresentao da anlise e interpretao dainformao, obtida por meio dos procedimentos descritos na segunda parte doestudo. , pois, aqui, que mostraremos em detalhe a descrio dos dados obtidos

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    a partir da elaborao de grelhas de anlise, que nos permitiram apresentar de ummodo planificado e estruturado o conhecimento da mediao scio-cultural. Aq

    sero tambm apresentadas algumas concluses que tecemos com base nos resul-tados obtidos, que consideramos pertinentes sobre a real dimenso do fenmeno damediao scio-cultural em Portugal.

    Tendo este estudo um carcter exploratrio, pretendemos aqui levantar algumasquestes, abrir portas a reflexes e a estudos mais profundos, de modo, a que amediao possa ser cada vez mais entendida como facilitadora da integrao deminorias tnicas no nosso pas, com vista possvel construo de uma estratgiade interveno.

    Concluindo, so razes de ndole pragmtica que fundamentam a realizao desteestudo, representando um contributo importante para o conhecimento sociolgicodas dinmicas existentes entre os vrios protagonistas sociais e institucionais damediao scio-cultural em Portugal.

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    I PARTE: TEORIA

    CAPTULO I - AS PERSPECTIVAS DA MEDIAO SCIO-CULTURAL

    Mediao Scio-Cultural

    Nos ltimos 20 anos a prtica da mediao social conheceu um enorme sucesso,primeiro nos EUA e depois em diferentes pases europeus, com diferentes iniciativao nvel de instituies pblicas e privadas, associaes e cooperativas. No caso concreto de Portugal, a mediao comea a dar os primeiros passos na dcada de 90.

    A prtica da mediao, que inicialmente surge ligada ao termo negociao, actualmente assumida como um recurso fundamental para o desenvolvimento social dosvrios pases, em particular aqueles que se caracterizam por uma forte diversidadescio-cultural, na medida em que se apresenta como uma funo-chave para que acomunicao intercultural se realize.

    De facto, a mediao aparece como uma variante da negociao cujo processo implica a utilizao de uma terceira pessoa - o mediador - que deve ser neutra e ajudar aspartes na procura de solues, valorizando de forma positiva os conflitos.

    Dito de outra maneira, a mediao afirma-se como prtica informal e como modalidade de valorizao do conflito, de re-apropriao deste pelos sujeitos implicadode reactivao da comunicao e, em consequncia, diferenciando-se de prticas desimples gesto e manipulao de relaes conflituosas.

    Neste sentido, a mediao social nasce como uma modalidade de resoluo deconflitos entre uma ou mais partes, onde teria que existir um elemento que ajudariana sua resoluo, desenvolvendo-se dentro de contextos de conflitos latentes oudeclarados, em que se tornaria necessrio chegar a um acordo.

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    A institucionalizao da mediao como um processo de resoluo de conflitos,resultou de um movimento internacional que a apresentou como uma alternativa ao

    mtodo tradicional judicirio de resoluo de conflitos, o chamado ADR-AlternativeDispute Resolution.

    Pases como os EUA, onde rapidamente a mediao se une aos Tribunais, comoa Austrlia, o Canad, alguns pases da Amrica do Sul e, posteriormente, algunspases europeus, desempenharam um papel importante na divulgao da mediaoe dos seus modelos de interveno.

    De um modo geral, a mediao foi definida como um meio de procura de acordoem que as pessoas envolvidas so ajudadas por um especialista que orienta oprocesso (Sousa, 2002: 19). Esta procura de acordo, retomando a ideia inicial demediao, consiste num processo de negociao directa ou indirecta entre as partesenvolvidas.

    Segundo Jos Vasconcelos Sousa (2002) a mediao aplicvel a todas as situ-

    aes onde a negociao utilizvel, como por exemplo em decises conjuntas eparticipadas, no estabelecimento de consensos, no alinhamento de opinies ou deprogramas, em transaces comerciais, em interaces de parceiros em negcios,na economia, na relao entre poderes pblicos ou privados, nas relaes de fam-lia, nas organizaes, nas comunidades, em casos de litgios, enfim, em todas assituaes em que os vrios intervenientes procurem chegar a um acordo e onde acomunicao entre as partes deficiente ou apresenta dificuldades na resoluodos conflitos.

    Assim, genericamente, podemos dizer que o objectivo da mediao consiste em levaras partes a colaborarem na resoluo do problema, em vez de se manterem intran-sigentemente agarradas a posies inultrapassveis e antagnicas.

    Perante o exposto podemos concluir que o raio de aco da mediao amplo, umavez que se pode estender a vrias reas de interesse, nomeadamente, mediao

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    social, cultural, ambiental, civil, comercial, de seguros, comunitria, desportivfamiliar, laboral, penal, poltica, entre outras.

    Segundo vrios autores (Sousa, 2002; Mourineau, 1997) a mediao entendidacomo mtodo de resoluo de conflitos, obedece a vrios princpios, fundamentaipara que a sua operacionalizao se concretize com sucesso. Esses princpios resumem-se a trs:

    a imparcialidade ou neutralidade - considerando que a pessoa do mediadorno deve representar nenhuma das partes, nem deve interferir no sentidode impor solues;

    a confidencialidade - assegurando s partes envolvidas sigilo e conferindoconfiana para que se possa de forma aberta expor os problemas;

    a voluntariedade - ambas as partes devem participar de livre vontade noprocesso de mediao/resoluo do conflito.

    Partindo destes trs princpios, a mediao cria ento estruturas capazes de recon-

    ciliar diferenas entre indivduos em conflito j que it brings people back to the present, whereas all conflicts are simply the perpetuation of the past. It enables us taccept our destiny, this continuous transformation which is symbolic of life and whiallows us to choose not to remain entrenched in a situation of suffering. It enableus to find a purpose for the future, as each of us becomes responsible for our owndestiny (Mourineau, 1997: 2).

    A mediao funciona como um meio de ajuda, proporcionando a cada indivduo possibilidade deste se responsabilizar cada vez mais por si, ajudando-o tambm adescobrir as suas capacidades individuais.

    Mas a mediao no simplesmente uma forma de ajuda, j que o mediadorno um juiz, um conselheiro, um rbitro ou um terapeuta, mas sobretudo umcatalisador.

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    Neste sentido, o mediador ter um trabalho semelhante ao de Scrates, que dava luz a alma. Isto , a mediao pretende dar luz o que h de melhor em cada

    pessoa ao helping people to know themselves better, mediators enable them to rea- lise their ability to find their own way in life. Mediation opens the door, but it is up to each individual to continue along the path (Idem: 3).

    Podemos ento dizer que a mediao uma aco que serve de intermedirio.

    Porm, como vimos, pelas suas caractersticas de aco, no sentido de poderproporcionar uma maior responsabilizao individual, a mediao pode tambmproporcionar uma maior responsabilidade social, a qual fundamental para o plenoexerccio da cidadania.

    Esta particularidade, revela-se particularmente til, se pensarmos que esta podeser utilizada como estratgia de interveno junto daqueles que por circunstnciasvrias (sociais, culturais, econmicas, polticas, entre outras), se vem privados decertos bens e servios essenciais, como a educao e a sade, para a integrao e

    coeso social.

    Aqui entramos no campo da chamada mediao social ou mediao scio-cultural.Actualmente os pases europeus apresentam dois fenmenos sociais que requeremtambm eles prementes solues sociais.

    Um deles prende-se com as situaes de excluso social cada vez mais visveis nassociedade. O outro tem a ver com as vagas de imigrantes de outros pases da Europa,nomeadamente dos pases de leste e de outros continentes.

