A memória presente na arte de Francisco...

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A memória presente na arte de Francisco Goya Josiane Lorena Peters Rua: Travessa Mallet, número 59 Bairro:Jd. Cristina 3 – Colombo – PR Telefone – (41) 88927959 E-mail – [email protected] Sob orientação do Professor Clovis.

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A memória presente na arte de Francisco Goya

Josiane Lorena Peters

Rua: Travessa Mallet, número 59

Bairro:Jd. Cristina 3 – Colombo – PR

Telefone – (41) 88927959

E-mail – [email protected]

Sob orientação do Professor Clovis.

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Cessão de Direitos de Publicação

O Autor abaixo assinado transfere os direitos de publicação, impressa e online, do artigo

“A memória presente na arte de Francisco Goya” à revista Tuiuti: Ciência e Cultura,

caso ele venha a ser publicado.

Também declara que tal artigo é original, não está submetido à apreciação de

outro jornal e/ou revista e não foi publicado previamente.

O autor abaixo assinado assume a responsabilidade pela veracidade das informações

contidas no referido artigo.

Curitiba, 18 de Outubro de 2012.

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A memória presente na arte de Francisco Goya

Josiane Lorena Peters1

Resumo

Neste trabalho é realizado um resgate da importância da segunda fase da obra de

Francisco Goya e a memória presente dentro de sua arte. A invasão napoleônica a partir

de 1808 provocou uma série de conflitos dentro de Espanha, e esses conflitos foram

registrados nas obras de Goya, de uma maneira incomum na sua época. Goya faz parte

de uma transição dentro dos estilos artísticos, ao retratar o popular e a violência contida

dentro da invasão em seu país.

Palavras-Chave: Francisco Goya, Memória, Invasão Napoleônica.

Abstract

This work is performed a rescue of the importance of the second phase of the work of

Francisco Goya and memory present within his art. The Napoleonic invasion of 1808

resulted from a series of conflicts within Spain, and these conflicts were recorded in the

works of Goya, in an unusual way in his time. Goya is part of a transition within the

artistic styles to portray the popular and violence contained within the intrusions into

their country.

Keywords: Francisco Goya, Memory, Napoleonic invasion.

1 Sob orientação do Professor Clovis.

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1 Pintura como fonte histórica

As fontes históricas sofreram uma grande variação nos últimos tempos, das

quais possibilitam interpretações mais abertas e reflexivas sobre o contexto histórico.

Porém, ainda há uma séria discussão na historiografia na aceitação dos resultados

ofertados pela história da arte, pois ela retrata de forma catalogadora, os indivíduos, os

estilos e as épocas. Contudo o objeto de estudo da história da arte pode fornecer uma

infinidade de informações que ao serem estudadas como fonte histórica, ilustram o

passado da sociedade, seja ela remota ou contemporânea, “são impressionantes os

resultados dessa história da arte: ela descobre, restaura, salva”. (VENÂNCIO, 2006, p.

6).

Os artistas inspirados pelos eventos de seu tempo realizaram obras que

registraram ou documentaram acontecimentos que nenhuma máquina fotográfica pode

captar (já que esse recurso tecnológico viria a passar a existir a partir do século XIX).

De modo às vezes manipuladores esses registros foram realizados, mas com o

auxílio de referenciais históricos da sociedade em que o artista viveu é possível retirar

informações que colidam com as obras do mesmo, abrindo possibilidades de vir a

compreender o que a obra apresenta. O pintor muitas vezes se tornou “Aquele que vê”,

aquele que registra o fato, dentro ou fora de sua época, se tornando um testemunho de

seu tempo, das relações sociais, culturais, econômicas e até psíquicas. Como descreve

Jacques Le Goff em “História e memória”:

“Esta concepção da visão como fonte essencial de conhecimento leva-nos à idéia que histor 'aquele que vê' (GOFF, Jacques Le. História e memória, pg.13. http://groups.google.com.br/group/digitalsource, 1990).