    Estes fenmenos contribuem para a recomposio do tecido scio-cultural dessespases, que cada vez mais so multiculturais, onde a existncia de cdigos culturaisdistintos dificultam o acesso ao dilogo e fazem desencadear um conjunto de confli-tos: a existncia de diferentes cdigos culturais quando conjugada com situaes deexcluso social prolongada, exigem formas activas de promoo do dilogo intercultu-

    ral, visando promover a incluso e uma maior coeso social (Acime, 2002:54).

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    neste contexto que a mediao scio-cultural pode e aparece como uma estratgiafundamental na perspectiva do reforo do dilogo intercultural e da coeso social.

    Assim sendo, a mediao scio-cultural apresenta-se como uma estratgia abrangente, no se limitando a origens tnicas e culturais, mas alargando-se a todas as reasonde seja necessrio reforar a dimenso da interculturalidade e da coeso social.

    Enquanto mtodo de resoluo e gesto alternativa de conflitos, meio de regulasocial e recomposio pacfica das relaes humanas, caracteriza-se diferentementde acordo com o pas onde se desenvolve.

    Segundo Lucio Luison e Orazio Valastro (2004) as intervenes da mediao sociasobretudo em alguns pases europeus, evoluem progressivamente diversificando ampliando o seu campo de aco. Isto acontece em relao ao objecto, nos modelosoperacionais, na direco da preveno da excluso social e da segurana urbana,com um objectivo especfico de conseguir uma melhoria de qualidade da vida urbana, no contexto da complexidade da vida social, a qual produz situaes de difcgesto e para as quais se necessita de instrumentos novos e flexveis.

    Este conjunto de experincias actualmente o foco de muitos estudos por diversopases da Unio Europeia, com a perspectiva de poder adoptar e difundir a mediaocomo estratgia de interveno social.

    So ainda muito escassos os estudos relativos mediao, contudo so fundamen-tais para conhecer e compreender as modalidades de aplicao da mediao social,bem como conhecer quais as caractersticas que esta assume nos diferentes paseseuropeus. A anlise de diferentes realidades na evoluo dos processos e os traosdistintivos das prticas, podem ajudar-nos a melhor conhecer e a confrontar contributos e orientaes das intervenes da mediao social.

    consensual nesses estudos, que a mediao scio-cultural no pode ser apenasreduzida resoluo de conflitos, surgindo tambm como estratgia de intervenem problemticas de integrao na e da sociedade.

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    Assim, todas as teses que defendem a promoo de uma cultura alternativa de ges-to de conflitos e defendem o envolvimento de metodologias concretas de gesto de

    comunicao procuram uma finalidade fundamental: parvenir une recomposition pacifique des relations humaines. La mdiation mobilise ainsi un projet de rtablis- sement des lieux de socialisation pour travailler paralllement au rtablissement du lien social et soutenir des modalits alternatives de gestion des relations sociales (Luison e Valastro, 2004:4).

    Deste modo, pode aferir-se que a mediao mobiliza um projecto de restaurao delaos sociais, sustentando modalidades alternativas de gesto das relaes sociais,tornando-se um processo comunicacional de transformao do social e uma requa-lificao das relaes sociais.

    Este processo assemelha-se ao que j se referiu quando se apresentaram os trsprincpios da mediao na resoluo de conflito, embora aqui o nfase seja dado responsabilizao social, ou seja, a mediao social pode ser considerada como un processus du temps prsent, reconnaissant et concdant une relle citoyennet

    sociale la multiplicit des valeurs et des pratiques sociales agissant au sein de nos socits, rintroduisant le sujet et son exprience, concourant soutenir un retour du sensible dans lespace social et scientifique (Idem: 5).

    Este acento na cidadania social constitui pouco a pouco um dos traos distintivosda mediao social.

    As prticas da mediao, nas suas formas diversas, emergem das crises patentese latentes nas tradicionais instituies sociais e so, ao mesmo tempo, uma conse-quncia e uma resposta adaptada, aos novos problemas sociais, de modo a recons-truir uma nova forma de coeso social.

    Segundo lise Lemaire e Jean Poitras (2004), as anlises sobre a emergncia dasprticas sociais da mediao identificam-se com duas crises:

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    a crise do sistema judicial de regulao de litgios; a crise dos laos sociais que se prende com o sistema de regulao social

    que compreende a famlia, a escola, o trabalho, a igreja.

    neste contexto de novos problemas sociais, que se estimula a procura de novasperspectivas de aco em matria de gesto da diferena e no restabelecimento doslaos sociais.

    O desenvolvimento de novas prticas, cria tambm espaos de pertena especficossituados no seio de uma interveno social, onde os principais actores so sobretudotrabalhadores sociais, descobrindo-se zonas de aco desertas ou abandonadaspor estes profissionais.

    Da reviso bibliogrfica realizada, podem-se encontrar diferentes modalidades dmediao social, nas quais se destacam alguns pontos em comum, embora se dis-tingam na finalidade.

    Destacamos a mediao intercultural, a mediao comunitria e a mediao socialpropriamente dita. Chama-se a ateno para o facto de alguns autores utilizarem asnoes de mediao social e de mediao comunitria indiferentemente.

    No querendo alongar muito esta discusso, a mediao intercultural, segundoPhilippe Pierre e Nicolas Delange (2004), na sua acepo pedaggica, permite-nos conceber novos percursos, integrando paradigmas abertos sobre o Outro e aDiferena. J as prticas de mediao social visam sobretudo reconstruir os laossociais, ao passo que as prticas de mediao comunitria visam sobretudo a regu-lao e a integrao social, que se reportam ao modo de gesto de conflitos pelascomunidades e pelos seus membros, de modo a que estes, juntos, possam conseguirviver melhor em conjunto.

    Assim, a mediao social pretende a reinsero dos indivduos na vida em sociedadeisto , procura reconstruir as interaces positivas entre os indivduos marginalizad

    e a sociedade, de modo a que se possa dar a socializao.

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    Com a mediao comunitria, a qual est ligada vontade dos membros de umacomunidade definirem eles prprios os seus problemas e solues, pretende-se favo-

    recer a participao da populao na resoluo dos conflitos e restabelecer a coesosocial no seio de uma comunidade de forma autnoma e responsvel. Deste modo, amediao comunitria est relacionada com o conceito deempowerment , entendidocomo um movimento intencional dinmico, centrado na comunidade local, envolven-do respeito mtuo, reflexo crtica, participao e preocupao do grupo em partesiguais na valorizao dos recursos, acesso e controlo sobre os mesmos.

    Estes dois ltimos tipos de mediao - social e comunitria - constituem tentativasde resposta aos novos problemas sociais, uma vez que as solues tradicionais serevelaram inadequadas.

    Com base nas anlise apresentadas por lise Lemaire e Jean Poitras (2004) a media-o social e comunitria inserem-se numa lgica de:

    autonomia, como reconquista do poder de determinao da pessoa e da

    comunidade e criao de prticas sociais responsabilizantes, bem comode espaos de regulao de conflitos;

    reconhecimento e integrao das necessidades fundamentais das pessoasno seio dos espaos interaccionais;

    proximidade dos processos de regularizao e de deciso das pessoas e dascomunidades/participantes;

    preveno, aumento da capacidade das pessoas e das comunidades dedesactivar situaes conflitivas e de gerar novas solidariedades, reduzindoassim as tenses sociais e encontrando a via colectiva.

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    Podem ainda existir diversas abordagens da mediao social, segundo a anlise dealgumas experincias que tm sido desenvolvidas em alguns estudos. Na linha de

    Luison e Valastro (2004) destacamos alguns aspectos dessas abordagens, que noactual contexto consideramos que merecem ateno e aprofundamento:

    mediao cultural - referindo-se sobretudo aos aspectos culturais da comu-nicao, relacionada com a problemtica da migrao, das sociedadesmultitnicas e interculturais;

    mediao escolar - tendo como finalidade a socializao e a produo deidentidades sociais, a criao de novos espaos de socializao e de mode-los alternativos de gesto das relaes sociais;

    mediao social - tentativa de aprendizagem da vida em comum e projec-to de reconstituio de estruturas intermedirias entre os indivduos e oEstado. Esta apresenta um carcter de controlo social;

    mediao do conflito - na preveno do conflito social e gesto dos problemas como oportunidade de melhorar as relaes sociais;

    mediao comunitria - como uma cultura de participao na gesto dosconflitos e aquisio de instrumentos de aprendizagem para a mediao

    capazes de recriarem os laos sociais; mediao institucional - como processo de profissionalizao da mediao,

    criao de novos campos de interveno, confrontao com outros traba-lhadores sociais.

    Existem ainda diferentes paradigmas tericos e existem importantes diferenas ncontexto e nas condies em que se pratica a mediao. Neste sentido importanteidentificar quais so esses paradigmas, na medida em que nos orientam para deter-minadas finalidades.

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    Os paradigmas que se apresentam de seguida tm por base a mediao que sepratica nos Estados Unidos e seguem a apresentao de Jan Marie Fritz (2004),

    tendo como pressuposto que a mediao um processo voluntrio e acontece numcontexto democrtico:

    centrada nos participantes - est ligada ao Humanismo, psicoterapia e socioterapia. Esta abordagem utiliza geralmente um modelo por etapas efocaliza-se no que os indivduos desejam trabalhar no processo de media-o. sobretudo utilizada em modelos teraputicos de mediao familiar.O mediador surge sobretudo como um facilitador;

    orientada para a soluo - utiliza um modelo por etapas e o mediadorpode facilitar e dirigir. Pode inclusive tomar parte e sugerir uma soluo.Est ligada ao utilitarismo, behaviorismo, funcionalismo estrutural. umaabordagem onde o conflito pode ser visto como uma perturbao;

    transformao - focalizada na necessidade de mudana dos participantes.O conflito um meio para o reconhecimento e a mudana de atitude. Estligado ao humanismo e ao funcionalismo estrutural, unido a uma viso

    comunicativa/social do conflito humano. As partes tm a responsabilidadedo resultado e o mediador um facilitador;

    narrativa - o mediador trabalha com as partes o desenvolvimento de umahistria a propsito do conflito: implica os participantes, desconstroi ahistria que estes trazem e cria com eles uma nova histria. Ligado aohumanismo, sobretudo ao pensamento ps moderno, onde no existe umarealidade objectiva, mas realidades mltiplas;

    processo integrado humanista (HIP) - acentua o humanismo, a compe-tncia cultural, a emancipao, o respeito e a criatividade. O mediador reflexivo, ajuda a que se avalie continuamente a interaco entre os grupos.Est centrado nos participantes, mas flexvel e perante as circunstnciaspode integrar outros aspectos uma teoria interactiva ( o humanismoconsidera o homem capaz de escolhas livres e responsveis), e dada umaateno especial ao contexto.

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    Estas teorias podem ser discutidas, aprofundadas ou mesmo alargadas, mas so,sem dvida, fundamentais para se entender e discernir em que pressupostos se

    baseiam certos modelos e certas prticas, para assim se poder transformar e melho-rar a interveno da mediao.

    Os mediadores na sua prtica quotidiana podem utilizar as vrias teorias de acordo com o tipo de situao que tm de mediar, isto , de acordo com o problemaescolhem aquela que melhor pode responder com sucesso situao com que sedeparam.

    Enquadramento legal do Mediador Scio-Cultural em Portugal

    A entrada de Portugal na Unio Europeia permitiu o acesso a um conjunto de projectos internacionais que contriburam para o conhecimento de outros contextos eorganizaes, para quem a estratgia da mediao era uma realidade fundamental.Este conhecimento possibilitou a abertura do nosso pas para a mediao, o que veio

    a acontecer na dcada de 90.

    Encontramos como grandes pioneiros na divulgao e aplicao desta estratgia emPortugal, a Obra Nacional para a Pastoral dos Ciganos, a Santa Casa de Misericrdide Lisboa, a Associao Cultural Moinho da Juventude e o Departamento deEducao Bsica do Ministrio da Educao.

    Os primeiros passos dados por estas entidades operacionalizam-se na organizao eadministrao de cursos de formao de mediadores, os quais se realizam sem quehaja uniformidade em termos de durao e em termos de contedos programticos,bem como de homogeneidade nos critrios de recrutamento e seleco do media-dores.

    No obstante, os seus contributos foram essenciais para a mediao, j que a figurado mediador e o conceito de mediao foram ganhando significado a nvel naciona

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    isto , o no envolvimento afectivo com as partes e a independncia face a elas, a neutralidade, a capacidade de agir como facilitador, sem qualquer poder adicional sobre a

    partes, mas em condies de estimular o dilogo e o entendimento (Idem: 3).

    Na mediao como qualificao das partes, o ponto de partida a diferena, adesigualdade e a incomunicao. Quem trabalha com grupos de ciganos, luso- -afrcanos e africanos imigrados em Portugal, depara-se com pessoas marcadas pelasmltiplas diferenas culturais com a sociedade de acolhimento, tais como diferenade identidade tnica, de cultura, de padres de comportamento e organizao socialou seja:

    Dada a estrutura desigualitria da distribuio de recursos, de oportunidades ede poderes, essas diferenas tendem a ser reconfiguradas como desigualdades,tendem a induzir ou at a justificar, assimetrias, privaes e marginalizaes aque os membros daqueles grupos so sujeitos. O que dificulta ou mesmo impedea realizao dos seus direitos pessoais, o desenvolvimento de sentimentos de auto-estima e respeito, a sua insero social, familiar, laboral, profissional, cvica e a

    sua relao com as instituies, as normas e as rotinas da sociedade englobante(Santos Silva, 1998: 4).

    A mediao pretende contrariar este tipo de determinaes, procurando por um ladovalorizar e afirmar as diferenas culturais, tnicas e sociais dos grupos minoritriode modo a consolidar a sua identidade e por outro, dar a conhecer publicamenteessas diferenas, de modo a que exista um reconhecimento da pluralidade constitutiva da prpria sociedade, facilitando a inter-relao e inter-compreenso dos diversactores.

    Deste modo, para que tal procura se concretize, a mediao estimula a aquisio de competncias, saberes, disposies que potenciem as capacidades e o poder de actuao dosmembros que sofrem a excluso, localizando e diminuindo o rudo que perturba a comuncao entre eles e as instituies, de modo a contrapor paralisia da incomunicao, umadinmica de comunicao que tenha por base o conhecimento e respeito mtuo.

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    Porque existe diferena e incomunicao tem sentido e indispensvel a actividadeda mediao, de modo a diminuir as barreiras sociais e culturais e a descobrir na

    diferena uma riqueza prpria, na medida em que, os agentes de mediao so capa-zes de assegurar com alguma continuidade o movimento de vaivm entre universosque coexistem, mas cuja coexistncia ameaada pela confrontao de linguagens,expectativas e formas de agir contrastadas (Idem, ibidem).

    Na mediao como integrao, os agentes de mediao funcionam muitas vezescomo facilitadores de integrao, atravs de uma relao prxima com aspectosformativos, os quais permitem construir uma ponte, que procede s tradues eretradues indispensveis, para que seja possvel a comunicao entre as culturas,o relacionamento social e institucional entre actores com universos simblicos enormativos diferenciados.