Sendo assim o artista se torna em muitos casos uma testemunha ocular, que vêm

a registrar de forma palpável em suas obras momentos que a memória nem sempre as

guarda.

2 Memória e Testemunho

A memória absorve acontecimentos únicos dentro das relações sociais, sendo

possível desvendar fatos que aconteceram e foram testemunhados individual ou

coletivamente dentro do tempo, mas como se localiza no cérebro essas informações, 4

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ficando assim vulnerável ao esquecimento humano. Sendo assim a memória é seletiva e

individual, mas por mais singular que seja a memória ela pertence a um indivíduo social

conforme afirma Moreira:

A Memória, no sentido primeiro da expressão, é a presença do passado. A memória é uma construção psíquica e intelectual que acarreta de fato uma representação seletiva do passado, que nunca é somente aquela do indivíduo, mas de um indivíduo inserido num contexto familiar, social, nacional. (MOREIRA. UNICAMP).

Le Goff conclui: “a memória, onde cresce a história, que por sua vez a alimenta,

procura salvar o passado para servir o presente e o futuro. Devemos trabalhar de forma a

que a memória coletiva sirva para a libertação e não para a servidão dos homens”.

(GOFF,JacquesLe.Históriaememória,pg.411.http://groups.google.com.br/group/digitals

ource, 1990). Esta possibilidade histórica apresenta características que os recursos

tecnológicos muitas vezes não registram, seja pela inexistência da tecnologia ou pela

falta de oportunidade de usa – lá, sendo assim a memória é instrumento de grande

influência na constituição das obras de arte.

3 Aquele que vê, a memória na arte de Goya.

Figura 1: Auto retrato, 1815, Madrid, Museu Nacional do Prado. Fonte: (PRADO, 2008, p. 9)

O pintor espanhol Francisco Goya y Lucientes (30 de março de 1746 - 16 de

abril de 1828) foi profundamente inspirado por fatos ocorridos em seu próprio tempo.

Goya viveu na Espanha napoleônica e deixou pra humanidade o seu testemunho do que

pôde presenciar, desde uma Espanha Tradicionalmente Católica e Monárquica, até a

esperança dos “Ilustracionistas”, mas o seu feito de maior importância e que mais

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promove curiosidade até hoje e é aqui analisado deixou vestígio não da burguesia, e sim

da “massa populacional espanhola”.

Suas obras “Os fuzilamentos de Dois e Três de maio de 1808” e suas diversas

águas-forte denominadas “Los desastres de la Guerra”2, são exemplos genuínos de

como é possível a arte ser construída através da memória. Os madrilenos ilustrados por

Goya é uma expressão clara do que consideramos “pessoas comuns”, mas que

normalmente são esquecidas ou deixadas de lado na história oficial, essa que não relata

o real valor da participação popular, em grandes momentos históricos.

Esses quadros, pintados seis anos depois dos acontecimentos, contribuíram para limpar qualquer mácula que porventura Goya pudesse trazer de suas relações com os franceses durante a ocupação. Mas as telas, embora oficiais, foram à primeira representação digna de nota na história das artes de uma insurreição popular. O caráter universal que possuem faz com exprimam fundamentalmente o conflito entre a liberdade e a ordem.( Diálogos, UEM, 01:53 - 66, 1997)

Registrar as condenações de grupos de pessoas em guerra, que não era comum

antes da arte de Goya3, a partir dele o tema passa a ser explorado com mais freqüência,

deixando gravado para os séculos posteriores o que ele próprio vivenciou. Sua arte

denunciadora promoveu inspiração a outros pintores anos mais tarde4.

A obra de Francisco Goya durante os anos de 1808 a 1814, confeccionadas

através de sua memória individual, apresenta as perturbações da identidade coletiva,

essa promovida por intermédio do caos da invasão francesa em sua nação.

A primeira fase das obras do artista normalmente só ilustravam aquilo que era

cabível e interessante aos seus patrocinadores, estes normalmente, personagens

poderosos que detinham tanto o poder governamental como também o econômico.

Nascido em 30 de março de 1746 em Fuentedetodos uma pequena aldeia de Zaragoza

(Aragão), filho de José Goya dourador de estátuas das igrejas e de livros e de Engracia

Lucientes descendente de uma decadente mais nobre família de Zaragoza. Pertencente

2 “Essas gravuras são conhecidas, no interesse da brevidade, como os Desastres de la guerra. Seu título coletivo completo era muito maior: Fatales conseqüências de la sangrienta guerra em España com Buonaparte. Y otros caprichos enfáticos”. (HUGHES, 2007, p. 322). 3 “as primeiras – menos detalhadas e com menor intensidade narrativa – datam de 1633 e são de autoria do gravurista francês Jacques Callot, são dezoito lâminas conhecidas como as “Misérias da guerra”, em que pequeninos soldados de Luís XIV são vistos fazendo coisas horrendas contra pequeninos huguenotes”. (HUGHES, 2007, p. 314).

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4 É o caso do pintor espanhol Pablo Picasso.

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a uma família de classe média baixa Francisco José Goya y Lucientes cresce em uma

empobrecida Espanha Inquisitorial.

Francisco Goya vem a participa em 1763 e 1766 de concursos com o objetivo

de obter uma bolsa de estudos na área das artes, que só conseguiu em 1771 na Itália na

academia de Belas Artes de Parma. Goya é tratado como um pintor de idade já avançada

para o seu tempo.

Patrocinado pela corte, Goya retratou com “autenticidade e domínio singular”,

diversas personalidades de seu período, exemplo da primeira fase das obras realizadas

por ele são: ”O conde de Floridablanca”, ”A Marquesa de Pontejos”, e a ”Família dos

duques de Osuna”.

Goya por muito tempo retratou personalidades de “grande importância social”,

porém quando ocorre à invasão do exército napoleônico na Espanha em 1808, há uma

mudança gritante em sua obra, está se torna denunciadora da violência presenciada pelo

pintor em seu país. Iniciando a segunda fase da obra do artista que ilustrou de uma

maneira única situações humanas que contrariavam o seu tempo, representando loucos,

canibais, estupros e outras situações pertinentes a sociedade em que vivia. Fase na qual

Goya com mais de sessenta anos, viveu continuamente. “Goya foi o artista que inventou

uma espécie de ilusão a serviço da verdade: a ilusão de estar presente quando coisas

horrendas acontecem” (HUGHES, 2007, p. 322).

“Os desastres de La guerra”5 e nos dois quadros: “2 e 3 de Maio de 1808”, serão

censuradas durante o resto de sua vida, sendo apresentados somente após sua morte,

“Fernando VII não tolerou e jamais toleraria aqueles insultos amargos”, pois isso

denunciaria seu governo. Sua série de lâminas, só iria ser publicada “duas gerações

depois de ter sido terminado”. (HUGHES, 2007, p. 356). 5 “podem ser divididas em três grupos. Quarenta e seis lâminas, do número 2 até o 47, descrevem incidentes de guerra de guerrilha, o pueblo espanhol contra os soldados de Napoleão. Dezoito outras, do número 48 até o 65, referem – se aos efeitos da grande fome que devastou o povo de Madri entre 1811 e 1812 – uma fome que Goya, morador da cidade, também vivenciou e cujos efeitos viu pessoalmente. E depois há os Caprichos enfáticos – uma série de quinze imagens alegóricas e satíricas, mais cartoon do que reportagem jornalística, que atacam o que podemos chamar de ‘os desastres da paz’ - , evocando as esperanças destroçadas dos liberais e dos ilustrados espanhóis na esteira da derrota de Napoleão, depois que Fernando VII retomou o trono, aboliu a Constituição de 1812 e deslanchou uma política duríssima de repressão, censura, tirania inquisitorial e absolutismo monárquico”. (HUGHES, 2007, p. 324). A primeira lâmina possui o título de “Tristes pressentimentos”, apresenta um único homem, de joelhos na terra seca, maltrapilho e com os braços em posição de suplica.