    Actualmente, em Portugal, so inmeras as solicitaes ao recurso da mediaopara os mais diversos servios, tendo-se tambm, como j se teve oportunidade dereferir, generalizado a utilizao do conceito sem que exista homogeneidade e uma

    regulao forte da figura do mediador, no que concerne ao campo de actuao,formao, habilitaes ou estatuto profissional.

    Surgem assim diversas nomenclaturas para caracterizar o mediador, tais como,mediador jovem urbano, mediador scio-cultural, mediador comunitrio, mediadorintercultural, at mediador escolar, entre outros.

    Em 2000, na sequncia da criao do Grupo de Trabalho para os MediadoresCulturais2, pelo Despacho Conjunto n. 1165/2000, de 28 de Novembro, e porquea insero de mediadores no nosso pas comeou por ser feita nas escolas, tendo

    como porta de entrada osAteliers de Tempos Livres , proce-deu-se a um levantamento, nas escolas, para aferir quais assuas reais necessidades, relativamente colocao de media-dores culturais para o ano lectivo 2000/01.

    2 A designao oficial dosmediadores at aprovaoda Lei 105/2001, a qualdepois passou a ser media-dores scio-culturais.

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    Os resultados a que se chegou foi que 80 escolas da Direco Regional de Educaodo Centro manifestaram a necessidade de terem mediadores, 22 escolas da Direco

    Regional de Educao de Lisboa referiram a mesma necessidade e a Direco Regionde Educao do Algarve identificou 8 pedidos.

    , no entanto, indiscutvel, que o mediador surge em Portugal muito ligado a populaes de minorias tnicas e/ou imigrantes, desempenhando um papel fundamentalem meio escolar, no estabelecimento da ligao da famlia, em particular e da comunidade em geral, com a escola.

    Desde 1996 que se sucederam um conjunto de documentos legislativos queforam relevantes para o avano do reconhecimento da mediao scio-cultural emPortugal.

    O primeiro documento que refere a figura do mediador o Despacho n. 147/96 de8 de Julho, que define os Territrios Educativos de Interveno Prioritria, prevenentre as condies especiais de que podem beneficiar para o desenvolvimento dos

    respectivos projectos a possibilidade de recurso e apoio a animadores/mediadores.

    Mas, o documento que abre caminho para a institucionalizao da mediao oDespacho Conjunto n. 132/96, de 27 de Julho, que aprova a execuo de umprograma de tempos livres para jovens e crianas dos ensino bsico e secundrioe da educao pr-escolar, envolvendo, para o efeito, desempregados inscritos noCentros de Emprego. Esta medida procura a criao de novos postos de trabalhopara ocupao dos tempos livres nas escolas, inserida de modo articulado e coerenteno mbito das polticas do mercado social de emprego.

    No entanto, o diploma que, explicitamente, reconhece a figura do mediador o DespachConjunto n. 304/98, de 24 de Abril, que veio determinar que ao abrigo do despacho n.132/96, se aplique o desempenho das funes do mediador cultural para a educao,referindo que cabe ao Ministrio da Educao definir as funes e o perfil adequado pao exerccio dessa actividade no sendo exigvel o 11 ano de escolaridade para o efeito

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    O Despacho Conjunto n. 942/99, de 3 de Novembro, vem aprovar o ProgramaEducao/Emprego, regulando a situao dos mediadores e animadores culturais,

    de forma a assegurar a continuidade, embora se apresente ainda com um carctertransitrio. Este despacho representou um avano na regulamentao da figura domediador ao nvel da remunerao, do acompanhamento e da avaliao do seudesempenho, continuando, contudo, a faltar uma maior clarificao que permitissecredibilizar este profissional.

    Em 2000, com a aprovao o Despacho Conjunto n. 1165/2000 da Presidncia doConselho de Ministros, do Ministrio do Trabalho e da Solidariedade e do Ministrioda Educao, criado um grupo de trabalho para avaliar o papel dos mediadoresnas escolas e para proceder ao levantamento das escolas que necessitassem de ummediador.

    Este grupo avalia positivamente o papel dos mediadores e confirma o interesse porparte das escolas nesta figura, reconhecendo a utilidade do seu papel, consideran-do que todavia a sua existncia no se deve limitar a uma determinada origem

    tnica ou cultural, na medida em que se poder vir a revelar til em todas as reasnas quais se torna necessrio promover o dilogo intercultural e a incluso social(Acime, 2002).

    Este posicionamento permite alargar o mbito de actuao dos mediadores, reco-nhecendo a importncia da mediao noutras reas sociais que no apenas a reaescolar.

    Ainda na sequncia deste Grupo de Trabalho para os Mediadores Culturais, e apesarde no ter sido posteriormente contemplado pela Lei, definido como perfil profis-sional do mediador scio-cultural ter mais de 18 anos, possuir no mnimo o 6 anode escolaridade obrigatria (sem prejuzo de poder vir a ser considerado o reconhe-cimento e validao de competncias prvias dos formandos pela ANEFA, no casode possurem o 4 ano de escolaridade) e demonstrar disponibilidade e capacidadepara o dilogo intercultural com cidados de diferentes origens.

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    a Lei n. 105/2001 que vem ento estabelecer o estatuto legal do mediador scio-cultural3. Este um passo importante para o reconhecimento desta figura, uma

    vez que afirma que a mediao pode ser exercida em escolas e em outros locaispblicos, atravs da realizao de protocolos, contratos individuais de trabalho ocontratos de prestao de servios, seguindo o estatuto geral da funo pblica. Pooutro lado, refere que se dever dar preferncia a indivduos originrios de grupotnicos e que devero ter uma formao especfica.

    No artigo 1, a Lei afirma que o mediador scio-cultural tem por funo colaborana integrao de imigrantes e minorias tnicas, na perspectiva do reforo do dilogintercultural e da coeso social. E que, na prtica, pode e deve inequivocamente teinterveno em outras reas.

    No artigo 2 da Lei definem-se as competncias e os deveres do mediador scio-cutural, contemplando que este deve: a) promover o dilogo intercultural, estimulando respeito e o melhor conhecimento da diversidade cultural eincluso social e so suas competncias; b) colaborar na pre-

    veno e resoluo de conflitos scio-culturais e na definiode estratgias de interveno social; c) colaborar activamentecom todos os intervenientes dos processos de intervenosocial e educativa; d) facilitar a comunicao entre profissio-nais e utentes de origem cultural diferente; e) assessorar osutentes na relao com profissionais e servios pblicos eprivados; f) promover a incluso de cidados de diferentesorigens sociais e culturais em igualdade de condies; g)respeitar a natureza confidencial da informao relativa sfamlias e populaes abrangidas pela sua aco.

    Em relao formao, o artigo 4 desta lei refere que osmediadores scio-culturais tero de possuir cursos de for-mao que tenham em conta uma matriz com contedoscomuns, que permita, nomeadamente, promover o dilogo

    3 A alterao da designao

    de mediador cultural paramediador scio-cultural,surge na sequncia doRelatrio de Actividades doAcime de 1999-2002, o qualrefere que a designaode mediador scio-cultural mais adequada, pelasua estreita ligao com amediao social, na medidaem que a experincia temdemonstrado que a existn-cia de diferentes cdigosculturais, quando conjugadacom situaes de exclusosocial prolongada, exigeformas activas de promoodo dilogo intercultural, sequisermos promover a inclu-so e maior coeso social.(2002: 54)

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    intercultural entre todos os cidados, a que sero acrescidos mdulos de formaoque tenham em considerao a especificidade prpria de cada comunidade, no

    sentido de viabilizar a relao intrnseca entre formao, certificao e mercado detrabalho.

    Refere ainda que, devem ser criados cursos de formao atravs de protocolos entreas entidades e o IEFP-Instituto do Emprego e Formao Profissional e que essa for-mao deve ser acreditada pela ANEFA - Agncia Nacional de Educao e Formaode Adultos, entidade que actualmente se encontra extinta, tendo sido substituda pelaDireco Geral de Formao Vocacional.

    Ao contrrio do que acontece a nvel internacional, e como j foi referido, no existenenhuma entidade em Portugal que na prtica regule, compare e aprofunde as diver-sas formas de interveno da mediao, logo que estabelea uma matriz comumde formao.

    O facto de no existir uma definio consensual sobre o termo de mediao socialno nosso pas, dificulta a construo de um campo de actividade. Os mediadoressociais so recrutados por diversas organizaes com diferentes estatutos e intervmem situaes muito variadas. No entanto, a mediao scio-cultural no constituium sector de actividade estruturado, o que compromete a continuidade da figura domediador.

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    CAPTULO II -CONTEXTOS DE INTERVENO DA MEDIAO SCI

    CULTURAL EM PORTUGAL

    A Imigrao

    Como j vimos, o conceito de mediao varia no s segundo a sua perspectiva deactuao, como tambm segundo o seu campo de aplicao.

    Neste sentido, considerou-se fundamental conhecer alguns dos principais contextonos quais se desenvolve a mediao scio-cultural.

    Vimos que, em Portugal, a mediao scio-cultural surge muito ligada a dois contextos. Por um lado, ao da imigrao, e consequentemente a minorias tnicas. Poroutro lado, est tambm ligada a contextos multiculturais, os quais muitas vezes setransformam em contextos de excluso social.

    A imigrao coloca um conjunto de problemas relacionados com os direitos docidados e, sobretudo, com problemas relacionados com a integrao social destasnovas comunidades.

    Importa conhecer qual o percurso da imigrao em Portugal esaber quais as origens dos seus imigrantes, j que, como foidito, constituem um dos alvos principais da mediao scio-cultural4.

    Segundo Tomasi e Miller no existe assunto mais importanteno horizonte europeu do que a questo da imigrao (citadoem Costa, 1998:67).

    De facto, se olharmos para a Europa, rapidamente nos aperce-bemos do surgimento de diferentes iniciativas no combate ao

    4 De facto a mediaoscio-cultural em Portugaltem como palco de desen-volvimento contextos de imi-grao e minorias tnico-culturais, mas esta umaferramenta que ultrapassaestes grupos populacionaise que pode ser bastantetil, como vimos anterior-mente, ao nvel da recons-tituio de laos sociais degrupos sociais, particular-

    mente vulnerveis.

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    racismo e xenofobia, indicando a Europa como um palco de problemas complexosde convivncia entre diversas culturas.

    Debruando-nos sobre Portugal em concreto, observamos que at finais da dcadade 1960, este , indiscutivelmente, um pas de emigrao. Mas, aps a descoloni-zao, que se seguiu Revoluo de Abril de 1974, a situao inverte-se passandoa ser pas de imigrao.

    Fazendo uma retrospectiva histrica verificamos que at primeira metade da dca-da de 60, o Governo Portugus revelava alguma resistncia face s consequnciasda industrializao e da urbanizao aceleradas que comeava a sentir, pelo que aabertura do pas ao exterior era reduzida e a entrada de estrangeiros limitada.

    Com a entrada de Portugal para a EFTA - Associao Europeia de Comrcio Livre -durante a segunda metade da dcada de 60, a economia do pas comea a abrir-seao exterior e, consequentemente, assiste-se tambm a fixao de residentes estran-geiros em Portugal.

    Mas foi na segunda metade da dcada de 70, que a populao estrangeira no nossopas cresceu abruptamente, j que entre 1976 e 1980 aumenta exponencialmentea vinda de contigentes dos PALOP- Pases Africanos de Lngua Oficial Portuguesa,embora aumentem tambm os fluxos migratrios vindos da Europa e da Amrica. Istoporque, com o 25 de Abril em 1974, novos movimentos migratrios ocorrem facilitan-do a fixao de estrangeiros de diferentes provenincias geogrficas e sociais. Tratou-se de uma imigrao promovida pelo prprio estado portugus, para compensar asfaltas de mo-de-obra em resultado da emigrao (Fontes, 2004).

    Aps o 25 de Abril o nmero destes imigrantes foi aumentando, sobretudo na dcadade oitenta, quando se tornaram num dos alvos das redes de trabalho ilegal, nomea-damente para abastecerem a construo civil.

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    A principal comunidade a cabo-verdiana, cujo crescimento no tem parado daumentar. Em 1980 residiam em Portugal 21 022 cabo-verdianos, em 2000 eram

    cerca de 47 200, atingindo em 2003 os 69 000 imigrantes legalizados. O total deimigrantes africanos, com a situao legalizada, ascendia em finais de 2002 a maisde 120 mil pessoas, na sua maior parte provenientes dos PALOPs os quais totalizavam cerca de 116 mil imigrantes (idem).

    Estes movimentos migratrios tm influncia na recomposio etria, uma vez quentre 1960 e 1981 se assiste a um rejuvenescimento acentuado da populaoestrangeira residente em Portugal, o que devido, em parte, ao contingente de imigrantes provenientes de frica e, em particular, ao desenvolvimento e consolidade uma nova cadeia migratria com origem nos PALOP (Carmo, 1996: 238).

    Em termos demogrficos, estes imigrantes fixam-se nas regies mais industrializad(Lisboa e Setbal), as quais potenciam maiores possibilidades de emprego.

    Ultrapassado o perodo crtico de descolonizao, surge um novo fluxo de imigra

    entre os PALOP e Portugal. As imigraes intensificam os fluxos populacionais pvindos de Angola e Moambique e constituem-se novos fluxos, com origem noutrpases como a Guin Bissau e S. Tom e Prncipe.

    Posteriormente, tm tambm lugar fluxos imigratrios de maior amplitude, tais comos refugiados polticos:

    A estrutura demogrfica permite distinguir entre migraes laborais e migraede refugiados. Isto porque as primeiras so compostas, quase exclusivamente, porindivduos em idade activa, e quando so de carcter permanente, por ncleosfamiliares. As segundas so mais heterogneas sendo compostas por uma grandepercentagem de mulheres, jovens e crianas em situaes de desenquadramentofamiliar (Idem: 239).

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    Por fim, desenvolve-se ainda o fluxo dos estudantes dos PALOP, que pretendem fre-quentar o ensino em Portugal.

    Como refere Alfredo Bruto da Costa (1998) os movimentos migratrios dos pasesdo Hemisfrio Sul para os do Norte , alm de mais, um movimento de populaescolonizadas para os pases colonizadores, na medida em que:

    este movimento tem de ser entendido como uma outra fase da colonizao oucomo algum lhe chamou, o movimento do regresso das caravelas. Trata-se deum movimento com fundamento histrico que no se pode ignorar. A Europa ps-colonial no se pode colocar numa postura pr-colonial, pela simples razo de queentre os dois momentos existiu todo um perodo colonial. E este perodo tem impli-caes para o futuro. Um deles, a meu ver, naturalmente, o do movimento popu-lacional das antigas colnias para os antigos pases colonizadores (Idem:70)

    A esta situao, o autor acrescenta o facto de que o movimento imigratrio nosurge somente pela procura de um nvel de vida melhor, mas por uma questo de

    sobrevivncia, o que significa uma motivao suficientemente forte para ultrapassarrestries legais e/ou fsicas.