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Em momentos em que se “privilegiavam as datas nas quais não havia

derramamento de sangue”, a arte de Goya denunciará aquelas em que foram marcadas

pela violência.

“A memória é um elemento essencial do que se costuma chamar identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma obsessão do homem moderno. A memória coletiva passa a ser vista como um instrumento e um objeto de poder.”. (Anotações de aula do professor Geraldo Pieroni, durante o primeiro modulo de Memória e Identidade da especialização de Patrimônio, Memória e Gestão Documental, Universidade Tuiuti, 09/04/2011).

A análise da segunda fase das obras de Francisco Goya conclui que através da

memória do ser humano comum, é possível resgatar acontecimentos normalmente não

relatados e que por intermédio da abertura ocorrida na historiografia atual, permite dar

créditos as fontes não-oficiais.

O fato de Goya ter escolhido essas cenas como coisas que havia visto é também uma admissão tácita de que alguns, provavelmente muitos, dos eventos dos Desastres eram coisas que ele não havia visto, mas que ouvira de terceiros ou que compusera como epítomes de suas próprias impressões menos coerentes. Que é justamente o esperável: se ele tivesse estado presente em alguns daqueles incidentes, não teria escapado com vida. (HUGHES, 2007, p. 323 - 324).

Goya, em muitos de seus “desastres”, reutiliza o modelo empregado em outras

gravuras, personagens que reaparecem em posições diferenciadas, porem de feições

bem semelhantes. A inspiração que talvez influenciasse Goya a realizar estas águas –

fortes, teria sido uma viagem a sua terra natal, Zaragoza, “poucos meses depois do

início da guerra, na primeira semana de outubro de 1808”. (HUGHES,2007, p. 325).

José de Palafox y Melci um comandante espanhol, convidou Goya para ver o campo de

batalha em Zaragoza, após um fracassado ataque francês. Goya, “não podia recusar a

oferta de Palafox: era seu dever patriótico registrar os rastros da resistência”

(HUGHES,2007, p. 326).

Uma imagem da qual, segundo HUGHES afirma que Goya não poderia ter

presenciado, é a lamina numero 7, da qual ilustra Agustina de Aragón, “uma jovem da

cidade que, sem nenhuma preocupação com a própria segurança, escalara uma pilha de

corpos de defensores mortos nas trincheiras da cidade ... para atirar com um canhão de

doze quilos nas tropas francesas que avançavam”. (HUGHES, 2007, p. 338-339).

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Ele fora um observador indireto, pois podemos descartar a possibilidade de que ele tivesse chegado a assistir a uma batalha. Certamente, porem, ele visitou alguns dos cenáculos de luta. Não sabemos com certeza quantos dos Desastres se inspiraram na visita de Goya a Zaragoza. O único que seguramente o foi mostra uma cena que ele não poderia ter testemunhado naquela ocasião, já que esteve lá no intervalo de calmaria entre a primeira e a segunda fase do cerco à cidade. (HUGHES, 2007, p. 338).

Figura 2: Goya, Los desastres, lamina 7, Qué Valor!, 1863. Gravura e água – tinta, 15,2 x 21,5 cm. Fonte:

(KLINGENDER, 1967, P. 289).

O pintor deixa bem claro a “resistência humana”, na série “Os Desastres”, ele

trata como primeira causa de importância, em segundo coloca a “repugnância”, “o tipo

de dúvida impotente que envenena a vida quanto à mera possibilidade de existência da

dignidade humana” (HUGHES, 2007, p. 348).

4 Invasão napoleônica na Espanha

Durante a invasão napoleônica na Península Ibérica em 1808 á 1814,

proveniente do não comprimento por parte de Portugal do decreto do Bloqueio

Continental, realizado na França em 1806 por Napoleão Bonaparte, que diante da

impossibilidade de vencer a Grã-Bretanha, proibiu os países do continente europeu de

comercializarem com os ingleses, pretendendo assim atingir a economia de sua maior

rival, a Inglaterra, garantindo total predomínio comercial da França nos mercados

europeus.

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O não cumprimento deste acordo causou divergências das quais promoveram a

invasão na península Ibérica, que teve seu início na Espanha, desenvolvendo uma nova

forma de guerra “a guerrilha”, conflito do qual significava “pequena guerra” vindo a

agregar, cidadãos comuns, agricultores e camponeses que tinham o conhecimento da

região aonde vieram a entrar em conflito, outros que também estavam lutando do

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mesmo lado foram desertores do exército e restos de regimentos enfraquecidos, que

resistiriam ao ataque francês.

Conhecida por Grande Armée, o exército napoleônico considerado um dos mais

brilhantes já existentes, via o “Exército espanhol”, como um fácil adversário a ser

vencido, pois o exército espanhol no início da guerra, não passava de 115 mil homens,

mas esse não era o ponto culminante do exército espanhol, mas sim as péssimas

condições que se encontravam o material bélico, e ainda quando ele existia. No início de

1808, ouve convocações para que jovens e viúvos de dezesseis a quarenta anos para que

viessem a participar dos conflitos, só que não havia alimentos o suficiente, não havia

roupas para todos, muito menos calçados, e o armamento não era sofisticado para

tamanho conflito. Desta maneira em comparação a Grande Armée, as forças espanholas

eram de fáceis conquistas:

“Comparadas a sua Grande Armée, as forças armadas espanholas eram irrisórias aos olhos de Napoleão, eram uma piada: eivadas de nepotismo e corrupção, atravancadas por oficiais incompetentes, antiquadas em sua organização, mal equipadas, mal treinadas e pequenas”. (HUGHES, 2007, p. 309).

Em 1810, com as sucessivas revoltas das colônias espanholas na América,

vieram a desencadear uma situação ainda mais crítica, pois a renda que era adquirida

através de impostos implantados pela Espanha sobre suas Colônias passou a não existir

mais, não tendo mais recursos financeiros para impor no seu exército, prejudicando

ainda mais a situação das forças espanholas:

“Assim, a idéia de que o exército espanhol pudesse resistir por mais de uma

semana contra a maior máquina de guerra já construída parece improvável; ainda assim,

a Espanha resistiu por mais de seis anos”, (HUGHES, p. 310).

As guerras surgidas nesta época eram travadas por “Exército profissionais”,

possuidores de uniformes, armamentos, estratégias e comandos, no caso da Espanha, ela

era vista pelos franceses como uma multidão de rebeldes, os guerrilheiros foram frutos

inesperados de uma época e de um lugar específico, que vieram a derrotar a força

napoleônica, com o apoio da força britânica, demonstrando a “vontade coletiva do povo

espanhol”.

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Diferentemente que as outras partes da Europa que Napoleão conhecia e ouvia

falar, a Espanha com sua população “intelectualmente atrasada”, com forte apoio do

clero espanhol, que via Napoleão como o “mal prepotente: o Imperador do Inferno,

facilmente confundido com o próprio anticristo” (HUGHES, p. 316), a população via

Napoleão não como libertador e sim como um opressor, desta maneira a população

resistiu aos ideais napoleônicos, e se agarravam na crença em ser “autêntico” em sua

“verdadeira identidade” como espanhóis. (HUGHES, p. 315).

[...] Nesses confrontos, é possível perceber o delineamento das subseqüentes formações de classe, bem como da consciência de classe; e os fragmentos residuais das antigas estruturas são revividos e reintegrados no âmbito dessa consciência de classe emergente. [...] (THOMPSON, 1998, p. 21).