    Segundo Carlos Fontes (2004), o grande surto da imigrao em Portugal, deu- -sena dcada de 1990, em virtude de uma srie de efeitos conjugados, os quais apre-sentamos de seguida:

    a profunda crise em que mergulhou o continente africano e a AmricaLatina. O crescimento desigual da riqueza a nvel mundial tornou osricos mais ricos e os pobres cada vez mais endividados;

    a derrocada da ex - Unio Sovitica, a partir de 1989, que entre outrasconsequncias teve a de engrossar o contingente de imigrantes escala mundial;

    o desenvolvimento econmico que se regista em Portugal, depois daadeso CEE (actual Unio Europeia), em 1986, trouxe consigo o

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    crescimento exponencial de obras pblicas que no tardaram a atrairmilhares de imigrantes.

    A provenincia dos imigrantes diversifica-se e estes espalham-se por todo o pas, ntendo apenas como regies de destino as zonas mais industrializadas do pas, umavez que hoje em dia nas aldeias mais recnditas possvel encontrar imigrantesfacto que s por si constitui uma completa novidade.

    Como vimos, at dcada de 1990, Portugal foi sobretudo procurado por habitantedos pases lusfonos, mas actualmente preponderam os oriundos dos pases do lesteda Europa e do Brasil.

    Fontes (2004) afirma ainda, que o grande boom da imigrao ocorreu a partir de1999 e s em 2003 abrandou, referindo que o nmero de imigrantes legais emPortugal, atingiu, em meados de 2002, 388.258 pessoas. A situao torna-se entoextremamente difcil de controlar, sobretudo devido aco das redes de imigraclandestina.

    Segundo ainda este autor, em 1980 o nmero de imigrantes legalizados era deapenas 50 750 e passados dez anos este nmero duplicou para 107 767. Em 1995atingia os 168 216 e no ano de 1999 chegou aos 191 143, para no ano seguinte severificar a existncia de 208 198 imigrantes.

    No obstante, continuava a constatar-se um elevado nmero de estrangeiros emsituao ilegal, pelo que em Janeiro de 2001 foi lanado um processo de legalizaoextraordinrio. A situao no melhorou dada a contnua entrada de novos imigrantes, nomeadamente do Leste da Europa, Brasil e frica.

    Em Maio de 2002, contava-se j um total de 388 258 imigrantes legalizados. No findo ano o seu nmero ascendia a cerca de 438 699. Este valor continuou a subir aolongo de 2003, representando actualmente cerca de 5% da populao residente emPortugal.

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    Estima-se que o nmero de imigrantes ilegais seja provavelmente o dobro, os quaisvivem, na maioria das vezes, em condies miserveis, amontoando-se em bairros

    clandestinos ou sociais volta de Lisboa (Almada, Loures, Amadora, Sintra).

    A maioria dos imigrantes africanos de religio muulmana que chegam a Portugal,so provenientes da Guin-Bissau. Contudo, nos ltimos anos subiu o nmero dosque chegam de Marrocos.

    Portugal tornou-se num destino cada vez mais procurado pelos marroquinos devidos crescentes dificuldades para arranjarem emprego em Espanha. No conjuntodos povos muulmanos os marroquinos so de longe aqueles que mais procuramPortugal.

    Nos ltimos dois anos, foram concedidas 1348 autorizaes de permanncia a mar-roquinos, seguindo-se os egpcios, com 654, os argelinos (138) e os tunisinos (136).As restantes nacionalidades de pases muulmanos, no tm praticamente qualquerexpresso5.

    Foi tambm no final da dcada de 1980, que aumentou o fluxo de imigrantes brasilei-ros que, usufruindo do regime de iseno de vistos para a sua entrada, se dedicaramsobretudo s actividades no mbito da restaurao, construo civil e comrcio.Importantes redes clandestinas alimentam o mercado da prostituio, no apenaspara Portugal, mas para toda a Europa. Contudo, o nmero destes imigrantes foiigualmente notrio em actividades qualificadas, como a medicina dentria.

    Os imigrantes brasileiros esto, actualmente, espalhados por todo o pas, incluindopequenas aldeias de provncia, embora a sua principal concentrao seja na regioda grande Lisboa. O nmero de residentes estrangeiros provenientes do Brasil era,em 2002, de 48 691, mas acredita-se que o nmero real destes seja j superior a

    80 mil pessoas.

    5 Dados referentes aFevereiro de 2004 (Fontes,

    2004)

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    A ltima vaga, em finais dos anos 90 do sculo 20, provm dos pases da Europa deLeste, com destaque para a Ucrnia, Moldvia, Rssia e Romnia.

    Os pases do sul da Europa, como Portugal e Espanha, onde se registou um grandedesenvolvimento econmico, revelam crescentes carncias de mo-de--obra. Redede trabalho clandestinas alimentam o sector da construo civil em franca expansoMuitos destes imigrantes esperam tambm encontrar em Portugal ou em Espanha,uma porta de entrada para outros pases europeus, sobretudo depois de ter sidoestabelecido o espao Schengen, em 1998.

    Estamos perante um tipo de imigrao com um elevado grau de instruo, muitosuperior mdia portuguesa, mas que, devido s dificuldades lingusticas, se foinserindo na construo civil, trabalhos de limpeza e mais recentemente, na agricutura, em trabalhos indiferenciados. O nmero de residentes estrangeiros com origemnos pases do leste da Europa so os seguintes: Ucrnia 50 499; Moldvia 10.221;Romnia 8 815; Rssia 6 0156. Calcula-se que o nmero total de imigrantes de leste,legais e em situao ilegal, seja actualmente superior a 200 mil.

    Tambm nos anos de 1990, por via terrestre chegam imigrantes originrios da Chine da pennsula indostnica. Estes dedicam-se sobretudo a actividades de restauraoe ao pequeno comrcio. O nmero de residentes estrangeiros de pases asiticos soos seguintes: China 6 940; ndia 1 296; Paquisto 8607.

    O facto de existir um nmero considervel de imigrantes no pas , em si, um factode atraco de novos imigrantes ligados por laos de parentesco, amizade, vizinhana. Sendo que, contextos de instabilidade poltico-econmica, de guerras civis, dinsegurana, contribuem amplamente para que o fluxo migratrio continue.

    No mbito do estudo das migraes internacionais contemporneas, os movimentodas populaes surgem associados ao desenvolvimento docapitalismo escala mundial, uma vez que o desenvolvimen-to traduz-se na dependncia dos pases subdesenvolvidos - a

    6 Idem7 Dados referentes aDezembro de 2000

    (Fontes, 2004)

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    periferia - em relao aos pases de forte desenvolvimento econmico - o centro. Ofenmeno das migraes tem de ser, assim, encarado como parte integrante de um

    sistema de Economia - Mundo (Castro et Al, 1999:37).

    Desde aqui pode-se afirmar que o desenvolvimento dos pases pobres a nica ver-dadeira soluo para o problema das migraes massivas motivadas mais pelo efeitode repulso (push effect) dos pases de origem, do que pelo efeito de atraco (pulleffect) dos pases de destino. No que se deva prever uma situao mundial semmigraes. Um cenrio assim impensvel num mundo globalizado, transformadona chamada aldeia global (Costa, 1998: 72)

    Estes fluxos migratrios colocam questes srias, relativamente a integrao socialdestes grupos scio-culturais amplamente diferenciados, em termos de lngua, cul-tura, clima e religio.

    Inicialmente, o problema de integrao era visto no sentido da identificao dos imi-grantes com a cultura da sociedade de destino. Mesmo quando a imigrao surge

    por razes econmicas, esta noo mantm-se, dada a necessidade que os paseseuropeus tinham de mo-de-obra especializada; os naturais deixam de realizar algu-mas tarefas que os imigrantes comeam a executar.

    Actualmente, a situao inverte-se, na medida em que a taxa de desemprego sobeconsideravelmente, o que leva o imigrante a ser visto como um rival indesejvel,com a agravante de que os imigrantes por vezes aceitam salrios inferiores aosmnimos nacionais, pelo que a concorrncia, alm de tida por desleal, enfraquece opoder de reivindicao salarial dos nacionais (Costa, 1998: 69), o que aumenta adiscriminao, conduzindo ao ultra-nacionalismo, xenofobia e ao racismo.

    Por outro lado, a imigrao apresenta uma nova caracterstica, a qual assenta no carc-ter massivo dos fluxos migratrios. Ou seja, a imigrao j no realizada por pessoasisoladas, nem por um nmero de famlias limitado, mas sim realizada por um nmeroconsidervel de pessoas e famlias com expresso demogrfica e sociolgica.

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    O termo cultura, tem na sua origem o patrimnio global do indivduo e dos gruposociais aos quais pertence. Esse patrimnio cultural composto pelas normas de

    conduta, pelos valores, costumes, linguagem, que une e diversifica os grupos humanos. Como refere Perotti quando falamos de identidade cultural de uma pessoa,queremos significar a sua identidade global, isto , uma constelao de vrias identficaes particulares a outras tantas pertenas culturais distintas (Idem: 49).

    Segundo ainda este autor, pode-se falar em identidade tnica quando esta cons-truda dentro do grupo, que partilha colectivamente um sentimento de pertena aum ns. A identidade tnica uma referncia a uma histria ou a uma origemcomum simbolizada por uma herana comum mas que, contudo, apenas cobre umfragmento de cultura do grupo (Idem: 49).

    Este facto de conscincia, implica um nvel de organizao colectiva e uma mobilizo tnica (liderados por uma elite ou conjunto de lderes reconhecidos) que consigalterar ostatus inferior e discriminatrio do grupo, estruturando-o em torno de umareviso, alterao e re-interpretao de cer tos mitos e valores culturais comuns, qu

    possibilitem uma afirmao cultural positiva de grupos diferentes (Costa e Piment1991: 2).

    Desde aqui, podemos comear a compreender o termo de etnicidade, o qual usadoem antropologia para exprimir relaes entre entidades scio-culturais marcadas poalgum grau de comunho cultural e social - grupo tnico - em contextos interactivomulticulturais nas sociedades modernas (Cohen, 1978: 386).

    Este conceito tem sido usado de dois modos distintos, por um lado atravs de aspectos como a linguagem, a religio, os rituais, as estruturas de parentesco, o vesturioa culinria, por outro, como um sentimento de pertena grupal no interior de umacolectividade.

    Segundo Maria Joo Freitas (1994) o termo etnia tem uma tendncia para substituiro de raa, que se refere a uma abstraco estatstica, na medida em que no exis-

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    tem tipos raciais verdadeiramente puros. Assim um grupo tnico pode ser concebidocomo um grupo com uma histria e uma cultura comuns. Entendendo ainda a autora

    que um grupo de indivduos com ancestralidade comum, padres de cultura comunse apresentando um determinado grau de identificao com esse grupo, isto , reco-nhecendo-se como pertencendo-lhe, pode ser considerado um grupo tnico.

    Esta ideia supe dois processos intrnsecos ao conceito de identidade tnica, osquais so descritos por Liebkind quando afirma por um lado o auto-reconhecimentopor parte dos indivduos da sua pertena a um determinado grupo tnico e por outrolado o reconhecimento dos outros, isto hetero reconhecimento dessa mesma per-tena (citado em Castro, Pinto, Teixeira, 1999: 34).

    Sabendo que as sociedades europeias so caracterizadas pelas pluriculturalidadesnelas existentes, este entendimento conduz-nos a um outro nvel de reflexo: quesignifica assumir uma Integrao Plural ao nvel das minorias tnico culturais ?

    A estabilizao dos imigrados acrescentou novos minoritrios cidade europeia e

    acentuou o pluriculturismo quer social, quer cultural j existente, o que nos permitefalar em integrao plural e, nesse sentido, na mediao scio-cultural como estra-tgia de reorganizao social e de coeso social.

    Deste modo, o conceito de integrao ope-se noo de assimilao, entendidacomo um processo que concebe as relaes entre os migrantes e a sociedade deacolhimento na base de uma passagem unilateral (conformizao) aos modelos decomportamento da sociedade de acolhimento, modelos esses que se impem personalidade do migrante e o obrigam a despojar-se de todo e qualquer elementocultural prprio (desculturao e despersonalizao) (Perotti, 1994: 47).

    A integrao plural indica, desta forma, a capacidade de confrontar e de trocar- numa posio de igualdade e de participao - valores, normas, modelos decomportamento, tanto da parte do imigrante como da sociedade de acolhimento,na medida em que a integrao o processo gradual atravs do qual os novos

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    residentes tomam parte da vida econmica, cvica, cultural e espiritual do pas dimigrao (Idem:48).

    As situaes de pluriculturalidade, que caracterizam as sociedades na Europa, podemmuitas vezes ser objecto de interpretaes ambguas, que esto quase sempre na origemda rejeio do prprio conceito de sociedade pluricultural. Pois, no podemos conceba sociedade pluricultural e falar dela como se se tratasse de um mosaico onde os grupose as comunidades da lngua, de cultura e de etnia ou de religio diferentes fossem simplesmente justapostos. Uma tal concepo tributria de uma viso esttica de culturaela desconhece a interaco entre indivduos, grupos e comunidades, assim como ascondies que explicam o sucesso ou insucesso da interaco (Idem: 43).

    Segundo a definio do Conselho de Cooperao Cultural do Conselho da Europaa sociedade pluricultural uma sociedade poltica fundada sobre a aceitao deregras comuns de comunicao, o que implica uma ou vrias lnguas oficiais, um sistema jurdico comum, a regra democrtica do consenso social, o respeito dos direitodo homem, a liberdade do indivduo perante as presses comunitrias (Idem: 44).

    Tendo em considerao esta definio, uma sociedade pluricultural supe uma longa sride negociaes entre as instituies e os grupos minoritrios, uma vez que a coexistncinum mesmo espao geogrfico de grupos tnicos e culturalmente diversificados nemsempre pacfica. J que se geram tenses que se traduzem numa imposio a todaa sociedade, dos modelos culturais dos grupos dominantes, na dificuldade da promoo(e at de aceitao) das diferenas, na depreciao das culturas minoritrias ou mesmopoderosas, na presso para que essas culturas assumam modelos com os quais e segun-do os quais tm de sobreviver, no encerramento de cada cultura sobre si, o que obsta strocas entre os diferentes grupos culturais e consequentemente ao enriquecimento mtuo(Barbosa, 1996:21).

    Desde aqui surgem novos problemas e desafios, j que a convivncia pacfica ddiferentes comunidades dever encontrar uma base mais slida que a imposio deuma cultura sobre a outra.

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    Neste sentido, concordamos com Costa, quando afirma que a escolha para as socie-dades europeias de ser ou no multicultural est ultrapassada pelos factos, contudo,

    o problema em aberto e que urgente resolver o de saber que tipo de sociedademulticultural a Europa pretende ser (1998: 72).

    O convvio entre culturas, num contexto de globalizao econmica, social e cultural,torna-se um desafio e um problema, onde, por um lado, se assiste a uma conver-gncia cultural, mas por outro lado, a uma afirmao cada vez maior das prpriasculturas.