E é nesse meio que Goya coloca em prática sua nova coleção de “Os desastres

de La Guerra”, composto por duas telas a óleo e 80 laminas águas-forte.

5 Analise do conjunto da obra

O sofrimento espanhol, não foi somente ilustrado na série “Os Desastre”, mas

em outras duas grandes obras de propaganda: “2 de maio de 1808” e “3 de Maio de

1808”, datas essas que se tornaram sagradas na Espanha pós Napoleão.

Figura 3: A luta com os mamelucos (também conhecido como " 2 de Maio de 1808, em Madri") - Francisco de Goya (1814) Óleo sobre tela; 268 x 347 cm; Museu do Prado, Madri, Espanha. Fonte: (HUGHES, 2007, p 366).

Os acontecimentos registrados por Goya, durante os dias 2 e 3 de maio, não

foram “todos ocorridos no mesmo lugar e na mesma hora do dia.

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Neste dia (02/05/1808), comenta HUGHES, que apenas dois espanhóis tombam,

eles eram oficiais patriotas, um se chamava Velarde, e o outro Daoiz, cujos nomes

foram lembrados e obtiveram honrarias públicas. Goya em suas obras, não se interessou

em resgatar “homens com sobrenomes”, e sim os moribundos. As duas grandes obras

refletem os civis de roupas do dia- a - dia, pessoas essas cuja profissão era: “sapateiros,

vidraceiros, arreeiros, jardineiros, serralheiros, cocheiros, um par de estudantes e até um

padre ou dois, mas não pessoas de qualidade social”. (HUGHES, 2007, p. 356).

Se “ 2 de maio” é um documentário secular congestionado, quase confuso, o “3 de maio” tem mais o caráter de um retábulo de altar religioso – dedicado, entretanto, a religião do patriotismo. Ou seja, usa recursos da iconografia religiosa para forçar reações de piedade e terror naqueles que o contemplam, e o sucesso que obtém ao faze-ló é tão completo que o quadro sobrevive há quase dois séculos como o arquétipo soberano e único de imagens de sofrimento e brutalidade na guerra. . (HUGHES, 2007, p. 367).

Quando se fala dos fuzilamentos, é importante descrever que eles foram fonte

inspiradora para a produção artística do século XX, artistas como Pablo Picasso e

Edouard Manet, tiveram nos Fuzilamentos, o “guia de produção”, de uma arte

denunciadora e reveladora de massacres humanos.

O 3 de maio, é tão único que a sua “mera intensidade torna impossível compará-

lo a obras anteriores” . (HUGHES, 2007, p. 368).

“A verdade oferecida por pinturas anteriores de cenas de guerra não é crua, mas manifestamente cozida; enquanto a imagem extraordinária de Goya tampouco é crua, mas cozida de modo tão diferente e assombrosamente inédito que parece crua. Essa crueza fingida é uma das coisas mais modernas do quadro de Goya”. (HUGHES, 2007, p. 368).

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Figura 4: “Os fuzilamentos de 3 de maio de 1808”, Óleo sobre tela, 266 x 345 cm. Museu do Prado, Madri – Espanha. Fonte: (PROENÇA, 2007, p.176).

Quando o Exército de Napoleão Bonaparte invade a Espanha em 1808, muitos

que viam nesta invasão a esperança de melhoras em seu país tiveram uma desilusão, e a

população já com desconfiança desde o início da invasão vem a atacar às tropas

francesas no dia 2 de maio, este ataque promoveu por parte francesa no dia 3 de maio o

contra ataque este que promoveu o tombamento de diversos rebeldes espanhóis e muitas

pessoas inocentes.