    Encarando a mediao scio-cultural como estratgia de interveno que pretendepromover a integrao social e a coeso, e perante a afirmao das prprias culturase da dimenso quantitativa dos imigrantes, faz com que neste contexto seja legtimocolocar as questes que Costa pe num dos seus livros sobre excluso social, isto ,o que integrao cultural neste caso? Integrar a maioria imigrante na cultura daminoria local? Integrar a minoria local na cultura da maioria estrangeira? Com quelegitimidade uma comunidade estranha pode reivindicar o direito de praticar a sua

    cultura em territrio alheio? E com que legitimidade a sociedade local pode impediraos imigrantes que vivam a sua cultura? Onde comeam e onde terminam os direitosdos povos ao territrio? (Idem: 73). Estas so questes s quais no se pode fugirou responder com superficialidade.

    Antes considerava-se inquestionvel que as comunidades imigrantes deveriam aban- donar a sua cultura de origem para assumir a cultura da sociedade de acolhimento.Actualmente, quando se fala de integrao, fala-se de pluriculturalidade, de dilogoentre culturas, na necessidade de reconhecer o diferente (no como inferior, mascomo diferente), na necessidade de valorizar a diferena reconhecermos que a dife-rena distingue mas no divide, que o encontro e a unidade na diferena enriquece,ao passo que a unidade uniformizada empobrece (Costa, 1998:75).

    Assim, e depois da anlise de dois dos principais contextos onde se desenvolve amediao scio-cultural e onde, inegavelmente, esta se torna uma necessidade,

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    apresenta-se de seguida o verdadeiro desafio da mediao, que o poder propor-cionar a emergncia de contextos interculturais numa sociedade cada vez mais

    multicultural.

    A necessidade de descobrir o intercultural

    Falar hoje de um mundo crescentemente multicultural uma tarefa obrigatria paros que enfrentam com ansiedade e optimismo o novo milnio.

    Nunca como hoje se falou tanto de culturas e de multicultura, pois tudo se passacomo se o mundo tivesse subitamente acordado de um sono letrgico e se desseconta de que, afinal, ele intensamente policromtico. O espanto de tal ordemque alguns cientistas sociais, como Samuel Huntington, no se coibem de anteverum futuro apocalptico feito de guerras entre culturas e de confrontos entre religie(Carneiro, 1999).

    O grande desafio cultural para a Europa a escolha entre uma sociedade multi-

    cultural ou intercultural. Jacques Delors assinalou que, acima de tudo, trata-se deaprender a viver em conjunto, conhecendo melhor os outros, a sua histria, as suastradies e a sua espiritualidade e, a partir da, criar um esprito novo que leve realizao de projectos comuns ou soluo inteligente e pacfica dos inevitveconflitos, graas justamente a esta compreenso de que as relaes de interdepen-dncia so cada vez maiores e a uma anlise partilhada dos riscos e dos desafiosdo futuro (citado Stavenhagen, 1997: 15).

    Para melhor perceber os desafios da multiculturalidade, convm recordar quedurante praticamente dois sculos, a concepo dominante que se imps foi a damonoculturalidade.

    Neste contexto, os recm-chegados, ou os considerados diferentes eram votados um isolamento pela sociedade em que se inseriram devido hostilidade que podiamencontrar ou, no mnimo, severidade que acompanhava o seu modo de vida.

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    Actualmente no faz mais sentido falar de uma s cultura e torna-se urgente umdilogo em que cada cultura reconhea a outra como diferente de si, e no como

    inferior ou superior.

    Barbosa (1996) assinala trs tipos de respostas da sociedade diversidade cultural,identificados por Hannoun:

    Assimilacionismo, que defende o primado de uma das culturas em presena ea incompatibilidade entre as diferentes culturas (idem: 22). Fundamenta-se naideia de que existe uma cultura universal que deve ser assimilada pelas outras.Como consequncia cria um contexto favorvel desigualdade de oportunida-des.

    Multiculturalismo, que consiste na afirmao por parte de cada grupo deque a sua cultura essencialmente diferente das outras (Idem: ibidem).Consequentemente, os grupos culturalmente minoritrios so forados a assumiruma espcie de biculturalismo. Numa perspectiva multiculturalista a cada culturacorresponde um espao, sendo a sociedade uma atomizao cultural.

    Interculturalismo sinnimo de reconhecimento do pluralismo cultural, querdizer, simultaneamente, a afirmao de cada cultura, considerada na sua iden-tidade prpria (Idem: 23). A complementaridade pressupe um enriquecimentomtuo que leva construo de uma cultura comum. Significa que qualquercultura sai enriquecida do contacto com as outras. estabelecida, assim, umarelao dialctica profunda das diversas culturas particulares entre si e destascom uma cultura universal (Idem: ibidem).

    O verdadeiro desafio consiste em passar do multicultural ao intercultural, isto , reconhe-cer e valorizar a diferena. No basta somente que as diferentes culturas consigam umaconvivncia no respeito mtuo e na solidariedade, apesar do que isso s por si tem depositivo, mas devem conseguir uma interaco significativa das culturas em presena.Desde esta perspectiva nenhuma cultura intrusa noutra sociedade, nenhumindivduo deve ser visto como um intruso cultural na Europa. O conhecimento docontributo de todas as civilizaes para o pensamento humano, para a racionalidade

    o ponto de partida essencial do intercultural (Perotti, 1997:23).

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    A Mediao Scio-Cultural: Um Puzzle em Construo (55)

    O interculturalismo torna-se, assim, uma plataforma essencial de encontro, caracterizando-se pela condenao das polticas de assimilao e para a sua realizao

    concorrem diferentes realidades, tais como a realidade escolar, social, econmicacultural de raiz identitria ou individual. Neste sentido uma escolha da sociedadoptar por uma atitude de abertura ao mundo plural, por uma interdependncia einterpenetrao.

    Esta interpenetrao no objectivada como uma mestiagem cultural, mas sim pelodesenvolvimento do conhecimento dos pontos de vista recprocos e pelo favorecimeto da aceitao do outro. Assim, o interculturalismo , antes de tudo, a escolha deuma sociedade humanista que optar pela interdependncia, em oposio s estra-tgias de segregao e de assimilao (Carmo, 1996: 356).

    Trata-se de assumir como prpria a pluralidade do nosso mundo, de aceitar quetodos os seres humanos tm os mesmos direitos e merecem o mesmo tratamento edignidade e que as sociedades no podem continuar a ser ilhas isoladas e fechadasao mundo. Para implementar uma autntica prtica intercultural e construir socieda

    des verdadeiramente interactivas, tero que basear-se numa ptica de negociaoe no estabelecimento de compromissos sociais no futuro.

    Reforando o que anteriormente foi dito e agora nas palavras de Costa o verdadeirdesafio cultural para a Europa parece estar na escolha entre uma sociedade mul-ticultural em que as diferentes culturas convivem no mtuo respeito e na solidariedade e uma sociedade intercultural, em que as culturas no se limitam a umaconvivncia pacfica, mas interactuam umas com as outras, atravs do dilogo, doconhecimento mtuo, da abertura ao universal, sem prejuzo da originalidade prpria (1998: 75). Este autor refere que desta interaco pode inclusive resultar umaterceira cultura ou uma cultura sntese que participa das diferentes culturas, semidentificar-se com nenhuma delas na ntegra.

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    importante referir que esta opo no leva diluio do essencial de cada cultura,pelo contrrio, deve-se definir qual o ncleo essencial de cada uma que se quer

    preservar, sem se fechar, mas sem se descar