A prática de ilustrar soldados anônimos e a sua ameaça para um grupo de

pessoas, é muito bem definida no “3 de maio”, porém Goya já havia testado está tática

de ilustração, em quatro lâminas da série “Os desastres de la guerra”, uma dessas

lâminas demonstra claramente esta técnica:

Figura 5: Goya, Los desastres, lamina 26, No se puede mirar, 1863. Gravura e água – tinta, 13,9 x 21,5 cm. Fonte:(HUGHES, 2007, p. 373).

Nas gravuras, toda individualidade, toda exuberância de humanidade se concentram exclusivamente nas vítimas. E assim foi também no Três de Maio. Goya não viu aquilo acontecer. Mas imaginou – de maneira tão poderosa, nutrindo – se de um depósito tão rico de imagens mais antigas – a figura de Cristo do trabalhador, em especial – que o conteúdo de seu pronunciamento, a percepção de que a guerra é uma injustiça vil e monstruosa, uma máquina imparcial que mata homens como gado e na maioria das vezes, não deixa resíduos de gloria atrás de si, é o protótipo de todas as visões modernas da guerra. (HUGHES, 2007, p. 373 - 374)

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Figura 6: Goya, “Los desastres”, lamina 2, Com razão ou sem ela, 1863. Gravura e água – tinta, 12,9 x 21,5 cm. Fonte: (KLINGENDER, 1967, P. 289).

Francisco Goya, de uma forma única e particular retrata não o triunfo de

Napoleão Bonaparte em seu país e sim utiliza seus pincéis para denunciar a violência

contida na guerra, está que entre os anos de 1808 a 1814 causou tamanho sofrimento ao

povo conquistado.

“Ao lhe perguntarem por que pintava tais coisas, respondeu: Para ter o prazer de

dizer eternamente aos homens que deixem de ser bárbaros”. (SAVELLE, 1964, p.75).

Considerações finais.

O século XVIII, que captou a Era da Razão e o Iluminismo, desenvolveu uma

tendência intelectual voltada para o interesse pelo irracional e emocional (CHARLES,

MANCA, 2007, p.10), proporcionou a criação de um movimento cultural chamado

Romantismo, que se predominou durante meados do século XVIII e XIX, expandindo-

se por toda a Europa e partes do mundo. Esse movimento reagiu contra o espírito

racionalista, captando precocemente a racionalização e a mecanização que caracterizara

o mundo industrial, o romantismo instituiu a ameaça que esse processo representava

para a expressão dos indivíduos, tendo em vista que os sentimentos e as emoções

estavam sendo relegados ao segundo plano. O romantismo foi o renascimento do

instinto e da emoção contra a supremacia da razão, a afirmação dos sentimentos contra a

frieza da racionalidade, após o reconhecimento de que o mundo humano se tornava mais

e mais injusto e o indivíduo cada vez mais insatisfeito, não encontrando na sociedade a

satisfação para seus anseios mais profundos.

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A memória impregnada de forma visceral na segunda fase da obra de Francisco

Goya faz com que à mesma seja não só objeto de estudo da história da arte na

contemplação do belo, mas também como fonte testemunhal mesmo que indireta dos

fatos ocorridos na turbulenta guerra, de um exército estruturado contra destreinados e

desarmados, resistentes de uma terra que se viu usurpada de seus direitos e instituições,

impondo ao observador uma reflexão do ocorrido, retumbando o som dos mosquetes

ironicamente imortalizados por uma testemunha desprovida do sentido auditivo,

despindo a memória de toda a sua dualidade indivíduo/coletivo, tornando - a palpável

ao conhecimento histórico, por essa ótica não mais obras - primas de um artista, mas

agora registros informativos “deste que vê” resgata, registra e salva.

REFERÊNCIAS

ARGAN, Giulio Carlo, Arte Moderna, São Paulo, Companhia das Letras, 1992.

BURKE, Peter. (org.). A escrita da historia, novas perspectivas. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1992.

CHARLES, Victoria; MANCA, Joseph; 1000 Obras – primas da Pintura. São Paulo, Martins Fontes, 2007.

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